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em movimento www.bancariosbahia.org.br Ano XXVI nº 56 Janeiro / Fevereiro de 2017 Feminina, feminista, ou ativista? Do fundo de meu quarto, do fundo de meu corpo clandestino ouço (não vejo) ouço crescer no osso e no músculo da noite a noite a noite ocidental obscenamente acesa sobre meu país dividido em classes. Ferreira Gullar Madrugada to que é definido mais comumente como masculino do que feminino, mas não significa dizer que “ser fe- minina” impede de lutar pelos direi- tos das mulheres. Uma pessoa pode ser extremamente carinhosa, amá- vel e ser feminista. “Ser doce, nunca dócil”, define bem essa questão. Da mesma forma, um homem pode ter um perfil mais feminino, sem necessariamente perder sua masculinidade. Com certeza um homem também pode (e deve) ser feminista, defender as mulheres e lutar por igualdade de direitos e de oportunidades, afinal, a sociedade é composta por homens e mulhe- res. (continua na pág. 2) Gravidez do homem Página 2 Microcefalia e aborto Página 3 Intolerável ciúme Página 4 A simples menção da palavra fe- minismo deixa muita gente in- quieta. É preciso romper os tabus que o cercam para ampliar a per- cepção do lugar das mulheres no mundo. Compreender o assunto é fundamental para definir o que pode ser potencializado no senti- do de superar as desigualdades de gênero. Pra ser feminista tem que ser fe- minina? Quando se discute o tema, surgem logo as questões sobre ser “feminina, feminista ou ativista”. Isso está relacionado com o perfil, o jeito de ser e de se comportar. Exis- tem mulheres que têm atitudes mui- to próximas de um comportamen- Vem aí 2 de fevereiro Dia de festa no mar. Iemanjá Oito mulheres serão homenageadas no 8 de março Dia Internacional da Mulher

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Page 1: Ano I n 5 Janeiro / Fevereiro de 201 Feminina, feminista ... · que o homem não tem acesso... Mas, se depender da ciência, esta realidade pode mudar radicalmente. Feminina, feminista

e m m o v i m e n t o

www.bancariosbahia.org.br

Ano XXVI nº 56 Janeiro / Fevereiro de 2017

Feminina, feminista,ou ativista?

Do fundo de meu quarto, do fundode meu corpoclandestino

ouço (não vejo) ouçocrescer no osso e no músculo da noite

a noitea noite ocidental obscenamente acesasobre meu país dividido em classes.

Ferreira GullarMadrugada

to que é definido mais comumente como masculino do que feminino, mas não significa dizer que “ser fe-minina” impede de lutar pelos direi-tos das mulheres. Uma pessoa pode ser extremamente carinhosa, amá-vel e ser feminista. “Ser doce, nunca dócil”, define bem essa questão.

Da mesma forma, um homem pode ter um perfil mais feminino, sem necessariamente perder sua masculinidade. Com certeza um homem também pode (e deve) ser feminista, defender as mulheres e lutar por igualdade de direitos e de oportunidades, afinal, a sociedade é composta por homens e mulhe-res. (continua na pág. 2)

Gravidez do homemPágina 2

Microcefalia e abortoPágina 3

Intolerável ciúmePágina 4

A simples menção da palavra fe-minismo deixa muita gente in-

quieta. É preciso romper os tabus que o cercam para ampliar a per-cepção do lugar das mulheres no mundo. Compreender o assunto é fundamental para definir o que pode ser potencializado no senti-do de superar as desigualdades de gênero.

Pra ser feminista tem que ser fe-minina? Quando se discute o tema, surgem logo as questões sobre ser “feminina, feminista ou ativista”. Isso está relacionado com o perfil, o jeito de ser e de se comportar. Exis-tem mulheres que têm atitudes mui-to próximas de um comportamen-

Vem aí

2 de fevereiro

Dia de festa no mar.

Iemanjá

Oito mulheres serão homenageadas no 8 de março Dia Internacional da Mulher

Page 2: Ano I n 5 Janeiro / Fevereiro de 201 Feminina, feminista ... · que o homem não tem acesso... Mas, se depender da ciência, esta realidade pode mudar radicalmente. Feminina, feminista

2 MULHEREM MOVIMENTOwww.bancariosbahia.org.br

A gravidez do homemQuem disse que homem não fica

grávido? Afinal de contas ainda não se descobriu uma forma da mulher engravidar sem o espermatozoide que fecunda seu óvulo. E de onde vem o espermatozoide? Então, am-bos ficam grávidos, a diferença é que a fecundação ocorre dentro do cor-po da mulher e é neste espaço que o feto se desenvolve.

Se o útero fosse no ventre mas-culino, como seriam as relações? O homem se preocuparia em tomar medidas para evitar uma gravidez in-desejada? Muitos dizem que a mulher é a responsável quando engravida um homem, que está no controle dela ter um filho ou não, que a ela é dado a chance de usar os anticoncepcionais que o homem não tem acesso... Mas, se depender da ciência, esta realidade pode mudar radicalmente.

Feminina, feministaou ativista?

CAPA - continuação

Para ser feminista tem que le-vantar a bandeira do feminismo? A pessoa pode ser feminista no seu dia a dia e não estar engaja-da em nenhum movimento femi-nista, isto não reduz o seu valor. O importante é acreditar que ho-mens e mulheres devem ter as mesmas garantias enquanto ci-dadãos, você é feminista, inde-pendente de sua opção sexual ou do seu jeito de ser.

Quem levanta a bandeira do feminismo e incorpora na vida a pauta da luta das mulheres são pessoas comprometidas com o tema e geralmente fazem parte de algum núcleo ligado direta-mente às questões das mulhe-res. Essas pessoas são ativistas da causa.

Se você acha que a mulher tem o direito de decidir sobre seu corpo, que roupa feminina não é convite ao estupro, que as mulheres merecem uma vida sem violência, que ela deve ga-nhar salário igual ao dos homens e ocupar profissões de sua livre escolha, se você acha que me-ninos e meninas podem brincar com qualquer brinquedo, que uma mulher pode beber, xingar, extravasar, sem que isto lhe dimi-nua em nada, se você acha que o casal deve compartilhar a edu-cação dos filhos e as tarefas do-mésticas, que a mulher é um ser livre e só a ela compete suas es-colhas sem interferência do ma-rido, pai ou Estado, então, você é feminista!

Feminismo busca a igualdade entre homens e mulheres, mas não é o oposto do machismo, que subjuga as mulheres como seres inferiores e as atacam no seu direito fundamental, agin-do muitas vezes com violência. Igualdade não significa querer ser superior, dominar os homens ou agir como os homens agem com as mulheres, ser feminista é algo sublime e deve ser festeja-do, afinal, toda criatura humana, independente do sexo, merece respeito.

Gostou do tema desta abordagem? Dê a sua opinião, escreva para: [email protected].

Está em fase de teste uma pílula anticoncepcional masculina – Vasal-gel -, que vem sendo desenvolvida pela Parsemus Foundation, uma or-ganização não governamental nor-te-americana, que pretende colocar o medicamento no mercado já em 2017, dando aos homens este recur-so para barrar uma gravidez indese-jada.

Quando estiver disponível, a pílu-la masculina pode acabar com a ve-lha história do “golpe do baú” ou que a mulher engravidou para prender o homem... O Vasalgel não tem hor-mônios em sua fórmula e funciona de modo similar à vasectomia. Mas não se preocupe, não é para sem-pre. Uma única dose funcionará por um longo período, mas o tratamento pode ser revertido para quem quiser ficar grávido algum dia.

Poesia, militância, engajamento, atualidade, luta e arte. Esse é o Mulher em Movimento … uma leitura que nos dá forças e esperança na luta diária especialmente nós mulhe-res! Parabéns ao Departamento de Gênero pelo belíssimo trabalho!!! Vida longa !!!

Carina Alves - assistente social

espaço do leitor

CONTRACEPÇÃO O masculino e a responsabilidade compartilhadafo

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MULHEREM MOVIMENTO 3www.bancariosbahia.org.br

Microcefalia, Zika e o direito ao aborto

foto: al.sp.gov.br

O Supremo Tribunal Federal (STF) vem tomando importantes decisões sobre matérias que afetam o direito sexual e reprodutivo das mulheres. No final de novembro, ao julgar um caso específico, entendeu não ser crime a interrupção de gravidez até o terceiro mês (ver Box). O direito ao aborto em casos de microcefalia, entretanto, segue aguardando apre-ciação. O assunto vem sendo adiado em função da pauta “da crise”, que submeteu a corte a interesses políti-cos em suas votações, mas a volta à mídia do noticiário sobre o aumen-to dos casos de Zika pode apressar

o assunto na agenda do Supremo. Segundo o Ministério da Saúde, em 2016, foram 16,5 mil casos prováveis de gestantes infectadas, sendo 9,5 mil confirmados laboratorialmente.

A matéria voltou à pauta do STF em dezembro, já com parecer favorá-vel do procurador-geral da República, Rodrigo Janot que, com base no Có-digo Penal, entende que nesses ca-sos, caberia às gestantes infectadas a decisão sobre efetivar ou não o abor-to, não incorrendo na prática de cri-me. Para o ministro Ricardo Lewan-dowski, porém, caberia ao Congresso incluir no Código Penal uma nova ex-

ceção ao crime de aborto. Atualmen-te, a interrupção da gravidez no Bra-sil é permitida apenas nos casos em que a gestante corre risco ou quando a gravidez decorre de estupro.

Em 2012, o STF já havia proferido im-portante decisão para as mulheres, ao descriminalizar o aborto em casos de fetos anencéfalos (sem cérebro). Muito próximo desta realidade, estão os casos de mulheres grávidas infectadas com o vírus da Zika, que poderão ter seus be-bês com algum tipo de problemas neu-rológicos. E já se sabe que a ação do ví-rus pode acontecer também depois do terceiro mês de gravidez.

Decisão inédita proferida pelo STF, no dia 29 de novembro, en-tendeu não ser crime a interrup-ção voluntária da gravidez até o terceiro mês da gestação. O jul-gamento, referente a um caso ocorrido em 2013, envolvendo médicos e funcionários de uma clínica clandestina, no Rio de Ja-neiro, não vale para outros ca-sos, mas abre um importante precedente na discussão sobre o aborto. Na edição set/out do JMM, publicamos matéria sobre a decisão da ONU de punir o governo do Peru para que inde-nizasse uma mulher que foi im-pedida de abortar ao constatar má formação do feto, reconhe-cendo a decisão sobre o aborto como um direito humano.

STF diz que aborto até terceiro mês não é crime

“A continuidade forçada da gestação em que há certeza de infecção pelo vírus da zika representa, no atual contexto de desenvolvimento científico, risco certo à saúde psíquica da mulher. Nesses casos, pode ocorrer violação do direito fundamental à saúde mental e à garantia constitucional de vida livre de tortura e agravos severos evitáveis.”

“Em verdade, a criminalização confere uma proteção deficiente aos direitos sexuais e reprodutivos, à autonomia, à integridade psíquica e física, e à saúde da mulher, com reflexos sobre a igual-dade de gênero e impacto desproporcional sobre as mulheres mais pobres. Além disso, criminalizar a mulher que deseja abor-tar gera custos sociais e para o sistema de saúde, que decorrem da necessidade de a mulher se submeter a procedimentos inse-guros, com aumento da morbidade e da letalidade.”

Rodrigo Janot – Procurador-Geral da República

Luís Roberto Barroso – Ministro do STF

MULHERES EM LUTA PELA APROVAÇÃO DA LIBERAÇÃO DO ABORTO EM CASOS DE ZIKA!

LEGISLAÇÃO Direito reprodutivo no STF

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O Jornal Mulher em Movimento é uma publicação do Sindicato dos Bancários da Bahia, editado sob a responsabilidade do Departamento de Gênero. Presidente: Augusto Vasconcelos. Diretora de Gênero: Alda Valéria. Diretor de Imprensa: Adelmo Andrade. Endereço: Avenida Sete de Setembro, 1.001, Mercês, Salvador-Bahia. CEP 40.060-000. Fone: 71 3329.2333. Fax: 71 3329.2309. Site: www.bancariosbahia.org.br. Email: [email protected]. Responsável: Ney Sá. Projeto gráfico: Danilo Lima. Diagramação: André Brandão Neves. Edição fechada em 22.12.2016. Tiragem: 5 mil exemplares. Impressão: Gráfica Muttigraf. Distribuição gratuita.

OS HOMENS QUE SE CUIDEM

Raça, transgeneralidadee saúde do homem

“Nos diversos espaços onde homens interagem e constroem

suas masculinidades e seus modos de se definirem como

tais, muito pode ser reinventado e novos elementos podem ser

apresentados.”

DiogoSousa 1

PARTE III

Quando a PNAISH passa a ser lida considerando que cada grupo de ho-mens se relaciona de modo distinto com a mesma, é possível perceber que os desafios para a sua implantação são muitos. Se pensar essa diversidade de homens implica num grande esforço para atingir os resultados esperados pela política, romper a lógica cisgênera e naturalizante dos corpos e sujeitos, que inteligibiliza como homem aquele que nasce com pênis e se reconhece tal qual a lógica biologicista impõe, nos lan-ça um novo desafio.

A PNAISH destina atenção integral a transexuais, embora sem especificar se isso diz respeito aos homens trans. Apostando nessa prerrogativa, a presen-ça desses sujeitos na política tem gran-de importância: visibiliza e busca inte-gralizar os homens trans nas redes de serviços e práticas de saúde.

Entretanto, ao mesmo tempo em que os homens trans parecem figurar na política, as travestis também se encon-tram inseridas. Eis aí um impasse: o que sustenta a presença dos homens trans e das travestis na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem? Se a resposta se baseia na presença do pênis, a vivência das travestis e as suas feminilidades passam a ser deslegitima-das na medida em que a política lhes atribui reconhecimento enquanto ho-mens, quando, ao mesmo tempo, nega a vivência dos homens trans em função da ausência desse órgão.

Os estudos culturais têm questiona-do a naturalização da dicotomia do gê-nero, reportando os essencialismos da masculinidade e da feminilidade, como também desvinculando o determinis-mo da expressão de gênero calcada no sexo. Nem as vinculações pênis-mas-

culino-homem ou vagina-feminino-mu-lher são lineares, únicas e homogêneas, nem o genital é o elemento que determi-na a pessoa. Assim, é fundamental com-preender que o reconhecimento de si e a construção da autoimagem está para além dos atributos físicos que carrega-mos, bem como que nenhum órgão é, exclusivamente, masculino ou feminino.

É nesse sentido que o psicólogo e trans ativista João W. Nery e o histo-riador Eduardo Maranhão Filho (2015) apresentam que “os trans-homens vi-venciam uma ‘masculinidade inquie-tante’ (...) porque não há, na cultura brasileira, espaço para respeitá-los ou entendê-los como homens sem pênis, com seios e com vagina”10, o que tor-na urgente expandir o que, costumeira-mente, reconhecemos como homem e masculino (e como mulher e femi-nino). Nos diversos espaços onde ho-mens interagem e constroem suas masculinidades e seus modos de se definirem como tais, muito pode ser reinventado e novos elementos podem ser apresentados. Aprendamos, respei-temos e vivamos.

1. Psicólogo. Especialista em Gênero e Sexualida-des. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Comunitária (ISC/UFBA). 10. NERY, João Walter, MARANHÃO FILHO, Eduardo Meinberg de Alburquerque. Trans-ho-mens: a distopia nos tecno-homens. In: BRASIL, Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estra-tégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Transexualidade e travestili-dades na saúde. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departa-mento de Apoio à Gestão Participativa. Brasília, Ministério da Saúde, 2015. p. 25-35.

Publicamos nesta edição a terceira e última parte do artigo do psicólogo Diogo Souza, escrito especialmente para o Jornal Mulher

em Movimento. A íntegra do texto está disponível na sessão de artigos do nosso site: www.bancariosbahia.org.br.

Recebi ou digitei o número errado e quando liguei não fui atendido pela pessoa que es-perava. Desculpei-me e desli-guei imediatamente. Naquela mesma noite recebi a ligação de um homem que, falando gros-so e super nervoso, perguntava: “Você liga para mulher dos ou-tros por quê?!” Na hora H não entendi nada. Logo recordei-me da ligação que tinha feito pela manhã e tentei explicar que ha-via sido um engado etc. O sujei-to, do outro lado, extremamen-te nervoso, só fazia me agredir... Pra resumir, durante uns três dias recebi ligações com ame-aças...

Deste episódio ficou uma reflexão sobre o ciúme e um sentimento de “pena” da mu-lher casada com aquela pessoa. Percebi que o ciúme é o estado emocional que mais temo, que mais me incomoda, porque re-vela muito de mim e de outrem.

O ciúme é a estupidez de an-tecipar o sofrimento. Revela o quanto somos inseguros e te-memos a perda. Para alguns, talvez esse temor seja um indi-cativo ou uma prova de amor, daí há quem provoque o ciúme de forma deliberada. Mas o ci-úme tem como baluarte a inse-gurança tanto de quem sente, quanto de quem provoca. Se percebo uma cena proposital fico muito chateado.

Odeio sentir ciúme e quando sinto fico quieto, guardo dentro de mim, ele é meu e de mais ninguém... Sempre jogo aberto e sou o mais sincero possível. Acho torturante expressar ciú-me para demonstrar que gosto de uma pessoa. Com um pou-co de astucia é possível saber quando alguém gosta da gente de verdade e não é só da boca para fora...

CR Moska – poeta

Intolerávelciúme