análise do desenvolvimento de competências gerenciais na ... · conhecimentos, habilidades e...
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MARTINS, V. W. B; NEVES, R. M. das; MACÊDO, A. N. Análise do desenvolvimento de competências gerenciais na construção civil através do modelo da Aprendizagem Baseada em Problemas adaptado ao contexto organizacional. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 14, n. 1, p. 155-175, jan./mar. 2014.
ISSN 1678-8621 Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído.
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Análise do desenvolvimento de competências gerenciais na construção civil através do modelo da Aprendizagem Baseada em Problemas adaptado ao contexto organizacional
Analysis of the development of managerial competences in the construction industry using Problem-Based Learning model adapted to the organizational context
Vitor William Batista Martins Renato Martins das Neves Alcebíades Negrão Macêdo
Resumo s mudanças no cenário da engenharia civil e consequentemente da gestão da produção das obras exigem um engenheiro com perfil diferente, resultando na necessidade novas competências, relacionadas a inovação, foco no cliente, planejamento e controle, sistemas de
gestão da qualidade, sustentabilidade e uma visão humanista. O objetivo principal deste artigo é identificar as competências desenvolvidas em uma empresa construtora com o processo de implantação da Aprendizagem Baseada em Problemas adaptado ao contexto organizacional. A estratégia de pesquisa adotada foi a pesquisa-ação, na qual a equipe de pesquisa atua com profissionais para melhorar a forma como estes entendem e resolvem problemas. Os resultados alcançados envolveram o desenvolvimento de competências relacionadas ao contexto organizacional, à aprendizagem individual, coletiva e organizacional, apontando problemas e possíveis soluções de gestão na empresa. Através do desenvolvimento de competências gerenciais, foi estimulada uma visão humanística, sustentável, com foco no cliente, além de um melhor sistema de gestão da qualidade. Identificaram-se problemas no sistema de gestão organizacional, ficando evidente a necessidade da criação de um ambiente propício para troca de informações entre diferentes setores da empresa.
Palavras-chave: Desenvolvimento de competências. Aprendizagem Baseada em Problemas. Gestores de obra.
Abstract Continuous changes in the civil engineering scenario, and consequently in construction production management require engineers with a different profile, resulting in the need of new competences, related to innovation, customer focus, planning and control, quality management systems, sustainability and a humanistic vision. The main goal of this article is to identify the competences developed in a construction company through the implementation of problem-based learning adapted to the organizational context. The strategy applied in this study was action research, in which researchers work with practitioners to improve the way they understand and solve problems. The results obtained involve the development of competences related to the organizational context, individual, collective and organizational learning process, pointing out problems and possible managerial solutions in the company. By developing managerial competences, a sustainable and humanistic vision, with client focus was stimulated, besides improvements in the quality management system. Some problems were identified in the organizational management system, making evident the need to create an environment that facilitates information exchange among the different sectors of the company.
Keywords: Competence development. Problem-Based Learning. Construction Managers.
A
Vitor William Batista Martins
Universidade do Estado do Pará
Marabá - PA - Brasil
Renato Martins das Neves Universidade Federal do Pará
Marabá – PA - Brasil
Alcebíades Negrão Macêdo Universidade Federal do Pará
Belém - PA - Brasil
Recebido em 07/03/13
Aceito em 12/01/14
Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 14, n. 1, p. 155-175, jan./mar. 2014.
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Introdução
A crescente e constante mudança da
competitividade no ramo da construção civil, a
velocidade com que novas tecnologias vêm sendo
disponibilizadas, a quantidade e o acesso rápido à
informação caracterizam um ambiente turbulento,
que requer uma grande capacidade de adaptação e
aprendizagem nas organizações, o que resulta em
uma alteração constante no perfil dos engenheiros
civis gestores de obra.
De acordo com Leripio e Cristo (2012), a função
do engenheiro ao longo do tempo sofreu
considerável evolução, exigindo competências
cada vez mais apuradas de tais profissionais. É
necessário ter uma visão sistêmica, pensar na obra
como um todo, desde aspectos operacionais e
econômicos até ambientais. O papel do engenheiro
deverá mudar de uma postura passiva de simples
executor para uma ativa de inovador, comunicador,
educador, tomador de decisões, um fazedor de
políticas, engajado nas mudanças que deverão
ocorrer nas próximas décadas. Esse cenário
obrigará cada vez mais o engenheiro civil, da
maneira mais rápida possível, a seguir um dos
princípios da qualidade, que é produzir mais
(aumento da produtividade) com menos (modo
econômico) e melhor utilizando os recursos (sem
desperdícios).
As mudanças ocorridas no contexto da engenharia
civil e especificamente na gestão de produção das
obras exigem um engenheiro com perfil diferente
do “tocador de obras”. Diante dessa realidade,
algumas mudanças ocorreram e irão ocorrer de
forma mais rápida, provocando alterações
significativas nesse novo perfil profissional dos
engenheiros. Essa nova conjuntura exige
características mais apuradas de tais profissionais,
tornando indispensável o domínio sobre inovação,
foco no cliente, planejamento, conhecimento de
sistemas de gestão da qualidade, sustentabilidade e
uma visão humanista.
Aliados à transformação da sociedade, a
globalização e o desenvolvimento tecnológico
fazem com que o grande diferencial competitivo
das organizações passe pela capacidade intelectual
dos recursos humanos, bem como competências
desenvolvidas pelas pessoas que nelas trabalham,
podendo, assim, atender à demanda pelo
imediatismo, pautada pela interconexão dos
processos, e também desenvolver a habilidade de
adaptar-se às mutações mercadológicas
(CHIAVENATO, 2009).
Leite, Godoy e Antonello (2006) destacam a
importância da formação, capacitação e
autodesenvolvimento daqueles que gerenciam os
indivíduos no ambiente de trabalho. A função do
gerente mudou ao longo dos anos, que atualmente
precisa, além de ajustar-se às novas necessidades
de mercado, promovê-la em sua organização e
trabalhar em ambientes imprevisíveis.
De acordo com esse contexto, a ênfase em uma
formação abrangente e a ampliação das
possibilidades de experiência prática durante o
curso superior são avaliadas como alternativas para
atender à exigência de um perfil multiprofissional
e proporcionar a maturidade pessoal e a identidade
profissional necessárias para agir em situação de
imprevisibilidade, realidade a que estão sujeitas as
organizações atuais. Além disso, o investimento no
desenvolvimento de competências gerenciais
torna-se indispensável para empresas que
pretendam se manter competitivas no mercado
atual.
O artigo objetiva identificar quais as competências
desenvolvidas em uma empresa construtora com o
processo de implantação da Aprendizagem
Baseada em Problemas adaptado ao contexto
organizacional. A pesquisa foi proposta à empresa
estudada, pois a mesma passava por um processo
de realocação de funções entre seus engenheiros
civis, gestores de obra. O método da
Aprendizagem Baseada em Problemas adaptado ao
contexto organizacional foi utilizado para
potencializar o desenvolvimento das competências
gerenciais de tais profissionais.
Bomfim (2012) diz que o desenvolvimento de
competências gerenciais nas organizações permite
um avanço para o desenvolvimento do
conhecimento, das habilidades e atitudes dos
profissionais na busca da qualidade e
produtividade no ambiente de trabalho. Este estudo
auxilia na compreensão da importância do
desenvolvimento de competências gerenciais na
construção civil, seguindo a estratégia
metodológica da pesquisa-ação.
Revisão conceitual
Desenvolvimento de competências
Segundo Fischer et al. (2008), o conceito de
competência surgiu de forma estruturada nas
pesquisas de David McClelland no ano de 19731.
O pesquisador buscava uma abordagem mais
efetiva que os testes de inteligência que eram
realizados nos processos de escolha das pessoas
1 CLELLAND, D. C. Testing for Competence Rather Tahn For "Intelligence". American Psychologist, jan. 1973. Disponível em: <http://www.lichaoping.com/wp-content/ap7301001.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2014.
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para as organizações, podendo ser utilizado como
referência para a construção e compreensão de
instrumentos de gestão de pessoas.
Boyatzis (19822 apud DIAS et al., 2008), também
considerado um dos precursores a estruturar o
conceito de competências, procurava caracterizar
as demandas de determinado cargo na organização,
para então fixar ações e comportamentos
esperados. Analisava também o compromisso da
pessoa no ambiente no qual estava inserida,
mostrando a importância do contexto para que a
pessoa pudesse demonstrar comportamentos
aceitáveis.
Boterf (1999) enfatiza a combinação de recursos
para a ação em contextos variados, conceituando
competência como saber mobilizar e combinar os
recursos pessoais (conhecimentos, habilidades e
atitudes) e os recursos de seu ambiente pertinente,
numa situação específica.
Parry (1998) relaciona competência com
desempenho no trabalho e diz que é um cluster de
conhecimentos, atitudes e habilidades relacionadas
que influem na realização de determinada
atividade.
As noções de competências originaram-se da ideia
de qualificação dos indivíduos para o trabalho, ou
seja, é sustentada na preparação das capacidades
voltadas para os processos previsíveis. De acordo
com o contexto, o conceito de competências
restringe-se à qualificação dos indivíduos,
analisadas de acordo com as tarefas a serem
desempenhadas em um cargo.
A consolidação da noção de competência inicia-se
pela transição do conceito de qualificação para o
de competência, período traçado pela identificação
das capacidades necessárias na atuação de certa
tarefa e obtenção de um melhor desempenho
(DIAS et al., 2008).
Tal abordagem foi disseminada no Brasil até o
início dos anos 90, associada ao perfil de
conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA),
elemento necessário para garantir desempenho de
uma pessoa em determinado cargo (DUTRA,
2001).
Furquim (2011) diz que a abordagem teórica
científica acerca do tema competências pode ser
classificada em três dimensões. São elas:
(a) competências individuais e/ou gerenciais:
referem-se aos indivíduos, e a entrega é resultado
de trabalho individual;
2 BOYATZIS, R. E. The Competent Manager. New York: John Wiley & Sons, 1982.
(b) competências coletivas e/ou grupais: fazem
referência ao coletivo, e a entrega é resultado de
trabalho coletivo; e
(c) competências organizacionais: dizem respeito
à estratégia de empresa e são também coletivas.
Ruas, Antonello e Boff (2005) apresentam os
seguintes contextos: qualificação para o trabalho e
competências, ressaltando suas principais
diferenças (Quadro 1). Percebe-se que muitos
autores disseminaram a ideia de que competência
não está associada ao cargo. De acordo com Ruas,
Antonello e Boff (2005), tal perspectiva surge em
um contexto de instabilidade da atividade
econômica, na qual prevalece a baixa
previsibilidade de negócios e a intensificação das
estratégias de customização.
O conceito de competência adotado nesta pesquisa
refere-se à capacidade de o engenheiro gestor de
obras mobilizar, integrar e colocar em ação seus
conhecimentos, habilidades e posturas gerenciais,
a fim de atingir os objetivos organizacionais.
Modelo da Aprendizagem Baseada em Problemas adaptado ao contexto organizacional
Kalatzis (2008) afirma que as origens históricas do
método ABP, originalmente do inglês Problem
Based Learning (PBL), na sociedade atual, têm
início no século XX. Conforme Schmidt (1993), na
década de 1920, o PBL foi utilizado como método
de estudos de casos nos cursos de direito da
Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Barrows e Tamblyn (1976) conceituam a ABP
como a aprendizagem que resulta do processo de
trabalho orientado para a compreensão ou
resolução de um problema. Segundo Schmidt
(1993), é uma abordagem para a aprendizagem e a
instrução, na qual os estudantes lidam com
problemas em pequenos grupos, sob a supervisão
de um tutor.
Mamede et al. (2001), por sua vez, conceituam
ABP de forma mais ampla, como uma estratégia
educacional e uma filosofia curricular, concebendo
um processo de aprendizagem no qual os
estudantes autodirigidos constroem ativamente
seus conhecimentos. Partindo de problemas e
trabalhando de maneira colaborativa, os alunos
aprendem de forma contextualizada, formulam
seus próprios objetivos de aprendizagem e
apropriam-se de um saber que adquire um
significado pessoal, segundo as disposições
internas de cada um.
Kalatziz (2008) diz que a ABP, por ser um modelo
instrucional, apresenta definições, características e
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objetivos próprios que o configuram como um
método. O mesmo autor diz que a ABP consiste
em um método instrucional que faz uso de
problemas da vida real, servindo de estímulo para
o desenvolvimento do pensamento crítico, de
habilidades de resolução de problemas e da
aprendizagem dos conceitos que integram o
conteúdo programático.
A ABP é vista como um método que dá ênfase ao
desenvolvimento de habilidades essenciais como a
análise efetiva do problema (BARROWS;
TAMBLYN, 1976; WOODS, 1996; ENGEL,
1997) e o estudo autodirecionado. A abordagem
centrada no aluno também desenvolve a habilidade
de escutar, a de resumir as informações e a de
ensinar os outros (BARROWS; TAMBLYN,
1976). Ensinar os colegas é uma habilidade
requerida pela maioria dos profissionais,
juntamente com a habilidade de trabalhar como
parte de uma equipe (BARROWS; TAMBLYN,
1976; WOODS, 1996).
O modelo adaptado, utilizado neste artigo, foi
desenvolvido por Neves (2006) em sua tese de
doutorado, em que o autor diz que o processo de
aprendizagem inicia-se com o compartilhamento
do conhecimento individual. Em seguida, a
aprendizagem torna-se um processo social,
partilhado pelas pessoas do grupo, gerando
aprendizagem não só individual como também
grupal. Depois da compreensão e da busca da
solução para o problema, compartilhada pelo
grupo, discutem-se novamente os resultados com
outros membros da empresa, motivando a
proposição final para a solução do problema em
forma de regras e procedimentos, o que cria
condições favoráveis para a aprendizagem
organizacional.
A utilização da ABP adaptada ao contexto
organizacional justifica-se pelo fato de a empresa
estudada querer investir na capacitação de seus
engenheiros gestores de obra o mais próximo de
seu contexto de atuação, ou seja, em seu próprio
ambiente de trabalho, compartilhando as
experiências entre si, de modo que eles possam
discutir a forma como executam suas atividades.
Assim, eles podem identificar os conceitos
discutidos e relacioná-los à realidade da
organização.
O modelo é dividido em cindo etapas:
problematização, ação, discussão de solução,
planejamento da apresentação da solução e
consolidação. O processo inicia-se pela análise
detalhada da situação, na qual se define o
problema e se estabelecem as proposições iniciais
para sua solução. Na etapa seguinte,
individualmente, aplica-se a solução na ação,
ocorrendo a reflexão sobre os resultados. Em
seguida, na discussão de solução, apresentam-se os
resultados para o grupo, havendo questionamentos.
Caso alcance o consenso na proposição final, o
grupo gera um documento, procedimento ou nova
prática e define a forma de apresentação da
solução para a empresa. Em caso negativo,
discutem-se novamente as proposições.
Concluindo essa etapa, realiza-se uma avaliação do
ciclo. Na fase de consolidação, apresenta-se o
resultado e discute-se com a empresa a proposição
final para a solução do problema. Em seguida,
define-se uma nova situação problemática e, com
isso, inicia-se um novo ciclo. A Figura 1 apresenta
a estrutura do modelo adaptado.
Quadro 1 - Noções e características dos contextos qualificação e competência
Fonte: Ruas, Antonello e Boff (2005).
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Figura 1 - Modelo de capacitação
Fonte: Neves (2006).
Metodologia de pesquisa
Estratégia de pesquisa
Adotou-se a estratégia de pesquisa-ação, pois ela
se desenvolveu com o interesse de mudança e
participação de todos os envolvidos no processo.
Thiollent (2007) diz que, para que uma pesquisa
seja qualificada como pesquisa-ação, é vital a
implantação de uma ação por parte das pessoas ou
grupos implicados no problema sob observação.
Além disso, é necessário que a ação seja não
trivial, o que quer dizer uma ação problemática
que mereça investigação, sob o ponto de vista
científico, para ser elaborada e conduzida. Na
pesquisa-ação os pesquisadores desempenham um
papel ativo no equacionamento dos problemas
encontrados, no acompanhamento e na avaliação
das ações desencadeadas em função dos
problemas.
Coghlan e Brannick (2008) consideram que a
pesquisa-ação é apropriada quando a questão da
pesquisa relaciona-se com descrever o
desdobramento de uma série de ações, ao longo do
tempo, em dado grupo, comunidade ou
organização; para explicar como e por que a ação
de um membro de um grupo pode mudar ou
melhorar o trabalho de alguns aspectos do sistema;
e para entender o processo de mudança ou de
melhoria e aprender com ele.
O processo de pesquisa foi concebido de modo
participativo, envolvendo o pesquisador e os
engenheiros residentes (engenheiros de obra).
Diante de uma situação problemática, os
engenheiros envolvidos desenvolviam uma ação,
que gerava uma reflexão e um planejamento de
novas ações para o próximo ciclo. O pesquisador
assumiu o papel de facilitador, o qual
proporcionava orientações sobre material didático
visando à reestruturação das bases teóricas e a
busca pelo conhecimento por iniciativa própria dos
engenheiros de obra participantes da pesquisa. Foi
responsável também por organizar a dinâmica e os
assuntos tratados nas reuniões. Além disso, no
decorrer das reuniões, tomou uma postura
indagativa perguntando a todo o momento aos
gerentes de obra o porquê de ocorrerem os
problemas listados em cada ciclo.
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De acordo com Silva e Menezes (2005), a pesquisa
do ponto de vista da forma da abordagem do
problema é considerada qualitativa, pois considera
que pode ser qualificável, o que significa traduzir
opiniões e informações para classificá-las e
analisá-las, através do uso de recursos e técnicas.
Do ponto de vista de seus objetivos, a pesquisa é
descritiva, pois visa descrever as características de
um fenômeno e envolve o uso de técnicas e coletas
de dados com observação sistêmica. Do ponto de
vista dos procedimentos técnicos, ela é classificada
como pesquisa-ação, pois foi elaborada com a
participação e o comprometimento de mudança por
parte de todos os envolvidos no estudo.
Delineamento da pesquisa
A pesquisa empírica desenvolveu-se investigando
a implantação da ABP como o auxílio no
desenvolvimento das competências demandadas
pela empresa participante da pesquisa. Pode-se
afirmar que cada ciclo correspondeu a uma fase de
aprendizagem do pesquisador, tendo como ponto
de partida a questão de pesquisa. De acordo com
os resultados, o pesquisador realizou uma reflexão
sobre aprendizagem individual e as competências
necessárias aos engenheiros gestores de obra. Tais
reflexões foram realizadas, entre um ciclo e outro,
com a análise das transcrições das reuniões, em
que se analisavam a frequência dos membros do
grupo, o crescimento de participação nas reuniões
(exposição de opiniões), o comprometimento com
as atividades a serem desenvolvidas definidas pelo
grupo e a percepção dos participantes com relação
aos objetivos da organização. O estudo foi
realizado de acordo com as etapas apresentadas na
Figura 2. A etapa de identificação das
competências ocorreu por meio de entrevistas com
a utilização de questionários estruturados,
aplicados com os engenheiros gestores de obras e
seus subordinados (técnicos de segurança no
trabalho, técnicos administrativos, estagiários e
mestres de obra). O questionário avaliou as
competências relacionadas à condução de reunião,
trabalho em equipe, gerenciamento de conflitos,
liderança de grupo, capacidade de resolução de
problemas, tomada de decisão, análise crítica,
tomada de decisão consensual e comunicação,
através de notas de 0 (ruim) a 5 (excelente),
atribuídas de acordo com a percepção do trabalho
desenvolvido por seus engenheiros gestores de
obra.
O estudo exploratório teve início com a
identificação e a análise do perfil dos participantes
da pesquisa a partir dos dados coletados por meio
de questionários. Nesse primeiro momento, o
pesquisador teve informações como tempo de
formação em engenharia, tempo de atuação no
mercado de trabalho, tempo de trabalho na
empresa atual, além dos tipos de obras em que os
envolvidos atuam. O estudo exploratório se
desenvolveu através de reuniões semanais, com
duração média de 2 horas, por um período de 3
meses. O grupo foi formado por 10 engenheiros
gestores de obra, mais o pesquisador (facilitador) e
o orientador (coordenador), de acordo com a
Figura 3.
Cada tema correspondeu a um ciclo de
implantação da ABP. Tais ciclos iniciaram-se com
a reunião em que era debatido e analisado cada
problema referente ao tema daquele ciclo.
Inicialmente, trabalhou-se a problematização,
analisando a situação, definindo o problema e
buscando proposições iniciais para a solução do
problema, através do compartilhamento de
experiências, questionamentos e reestruturação do
conhecimento (pesquisas bibliográficas, internet,
etc.). Posteriormente, foi realizada uma ação
reflexão, em que se discutiu a possível solução
encontrada pelo grupo através da apresentação do
resultado e questionamentos. Essa fase da ação
ficou comprometida no processo, porque o grupo
não colocou em prática as possíveis soluções
explanadas. Foi analisado se a solução seria
adequada ou não. Caso o grupo entendesse que a
solução não era adequada, voltava-se para a
reestruturação da problematização; caso contrário,
partia-se para o planejamento da apresentação da
solução. Esse planejamento envolveu a criação de
documentos, procedimento e novas práticas, além
de ter sido definida a estratégia de apresentação do
resultado para a empresa (diretores). No
fechamento do ciclo trabalhou-se a consolidação,
em que foi realizada a apresentação dos resultados
para a empresa, a discussão dos resultados, a
consolidação da proposição final, e culminava na
escolha de uma nova situação (tema), iniciando-se
um novo ciclo. A duração de cada ciclo variou de
acordo com a necessidade do grupo e a condução
do pesquisador.
Tratamento dos dados
Após o período de implantação da ABP na
empresa, iniciou-se o tratamento dos dados. Tal
análise buscou fundamentar-se nas observações do
pesquisador no decorrer das reuniões, levando em
consideração aspectos de aprendizagem e gestão
organizacional de acordo com os relatos dos
engenheiros residentes participantes do grupo.
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Figura 2 - Delineamento da pesquisa
Figura 3 - Estrutura do estudo exploratório
O processo de análise dos dados iniciou-se com a
leitura das transcrições das reuniões. Utilizaram-se
trechos das reuniões, as entrevistas realizadas e
documentos da empresa como organograma,
procedimentos e alguns indicadores, objetivando
cruzar as evidências existentes. A história do grupo
no decorrer das reuniões foi contada de forma
sequencial e cronológica, apresentando os fatos
ocorridos julgados importantes para o pesquisador,
objetivando analisar o processo de aprendizagem
organizacional, o desenvolvimento de competência
gerencial e aspectos da gestão organizacional da
empresa.
Para facilitar a análise foram definidos os
seguintes construtos:
(a) análise do contexto organizacional;
(b) análise da aprendizagem individual;
(c) análise da aprendizagem coletiva;
(d) análise da aprendizagem organizacional; e
(e) análise do sistema de gestão da empresa.
São apresentados no Quadro 2 suas definições, as
principais fontes de evidências, seus instrumentos
e como foram identificados. As definições dos
construtos foram baseadas na revisão bibliográfica,
as fontes de evidências foram as transcrições das
reuniões, as entrevistas realizadas com os
diretores, subordinados e os engenheiros residentes
(gerentes de obra), a observação direta in loco, as
anotações pessoais do pesquisador e a análise de
documentos internos da empresa serviram para
enriquecer o processo de análise. As evidências
foram elaboradas durante o processo de transcrição
das reuniões e leitura delas, objetivando identificar
expressões e palavras empregadas pelos
engenheiros residentes em suas falas durante as
reuniões. Essa identificação foi importante, pois
guiou o pesquisador na análise das entrevistas.
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Quadro 2 – Fonte de evidências (Continua)
CONSTRUTOS DEFINIÇÃO
CONCEITUAL
FONTES DE
EVIDÊNCIAS INSTRUMENTO EVIDÊNCIAS
Análise do
contexto
organizacional
Facilidade de compreensão
e realização para o desenvolvimento da
aprendizagem pelos
membros do grupo e da alta direção.
Comprometimento da alta direção
com a implantação
do programa
Observação direta; percepção dos
engenheiros residentes3 e
diretores.
Anotações pessoais do
pesquisador.
Quando solicitados,
participaram das reuniões, deram
sugestões e
forneceram documentos.
Facilidade de aceitação e
incorporação
pelos membros do grupo
Observação direta;
percepção dos engenheiros residentes e
diretores.
Anotações pessoais do pesquisador.
Frequência e
participação nas
reuniões; e cumprimento das
tarefas. Trechos em
que cobraram metas a serem alcançadas e o
esclarecimento do
objetivo do programa.
Análise da
aprendizagem
individual
Melhoria na forma de agir do gerente na condução do
problema e o desenvolvimento da
autoconsciência.
Competência de resolução de
problemas
Competência de
comunicação
Capacidade de identificar
um conjunto de soluções e executar a melhor para o
problema, no qual inclui a
tomada de decisão4.
Observação direta; percepção dos
engenheiros residentes,
diretores e subordinados.
Observação direta; percepção dos
engenheiros residentes,
diretores e subordinados.
Anotações pessoais do
pesquisador;
Entrevistas.
Anotações pessoais do pesquisador;
entrevistas
Trechos onde foram
apresentadas soluções
e trouxeram informações.
Capacidade de dialogar de forma clara, trocando ou
discutindo ideias, com
vistas ao bom
entendimento das pessoas.
Gerentes se comunicaram de
forma clara, através
de fatos e dados; não
foram reativos.
Condução de reuniões
Mudança de
comportamento
Análise crítica
Capacidade de coordenar a reunião de forma
operacional para que os problemas sejam
solucionados no tempo
previsto.
A maioria não
cumpriu o horário da reunião; distração
quando outros
membros falavam; comunicavam-se de
forma clara.
Entende-se como mudança
na forma de agir no
trabalho.
Trechos em que os
engenheiros residentes procuraram
entender mais os
outros. Estavam querendo se
organizar.
Capacidade de análise
crítica dos processos de produção da empresa,
visando à melhoria
contínua.
Partes em que eles
falavam mais em analisar, procurar
entender melhor o
processo, treinar.
3 Nomenclatura da empresa para engenheiro de obra. 4 Capacidade de tomar decisões fundamentadas em fatos e dados, obtendo e implementando soluções de acordo com os objetivos.
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Quadro 2 – Fonte de evidências (Continuação)
CONSTRUTOS DEFINIÇÃO CONCEITUAL FONTES DE
EVIDÊNCIAS INSTRUMENTO EVIDÊNCIAS
Análise da
aprendizagem
coletiva
Trabalho de forma cooperativa
em torno de um projeto comum.
Troca de experiência
Melhoria de procedimentos;
mudanças de
regra Trabalho em
equipe
Tomada de
decisão consensual
Gerenciamento de conflito
Liderança de
grupo
Observação direta;
percepção dos engenheiros residentes.
Observação direta.
Anotações
pessoais do
pesquisador.
Consistiu nas elaborações
e alterações realizadas
nos procedimentos.
Capacidade de coordenar,
motivar e encorajar o grupo para atingir o consenso e o
comprometimento.
Observação direta.
Percepção dos engenheiros residentes.
Anotações
pessoais do pesquisador.
Transcrição das gravações das
reuniões.
Interagiram melhor com os outros, utilizaram as
expressões participação,
colaboração e agir em conjunto.
Capacidade de envolver a
contribuição de todos,
permitindo que o grupo chegue a um consenso.
Concordaram com a
decisão do grupo, valorizaram a decisão de
todas as pessoas do
grupo.
Capacidade de minimizar o conflito, agindo coletivamente
na solução para o problema. Observação direta.
Percepção dos engenheiros residentes.
Anotações pessoais.
Transcrição das gravações das
reuniões.
Colaboração e aceitação
da opinião do outro.
Capacidade de influenciar as
atividades de outros indivíduos, ou de um grupo, para realização
de um objetivo em uma
determinada situação.
Preocuparam-se com a
distribuição do tempo, respeitavam os membros
do grupo e sabiam
escutar.
Análise da
aprendizagem
organizacional
Entende-se a maneira pela qual
a organização melhora suas
rotinas e processos, através do compartilhamento de um novo
conhecimento ou resultado da
experiência entre os membros da organização.
Disseminação da
informação
Observação direta; percepção dos diretores
e subordinados.
Anotações pessoais do
pesquisador.
Relatos de novas
informações durante as
reuniões e durante o seminário final.
Melhor
desempenho nos
processos
Observação direta.
Anotações
pessoais do
pesquisador.
Relatos e depoimentos durante as reuniões
Trabalho em
equipe
Capacidade de coordenar, motivar e encorajar o grupo
para atingir o consenso e
comprometimento.
Percepção dos
engenheiros residentes,
diretores e subordinados.
Transcrição das
reuniões.
Interagiram melhor com
os outros; utilizaram as
palavras colaboração, motivação, conjunto e
participação.
Análise do
sistema de
gestão
Gestão é lançar mão de todas as
funções5 e conhecimentos6 necessários para, através de
pessoas, atingir os objetivos de
uma organização de forma eficiente e eficaz.
Pensamento
sistêmico
Forma de agir de maneira
conjunta visando ao benefício
da empresa como um todo. Importância de cada setor da
empresa para sua atividade
afim, através da relação entre seus setores (importância de um
setor para o outro).
Observação direta.
Anotações e percepções no
decorrer das
reuniões.
Relatos dos engenheiros
residentes durante as
reuniões de que os demais setores da
empresa estão distantes
da realidade da obra, não conseguindo ver sua
importância no processo.
5 Técnica, contábil, financeira, comercial, segurança e administração. 6 Psicologia, antropologia, estatística, mercadologia, ambiental, etc.
Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 14, n. 1, p. 155-175, jan./mar. 2014.
Martins, V. W. B; Neves, R. M. das; Macêdo, A. N. 164
Análise dos resultados
Problemas listados em cada tema
Inicialmente, foram analisados os problemas
listados para cada tema, que representavam a
prioridade a ser trabalhada de acordo com o
interesse da empresa. Percebeu-se que grande parte
dos problemas listados em todos os temas estava
diretamente relacionada ao planejamento e
controle de obras. O Quadro 3 apresenta os
problemas citados na reunião de seleção dos
problemas.
Análise da identificação das competências
Para a identificação das competências gerenciais
foram consideradas características pessoais e
habilidades específicas do trabalho, além de
algumas informações adicionais coletadas nas
entrevistas realizadas entre os engenheiros e seus
subordinados. A Figura 4 apresenta a média dos
resultados dos engenheiros gestores de obra da
empresa. Percebe-se que os gerentes (EU) tiveram
uma visão de suas próprias competências que
difere da opinião de sua equipe administrativa
(OUTROS), que foram mais críticos sobre as
competências dos engenheiros de obra (Quadro 4).
Quadro 3 - Lista de problemas citados
PLANEJAMENTO PROJETOS
- Falta de reuniões com a administração da obra para
definir estratégia de execução
- Equipe específica de planejamento de obra
- Integração maior entre áreas e equipe de obra
- Planejamento de obra sem a participação das
equipes de obra
- Falta de padronização nos setores e processos da
empresa
- Procedimentos, treinamento e sinalização em todas
as obras
- Padronização de documentação
- Procedimento de portaria (deficiente)
- Padronização de função por capacete
- Dimensionamento de equipes verticais para suprir as
necessidades da torre
- Incompatibilidade de projetos e suas constantes
mudanças
- Adequação dos projetos à realidade de nossa região
- Falta de análise crítica dos projetos liberados para
obra
- Incompatibilidade de projetos
- Compatibilização de projetos
- Atraso da entrega de projetos na obra
- Projetos referentes ao canteiro (instalações
provisórias)
- Demora na entrega dos projetos
RH E SUPRIMENTOS PRODUÇÃO/EXECUÇÃO
- Baixa capacidade operacional do setor de compras
- Baixa qualidade dos produtos, ferramentas,
equipamentos e materiais adquiridos
- Padronização no cadastro de insumo
- Demora na aprovação de materiais no sistema
- Demora na chegada de materiais
- Falta de material
- Demora na compra/entrega
- Falta de programação do engenheiro da obra
- Falta de interesse do engenheiro
- Padronização dos procedimentos executivos de
serviços e critérios de avaliação para pagamento da
produção
- Falta de mão de obra
- Falta de qualificação
- Falta de investimento em mão de obra
- Equipes de obra muito numerosas que causam
dispersão de objetivos e metas
- Qualidade de serviços de empreiteiros
- Falta de mão de obra qualificada
- Falta de procedimentos operacionais
CUSTOS SEGURANÇA
- Otimização da mão de obra com inserção de novas
tecnologias
- Verbas não compatíveis para realização dos serviços
- Orçamento limitado
- Rescisão contratual de funcionário
- Demora na liberação de notas
- Falta de critério para recebimento de serviços
- Criar procedimentos em todas as fases da obra
- Falta de padronização das exigências da DRT
- Proteções
- EPI (empreiteiras)
- Documentação da empresa (laudos, projetos,
procedimentos)
- Não conservação da área de vivência
- Utilização de EPIs
- Fornecimento de copo de alumínio e garrafa térmica
- Não cumprimentos de normas quanto à utilização
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Análise do desenvolvimento de competências gerenciais na construção civil através do modelo da Aprendizagem Baseada em Problemas adaptado ao contexto organizacional
165
Figura 4 - Média das avaliações de competências gerenciais
Quadro 4 - Resumo das avaliações
Tópicos abordados Eu Os outros
Condução de reunião 4,0 3,9
Gerenciamento de conflito 4,0 3,9
Liderença de grupo 4,2 3,8
Resolver problemas 4,0 3,8
Tomada de decisão consensual 4,2 4,0
Trabalho em equipe 4,0 3,5
Tomada de decisão 4,1 3,7
Análise crítica 4,1 3,7
Comunicação 4,0 3,7
Observa-se que as maiores divergências de
resultados estão nos itens liderança de grupo,
trabalho em equipe, tomada de decisão e análise
crítica, logo tais competências necessitam de maior
atenção em seu processo de desenvolvimento. No
decorrer do estudo exploratório através da
percepção do pesquisador in loco nas reuniões, foi
identificado que os engenheiros apresentam uma
grande capacidade técnica, porém as dificuldades
no gerenciamento de pessoas foram evidentes.
Estudo exploratório
Ciclo 1: planejamento e controle de obras
Neste ciclo, foram realizadas seis reuniões
semanais, em que primeiramente se abordaram os
problemas existentes atualmente nas obras e quais
as suas possíveis soluções. Abaixo serão
apresentados os assuntos abordados em cada
reunião.
A reunião 1 contou com a participação de 9
engenheiros residentes e se iniciou definindo o
contrato do grupo, em que foram esclarecidas as
normas para as reuniões, tolerância de faltas, o
comprometimento e a confidencialidade das
informações. Em seguida, foi realizada a leitura
dos problemas relacionados ao planejamento,
listados na reunião de seleção dos problemas, e foi
perguntado aos engenheiros residentes o porquê de
ocorrer tais problemas. Os engenheiros falaram da
falta de reuniões com a administração da obra para
definição de estratégias de execução dos serviços.
O pesquisador percebeu que apenas 4 engenheiros
residentes apresentavam uma postura mais ativa,
expressando seu entendimento e opinião sobre o
assunto. De acordo com as respostas, o
pesquisador solicitou para próxima reunião um
fluxograma do sistema de planejamento,
objetivando identificar os envolvidos e as partes do
processo de planejamento da empresa. A reunião
se encerrou com a definição da data, local e
horário da próxima reunião, e com as
responsabilidades de cada um para o próximo
encontro, em que se definiu que seria enviado aos
engenheiros um termo de referência sobre
planejamento, para que fosse realizada a leitura do
material, objetivando dar um embasamento teórico
aos participantes do grupo sobre o tema
planejamento.
Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 14, n. 1, p. 155-175, jan./mar. 2014.
Martins, V. W. B; Neves, R. M. das; Macêdo, A. N. 166
A reunião 2 contou com a participação de 9
engenheiros residentes e iniciou-se com a
apresentação do fluxograma das etapas atuais de
planejamento da empresa. Nesse momento, o
pesquisador pôde identificar e analisar todas as
etapas e envolvidos no processo de planejamento.
O facilitador perguntou aos engenheiros:
Na opinião de vocês, quais são os indicadores
relevantes em um sistema de planejamento?
Por que vocês acham que o planejamento não está
dando certo?
Os engenheiros, de uma maneira geral, falaram
que acreditam no planejamento de uma forma mais
objetiva.
[...] precisa ser eliminado do planejamento
as ferramentas que não agregam valor ao
processo [...] existem vários indicadores
hoje que não servem pra muita coisa [...].
(Engenheiro residente 1).
Identificou-se certo desconforto por parte dos
engenheiros residentes com relação às ferramentas
utilizadas no processo de planejamento da
empresa. Muitos não sabiam transformar os
indicadores que dispunham em informações
relevantes para uma boa gestão de obra. O
facilitador, em seguida, perguntou quem havia lido
o termo de referência sobre planejamento que tinha
sido enviado a todos.
[...] não encontrei tempo para realizar a
leitura. (Engenheiro residente 1).
[...] eu até comecei a ler, mas o material é
muito grande com muitas páginas [...].
(Engenheiro residente 3).
[...] o material precisa ser mais objetivo,
ele é muito acadêmico. (Engenheiro
residente 7).
Ficou claro nesse momento que os engenheiros
ainda não estavam familiarizados com a
metodologia do processo de implantação da ABP.
A reunião encerrou-se com a definição do horário,
data e local da próxima reunião e os assuntos que
seriam tratados. Ficou decidido que o termo de
referência seria apresentado na próxima reunião
pelo coordenador do grupo.
A reunião 3 contou com a participação de apenas 5
engenheiros residentes, ou seja, com 50% dos
participantes do grupo, o que demonstrou certo
desinteresse/resistência com relação ao programa
da ABP. A reunião iniciou-se com a apresentação
do termo de referência elaborado pelo coordenador
do grupo, o qual abordou conceitos, definições e
ferramentas para planejamentos de longo (nível
estratégico), médio (nível tático) e curto prazo
(nível operacional). Ao final da apresentação, o
coordenador perguntou ao grupo como introduzir o
termo de referência criado no fluxograma atual da
empresa. Iniciou-se então uma discussão de quais
indicadores e ferramentas seriam relevantes para o
processo de planejamento. Foram citadas as
práticas de programações de serviços (OS),
planejamento de execução de serviços (PES),
indicadores de avaliação de empreiteiros e
introdução da prática da reunião de
comprometimento. A reunião encerrou-se com a
definição da data, horário e local da próxima
reunião. Ficou sobre a responsabilidade do grupo
pesquisar e trazer modelos de agenda para ser
utilizada na prática da reunião de
comprometimento.
A reunião 4 contou com a participação de 8
engenheiros residentes. O coordenador do grupo
iniciou a reunião perguntando por que planejar é
importante e se o grupo estava na porcentagem dos
engenheiros que acreditam ou não no
planejamento.
[...] é importante para nos dar um
horizonte [...] sem planejamento não
saberíamos se estamos atrasados ou não
com o andamento da obra. (Engenheiro
residente 4).
Foram apresentados modelos de agenda trazidos
pelo grupo e decidiu-se criar um procedimento
para atender às necessidades de planejamento que
cada participante expressou, objetivando
minimizar as dificuldades em seguir o
planejamento atual da empresa. A reunião
encerrou-se com a definição do horário, data e
local do próximo encontro, além das deliberações
dos participantes para a reunião seguinte, em que o
facilitador e coordenador ficaram encarregados de
enviar um modelo de procedimento de
planejamento e o grupo ficou encarregado de
pesquisar e definir as melhores práticas a serem
inseridas no procedimento.
A reunião 5 contou com a participação de 9
engenheiros residentes. Teve como objetivo a
elaboração do procedimento de planejamento, com
a participação em conjunto de todos os envolvidos
no grupo. A reunião iniciou-se com o coordenador
perguntando se alguém fez a leitura do
procedimento enviado e se fizeram alguma
inserção/modificação no procedimento.
[...] eu fiz algumas observações e
anotações, porém não modifiquei nada, eu
trouxe aqui pra gente montar em conjunto o
nosso. (Engenheiro residente 1).
A reunião se desenvolveu com a elaboração do
procedimento, em que os membros do grupo
apresentavam sua sugestão e entendimento a
Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 14, n. 1, p. 155-175, jan./mar. 2014.
Análise do desenvolvimento de competências gerenciais na construção civil através do modelo da Aprendizagem Baseada em Problemas adaptado ao contexto organizacional
167
respeito de cada item a ser incluído, alterado ou
retirado do procedimento. O pesquisador percebeu
que alguns engenheiros não opinavam na
elaboração do documento. O procedimento
objetivava estabelecer as fases do planejamento e o
controle do andamento físico das obras. A reunião
encerrou-se com o procedimento todo redigido e
formatado, porém faltava acrescentar as
ferramentas anexas para atender ao que foi
definido no procedimento. Esta foi a tarefa a ser
apresentada na próxima reunião. Cada engenheiro
ficou encarregado de trazer ferramentas que
atendessem à necessidade do que tinha sido
definido no procedimento.
A reunião 6 contou com a participação de 8
engenheiros residentes. O coordenador do grupo
não esteve presente, e a reunião foi conduzida pelo
facilitador. O objetivo da reunião era finalizar o
procedimento de planejamento com a inclusão das
ferramentas anexas para atender às diretrizes
definidas em conjunto. A reunião iniciou-se com o
grupo questionando sobre o andamento do
programa, seus reais objetivos e aonde se queria
chegar com a implantação dele na empresa.
[...] Confesso que naquele procedimento
que a gente fez na reunião passada eu não
identifiquei ali muito a empresa.
(Engenheiro residente 6).
[...] Acho que tu deves concordar que a
gente tá ai já na sexta reunião e ainda não
conseguimos sair de um ponto, o do
planejamento. [...] precisamos enxergar
uma meta que a gente ainda não tem hoje.
(Engenheiro residente 1).
Percebeu-se que o grupo ainda não tinha entendido
o real sentido da implantação do programa da
ABP. A alta gerência da empresa, quando
questionada pelos participantes do programa, teria
passado a informação de que o objetivo seria
aumentar o andamento físico da obra de 1,5% para
3% ao mês, fato que causou certo desentendimento
entre o que estava sendo feito e o objetivo definido
pela direção da empresa.
[...] a gente fica esperando uma coisa que
não tá chegando. E começa a criar esse
desânimo, essa frustração, porque a gente
não tem a expectativa de um retorno
imediato. (Engenheiro residente 3).
[...] se esse objetivo fosse colocado no
momento da primeira reunião, que era
avançar a produtividade, eu acho que o
item produção/execução nunca ia ficar
como sexto item na prioridade, com certeza
ele deveria tá entre o 3 primeiros a serem
trabalhados [...]. (Engenheiro residente 1).
A reunião encerrou-se com a definição de uma
nova ordem de temas a serem trabalhados, os quais
foram Projetos, RH & Suprimentos,
Produção/execução, Custos e Segurança. Ficou
decidido que planejamento era um tema que
abordava todos os demais temas, então, na reunião
seguinte, iniciaram-se os assuntos referentes a
projetos. O procedimento que estava sendo
elaborado sobre planejamento não foi finalizado.
Ciclo 2: projetos
Foram realizadas três reuniões semanais, em que
primeiramente se abordaram os problemas
existentes atualmente nas obras e quais suas
possíveis soluções. A seguir são apresentados os
assuntos abordados em cada reunião.
A reunião 1 contou com a participação de 7
engenheiros residentes. Iniciou-se com a leitura
dos problemas listados e com a discussão de suas
possíveis soluções. A reunião se desenvolveu com
as opiniões dos engenheiros residentes sobre a
criação de um setor específico de projetos na
empresa e, consequentemente, sobre a criação da
figura do coordenador de projetos para solucionar
ou minimizar os problemas apresentados.
O coordenador do grupo perguntou aos
engenheiros residentes o que cabia a eles com
relação a projetos.
[...] cobrar os projetos definidos, né, ou
pelo menos já terminados no tempo hábil
[...]. (Engenheiro residente 1).
A partir desse momento o grupo decidiu criar um
procedimento para projetos que solucionasse as
problemáticas existentes.
[...] temos que pensar em uma solução, ver
qual o procedimento que vamos adotar pra
solucionar isso ai, que tem problemas a
gente sabe, então vamos pensar como
revolver isso. (Engenheiro residente 1).
O coordenador do grupo perguntou o que mais
incomodava os engenheiros com relação a
projetos, o que é preciso haver para que esses
problemas listados não ocorram.
[...] acredito que criando um setor
específico de projetos, criando a figura do
coordenador específico de projetos e criar
um sistema de avaliação de fornecedores já
resolveria grande parte dos problemas [...].
(Engenheiro residente 6).
Percebeu-se, mais uma vez, que a causa dos
problemas nunca estava sob a responsabilidade das
ações dos engenheiros, e sim em fatores externos à
obra. O facilitador relembrou que o procedimento
a ser criado seria aplicado na empresa, para que,
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Martins, V. W. B; Neves, R. M. das; Macêdo, A. N. 168
através dos resultados da ação (aplicação), o
procedimento fosse validado ou não. A reunião
encerrou-se com o coordenador do grupo
lembrando que o procedimento deveria ser
objetivo e que abordasse ferramentas que
pudessem ser aplicadas pelos próprios engenheiros
em suas obras. Ficou definido que seria elaborado
em conjunto o procedimento na próxima reunião,
de acordo com o modelo que seria enviado pelo
facilitador durante a semana. Mais uma vez alguns
participantes do grupo não conseguiram se desligar
de assuntos externos à reunião, atendendo ao
celular constantemente.
A reunião 2 contou com a participação de 6
engenheiros residentes e objetivava ajustar, de
acordo com os interesses da organização, o modelo
de procedimento que tinha sido enviado pelo
facilitador durante a semana. Iniciou-se a
elaboração do procedimento em conjunto com os
participantes expondo suas opiniões sobre cada
item do procedimento como objetivo, documentos
de referência, responsabilidades e ferramentas.
[...] só pra relembrar tá, hoje vamos tentar
adequar esse procedimento de acordo com
aquelas 3 situações que discutimos na
reunião passada. (Facilitador).
[...] Que é a figura do coordenador de
projetos, a criação do setor de projetos e a
função do engenheiro de obra com relação
a projetos. (Coordenador).
Nesse momento, ficou claro que na empresa não
havia uma definição do que seriam as atribuições
dos engenheiros de obra, pois os participantes do
grupo encontraram dificuldades em citar suas
responsabilidades com relação a questões de
projetos. A reunião seguiu com os ajustes no
procedimento visando justificar a criação da figura
do coordenador e o setor específico para projetos.
Encerrou-se a reunião faltando apenas os ajustes
nas ferramentas anexas ao procedimento, o que
ficou para a reunião seguinte.
A reunião 3 contou com a participação de apenas
50% do engenheiros participantes do grupo e
objetivava finalizar o procedimento, incluindo as
ferramentas anexas que iriam atender às
necessidades que haviam sido definidas pelo
grupo. A reunião se desenvolveu com as
discussões das melhores práticas e ferramentas a
serem incluídas no procedimento. Ao final da
reunião, acordou-se que o facilitador iria formatar
e finalizar o procedimento incluindo as
ferramentas escolhidas em conjunto e enviaria ao
grupo para que fosse validada por todos. O
fechamento do ciclo se consolidou com a
apresentação do procedimento para a alta direção
da empresa. Tal apresentação foi conduzida por
um representante do grupo.
Ciclo 3: suprimentos
Neste ciclo, foi realizada apenas uma reunião.
Abordaram-se assuntos referentes aos problemas
nos canteiros de obra e suas possíveis soluções.
A reunião contou com a participação de 8
engenheiros residentes. Iniciou-se com a leitura da
lista de problemas e com a discussão sobre
possíveis soluções. A discussão se desenvolveu em
cima da ideia de descentralizar o setor de compras
do escritório e levar para o canteiro de obra.
Na minha opinião cada obra deveria ter o
seu próprio setor de compras. (Engenheiro
residente 6).
[...] ampliar e estruturar o setor de
compras seria uma saída, agora criar um
setor de compras na obra, pode ter certeza
que isso não será aprovado, é um perfil da
empresa. (Engenheiro residente 8).
De acordo com a discussão inicial sobre a criação
do setor de compras na obra, foram relatados por
um engenheiro participante do grupo os problemas
que ele tinha em sua obra com relação aos
suprimentos. Foi citada a falta de qualidade do
material.
[...] o foco do responsável pelo Compras
não é esse e sim planejamento e gestão [...]
então ele tá liberando os pedidos e os caras
estão comprando [...] sem visão de obra
acabam comprando material sem
qualidade, porque não tem ninguém para
orientá-los. (Engenheiro residente 6).
A discussão seguiu em cima da reestruturação do
setor de compras e na definição das atribuições dos
envolvidos em tal processo.
Devemos melhorar o setor de compras,
definindo as atribuições das pessoas de lá,
esse aqui é só pra comprar, esse outro só
pra fazer levantamento e esse outro pra
andar nas obras e se comunicar com os
almoxarifes. (Engenheiro residente 4).
Tá faltando um setor de compras mais
amplo e uma padronização dos materiais
para todas as obras. (Engenheiro residente
1).
De acordo com as situações e pretensões de
melhorias apresentadas pelo grupo, o facilitador
lembrou os problemas listados sobre suprimentos –
baixa capacidade operacional do setor de compras,
baixa qualidade dos produtos, ferramentas e
equipamentos adquiridos, falta de padronização no
Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 14, n. 1, p. 155-175, jan./mar. 2014.
Análise do desenvolvimento de competências gerenciais na construção civil através do modelo da Aprendizagem Baseada em Problemas adaptado ao contexto organizacional
169
cadastro de insumo, demora na aprovação de
materiais no sistema e demora na chegada de
materiais –, o que demonstrou um problema no
processo de compra de materiais da empresa.
Eu volto a dizer o problema é o processo, o
processo que tem que melhorar.
(Engenheiro residente 4).
Eu acho que tá faltando a aproximação do
almoxarife com o setor de compras.
(Engenheiro residente 8).
Percebeu-se nesse momento que a empresa tinha
problemas de gestão, em que se identificou que
seus setores não conseguiam trabalhar de forma
sistêmica, ou seja, desenvolvendo suas atividades
para atender aos interesses da organização como
um todo. Isso foi bastante evidenciado durante a
reunião.
[...] Eu acho que todo o nosso processo é
falho. (Engenheiro residente 6).
Além das evidências de um sistema de gestão não
definido, pôde-se identificar o não
comprometimento dos envolvidos no processo de
compras com as obras diretamente, pois os
compradores não enxergavam sua importância
dentro do processo como um todo.
[...] é exatamente essa falta de uma gestão
que nos desestimula [...]. (Engenheiro
residente 4).
Os membros do grupo não conseguiam assumir as
responsabilidades sobre os problemas de
suprimentos existentes na empresa. Relatos
durante a reunião enfatizaram que, na visão deles,
os problemas eram causados sempre por fatores
externos à obra.
Problemas extra obra se fossem
solucionados eliminariam 99% dos
problemas de obra. (Engenheiro residente
6).
Nos preocupamos tanto com problemas
extra obra, que não conseguimos
identificar os problemas de obra.
(Engenheiro residente 8).
A reunião encerrou-se com o coordenador
perguntando ao grupo se, sendo implantado o
procedimento definido em projetos e tudo isso que
havia sido comentado em suprimentos, iria se
conseguir resolver os problemas de obra
existentes. Essa pergunta fez os engenheiros
perceberem que eles estavam cada vez mais
justificando os problemas a fatores externos à obra,
não assumindo responsabilidade sobre eles. Para o
encerramento do ciclo ficou decidida a criação de
um procedimento para atender às necessidades de
suprimentos, porém a elaboração seria feita pelo
coordenador em conjunto com o facilitador, e o
grupo iria validar o procedimento elaborado antes
da apresentação para a alta direção da empresa. O
ciclo encerrou-se com o grupo validando o
procedimento elaborado e culminou com a
apresentação dele por um engenheiro residente
para a alta direção da empresa, com a participação
do gerente de planejamento, dos gerentes de obra e
da gerente de RH.
Ciclo 4: recursos humanos
Como no ciclo anterior, foi realizada apenas uma
reunião. Estiveram presentes 7 engenheiros
residentes. A reunião se desenvolveu com
discussões referentes à melhoria da sistemática de
contratação, investimento em treinamento e
capacitação de pessoal, e criação de um plano de
cargos e salários, além de mais uma vez voltar à
tona o problema da definição das atribuições de
todos os colaboradores envolvidos no processo da
empresa.
[...] não vejo o setor de Rh preocupado com
capacitação da nossa mão de obra, eles
esperam muito que isso parta da obra, vejo
o setor muito distante da realidade da obra.
(Engenheiro residente 6).
[...] o nosso Rh é muito distante da obra,
ele tem uma postura assim tipo não é
comigo, o problema é da obra, com eles
não tem aquilo assim, não o problema é
nosso, vamos junto. (Engenheiro residente
1).
Foi relatado que a empresa está passando por uma
reestruturação do setor de RH devido ao
crescimento rápido do número de funcionários.
Atualmente, a empresa conta com uma gerente de
RH, uma psicóloga e a equipe de apoio com
técnicos administrativos e estagiários. Foi
ressaltado na reunião que esse departamento
atende a todo o grupo da empresa, ou seja, não
somente à construtora. Com relação às atribuições
das pessoas envolvidas no processo de contratação
os engenheiros, disseram ter dificuldades em saber
para quem solicitar a contratação de pessoal,
relataram as barreiras impostas pela empresa e a
demora na contratação de mão de obra.
A empresa exige o ensino médio para
contratar um pedreiro [...] eu não quero
um pedreiro para saber ler e sim para
trabalhar e desempenhar a sua função.
(Engenheiro residente 4).
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Martins, V. W. B; Neves, R. M. das; Macêdo, A. N. 170
O cara pode não ter o segundo grau, mas
pode ter uma vida como carpinteiro com
duas carteiras cheias, eu quero um cara
bom de trabalho e não um que venha
escrever um livro. Eles alegam que é uma
norma da empresa, só que compromete o
nosso andamento de obra e eles não veem
isso. (Engenheiro residente 6).
De acordo com a discussão sobre os entraves de
contratação de pessoal, voltou à tona na reunião a
questão da capacitação e qualificação da mão de
obra da empresa. O grupo foi unânime em afirmar
que a empresa precisa investir mais em
treinamento de pessoal. Além disso, foi enaltecida
a necessidade de aproximar o setor de RH com a
obra. Outro problema relatado durante o ciclo foi a
falta de um plano de cargos e salários da empresa e
de uma padronização do índice de produtividade a
ser pago.
Um grande problema nosso, é a empresa
pagar um salário defasado com relação ao
mercado para um encarregado.
(Engenheiro residente 6).
A solução pra isso é criar o que a empresa
ainda não tem hoje, que é um plano de
cargos e salários. (Engenheiro residente 1).
Da mesma forma do ciclo anterior, ficou decidido
que seria elaborado posteriormente pelo facilitador
e pelo coordenador um procedimento para atender
às necessidades citadas em relação a Recursos
Humanos e que o mesmo seria validado pelos
membros do grupo. Encerrou-se o ciclo
enfatizando a importância de um sistema de gestão
sólido e bem definido dentro da empresa, além de
se terem as atribuições a serem desempenhas pelos
envolvidos no processo de forma clara. O
fechamento do ciclo se consolidou com a
apresentação do procedimento elaborado e
validado pelo grupo para a alta direção da
empresa, em que participaram o gerente de
planejamento, dois gerentes de obra e a gerente de
RH, tal apresentação foi conduzida por um
representante do grupo.
Conclusões do estudo exploratório
Durante o desenvolvimento dos ciclos, as
dificuldades de implantação da ABP na empresa
foram evidentes. O grupo não conseguiu quebrar a
resistência em assumir as responsabilidades sobre
os problemas apresentados, o que comprometeu a
tomada de ação do grupo no processo de
aprendizagem e, consequentemente, no
desenvolvimento de competências gerenciais.
Nota-se que não foram trabalhados os temas de
produção/execução, custos e segurança conforme
definido no capítulo de metodologia. Isso ocorreu
devido ao fato de o setor da construção civil ter
entrado em greve, inviabilizando o
desenvolvimento de tais ciclos. Os gráficos abaixo
foram elaborados baseando-se nas análises
realizadas das transcrições das reuniões e
considerando as palavras-chave definidas nos
construtos, com o objetivo de representar a
potencialização da evolução das competências em
cada construto.
Analisando os resultados com base nos construtos
definidos e em relação aos aspectos do contexto
organizacional, nota-se que durante os ciclos a
implantação da ABP na empresa teve o
comprometimento da alta direção, pois, durante o
ciclo 1, esta forneceu documentos como
organograma da empresa e as etapas do sistema de
planejamento. No ciclo 2, além de fornecer
documentos, a alta direção respondeu ao
questionário para identificação das atribuições dos
engenheiros residentes em tempo hábil e participou
do seminário de encerramento do ciclo; nos ciclos
3 e 4 a alta direção apenas participou do
encerramento dos ciclos, logo o comprometimento
da alta direção foi estimulado e desenvolvido
durante o estudo exploratório. Com relação à
facilidade de aceitação e incorporação da dinâmica
de implantação da ABP pelo grupo, nota-se que
apenas no ciclo 2 houve melhora, pois, a pedido do
grupo ao final do primeiro ciclo, foram
esclarecidas todas as dúvidas do programa, como
os objetivos e metas a serem alcançados, o que
justifica uma melhor aceitação do grupo no ciclo 2;
no decorrer dos ciclos 3 e 4 observou-se a
estagnação da aceitação e certo desinteresse pelo
programa, conforme mostra a Figura 5.
De acordo com os construtos definidos para
análise da aprendizagem individual e conforme a
Figura 6, conclui-se que a competência de
resolução de problemas foi estimulada durante
todo o desenvolvimento dos ciclos. A competência
de comunicação foi desenvolvida durante três dos
quatro ciclos trabalhados. A condução de reuniões
não foi desenvolvida, pois os membros do grupo
não assumiram papel de coordenadores das
reuniões. Vale ressaltar a mudança de
comportamento percebida nos ciclos 1, 2 e 3, e a
evolução da análise crítica de forma objetiva.
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Figura 5 - Gráfico do contexto organizacional
Figura 6 - Gráfico da aprendizagem individual
A Figura 7 mostra o desenvolvimento dos
construtos definidos para a análise da
aprendizagem coletiva durante os ciclos. Percebe-
se que a troca de experiência cresceu ao longo de
todo o desenvolvimento dos ciclos. A competência
de mudança de regra foi estimulada durante os dois
primeiros ciclos, porém sofreu um retrocesso no
ciclo 3 e foi novamente desenvolvida no último
ciclo. O desenvolvimento da competência de
trabalho em equipe foi percebido apenas no ciclo
3, e o desenvolvimento da tomada de decisão
consensual pôde ser notado durante os ciclos 1 e 3.
O gerenciamento de conflito foi desenvolvido
durante todos os ciclos, e vale destacar também o
crescimento da liderança de grupo nos dois últimos
ciclos.
Analisando o desenvolvimento das competências
relacionadas à aprendizagem organizacional,
conclui-se que dois dos três construtos definidos
foram desenvolvidos. Não foi notório o
desenvolvimento do trabalho em equipe, porém a
disseminação das informações entre os demais
setores da empresa foi feita através dos seminários
de encerramento nos ciclos 2, 3 e 4. Tais
informações foram repassadas para a alta direção e
para a gerente do setor de Recursos Humanos por
Comprometimento da alta direção coma implantação do programa
Facilidade de aceitação e incorporaçãopelos membros do grupo
Competência de resolução deproblemas
Competência de comunicação
Condução de reuniões
Mudança de comportamento
Análise crítica
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Martins, V. W. B; Neves, R. M. das; Macêdo, A. N. 172
um engenheiro residente representante do grupo.
Um melhor desempenho no processo foi
desenvolvido somente no ciclo 3, conforme mostra
a Figura 8.
Foi estimulado o desenvolvimento das
competências relacionadas aos aspectos do sistema
de gestão da empresa. A ideia e a importância do
pensamento sistêmico foram trabalhadas e
comentadas pelos membros do grupo durante os
ciclos 2 e 3. A criação de uma memória
organizacional e a capacitação para a melhor
utilização do sistema de planejamento da empresa
foram enaltecidos e estimulados somente no ciclo
inicial. A Figura 9 representa o desenvolvimento
dos construtos relacionados aos aspectos do
sistema de gestão da empresa.
Figura 7 - Gráfico da aprendizagem coletiva
Figura 8 - Gráfico da aprendizagem organizacional
Troca de experiência
Melhoria de procedimentos mudanças deregra
Trabalho em equipe
Tomada de decisão consensual
Gerenciamento de conflito
Liderança de grupo
Disseminação da informação
Melhor desempenho nosprocessos
Trabalho em equipe
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Figura 9 - Gráfico sistema de gestão
Conclusões
Observou-se que as competências técnicas
passaram a assumir na prática uma posição
secundária em relação às funções de gestão da
obra, que vão desde o controle financeiro do
suprimento de materiais, passando pela
mobilização e desmobilização da mão de obra e
pelo acompanhamento da liberação de recursos
com o agente financeiro, reforçando o papel do
engenheiro gestor de obras de não planejador,
centralizando o controle e a busca de resultados no
curto prazo.
O grupo teve dificuldades de ação em relação aos
problemas gerenciais. Os problemas estavam
sempre nos outros setores da empresa. Os gerentes
tiveram dificuldades de quebrar a resistência em
assumir as responsabilidades sobre os problemas
apresentados (medo de exporem suas fraquezas), o
que prejudicou a tomada de ação e
consequentemente comprometeu o processo de
desenvolvimento de competências gerenciais e o
processo de aprendizagens do grupo. Eles tiveram
dificuldades de desenvolver o autoconhecimento,
refletir sobre suas ações e experiências.
Analisando os resultados da pesquisa e os aspectos
organizacionais da empresa, foi identificado que as
atividades gerenciais estão sendo impactadas, pois
os gerentes devem se preocupar com o processo da
solução dos problemas, e não com o resultado.
Necessitam ver o problema como fazendo parte da
solução. Observa-se que a ABP potencializou as
competências referentes ao trabalho em equipe,
liderança de grupo, comunicação, resolução de
problemas, gerenciamento de conflitos,
disseminação da informação e pensamento
sistêmico.
A empresa precisa criar um ambiente propício à
troca de informações entre seus setores,
objetivando o engajamento das pessoas envolvidas
em seu processo. É necessário certificar-se de que
as pessoas sabem o propósito de seu trabalho e
como ele contribui para que a organização alcance
seus objetivos. Reconhecer e apreciar o trabalho
desenvolvido pelos colaboradores também é
válido. Vale ressaltar que feedbacks claros
proporcionam o desenvolvimento de um bom
trabalho, mas para isso as pessoas precisam de
informações claras e em tempo hábil. É necessário
não apenas avaliar o comportamento ou os
resultados, mas também fazer com que as pessoas
percebam sua importância para o sucesso da
organização.
Foram identificados alguns problemas
organizacionais que dificultavam as atividades
gerenciais, tais como uma falta de padronização
nos processos de gestão, falha no sistema de
informação (obra x RH x suprimentos), falta de
uma memória organizacional e falta de uma
política organizacional mais clara, o que dificulta a
tomada de decisão dos engenheiros de obra de
acordo com os objetivos organizacionais.
Em relação ao modelo, é importante ressaltar que o
problema trabalhado deve estar alinhado aos
objetivos da organização e aos interesses do grupo
(coletivo); de preferência real e que esteja
ocorrendo no momento (vinculado ao dia a dia);
Pensamento sistêmico
Memória organizacional
Capacitação para utilizaçãodo sistema de planejamento
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Martins, V. W. B; Neves, R. M. das; Macêdo, A. N. 174
relacionado com os processos gerenciais; relevante
para a prática profissional. Ainda, a decisão do
curso de ações a serem tomadas para sua resolução
e implementação deve ser de responsabilidade do
gerente de produção; e levar em consideração os
aspectos humanos, sociais e técnicos. Isso faz com
que o problema estimule a aprendizagem tanto
individual quanto grupal e organizacional. É
preciso que os membros do grupo entendam a
necessidade das mudanças e das melhorias.
A otimização no sistema de informação entre
setores (pensamento sistêmico), a criação de uma
memória organizacional e a capacitação dos
engenheiros de obra para melhor utilizar o sistema
de planejamento caracterizam melhorias
importantes e prioritárias para a empresa.
Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, foram
identificadas lacunas e oportunidades para a
realização de novos estudos:
(a) implantar o programa em outras empresas
construtoras, para que seja refinada a análise dos
resultados e, ao mesmo tempo, para que se
identifiquem barreiras na implantação dele;
(b) pesquisar até que ponto as características de
ordem cultural podem interferir no processo de
implantação da ABP; e
(c) investigar como quebrar ou minimizar a
resistência dos gestores em assumir as
responsabilidades sobre os problemas existentes
nas obras.
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Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior – Capes, pelo apoio financeiro.
Vitor William Batista Martins
Departamento de Engenharia, Centro Tecnológico | Universidade do Estado do Pará | Av. Hiléia, s/n, Acrópole do Incra, Amapá |
Marabá - PA – Brasil | CEP 68503120 | Tel.: (94) 3324-3400 | E-mail: [email protected]
Renato Martins das Neves Departamento de Engenharia Civil, Centro Tecnológico | Universidade Federal do Pará | Tel.: (91) 3201-7917 | Email: [email protected]
Alcebíades Negrão Macêdo Instituto de Tecnologia | Universidade Federal do Pará | Rua Augusto Correa, 1, Guamá | Belém - PA – Brasil | CEP 66075-110 | Tel.: (91) 3201-7905 | Email: [email protected]
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