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Ano passado terá batido o recorde de saldo populacional negativo Dados provisórios apontam para mais 24 mil mortes que nascimentos em 2017, o que será a maior diferença do século Sociedade, 10/11

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Page 1: Ano passado terá batido o recorde de saldo … passado terá batido o recorde de saldo populacional negativo Dados provisórios apontam para mais 24 mil mortes que nascimentos em

Ano passado terá batidoo recorde de saldopopulacional negativoDados provisórios apontam para mais 24 milmortes que nascimentos em 2017, o que será amaior diferença do século Sociedade, 10/11

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Mais mortes do que nascimentos?2017 terá batido um recordeDados ainda provisórios indicam que em2017 houve mais 24 mil mortes do quenascimentos, o que será o maior saldo

negativo do século. População está aencolher há nove anos consecutivos

PopulaçãoAlexandra Campos

A população portuguesa voltou a di-minuir em 2017. 0 saldo natural ne-gativo, que acontece pelo nono anoconsecutivo, não surpreende os es-

pecialistas. Mas a sua dimensão gerapreocupação: enquanto em 2009,primeiro ano em que o total de óbitos

suplantou o de nascimentos, se ficou

por perto de cinco mil, no ano passa-do terá rondado os 24 mil, segundodados ainda provisórios.

Mesmo sem levar em consideraçãoos fluxos migratórios, que têm sido

sempre negativos nos últimos anos,e fazendo contas por alto, entre 2009e 2016 perdemos quase 150 mil habi-tantes. "É uma tendência de declínio

que se vem agravando de ano paraano. Temos menos nascimentos e,mesmo que haja oscilações [comoaconteceu em 2015 e 2016, quandoa natalidade aumentou um pouco],nunca conseguiremos recuperar osnúmeros de há alguns anos", sinte-tiza a presidente da Associação Por-

tuguesa de Demografia (APD), MariaFilomena Mendes.

Ao mesmo tempo, prossegue, "an-damos a empurrar a morte para ca-da vez mais tarde, mas a populaçãoem risco de morrer em idades mais

avançadas é cada vez maior e estefacto - o de termos uma populaçãomuito envelhecida - faz com que ha-

ja mais mortes".Não definitivos, porque têm de ser

ajustados para filtrar eventuais dupli-

cações e erros, como avisa um espe-cialista da Direcção-Geral da Saúde

(DGS), os dados já disponíveis, queo PÚBLICO cruzou, indicam que osaldo natural em 2017 poderá ser omais elevado deste século (com osóbitos a suplantar ainda mais os nas-cimentos do que em anos anteriores).

No ano passado, entre Janeiro e

Dezembro, o Instituto Nacional deSaúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) con-tabilizou 86.180 "testes do pezinho",rastreio feito à nascença, enquanto osistema informático de certificadosde óbito gerido pela DGS somava nofinal do ano 110.197 mortes. Um saldonatural negativo superior a 24 mil.

"A esperança de vida aumentamas a população tem vindo a enve-lhecer", justifica o epidemiologistado Insa, Baltazar Nunes, que recor-re a uma imagem para descrever ofenómeno: "A pirâmide etária está a

perder o formato de pirâmide, está aficar com gorduras na cintura."

Neste contexto, para rejuvenes-cer a envelhecida população por-tuguesa seria necessário "um ritmode entradas [de imigrantes ou emi-

grantes que regressam ao país] daordem das dezenas ou centenas demilhares por ano", calcula Jorge Ma-lheiros, do Centro de Estudos Geo-

gráficos da Universidade de Lisboa.

O limiar "psicológico"Ao contrário do que está a aconte-cer em Portugal, na União Europeia(UE), a maior parte dos países ainda

consegue ganhar população, graçasà imigração. Em 2016, segundo osúltimos dados oficiais do Eurostat, o

gabinete de estatísticas da UE, havia18 países nesta situação. Portugal fi-

gurava na lista dos dez que estavam a

perder habitantes, em conjunto coma Lituânia, Letónia, Croácia, Bulgá-ria, Roménia, Hungria, Grécia, Itáliae Estónia.

Nesse ano, apesar de se ter veri-ficado um ligeiro aumento de nas-cimentos, muito aplaudido no país,Portugal registou a segunda taxa denatalidade mais baixa dos 28 Esta-dos-membros (8,4 nascimentos pormil habitantes), apenas à frente deItália. E, com os óbitos a suplantarem

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a fasquia dos 110 mil, a populaçãorecuou para 10,309 milhões em Ja-neiro de 2017.

Do ponto de vista do crescimentonatural, o futuro não se afigura ri-sonho. As projecções mais recentesdo Instituto Nacional de Estatística(INE), apesar de incluírem cenáriosmais optimistas e menos optimistas,apontam para uma redução acele-rada da população nas próximasdécadas: poderemos mesmo passardos actuais 10,3 milhões para apenas7,5 milhões em 2080 segundo o INE,que calcula que a população fique

abaixo do limiar "psicológico" dos10 milhões, já a partir de 2031.

Jorge Malheiros acredita que até

possa ocorrer antes. Com o núme-ro médio de filhos por mulher emidade fértil a rondar actualmente os

1,3, a léguas dos 2,1 necessários paraassegurar a renovação das gerações,sem ser compensado pela imigração,cada vez haverá menos jovens, en-

quanto, do lado oposto da pirâmide,o número de idosos não parará deaumentar. Uma conjugação de facto-res que conduzirá ao rápido aumentoda taxa de envelhecimento. O país

está a envelhecer muito depressae este é que é o problema central,enfatizam Jorge Malheiros e MariaFilomena Mendes.

Ainda assim, o geógrafo acredita

que há condições para que o declínio

populacional se inverta, se Portugalretomar os valores médios das taxasde crescimento económico de há al-

guns anos. Aí, sustenta, haverá aténecessidade de mais mão-de-obrae nesse caso passaremos a ter umsaldo migratório positivo - que setornou negativo sobretudo duranteos anos de crise económica, quandoa emigração disparou e perdemos

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capacidade para atrair traDainado-res estrangeiros. "Se tivermos capa-cidade para fixar mais imigrantes,Portugal poderá não continuar a per-der população", antecipa Maria Filo-

mena Mendes, notando que pela viada natalidade já será extremamentedifícil a inversão do fenómeno. "Odeclínio da natalidade já temdécadas", lembra a demógra-fa. "Mesmo que a fecundidadeaumentasse muito, temos cada

vez menos mulheres em idadede ter filhos. E [ter filhos] é umadecisão complexa, num país em

que os baixos rendimentos,o desemprego jovem, as

questões da habitação e

da precariedade laboraipersistem".

[email protected]

4 PERGUNTAS A JORGE MALHEIROS

Em breve, os jovens não chegarão para satisfazeras necessidades do mercado de trabalho

Parece

um paradoxo: ataxa de desemprego éhoje elevada entre osjovens. Mas, se a economia

portuguesa retomar os valoresmédios de crescimento dasúltimas décadas, em breve o

país não terá gente suficiente

para as necessidades de mão-de-obra. Quem o diz é JorgeMalheiros, do Centro de Estudos

Geográficos da Universidade deLisboa.

Portugal está condenado aodeclínio populacional?De acordo com as projecçõesque temos feito, mantendoas actuais condições defecundidade e de natalidade eum saldo migratório que agoraé negativo, inevitavelmenteteremos nove, oito milhões eeventualmente sete milhões deresidentes em 2050, 2060. Nopróximo censo (2021) é provávelque população portuguesa fiquepróximo dos 10 milhões. Ostrabalhos que temos feito dizem,contudo, que a actual dinâmicado mercado de trabalho e asnecessidades de inovação vãoexigir a entrada de pessoas no

país. O mercado de trabalhovai precisar de mais gente e,com as actuais condições denatalidade, os jovens não vãoser suficientes para satisfazer asnecessidades.

Mas hoje a taxa de desempregodos jovens é muito elevada.O que se prevê é que isto

comece a notar-se a partirdo próximo decénio,

admitindo que a economiaportuguesa retomeos valores médios decrescimento das últimasdécadas. Se o número

de estrangeiros quevier para cá ede

portuguesesque emigrarame decidamregressar for

significativo, podemos passarater um saldo migratório positivo.Agora, isto não significaque tenhamos um grandecrescimento populacional.Podemos é começar a estabilizarou a crescer um pouco. E

também não significa que a

população se torne mais jovem.Para rejuvenescer precisávamosda entrada de pessoas a umritmo da ordem das dezenas oucentenas de milhares por ano.Podemos falar, portanto, emcrise demográfica?Aqui há uns tempos falava-seda crise demográfica. Hojetenho dúvidas de que se possausar essa expressão. O queaconteceu foi uma transiçãomuito rápida, o país envelheceumuito rapidamente. Isto obriga

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a um ajustamento rápido dasociedade. Uma pequenaperda de população não é umasituação grave, é bom que as

pessoas vivam mais tempo,mas o processo tem de sercontrolado. O défice de 24 mil é

significativo e ainda temos umsaldo migratório negativo. Esta

situação comporta riscos — desustentabilidadeda segurançasocial, do mercado de trabalho,de défice de inovação. Hojehá um capital de esperançamaior, as pessoas consomemum pouco mais, mas o nível derendimento ainda não regressouaos valores de há 10 ou 12 anos.Defende, pois, que temosrazões para acreditar quea popu lação possa voltar acrescer?Temos razões para acreditar

que isso possa acontecer nopróximo decénio. Há cinco anos,criou-se uma comissão paradebater a questão da natalidade,mas não houve uma políticaefectiva, apenas pequenasmedidas, sem uma estratégianacional. Ao nível das políticas,há um discurso simpático quenão é acompanhado de medidasefectivas. A.C.

Risco de morreré maior no Inverno

Alexandra Campos

0 número de óbitos não oscila muito,mas nos últimos anos aumentou li-

geiramente. "A mortalidade dependemuito da população que está em ris-

co de morrer e o principal factor derisco para morrer é a idade", explicaBaltazar Nunes, epidemiologista doInstituto Nacional de Saúde Dr. Ri-cardo Jorge (Insa). Mas há factoresexternos que podem influenciar este

fenómeno, como a eventualidade deocorrerem ondas de calor no Verão,e de o frio e as epidemias de gripeterem mais intensidade no Inverno,enfatiza.

Quanto aos excessos de mortalida-de já contabilizados neste Inverno -em três semanas, cerca de mil óbitosacima do que seria de esperar paraesta época do ano — , o investigadordo Insa lembra que as temperatu-ras estiveram muito baixas na últi-ma semana de 2017 e que o frio e a

epidemia de gripe estão associados aaumentos da mortalidade, principal-mente na população mais fragilizada,devido à multiplicação de infecçõesrespiratórias e à descompensação de

doenças crónicas.Mas "ainda é demasiado cedo" pa-

ra se perceber a magnitude do efei-to do frio e da gripe na mortalidadeneste Inverno, adverte. Num passadorecente, houve Invernos bem mais

complicados: o de 2014/2015, em queo Insa estimou que o frio e a gripetenham contribuído para 5591 mor-tes acima do esperado; e, no Invernode 2016/2017, voltou a registar-se umexcesso de mortalidade assinalável(4467 óbitos). Baltazar Nunes lembra

que ainda houve Invernos piores, co-mo o de 1998/1999, em que o excessode mortalidade ultrapassou a fasquiados oito mil óbitos.

O risco de morrer é maior no In-verno. "As temperaturas muito bai-xas estão associadas a um aumentoda mortalidade principalmente napopulação fragilizada e o frio e a hu-midade reduzida costumam tambémestar associados ao início da epide-mia de gripe porque estas condições

O frio e a gripe estão associadosao aumento da mortalidade

aumentam a sobrevivência dos ví-rus", sintetiza.

A agravar o cenário, a populaçãotem vindo a envelhecer, o númerode pessoas muito idosas (85 ou mais

anos) é crescente e é elevada a pre-valência de doenças crónicas. As

condições de vida também entramnesta equação. "Quantas habitaçõesnão estão preparadas para as tempe-raturas extremas? Quantas casas emPortugal têm aquecimento centralou ar condicionado", pergunta o epi-demiologista. Recorda um estudo jácom 12 anos que se tornou "um clás-

sico" e que comprovou que "nos pa-íses do Sul da Europa a sazonalidadeda mortalidade é mais acentuada",

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o que pode estar relacionado comas condições sódo-económicas e o

estado de saúde da população.No início deste mês, dados revela-

dos pelo Eurostat indicam que, ape-sar o número de famílias portuguesasque não conseguem manter a casa

aquecida ter diminuído nos últimosanos, o país continua a ser um dos

que apresentam uma das situaçõesmais difíceis no contexto da União

Europeia. Mais de um quinto (22,5%)das famílias queixam-se de não con-

seguir manter a casa quente "de for-

ma adequada". Pior só a Bulgária, a

Lituânia, a Grécia e Chipre.