[antónio de sousa uva] o trabalho dá saúde mas também mata
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O Trabalho dá saúde mas também mata
O trabalho dá saúde mas também mata. Desde logo porque o seu étimo é “tripalium”
(literalmente três paus, um instrumento de tortura utilizado na Roma antiga para prender pessoas
e torturá-las) mas também por ser corrente a expressão “o trabalho dá saúde”.
Há, consequentemente, na história do trabalho uma associação a penosidade e não a aspetos de
bem-estar ou qualquer outra dimensão numa perspetiva positiva.
O centro da intervenção da Medicina do Trabalho e da Segurança, Higiene e Saúde dos
Trabalhadores nos Locais de Trabalho (SHSTLT), incluindo a Medicina do Trabalho, a Psicologia do
Trabalho, a Segurança do Trabalho, a Enfermagem do Trabalho ou a Sociologia do Trabalho e a
Ergonomia, entre outras, está na atividade de trabalho e nas condições em que é exercido. Essa
interação entre os múltiplos elementos que constituem as situações de trabalho e a atividade do
trabalhador é, muitas vezes, complexa e daí a necessidade do concurso de tantas (e tão diversas)
áreas científicas e/ou disciplinares.
Os efeitos negativos do trabalho na saúde vão muito para além da ocorrência dos acidentes de
trabalho abrangendo um importante leque de situações que, para além das doenças profissionais
e das doenças relacionadas (e agravadas) pelo trabalho, abrangem ainda inúmeros aspetos
relativos a relações incompletamente conhecidas (por exemplo a exposição a novas substâncias
químicas ou as potenciais repercussões na saúde de novos métodos de trabalho) e aspetos como as
algias (por exemplo as cefaleias, as raquialgias ou as lombalgias), a fadiga ou a carga de trabalho.
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O Trabalho dá saúde mas também mata
A abordagem prevalente em SHSTLT é uma abordagem centrada nos “fatores de risco de natureza
profissional” (ou “perigos”). De facto segundo a Organização Internacional do Trabalho em cada
15 segundos um trabalhador morre por acidente de trabalho ou “doença ligada ao trabalho” e 160
são vítimas sem desfecho mortal. Tal representa uma estimativa de um total de 6.300 pessoas
mortas por dia ou 2,3 milhões por ano. A OIT estima que tal represente, para além dos custos
intangíveis, cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB).
Nas relações entre o trabalho e a saúde (doença) são, sistematicamente, esquecidos os aspetos
“positivos” que o trabalho, em termos de satisfação, bem-estar e realização pessoal, pode ter. De
facto, o trabalho pode ser um fator promotor de saúde, contribuindo para tal o compromisso das
empresas e dos trabalhadores, designadamente, nos seguintes aspetos:
• reconhecimento que as empresas têm impacto na saúde das pessoas, o que determina o
desenvolvimento de uma cultura desses valores;
• compromisso organizacional, informação e boa comunicação;
• envolvimento dos trabalhadores no processo de decisão em saúde;
• políticas e práticas de escolhas saudáveis (que também sejam as mais fáceis).
A Segurança, Higiene e Saúde dos Trabalhadores nos Locais de Trabalho objetivam um ambiente
de trabalho saudável e seguro com trabalhadores saudáveis, ativos e produtivos, aptos e
motivados para o exercício das suas atividades profissionais. Tal pressupõe, para além da
eliminação dos fatores de risco e de um ambiente de trabalho mais favorável à saúde, a melhoria
do clima psicossocial do trabalho e o reforço da escolha de estilos de vida saudáveis e de um local
de trabalho satisfatoriamente confortável.
Talvez o principal instrumento de política de SHSTLT devesse atualmente residir num maior
investimento na capacitação e na autonomia dos trabalhadores em matéria de Saúde e Segurança
do Trabalho (SST) que lhes permita, de forma autodeterminada, a promoção da sua saúde e uma
prevenção mais efetiva dos riscos profissionais.
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António de Sousa Uva
António de Sousa Uva é médico e Professor Catedrático de Saúde
Ocupacional da Escola Nacional de Saúde Pública onde coordena o
Departamento de Saúde Ocupacional e Ambiental e ainda
coordena o curso de especialização em Medicina do Trabalho.
O Trabalho dá saúde mas também mata
A atual crise no espaço europeu, o aumento do desemprego e as dificuldades na contratualização
em matéria de SHSTLT aumentam exponencialmente a necessidade de incrementar a
transferência de conhecimento de modo a capacitar os trabalhadores em SST. A capacitação em
saúde e segurança do trabalho é portanto cada vez mais urgente e não se pode circunscrever a
informação avulsa sobre riscos profissionais.
Sendo o trabalhador o centro das estratégias de ação da SHSTLT deve ser dada importância à
promoção da saúde, para além do que, na atualidade se convencionou denominar a “promoção da
segurança e saúde no trabalho” que, e bem, objetiva o fortalecimento dessas áreas disciplinares.
A promoção da saúde é centrada no trabalhador e não no prestador de cuidados ou em quem
intervém no ambiente laboral. Isto é, o trabalho deve ser um agente promotor de saúde e essas
ações não se podem confinar aos fatores (profissionais) de risco.
Assim como a saúde é, em parte determinada por crenças coletivas e por atitudes e
comportamentos de indivíduos, as relações entre o trabalho e a saúde (doença) são também
influenciadas pela (des)valorização das pessoas e do trabalho e, por maioria de razões, pelo
“clima” do ambiente laboral ou, se se preferir, pela cultura de saúde e segurança. A dicotomia
emprego/desemprego não é amiga da dimensão positiva do trabalho na saúde.
Bibliografia
Global Strategy on Occupational Safety and Health; Conclusions adopted by International Labor Conference at its 91st Session. Geneva,
International Labor Office, 2004.
Improving safety and health at work through a Decent Work agenda. Geneva, International Labor Organization. [em linha] disponível
em:http://www.ilo.org/safework/projects/WCMS_149466/lang–en/index.htm [Acedido em 7/11/2014].
Sousa-Uva, A.; Graça, L. Saúde e Segurança do Trabalho: glossário. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho. Cadernos Avulso 04,
2004.
Sousa-Uva, A. Diagnóstico e Gestão do Risco em Saúde Ocupacional. Lisboa: Autoridade para as Condições de Trabalho-ACT; 2006, 2010.
Sousa-Uva, A. (ed.). Trabalhadores saudáveis e seguros em locais de trabalho saudáveis e seguros, Lisboa: Petrica Editores, 2011.
Sousa-Uva, A.; Serranheira, F. Saúde, Doença e Trabalho: ganhar ou perder a vida a trabalhar. Lisboa: Diário de Bordo, 2013
Sousa-Uva, A.; Serranheira, F. Trabalho e Saúde/Doença: o desafio sistemático da prevenção dos riscos profissionais e o esquecimento reiterado da
promoção da saúde. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho. 2013;11:43-49.
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