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Anexo 1 – Grelha de observação de dados relativos ao espaço físico, social e expositivo

do Museu do Fado

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Anexo 2 – Transcrição das entrevistas realizadas a proprietários de Casas de Fado

amador

Casa de Fado T.C.

Gosta de Fado desde quando?

Olhe não lhe posso dizer bem desde quando é que gosto de Fado mas posso-lhe dizer

que desde os dezoito anos que canto. Vou fazer sessenta e um, já lá vão quarenta e dois

anos…aproximadamente.

Quando era mais jovem costumava ir a Casas de Fado?

Não, portanto, eu só comecei a frequentar Casas de Fado a partir dos dezassete anos.

Porque é que abriu uma Casa de Fados?

Eu não abri a Casa de Fados, eu estou a trabalhar em duas Casas de Fado, para além de

já ter cantado em muitos sítios, não só aqui na Tasca do Chico mas também através de

espectáculos que eu organizo e através de espectáculos que tem sido excelentes,

portanto tem sido uma boa experiência.

Que clientes é que costumam cá vir? São mais estrangeiros?

Vêm várias classes sociais, desde advogados a doutores a juízes. Muita malta vem aqui.

Há pessoas que vêm cá cantar frequentemente ou vai mudando? Como é que

funciona?

Vai-se mudando, há pessoas que vêm cá todas as semanas e há outras que vêm cá pela

primeira vez. Isto acontece…há vários pormenores…se eu fosse a divulgar o nome de

todas as pessoas que já cantaram na Tasca do Chico…claro, tinha um leque de fadistas,

começando pela Mariza, a Carminho, Ana Moura, ou a Fáfá de Belém e claro…e tudo

por aí a fora.

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O que é que acha do Fado amador?

O que é que eu acho do Fado amador…foi no Fado amador que eu comecei e todos

começamos no Fado amador, portanto não há ninguém que não comece no Fado

amador, inclusivamente nas colectividades. As colectividades são a parte essencial de

todos os fadistas que actualmente são profissionais e aqueles que também são

amadores…ou que não são profissionais.

Acha que há alguma distinção entre Fado amador e Fado profissional?

O Fado é todo igual, depois é como se costuma dizer…o Fado é todo igual, portanto os

profissionais cantam exactamente os Fados que os amadores cantam, os amadores

cantam os Fados que os profissionais cantam e portanto não há distinção entre essas

duas classes. Só que uns têm carteira profissional…ou tinham, e hoje não têm porque

hoje já não há carteiras profissionais.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

Claro, o Fado amador é valorizado por várias razões…como eu já disse, as pessoas

todas que andam no Fado profissional foram ao Fado amador e foi aí que elas iniciaram

uma carreira, umas tiveram a sorte de ter grandes empresários, de terem grandes vozes e

terem possibilidades de o fazer…outros têm uma vida profissional totalmente distinta,

portanto diferente, onde fazem o Fado por hobby.

O que é que acha do Museu do Fado?

O Museu do Fado foi uma coisa que foi feita, que foi organizada, foi repensada e

foi…portanto está em grande estilo e em grande forma. Eu felizmente sou da

inauguração do Museu do Fado, numa grande noite de Fados que se realizou no

Chafariz de Dentro em que várias colectividades estiveram representadas com fadistas

de colectividades, para além dos profissionais e com certeza que não vou dizer o nome

dessas pessoas…eram muitos, eram alguns vinte e três ou vinte e quatro fadistas, tanto

na classe profissional como na classe amadora, no entanto…acho que o Museu do Fado

é histórico. É histórico porque vem valorizar o Fado, vem valorizar aquilo que nós

fazemos e aquilo que nós gostamos, e aquilo que possa vir a acontecer…e depois a

partir do momento em que o Fado passou a Património da Humanidade ainda muito

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mais força teve, foi através do Museu do Fado e de algumas pessoas que estiveram

ligadas a esse evento que se realizou esse grande evento ou esse grande poder…esse

grande poder musical.

Acha que o Fado amador e as Casas de Fado de Lisboa se encontram lá

representadas ou não?

Claro que sim, não sei se conhece o Museu do Fado mas se você for a certos painéis que

lá estão, a nível de fadistas que lá estavam e a nível de instrumentos…a nível de várias e

determinadas situações…aquilo está uma obra-prima que está ali em pé, montada.

Acha que o Museu do Fado interage com as Casas de Fado?

Não tem assim grande…não tem grande assiduidade, não quer dizer que a doutora não

vá às Casas de Fado como ainda há bem pouco tempo esteve na Tasca do Chico no

Bairro Alto e portanto sempre que lá vai…ao Bairro Alto vai lá ter comigo à Tasca do

Chico.

Mas o próprio museu não costuma falar convosco?

Não, o museu tem uma coisa boa, tem um grande leque de nomes de pessoas ligadas ao

Fado em que eles têm as moradas das pessoas e os nomes e quando há qualquer evento

eles tentam…aliás, para mim escrevem todas as vezes que existem eventos dessa

natureza…escrevem-me a dizer que estou convidado a estar presente, levo o convite e

portanto…a partir daí…

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso trás mais responsabilidade por parte de quem canta? De quem toca? Quem

compõe?

Vamos lá ver…o Fado a Património da Humanidade devia trazer mais

responsabilidades, é uma coisa extremamente recente, valoriza o Fado porque há dez

anos para trás estava mesmo…como se costuma dizer…em decadência. Neste

momento, estes envolvimentos culturais e toda esta cultura que nós temos no Fado tem

desenvolvido bastante e há muita gente a cantar o Fado, que não acontecia há…o ano

passado por exemplo. Mas no entanto, está actualizado e em grande força.

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Casa de Fado T.J.

Gosta de Fado desde quando?

Eu sempre gostei de música mas Fado…como eu sou da província estava habituado a

música rural…folclore…depois quando vim para Lisboa deparei-me com outros tipos

de música, que eu não tinha a noção que havia…na minha terra não havia luz

sequer…lá em casa havia um radio pequenino, portanto era tudo muito…muito obscuro,

olhe, eu nem imaginava que o mundo era tão grande…quanto mais. Era uma

aldeia…aquilo é uma zona muito pobre, mas estávamos de facto habituados a

música…ao folclore, todas as aldeias têm um grupinho, a minha aldeia também não era

excepção, também tinha lá e era a única música que eu conhecia, quando vim para

Lisboa deparei-me uma imensidão de estilos de música e eu sempre tive…não por agora

estar aqui, por ter aqui uma tasca, não é por causa disso não…sempre tive sensibilidade

para a música, gostava de ter sido músico…tanto mais gostava que fiz questão que o

meu filho fosse…tentei os dois, o mais velho não quis, quis ser cozinheiro, e o mais

novo é, portanto ele sem querer…e sem o obrigar também…também temos que pôr isso

em conta…é aquilo que eu gostava de ter sido. Já gastei muito dinheiro com ele. Ele é

aluno da Metropolitana já há oito anos e inclusivamente está num curso profissional de

música e vai lá fazer o décimo segundo ano e com…com os estudos da música, se

quiser continuar para o ensino superior é com ele…aí já não me meto. A minha missão

acaba no décimo segundo ano, depois ele faça o que ele quiser…lá está, a tal

sensibilidade. Depois deparei-me com o tal universo de estilos de música diferentes,

entre eles estava o Fado, epá…e depois é assim…o nome que me vem à cabeça desde

miúdo é Amália e Eusébio...isto está na cabeça não é, sempre me habituei a…a

Amália…eu cresci com a Amália, assim como cresci com o Eusébio, mas há muitas

Amálias não é…nós quando somos miúdos não temos noção mas agora começamos a

reparar, não havia só a Amália não é…a senhora dona Lucília do Carmo, o Carlos do

Carmo, Berta Cardoso, Beatriz da Conceição, Fernanda Maria…há tantas boas, tantas

boas…há uma…a dona…é a mãe…é de sangue azul…eu agora não me lembro o

nome…Teresa de Noronha…são nomes…e depois…António Mourão, António

Calvário, Henrique…Henrique não sei quê…tantos, tantos…cantavam tão bem, eu acho

que se cantava melhor antigamente…o Alfredo…para já não falar no Maurício não é.

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Antigamente cantava-se muito bem. Eu acho que se calhar tinha mais fome de música

que agora…eu acho que era melhor…mas eu acho que era melhor. Hoje há coisas

novas, há miúdas novas, miúdas…graças a Deus o Fado não vai morrer, há aí uma

juventude imensa a cantar bem também…portanto, não fugindo à sua pergunta…sempre

gostei, sempre gostei. Não foi por vir…se calhar, por eu gostar é que a casa se fez o que

é…se calhar…será que eu tenho alguma influência? Não sei, não sei…a única coisa que

eu digo é que se eu quisesse fazer uma Casa de Fados não conseguia. Isto

aconteceu…oitenta por cento por…cresceu como uma flor…uma coisa natural…foi

natural.

Então quando era pequeno não costumava ir a Casas de Fado?

Não. Na minha aldeia nem sequer havia estradas. Eu vim para Lisboa com doze anos,

assim que fiz a quarta classe…tive mais um anito e o meu pai pôs-me a andar para

Lisboa…fugir da miséria, que é mesmo assim.

Porque é que abriu esta Casa de Fados? Já sei que foi um pouco por acaso não é?

Isto foi-se formando…

Foi. Estou aqui há vinte e três anos…isto não era nada Fado. Aqui nesta casa jogava-se

ao dominó, jogava-se às cartas…vendia-se muito vinho…era só, mas pronto, como eu

tenho sensibilidade para a música gosto muito de instrumentos musicais…eu acho todos

os instrumentos bonitos…pronto…parte daí o meu gosto, então compro…tenho a mania

de comprar…comprei uma viola, comprei uma guitarra, tenho duas concertinas…não

sei tocar nada mas compro tudo…e pendurava, estavam para aí penduradas e as pessoas

passavam e viam…”olha, está ali uma guitarra…posso experimentar a

guitarra?”…”podes”…“não te importas que eu experimente?”…”podes…toca à

vontade…experimenta para aí”, e assim…depois apareciam com a viola, depois

apareciam com…aconteceu com a concertina…as pessoas entravam e pediam se

podiam experimentar…”experimenta para aí”…como a música para mim não é…eu não

considero…que a música não é para mim poluição sonora…deixá-los tocar à vontade,

até que às páginas tantas já havia aqui um conflito da malta que estava a jogar às cartas

com a malta que estava a tocar…já havia aqui um conflito entre eles mas eu não me

metia nisso…e foram aos poucos…os músicos foram ganhando espaço e os do jogo

foram perdendo e depois isto já era um bocado anarca…isto...houve uma altura em que

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isto já era anarca e eu tive que impor porque…imagine, agora é meio-dia…por acaso

agora não está a vender quase almoços nenhuns derivado a esta contingência, mas na

altura até trabalhava muito bem às refeições e eu às vezes queria pôr as mesas para os

almoços e tinha uma certa dificuldade…estava um bocado…então depois tive que

estipular realmente dois dias para…falei com eles…”meus amigos, querem brincar aqui

com o Fado, estou ao vosso inteiro dispor mas vamos marcar dois dias”, que eram os

dias em que se faziam menos refeições, não tinha…porque antigamente ao meio-dia

estava aqui toda a gente a almoçar, porque havia muita construção civil. Então

combinamos…sábados e domingos, das quatro às oito…podemos aqui fazer barulho à

vontade e divertirmo-nos imenso…e foi assim, foi a única regra que eu impus…foi

essa…sábados e domingos e feriados…como eu não fico em casa a gente vem para aqui

e assim surgiu…assim surgiu.

Portanto isto aqui é Fado Vadio não é? Vem quem quer. As pessoas vão

aparecendo.

É Fado amador, é Fado amador. É Fado amador mas também cá vêm profissionais, mas

eu faço questão que seja mesmo Fado amador…portanto, esta casa não tem condições,

para ser Fado profissional tinha que ter músicos a ganhar dinheiro, dois ou três

privativos a ganhar dinheiro não é, portanto…não é nada disso…isto é espontâneo. Se

há bons fadistas cantam, se há maus também cantam, se não há fadistas não se cantam,

conversa-se…percebe, portanto não há…não há compromissos com a música não

é…estamos em convívio. Por acaso proporciona-se sempre para quem canta e quem

toca…proporciona-se sempre mas se não houver…também não há compromisso não é,

e as pessoas que cá vêm consumir gostam…também sabem isso não é…isto não é

nenhuma Casa de Fados…se não houver Fado não há não é, mas há sempre.

Que tipo de pessoas é que vem cá? São mais turistas? Portugueses? É uma

mistura?

Neste momento é uma grande misturada, com muitos turistas, porque entretanto as

pessoas começaram a pôr na net e tal…e essa coisa das novas tecnologias é muito

importante…é um big brother bestial…toda a gente aparece, toda a gente sabe o que

acontece.

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O que é que acha do Fado amador? Acha que é assim muito diferente do Fado

profissional pela forma como acontece?

Há muitos fadistas amadores bons que não tiveram a possibilidade de ser profissionais.

Uns não tiveram quem os ajudasse, outros não querem mesmo ser profissionais e eu

percebo…porque têm o seu trabalho, e digo-lhe mesmo do fundo do coração, e isto vale

para todos os artistas que me ouvirem…ainda ontem estive a falar com um artista que é

o Gabriel, que é um profissional, embora seja outra área. É música popular, não se

conhece…ele este ano esteve muito tempo na TVI, esteve o verão inteiro…ele corre a

Europa toda, ele vai às comunidades portuguesas a todo o mundo…Canadá, América,

Luxemburgo…por exemplo hoje foi para o Canadá…toca concertina…aquelas coisas

populares, tipo Quim Barreiros…é o Gabriel…é um rapaz muito…esteve lá ontem, lá

em Alfama connosco, a brincar um bocadinho...e esta coisa de ser artista…por trás do

pano também há sofrimento, também há uma pessoa não é que às vezes está a pedir a

Deus para não ficar rouco e…às vezes está com uma equipa de trabalhadores com

ele…electricistas, encenadores, malta de acartar material…às vezes são vinte pessoas a

dependerem de um não é…ser artista não é fácil, e depois não têm sempre trabalho não

é, não é nada fácil…então em Portugal, que o mercado é super pequeno…ser fadista,

como ser outros artista qualquer…não é fácil, é preciso ter coragem. É como um

pintor…estar a fazer um quadro e não sabe quando é que o vai vender mas tem que

comer todos os dias…geralmente só lhe dão valor quando o homem morre não é…que é

uma chatice não é. Eu tenho a certeza que a dona Amália já deu mais lucro depois de

morta do que em vida…mas tenho mesmo a certeza disso, toda a gente anda a encher a

barriga de Amália, toda a gente abre uma casa…escreve Amália, abrem uma

rádio…escrevem Amália…essa coisa da rádio Amália, esse senhor da rádio Amália já

têm oito rádios…o esperto…tudo bem…ok, é Fado…ok, eu oiço a rádio Amália mas já

anda tanta gente a valer-se do nome Amália.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

No meio profissional…lá está, os profissionais não gostam dos amadores porque às

vezes os amadores tiram-lhes trabalho…eu percebo, mas aí ninguém tem culpa não é,

porque…e estávamos a falar realmente dos artistas…tenho muito respeito, tenho todo o

respeito do mundo pelos artistas profissionais…lá está…tal como um pintor…eu não

queria…sinceramente…bem, eu se calhar estou no mesmo barco, eu também

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aqui…tenho dias que também não ganho…ontem não ganhei aqui o dia por

exemplo…não ganhei literalmente percebes, e as despesas são mais portanto, eu sei o

que é sofrer e eu não queria ser artista profissional…é muito melhor ser amador…tu

tens o teu emprego e vais cantar por prazer não é, e profissional não, profissional é

profissional…doa-te o dedo ou doa-te o pé tens que estar sempre a sorrir. É como a arte

de ser palhaço…tenho um respeito imenso pelos palhaços…às vezes com vontade de

chorar estão a fazer rir…é um bocado assim.

Conhece o Museu do Fado?

Conheço. Está muito bem, muito bem. Acho que sim, acho que Lisboa merecia e o Fado

merece um museu e até…olhe…por falar nisso, dia trinta vai ser exibido lá um filme e

eu sou o protagonista…eu e o Duarte. Esse senhor…acho que é sueco…fez um filme

sobre o Fado amador também e vai ser exibido no dia trinta…acho que é no dia trinta

aqui…às sete horas parece-me…e senhor convidou-me para ir lá.

Acha que as Casas de Fado de Lisboa se encontram lá representadas e o Fado

amador?

Quer dizer…está ali tudo, as pessoas têm que saber interpretar…está ali tudo não é. Está

ali o principal, está…agora, se está representado o Fado amador ou não…está,

está…porque eles têm lá cd´s meus à venda. Gravamos um cd aqui com o…na altura

com os mais amigos e as pessoas que cantavam melhor aqui…que vinham aqui e já foi

para aí há sete, oito anos…e gravei…e pronto…a gente quando grava nestas editoras

por nossa conta cedemos os direitos…assinamos um papel em que a editora pode fazer

reproduções e vender…fazer o mercado deles e ele assim faz, já encontrei na Fnac, já

encontrei em estações de serviço e está no Museu do Fado também. Para mim é um

prazer.

Acha que o museu entra em diálogo com as casas? Costuma comunicar convosco

ou não?

Sim, sim…pelo menos já mandaram pessoas para aqui, já…turistas vão lá e depois

perguntam se calhar onde é que podem ir e já aconteceu, já sim senhor. Não sinto que

eles nos desprezem…não.

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Agora que o Fado é Património Imaterial da Humanidade, acha que e isso impõe

mais responsabilidade a quem canta, quem toca, quem compõe?

Acho que não tem nada a ver…não importa nada, não. É assim…um fadista

amador…seja profissional ou seja amador…aliás, tudo o que estejamos a fazer na vida

temos que fazer com respeito, com seriedade…o máximo possível e realmente, qualquer

fadista, seja mulher, seja homem…por exemplo, as senhoras…eu acho que sim, que

respeitam bastante porque vão cantar, poem sempre um xailezinho pelos ombros…é

uma questão de respeito pelo próprio Fado, e os homens quando vêm ao Fado também

se vestem de maneira diferente…como este senhor ontem também estava a dizer…eu

acho que ele canta mas não sei, eu não o conheço…é a segunda vez que cá vêm…”eu

sábado ando aqui e eu vinha cá cantar o Fado mas eu ando com a roupa das

obras…portanto não venho cantar com a roupa das obras”, portanto…eu acho que isso é

respeito pelo Fado…se o homem chegasse aqui com a roupa das obras eu acho que não

ia dizer nada porque não tinha coragem mas parte deles, isso parte deles, portanto acho

que sim…sim, tem que se ter respeito…é uma coisa séria, é uma coisa séria. Não é uma

coisa para chorar…porquê? Porque é que é uma coisa séria? Em poesia…toda a música

tem que ter um princípio, um meio e um fim…como um filme não é? É uma história

que vai ser contada não é, e o artista tem que saber transmitir o que está nesse poema, o

que o poeta escreveu e se não conseguiu chegar ao público ele é mau fadista, é mau

artista…se conseguir transmitir é um bom…um bom fadista não é? Portanto, há que ter

respeito pelo menos pelo poeta…aquelas palavras que estão ali são palavras…se a gente

não perceber o significado vamos ao dicionário porque aquilo tem um significado. É

muito mais rico que a música inglesa…os ingleses fazem uma música com “bate, bate,

bate borboleta…butterfly”…e não passa daquilo, a nossa poesia não…é riquíssima e

estou sempre a ser surpreendido com fadistas que aparecem com poemas que nunca

ninguém ouviu e que são lindíssimos…há poemas espectaculares…bem escritos, bem

escritos. É o que eu acho…quer dizer…como eu tudo, se formos para outras vertentes,

eu acho as letras dos…os bons músicos são geniais, o Jorge Palma é genial...o Sérgio

Godinho…até o Variações. Temos de tomar atenção não é? Não é só ouvir à

toa…aquilo tem peso.

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Casa de Fados B.

Gosta de Fado desde quando?

Mil novecentos e noventa e nove.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado ou não?

Não…tive uma profissão que não me permitia dispor das noites porque trabalhava por

turnos e realmente ouvia o Fado na rádio e na televisão mas não tinha a mínima noção

que viria a ser empresário de Fado…passo aqui o termo empresário. Na realidade isto

aconteceu…aconteceu na sequência de me ter reformado e a ideia inicial era ter um

barzinho onde pudesse ocupar o tempo de uma forma útil e que me sentisse útil, que me

sentisse ocupado, e depois pronto…isto por sugestões…acabei por vir a dar Fado. A dar

Fado na sua essência porque ainda hoje, eu posso-lhe dizer…se me perguntarem se

existe alguma fórmula Fado…eu não sei se existe, limitei-me a seguir os conselhos de

quem de facto me sugeriu que estamos em Alfama e seria engraçado contratar músicos

porque os fadistas apareceriam, e isso…posso dizer-lhe pela prática…depois constatei,

onde de facto existe boa música…os fadistas, as pessoas que gostam de cantar Fado

aparecem e o contrário também acontece. Quando eventualmente se contrata alguém

para ocupar…uma deslocação dos fadistas que normalmente tocam na Baiuca, eu

constatei que não sendo bons…“ah não, com estes eu não canto, eles não tocam nada” e

portanto têm as suas aflições, é uma logica…quem toca bem atrai quem canta bem, atrai

quem canta, e é isso que eu tenho tentado seguir, fazer com que as coisas saiam o

melhor possível.

Em que ano é que abriu esta Casa?

Em noventa e oito, mil novecentos e noventa e oito mas faço em noventa e nove,

concretamente no dia dezoito de novembro de mil novecentos e noventa e nove…foi

quando comecei a dar Fado e contratados os músicos e combinadas umas quantas vozes

e pronto, ao longo deste tempo…já lá vão catorze anos...foi de facto gratificante ver que

há pessoas, há…vamos lá analisar também há quem sinta o que canta e eu aí classifico-

os de fadistas, há quem queira só protagonismo, dizem que também cantam Fado, mas

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pronto…isto é a pratica que ao longo dos tempos nos dá essa percepção, de quem gosta

mesmo de cantar Fado. Por vezes as vozes nem são tão bonitas mas a emoção que põem

na canção…Fado...é tal que tenho visto muito clientes a chorar emocionados e às vezes

nem compreendem a letra mas a emoção que é transmitida é tal que as pessoas…e

sentem que há ali uma mensagem e realmente acontece Fado.

Como é que costumam ser as noites aqui na sua casa, portanto tem os músicos não

é e depois as pessoas vão aparecendo?

Isto é chamado o Fado vadio, há quem não goste do nome mas não tem nada pejorativo,

é por dizer que não há programa, tudo é espontâneo porque canta quem quer. Aqui na

Baiuca canta toda a gente, as coisas vão acontecendo porque não está nada programado

e o resultado é…por vezes as pessoas sentiram que alguém está a cantar e não canta

nada, logo a seguir vem alguém que enche com a voz a casa e de facto transmite a tal

emoção, porque Fado é isso, Fado é emoção e tenho visto e ao longo deste tempo que

há…sendo sempre o mesmo mas é sempre diferente porque, como não se está à espera,

não se sabe quem vai cantar e as coisas realmente acontecem…é bonito.

Que tipo de clientes é que costumam frequentar a sua casa? Tem clientes

habituais?

Deixe lá ver…está a acontecer que os clientes da Baiuca resultado de uma publicidade

feita directamente pelos clientes de boca a boca…hoje acontece algo…as pessoas

aparecem aí oitenta por cento, não sei, setenta, oitenta por cento…as contas são minhas,

estão feitas. De facto trabalhamos muito com turismo…como estamos nos roteiros, e é

gratificante…”olha, venho aqui porque um amigo meu me disse que aqui era muito

bom…esteve cá”…e acontece isso frequentemente. Às vezes…por exemplo, tinha a

casa cheia e era inverno, bateram à porta, eram cinco clientes que tinham vindo do

Funchal e que iam no dia seguinte embarcar para os Estados Unidos da América e

tinham tão boas informações da Baiuca…e eu disse-lhes que infelizmente estava cheio e

não os podia atender…”arranje-se como quiser, é ou em pé ou é assim num cantinho,

nós temos que ouvir Fado na sua casa”, e pronto, pedi a clientes amigos que já tinham

jantado que se encostassem um bocadinho mais já que as pessoas não iriam ter outra

oportunidade, porque iriam sair no dia seguinte, e portanto podíamos fazer…enfim,

fazer esse gosto e outros casos que de facto foram muito…no final da noite

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agradecerem-nos terem estado ali porque…”pela bela noite que aqui passamos…muito

obrigado porque isto realmente…”, eu penso que as pessoas não dirão isto só por dizer

porque vê-se que saem emocionadas, vê-se que saem contentes porque passaram um

bom bocado, porque chegar às oito da noite e estar até ao final…quatro horas

depois…se de facto estivessem aborrecidas ter-se-iam ido embora, mas não, ficam até

ao final porque sentam que há algo a transmitir-lhes, e quem promove isto…no caso,

quem toca e quem canta, e quem cozinha…os agradecimentos…sentimo-nos realizados,

sentimos que…pronto, eu não sou nenhum filantropo mas realmente, tão importante ou

mais ainda que o dinheiro é praticar algo que nos preenche, que digam que estou a fazer

algo bem feito, algo que é positivo e longe da vaidade, mas penso sinceramente que

estou a fazer algo por Alfama, por Lisboa, por Portugal…porque é conhecido no mundo

inteiro…que nos dá prazer fazer, quer dizer, a gente chega no final e sentimos que

“olha, ainda bem”…enfim, isto…para atingir este ponto são muitas as preocupações

assentes na higiene, na comprar dos produtos, na elaboração dos pratos, tudo isto para

servir quatro horas mas começamos de manhã…logo a pensar como é que será fazer o

melhor, quer dizer…sempre a preocupação, a maneira de servir, a maneira de…olhe,

um bocadinho de cada coisa, da própria prática da vida aplicada ali dá este resultado. É

fazer algo que nos dá muito prazer. Se me disserem que isso não está bem

nós…digamos, nos ditames do Fado, se calhar até é possível…faço o que me parece ser

bem feito para produzir algo que torne o acto em si…praticar o Fado…que seja algo que

valha a pena e que nos compense de algumas contrariedades, de algumas

incompreensões e por vezes, a saúde nem sempre está a cem por cento mas manter o

nível da Baiuca dá um certo trabalho e é compensador ser distinguido pelos clientes que

nos visitam e que enfim, por vezes nos aborrecem…”ah, já estou cansado”, mas depois

vem de facto a compensação da realização de fazer algo que engrandece. De maneira

que é tudo isso que está a acontecer.

O que é que acha do Fado amador? Acha que há uma grande diferença entre o

Fado amador e o Fado profissional pela forma como acontece? Para além da parte

monetária.

Tudo isto são…digamos concepções…se ouvir cinquenta ou cem pessoas não coincide,

uns gostam mais disto, outros gostam mais daquilo. A diferença entre o Fado amador e

o Fado profissional é que o Fado amador é feito com o coração, é feito porque se gosta

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de fazer, as coisas não têm atras de si o interesse nem a pré-preparação que há no Fado

dito profissional, onde as coisas são ensaiadas, as coisas que tem esse…não estou a

dizer mal, mas para mim a essência do Fado…indo às raízes…Fado é povo, o Fado

aparece da libertação de sentimentos e não creio…isto é a minha opinião, de que do

Fado dito profissional se encontre esta libertação destes sentimentos…bonitas vozes,

muito bons músicos, mas comparado com uma voz espontânea, com uma voz que…por

vezes um cliente que é convidado a cantar e saí uma voz, saí um Fado que nos preenche,

quer dizer…que é qualquer coisa…não acontece no Fado profissional porque tudo

aquilo é tão programado, é tão formal que não tem a riqueza do espontâneo, não

sabemos o que é que vai acontecer e as coisas…é a diferença, é à base disto. O Fado por

muito que queiram…é povo…quer dizer, aparecem os grandes estudiosos, dão

conferencias a falar do Fado…por muito que queiram levar o Fado para casinos, para

grandes coisas, grandes espectáculos, perdem, comparando com estas pequenas

casas…há mais como é evidente. Perdem porque aqui há um contacto directo, há uma

ligação, enquanto que o Fado profissional não, é tudo muito formal, muito…é a minha

opinião, e de facto não penso estar enganado porque se se está a fazer algo que é do

povo, que entra na sua essência, do povo a cantar…não nos esqueçamos que as origens

do Fado são mesmo muito humildes, basta ver os quadros pintados, mostram a taberna,

o vinho, a música e portanto, por mais que se queira florear Fado o bom mesmo é ir

escutá-lo nas casas onde ele é cantado por gente simples, gente do povo e que realmente

tem essa grandeza, essa riqueza da alma.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional ou não?

Não, fadista profissional não gosta de Fado amador. Fadista profissional tem uma

concepção de classe, que é fadista profissional, e grandes artistas cantam muito bem e

de facto…mas na essência não gostam, não gostam do Fado, é menos considerado…é a

minha opinião também.

Depois temos ainda um outro…talvez um outro tipo de Fado, daqueles fadistas já

muito conhecidos que já só cantam no Coliseu e em salas maiores. Acha que isso é

Fado na mesma? É outra coisa já?

Naturalmente, há gostos para tudo, mas na realidade…se as pessoas quiserem mesmo

Fado devem escolher uma casa pequena onde não haja aparelhagem nem microfone

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nem…porque o contacto é directo, é o contacto na mesa, é a forma de cantar para as

pessoas, não para grandes auditórios, porque perde não é…no meu entender

perde…pronto, é um tipo de espectáculo que realmente não se enquadra em grandes

salas porque os marinheiros quando começaram a cantar o Fado…pensa-se que o Fado

tem origem nos marinheiros…não andaram nos grandes salões nem tudo mais, depois

os vários ramos, enfim, os vários aproveitamentos que se fez não é…é evidente que uma

Amália Rodrigues que levou o Fado além-fronteiras e que levou…enfim, deu-lhe um

cunho de grande desenvolvimento mas ela própria nas suas origens era uma mulher do

povo, uma mulher que desenvolveu depois como grande artista, a voz que era…mas a

diferença está aí. Quer dizer, o Fado deve ter o seu enquadramento próprio, nas

tasquinhas, nos locais onde realmente há um contacto directo e ouvir os fadistas ali in

loco, não em grandes casarões. É a minha opinião também.

O que é que acha do Museu do Fado?

O Museu do Fado infelizmente para mim, estava…eu conheci o anterior museu onde era

mais museu, agora penso que é mais uma exposição tipo Fnac com as ultimas

novidades, com as ultimas coisas mas de museu, em meu entender de museu tem muito

pouco, portanto, fazendo o engrandecimento de figuras ainda vivas…não está muito

certo, como museu, quer dizer…museu é qualquer coisa que nos fala da história e neste

momento esta muito modernizado e como museu tem muito pouco. As iniciativas sim

senhora, estão…mas penso que aqui é um problema de arquitectura, penso que os novos

arquitectos com as modernices querem por vezes estilizar muito as coisas e refinar mas

depois aquilo não tem mensagem, não tem aqueles enquadramentos daquelas figuras,

com aquelas luzes indirectas, com tudo aquilo…aquilo vê-se em qualquer lado

moderno, qualquer loja que vende cd´s, têm de facto aquelas fotos daquelas pessoas que

enfim, que estão neste momento na fama, estão neste momento…não é o papel do

Museu do Fado. O papel do Museu do Fado para mim seria fazer a história, como

estava, a construção das guitarras, o que foi explicar que para haver Fado é preciso

haver música e ir ao pormenor…a história, fazendo ali a encenação própria, porque

estava assim no museu anterior…era museu. O museu actual não é museu.

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Acha que o Fado se encontra lá representado em todas as suas vertentes? Tanto o

Fado amador como o Fado profissional ou não?

Não, tem ali…não está, não está. Estava anteriormente, o cenário que se via, a

montagem de uma taberna, o balcão com o taberneiro com o trapo ali, que o taberneiro

tinha ao ombro para limpar o balcão…porque era assim, há cem anos era assim, quer

dizer, que as coisas aconteciam, agora não, tudo isso saiu, tudo isso…está tudo muito

moderno.

Acha que as Casas de Fado de Lisboa também se encontram lá representadas ou

não?

Não, não se encontram não, não se encontram. Mas aí posso-lhe dizer que será talvez

um pouco difícil porque cada um cozinha o seu pensamento e varia de casa para casa.

Posso-lhe dizer que agora está em curso um projecto de apoio às Casas de Fado que

mantendo as tradições e o que elas têm de autêntico…segundo aquilo que eu

compreendi desse projecto, e porque isto tem a ver com a esperança de que isto em

breve tempo, tenhamos uns milhares…uns milhões de turistas e servi-los da melhor

maneira, é preciso estar preparado, e então este projecto visa ajudar os empresários, os

proprietários das Casas de Fado, melhorar sem impor nada mas tentando realçar o que

cada um pode fazer para melhorar aquilo…isto foi no enquadramento lá do Fado a

Património Mundial…fazer com que de facto seja algo que valha a pena e pela qual vale

a pena lutar. Penso que este projecto é bem-vindo, pelo menos para mim, estou aqui vai

fazer quinze anos e estou a fazer isto de uma forma empírica, estou a fazer o que me

parece que é bem, mas se vierem de facto especialistas dizer-me que “não é assim, é

mais ao lado”, eu fico muito contente porque pelo menos vêm no bom sentido, vêm

fazer algo que já estava, aliás…na apresentação deste projecto fiz questão de realçar que

realmente já deviam ter vindo há mais tempo. Teriam ajudado melhor a eu fazer aquilo

que me parece que é bem feito mas com certeza que irão melhorar.

Acha que o museu antigamente, antes desta candidatura não costumava interagir

muito com as casas? É uma coisa mais recente?

De uma forma concertada não, não havia, posso-lhe dizer que na minha busca de

verdade, quando os clientes apareciam, os clientes, enfim, não portugueses, “como é

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que chegaram até aqui?” e as pessoas diziam-me que estiveram no Museu do Fado e que

perguntaram onde é que poderiam ouvir um Fado do povo, nada assim para turista, e

que no Museu do Fado lhes teriam dito que para o que procuravam…o Fado do

povo…e então, que tinham sido aconselhados pelo Museu do Fado…isto a minha

experiência…quer dizer, interagiu com a Baiuca de uma forma que…digamos que fui

eu que…eu na minha…eu agora a idealizar…parece que eu fiz algo que foi ao encontro

do Museu do Fado, quer dizer, parece que eu fiz algo de que o Museu do Fado se

congratulou de poder aconselhar…há mais, atenção, mas como estou aqui

pertinho…terá sido assim, não sei bem, mas parece que sim, na prática resultou. Que

realmente o Museu do Fado mandou para aqui muitos clientes ou indicou…de uma

forma despreocupada…não há qualquer…não houve qualquer contrapartida, é apenas

na procura de fazer algo autêntico, é uma das minhas preocupações, é manter a tradição

na sua pureza, na sua pureza…de uma pessoa que não percebe nada de Fado mas que

gosta de fazer as coisas bem-feitas.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade já sentiu

alguma alteração? Ainda é muito cedo?

Penso que ainda não há assim muitos reflexos, penso que ainda…ou digamos…eu tenho

mantido a minha…digamos…o meu nível de assistência. Não creio que haja

ainda…talvez agora com este projecto que o Museu do Fado está a elaborar, levando-o

assim a certificar algumas casas que voluntariamente aderiram a este projecto…são

coisas muito lentas, são gerações. Penso que está tudo a ser montado para ser bem feito

nesse sentido, para fazer o enquadramento que se espera. Eu já estou…enfim, no final,

no fim da vida, mas penso que a formula é essa, de facto, tentar fazer algo autêntico

mantendo o cunho de cada um…quer, é que é importante…senão, se ficar tudo

uniformizado perde a graça, porque então é tudo marionetas e não é isso que se

pretende. De modo que acho que estão sendo tomadas iniciativas que visam realmente

esse enquadramento.

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Anexo 3 – Transcrição das entrevistas realizadas a proprietários de Casas de Fado

profissional

Casa de Fado B.

Gosta de Fado desde quando?

Gosto de Fado…portanto eu tenho 52…desde os 27.

Quando era pequena costumava ir a Casas de Fado?

Na minha casa ouvia-se muito Fado, a minha mãe ouvia Fado e comecei a ir a Casas de

Fado…a primeira que fui foi à Parreirinha aos 13 anos mas quer dizer, achava aquilo

uma chatice, ia porque os meus pais iam e quando eles iam eu tinha que ir, mas

gostar…começar a gostar foi a partir dos 27.

Acha que o ambiente das Casas de Fado mudou muito?

Muito, agora é turístico, agora é para turistas, quando eu trabalhava no Bairro Alto não,

felizmente trabalhávamos com muitos portugueses e às vezes até à meia-noite não havia

ninguém…ao princípio e depois da meia-noite até ao outro dia, às duas da tarde havia

montes de gente, portugueses, violas, guitarras e passava-se Alfredo

Marceneiro…passava-se noites maravilhosas, maravilhosas mesmo.

Porque é que abriu uma Casa de Fados?

Só têm Fado duas vezes por semana, pronto…abri a Mesa de Frades também, foi como

restaurante, e depois comecei a dar Fados, depois o bichinho começou-se a entranhar

percebe, e como sou muito amiga do Hélder Moutinho, somos amigos há montes de

anos…” vamos lá dar Fados, vamos lá dar Fados”…”então vá, vamos lá embora dar

Fados”…e pronto…e foi assim que começou a Mesa. Aqui também, primeiro comecei

com noites de poesia, depois com música ao vivo e depois disse “bem, falta-me um dia

de Fado, porque já tenho saudades, estou aqui metida todos os dias, muitas vezes não

posso sair, portanto está na altura de dar uma noite de Fados”. Agora já não é o caso

mas quando comecei a dar era o que eu dizia “isto não é para eu ganhar dinheiro”, antes

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pelo contrário, dá-me prejuízo, mas é para mim, por isso normalmente as pessoas que eu

ponho aqui a cantar são pessoas que eu gosto de ouvir muito, como gosto muito de

ouvir a Gisela João…que está agora…a Vanessa Alves…portanto, ir pondo pessoas

aqui a cantar que eu gosto, às vezes os clientes…eu sei que gostam mas podem não

gostar e dizer “não gosto”, temos pena, eu gosto…pronto.

Que tipo de pessoas é que costumam frequentar a sua casa?

Todo o género de pessoas, todo.

Tem clientes habituais?

Tenho, tenho clientes diários praticamente desde que a casa abriu, tanto malta nova

como pessoas da minha idade que vêm montes de vezes…vêm todos os dias.

Turistas também?

Turistas também já vão vindo alguns…o que eu pessoalmente não gosto, porque eu não

gosto muito de trabalhar com turismo, eu gosto muito do meu povo, gosto muito de

trabalhar com eles…e não gosto muito…mas por acaso o turismo que tenho, como não

é grupos, são individuais, pronto…é diferente, as pessoas gostam e voltam mais vezes e

recomendam. Se for uma casa de grupos, não obrigada.

Quem é que costuma vir cá cantar e tocar geralmente?

O Marco Oliveira e o Pedro Ferreira, portanto são a viola e a guitarra, o Marco Oliveira

também canta e depois todos os domingos temos um artista diferente, à quarta-feira é

fixo, que é a Teresa Siqueira, depois ao domingo temos a Gisela, temos a Vanessa,

temos o Pedro Galveias, temos o Hélder Moutinho, depois temos a tia Alice que canta

sempre…pronto…que é uma pessoa do Fado e que canta sempre em todos os dias de

Fado. Ela vem todos os dias mas nos dias de Fado ela canta sempre e pronto…e depois

vão aparecendo outras pessoas a cantar mas com qualidade, porque dizem-me assim “ai,

eu gostava de cantar” e eu digo “sabes esta?”…“pois, não sei muito bem”…“então

muito obrigada”.

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O que é que acha do Fado vadio?

O Fado vadio, por acaso é uma palavra que quase toda a gente emprega mas Fado vadio

não existe, é Fado amador, pronto, sei lá. Eu acho bem, acho óptimo, dá novas

oportunidades às pessoas, agora também acho que há gente a cantar muito mal, muito

mal e que não devia cantar…há sítios em que o Fado é tão mau, tão mau, e agora eu

digo assim “agora aprendi uma letra, apetece-me ir cantar” e é tão mau, tão mau que não

concordo muito com isso. Eu acho que o Fado é para toda a gente, o Fado é uma canção

do povo mas que deve ter alguma qualidade.

Acha que o Fado amador é um pouco discriminado por ser amador?

Não, não acho, por acaso não acho, acho que está até muito na moda, está muito

entranhado porque nem toda a gente têm dinheiro para ir às Casas de Fado e pagar o

balúrdio que se paga não é e então vêm…optam por estas casas assim em que os preços

são muito mais acessíveis.

Conhece o Museu do Fado?

Conheço.

O que é que acha do Museu do Fado? Acha que está bem conseguido? Acha que

podia ser melhorado?

Eu acho que agora está. Houve uma altura em que estava parado e não dava

oportunidades a fadistas e coisas assim, era só para uma elite, agora como dão os

concertos todas as semanas, eu acho que sim, a Sara têm conseguido.

Acha que o museu poderia entrar mais em contacto com as Casas de Fado, para

elas estarem também lá representadas para quem vai visitar?

Sim, eu acho que sim, que o museu devia interagir com as Casas de Fado, até porque

não interage nada. O museu é o museu e as Casas de Fado são as Casas de

Fado…podia…portanto se é Museu do Fado e as casas são de Fado…acho que poderia

mudar…portanto interagir.

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Agora que o Fado é Património Imaterial da Humanidade, acha que esse

reconhecimento trouxe algumas alterações? Aconteceu alguma coisa ou está tudo

igual?

Acho que sim, acho que há mais gente a querer cantar Fado…pronto, agora de

depende…fez-se um boom e toda a gente quer cantar Fado…os meninos bem…toda a

gente quer cantar Fado.

Na altura da candidatura sentiu que o museu tivesse tentado entrar em contacto

com algumas Casas de Fado?

Nada. Foi o museu…o Carlos do Carmo é que trata disso tudo, é assim um ambiente

mais fechado, mais elitista, o que é uma pena porque o Museu do Fado devia ter toda a

gente…toda a gente ter acesso a ir lá cantar mas não é o que acontece, e não têm um

programa a dizer “vão aqui, vão ali”…nada, é só para o Camané, para o Carlos do

Carmo, a Carminho, Ricardo Ribeiro, portanto é só aquela elite, aquela elite que o

Carlos do Carmo gosta, se ele não gostar escusa de pensar que…o Fado está entregue

assim a uma certa elite e pronto, não há nada a fazer, mas eu acho que sim, todas as

semanas, uma vez que…não sei se é uma vez se é duas que dão Fado…que deviam cada

vez pôr um fadista de uma casa e depois dizer “este canta aqui, se quiserem ouvi-lo

podem ir ali”.

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Casa de Fado C.A.

O senhor gosta de Fado desde quando?

Ora, portanto, desde os dez anos de idade, tenho sessenta e dois, portanto há cinquenta e

dois anos que eu gosto de Fado.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Costumava.

Acha que o ambiente mudou muito de antigamente para agora?

Sim, como da noite para o dia. O Fado de hoje não tem nada a ver com o Fado antigo,

não tem nada a ver, nem coisa que se pareça.

Porque é que abriu uma Casa de Fado?

Em princípio porque canto Fado, depois em segundo lugar porque foi o meu sonho ter

uma Casa de Fados, e conforme tenho, e decorada à maneira que eu quero ter e em

terceiro lugar…não é rentável porque não é rentável mas vai preenchendo o gosto dos

amantes de Fado.

Que tipo de clientes é que costuma ter na sua casa? São portugueses, estrangeiros?

Todos, trabalho com muitos portugueses, muitos.

Que artistas é que têm na sua casa?

Eu geralmente tenho todos os artistas. Os artistas que eu tenho na minha casa são todos

rotativos, portanto, eu tenho cerca de doze artistas na minha casa, o que é, vão

rodando…uns trabalham dois dias, outros trabalham outros dois dias, outros trabalham

outros dois dias e assim sucessivamente. E portanto, isto para distribuir um bocadinho

de trabalho, um bocadinho de pão para todos.

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O que é que acha do Fado amador?

Pronto…vamos lá ver, o Fado amador para mim é as escolas que existem para as

pessoas se cultivarem a serem fadistas, não é a aprender porque para ser fadista não se

aprende, já tem que nascer com a pessoa, mas para se cultivarem, então sim…essas

Casas de Fado amador…o que é triste é que existem essas Casas de Fado amador e que

explorem o Fado amador como o Fado profissional…isso…portanto…é concorrência

desleal e isso eu não concordo, concordo sim com Casas de Fado amador, para a pessoa

que quer fazer desporto e cantar Fado, não sendo explorado, e todo o Fado amador é

explorado.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional ou não?

Não, não é valorizado, vão-se encontrar é no Fado amador depois outros valores que

depois vão buscar para as próprias casas que trabalhamos, e que apresentamos os

espectáculos, para o turista ou nacional, mas pronto…lá está, já é o fadista cultivado, é o

fadista que já tem calo, sabe estar em frente ao público, e pronto…que vai assumir a sua

responsabilidade perante o público e ao vencimento que vai usufruir das noites de Fado

que pratica nas Casas de Fado.

E o que é que acha daquele Fado…daqueles fadistas que já não passam por este

circuito das casas, que só dão concertos no Coliseu e etc. Acha que isso é outro

Fado?

Isso para mim não é Fado…para mim não é Fado…isso não tem nada a ver com Fado.

O que é que acha do Museu do Fado?

O Museu do Fado para mim tem as piores coisas que pode ter. Ponto numero um, não

dá colaboração a todas as Casas de Fado…não dá…quando a gente faz uma queixa ao

Museu do Fado que estamos a ser bombardeados com a concorrência desleal…o Museu

do Fado para mim é uma casa de eventos de Fado, portanto…para mim não é o Museu

do Fado, é o clube do Fado porque aquilo…o Museu do Fado para mim é…tirando a

família Camané e Carlos do Carmo mais ninguém entra no Museu do Fado e portanto, o

Museu do Fado para mim é isso. Gosto muito mais do Museu do Traje…o Museu do

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Traje ou o museu dos instrumentos…sim senhor, isso são museus. O Museu do

Fado…não me diz nada.

Acha que as Casas de Fado se encontram lá representadas?

Não, nenhuma delas. Só por interesse…Parreirinha de Alfama, o Fado Maior porque a

dona do Fado Maior faz parte do Museu do Fado e portanto…só por conveniência.

Acha que seria bom que o museu entrasse mais em diálogo com as Casas de Fado?

Acho que sim, acho que o museu havia de se interessar pelas Casas de Fado e saber qual

é o sacrifício que as Casas de Fado fazem, qual é os problemas que as Casas de Fado

aqui têm, mas se eles se interessassem por esses problemas não faziam concorrência

desleal com refeições de sete euros e noventa e oito euros com Fado…e muita gente põe

pessoas a tratar Fado que não sabem dizer nada sobre o Fado…é a noção que eu tenho

do Museu do Fado.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso trouxe alguma alteração para este meio? Impõe mais responsabilidade por

parte dos artistas?

Não impõe mais responsabilidade porque é assim, porque…as autoridades competentes

não põem a Lisboa ou às cidades que dão Fado as restrições que devem dar para que

isso seja…portanto…aquele prémio que ganhou da humanidade…então teria que se

fazer uma limpeza a pente fino, porque nem todas as casas estão preparadas para darem

Fado. Uma casa típica é uma casa típica, uma casa que dá Fado é outra coisa, porque

repare…um restaurante qualquer que serve refeições, e tem aí muitas, tem aí na Rua

Augusta o Águia de Ouro, tem o Café Nicola…porque entendem dar Fado e dão

Fado…essas casas não estão preparadas para dar Fado…ora portanto, se o Fado entra a

Património Mundial da UNESCO…epá, isso…tinha que haver restrições e as

autoridades competentes dizerem “não, não, os senhores não podem dar Fado, o Fado é

para as Casas de Fado, e mais nada”…eu acho que é aí que existe a concorrência desleal

porque nós pagamos todas as taxas, todos os direitos e essas casas não pagam nada

disso, simplesmente dão Fado, e os fadistas nem recibos verdes passam…está tudo a

fugir aos fisco que é uma loucura, e era isso que…teria que haver uma fiscalização

rigorosa e não há…não há, e por isso as Casas de Fado sofrem, estas e outras…portanto,

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essa é a noção que eu tenho sobre o Fado…é Património da UNESCO mas não tem

importância…se for assim não tem valor nenhum…é Património da UNESCO…pronto.

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Casa de Fado S.M.A.

Gosta de Fado desde quando?

Olhe…desde quando…mais ou menos desde a altura em que fui mãe, se bem que eu

tenho esta casa há muito mais tempo, era da minha mãe mas na altura. Nos meus vinte

anos, dezassete, quinze anos eu gostava era dos Beatles ou do Cat Stevens, etc…Rolling

Stones, por aí e só mais tarde…mais ou menos na altura em que fui mãe e comecei a

encarar a vida de uma outra forma…deixei de ser a filha rebelde, tornei-me mãe de

família e talvez…tomar uma outra consciência das coisas, inclusivamente de um

negócio que já era da minha família.

Quando era pequena costumava ir a Casas de Fado?

Como se costuma dizer, nasceram-me os dentes no Fado, porque a minha mãe já era

dona desta casa e habituei-me a ouvir Fado desde que nasci, tenho cinquenta e oito anos

portanto…há muito tempo.

Acha que o ambiente das Casas de Fado mudou muito de antigamente para agora?

Como é que eu lhe ei-de explicar…há muito mais Casas de Fado entre aspas. Eu digo

Casas de Fado entre aspas porque há muito mais imitações de tabernas de Fado. Eu

acho que o Fado vadio é uma forma muito engraçada de evolução para o Fado porque

vozes menos experientes ou jovens menos experientes ou até pessoas com mais

idade…não interessa se são jovens ou não mas sentir-se-ão mais há vontade e estarão

certamente…terão mais chances de exercitar ou poder treinar, ou de cantar…vá, do que

numa Casa de Fados profissional e que funciona com um elenco. Na minha casa, eu por

exemplo, não me importo que…os clientes que me pedem para cantar um Fado…eu

costumo dizer-lhes muito francamente, como faço tudo na minha vida…”pode cantar, se

calhar até pode cantar dois, mas canta o primeiro, nós analisamos e vimos se canta bem,

se cantar muito bem canta dois, ou três”. Isso quer dizer que há pessoas que gostam de

cantar mas não podem cantar…não podem cantar em público. Por graça um fadinho

ainda vai, agora, quando se tem uma casa em que as pessoas estão a pagar para ouvir

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Fado, não podemos ter saca-rolhas digamos…ou imitações de baixa categoria de

fadistas.

Acha que é valorizado no meio profissional?

É assim…quais são os fadistas profissionais que nós temos…o que é que é um fadista

profissional…antigamente havia uma coisa que se chamava carteira profissional e isso

queria dizer que a pessoa tinha um estatuto de profissional. Hoje isso deixou de existir,

e portanto, hoje, muitas Casas de Fado…talvez aquelas Casas de Fado maiores em

Lisboa, maiores mesmo, as grandes Casas de Fado têm digamos, uma mescla…entre

aspas outra vez, de profissionais e de amadores. Eu digo mescla porquê? Porque têm

fadistas do antigamente, fadistas conceituados, fadistas bem conhecidos dos portuguese

e não só, mesmo lá fora, e depois têm garotas ou garotos, adultos jovens que têm

belíssimas vozes e que cantam tão bem, e se calhar melhor…às vezes que os do

antigamente…portanto, é muito difícil de destrinçar e de fazer uma separação, portanto,

entre o profissional e o amador...o fadista profissional do fadista amador. Para mim, ser

profissional é todo aquele que tendo um contrato com uma casa, verbal ou não…por

escrito, cumpre com o horário, canta lindamente do princípio ao fim da noite, não falta

na casa onde trabalha para ir fazer espectáculos porque lhe dão mais cinco

réis…novamente entre aspas. Portanto, mantém uma atitude profissional…que mantém

uma atitude digamos…correcta, em relação à casa onde trabalha e que lhe paga o

ordenado. Amadores são todos os outros, independentemente de cantarem em Casas de

Fado ou de andarem de tasca em tasca a cantar o Fado…para vender um cd ou para

extravasar as suas emoções.

Que clientes recebe aqui? São mais portugueses, estrangeiros?

Na maioria…depende das épocas do ano mas posso-lhe dizer que em Julho, Agosto,

Setembro, na grande maioria são os emigrantes portugueses…vêm sequiosos de ouvir

Fado e de ver as coisas da terra deles, e depois o resto do ano, a grande maioria são os

turistas. Muitos deles, uma grande parte deles…não digo a grande maioria mas uma

grande parte deles…pessoas que habitualmente vêm a Portugal passar as férias e graças

a Deus vêm mais que uma vez às vezes…por ano a Portugal e vêm à minha casa do

Fado e comer.

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O que é que acha do Museu do Fado?

É um lugar inóspito, inóspito…completamente. Inicialmente havia um projecto muito

engraçado no Museu do Fado…o Museu do Fado acho que iniciou com um projecto

interessante e a Directora do museu era uma pessoa que parecia muito interessada em

fazer coisas e querer…inclusivamente eu penso que o Museu do Fado…aliás, como

qualquer museu…devia ser um veículo digamos assim, de apoio ao Fado em geral, não

é só às Casas de Fado, aos fadistas e nós, proprietários das Casas de Fado…e neste

momento não há nada…zero. Em relação às Casas de Fado não vejo rigorosamente

nenhuma acção, em relação aos fadistas…quando há situações, digamos…procuram

sempre ir buscar os fadistas já batidos, já conceituados, portanto todos os outros ficam

de fora. Não são convidados porque eles também não os conhecem…não sabem quem

são e não saímos da Mariza, e não saímos deste e daquela para não falar de outros que

estão sempre aí nas coisas públicas e os restantes não existem…estão no

anonimato…estão na sombra.

Acha que seria bom que houvesse uma interacção maior entre o museu e as Casas

de Fado?

Eu não digo que deva haver uma interacção maior, eu digo que deva haver interacção

porque neste momento não há nenhuma, rigorosamente nenhuma. Nós estamos digamos

assim, no coração do Fado que é Alfama, o Museu do Fado é em Alfama e eu não vejo

nenhuma manifestação do Museu do Fado em relação às Casas de Fado…só se for

noutro lado…em Alfama não há.

O museu deveria mostrar todas as vertentes que existem no Fado e representar as

Casas de Fado também?

Eu acho que o museu até devia ter uma mostragem de todas as Casas de Fado que

existem em Alfama com as diversas vertentes porque nós temos desde a taberna Fado

vadio, passando por as outras casas…mais ou menos…que abriram agora, ou há poucos

dias, ou há poucos meses e vão abrir muitas…cada vez mais…e fazem Fado e acho que

faz lá falta as casas tradicionais de Fado que já cá estão há trinta ou quarenta anos, como

o caso da minha que já está aqui quase há sessenta.

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Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso trás mais responsabilidade para quem canta e quem toca ou as coisas

funcionam da mesma maneira?

Eu acho que nesse aspecto nada alterou porque as pessoas, da forma que eram

continuam a ser e não há nada a dizer a isso, muito pelo contrário. Eu, pelo menos…no

meu caso, vários fadistas que já passaram pela minha casa e guitarristas, não tenho nada

a dizer das actuações deles, digamos, da forma de estar…não tenho nada a dizer. Tem

sempre um comportamento exemplar, sempre muito respeito e com qualidade,

assiduidade portanto…com algumas excepções que eu fui eliminado ao longo destes

anos, mas nesse aspecto não mudou nada. O que mudou de facto, substancialmente, e

este ano eu posso dizer que senti muito…pode ser uma questão económica…do mundo

ou da Europa em geral mas eu senti que é um período de crise grande para toda a gente

e eu, no meu caso tenho que dizer que passei por cima da crise este ano e talvez nos

últimos vinte anos não me lembro de ter trabalhado se calhar tão bem como este ano.

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Casa de Fado T.D.R.

Gosta de Fado desde quando?

Não sei mas…desde que eu me lembro de ser gente, sei lá…desde os quatro anos,

cinco, os meus pais cantavam em casa, era o que tínhamos, não havia televisão nessa

altura.

Costumava ir a Casas de Fado quando era pequena?

Sim, aí pelos meus oito, nove anos o meu pai já me levava, havia aqueles

restaurantes…ainda hoje há…não são Casas de Fado, são restaurantes que dão matinés,

e eu como gostava muito mais a minha mãe…levava os filhos também. Hoje existe

casas aí que são restaurantes normais e que dão Fado à noite, até chamam Fado vadio. É

uma palavra que eu não gosto muito de ouvir, é Fado amador mas as pessoas chamam

de Fado vadio e a gente tem que aceitar.

Acha que o ambiente das Casas de Fado mudou muito de antigamente para agora?

Sim, sim, muito, muito. Muito porque é assim, antigamente as pessoas iam ao teatro, ao

cinema e depois é vinham às Casas de Fado. As Casas de Fado fechavam às três, quatro,

cinco da manhã, seis da manhã. Agora não, o português vem mas já em menos

quantidade, vem jantar e vai embora às onze e meia, mais tardar meia-noite. O turismo é

a mesma coisa, também vem para conhecer o país, também não está para ficar até às

tantas…janta, ouve a primeira voltinha do Fado e depois quando vamos dar a segunda

volta eles já começam a pedir as contas.

Porque é que abriu esta Casa de Fado?

Porque eu já cantava Fado e tinha estado aqui nesta casa e gostei muito da casa e

então…entretanto casei e o meu ex-marido tinha umas discotecas e uns bares e ele

achava que eu devia ter também uma Casa de Fados para eu cantar quando me

apetecesse.

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Que tipo de clientes é que frequentam a sua casa? Turistas, portugueses, um pouco

de tudo?

Todos, todos.

Quem é que costuma vir cá cantar e tocar regularmente?

Nós temos elenco privativo sempre, portanto são sempre os privativos que cantam cá,

não quer dizer que não venha uma pessoa amiga que cante e que a gente não convide

para cantar, claro…mas normalmente temos elenco privativo, são sempre três homens e

três mulheres.

O que é que acha do Fado amador?

Acho muito bonito quando é bem cantado e quando não é bem cantado e querem

aprender e ouvir e pendem aos mais velhos, que os ensinem…isso é óptimo.

Agora…mas isso há em qualquer profissão não é…há pessoas que tem mau feitio não

é…pensam que já nascem ensinados e ninguém nasce ensinado. Nós nascemos com um

certo jeito para isto, para aquilo e depois há que aperfeiçoar e aperfeiçoar o jeito que nós

temos e a vocação que nós temos tem que ser com pessoas com experiência de vida,

com vivência, que andem cá há mais tempo que nós, para poderem indicar o caminho a

tomar e as melhores opções.

Acho que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

Sim, sim, muito, até porque há pessoas amadoras que cantam melhor que profissionais.

O ser amador não quer dizer nada, não quer dizer que é amador e que canta pior que o

profissional…não, nada disso, só que o profissional vive da sua profissão. O amador

tem outra profissão e gosta de cantar…isso é óptimo.

O que é que acha do Museu do Fado?

Acho que aquilo não é museu. Os museus são coisas antigas não é e aquilo parece-me

tudo menos um Museu de Fado e eu acho que quem devia ter deixado esse museu do

Fado devia ter sido a dona Amália. Teve tempo para isso e teve tudo nas mãos

dela...podia fazer um bom Museu do Fado…não fez. Eu tenho pena, dela não ter feito.

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Acha que acontece nestas casas aqui próximas se encontra lá representado de

alguma forma?

Não, não. Lá no Museu do Fado encontram-se as pessoas que eles querem, portanto,

eles é que escolhem e é que põem as pessoas que eles querem. Não é por ter este

currículo ou aquele ou aqueloutro, ou porque fez isto ou…não…é…aquilo é um clã que

anda ali, uma dúzia de pessoas e pronto…e só aqueles é que fazem, é que actuam, é que

falam, é que estão lá representados e quando há festas e coisas organizadas pelo museu

esses é que vão e tal…

Acha que o museu interage com as Casas de Fado? Estabelece alguma ligação com

as Casas de Fado?

Muito pouco. Mandam...quando há festas mandam um convite para a gente lá ir…é o

que fazem, mas...

Mas nunca ouve a vossa opinião sobre o próprio museu?

Não, não. Lá, eu acho que eles de vez em quando deviam fazer umas reuniões e saber

“olhem, o que é que vocês acham? o que é que se passa com o Fado? Está tudo bem,

não está?”…mas não estão minimamente preocupados com o assunto.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso impõe mais responsabilidade por parte de quem toca, de quem canta?

Não, não, nada…igual. Eu falo por mim. Antes de e depois de eu sou a mesma pessoa,

canto da mesma maneira. Não tenho nem mais nem menos responsabilidade.

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Casa de Fado E.A.

Gosta de Fado desde quando?

Desde quase, desde quase que me conheço, bem…muito mais cedo que aquilo que me

conheço. Eu comecei a cantar com nove anos.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Fui…a primeira vez que fui tinha nove anos, foi a primeira vez que fui e cantei à viola e

à guitarra numa Casa de Fados.

Acha que o ambiente das Casas de Fado mudou muito?

Sim, muito mesmo…não tem nada a ver, nada mesmo.

Porque é que abriu esta casa?

Olhe, é assim, esta casa foi aberta assim…pronto, um bocado também de ambição, sabe

que um fadista o que mais ambiciona é um dia vir a ter uma Casa de Fados sua não é, e

então, eu trabalhei em quase todas as casas do Bairro Alto, e a ultima das casas em que

trabalhei foi aqui em Alfama, pronto, e depois surgiu, a hipótese apareceu, apareceu esta

casa, nós viemos ver, à partida eu e a minha mulher não tínhamos nada a ideia porque

estávamos completamente noutro negocio que não tinha nada a ver com a restauração e

pronto, viemos aqui ver, a pessoa mandou…quando pediu, mandou apresentar uma

proposta, a gente apresentou e ao fim de uma hora a pessoa estava a dizer que aceitava e

pronto, já cá estamos há nove anos.

Que tipo de pessoas é que costumam frequentar a sua casa? São mais turistas,

portugueses?

É muito frequentada por turistas mas também tenho uma grande clientela portuguesa.

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Que artistas é que costumam vir cá cantar regularmente?

Eu tenho os artistas da minha casa, e depois tenho os meus amigos, de vez em quando

aparecem aí pessoas e às vezes clientes que vêm e também são fadistas, vem com as

famílias e cantam mas geralmente nós temos um elenco da casa fixo.

O que é que acha do Fado amador?

Acho que o Fado amador é o genuíno, para mim o amador é o genuíno.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional ou não?

Se calhar não será tão valorizado como deveria ser porque…não sei, não sei se por

peneiras, se por vaidade, mas posso-lhe dizer que no Fado amador há vozes muito

melhores que os profissionais, mas muito melhores.

E depois também temos aqueles fadistas que não passam por este circuito, que já

só cantam em grandes salas. Acha que isso também é outro tipo de Fado?

Não, Fado para mim é Fado, agora, fazem espectáculos, fazem quando têm e pronto,

mas isso para mim não tem a ver…agora, Fado há só um, depois uns interpretam como

acham de deve ser, outros dizem que fazem e querem fazer renovações mas há

renovações um bocado complicadas.

O que é que acha do Museu do Fado?

O que é que eu lhe posso dizer do Museu do Fado…acho que se calhar a nível de

fotografias, de coisas está um bocado…acho que há ali pessoas que estão um bocado

esquecidas, acho que algumas deviam ser mais…pronto, deviam estar em primeiro

plano e não estão, e outras que não deviam estar e estão…é um bocado complicado.

Acha que estas Casas de Fado que estão aqui…de Lisboa e estas que estão aqui

próximas, acha que se encontram lá representadas? Tal como o Fado amador e o

Fado profissional que acontece aqui mesmo ao lado todos os dias?

Quer dizer, o Museu do Fado não apresenta muito a nível de Casas de Fado, apresenta

mais aquilo…pronto, a história, a história que puderam entregar ao Museu do Fado não

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é porque aquilo foi tudo pessoas que…uma das pessoas mais importantes, a pessoa que

mais história entregou para que o Museu do Fado pudesse divulgar foi uma pessoa que

já morreu, não sei se já ouviu falar no José Manuel Osório que é uma das pessoas que

tínhamos em Portugal mais entendidas a nível da história do Fado, que foi uma pessoa

que fez…aliás para mim ele é um dos grandes fundadores do Museu do Fado, agora o

Fado…o museu não fala assim muito…pronto, fala, se calhar em casas mais antigas,

que algumas já nem existem também como a Márcia Condessa e, como outras assim,

mas não divulga muito, além de eu até não puder ter muito razão de queixa sobre isso

porque por acaso o Museu do Fado para a minha casa manda muita gente.

Acha que o museu estabelece um diálogo com as Casas de Fado? Comunica com

elas?

Sim, ainda agora há pouco tempo houve uma reunião, em que chamaram lá as Casas de

Fado para apresentarem um projecto, tipo um projecto para fazer remodelações e nível

das casas, para serem eles a apresentar a nível de Câmara e EGEAC e Museu do Fado,

juntarem-se para apresentarem as casas e não sei quê e pronto, houve pessoas que

aderiram, não aderiram...dos restaurantes aqui de Alfama foram lá alguns, a nível de

restaurantes, Casas de Fado, que tem a ver com Fado não é, porque este projecto tem

tudo a ver com Fado.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso impõe mais responsabilidade a quem toca, a quem canta ou não?

Eu acho que a responsabilidade é igual, agora é assim…pronto, o trabalho a nível de

nós cantarmos e apresentarmos o Fado seja cá, seja fora, seja não sei quê, eu acho que

nós tentamos sempre, qualquer fadista, qualquer musico tenta sempre dar o seu melhor

não é, não é por agora o Fado ser Património, “epá, agora vou tocar melhor porque o

Fado é Património”, eu não considero muito isso, pronto, acho que nós temos sempre

vontade de fazer bem não é.

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Casa de Fado B.M./C.L.

Gosta de Fado desde quando?

Desde que entrei no negócio.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Não.

Porque é que abriu uma Casa de Fados?

Eu não abri uma Casa de Fados, era uma Casa de Fados que já estava aberta. Eu e um

socio que estava ligado ao Fado tomamos essa Casa de Fado. Após isso, o processo

desenvolveu-se.

Que tipo de clientes é que costumam frequentar a sua casa? São mais turistas?

Portugueses?

Cerca de trinta por cento de portugueses, setenta por cento de estrangeiros.

Que artistas é que costumam lá cantar?

Temos só artistas profissionais, temos sempre o cuidado de ter uma gama variada.

Temos sempre duas cabeças de cartaz, actualmente, na Casa de Linhares temos a

Cidália Moreira e o Jorge Fernando, no Páteo de Alfama a Maria Mendes, depois temos

sempre artistas com estatuto de permanência em Casas de Fados, vinte, trinta anos, no

caso Maria da Nazaré e Maria do Carmo Themudo, e depois temos a nova geração com

Fábia Rebordão, André Baptista, Luísa Rocha, Sara Correia, Vânia Duarte, Tânia

Oleiro, Filipa Cardoso. Temos bastantes artistas da nova geração.

O que é que acha do Fado amador?

É uma forma de cantar, livre de preconceitos com vantagens do ponto de vista…de

permitir a liberdade de cada um cantar o que quiser e eventualmente evoluir para o Fado

profissional, sem a responsabilidade do Fado profissional. Nós só trabalhamos com

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fadistas profissionais porque trabalhamos com um tipo de clientelas topo de gama, que

não está disposto a variações de qualidade.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional ou não?

Não sei, não lhe posso responder pelo meio, respondo-lhe por mim. Eu tenho recorrido

às vezes a fadistas que iniciaram-se no Fado amador para depois se desenvolverem

como profissionais.

O que é que acha do Museu do Fado?

Nós temos muito pouco contacto com o Museu do Fado, devo-lhe dizer que a empresa

tem dez anos de actividade, fomos contactados há uns três meses pela primeira vez para

um programa que está em desenvolvimento, de qualificação das Casas de Fado,

aderimos ao programa, não temos nada contra nada contra a actividade mas também não

temos contactos com o Museu do Fado, nunca tivemos nenhum tipo de actividade

conjunta.

Acha que o Fado se encontra lá representado em todas as suas vertentes? Tanto o

Fado amador que se faz agora e o Fado profissional destas casas que estão tão

próximas do museu?

De certeza que não mas também de certeza que era impossível lá estar tudo

representado. Quais os critérios de escolha…é que podem ser considerados mais

duvidosos ou menos duvidosos. Por exemplo, no nosso elenco fazem parte dois artistas

que eu já lhe disse, Cidália Moreira e Jorge Fernando, Jorge Fernando é segundo a

Sociedade Portuguesa de Autores o autor mais tocado de Fado mas não está

representado, depois existem alguns outros artistas que estão com muito pouco

significado no panorama musical mas que fazem parte de alguns lobby´s e que estão lá

representados.

Acha que seria bom que o museu entrasse mais em diálogo com as Casas de Fado

ou não?

Eu acho que as Casas de Fado são empresas privadas e portanto, como empresas

privadas tem que gerir-se a elas próprias. A função do Museu do Fado é uma função

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completamente diferente, é uma função de enquadramento institucional e é uma função

de preservação…já que é um museu…de preservação de um património. Se ele quiser

ser um museu interactivo e agir com a actualidade poderá nalguns casos ter algum

trabalho conjunto com as Casas de Fado, mas as Casas de Fado têm que viver sozinhas

e o Museu do Fado tem que apenas dar o enquadramento institucional e a promoção do

Fado enquanto canção nacional.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso impõe mais responsabilidade às pessoas? Aos músicos?

Nenhuma, acho que…primeiro é uma coisa de que nós ficamos muito orgulhosos,

porque temos poucos motivos de orgulho talvez, mas nenhum turista que vem a Lisboa

sabe que o Fado é Património Mundial, como nós também se formos a qualquer outro

ponto em que exista classificações como Patrimónios Imateriais e Culturais da

Humanidade também não sabemos. Eu se for aos Andes não faço a menor ideia se

alguma música andina é Património Imaterial da Humanidade ou não, sei por acaso que

concorreram no mesmo ano que nós mas não sequer se foi escolhido ou não e existem

classificações como Património Imaterial da Humanidade há dezenas de anos e se me

pedir para referir três ou quatro não faço a mínima ideia quais são. Portanto, supondo

que a minha posição é transponível para qualquer turista que nos visita, eles também

quando chegam cá não fazem a menor ideia, portanto faz parte da nossa função

enquanto agentes de mercado cá criar a apetência para ir ao Fado enquanto eles estão cá

porque não é no exterior que vão receber essa apetência. De resto pronto, foi um motivo

de orgulho nacional, fizemos uma festa enorme, gastamos uns largos milhares de euros

a conseguir uma coisa que não tem valor nenhum…e ficámos todos contentes.

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Anexo 4 – Transcrição das entrevistas realizadas a fadistas amadores

Fadista M.

Gosta de Fado desde quando?

Olhe desde que me conheço, desde que me conheço, desde os meus catorze, quinze,

dezasseis anos…é verdade, nasci num bairro, num bairro onde o Fado era…e onde

havia uma das casas mais tradicionais que era a Cesária, Alcântara.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Comecei com dezasseis, dezasseis anos.

Acha que o ambiente das Casas de Fado mudou muito?

Sim. Vamos lá ver…é assim…já nessa era igual. Há dois tipos de Casas de Fados, há a

Casa de Fado para os espontâneos, que são as tais…umas adegas, mas são casas onde se

juntam as pessoas, há lá sempre um guitarra, um viola e pronto, e depois cantam aquilo

que se chama os espontâneos e muitas vezes aí encontramos as melhores vozes e há

depois aquelas casas profissionais que é um Fado completamente diferente, é um Fado

para o turista, às vezes é misturado com um bocado de folclore…o Fado que se canta ali

é cantando só por profissionais, pronto…é completamente diferente, e na maior parte

dos casos o bom Fado ouve-se nesses tais espaços…os espontâneos.

Em que locais é que costuma cantar de forma amadora?

Agora pertenço a um…a um…sei lá como é que se chama aquilo…é o clube de Fado,

eu estou inscrito e sou sócio de uma instituição para a terceira idade chamada instituição

sénior e lá há várias actividades. Há pintura, há enfim…entre as muitas coisas que há,

há um clube de Fado e então juntaram-se ali uns maduros, são uns seis ou sete, vamos

lá, temos um ensaio de quinze em quinze dias, depois de vez em quando há lá uns

espectáculos e nós cantamos, outras vezes somos convidados para ir cantar, mas eu

desde sempre cantei Fado amador, ia para a…ia com os amigos ou entre

amigos…pronto…tive um período em que tinha uma tertúlia e era um…fazíamos o fim-

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de-semana…andávamos aí pela noite…que era o João Braga, era o Zé Paracana, o

Henrique Durão, que eu nunca mais ouvi falar dele, e eu, eramos os quatro, andávamos

por aí, um deles tocava muito bem e cantava, era o Zé Paracana e nós todos cantávamos,

pronto…e então andávamos por aí, íamos a uma Casa de Fados aqui e acolá…por aí.

Mais tarde, depois parei, deixei de, o João Braga seguiu o percurso que toda a gente

sabe, seguiu a vida dele ligada ao Fado, o Zé Paracana a mesma coisa, o Henrique

Durão não sei, e eu não…afastei-me completamente e canto, tenho cantado sempre mas

é entre amigos, vamos aí a uma Casa de Fados que se possa cantar e canto e pronto…é

assim.

Veste-se de forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual especial?

Depende, se sou apanhado de surpresa estou com estou, senão vou vestido de

preto…é…não sei porquê mas é verdade.

Existem expressões ou palavras próprias do mundo fadista? Algum “calão”

fadista?

Olhe…existe mas eu assim de repente não me lembro mas existe, existe. Existe uma

linguagem muito própria sobretudo com, não é tanto a ligação entre o cantor e o

público, é mais a ligação entre o cantor e os músicos…há uma linguagem entre nós

que…agora não me recordo assim de nenhum termo específico mas há uma

cumplicidade muito grande, isso sim.

Acha que a cor negra ainda é muito utilizada? E o xaile?

É, absolutamente, a cor negra, a vermelha, o xaile…o xaile para as senhoras, os homens

com uma flor na lapela quando podem, o lenço…lenço ao pescoço, muitos

deles…enfim, há pequenos rituais que estão ligados ao Fado.

Considera o Fado uma canção triste ou alegre? Ou as duas coisas?

Não, não, é uma canção com uma melodia romântica, não é bem romântica, é uma

melodia dolente mas não é triste, não considero que seja uma canção triste, foi

aproveitado para no fundo transmitir…e repare, era uma canção que era cantada por

gente pobre…de início…só muito mais tarde é que chegou aos grandes salões, pronto,

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passou a ser moderno, passou a ser actual, mas durante muitos anos era uma canção que

era cantada entre os pescadores, entre gente de viagem, portanto os temas era natural

que estivessem ligados à saudade e aliás é uma palavra bem portuguesa, que tem a ver

connosco. Não considero que seja triste até porque nós temos o Fado corrido, temos

vários Fados que são…que são igualmente apreciados…até são mesmo, julgo eu…os

mais apreciados sobretudo junto dos turistas são os Fados mais rápidos e que são bem

alegres e bem engraçados e o que tem é uma particularidade…pronto…há duas

vertentes, ou cantam…ou cantam os nossos poetas ou então os temas são…são de facto

aqueles temas ligados à saudade, ao distanciamento, às situações mais difíceis,

enfim…da vida e eram cantadas mas também tem aquele ar brejeiro, também tem…há

muitos Fados, há muitas quadras…sobretudo…há uma vertente do Fado que é a

desgarrada que normalmente parodeia, serve para parodiar as verdades, enfim, aquilo

que se passa na nossa sociedade ou se for em determinadas terras ou pequenos bairros

onde o senhor fulano ou senhora…pessoas importantes que tem este ou aquele defeito

ou aquela qualidade e é aproveitada para se fazer uma critica, e era muito utilizado…o

Fado era muito utilizado para uma critica social. A sátira é uma componente quase

indispensável do Fado, portanto não se pode dizer que o Fado seja uma canção triste, é

uma canção com um ritmo lento, é dolente, tem uma influência necessariamente

africana porque tem, do norte de Africa…tem a ver com o nosso clima percebe, tem a

ver com…o Fado era impensável num país nórdico, tem a ver com o nosso clima, com a

tranquilidade. Veja que em Portugal tirando Lisboa onde se canta mais Fado é no

Alentejo, e os alentejanos tem todos uma veia de poetas, há um poeta em cada

alentejano, eu não sou alentejano, nasci em Lisboa, nasci em Alcântara mas tenho que

reconhecer, tenho muitos amigos alentejanos e em cada alentejano há um poeta e

cantam lindamente Fado, cantam bem. Veja, agora há uma série deles…alentejanos…o

António Zambujo, o Duarte…há uma série de rapazes e raparigas alentejanas que estão

aí agora a aparecer na ribalta porquê? Porque tem uma tradição nas suas terras…do

Fado e portanto daí vêm muita gente.

Já participou em algum concurso de fado?

Não, nunca, só a brincar e era preciso haver como prémio umas “bejecas”.

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O que é que acha do Fado amador?

Eu posso-lhe dizer uma coisa assim desta maneira, se não fosse o Fado amador o Fado

não se renovava, o chamado Fado quadro é renovado constantemente porque o Fado

amador é que lança as modas, é aqui na tasca que aparece aquela voz, aquela forma de

cantar o Fado diferente e começam todos por aí, depois são apanhados e

repescados…profissionalizam-se. Não são as melhores vozes de Fado…actualmente até

são mas porque…pronto…estamos a atravessar uma fase em que o Fado foi

reconhecido como Património da Humanidade, talvez por isso agora haja gente atenta

mas durante muitos anos os profissionais não eram nem de longe nem de perto os

melhores cantores…nem cantores nem cantadeiras, não eram nem de longe nem de

perto. O bom Fado é encontrado nas casas amadoras, as boas vozes e depois tinham

sorte, tinham um padrinho, passavam à ribalta e muitos deles quando passavam à

ribalta, enfim…estragavam-se e há vários casos…não vou dizer nomes mas há vários

casos, não, posso dizer, não faz mal, o Rodrigo por exemplo, foi um deles, o próprio

João Braga, o próprio Carlos do Carmo enquanto cantou…enquanto cantou…o Carlos

do Carmo pronto…como se sabe é filho da Lucília do Carmo, nasceu num ambiente de

Fado mas depois até ir para a Marinha…pouco e durante…marinheiro

mercante…enquanto esteve lá…até…enfim, cantava na casa da mãe mas muito mal

porque eles não estavam muito bem…muito pouco, mas nesse período…é o melhor

período dele em que a voz de facto estava pujante. Foi na fase em que ele ainda era

amador, também…mas eu gosto muito do Carlos do Carmo mas tem outros…outros

tantos meu Deus que enquanto atravessaram o período amador…a voz deles…uma vez

porque eram mais novos, era mais límpida, mas eram mais irreverentes, depois também

são condicionados, não podem cantar determinados Fados nas Casas de Fados mas

introduziram estilos, estilos diferentes, outras formas de cantar o Fado e foi aí que

nasceu…não foi como…aliás, eles geraram atracção ou forma, ou deram origem à

atenção. Esses empresários…foi exactamente pela forma irreverente como eles

cantavam o Fado enquanto amadores…depois…

O que é que acha que distingue o Fado amador do Fado profissional, para além da

questão monetária?

Sim, a parte da questão monetária é verdade, é a verdade do Fado, não há fantasias,

enquanto se é amador canta-se o Fado na sua alma verdadeira. Os profissionais já

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cantam, cantam, mesmo os tons utilizados, o ritmo, a batida do Fado, a forma como ele

é cantado. Poucos houve que mantiveram a sua irreverencia, aliás, eu já os citei e

poucos mais…o Manuel Almeida, o Alfredo Marceneiro…esses mantiveram sempre o

seu estilo, estilo esse que vingou e é intemporal e são estilos intemporais, depois

apareciam aqueles…os fadistas que nós chamávamos os fadistas, enfim…gritantes que

eram aqueles que cantavam com a barriga…eram os tais sabe, que se iam

profissionalizando, começavam a controlar tudo e depois cantavam com a barriga.

Tiravam a beleza do Fado, tiram-lhe o sentimento, um bom Fado é cantado por aqueles

que cantam com a garganta, que utilizam a sua garganta, que dão as variações, dão os

trinados mas esses são os bons fadistas.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

Cada vez mais, cada vez mais, aliás, é lá que vão buscar os actuais profissionais e lá que

vão…que vão descobrindo os bons valores para o Fado e hoje em dia

até…curiosamente há empresários…posso-lhe dizer, um deles que é o Filipe La Feria

que é tão criticado…há quem goste, há quem não goste…eu também não gosto do estilo

mas tenho que reconhecer que ele arrisca muito a ir buscar gente amadora que não tem

experiência nenhuma, mas ele sente ali a voz e aproveita essa gente enquanto a voz

deles não está…não está profissionalizada. Eu não tenho nada contra a

profissionalização da voz…não tenho nada, desde que bem encaminhada e melhore as

performances. Quando essa profissionalização vai adulterar e no Fado há muito essa

tendência…vai adulterar a indolência, a batida, o sentimento, a malandrice que o Fado

tem, estraga o Fado na sua essência.

Depois temos também aquele Fado que fica completamente à margem das Casas

de Fado, o Carlos do Carmo, o Camané, que gravam discos e já tocam em grandes

salas.

Sim, mas são indivíduos que apesar de tudo conseguem manter…manter alguma

virgindade…deixe-me usar este termo. Foram indivíduos que foram capazes de modelar

as suas vozes mas nunca abdicaram das suas origens apesar de…mas de nós ouvirmos

um Fado do Carlos do Carmo agora ou há quarenta anos aquela voz só está é mais

cansada, de resto…mas nem por isso pior, porquê? Porque o Fado tem esta

particularidade, também pode…também pode…o Fado não é estragado com uma voz

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cansada, o Alfredo Marceneiro era um homem que tinha uma voz cansada e estragada

mas era sui generis, era único e sobretudo tinha um sentimento fantástico, tinha um

balanço, tinha uma batida que era único e pronto…o Fado é isso.

Já visitou o Museu do Fado? O que é que achou do museu?

Fico com a sensação que estou numa Casa de Fado cheia de turistas…não…é

importante….agora curiosamente eles tem promovido, tanto quanto eu sei várias

sessões de Fado e põem muitos amadores…isso é verdade. Aparece ali muita gente

amadora, sobretudo gente ali daquela zona…aquilo é Alfama, está ali na fronteira, no

Largo do Chafariz…aquilo ali é Alfama…pronto, ainda é Alfama

pois…pronto…sobretudo esses fadistas aí dessas Casas de Fados.

Acha que as Casas de Fado se encontram lá representadas ou acha que existe

interacção?

Não, julgo que não…lá está, o Museu do Fado está virado mais para apoiar e promover

Casas de Fado profissionais, onde se canta o Fado profissional. Um turista que entre no

Museu do Fado saí dali para uma Casa de Fados profissional…e bom…pronto…é para

o turista.

Acha que o museu deveria apoiar um pouco mais ou mostrar um pouco mais o

Fado amador de forma a mostrar todas as vertentes do Fado?

Acho que sim…é assim, por razoes económicas eles não tem dinheiro para pagar a

profissionais para irem lá cantar, fazer aquelas pequenas sessões de Fado, então eles por

razoes económicas utilizam amadores para fazerem lá pequenas sessões de Fado mas

depois promovem as casas profissionais, o que me parece um contrassenso, parece-me

um bocado…um bocado contraditório mas enfim, isso já são políticas já não tem nada a

ver com o Fado.

O que acha das “Grandes Noites do Fado”, acha que ainda tem a mesma

importância?

Tem, tem, eu acho uma graça enorme àquilo. As “Grandes Noites do Fado” servem para

aparecerem umas vozes…parece-me um bocado violento hoje…hoje considero que é

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um bocado violento porque aparecem miúdos muito miúdos. O Fado pela sua natureza,

pela sua própria…pelo seu próprio conceito tem que ser cantado por pessoas que

tenham vida…que tenham vida. Então nós ouvimos uma criança com onze anos, doze

anos a cantar um Fado com uma voz bonita mas há que reparar que não tem sentimento

nenhum, debita…debita o Fado. Depois também…se calhar, a par disso vê um homem

com setenta anos com a voz completamente estragada mas a cantar o Fado com um

sentimento fantástico…portanto as noites do Fado, as “Grandes Noites do Fado” acho

que são fundamentais porque depois está rodeada de um folclore que normalmente é…o

contraste…depois é aquelas rivalidades entre os bairros e depois vão as claques, vão

aquilo tudo…é muito útil. Não é por acaso que são…que são espectáculos que duram

seis, sete, oito horas. Acabam às seis da manhã, cinco da manhã e ninguém arreda pé,

está ali tudo firme a batalhar pelo seu fadista ou seus fadistas e isso…só por isso já tem

a ver com o conceito do Fado. É a tradição, é o povo, é a nossa gente que está ali no seu

esplendor, com os defeitos e as qualidades todas.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade acha que

isso trouxe algumas alterações a este meio ou impôs mais responsabilidade por

parte de quem canta?

Eu acho que…não sei. Eu não tenho acompanhado a evolução, acho que agora todo o

“bicho” que queira é fadista e é uma pena porque há uma…começa-se…há uma

tendência a desvirtuar o Fado no seu…na sua essência e basta nós vermos esses

programas da televisão, que se canta Fado às nove da manhã, às dez da manhã, às onze

da manhã e aparecem pessoas de todas as origens e as pessoas dizem assim “estamos a

dar oportunidade a novas vozes”…não…isso é uma forma de desvirtuar o Fado, tem

que haver,…tem que haver conta, peso e medida, é como tudo mas também temos que

compreender que agora estamos numa fase de deslumbramento…há um

deslumbramento. É sempre…é sempre a pior fase mas ao mesmo tempo a melhor

porque é nessas alturas que se fazem as boas coisas e as más coisas. Se as pessoas

tiverem atentas vai servir para daqui a um ano ou dois, passando esta euforia, sabermos

fazer uma selecção e passarmos então sim, a promover o nosso Fado na sua…naquilo

que ele é e naquilo que realmente ele vale.

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Fadista J.S.

Gosta de Fado desde quando?

Se calhar desde os vinte e muitos, que antes não ligava mesmo muito.

Costumava ir a Casas de Fado nessa altura?

Não, nunca.

Costuma cantar de forma amadora em que locais?

É mais Alfama, aqui na Graça e depois sou convidado por vezes para outros espaços.

Tive na Parede, já fui cinco, seis vezes às Astúrias, a Espanha mas...

Veste-se de forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual especial?

Não, geralmente posso vestir uma calça mais clássica, um casaco mas gravata

normalmente não.

Existem expressões ou palavras próprias do meio fadista?

Existem, existem mas essa é a tal parte que a mim não me diz muito porque no fundo eu

canto, gosto tanto de cantar, canto com alma mas não dou muita importância

principalmente àquilo que os outros fadistas dizem, ou seja dou mais importância àquilo

que quem ouve, ou seja pessoas anonimas…dão uma segunda opinião e eu gosto de…os

outros fadistas não me dizem muito.

Acha que a cor negra e o xaile ainda são muito utilizados nas mulheres?

É, é muito…pronto e se calhar também já merecia uma inovação.

Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

Para mim é um misto, é um misto das duas coisas.

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Já participou em algum concurso de Fado ou ganhou algum prémio?

Já. Ganhei o primeiro.

O que é que acha do Fado amador?

O Fado amador…o que eu acho…há muita qualidade, consegue-se encontrar muita

qualidade por exemplo que sabe…que sabe e que gosta daquilo que está a fazer mas

depois não é reconhecido porque também há muita gente no Fado amador que além de

não saber o que está a fazer, não tem qualidade…acaba por estragar o outro lado bom

do Fado amador…do género, de se oferecerem para fazerem trabalhos de borla como se

costuma dizer e que sabem que vai lá estar fulano tal…podem não afastar mas afastam e

eu até nem levo nada, só para comer não é e isto é o lado negro digamos assim do Fado,

mas é assim, também não tem culpa, eu costumo dizer “não tomaram chazinho quando

eram pequeninos portanto…”. Agora é tarde, não vale a pena.

Acha que existe diferença entre o Fado amador e o Fado profissional pela forma

como acontece? Para além da parte monetária, claro.

Ao nível de…pronto, se falarmos de qualidade, de vozes e músicos pode haver

diferença porque é trabalhado de uma outra forma. A maior parte dos profissionais tem

trabalho todos os dias e precisam de ensaiar determinados Fados e não…”vai outra

pessoa”, “não, há aí mais”, e então cantam todos os dias e ensaiam todos os dias com

aqueles músicos e nós somos obrigados…chegamos ali, sem rede, cantamos.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

Não, eu acho que…ou seja, por um lado dizem que sim, que apreciam, tanto que

apreciam que aparecem, só que a maior parte das vezes é com um certo

desdém…pronto, e se calhar pela tal razão que há muita gente…e isto é no fundo

verdade…que há muita gente que não tem, não consegue ter ouvido para perceber que

está mal e cantam sempre, gostam muito daquilo que estão a fazer, muito e é difícil

dizer a uma pessoa dessas “epá, dedica-te a outra coisa…bate palmas mas não cantes”, é

muito difícil de dizer isto. Os tais profissionais quando passam num sítio e apanham

três, quatro pessoas a cantar mal não é, é evidente que…mas também quando apanham

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alguém bom a cantar e que às vezes sabem que tem tanta qualidade e às vezes mais eles

também se fecham em copas e não dizem nada…pronto…fica o silêncio.

E depois também temos aquele Fado que já não passa por este circuito, aquelas

pessoas que já só cantam no Coliseu, etc. Acha que isso também é Fado? É outro

Fado? É outra forma de Fado?

É outro Fado e também outra…nalguns casos também é uma falta de respeito, porque é,

porque há coisas que não se devem fazer. O problema é que podiam chamar outra coisa

qualquer não é, porque é que lhe chamam Fado? Eles colam-se ao Fado porque está na

moda. Nós temos um exemplo, nunca houve tantos músicos com trabalho no Fado como

agora, porquê? Porque eles não tem lugar no jazz, o jazz não lhes dá dinheiro, eles vão

para o jazz e gostam muito do jazz e aquilo não lhes dá dinheiro e então vem para o

Fado, porque o Fado é que lhes dá…portanto isto diz bem da…é assim, guitarra, viola,

viola-baixo, para que é que é preciso um contrabaixo? Aquilo é para lhes dar emprego.

Estão desempregados e então conhecem-se, tem umas familiazinhas, conhecem-se uns

aos outros e…isto é uma das coisas que…eles lá sabem o que é que estão a fazer. Não,

mas há muita…uma das coisas que eu acho é que não se deviam misturar as coisas,

então quando se metem tamborzinhos e outras coisas assim, acho que…chamem-lhe

outra coisa qualquer.

O que é que acha do Museu do Fado?

Achei que está um bocado mal entregue. Tem lá uma pessoa que às vezes nem sabe o

que é que está a fazer. Não sabe, não conhece, emocionalmente que seja, que saiba o

que é são as noites de Fado, que saiba explicar às pessoas o que é que os artistas…basta

dizer que há muita gente consagrada no Fado, tão consagrada e raramente se lembram

deles…no Museu do Fado e no entanto há pessoas que andam aí há meia dúzia de dias

mas por conhecer fulano tal e fulana tal e não sei quê…e vão lá e tem um retrato para

eles, uma homenagem e não sei quê, portanto não se compreende…está mal entregue,

ou seja, o Museu do Fado não está a fazer o trabalho que deveria fazer não é, porque

voltamos ao mesmo…está entregue às mesmas pessoas, eles é que mandam…eles não

estão lá, não mostram a cara mas no fundo eles é que estão a mandar.

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Acha que o Fado amador se encontra lá representado? Este Fado que acontece

assim? Nestas casas?

Não.

E as Casas de Fado de Lisboa? Tanto as Fado amador como as de Fado

profissional?

Não. Pode haver, por vezes, um apontamento ou outro muito vago porque um dos tais

senhores passou nesta ou naquela casa e então….pronto…só por isso.

O que é que acha das “Grandes Noites do Fado”? Acha que ainda tem a mesma

importância que tinha antigamente?

Não, eu acho que agora já nem existe, agora andam aí umas noites de Fado não sei onde

mas não tem nada a ver com as “Noites de Fado “ que faziam antigamente, nessas noites

o público não desistia, quando um fadista cantava…quem tivesse mais aplausos, eles

iam medindo o tempo e aquele que tivesse mais aplausos ganhava. Também não acho

muito correcto, não sei e lá está…quem tiver mais amigos…também não acho muito

correcto. Mas actualmente não vejo assim…há “Grandes Noites de Fado” mas não tem

nada a ver.

Agora que o Fado é Património Imaterial da Humanidade, acha que esse

reconhecimento impõe mais responsabilidade a quem canta, a quem toca?

Não, eu acho que isso foi mais uma janela de oportunidades para os oportunistas,

voltamos ao mesmo. Isso foi muito bom para os mesmos, que tem andado a aproveitar-

se…que é mesmo assim. Para eles foi ouro não é…voltamos ao mesmo…quando digo

eles, são eles, são sempre os mesmos, estão na linha da frente, não se sabe…quando as

coisas surgem eles são os primeiros…têm acesso…podemos falar abertamente, acesso a

isto, àquilo…eles estão lá sempre e é muito difícil. Ou seja, as pessoas que até gostam e

fazem por gosto mesmo mereciam outra atenção…acabam por não ter nada disso.

Alinham, eles alinham as pessoas e se não alinham então…acabou ali.

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Fadista R.C.

Gosta de Fado desde quando?

Desde que nasci. Eu nasci num bairro de Fado, que é a Mouraria, portanto, comecei a

gostar de Fado porque tinha pessoas de família também que cantavam, entretanto assisti

a muito Fado no Coliseu, as “Noites de Fado” que havia antigamente, que agora já não

há.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Quando era pequeno, pequeno, quando comecei a andar, pelo menos aí com nove, dez

anos, por vezes eu frequentava a colectividade que era o Grupo Desportivo da Mouraria

que dava Fados todas as semanas.

Costuma cantar de forma amadora em que locais?

Olhe, em vários sítios. Eu comecei a cantar, vou-lhe dizer…eu oiço Fado há muito

tempo, nasci no Fado. Eu costumo dizer que não sou fadista, aliás, eu não sou fadista,

portanto, gosto de cantar Fado, sinto que tenho algo para cantar, há um condãozinho que

me diz que canto qualquer coisa, mas…comecei a cantar há quatro anos, quando tive

um restaurante, comecei a cantar por acréscimo, empurraram-me para cantar à guitarra e

à viola porque eu cantava…era só na banheira, como se costuma dizer.

Veste-se de forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual especial?

Quando vou cantar a certos sítios que veja que tem que ser canto com fato não é, no

Fado vadio visto-me normal, mas pronto, posso-me vestir assim.

Existem palavras ou expressões próprias do mundo fadista? Algum calão fadista?

Isto existe, nalgumas, não é muita coisa mas existe.

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Acha que a cor negra ainda é muito utilizada nas mulheres? E o xaile?

Ainda é muito utilizada nas mulheres…mas o xaile é o símbolo do Fado, aliás, eu acho

que o xaile numa mulher é obrigatório. No meu ver, não quer dizer que seja mas no meu

ver. Eu acho que numa mulher fadista o xaile tem outro…acho que lhe dá mais alma.

Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

É as duas coisas, é tão triste como é tão alegre. Há canções tristes, há canções alegres,

mas é a norma.

Já participou em algum concurso de Fado?

Participei num e não quero participar mais. Há injustiças, há muitas injustiças, mas

como há em tudo também, até na canção, na RTP também há injustiças.

O que é que acha do Fado amador?

O que é que eu acho do Fado amador…olhe, isto é assim, o amador é muito bonito,

aparece muitas vozes novas para cantar e daí é que se vem a tirar portanto, grandes

pessoas…não é o meu caso que já tenho uma certa idade, portanto, não me vou estar a

esforçar para estar…tenho que cantar aquilo que sei mas não é agora que vou aprender

mais que aquilo que sei, quer dizer, tento aprender mais qualquer coisa mas não ando a

aprender todos os dias. Mas o Fado vadio…aparece muitas vozes boas, como a Ana

César, uma delas, tem muita progressão e já é uma rapariga com muita…quem diz Ana

César diz outras vozes boas. Já há aí grandes vozes do Fado, a Raquel Tavares, sei lá,

montes, montes…o Pedro Galveias, montes de gente.

Acha que existe distinção entre o Fado amador e o Fado profissional? Para além

da parte monetária não é, mas da forma como acontece?

Monetária também não é muito. Isto é assim…acho que o Fado vadio, segundo me

parece, a malta é convidada para cantar às vezes…não leva nada, e no Fado

profissional, eles tornam-se profissionais porque recebem dinheiro mas perdem coisas

com as pessoas que andam no Fado vadio…na verdade penso que seja isso.

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Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

Eu penso que não, eu penso assim, no meio profissional não.

O que é que acha daquele Fado que fica completamente à margem destes circuitos

de Casas de Fado, daqueles fadistas que já só cantam em grandes salas, acha que

isso é Fado também? Ou é outra vertente?

Isso é Fado, tudo o que eles cantam é Fado não é…isto é assim…o problema é este, eles

tem um estatuto totalmente diferente…pronto, eu vou-lhe dizer, temos…há vários

fadistas que mudaram um bocadinho para o estilo, o caso da Mariza, teve de ter um

estilo diferente. O caso do Ricardo Ribeiro é a mesma coisa, portanto, mudou um

bocadinho, a cantar com o Rão Kyao. O Fado castiço, o Fado bairrista ouve-se mais no

vadio.

Já visitou o Museu do Fado?

Já.

O que é que acha do museu? Acha que o Fado amador, este Fado que acontece

aqui está lá representado ou não?

Eu acho que está lá um pouco de tudo, mas podia estar mais representado…um

bocadinho mais de Fado vadio, mas está lá, também está representado. Fado é Fado.

E as Casas de Fado de Lisboa, acha que se encontram lá representadas também?

Algumas também, não todas. As mais credenciadas estão lá representadas de certeza.

Acha que as “Grandes Noites do Fado” ainda têm a mesma importância que

tinham antigamente para os fadistas mais jovens?

Não, acho que não. Acho que não porque agora também apareceu aí a RTP a fazer a

Rádio Amália, pronto, a Rádio Amália acho que deu uma grande ajuda ao Fado vadio,

chamado Fado vadio porque não há Fado vadio…mas deu uma grande ajuda a muita

gente…pronto. Aqueles que se quiserem inscrever têm oportunidade de lá ir. Por acaso

eu nunca me inscrevi, não vou, mas isso é por mim.

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Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso impõe mais responsabilidade a quem canta, a quem toca ou não?

Pois, eu acho que sim, têm mais responsabilidade porque quem canta também deveria

saber minimamente se consegue cantar alguma coisa porque há pessoas a

cantarem…metem-se à frente do guitarra e do viola e que querem, mas que também não

sabe cantar, mas as pessoas também deviam ver isso…é que as pessoas também gostam

de cantar, a gente vê e sabe isso, no Fado vadio a gente sabe que aparece de tudo, mas

eu acho que há pessoas que às vezes estão no Fado vadio, que não sabem estar, não

cantam e então vão estragando as oportunidades a outros mas pronto…mas isso é em

todo o lado…é mesmo assim.

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Fadista A.P.

Gosta de Fado desde quando?

Eu gosto de Fado aí há…quarenta anos, a esta parte, porque eu andei noutras músicas,

cantei em grupos musicais de bar e tal, depois deixei-me disso, comecei a vir para o

Fado, comecei a vir, aprendi um, depois aprendi outra e por aí adiante e hoje apaixone-

me pelo Fado…não sou capaz de cantar outra coisa.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Não, não. Nos tempos em que eu era pequeno era só para pessoas maiores, portanto em

pequeno não ia…a partir dos meus quê…trinta anos é que comecei a ir a Casas de

Fados. Eu frequentava…até nem tinha muita simpatia pelo Fado, às vezes nos grupos

onde eu cantava…grupos de baile, havia pessoas que me diziam assim “epá, você canta

Fado?”, e eu dizia “não”, “é que você tem aí uns requebros, parece que…”, “olhe que

não”…mal sabia eu que havia mesmo de vir para o Fado…como amador claro, também

devo dizer-lhe já que nunca quereria ser profissional de Fado…se me viessem dizer eu

não queria…não.

Costuma cantar em que sítios de forma amadora?

Olhe…de forma amadora vou a onde me pedem, frequento muito Alfama, o Bairro

Alto, venho aqui, ando por aí…já me conhecem, assim que entro nas casas…já me

conhecem…dizem-me logo “queres vir cantar uma cantiguinha e tal”, e eu vou. Se

estiver na disposição vou porque há dias em que a gente não está…vai-se só para ouvir,

cumprimentar os amigos, beber um copo e há aqueles dias que a gente vai mesmo para

cantar…está-nos um bichinho a roer cá dentro.

Costuma vestir-se de forma diferente quando vem cantar ou não?

Olhe…eu visto-me da forma que eu quero, mas quando...e por vezes

acontece…telefonarem-me para um espectáculo, até para organizar às vezes, para uma

coisa que seja assim mais…por exemplo, uma noite de Fados numa colectividade de

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cultura e recreio, para um restaurante assim…sou muitas vezes convidado e vou vestido

a rigor como se diz, de fato e gravata.

Existem palavras ou expressões próprias deste meio ou não? Algum calão fadista?

O calão que existe no Fado é o calão que existe aí nas ruas…normal…é o mesmo, é o

mesmo que se aplica no Fado.

Acha que a cor negra e o xaile ainda são muito utlizados nas mulheres?

Olhe…eu sempre fui apologista que cada vestisse aquilo que lhe desse na gana e que

sentisse melhor mas não há duvida nenhuma que em certos espectáculos a cor negra e

xaile nas mulheres…fica bem.

Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

Eu penso que o Fado tem pelo menos três vertentes, tem triste, tem melancólico e tem o

alegre. Portanto quando dizem que o Fado é triste isso não é verdade, e às vezes “a

música brasileira é alegre e o Fado é triste” e então…eu vou-lhe trautear uma música

brasileira “ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de seu

amor”…agora vou-lhe cantar outra, um Fado “epá, avança para lá, vai tudo em

corrida…”. Isto é um exemplo!

Já participou em algum concurso de Fado?

Não, não, nem quero. Não vou em concursos não.

O que é que acha do Fado amador?

O Fado amador…olhe…o Fado amador...o que é que eu acho…são pessoas que gostam

de cantar Fado, gostam de cantar e não tem possibilidades de cantar noutros lados e

procuram estas casitas assim, de amador para poderem cantar uma cantiga, para

desanuviar, tal como eu não é.

Acha que existe diferença entre o Fado profissional e o Fado amador?

Tem que existir…por isso é que um é profissional e outro é amador, mas eu penso que

há muita gente no Fado amador a cantar muito bem e que tinha lugar no

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profissionalismo. O fadista amador tem uma coisa diferente, entra num lado e vai cantar

com qualquer músico, que vá esteja, tem que cantar sem ensaiar, sem nada. As coisas

têm que sair e às vezes não contactou com aquele músico, ou nunca esse músico tocou

para ele e o fadista profissional ensaia muitas vezes antes de cantar e a coisa tem que

sair perfeita.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional ou não?

Olhe…os profissionais normalmente não gostam muito dos fadistas amadores e

até…nessa parte eu dou-lhes razão por isto, o fadista amador vai a estas casas cantar e

as pessoas, os donos destas casas assim, de Fado amador preenchem os seus

espectáculos, não pagam a quem canta, só pagam a quem toca e para eles é muito bom,

aparecem as pessoas e cantam senão houvessem esses ditos amadores eles teriam que

contratar profissionais e teriam que pagar portanto é normal que os profissionais se

sintam lesados…haver tanta gente que se rebaixe a cantar sem receber um tostão,

porque assim, os donos destas casas prefere esta gente que não recebe do que pessoas a

quem tivessem que pagar.

O que é que acha daquele Fado que fica completamente à margem das Casas de

Fado, daqueles fadistas já muito conhecidos que já só cantam em grandes salas e

gravam cd´s? Acha que esse Fado é Fado também? É um Fado diferente? É outra

vertente de Fado?

Os cd´s qualquer pessoa pode ter também desde que pague ao estúdio e que pague aos

músicos e grava o cd. Por acaso ainda sou do tempo em que era preciso ter de facto

valor para poder gravar não o cd mas na altura o disco vinyl, depois mais tarde apareceu

as cassetes e agora o cd. Mas o que é que eu acho desse gente que já é conhecida e

canta…são profissionais. Acho que é Fado também, se eles forem cantar canções

obviamente que já não é, é canção.

Já visitou o Museu do Fado?

Ainda não. Tenho andado de ano para ano para lá ir mas ainda não calhou, mas é uma

coisa que…eu tenho que ir lá visitar…tenho que lá ir.

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O que é que acha das “Grandes Noites do Fado”? Acha que ainda tem aquela

importância que tinha antigamente?

Acho que não, perdeu muitas características que tinha, embora…a “Grande Noite” no

passado era um concurso com muitas claques, com pessoas conhecidas, com muitas

pessoas favorecidas…a verdade não estava ali, mas era bonito, as pessoas gostavam

muito daquilo e pronto, só por isso valia a pena.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso trás mais responsabilidade a quem canta, a quem toca?

Pela parte que me toca devo-lhe dizer que é a mesma coisa. Eu quando vou para ali

cantar umas vezes vou em melhores condições, outras vezes vou em piores não é,

quando vou para ali tento sempre fazer o melhor possível, lá pelo facto de ser

Património eu não vou fazer melhor…eu já fazia e continuo a fazê-lo.

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Fadista V.U.

Gosta de Fado desde quando?

Quase…desde sempre não é.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Sim, desde jovem que a gente ia Casas de Fados e eu tive sempre a particularidade

de…o meu avô materno era guitarrista, era carpinteiro e era um autodidacta e tocava

guitarra e a guitarra foi das coisas que realmente sempre me impressionou não é, se

calhar já estava aí escondido o meu gosto pelo Fado.

Costuma cantar de forma amadora em que locais?

De forma amadora…aqui na Tasca do Chico a gente às vezes faz uma visita, na nossa

tertúlia, amigos que por vezes organizam Fado. Até na quinta-feira estivemos num

restaurante de um amigo nosso e agora de quinze em quinze dias, à quinta-feira e nós

vamos lá gratuitamente por sermos amigo dele e pelo prazer também de cantar e

pronto…e anda por aí. Há aqui uns amigos nossos, também aqui em cima, chama-se o

Senhor Fado…também…dentro dessas casas., porque repare a minha vida profissional

também não nos permite, é claro, isto é tudo muito bonito mas a gente ao outro dia

saber que tem que se levantar às sete horas…temos que dormir à pressa não é e já não

temos idade para isso.

Veste-se de forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual especial?

Não, não. Às vezes eu apresento, às vezes também apresento Fado e aí tenho pelo

menos o cuidado de levar um casaco e normalmente não venho assim, venho com uma

camisa, mas de resto não, não faço qualquer, digamos diferença nesse aspecto. Por

exemplo, às vezes agora neste tempo, ao sábado e ao domingo ando de calções, se tiver

que ir cantar dois ou três Fados…aí já não vou de calções, visto umas calças mas não

tem nada de especial.

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Existem expressões ou palavras próprias do mundo fadista? Algum calão fadista?

Não, eu penso que não.

Acha que a cor negra ainda é muito utlizada nas mulheres? E o xaile?

Sim, nas mulheres talvez…eu por acaso quando apresento Fado, uma das coisas e cada

vez mais e ainda bem, que a malta nova está…o Fado está na moda digamos assim, e eu

tento desdramatizar que o Fado não é uma canção só triste. O Fado canta a vida e a vida

tem coisas alegres e coisas tristes. Cada vez como a Cristina certamente está atenta,

cada vez há melhores poetas que pertencem ao mundo do Fado ou a serem cantados no

mundo do Fado e aquela história da Mariazinha, do queixume, do ciúme, da história da

faca e do alguidar….do pessoal que canta hoje no Fado, isso está completamente a

acabar não é. Dizem os mais entendidos, no fundo…e foi, que foi a Amália que

começou a trazer os grandes poetas, a serem cantados e realmente a partir dessa altura

as coisas evoluíram de uma forma muito positiva, na minha opinião não é.

Participou em algum concurso de Fado?

Não, concurso não, embora que já estivesse sido convidado para isso mas como o meu

espirito não é efectivamente esse, não é competir com ninguém, é o cantar pelo mero

prazer de cantar, não quer isto dizer…todos os dias me tento aperfeiçoar a cantar, a

gente quando faz alguma coisa por gosto também tenta fazer bem mas a competição a

mim não me diz nada. Nunca participei, como disse, já fui convidado mas nunca aceitei.

O que é que acha do Fado amador?

O Fado amador nesta altura, cada vez mais…está-se também a desenvolver.

Antigamente havia alguma relutância das pessoas virem e cantarem e agora essa

vergonha digamos, começou-se a perder, há muita gente a cantar e uns vão desinibindo

os outros…é bonito. Agora, o que me parece, em Casas de Fado, embora todas as

pessoas tenham vontade tem que saber o que estão a fazer…está fora da música, está

fora do compasso…para mim é um crime…numa festa de amigos, por mim tudo bem,

agora numa Casa de Fados não me parece…não sou muito…não concordo muito com

essa história. Festa de amigos tudo bem, Casa de Fados…as pessoas quando vão devem

saber dominar minimamente a coisa.

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Acha que existe alguma distinção entre o Fado amador e o profissional para além

obvia parte monetária?

Sim, eu penso…e olhe, eu digo-lhe uma coisa, efectivamente como em tudo na vida

quem não tem padrinhos não vai a lado nenhum. Há fadistas amadores muito melhores

que fadistas profissionais mas há também fadistas profissionais espectaculares. São

mundos diferentes, mas não quer dizer que…naturalmente, nos profissionais há um

número muito maior de pessoas que cantam mas há amadores que tomara muitos

profissionais cantar como eles.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional ou não?

Acho que sim.

O que é que acha daquele Fado que já não passa minimamente por este circuito

das Casas de Fado, daqueles fadistas mais conhecidos que já só cantam nos

Coliseus, etc. Acha que isso é Fado na mesma? Já é outra coisa?

Sabe que se nós pretendermos e há sempre um certo orgulho de passar o Fado além-

fronteiras…tinha que aparecer esse tipo de fadistas senão neste ambiente lógicamente…

O que acha do Museu do Fado?

Acho que está bonito, uma coisa muito bem feita. Traduz de uma forma…com muita

realidade o que é a história do Fado, no entanto na minha opinião faltam-lhe lá alguns

fadistas mas pronto, como lhe disse…quem não tem padrinhos não tem nada.

Acha que o Fado amador que é feito mesmo à porta do museu se encontra lá

representado ou não? E as Casas de Fado de Lisboa?

Encontra, está ali bem posicionado e foi a forma e eu li isto há pouco tempo…há o

bairro de Alfama e é o bairro que mais Casas de Fado tem em Lisboa. E está, de certa

forma está, nós podemos quase chamar uma senhora que está representada e bem, que

no fundo, sendo profissional é a imagem do Fado amador que é a Argentina Santos, está

lá representada de uma forma muito marcada mesmo.

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O que pensa das “Grandes Noites do Fado”, acha que já perdeu um pouco aquela

importância que tinha antigamente?

Eu penso que sim, nesta altura penso que sim. Canta-se o Fado em tanto lado e bem que

talvez a “Grande Noite do Fado” que se calhar já não tem razão de ser.

Agora que o Fado é Património Imaterial da Humanidade, acha que isso trouxe

mais responsabilidade por parte de quem compõe, quem canta?

Bom, sabe que eu…o que se fala que poderá vir a acontecer é eles selecionarem isto de

tal forma, por causa dos turistas…são meras especulações…que depois, daqui a algum

tempo não possa ser qualquer um a ir para uma Casa de Fados cantar. Para quem

compõe...quem gosta realmente de cantar o Fado e bem…e tem prazer em cantar vai

sempre procura-lo da melhor forma e tentar cantar bem, portanto…o Fado é

efectivamente a…pronto, é uma expressão da cultura portuguesa e como a Cristina

certamente sendo uma jovem se apercebeu houve uma altura em que o Fado esteve

quase a ser considerado reacionário e a ser considerado pelos jovens…era só canções

tristes e que era aquela história da faca e do alguidar, mas felizmente…e deixe-me só

acrescentar uma coisa que é importante a Cristina também registar…além de aparecer

grandes interpretes quer de homens quer de mulheres a cantar o Fado há também uma

coisa que fez seguramente o Fado ter este suporte maior, é que tem aparecido miúdos a

tocar viola e guitarra que é qualquer coisa de espectacular. Veio realmente dar este

grande impulso e então é isto também que tem seguramente valorizado o Fado.

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Fadista C.M.

Gosta de Fado desde quando?

Desde os dezoito anos para aí. Já ouvia Fado muito novo mas tenho essa noção…para

aí.

Costumava ir a Casas de Fado quando era mais novo?

Não, ouvia Fado era na colectividade lá no meu bairro.

Costuma cantar de forma amadora em que locais? Tem sítios onde costuma ir

regularmente?

Não, é aqui, ali. Não tenho sítio certo.

Veste-se de forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual especial?

Não, não, quer dizer, quando vou cantar…quando assim a qualquer lado vou assim

como estou, quando sou convidado assim para qualquer lado provavelmente tenho

algum cuidado, visto assim…o negro.

Existem expressões ou palavras próprias deste mundo?

Não, não acho.

Acha que a cor negra ainda é muito utilizada? E o xaile?

Acho que sim.

Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

É as duas coisas, canta a vida, é as duas coisas.

Já participou em algum concurso de Fado?

Não.

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O que acha do Fado amador? Como é que vê o Fado amador?

O Fado amador é uma coisa interessante, muito interessante, as pessoas estão nisto de

alma e coração, não tem outros interesses, estão nisto porque gostam mesmo disto. É

uma postura interessante.

Acha que há distinção entre o Fado amador e o Fado profissional na forma como

acontece ou não?

Pois, aí é que já é mais complicado. Não sei porque no lado profissional não sei como é,

mas de toda a maneira acho que o Fado tem uma essência, uma essência e acho que os

dois regem-se por ela.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

Acho que sim, no meio disto tudo eu acho que sim, há pessoas que julgam que não mas

eu acho que sim.

O que é que acha daquele Fado que acontece completamente à margem dos

circuitos das Casas de Fado, daqueles fadistas já muito conhecidos que só cantam

no Coliseu ou assim, acha que é outra forma de Fado?

Não, é um Fado diferente talvez porque está virado para uma faceta mais comercial,

mas eu acho que continua a acontecer Fado, desde que seja bem cantado. Eu fui ver um

espectáculo há pouco tempo, em dezembro de uma fadista que anda agora aí na voga e

fiquei encantado.

Já visitou o Museu do Fado?

Já.

O que é que achou?

Está tudo bem, acho que sim, está interessante.

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Acha que as Casas de Fado de Lisboa se encontram lá representadas?

Não sei se estão mas que são divulgadas, são faladas são, não sei se são todas mas

algumas são.

E o Fado amador, este Fado que acontece, tal como está aqui, acha que se encontra

lá representado?

Acho que está lá representado, está. Embora tenham o peso maior os fadistas mais

consagrados mas está, de alguma maneira está.

O que é que pensa das “Grandes Noites do Fado”? Acha que já perdeu um pouco

aquela importância que tinha antigamente?

Não sei, aquilo acabou, realmente porque não havia quem começa-se aquilo. Não sei,

porque tinha sempre grandes fadistas, acho que havia espaço para continuar a haver, não

há, não sei porquê mas acho que havia sempre espaço para isso acontecer.

O Fado agora é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que esse

reconhecimento impõe mais responsabilidade por parte de quem toca? De quem

canta?

Neste momento não sei mas acho que isto vai dar mais responsabilidade, acho que sim.

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Fadista C.S.

Gosta de Fado desde quando?

Desde miúda.

Quando era pequena costumava ir a Casas de Fado?

Ia com o meu pai porque o meu pai cantava Fado amador e onde ele ia eu ia também.

Costuma cantar de forma amadora em que locais?

Alfama, Bairro Alto, colectividades onde nos chamam, onde…normalmente somos

chamados para colectividades, canto aqui na Baiuca, canto em várias casas onde haja

Fado amador porque acho que o Fado considerado Fado amador é mais bonito porque

vem um canta, vem outro canta, vem outro canta à sua maneira, vem outro canta

melhor, outro pior, mas tudo com a sua maneira de ser porque eu acho que no Fado não

se deve imitar ninguém, tem que ser a pessoa própria. Assim, é Fado amador, é Fado

que a gente gosta, é aquilo que a gente sente, porque a gente estar a cantar uma letra da

Mariza, um Fado que a Mariza cante e a pessoa tentar imitar, nem é a pessoa que está a

cantar nem é a Mariza que está a cantar, nem é uma coisa nem é outra, canta porque

gosta muito de ouvir aquela pessoa e quer fazer como ela o que está plenamente errado.

Veste-se de forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual especial?

É assim, aqui eu venho no meu normal, mas em certas casas, em certos sítios que sou

convidada vou vestida a rigor sim. Saia comprida, vestido comprido, o xaile, tudo por aí

a fora, porque hoje, acho que o Fado tem que ser divulgado pelo xaile e pelo vestido

comprido, pode ser de cor, pode branco, pode ser vermelho, pode ser azul, pode ser

aquilo que for mas eu acho que preto e o xaile é a tradição do Fado, tirando a guitarra e

a viola não é.

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Existem expressões ou palavras próprias deste meio?

Às vezes existem, que a gente às vezes até fica a pensar “será que está bem dito, será

que está mal dito?”, porque eu acho que a pessoa quando lê a letra tem que ser cantado

como ele escreveu e não pôr nem mais uma vírgula nem menos uma vírgula. Foi ele que

escreveu, é assim que está correcto.

Já me falou mas acha que a cor negra e o xaile ainda são muito utilizados?

Não é muito utilizado mas deveria ser.

Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

As duas coisas.

Já participou em algum concurso de Fado ou ganhou algum prémio?

Muitos. Já tirei primeiros lugares, segundos, terceiros, por aí a fora.

O que acha do Fado amador? Também já me falou um bocadinho mas…

É assim, o Fado amador é bom para quem gosta de cantar e sente aquilo que canta, vice

pode até nem gostar de Fado, mas se souber cantar em qualquer lado canta, mas se não

sentir aquilo que está a cantar…porque a gente às vezes ouve pessoas a cantar que

valiam mais se dedicar à pesca, isto é uma maneira de falar, é uma expressão de se falar

porque eu acho que o Fado não se ensina, aperfeiçoa-se, porque quando nasce acho que

nasce com a pessoa, e pode-se aperfeiçoar mas não se ensina. Há muitas escolas de

Fado, sim senhora mas é para aperfeiçoar, para se dizer “olha, disseste mal aqui, devias

dizer assim ou assado”, agora ensinar não porque eu acho que isso não se ensina.

Acha que existe alguma diferença entre o Fado amador e o Fado profissional?

Há, quando mete Fado profissional é diferente porque nós estamos à espera do nosso

cachet, estamos à espera…eu com carteira profissional e como amadora que é aquilo

que me considero, tenho carteira profissional mas não faço uso dela…eu não tenho

medo de cantar seja ao lado de quem for, pode até ser o Camané, pode vir o Ricardo

Ribeiro, a Raquel Tavares, conheço-os desde miúdos, andei com eles ao colo os dois,

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mas não tenho medo de enfrentar, seja qualquer um deles, porque eu acho que nestas

coisas não deve haver…é como o rico e o pobre, há o rico e há o pobre e no Fado não

tem que haver o que canta bem, o que canta mal, o que é profissional e o que não é,

porque às vezes há pessoas que não são profissionais na vida do Fado e cantam melhor

que certos profissionais.

Acha que o Fado amador é bem visto no meio profissional?

É, porque muitos, hoje em dia que são profissionais começaram no Fado amador.

Tinham que começar por algum lado, lá que tivessem tido um empurrãozito de mais um

ou menos um, mas sempre pelo Fado amador. Antigamente chamava-se o Fado vadio

porque...não há o Fado vadio há é vadios no Fado.

Hoje em dia temos fadistas amadores, profissionais a cantar diariamente nas Casas

de Fado mas depois também há aqueles fadistas que só cantam no Coliseu e etc.

Acha que isso é uma outra vertente do Fado? É Fado também?

Não, aí é venda de Fado, é uma venda de Fado.

Já visitou o Museu do Fado?

Já.

O que acha do Museu do Fado?

Já lá cantei dentro até. É muito bonito mas não da maneira como está agora, porque

agora está tudo Mariza, Camané, Carlos do Carmo, por aí fora. Há bons e muitos

fadistas que hoje em dia já não existem na nossa praça mas que tinham espólios muito

bonitos dentro do Museu do Fado. Acho que isso deveria voltar ao mesmo sítio porque

Museu do Fado só há este, e o Fado não começou agora. Esta gente que hoje em dia

canta Fado, antes deles, até muito antes de eu nascer e muito antes da senhora nascer e

muito antes da minha mãe nascer já a gente cantava Fado. Eu acho que isso é um

espólio que deve ser recordado e exposto para todos os fadistas e para as pessoas que

visitam o Museu do Fado poderem saber o que é existiu há anos atrás.

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Acha que as Casas de Fado de Lisboa se encontram lá representadas? Tanto o

Fado amador como o Fado profissional?

Eu acho que não, e devia ser representado também, porque nós quando cantamos Fado

temos um sítio para cantar e devia ser representado o sítio onde as pessoas cantam, não

digo pôr aquelas coisas grandes, que às vezes vêm uma história que aquilo parece quase

um livro…um bocadinho, um bocadinho de cada coisa, a explicar “nesta casa canta

fulano e fulano e fulano”, era assim que devia de ser divulgado, porque isso é que é

bonito. Daqui por uns anos como a gente vê os outros para trás não é…eu quando for

velhinha gostava de chegar a um sítio e dizer assim “olha, eu cantei aqui, realmente está

aqui, nesta casa e nesta e nesta”. Era uma forma de mostrar ao mundo que há muito boa

Casa de Fado, não precisa de haver as Casas de Fado profissional mesmo, mas as casas

amadoras também.

O que é que acha das “Grandes Noites do Fado”, acha que ainda são importantes

para os fadistas mais jovens como era antigamente ou já perdeu um pouco essa

importância?

Já foi, “Grandes Noites de Fado”, eu ainda sou das “Grandes Noites de Fado” do

Coliseu, que levavam as lancheiras e saiam de lá às oito da manhã para ir para o

trabalho, que era quando acabava. Hoje em dia não, hoje em dia é porque se ouve e

“você gosta de cantar, tem uma voz bonita”, pode-se aproveitar e leva-se a um concurso

de Fado, percebe, não tem nada a ver com aquilo que era antigamente.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

esse reconhecimento trás mais responsabilidade para quem canta? Quem toca?

Não, é assim, trás mais responsabilidade para quem canta mas eu acho que esta coisa do

Fado ser Património…o Fado sempre foi nosso, acho que vai ficar um bocado

abandalhado, porque hoje em dia não é porque a pessoa gosta de Fado, é porque o Fado

virou moda…o Fado é Património não é então como é Património pode ser que dê

fama…a gente vai cantar Fado, percebe. Eu acho que é visto por aí, porque o Fado

andou uns anos perdido no deserto e esta coisa do Fado a Património da Humanidade,

se não houver um bocadinho de consenso das pessoas e de quem pôs esta

situação…porque eu realmente, eu sou muito sincera, eu ver chineses, marroquinos,

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isto, aquilo e aqueloutro a cantar Fado…desculpem lá mas o Fado é muito português,

muito português…é a minha opinião.

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Fadista A.F.

Gosta de Fado desde quando?

Desde que me conheço como gente. A minha mãe já cantava o Fado e então eu sempre

ouvi Fado em casa e sempre ouvi a minha mãe a cantar, portanto, acho que sempre

gostei de Fado apesar de não cantar logo já gostava.

Quando era pequena costumava ir a Casas de Fado?

Costumava, Casas de Fado e colectividades, mais colectividades porque sou de um

bairro e o Fado aparece nos bairros mais pelas colectividades do que propriamente pelas

Casas de Fado, portanto a gente começa logo a ter um contacto maior com o Fado,

apesar de sermos pequeninos não é, não precisamos de crescer para ter esse contacto, já

lá estamos.

Costuma cantar de forma amadora em que locais?

Canto, de forma amadora canto nestas tascas que deixam as pessoas cantar…de forma

amadora. Canto também em restaurantes mas contratada também e canto também em

colectividades e outras festas, sempre…ou mesmo fora de Lisboa, noutras festas pelo

país, canto em várias…em tudo o que há Fado eu acabo por já ter cantado, acho eu.

Casas de Fado, restaurantes, colectividades, festas particulares. Acho que já cantei

assim em todo o lado.

Veste-se de forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual especial?

Visto, quando canto em restaurantes e estou a ser paga para, eu visto de forma especial,

nestes sítios assim não, é um look mais casual, a gente vem muito à vontade.

Existem expressões ou palavras próprias do mundo fadista?

Existe, existe muita coisa, para cantar Fado existe algumas técnicas, são características

deste tipo de música, a forma de dizer as palavras, a forma de dividir o poema…mesmo

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o roubar, o cantar, há várias técnicas que são próprias do Fado e é isso que distingue o

Fado dos outros tipos de música.

Acha que a cor negra ainda é muito utilizada e o xaile nas mulheres?

Não só o xaile, na roupa também. Eu por exemplo ainda aprecio quem veste preto

porque é à noite, mas também hoje em dia há uma nova vaga, assim uma lufada de ar

fresco, e então, como muito mais gente nova canta Fado…antigamente eram pessoas

mais velhas, como há mais gente nova no Fado eu acho que isso acaba por influenciar

também um bocado no vestuário. Vestem um bocado mais outras cores, mas acho que o

xaile pode ser preto ou pode ser de outras cores mas sem xaile é que não.

Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

O Fado é tudo, costuma-se dizer “o Fado é vida” e há vários tipos de Fado. Há o Fado

com uma letra mais triste, há o Fado humorístico, o Fado humorístico é uma anedota, só

nos faz rir, do princípio ao fim, há Fados alegres, há Fados mesmo inspirados na música

dos ranchos, nas valsas. Há vários tipos de Fado. Não vamos comparar um Fado menor

que é lento e triste com um Fado corrido ou um Fado Ribatejo que é completamente

diferente, portanto o Fado engloba vários estilos, do mais triste ao mais alegre.

Já participou em algum concurso de Fado ou já ganhou algum prémio?

Já ganhei alguns mas o primeiro nunca ganhei, mas já participei, inclusive é, já fui à

“Grande Noite do Fado” de Lisboa que é a mais importante de todas.

O que é que acha do Fado amador? Como é que vê o Fado amador?

Vejo o Fado amador de uma maneira muito genuína e quem vai ao Fado amador são

pessoas que gostam de Fado, umas porque querem começar, outras porque já lá estão.

As pessoas que gostam vão a estes sítios não é, não estão a ganhar nada para cantar e

cantam só porque gostam, porque sentem, porque querem melhorar por exemplo,

portanto acho que é uma forma mais…vá lá, é uma forma mais impulsiva de cantar o

Fado, menos estudada…e pronto, o Fado amador é muito isso.

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Acha que existe alguma distinção entre o Fado amador e o Fado profissional na

forma como é cantado?

Sim, claro que sim, faz toda a diferença, tem muitas diferenças. Para já, nós quando

estamos a fazer uma coisa profissionalmente temos que nos empenhar muito mais, não

quer dizer que eu…eu não gosto…mesmo que canta numa tasca canto bem não é, mas

acho que existe, tem um grau de exigência maior, tem que se saber cantar Fado como

deve ser…há muitos erros que as pessoas cometem no Fado amador, pessoas que

cantam como falam, se falam mal cantam mal e eu acho que sim, se uma pessoa já

cantam profissionalmente tem que ter todos os cuidados, com a imagem, com a forma

como canta, no repertório…faz toda a diferença, uma coisa com a outra…não…tem as

suas diferenças, tem que ter obrigatoriamente porque é um trabalho profissional como a

palavra indica, portanto tem que se ter muito mais cuidados. Não se pode ter o mesmo

espirito…não, de maneira nenhuma.

Acha que o Fado amador é valorizado no meu profissional ou não?

Em acho que estão em tempos diferentes. Eu acho que uma coisa acaba por estar ligada

à outra porque um profissional teve que começar primeiro de uma forma amadora, não

é? Normalmente, porque o Fado…o Fado exige uma maturidade e não se canta Fado de

um dia para o outro bem, tem que se viver o Fado e por isso obrigatoriamente teve que

passar ali uns aninhos de forma amadora, mas não se pode misturar, não se pode

misturar, apesar dos amadores terem muito poucas oportunidades. Os círculos são muito

fechados, o Fado vive muito de lobby´s e o Fado profissional é um lobby muito fechado

e muito restrito e é muito maior o amador, mas muito maior, não tem nada a ver.

O que acha daquele Fado que fica completamente à margem deste circuito das

Casas de Fado, aquelas pessoas que já só cantam no Coliseu e em sítios grandes.

Acha que é outra vertente de Fado? É Fado espectáculo?

Depende da forma como o Fado é apresentado, depende do artista. Há aquele artista

que canta o Fado tipo tradicional, que gosta de se reger por aquelas regras da guitarra e

da viola e daquele tipo de Fado mais tradicional. Há outros artistas que cantam o Fado,

que gostam mais de introduzir novos instrumentos e fazem outro tipo de espectáculo

que já foge um bocadinho à base tradicional, portanto…aí…vá lá, é capaz de haver uma

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certa mutação do Fado e a gente dizer “isto já é diferente, já é um Fado diferente”. Acho

que sim, mas também depende do fadista, porque há fadistas muito tradicionais e que

conseguem…vá lá…ter uma vertente muito mais parecida com esta, o Fado cantado

assim, nesta…mais tradicional não é.

Já visitou o Museu do Fado?

Não, nunca fui ao Museu do Fado.

O que acha das “Grandes Noites do Fado”, acha que ainda tem a mesma

importância que tinha antigamente, para os fadistas que se queriam lançar no

mundo profissional ou não?

Acho que tem uma importância completamente diferente. Antigamente para entrar no

mundo do Fado era mais difícil, era um grupo mais restrito, poucos miúdos cantavam o

Fado, acho que eram pessoas mais velhas e havia um grau de exigência maior por parte

das pessoas que já estavam no Fado, portanto não deixavam entrar qualquer um. Hoje

em dia o Fado está mais conhecido, por um lado é bom…antes não, ninguém gostava de

Fado, hoje em dia o Fado está na moda e então a malta nova, começa tudo a cantar e

quando começa tudo a cantar…lá está…mesmo que não saibam aquilo que estão a

fazer…eles vão para lá à mesma, então o grau de exigência diminui e é capaz de se

perder um bocadinho de qualidade, nesse aspecto, então acho que…pronto, a

concorrência é maior e talvez perca um bocadinho mais de qualidade…não quer dizer

que não apareçam novos talentos e pessoas óptimas a cantarem e aí se descubra mais

vozes, e é bom que o Fado não acabe não é, portanto, as gerações vindouras acho muito

bem que gostem de Fado, mas…trata-lo bem e não estraga-lo.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso impõe mais responsabilidade a quem canta, a quem toca?

Devia, devia de impor a quem toca e a quem canta. Eu acho que as pessoas, sobretudo,

que vão cantar o Fado deviam saber o que estão a fazer, deviam se inteirar mais sobre o

Fado…nem toda a gente que canta Fado sabe o que é Fado, aprendem para aí dois ou

três Fados e pronto, e “já canto o Fado” e “já sei imenso sobre Fado” e não verdade,

mas pronto.

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Fadista A.N.

Gosta de Fado desde quando?

Desde sempre.

Quando era pequena costumava ir a Casas de Fado?

Não, a Casas de Fado propriamente ditas, só…muito esporádico, mas já frequentava

muito este ambiente fadista ao nível das colectividades.

Em que sítios é que costuma cantar?

Em estou convencida que em toda a parte quase, sei lá, para norte, para o Porto também,

por exemplo. No Algarve, depende. No Ribatejo, sou uma fadista semi-amadora, semi-

profissional muito conhecida. Não estou presa todos os dias a cantar numa casa

profissional, mas de vez em quando também canto nas casas profissionais também, mas

gosto muito deste tipo de casas assim, do Fado espontâneo, dos fadistas aparecerem

aqui, sejam eles amadores ou não, profissionais. Adoro este tipo de ambiente, para mim

é o essencial, mais do que aquelas casas de primeira ou de segunda, de turistas. Gosto

muito mais deste tipo de casa.

Veste-se de forma diferente quando vai cantar ou não?

Quando vou…sim, quando vou ganhar, quando recebo um cachet preocupo-me com a

imagem, quando venho numa…como hoje, que fui para a manifestação, venho como

calha, é assim. Se tiver de calças, nunca canto de calças com xaile…não. Portanto, se

vier vestida…apropriada, às vezes, como tem acontecido, vou a um espectáculo e

depois passo num tipo de casas…como esta, trazer o meu xaile. Eu gosto de trazer o

xaile.

Existem expressões ou palavras próprias deste meio? Algum calão fadista?

Sim, sim. Eu tenho muitos, “ah linda!”, “até dói!”, “muito bem!”…a minha frase mais

conhecida é “muito bem!”, quando normalmente vejo que um fadista interpreta muito

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bem, quando tem dicção bem feita e as frases são bem ditas…”muito bem!”, mas deve

ser um “bem” que vem cá de dentro porque fica tudo a olhar para mim.

Acha que a cor negra ainda é muito utilizada nas mulheres? O negro e o xaile?

Sim, sim, o negro e o vermelho, sim, são duas cores muito…e agora já muita cor no

Fado, eu por exemplo, há coisa de três semanas estive a cantar em Lagos e aí levei um

vestido branco comprido e um xaile azul-turquesa, porque era verão e é uma zona onde

as pessoas estão muito morenas. O ambiente em si, a casa era muito luminosa e muito

quente e era por isso, mas por norma é o preto e o vermelho. Eu na juventude não gosto,

eu pessoalmente na juventude não gosto., não gosto de ver os miúdos a cantar, muito

novos…falo em doze, treze, catorze. A partir de uma certa idade, dezassete, dezoito, por

aí.

Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

Depende, pode ser jocoso, pode ser triste, pode ser alegre…depende.

Já participou em algum concurso de Fado?

Não gosto de concursos.

Já falou um bocadinho do Fado amador, mas o que é que acha do Fado amador?

Acha que difere muito do Fado profissional?

Sim, aqui está a essência, aqui está a essência, a essência é precisamente o Fado

espontâneo, sem estarmos preocupados, até porque um Fado…eu para mim, é a

experiência que tenho, aconteceu-me noutra banda, para ir cantar uma ou duas noites

seguidas e eu a terceira noite já foi um “frete”, portanto isto para mim é…porque a

gente vem, não é só para cantar, às vezes só para ouvir sabe muito melhor e é muito

mais autentico e muito mais genuíno, e inclusivamente, por experiência, grandes

fadistas, e eu já os ouvi a cantar nos grandes concertos e aí eu não os considero fadistas

mas sim artistas, nestas casas eles são fadistas, eles são fadistas nestas casas.

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Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional ou não?

Agora, nesta altura do campeonato é, desde que ele foi a Património da Humanidade é

mais reconhecido, é mais valorizado. Isto do profissional aparece depois por

necessidade das pessoas ganharem dinheiro com a voz, antes não acontecia, o Fado era

em tascas, era em sítios espontâneos, era em tertúlias, depois eles começaram a ver isto

num meio mais lucrativo e entregaram o caso às Casas de Fado profissionais…mas não

é a mesma coisa, por muito bom que seja o fadista que está a cantar nessas casas…não é

a mesma coisa.

O que é que acha daquele Fado que já não passa por estes circuitos, aqueles

fadistas mais conhecidos que já só cantam no Coliseu ou em sítios já bastante

grandes?

Está-se a referir a quem?

Por exemplo o Camané, Carlos do Carmo.

É assim, bem, o Camané se aparecer aqui nesta casa, se lhe apetecer cantar canta, o

Carlos do Carmo já não se expõe. Depende, a Mariza se aparecer aqui, se lhe apetecer

cantar canta.

Refiro-me a fadistas que na maior parte das vezes só cantam em grandes salas e

não nas Casas de Fado, acha que isso é outro tipo de Fado?

Sim, sim, para mim são artistas, são artistas de Fado, são artistas de palco, são artistas

de Fado, não são fadistas. Fadistas é aqui, é a gente conversar, é a gente conviver, é a

gente ouvir…este senhor que cantou, que acabou de cantar, é um fadista dos pés à

cabeça. Não tem uma voz por aí além, que seja um grande, grande…não, mas estava lá,

o Fado estava ali todo, todo, e aquilo é que é Fado.

Já visitou o Museu do Fado?

Já.

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O que acha?

Acho que está giro, está giro sim.

Acha que o Fado amador se encontra lá representado? Este género de Fado que

acontece nestes sítios?

Acho que sim, eles tem lá uns símbolos, umas tascazitas, mas não sei qual foi a

finalidade, na altura, quando fizeram aquilo, aquilo já foi uma coisa feita há mais anos,

antes de ter saído agora em Património da Humanidade, depois fizeram lá umas grandes

obras…não sei se na altura, quando fizeram aquilo se foi realmente para retratar o que

se passa agora, se foi para retratar o que já se tinha passado há um século…isso não sei.

E as Casas de Fado, acha que se encontram também lá representadas?

Eu agora não sei, já há bastante tempo que não o vejo, acho que não vi ainda como é

que ele está agora. Antigamente dava mais…aquela tertúlia, via-se aqueles cantinhos

com tertúlias, até via-se umas coisas…a construir guitarras e instrumentos, agora não

sei se ainda se processa assim…se ele está dentro da mesma configuração.

Acha que as “Grandes Noites do Fado” têm a mesma importância que tinham

antigamente para as pessoas que estão a começar?

Não, até que já nem há, já acabaram. Era a Casa da Imprensa que organizava e acho que

já não há...já não há…deixa-me cá fazer contas, talvez há quatro anos que já não há a

“Grande Noite do Fado”, mas já há mais anos que não há, aquela que era feita no

Coliseu e isso, e eu fui lá a muitas, era uma festa do povo, era uma festa das

colectividades, as colectividades apresentavam os seus representantes…eu estive lá,

porque ia a família toda, ia a maioria, levavam os pastéis de bacalhau e ia toda a gente,

fazia parte de uma festa do povo como eram as marchas. Aquilo até acontecia quase

sempre no mesmo mês, depois perdeu, perdeu esse carisma e depois a Imprensa teve

muitos anos parada, depois a Casa da Imprensa outra vez agarrou nisso…já não tinha o

mesmo carisma, nos outros anos que fizeram já não tinha o mesmo carisma, mas agora,

quem ainda consegue ainda manter um bocado esse tipo de tradições são os…olha, por

exemplo, está a decorrer na minha terra, eu sou de Marvila, está a decorrer um concurso

de Fado, acho que este mês e dali vão mostrar jovens a vingar no Fado.

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Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso trás mais responsabilidade a quem canta?

Devia, para quem canta e para quem é responsável por uma tradição de uma cultura

muito nossa. Eu vou-lhe dizer, eu tenho uma escola há dez anos…de Fado, por isso é

que eles empurraram para mim…tenho lançado aí muita gente no Fado, tenho grandes

prémios como fadista da “Grande Noite do Fado”, como fadistas e eu nunca tive apoios

de uma instituição, nem museus de Fado, nem coisa nenhuma. Pus-me à frente dessa

escola e sou responsável, sou a dona da escola, e tenho miúdos a cantar desde os seis

anos até aos vinte e cinco portanto…só para ficar a saber.

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Anexo 5 – Transcrição das entrevistas realizadas a fadistas profissionais

Fadista P.A.

Gosta de Fado desde quando?

Desde sempre. Independentemente de eu não ter na minha família, não ter grandes

tradições de Fado, os meus pais e os meus avós, fui habituado…os meus pais gostavam

de Fado, não cantavam nem nada que se parecesse, desde os meus sete, oito, nove

anos…cresci a ouvir Fado porque os meus pais punham os singles e os Lp´s dos fadistas

da altura…os fadistas estavam em voga…a tocar e eu ouvia e diga-se de passagem, logo

desde essa idade a gostar de Fado, e portanto, desde dessa idade.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Não, nunca, nunca.

Em que locais é que costuma cantar?

Quase em todas, em Alfama são poucas as casas em que eu não canto…ou que não

cantei, neste momento estou aqui privativo, mas já cantei em quase todas as Casas de

Fado de Alfama, em duas como fadista privativo, nas outras como amador.

Veste-se de forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual?

Visto-me, visto-me, sem duvida. É assim, eu poderei falar contra mim mas é assim,

acho que não faz sentido…é a minha opinião e vale aquilo que vale, é a minha

opinião…acho que não é de bom tom cantar-se de forma displicente em termos de

indumentaria, em termos de visual. Acho que no mínimo dos mínimos o que o Fado

exige é cantar-se de escuro ou pelo menos de fato e de gravata. Sou muito conservador

nesse aspecto, acho que não…sinceramente eu não gosto, não gosto de ver um fadista a

cantar numa cada de Fados ou num espectáculo a cantar de calças de ganga e de t-shirt

por exemplo, acho que o Fado merece mais respeito e uma das formas de nós

mostramos respeito assim como as senhoras vestem-se de vestido comprido, no mínimo

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dos mínimos de negro, ou então, se não for possível de fato e de gravata…para manter a

tradição.

Existem expressões ou palavras próprias deste meio? Algum calão fadista?

Existem, existem muito. Quando nós por exemplo pedimos um Fado, por norma

pedimos o Fado pelo nome da música e não pelo nome do poema como deve calcular,

pedimos o “Zé Negro” ou pedimos o “Maria Rita”, todos os Fados tem o seu nome, as

músicas tem o seu nome e nós quando queremos cantar um Fado assim muito rápido,

dizemos “olha, dá-me o Isabel aí sempre a abrir” ou então “dá-me o Isabel em Ave-

maria”, são dois extremos…sempre a abrir é picado, com muita pimenta e a Ave-maria

é muito lento, ou então “dá-me o Fado, dá-me isto”, não dizemos nada e eles tocam o

Fado normal.

Acha que a cor negra e o xaile ainda são muito utilizados hoje em dia?

É muito utilizado e para ser sincero cada vez mais tem que ser utlizado, até para dar a

postura e o respeito como eu disse há pouco, que o Fado exige. É o mínimo que nós

podemos fazer pelo Fado. O Património Imaterial da Humanidade, se bem que eu tenha

um conceito um tudo nada diferente, não desrespeitando esta forma, que recebeu agora

o Fado e o titulo que lhe foi dado e o prémio que lhe foi dado. O Fado como Património

Imaterial da Humanidade concedido agora pela UNESCO…como disse, eu discordo um

pouco, porque é assim, o Fado é nosso, e Fado sempre foi Património Imaterial por uma

razão muito simples, não há ninguém que cante o Fado como nós, não é só de agora,

começou com a Severa, com a Berta Cardoso, com a Hermínia Silva, a Amália

Rodrigues, portanto…o Fado já é cantado há muitos anos e não só cá, até nem sei se a

senhora sabe, a Amália até em japonês cantou Fado…não sei se sabe…agora é assim, o

Fado, agora foi-lhe dado esse titulo Património Imaterial…e ainda bem…Património

Imaterial da Humanidade mas o Fado para mim foi sempre Património Imaterial da

Humanidade porque é cantado em todos os países…nós…em todos os países de há

muitos anos, simplesmente foi reconhecido agora, como foi o tango, como é…sei lá

…são Patrimónios, mas o nosso Fado também era antes…é como a pescada…antes de

ser já era Património Imaterial da Humanidade.

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Acha que o Fado é uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

Não, não…toda a gente faz essa pergunta. É assim, independentemente do Fado ter

canções de dor, paixão, de amor…a gíria…a dor de cotovelo, de faca e alguidar…eu

acho que o Fado não é triste. O próprio nome indica, eu não sei se a menina sabe como

é que o Fado nasceu…quando alguns criminosos, entre aspas, alguém fazia algum tipo

de coisa que saia fora da lei, eram colocados nas galés e eram desterrados para outras

terras e então eles, esses mesmos serrados, os criminosos entre aspas, cantavam o seu

Fado, o Fado da dor, da mágoa, de tudo. Então aí sim, o Fado seria triste porque eles

estavam a cantar a sua dor, o seu Fado, a sua sina…mas eu não acho que o Fado seja

triste, o Fado apenas transmite situações mais tristes, agora triste…acho que o Fado de

triste não tem nada…é a minha opinião. O Fado de triste não tem nada, antes pelo

contrário.

Já participou em algum concurso de Fado ou ganhou algum prémio?

Já, vários. Participei apenas em três concursos de Fado, conquistei um primeiro, um

segundo e um terceiro lugar. Foi a “Grande Noite do Fado”, fiquei em segundo lugar

nos incontestados (?) de Almada e em terceiro lugar nos concursos de Fado de Lisboa,

na altura em que eu ainda estava no meu princípio…isto é tudo passado quase…eu,

como disse, eu entrei em outubro, comecei a cantar em 2008 e até fevereiro de 2009.

Neste curto espaço de tempo ganhei uma “Grande Noite do Fado”, fiquei em segundo

noutro e em terceiro noutro concurso, e depois deixei-me dos concursos porque muito

sinceramente, até porque a minha vida em termos de Fado mudou muito, comecei a ser

requisitado…não tenho nada contra os concursos, mas acho que neste momento é a

descoberta de novos valores. Sou convidado para comparecer, para nos intervalos dos

concursos de Fado ir cantar Fado e dar algum apoio aos novos fadistas, aos novos

talentos que vão aparecendo e até para o júri, para os organizadores desses concursos.

O que é que acha do Fado amador?

O acho que o Fado amador é a essência do nosso Fado, porque começou exactamente

por ser amador, e quer nós queiramos quer não acho que uma boa parte das Casas de

Fado e não só, até algumas rádios direccionadas para o Fado como é o caso da rádio

Amália que tem Fado vinte e quatro horas, a rádio Popular também faz Fado uma vez

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ou duas por semana e são os fadistas amadores entre aspas que conseguem alimentar

este tipo de rádios e este tipo de vida também. Claro que alguns amadores depois saltam

para o profissionalismo mas quer se queira quer não acho que a essência do Fado

começou exactamente pelos amadores e oxalá que continue a ser assim durante muitos

anos.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

Não, indiscutivelmente não. Não porque os fadistas amadores…não em todo o

lado…não digo que sejam marginalizados mas são olhados…como é que ei-de

explicar…com desdém, “ele é amador e tal, deixa-o lá cantar”, mas não encarados

muito a serio. Como eu disse atrás, o Fado começou exactamente por ser amador,

cantado de forma amadora nas tascas e sei lá, nas tascas e por aí fora, e foi exactamente

essa a essência que o Fado…anos mais tarde se torna-se profissional com artistas

profissionais. O Fado amador para mim tem muito, muito condor, muito, muito.

O que é que acha daqueles fadistas que já não passam por este circuito das Casas

de Fado, que já só tocam em Coliseus, etc. Acha que é Fado na mesma? É outra

forma de Fado?

É assim, não direi que seja outra forma de Fado, quer nós queiramos quer não tudo na

vida tem que se modernizar…eu gosto muito…há belíssimas vozes novas no Fado,

como eu costumo dizer é uma lufada de ar fresco no Fado, é uma nova forma de cantar,

sem o desvirtuar, cantado de outra forma, com inclusão de alguns instrumentos, o caso

do contrabaixo, o acordéon e até mesmo a flauta e pronto…é uma forma diferente de

ver Fado, não deixa de ser Fado e diga-se de passagem que algumas coisas eu gosto

muito…como eu já disse no principio da entrevista…gosto de Fado castiço, gosto mas

não sou tão radical ao ponto de não aceitar…tudo na vida tem que se modernizar e a

única coisa que eu peço é que não se desvirtue a forma do Fado porque…há coisas

muito engraçadas, mesmo nesta forma de cantar Fado…tanto homens como

mulheres…tem de cantar Fado são extremamente engraçadas e eu aprecio.

O que é que acha do Museu do Fado? Acha que está bem conseguido?

É assim, eu não tenho opinião, não tenho opinião por uma razão muito simples, isto é

uma heresia o que eu vou dizer…nunca lá entrei e como não entrei não sei a forma

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como funciona, para que é que funciona, ou para quem é que funciona portanto, não me

leve a mal, não tenho opinião. Se me perguntar na forma laica se haveria de haver

Museu do Fado…com certeza. Acho que tem que existir, existem tantos museus que eu

tenho que dizer “porque carga de água é que não haveria de existir um museu do

Fado?”…mas na verdadeira essência de museu…condicionando também outras

vertentes mas não tenho opinião sobre o que é o Museu do Fado…não tenho porque

nunca lá entrei, não faço a mínima ideia.

O que é que acha do concurso as “Grandes Noites do Fado”, acha que ainda tem

aquela importância que tinha antigamente para os jovens?

É assim, eu continuo a achar que são importantes, não são é realizadas como eram

realizadas antigamente e é uma pena porque parece que já se perdeu um pouco aquela

vitalidade, porque não sei se a menina sabe, há uns anos atras os concursos de Fado

eram feitos no Coliseu, que começavam às nove da noite e acabavam às sete ou às oito

da manhã com toda a gente…e isto é verdade…toda a gente levava croquetes e pastéis

de bacalhau e peixe frito e depois andavam…infelizmente, as pessoas que andavam a

limpar a sala ainda a apanhar as espinhas. Era cansativo sem dúvida nenhuma, mas esta

era a verdadeira essência da “Grande Noite de Fado” de Lisboa que era um marco em

Portugal, era feito no Coliseu. Ainda contínua de outra forma mas continuo a achar que

é muito importante que continue a existir a “Grande Noite de Fado” de Lisboa e se

possível cada vez com mais força ou com mais empenho, porque é através exactamente

destes concursos que descobrem-se talentos fantásticos para cantar Fado que no fundo

são a renovação do Fado constante.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso trás mais responsabilidade para quem compõe, para quem canta, para quem

toca? Há diferença ou não?

É assim…isto é a minha opinião, vale o que vale…o Fado é uma coisa que é nossa,

felizmente foi proposto e aceite para Património Imaterial da Humanidade mas quer se

queira quer não o Fado desde há muitos anos já o era…é como a pescada, já o era antes

de o ser…já era Património da Humanidade porque desde tempos remotos, e

principalmente através da grande fadista que foi a Amália Rodrigues…levar o Fado

além-fronteiras, até ao Japão, à Tailândia, à Austrália…simplesmente este titulo que lhe

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deram…merecido, sem duvida nenhuma merecido mas na minha modesta opinião o

Fado antes de Património Imaterial da Humanidade para mim já o era…como o tango

na Argentina, como o Flamengo em Espanha, são património também…simplesmente

foi reconhecido.

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Fadista C.G.

Gosta de Fado desde quando?

Desde que nasci.

Costumava ir a Casas de Fado quando era mais nova?

Claro que sim.

Acha que o ambiente das Casas de Fado mudou muito?

Passaram já alguns anos, eu apanhei já fases muito diferentes…desde muito pequenina

porque os meus pais tem uma relação muito forte com o Fado, e sim acho que é

diferente o ambiente das Casas de Fado.

Em que locais é que costuma cantar habitualmente?

Aqui, aqui em frente na Esquina de Alfama, por vezes no Forcado no Bairro Alto, já

cantei no Luso mas não tenho objectivo de ficar fixa num sítio só.

Veste-se de forma diferente quando vai cantar?

Sim.

Existem expressões ou palavras próprias deste meio? Algum calão fadista?

Eu creio que sim, eu não tenho muito conhecimento mas creio que sim, por exemplo,

isto é uma opinião pessoal, posso estar enganada mas nós nos Fados temos tendência a

pedir os tons e normalmente um musico ligado a outra área não fala em tons mas sim

em tonalidades…por exemplo, mas podemos ir, ao afundar mais provavelmente haverá

muito vocabulário ligado mais aos Fados do que ao nosso dia a dia.

Acha que a cor negra ainda é muito utilizada? E o xaile?

Sim, sem dúvida.

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Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

As duas coisas…conforme.

Já participou em algum concurso de fado ou ganhou algum prémio?

Já.

O que acha do Fado amador?

É preciso, é necessário para termos oportunidade de explorar, de começar, de ter acesso

a músicos sem…uma vez que…não escolas, ou…começam a haver agora mas uma vez

que não há escolas, acho que sim, que é muito importante que exista…que continue a

existir.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

Creio que sim, em Lisboa sinto mais isso, eu sou do Porto mas sinto que em Lisboa a

maioria dos fadistas, não direi todos, haverá um escalão, entre aspas que se calhar não

se misturam tanto mas já me apercebi que as pessoas que vão ao Fado mais amador

digamos assim são os mesmos que estão nas casas profissionais e…acho que sim, acho

que é valorizado.

O que achou?

Eu já visitei há uns anos largos, quando eu vim para Lisboa, há cerca de sete anos

talvez. Na altura, eu visitei numa versão um bocado informal da coisa porque fui com

uma pessoa conhecida, uma amiga que trabalhava lá na altura e não segui o circuito se

calhar como ele é…pareceu-me incompleto mas hoje em dia acredito que esteja

diferente. Acho que faltam figurar algumas pessoas, especialmente naquele painel

maior, há algumas que eu por mim não punha lá e há outras que faltam.

Acha que as Casas de Fado de Lisboa se encontram lá representadas?

Não lhe sei dizer, não tenho presente, não sei…do que me lembro não, mas não vou

afirmar.

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O que é que acha das “Grandes Noites do Fado”? Acha que ainda tem a mesma

importância que tinha antigamente?

Acho que não, mesmo quando eu ganhei…acho que já não tinha a mesma

importância…contra mim falo!

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial acha que isso trouxe mais

responsabilidade por parte de quem toca? De quem canta?

Impor mais responsabilidade não digo, isto do Património, o Fado ser Património da

Humanidade é uma coisa mais a nível de Estado…de responsabilidade que não será

individual, a responsabilidade individual já existia antes e por isso é que o Fado ainda

existe. Acho que todos nós nos sentimos um bocado responsáveis por manter o Fado

como ele é, e acho que a responsabilidade será acrescida mas…por exemplo, nós aqui

continuamos a fazer o mesmo trabalho que fazíamos antes, agora não vamos tornar as

coisas…não muda nada, a meu ver, a nível das Casas de Fado acho que não muda nada,

o que muda sim é a nível da EGEAC que tem uma série de parâmetros a seguir e metas

a cumprir que não nos abrange a nós, aliás ninguém nos perguntou se nós

queríamos…mas pronto.

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Fadista L.

Gosta de Fado desde quando?

Desde os meus dezasseis, dezassete anos.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Não, nunca fui. Comecei a gostar de Fado na altura em que de assalto para França, e no

carro onde eu ia havia uma cassete de Fados e…constantemente e ouvir…e acabei por

aprender um Fado ou dois e um dia dei por mim a cantar sem querer. Nessa altura tinha

para aí dezassete, dezoito anos e foi daí que apareceu o gosto pelo Fado. Comecei a

cantar a primeira vez em Paris.

Costuma cantar em que locais actualmente?

Normalmente em Casas de Fado e também para os nossos emigrantes, trabalho muito na

Suíça, já fiz o Brasil e a Europa…muitos lugares.

Veste-se de forma diferente quando vai cantar, ou tem algum ritual especial?

Tenho o cuidado de me apresentar ao serviço com fato e gravata normalmente.

Existem expressões ou palavras próprias deste meio? Algum calão fadista?

Não, não…é capaz de haver…de momento não me recordo assim de nada, mas não.

Acha que a cor negra e o xaile ainda são muito utilizados nas mulheres?

É, inclusive…o estrangeiro tem a noção que o Fado é cantado pelas mulheres e não

pelos homens…tem essa ideia e elas normalmente usam fato preto…vestido preto e

xaile, mas hoje está tudo muito modernizado e já não é bem assim.

Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

Tem as duas situações mas não é propriamente triste, há quem julgue o Fado é triste,

mas não propriamente, mas tem.

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O que é que acha do Fado amador?

Acho que deve de existir porque é daí que depois se fazem profissionais não é, portanto

não tenho nada contra, as pessoas tem que começar a cantar e para começar a cantar tem

que ser amadores. Ao fim ao cabo é uma escola…apesar de agora se falarem em escolas

de Fado, eu não acredito muito…o Fado nasce com as pessoas, no entanto acho muito

bem que haja Fado amador…amador, não é vadio…

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional ou não? É bem visto?

É bem visto claro, é como disse, para se começar nisto tem que se começar como

amador não é, portanto os outros que cá estão aceitam, como é evidente, os que são

profissionais…eu pelo menos aceito e chego a aconselhar alguns. Alguns nota-se que

tem vontade, tem espaço, há outras pessoas que não tem jeito nenhum…vão para aquilo

e às vezes é…eu evito de dizer isso mas às vezes dá vontade de dizer “não, pá, é melhor

não cantares”.

O que é que acha daquele Fado que fica completamente à margem das Casas de

Fado, daqueles fadistas que já só cantam em grandes salas como o Coliseu, etc.

Acha que isso é Fado também? É já outra forma?

É Fado e a mim já me aconteceu várias situações só que…é assim, o Fado nesse sentido

é para quatro ou cinco, quatro ou cinco é que cantam em grandes salões e grandes salas

mas é muito pouco…isto tem pano para mangas sabe, essa pergunta da sua parte é

muito inteligente e eu não quero ser polemico mas posso-lhe dizer que quando se fala

em Carlos do Carmo e…por aí a fora não é…quando digo Carlos do Carmo é porque

esse é o dono do Fado, neste momento é o dono do Fado, como o Mário Soares aqui há

muito pouco tempo era o dono deste país…mas é que foi mesmo o dono deste país…e

esse senhor, o Carlos do Carmo é…do qual eu não lhe tiro valor como artista não é, é o

dono do Fado, temos aqui o Museu do Fado muito perto e dá para provar que aquilo é o

museu do Carlos do Carmo, se for lá dentro vai ver que é e montes de fadistas

consagrados não se encontram lá e tudo se deve a ele, mas eu já lhe disse a ele

pessoalmente, não é agora porque estou a ser entrevistado, já lho disse na cara,

perguntei-lhe se ele era o dono disto, disse-me que não…não me conseguiu convencer.

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O que é que acha do Museu do Fado?

Acho que o museu…normalmente a ideia que nós temos de museu tem a ver com

antiguidade, pelo menos é conceito que eu tenho. Um museu é de coisas antigas não é e

eu não considero o Camané antigo, nem a Carminho…para eles estarem aqui nas

montras do museu. Acho que as pessoas deveriam entrar ali a partir de uma certa idade,

com trabalhos realmente feitos e reconhecidos e não é o caso, não é o caso do museu.

Acha que as Casas de Fado de Lisboa se encontram lá representadas, ou deveriam

lá estar representadas de alguma forma?

Acho que algumas estão representadas mas é um trabalho que estão a fazer

ultimamente. Não fizeram, inicialmente não fizeram, agora sim, estão a fazer isso…mas

sabe, isto tem muito a ver…tem muito a ver com política percebe e

misturam…portanto, o Museu do Fado pertence à Câmara Municipal de Lisboa, por sua

vez o senhor António Costa acha que este e aquele é que não sei quantos e quem está lá

à frente daquilo…por exemplo, não entende nada de Fado e por aí a fora…mas que

estas instituições…não tem a ver com Fado, ou com outra área qualquer, devia ter

alguém da profissão…eu não posso pôr ali uma senhora que é doutora, eu nem sei do

que é que ela é doutora…e então é ela que toma lá as directrizes daquilo…se fosse o

Carlos do Carmo ou outro qualquer…até poderia ser o Carlos do Carmo, o próprio a

estar lá…pronto, e aí até se admitia mais…o homem canta Fado e…mas não, as coisas

não estão entregues às pessoas indicadas.

Acha que seria bom que o Museu do Fado entrasse mais em diálogo com as Casas

de Fado ou não?

Eu acho que sim, mas como disse, parece que isso agora está a começar a acontecer. Por

exemplo, eu não…nos Santos Populares vão buscar os tais fadistas de palco para virem

cantar a Alfama e Alfama está carregada de fadistas…quer dizer, não são capazes de

falar com alguém daqui de Alfama, que trabalhe aqui em Alfama…quer dizer, vão

buscar outros que é os tais que fazem um espectáculozinho por ano, ou dois ou três e

não se entende quer dizer…há coisas que não se entende. Lá digo, talvez esteja mal

dirigido, não sei.

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O que é que acha das “Grandes Noites do Fado”? Acha que ainda tem aquela

importância que tinha antigamente ou já perdeu um pouco a sua aura?

Eu só fui a uma, como convidado, não fui lá cantar. Aqui em Lisboa por acaso não fui,

fui ao Porto mas…é uma forma de incentivar quem está a aparecer e tal, e depois quem

ganha…”ah, ganhou a Grande Noite de Fado e tal” e isso para o currículo acaba por não

ser mau não é…mas tem a importância que tem, é mais uma noite em que os fadistas

aparecem.

Agora que o Fado é Património Imaterial da Humanidade, acha que isso impõe

mais responsabilidade por parte de quem canta, de quem toca ou continua tudo na

mesma?

Não, a responsabilidade é igual porque o Fado sempre foi património. O Fado é mais

conhecido que o próprio país. Veja que por exemplo a CNN quando mostra a

meteorologia mostra Portugal e Espanha como se fosse tudo Espanha e tem Madrid

onde está 23 graus e Lisboa nem aparece lá escrito e pensam que isto é Espanha…ainda

pensam que isto é Espanha…portanto, o Fado tem muito mais nome, quando se fala em

Fado…”ah, Portugal”, quando se fala em samba…”ah, Brasil”, o tango na Argentina.

Portanto o Fado tem mais importância, património sempre foi e a grande embaixatriz foi

a senhora dona Amália Rodrigues. Daqui a cem, duzentos anos é que é capaz de

aparecer igual.

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Fadista J.M.

Gosta de Fado desde quando?

Eu acho que sempre gostei de Fado, de certa maneira é de berço, o meu pai cantava, o

meu pai declamava e acho que isso, fui o único da família que ficou, foi mesmo de

berço penso eu, assim que despertei para isto do Fado, cantar…ainda por cima,

profissões que eu tinha, que tinham a ver um bocado com esta área, portanto, eu era

estofador, artes e decorações e aquilo, nós estávamos fechados ali, a trabalhar não é

então a tendência era Fado, na altura era Fado e então eu ouvia Fado, de manha à noite a

trabalhar e era o meu entretenimento, na altura eram cassetes daquelas de pacote e

então, eu tinha um gravador, que era do meu pai, que me emprestou para eu levar para a

oficina e eu então eu levava um série de cassetes e então eu punha uma cassete e

enquanto não aprendesse os Fados todos que estavam na cassete eu não descansava…eis

a razão de eu saber trezentos e tal Fados, só que antigamente eu só aprendia Fados,

agora não, aprendo os Fados mas como deve ser, antigamente aprendíamos só as letras,

nem sabia de quem eram, mas quando comecei a gostar mais disto é que comecei a

aperfeiçoar mais aos poucos porque antigamente os velhotes não ensinavam nada, não

passavam mensagem, como hoje ainda não passam, os mais novos já passam essa… já

passam essa mensagem aos mais novos, mas pronto, é de berço.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Sim, o meu pai costumava levar-me a Casas de Fado vadio, levava-me com ele, porque

o meu pai, como eu disse cantava e declamava e tocava castanholas e não sei quê e

então, como eu era o mais chegado para estas áreas eu preferia estar com o meu pai do

que andar a brincar, por isso é que eu costumo dizer que não brinquei quase, o meu

brinquedo foi o Fado, mesmo miúdo, comecei a cantar aos oito, nove anos.

Acha que o ambiente das Casas de Fado mudou muito?

Mas casas, que tipo de casas? Casas de Fado profissional? Fado vadio? Mudou muito

para pior, é mais um negócio agora, já não se sente…ou seja, tem noites muito boas mas

a maioria das noites, é tudo à base do negócio…o Fado vadio, ou seja, o próprio nome

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de Fado vadio é um negócio, aquilo é Fado-negocio, já não é Fado vadio. Aquilo que eu

costumo dizer é assim “há é vadios no Fado”, porque o Fado vadio actualmente é usado

para o negócio, é o caso de muitas casas que existem aqui e aqui que usam o Fado vadio

para negócio porque as pessoas vem ao Fado porque gostam muito, acabam por fazer o

espectáculo, engalanar o espectáculo e ainda pagam o que comem e o que bebem, mas

pronto, é assim, está implantado, sempre foi assim.

Costuma cantar em que sítios?

Canto privativo, sou profissional, eu costumo cantar no meu sítio de trabalho, sou

profissional e gosto de cantar em certos sítios mesmo de Fado vadio puro…lá está, Fado

amador puro, gosto de ali aos sítios de Fado amador puro, porque ali preenche e dá-me

essências para eu depois trazer para o meu trabalho, uma vez que estou a trabalhar com

o turismo que também é Fado mas…tem outro cheiro, tem outro cheiro, já ali é mais

direcionado ao negocio, mas nos sítios de Fado vadio puro, o Fado amador que eu

chamo é onde eu vou beber, muitas vezes sem cantar, só escutar e ver alguns fadistas

que gostam mesmo disto, ver os meninos a cantar, com erros, sem erros, às vezes

aparece um muito bom mas a maioria, não sei quê…é básico, mas isso inspira-me, é

para aprender mais umas coisas além daquilo que eu sei.

Veste-se forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual especial?

Faço questão de me apresentar a nível profissional sempre que posso como deve ser,

num sítio de Fado vadio é “tá-se bem”.

Existem expressões ou palavras próprias deste meio? Algum calão fadista?

Palavras ou expressões?

Sei lá, “cana rachada”, uma cana rachada é aquele fadista que saí fora de tudo, que até

tem jeito mas não tem voz, que até tem voz e não tem compasso, que até tem compasso

e tem voz mas não entra no coração…os tais que são fotocopias, que é a tendência de

todos actualmente, vejo aí poucos a fazerem o contrario, é tudo na base de fotocopias. É

Amalianos, Mauricianos. Amalianos que são os seguidores da Amália, Mauricianos que

são os seguidores do Maurício e agora está sempre…Marizianos e Ana Mouranos,

portanto…a tendência dos putos agora aprenderem…apesar de agora haverem aí umas

pseudo-escolas de Fado que só serve também para ganhar dinheiro, também é um

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negócio…para mim também…lá está, não há escolas de Fado, escola de Fado é andar

aqui todos os dias, aqui é se aprende, cantar aqui, cantar ali, escutar aqui, escutar ali,

ouvir os mais velhos, aprender, dividir o trigo do joio, se gosta mesmo disto…mas a

tendência da maioria das raparigas, especialmente, e dos rapazes é, a tendência é

fazer…pronto, tudo tem o seu principio mas depois não se descolam, ficam lá e depois

não recebem conselhos de ninguém e acham que já cantam cinco ou seis Fados, alguns

empresários que andam por aí, pelo meio, que de empresários não tem nada endeusam-

nos e depois os putos acham que são grandes artistas e gravam um cd…infelizmente

deviam ter cuidado com isso, mas pronto, isso é outra área que não me compete a mim,

cada um é como cada qual, mas deviam ter um bocado de mais respeito pelo Fado

nessas áreas…nem toda a gente poder gravar, nem toda a gente poder…ser sujeito a

uma aprovação como antigamente, uma pessoa para ser profissional que dar provas e

essas coisas, agora não, agora qualquer pessoa pode ser profissional.

Acha que a cor negra, e o xaile ainda são muito utilizados nas mulheres?

Já está, já está a desaparecer, agora está mais nos homens, os homens estão-se a vestir

mais de negro que as mulheres. As mulheres estão mais à vontade, o xaile tem um

ritual…a Amália e não sei quê…já vejo até mulheres a porem xaile com calças que é

contra não é, o xaile é para ser usado como um manto…quando uma mulher vai de saia

e não sei quê, também serve de compasso e essas coisas, mas está a cair em desuso. Já

se canta de ganga, já se canta de “tá-se”, “tá-se bem”…não tenho nada contra isso, está

a ver, eu vou trabalhar assim, tenho que acompanhar a evolução também, eu já…tenho

cinquenta anos mas sou um jovem e então tenho que fazer. Se o Camané pode fazer

porque é que eu não posso fazer? É normalíssimo…o Aldrefo Marceneiro não cantava

de chapéu? Se eu entrar de chapéu num sitio qualquer, epá “tira o chapéu, parece mal

estares a cantar de chapéu”, mas alguém dizia isso? Alguém dizia ao Alfredo

Marceneiro para não cantar de chapéu? Ninguém.

Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

Considero o Fado pelo Fado, nem é canção, nem é triste nem é alegre, é…depende do

estado de alma. O estado de alma é que manda. Você pode estar uma noite inteira a

escutar Fado e não lhe diz nada, de repente chega um tipo qualquer ou uma tipa

qualquer que você nunca ouviu de lado nenhum nem nunca ouviu falar e disse-lhe um

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Fado e você diz “já valeu a noite toda”. É o estado de alma, você naquele momento

aquilo tocou-lhe, “epá, fogo”, você nem quer saber quem, “epá que maravilha, uma

noite inteira aqui e de repente senti-me tão bem”, são os estados de alma…como diz “o

Fado é destino” não é?

O que é que acha do Fado amador?

O Fado amador está a ser aproveitado como negócio infelizmente, como eu já disse, é o

Fado amador, Fado vadio. Está a ser um negócio. Actualmente é um negócio para

alguns. Poucas pessoas aproveitam o Fado amador por respeito, aproveitam-no…tem

alguns sítios que ainda se sente a vibração do Fado vadio, o tal Fado vadio sente-se, até

pelo preço das coisas, a forma que é tratado, os cheiros, o ambiente…sente-se mesmo

ali. Hoje…pronto, o Fado amador, é como digo, está a ser aproveitado como negócio.

Esta coisa do Fado, do Fado imaterial, património não sei quê…mais uma farsa, mas

pronto…por acaso não foi o queijo que foi aprovado, foi o Fado.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional ou não?

Não, mas também digo, aprende-se mais no Fado profissional que no Fado

amador…confesso, eu tinha a noção ao contrário mas agora ao fim destes anos todos de

estar a trabalhar no Fado profissional entendo que ganham-se essências espirituais

e…no Fado amador, ganha-se porque a gente também está libertos, estamos a cantar

para os amigos, para as pessoas que nos entendem e que nos escutam e não interessa se

saiu mau se saiu bem…é giro, mas agora ao nível profissional e fazer as coisas como

deve ser…no Fado profissional temos as coisas todas organizadas, é obvio não é.

O que é que acha daquele tipo de Fado que fica completamente à margem das

Casas de Fado, daqueles fadistas que já só cantam no Coliseu e em sítios maiores,

acha que isso é Fado também, é Fado espectáculo, é outra coisa?

Não, é uma espécie de espectáculo montado porque o Fado cantado é no seu sítio

restrito, no seu ambiente, os seus sons, até o arrastar das cordas de um guitarra, de um

viola, as respirações, tudo isso é que é Fado…as luzes, as expressões que se ouvem

umas às outras, agora, os grandes espectáculos é o quê, é Fado? Não, é um espectáculo

com Fado, soa lá no fundo o Fado mas de resto não passa nada.

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O que é que acha do Museu do Fado?

Horrível, horrível pronto, desde uma ponta à outra, horrível, só o edifício é que é bonito.

Podia ser aproveitado para…realmente um Museu de Fado como deve ser, agora aquilo

está ali, para mim é horrível. Eu não sabia mas fui lá conhecer, olhei e vi as elites que

existem ali, aquele…horrível, horrível, a única palavra que eu arranjo, é horrível,

estarmos em Lisboa e o departamento da cultura da Câmara Municipal aceitar

determinadas situações que estão a acontecer ali, é horrível, horrível.

O que é que acha…na sua opinião, que deveria lá estar representado e não está?

O Fado verdadeiro, a essência do Fado verdadeiro, a começar pelo Fado vadio, a

essência do Fado é começar pelo Fado vadio e depois fazer umas escadinhas como o

macaco e depois começou a subir para homem e por aí a fora porque o Fado também é

assim. Não é o negócio que está lá implantado, aquilo que está lá é um grande negócio

implantado porque aquilo ali é uma mina, uma mina para alguns…temos pena.

Acha que as Casas de Fado de Lisboa estão lá representadas de alguma forma?

Algumas, algumas, por interesses, tem lá algumas casas representadas por interesses, o

caso do Luso, o caso do Clube de Fado especialmente, especialmente…o Clube de Fado

então, o caso do Fado Maior, a Parreirinha de Alfama antes, porque a Argentina estava

no activo, agora como não está no activo estão-se todos a borrifar para a casa da

Argentina que é a Parreirinha, e de resto não passa mais nada, é a elite, é como eu digo,

está lá a elite, onde o Carlos do Carmo é bem tratado é onde se fala, o Carlos do Carmo

e a Mariza. Olha por exemplo, a Tasca do Chico está retratada, é engraçado, porque a

Mariza é comadre do Chico, é engraçado não é? E está lá representado porque a Mariza

serve-se daquela gente toda para proporcionar, para fazer uma série de coisas, gravações

e não sei quê…então, Tasca do Chico dá jeito porque está a meter a Mariza com o Fado

vadio, mas é tudo mentira, a Mariza até nem é portuguesa, canta canção até, mas está

bem…pronto.

Acha que o museu estabelece algum diálogo com as Casas de Fado ou não?

Nenhum, nenhum, estamos a falar das Casas de Fado em geral. Estabelece com algumas

porque…ou seja, o Fado hoje me dia, o Fado profissional está a ser gerido pelas

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etiquetas, as etiquetas, as gravadoras…tinha que ser assim, na altura…o negócio está

muito mal, eles não conseguem vender em lado nenhum, então são as gravadoras que

fazem a ligação entre a televisão e o museu, e as Casas de Fado. As gravadoras é que

mandam, “epá, queres assim, a gente faz-te a promoção toda, metemos-te no museu do

Fado, metemos-te aqui, metemos-te acolá”, as gravadoras agora é que mandam no Fado,

as etiquetas, a Valentim de Carvalho, a EMI, a outra, a outra…essas é que estão a

mandar em tudo, essas é que garantem que vão ser vendidos xis cd´s, garantem as

Fnac´s…mas é tudo na base das etiquetas, e alguns nomes, que é o caso do Carlos do

Carmo, tem que passar tudo por ali. Quem é o Carlos do Carmo? Quem é o Carlos do

Carmo para ter tudo passado sobre o Fado, por ele, quem é ele? Então mas o Fado é só

por ali? Temos pena. Porque é que não dão mais valor à Casa do Artista? Está lá tanta

gentinha que contribuiu tanto para o Fado e ninguém fala deles, o António Mourão,

tanta gente…ninguém faz nada pois não? Pois…temos pena.

Acha que seria bom que o museu entrasse em diálogo com as Casas de Fado de

Lisboa, mesmo com todas as Casas de Fado, representasse todas as Casas de Fado?

Isso seria um bom princípio, seria fantástico uma vez que eles quiseram o Fado a

Património Imaterial ao menos que o museu se chegue também…não foi, quando

quiseram fazer o museu foram a todas as Casas de Fado, foram ao Fado vadio buscar

coisas antigas, que foi o meu caso, que eu dei para lá e agora quis visitar o museu,

cobraram-me cinco euros, e eu sou genuíno de Lisboa, fadista profissional, cobraram-

me cinco euros. Eu paguei porque “malandro não estrilha, muda de esquina”, eu quis ir

ver, paguei, tenho o bilhete inclusivamente comigo guardado…temos pena. Sou

genuíno, de Lisboa, daqui, sou fadista profissional, ofertei coisas para lá e mesmo assim

cobraram-me…porque eles dizem que o Fado-Museu é dos fadistas, não é isso que eles

apregoam? Então e eu tive que pagar cinco euros? Ofertei coisas para o museu…é giro.

Aquilo é a escória, olhe para mim e pode sublinhar, aquilo é a escória do Fado, aquela

gente são os penduras do Fado, de vez em quando ajudam um ou outro só para,

tipo…para tapar o sol com a peneira.

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O que acha do concurso as “Grandes Noites do Fado”? Acha que ainda tem a

mesma importância que tinha antigamente?

Achava, achava. Hoje já não tem impacto, até 2001 teve, a partir de 2001 acabou. O

Montepio Geral entrou lá dentro…acabou. Quando era o Fado do povo estávamos ali

até às sete, oito da manhã era giro, funcionava, fantástico. As colectividades agora é só

esquemas…lá está, o interesse antigamente não era à base só de ganhar dinheiro,

antigamente era…uma vez que a sociedade de autores recebia isto e aquilo então vamos

investir um bocadinho que é para os bairros também funcionarem e…até para se

descobrir novos valores, mas agora há as escolas de Fado, as pseudo-escolas de Fado,

que são grandes negócios também. Tem que se ir ver. Se quer ser Casa-Mãe do Fado

então vá ver o que é que os filhos andam a fazer, se quer ser mãe do Fado vá ver o que é

que os filhos andam a fazer, os filhos, os netos, os bisnetos, vá ver e vá avaliar. Alguém

que entenda isto vá avaliar o que é que se está a passar com o Fado, porque a razão é o

Fado, o principal, então vá ver o que é que se passa em todos os aspectos. O Fado vadio

são as pessoas muito mal tratadas e eles é que ganham rios de dinheiro…é assim uma

série de coisas. Mas então se é o Fado mãe que crie uma lei…eu já pensei nisto e isto é

uma ideia minha, que criem a polícia do Fado para irem ver o que se passa. No Museu

do Fado criem um departamento de investigação para a polícia do Fado, e depois vão

ver o que é que encontram e depois para estas “saí daqui” ou “afasta-te daqui”, “podes

fazer a título particular ou pessoal, agora a título oficial não podes nada” e é assim, mas

isto serve para o Fado vadio e para o Fado profissional. Serve para tudo o que é Fado,

tirando as tasquinhas porque as pessoas são livres de pegar numa viola e brincar um

bocadinho não é, agora, se é a nível profissional, se tem uma casa aberta e está a ganhar

com aquilo, automaticamente é profissional certo? E se é profissional tem que pagar os

seus direitos. Agora eu vejo aí uma série de Casas de Fado vadio, nem licenças pagam,

o SPA, não pagam nada, servem-se dos fadistas simplesmente e são

descartáveis…temos pena…pronto.

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Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso trouxe…impôs mais responsabilidade por parte de quem canta, de quem toca

ou mentem-se tudo na mesma?

Não, foi melhor para os que já ganhavam e continua a ser igual para os que não

ganhavam. Foi melhor para os que já ganhavam, que são os mesmos que continuam a

ganhar. O Carlos do Carmo, a Mariza, o Camané, o clã Moutinho, as Anas Mouras, as

Fábias Bordões, Jorge Fernando…mas esse trabalha, esse trabalha para o Fado, graças a

Deus, é uma pessoa importante para mim, porque além de ser um dos melhores artistas

de Portugal e do mundo, de Fado, é uma pessoa que não tem nada a ver com esse

mundo, e está em todas, mas esse sim, tem qualidade, porque cria artistas, é um grande

artista, não tem vaidades nenhumas e está lá mas por direito próprio. Esse, eu tenho que

o destacar, reconheço, que é um rapaz…não é por ser meu amigo, não quero trocar

galhardetes, que ele nem sabe que eu estou a dizer isto. Mas eu reconheço-lhe este

mérito ao fim de tinta e cinco anos de andar aqui. Eu reconheço-lhe esse mérito,

realmente é extraordinário no Fado, e não veio do Fado, ele veio da canção, mas ele é

extraordinário.

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Fadista R.M.

Gosta de Fado desde quando?

Desde de que me conheço, enquanto pessoa.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Sim, regularmente.

Mudou-se do Porto para cá, porquê? O Fado no Porto não está tão presente como

em Lisboa?

É verdade que não está tão presente, mas não mudei por isso…não só mas também.

Mudei-me a convite de um ex-manager da cidade do Porto, ex-empresário de Casas de

Fado, claro que desde que me conheço eu tenho memorizado os convites pendentes de

“então Ricardo, um dia levo-te para Lisboa e tal, gostavas de ir?” e eu dizia “ai, então

não gostava, claro”, era o que eu mais gostava de facto e um dia numa tarde igual a

tantas outras, em que o telefone lá de casa toca, eu atendo e é esse meu amigo, “então,

esse teu sonho de ires morar para Lisboa ainda se mantem de pé?”, e eu “pois claro que

se mantem, então?”, “e se eu disser que conseguia arranjar um sitio onde cantares, tu

aceitarias?”, e eu “mas para quando?”, “para quando quiseres”, e eu “vou hoje”, e ele

“se quiseres”…”tipo, eu não acredito”…foi lá uma festa em casa, a minha mãe

aproximou-se, “então, mas o que é que se passa?”, e eu “o meu amigo e tal, o Luís

convidou-me para ir trabalhar para uma Casa de Fado em Lisboa”, ela meteu as mãos à

cabeça, “ai, meu Deus, não é possível, não vais não senhor”, e eu “oh minha mãe mas

como deves calcular eu tenho que ganhar asas e seguir a minha vida e seguir a minha

carreira, e se o convite surgiu ou apanhas o barco na primeira oportunidade ou então não

sabes se virá uma segunda vez…e então vou amanhã”, “ai, amanhã não”…sexta, sexta-

feira, “oh mãe mas tenho que ir então no sábado, vou amanhã”, “não, não, não”, “então

vou no domingo, aproveito o fim-de-semana, para conhecer o fim-de-semana, o

rescaldo do fim-de-semana”, e ela “ai, eu nem me acredito, ai meu Deus, já me vão

roubar o meu filho, da minha casa, ai meu Deus isto, como é que vai ser e tal”, “vai ser

normal, eu não vou para a China, não para a Austrália, vou para Lisboa que fica a

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trezentos quilómetros, são três horas, duas horas e meia de viagem”, e ela “ai, mas se tu

não estiveres bem tu vem-te embora, tu não me fiques lá”, “oh mãe, por favor, está

bem”…então vim no domingo e cá estou, desde há quatro anos para cá.

Em que casas costumava cantar?

No Porto. Comecei na Casa da Mariquinhas, uma Casa de Fado profissional muito

antiga, por sinal muito conhecida, a mais antiga da cidade do Porto, actualmente aberta

felizmente e cantei, cheguei a cantar no Mal Cozinhado…outra Casa de Fado, cantei na

Tasquinha do Carrasco em Matosinhos com uma senhora chamada Margarida Lima que

é uma senhora de Fado também…no Porto, trabalhei também onde…cantei, assim a

sério…acho que sim, nessas três…sim, dez anos na Casa da Mariquinhas, acho que

desde criança até chegar à adolescência, matura-se muito.

Ainda canta em Casas de Fado, em que sítios e com que regularidade?

Canto no restaurante Esquina de Alfama todos os dias, menos à terça-feira porque o

restaurante fecha para descanso do pessoal.

Já participou em algum concurso de Fado?

Sim, participei em vários. Como deve calcular eu sou de um bairro típico do Porto, sou

do bairro típico da Sé, tão típico quanto Alfama, de varinas e peixeiras, no Porto

chamam-se peixeiras, cá é varinas, de pregões, de velhinhas interessantes que te

abordam só porque nesse dia acordaste e estás um bocadinho mais aéreo e dizem “então

menino, hoje já não me liga?”, e tu despertas e cais na realidade e “olá minha senhora,

tudo bem?”, eu sou de um bairro assim, sou do bairro típico da Sé e como sou de

bairro…nos bairros existem colectividades e as colectividades vivem de

Fado…algumas. Naquele tempo viviam com mais intenção, no Porto, do que hoje em

dia…cá em Lisboa ainda se mantem essa tradição…felizmente…ainda bem, não em

muitos sítios mas ainda se mantem, e então, no Porto continuam a existir concursos

também e fiz muitos, fiz imensos a ponto de os pais das crianças e as crianças irem ver

as eliminatórias, portanto…irem ver as sessões, quem é que ia cantar, quem é que estava

inscrito e às tantas viam que eu estava e diziam assim “oh, já não vou concorrer, já

sabemos que é ele que vai ganhar”, às tantas fui chamado do “papa prémios”,

pronto…mas era muito divertido, concorria a imensos concursos e ganhei, mais tarde a

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“Grande Noite do Fado” no Coliseu do Porto, num concurso que era o maior concurso

de Fado e ainda é o maior concurso de Fado a nível nacional, onde se inscreviam

trezentos, quatrocentos, quinhentos concorrentes e só haviam três primeiros lugares,

masculinos e femininos, categorias juvenis e seniores e eu venci, já na categoria sénior

com dezoito anos em 2001 no Coliseu do Porto, e de um casting de trezentos

concorrentes, trezentos e tal, eu fui o único do Porto que passei, eu e uma rapariga que é

a Cátia Garcia que por sinal também trabalha comigo e que por sinal também nesse ano

ganhou comigo…eramos os únicos do Porto, de resto era de todos os lados do país…e

de Lisboa então…representados por diversas colectividades e individuais e eu ganhei

individual, na minha categoria. Mas tenho vindo a concorrer…agora já não, ganhei, e só

como convidado.

Veste-se de uma forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual especial?

Visto-me normalmente, visto sempre clássico porque assim o exige…o Fado e eu.

Existem expressões ou palavras próprias do meio fadista?

Existem, existe sim, existem determinadas palavras, tipo “grande malha”, se for usado

como forma de apresentação, tipo “então, como estás? grande malha”, percebe…é uma

forma. Sendo que malha é uma malha que eles fazem…é um acorde. Fazem na guitarra

ou na viola. É um jogo de…uma nuance musical.

Acha que a cor negra ainda é muito utlizada? E o xaile?

Sim, sem dúvida.

Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

Considero triste…considero noventa por cento triste.

O que é que acha do Fado amador? Acha que existe muita distinção entre o Fado

amador e o Fado profissional para além da parte monetária?

Acho bem, foi daí que eu comecei, acho que é aí que estão as escolas. O Fado amador é

de quem ama…acho bem. Existe diferença porque se é amador é de quem ama…não

quer dizer que os profissionais não amem, naturalmente que amam, claro que amam…já

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passaram essa fase…e do amadorismo ao profissionalismo vai um caminho de

maturação, vai uma aprendizagem muito grande, o saber dizer ou saber acentuar as

palavras, impor a força que elas requerem…sentir naturalmente. Existe, no meu ver, um

melhor trato para com a poesia e para com a música. Existe mais responsabilidade…não

quer dizer que os amadores não a tenham também, mas ainda não atingiram essa fase de

evolução, de crescimento. Os profissionais são aqueles que vivem da arte que fazem e

naturalmente tem um grau de dificuldade mais elevado. As pessoas exigem, se eu vou

cantar as pessoas já estão a exigir que eu vá fazer bem, não aceitam que eu erre

percebe…é uma coisa…e eu já vou nessa condição de…e quando é amador sabemos de

antemão que se se enganar pronto…existe mais desculpa pronto. Imagine a dona

Amália a ir para o palco e a desafinar e a cantar mal…percebe, é impensável…ou o

senhor Carlos do Carmo…impensável percebe…a Mariza, Raquel Tavares…é

impensável, somos profissionais, temos que cumprir com o dever.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

É, porque é daí que se começa. Eu vou muitas vezes ao Fado amador e gosto, vou ao

encontro do meu Fado também porque há alturas em que as Casas de Fado…eu procuro

cantar sempre aquilo que gosto mas também canto marchinhas, também canto

Fados…sei lá, não digo brejeiros mas digo mais…fadinhos vá…modinhas, mas também

canto os fadões, Fados tradicionais claro, são esses com os quais eu me identifico

naturalmente mas não só de fadões se faz o Fado não é, também existe folclore, também

cantamos folclore ali na Esquina de Alfama, existe só uma parte dedicada ao folclore

que é muito interessante e também está enraizado nas raízes portuguesas digamos.

Depois temos aquele Fado que fica à margem das Casas de Fado, daquelas pessoas

muito conhecidas que já só tocam em grandes espaços. Acha que esse Fado é visto

de outra forma ou não? É tudo Fado e é visto da mesma maneira?

Na verdade é tudo Fado, com a guitarra e com a viola, e com sentimento e uma voz ali,

nua e crua portanto…a cena é a mesma, os espaços é que mudam.

O que acha do Museu do Fado?

Acho muito bem, acho que deveriam ainda ter mais coisas e mais pessoas…deviam

fazer uma busca mais intensa. Existe um grande guitarrista em Portugal que por sinal

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não está no Museu do Fado, que é o Paulo Jorge, que é dos guitarristas mais

internacionais, tocou para a Dulce Pontes dez anos, tocou para todos os artistas deste

país…tocou para o Paulo de Carvalho…tocou para todos, ganhou um Emmy na

categoria de música por exemplo, que ninguém tem neste país, na categoria de música,

portanto...e não está referenciado no Museu do Fado.

Acha que as Casas de Fado se encontram representadas no museu, tanto as de

Fado amador como as de Fado profissional?

Eu acho que não, pelo menos eu ainda não vi lá a minha representada…onde estou.

Acha que seria bom que o museu entrasse em diálogo…num diálogo mais efectivo

com as Casas de Fado? Para também mostrar as várias vertentes uma vez que se

encontra tão próximo de várias casas, acha que seria bom?

Seria bom, naturalmente que seria bom e faria sentido claro. Seria bom porque daria a

conhecer as Casas de Fado e os artistas que lá trabalham diariamente e fazem da sua

profissão a cultura deste país, e o que chamam Fado.

O que pensa das “Grandes Noites do Fado”, acha que ainda tem a mesma

importância que tinha antigamente para os fadistas mais jovens ou já não?

Tem a importância que tem, antigamente davam mais valor, é um facto, mas não

sei…eu nunca mais concorri…mas acho que sim, ganhar um concurso e participar é

sempre…aquela coisa da adrenalina e o saber como é que vai correr, como é que nos

vão avaliar, se gostam, se não gostam.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

esse reconhecimento trouxe algumas alterações para este meio ou impõe mais

responsabilidade por parte dos fadistas? Por parte de quem compõe ou de quem

toca ou não?

Se quer que lhe diga, eu ainda não vi nada…que o Fado a Património Imaterial da

Cultura me fizesse agora o que não me fez antes…estou igual. É natural que traga força

e credibiliza entre aspas, se calhar mais…dá a conhecer vá, oficializa uma canção como

Património Imaterial da sua cultura ou da sua música, agora…a mim ainda não me

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trouxe nada que eu pudesse dizer “olha, foi o Fado Património Imaterial…foi o factor

relevante para eu estar”…não sei. Se isso acontecer um dia terei muito gosto em dizer

que isso aconteceu devido ao facto de…

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Fadista G.J.

Gosta de Fado desde quando?

Desde pequenina. Desde a escola primária, era muito novinha.

Quando era pequena costumava ir a Casas de Fado ou não?

Não, não. De onde eu venho não havia Casas de Fado. Eu ouvia Fado em casa e criava

na minha cabeça o que era o Fado.

Costuma cantar em Casas de Fado, em que casas é que canta regularmente?

Eu canto no Senhor Vinho, é aí que eu canto, todos os dias.

Veste-se forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual especial?

Tenho o cuidado de estar arranjada, mas eu acho que isso é o mínimo que se pede a

quem está a fazer um espectáculo não é. As pessoas vão-nos ver, tudo conta. É o

mínimo estar apresentável agora, não acho…eu costumo dizer até assim “ah, agora vou-

me vestir de fadista”, mas não é…o vestir de fadista para mim é pôr os saltos altos

porque eu nunca ando de saltos altos, só mesmo para cantar e de resto é tentar estar

tranquila para conseguir passar a mensagem do poema que eu estou a cantar…é mais

por aí.

Existem expressões ou palavras próprias do mundo fadista? Algum calão?

Existem, principalmente entre os músicos, a forma de falar dos instrumentos e…sim,

existe, é giro.

Acha que a cor negra ainda é muito utilizada e o xaile?

É, completamente.

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Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

Nenhum das duas. Acho que…eu costumo dizer é intenso porque há coisas tristes, há

coisas alegres mas na vida também há pessoas más e pessoas boas e eu acho que o Fado

é meio-termo da junção dos dois, é intenso, é uma coisa intensa. Às vezes tu estás a ver

uma coisa alegre, um poema que é alegre mas tu de certa forma aquilo mexe

contigo…de uma forma que tu não estás alegre de estar a rir às gargalhadas…é intenso,

aquilo mexe com a alma, mexe cá dentro.

Já participou em algum concurso de Fado?

Participei. Quando eu fui viver para o Porto participei num concurso de Fado amador

mas foi a primeira e ultima vez porque eu desde miúda…eu detesto jogos, eu detesto

concursos, sempre detestei, a minha mãe nunca me deixava jogar nada com os meus

irmãos que eu armava sempre estrilho…não, mas foi a única vez.

O que acha do Fado amador?

Eu acho o máximo porque eu acho lindo…aliás, eu acho que no Fado amador é que está

aquilo que é o Fado, no verdadeiro sentido lato da palavra. São pessoas que tem a sua

vida e que tem o seu trabalho e não sei quê e que vão cantar os Fados para a tasca, vão

mostrar como vivem a vida, como é a sua alma. Eu para mim, eu tenho uma…eu acho

que quando se está a cantar, se aquilo é verdadeiro e eu acho que isso do ser verdadeiro

é um bocadinho de frases feitas…ou a verdade…mas eu acho que isso do ser

verdadeiro…a pessoa sente. Não me adianta nada ir para ali para a frente de um público

e começar a chorar, as pessoas sentem quando aquilo é verdade. Tu sentes quando um

amigo teu está a brincar ou está a chorar não é…é a mesma coisa e eu acho que aí,

quando se canta Fado que…se aquilo é mesmo verdadeiro tu consegues conhecer aquela

pessoa, saber como é que é aquela pessoa, mesmo que ela acabe de cantar e esteja a dar

um ar de…com uma personalidade muito forte e não sei quê. Ali ela está nua e no Fado

vadio é isso que acontece, as pessoas vão libertar um bocadinho do seu stress do dia-a-

dia e eu acho que era isso que acontecia quando o Fado apareceu não, as pessoas

estavam nas tascas e cantavam e…

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Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

É, a primeira coisa que se diz…é uma grande escola, é…tu vais e tu cantas com todo o

tipo de músicos, bons, muito bons, maus, muito maus, medianos, putos que estão a

começar, tu ouves poemas antigos porque está lá uma senhora velhinha e tu ouves

aquilo e ficas maluca, não consegues arranjar aquilo em lado nenhum e ela diz-te que já

ouvia aquilo quando era pequenina e tinha a tua idade, não sei quê. É uma escola brutal.

O que acha do Museu do Fado?

Eu acho uma ideia brilhante. Acho que já devia existir há muito mais anos.

Acha que as Casas de Fado de Lisboa e o Fado amador se encontram lá

representadas?

Sim, não só as Casas de Fado, mesmo as tascas de Fado vadio, de amador, sim.

O que é que acha das “Grandes Noites do Fado”, acha que ainda tem a mesma

importância que tinha antigamente?

Eu não posso falar muito sobre isso porque eu nunca senti a importância disso

percebes…eu não estava cá, não vivia cá, não…nunca senti o impacto de uma “Grande

Noite de Fado” nem ser vencedor de uma “Grande Noite de Fado” mas pelo que eu oiço

dizer já não é o que era.

Agora que o Fado é Património Imaterial da Humanidade, acha que isso trouxe

algumas alterações para o meio do Fado? Impõe mais responsabilidade?

Eu acho que a responsabilidade deve ser muita sempre, porque se não há

responsabilidade não se fazem as coisas como devem ser. Eu acho é que trás…trás

coisas muito boas, claro…há muita gente pelo mundo inteiro que conhece o Fado mas

há muita gente que não conhece também e há muita gente que nem sequer sabe onde é

que fica Portugal e passam se calhar a saber. Há o lado que a meu ver é mau que

é…como o Fado está na moda qualquer pessoa hoje em dia que tenha um restaurante

quer ter Fados mas não sabe como dar Fados, então um gajo chega lá e vai para

cantar…eu não vou, não me meto nesses esquemas…chegas a um sítio e não há o

mínimo respeito, não há um espectáculo de Fado, há Fado pronto, que é para chamar o

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turista…pronto, e depois acabam por ir lá e não veem…não o conceito de espectáculo

de Fado mas não veem o espectáculo de Casa de Fado e veem isso e ficam a achar que o

Fado é aquilo e depois se calhar até vão a uma Casa de Fado à séria, onde se trata com

respeito o Fado e há um espectáculo e comportam-se de forma errada e vão para o país

deles e acham que aquilo não é…pronto, esse é o lado mau, que eu acho.

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Fadista P.M.

Gosta de Fado desde quando?

Desde sempre. Eu ao contrário da maioria dos fadistas…o Fado…eu não fui ter com o

Fado, o Fado é que veio ter comigo derivado à minha família. Eu cresci numa família

amante do Fado, o meu irmão mais velho já cantava e as coisas comigo…eu quando

ia…os meus pais iam sair para os Fados e eu ia para os Fados…então o gosto foi desde

criança mesmo.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Várias, Casas de Fado e colectividades. Não Casas de Fado típicas de Fado, que na

altura não deixavam entrar crianças, mas ia para aqueles encontros informais de

Fado…começavam às cinco, seis da tarde e acabavam à meia-noite e às vezes

adormecia nas colectividades, os meus pais iam para os Fados e eu ia com eles.

Costuma cantar em Casas de Fado agora, em que sítios é que costuma cantar?

Sim, sim. Em vários sítios, canto desde Mesa de Frades, Café Luso, Marquês da Sé.

Os seus irmãos também cantam o Fado, de onde é que vem esse interesse? Já me

falou um pouquinho mas tinha pessoas ligadas ao Fado na família?

Tinha…é assim…o meu pai era…cantava…é assim…os meus pais começaram a cantar

depois do Camané. Os meus pais eram amantes do Fado, da parte do meu pai o meu

bisavô era um fadista, chamava-se José…Zé Júlio, era um fadista, pronto…conceituado

para a época. Estou a falar de novecentos e trinta, mil novecentos e quarenta…para aí

quarenta…anos quarenta e os meus pais já eram amantes do Fado e já eram…os meus

quando iam sair iam para os Fados, portanto as coisas…é assim…tudo aconteceu muito

naturalmente, havia um gosto…a gente gostava e as coisas começaram a acontecer.

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Veste-se de forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual especial?

A maneira de vestir? Eu gosto de usar fato escuro, às vezes ponho uma gravata, outras

vezes não, mas sempre fato escuro mas não ligo muito a isso não, claro que é…vou

sempre apresentável não é.

Existem expressões ou palavras próprias do mundo fadista? Algum calão fadista?

É assim…eu acho que isso tem a ver com a personalidade de cada um não é? É

assim…eu tenho o meu calão também, toda a gente tem mas não vejo isso como tendo

que ser obrigatoriamente...

Acha que a cor negra ainda é muito utilizada? E o xaile?

Sim, acho que ainda.

Considera o Fado uma canção triste ou alegre? Ou as duas coisas?

As duas coisas, aliás o Fado tem…é… além de ser alegre e ser triste há uma coisa que é

muito importante no Fado que é…tem um sentimento muito…que pouco se fala que é a

esperança. Eu canto o Fado e nem sempre consigo sentir isso mas…mas as coisas que

eu mais gosto de sentir quando estou a cantar é a esperança.

O que é que acha do Fado amador?

Eu acho que é importante. Eu acho que é assim…o Fado amador acaba por ser também

uma escola para as pessoas que não têm oportunidade de ir cantar a outros sítios…às

Casas de Fado. Acho que o Fado começou amador não é? O Fado hoje em

dia…pronto…há muita gente a cantar mesmo, eu vejo muita gente a cantar que não faz

disto uma profissão e que canta bem, e que canta muito bem como vejo muita gente a

cantar muito mal. Há de tudo mas acho que é importante para essas pessoas poderem

cantar não é? É assim, eu venho de onde? Eu venho do Fado amador…eu venho…eu

não comecei a cantar nas casas típicas e acho que é importante e aprende-se muita coisa.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

É, eu acho que sim.

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O que é que acha do Museu do Fado?

Eu acho que é um…eu acho que o Museu do Fado é a casa dos fadistas e é um sítio…é

um sítio muito importante para pessoas que queiram aprender, também saber e

descobrir…não só os fadistas como as pessoas de fora, descobrir um pouco da história

do Fado e da evolução do Fado…do passado também, do passado e do presente.

Acha que as Casas de Fado de Lisboa se encontram lá representadas de alguma

forma ou não?

As Casas de Fado…é assim…no museu acabam por estar representadas a nível também

de escrita como a nível de fotografia porque também existe…existem algumas…muito

espólio de fotografias que foram tiradas de fadistas em Casas de Fado mas acho que

também…está representado.

Acha que seria importante que o museu tivesse um diálogo mais efectivo com as

Casas de Fado amador e profissional no sentido de representar todas as vertentes

do Fado ou acha que deve apenas centrar-se nos fadistas mais conhecidos de agora

e de outros tempos?

É assim eu acho que a Casa do Fado…é assim…eles têm feito muita coisa…é

assim…se formos a ver foi através de uma candidatura que o Fado se tornou Património

Imaterial da Humanidade e…mas acho…eles fazem, eles tem apoiado muita coisa não

só a nível…eu acho que eles continuam a apoiar não só como Fado amador como as

Casas de Fado, eles apoiam naquilo, naquilo que podem não é e não…é assim, claro que

é sempre…há pessoas no Fado que deixaram marcas e continuam a deixar no presente e

acho que eles se calhar viram-se um pouco mais para o Fado no seu todo…nos fadistas

do que propriamente para as Casas de Fado.

Acha que as “Grandes Noites do Fado” ainda têm a mesma importância de

antigamente para os jovens que são amadores e se querem profissionalizar?

A “Grande Noite do Fado” do Coliseu? Sim, perdeu, perdeu bastante não é e ainda

mais, infelizmente com a morte de Zé La Feria que era um dos maiores impulsionadores

dos últimos tempos em relação à “Grande Noite do Fado”…que pronto…que as coisas

foram perdendo. Eu acho que este ano até nem vai haver a “Grande Noite do Fado”

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acho eu…eu acho que até devia de haver, faziam uma homenagem justa não é ao Zé La

Feria mas acho que a pouco e pouco foi perdendo…acho…isto é mesmo assim, os

tempos mudam…as coisas começam a mudar. Eu lembro-me da última noite de Fados,

a última “Grande Noite de Fados” que eu fui que já não era no Coliseu…aliás já não é

no Coliseu há bastantes anos, mas eu lembro-me de ter ido à Aula Magna a uma e estar

muito pouca gente na assistência…eu lembro-me de ir com os meus pais quando era

miúdo e o Coliseu estava esgotadíssimo e eram sete da manhã e ainda estavam a

descobrir quem é que tinha ganho e que estavam a dizer os resultados.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade acha que

esse reconhecimento trouxe algumas alterações ou impõe mais responsabilidade

por parte de quem canta, de quem compõe?

É assim…eu acho que o facto de ter sido considerado Património acima de tudo foi um

mais que justo atributo a uma canção de…que é uma canção do nosso povo e que é algo

que vem do sentimento e vem da terra e vem bairro, mas temos que ver que…isto é

muito graças também ao que os nossos antepassados já andaram a fazer lá fora, por

exemplo, em relação à Amália, a Amália foi uma pessoa que…foi a primeira pessoa a

levar o Fado além-fronteiras e acabou por ajudar muito a que isso agora esteja a

acontecer. Não só a Amália como muitos outros fadistas. Nós temos

andado…pronto…a fazer…a levar o nome do Fado mas é assim, o Fado para mim

continua a ser Fado, eu vejo isso como um estatuto e não como mais responsabilidade.

É assim…eu não tenho…no meu caso eu acho…eu não tenho mais responsabilidade, já

sou responsável por aquilo que eu faço, por aquilo que eu…pelo meu trabalho e por

mostrar o meu trabalho da melhor forma que eu conseguir, mas acho que é um pouco

“parabéns ao Fado” não é, é um estatuto que não é para todos não é…temos o tango,

temos o flamengo...

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Fadista M.R.

Gosta de Fado desde quando?

O cliché seria desde pequenino mas não. Eu gosto de Fado desde a altura em que

comecei a conhecer Fado e comecei a ouvir Fado, foi aos quinze anos, foi na altura em

vim do norte para Lisboa e quando cheguei a Lisboa fui uma vez, a primeira vez ao café

Luso, a uma Casa de Fados, nunca tinha…a única referência que eu tinha era…tinha

ouvido falar numa senhora chamada Amália Rodrigues que era muito conhecida, não

tinha qualquer tipo de referência. Comecei a gostar de Fado quando vim para Lisboa aos

quinze anos.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado, não?

Não. Comecei a partir dos quinze, vinte. Depois, aos dezasseis anos ganhei a “Grande

Noite do Fado” do Coliseu de Lisboa e então depois surgiu o convite para começar a ir

ao Luso cantar de vez em quando e pronto…e assim me comecei a introduzir nas

fadistices, digamos assim.

Já tinha pessoas ligadas ao Fado na sua família ou não?

Não, ligadas à música sim, o meu pai é músico. O meu pai toca acordéon, toca teclados,

canta muito bem também mas era outro estilo de música e eu dos oito até aos quinze

cantei com o meu pai lá em cima, no norte, músicas de arraiais, música popular, que é

um estilo de música que se encaixa e que se enquadra naquele ambiente.

Também toca viola, o que e que surgiu primeiro, o interesse pelo instrumento ou

por cantar?

Eu canto desde os oito anos, até aos quinze anos cantei como lhe disse com o meu pai,

depois quando vim para Lisboa ganhei a “Grande Noite do Fado”, continuei a cantar

mas a dada altura comecei a sentir que na Casa de Fado, o facto de cantar três Fados

agora e depois esperar que todo o elenco…cante cada um os seus três Fados, até chegar

outra vez a minha vez de cantar…havia ali um tempo muito grande, muito morto e

como a música sempre foi a minha grande paixão, muito grande e sempre quis…fui

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muito interessado e oiço muita música comecei a querer fazer algo nesse tempo morto e

então foi armar-me em atrevido, comprar uma viola e sentar-me ao lado de quem já lá

tocava na casa e começar a aprender a tocar e a partir daí…por isso, sensivelmente oito

anos, mais ou menos…que eu toco, oito, nove anos que eu toco viola.

Actualmente continua a cantar em Casas de Fado, só canta no Luso ou canta em

mais sítios?

Eu actualmente, mesmo actualmente…há coisa de uma semana atrás saí de estar

diariamente no café Luso e comecei na Adega Machado que esteve fechada durante

alguns anos, o Luso, os proprietários disso compraram a Adega Machado, restauraram a

casa toda e agora começou…abriu na semana passada, abriu novamente e eu estou a

fazer a gestão artística da casa. Trabalho que eu também já fazia anexado no Luso

também. Para além dos concertos e coisas assim.

Veste-se de forma diferente quando vai cantar ou tem algum ritual especial?

Visto-me de forma diferente, claro. Não quando com a mesma indumentária que estou

agora aqui neste momento mas…algum ritual…não, não tenho nenhum tipo de ritual, a

roupa que eu costumo utilizar é um bocado mais…não direi selecta mas um pouco

menos desportiva digamos assim…de fato, às vezes gravata, outras vezes sem gravata

mas…

Considera o Fado uma canção triste, alegre ou as duas coisas?

Considero Fado uma canção de sentimentos, que podem ser tristes e que também podem

ser alegres. Quando se retrata um homem das castanhas, quando se retrata a casa da

Mariquinhas…e ninguém pode dizer que isso não é Fado e não é triste…agora, não se

pode é desligar o Fado a uma música de sentimento. Eu costumo dizer que há três tipos

de música que são muito semelhantes, que é o Fado, o flamengo e o tango e uma das

grandes semelhanças é falarem de uma forma tão profunda sobre sentimentos, sendo

que quanto a mim as diferencia…eu quando ouço flamengo aquilo soa-me mais a

revolta, quando ouço tango penso mais…a paixão, e quando ouço Fado penso mais em

nostalgia e mais…sim, se calhar um sentimento um pouco mais nostálgico e triste mas

tem sentimento…tanto pode cantar sentimentos felizes como mais tristes.

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O que é que acha do Fado amador?

Eu acho que é uma das bases do Fado, até porque, já não querendo sequer entrar por

esse caminho…o Fado começa nos bairros e começa de uma forma amadora e disse

tudo isto que nós estamos a falar hoje em dia mas Casas de Fado amador e casas e Fado

profissional, eu acho que são dois espaços que eu acho que devem de ser mantidos e

devem ser renovados, para já porque o Fado amador facilita o acesso de pessoas que

sejam só apaixonadas pelo Fado e que não têm obrigação, porque não são profissionais,

não têm obrigação de cantar bem ou de tocar bem e faze-lo de uma forma profissional, e

facilita o acesso de uma pessoa que simplesmente é apaixonada por Fado, e eu acho isso

fantástico, as pessoas gostarem muito e quererem-se arriscar a cantar um Fado porque

são tão apaixonadas por ele e têm um espaço onde podem fazer isso. Depois é sem

dúvida uma outra vertente, que é…se há a vertente amadora vai dar importância

também à vertente profissional…a mesma coisa que…também se não houvesse branco

também o preto não tinha o mesmo significado. Portanto, se por um lado o Fado amador

facilita a entrada de pessoas que às vezes acabam por perceber que têm jeito e afinal de

contas andavam distraídas e querem é fazer uma carreira como fadistas e…podem

muitas vezes até daí chegar a uma Casa de Fado profissional e chegarem a ser

profissionais mas estiveram que passar…lá está, por esse processo das tertúlias de Fado,

de Fado amador…eu sou fã, aliás eu sou fã de qualquer pessoa só porque é apaixonada

pelo que quer se seja o tenta fazer, portanto…daí gostar mesmo e achar que deve ser

cultivado o espirito das Casas de Fado amador, sem duvida. Há é um espirito que eu não

compreendo muito bem que é o meio termo, que hoje em dia…como o Fado teve um

boom, há muitas pessoas que se aproveitam um pouco disso e há o meio termo que

é…quanto a mim as Casas de Fado pseudo-amador , pseudo-profissional…é o que o

turista lá chegar e dependendo do que o turista diz, é o que eles são, ou seja, se o turista

disser que quer uma casa com músicos profissionais, uma Casa de Fado profissional

todos eles são profissionais, se por ventura o turista disser que quer uma coisa very

typical eles são todos very typical e ninguém é profissional, são todos amadores.

Portanto, sou fã do amador, sou fã do profissional, do pseudo…não.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional ou não?

Eu acho que os profissionais fazem Fado amador às vezes, ou seja, nessas tertúlias de

Fado, nessas Casas de Fado amador aparecem dezenas de profissionais portanto claro

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que nós, profissionais queremos cultivar também isso. Às vezes não só…porque

olhamos se calhar às vezes de uma forma mais…não é demasiado mas olhamos de uma

forma muito profissional para o sítio, o espaço onde nós cantamos…numa Casa de Fado

profissional olhamos de uma forma muito mais séria e às vezes queremos um ambiente

um pouco mais descontraído para estarmos com os amigos, ouvirmos Fado de uma

forma mais descomprometida, mais…portanto, eu acho que os próprios profissionais

cultivam os amadores também.

O que é que acha do Museu do Fado?

Essencial, acho essencial tanto o trabalho que estão a fazer, como o trabalho que têm

vindo a fazer já há uns anos a esta parte. Sem o Museu do Fado nós não conseguiríamos

nunca estar como Património Imaterial da Humanidade…por exemplo. Não tínhamos

estrutura, não tínhamos arquivo, não tínhamos nada que conseguisse realmente

salvaguardar este património que tem sido salvaguardado pelo Museu do Fado, e não

falo só a nível físico…ter as coisas, mas falo a nível de história. O Museu do Fado tem

um espólio de uma história do Fado que provavelmente se não existisse…esta

salvaguarda deste património provavelmente não seria tão…por isso acho essencial, não

só para recordar tudo aquilo que é esta música que não é uma música muito

antiga...música com cento e tal, não tem duzentos anos sequer, terá cento e sessenta

anos talvez…e o que é certo é que sem o Museu do Fado não haveria forma de nós

reunirmos toda esta salvaguarda do património. Para além disso acho que, como

estrutura vai recebendo algumas coisas também importantes…alguns concertos, mostra

algumas coisas que só existem lá e que se faz especificamente para o Museu do Fado,

portanto o museu é muito importante em toda esta vertente…na salvaguarda, no

continuar, no mostrar, no apresentar, portanto é essencial.

Acha que o museu interage com as elas de alguma forma?

Em relação às Casas de Fado onde eu trabalhei eu acho que, aqui há um ano a esta parte

mais ou menos, eu noto que está a tentar haver uma interacção entre o museu e as Casas

de Fado, por exemplo, na semana passada como disse inaugurei a Adega Machado e

tive a doutora Sara, a Directora do Museu do Fado, tive o Presidente da Câmara,

portanto eu acho que no fundo há uma tentativa de começar…aliás, nós quando

recebemos o galardão do Fado a Património Imaterial da Humanidade tínhamos perfeita

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noção que tínhamos que fazer alguma coisa, não é “ok, agora temos aqui isto”…não,

eles conforme nos deram…a UNESCO também nos tira não é…se não perceber que é

feito um trabalho pós o galardão e se perceberem que não é feito um trabalho que

salvaguarde…eles tiram isso não é, e claro que se nota já um trabalho diferente e acho

que…há uma aproximação, sim…pelo menos agora…porquê, porque as Casas de Fado

são uma das salvaguardas deste património não é. Não são só os bairros típicos, ou a

igreja de Santo Estevão…não, as Casas de Fado também, têm uma história, passaram os

grandes desta música…portanto acho que sim, cada vez mais está a haver uma ligação

entre o museu e as casas.

Venceu a “Grande Noite do Fado” em 1999 não foi? Que importância é que acha

que esse evento tem para os fadistas mais jovens? Perdeu um pouco a sua aura?

Muito sinceramente…se na altura em que eu ganhei pouco tinha, ou nada hoje em dia

também não tem, aliás, hoje em dia…eu acho que há dois anos que não há “Noite de

Fado”. Não…pode ser que agora se façam as coisas de outra forma. Eu acho que

também foi um bocado ingrato digamos assim, eu não quero dizer que as “Grandes

Noites do Fado” deixaram de ser bem produzidas e que deixaram de se preocupar um

bocado com elas, mas é ingrato quando se está a tentar fazer um concurso num país em

que temos uma música com essa história e o próprio povo não dá importância a essa

música e era o que se passava aqui há uns anos atrás. O Fado estava praticamente

esquecido pelo grande publico, ninguém dava grande importância a esta música…logo,

um concurso com esta música à cabeça…o sucesso é assim um bocado subjectivo não

é…e lá está…quem tentou ainda durante estes anos manter a “Grande Noite do Fado”

foram os bairros típicos, a Mouraria, Alfama, Madragoa…foram esses bairros que ainda

conseguiram durante algum tempo suportar o haver uma “Noite de Fado” e haver um

concurso, grande concurso numa grande sala em Lisboa, mas a nível de visibilidade e

do que é que isso pode trazer para quem ganha…a mim trouxe-me o facto de eu ter

conhecido o guitarrista da “Grande Noite do Fado” que me quis apresentar aos donos da

Casa de Fado do Luso não é, e a mim trouxe-me…canalizando até aí trouxe-me

praticamente tudo porque foi a partir daí que eu comecei a cantar, agora…foi porque

eu…eu conheci uma pessoa, a pessoa gostou muito de me ouvir cantar e porque os

donos da casa também gostaram muito de me ouvir cantar…não por “epa, o vencedor

da “Grande Noite do Fado tem que ter uma casa já”…não, isso não, isso não acontece.

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Desde essa altura há ene vencedores que vão fazendo algumas coisas mas depois...

Efectivamente a nível de visibilidade e de projecção já em noventa e nove não era, não

era…não.

Agora que o Fado é considerado Património Imaterial da Humanidade, acha que

isso trouxe algumas alterações? Impõe mais responsabilidade?

Eu acho que se se fez muito trabalho até agora, agora ainda tem que se fazer mais ainda,

até porque como eu disse há pouco, isto é um prémio que se não for alimentado é

efémero, é uma coisa que eles nos tiram e acho efectivamente que principalmente os

portugueses…se o Fado a partir do momento em que entrou na world music através dos

nossos interpretes, a Mariza, a Cristina Branco, Mísia, Ana Moura e começou a entrar

nas grandes salas do mundo inteiro…acho que essa foi a principal grande rampa de

lançamento para que os portugueses dessem mais importância ao Fado. O sermos

Património Imaterial da Humanidade e sermos falados no mundo inteiro…eu acho que a

grande diferença foi na forma como os próprios portugueses olham para o Fado, acho

que…eu já há treze anos que canto no café Luso…agora na Adega Machado mas tenho

um feedback diário dos turistas e já noto de há uns anos a esta parte que…primeiro

havia muito turismo, e havia para tudo, para o bom, para o mau, para o óptimo, para o

péssimo, para o horroroso…havia publico para tudo, hoje em dia o turista é muito mais

informado e é muito mais selectivo em relação àquilo que quer portanto, já vai

escasseando um pouco o publico que há para umas Casas de Fado, que não sejam tão

serias na forma como olham para esta música e pela forma como recebem os turistas

não é. Agora…a mentalidade, depois de sermos Património Imaterial da Humanidade, a

mentalidade que mudou mesmo muito foi um bocado a nossa, mesmo em geral, ou seja,

das pessoas que ainda eram um pouco desconfiadas mesmo depois de tudo o que o Fado

já provou ser como música…ainda eram um pouco desconfiadas e isto veio trazer assim

um balão de oxigénio para essas pessoas, e as pessoas começaram a querer conhecer

mais e “espera aí, se isto realmente está-se a falar tanto e é a nível mundial e não sei

quê”…eu acho que isso é uma coisa típica portuguesa. Nós somos um bocadinho assim,

embora eu sou…eu sou provavelmente a pessoa mais portuguesa de todas porque eu

sofro com tudo o que é nosso, mas efectivamente eu acho que…se houver alguém de

fora que diga que “isto é um branco, mesmo branco e não nenhum branco igual”…nós

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já não vamos olhar para isto só como um branco, vamos olhar para isto já como um

branco que não é um branco igual.

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Fadista C.C.

Gosta de Fado desde quando?

Olhe…eu comecei a gostar de Fado muito, muito criança, porque eu ouvi Fado nuns

espaços que se chamavam verbenas e cantava-se à tarde, portanto os meus pais

levavam-me…portanto…não era à noite e comecei muito novinho, ainda criança, pré-

adolescente…comecei a ouvir cantar o Fado e a gostar. Depois na adolescência fiz o

percurso normal que o Freud explica que é…rejeitei…na adolescência rejeitei mas

depois recuperei.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado para além da célebre casa dos

seus pais?

Eu ia onde os meus pais me levavam não é? Às tais verbenas, tenho ideia de ir a uma ou

outra Casa de Fados criança e pronto…todo o fascínio que aquilo exercia sobre mim

não é…ver aqueles senhores muito velhinhos a tocarem e aquelas senhoras muito

velhinhas a cantarem, para mim era tudo velhinhos não é, eu era criança e realmente

exerciam sobre mim um grande fascínio e recordo-me de ir a algumas casas, antigas

portanto, casas que não existem actualmente e casas que deixaram de existir ainda na

década de sessenta…excepção feita ao Luso que ainda existe felizmente…mas era o

Retiro da Severa, e depois as tais verbenas. O que eram verbenas? Verbenas eram

espaços ao ar livre com caramanchão, cadeiras de esplanada, mesas e as pessoas bebiam

vinho tinto, comiam chouriço assado, conviviam e ouviam cantar o Fado mas com

muita devoção, com muito respeito.

Em que locais é que costumava cantar quando começou a cantar Fado?

Eu cantei uma ou duas vezes por brincadeira na Casa de Fados dos meus pais, eu não

cantava o Fado, não…eu comecei a cantar o Fado já homenzinho …depois fiz aquele

percurso como lhe disse há bocado…eu estive a estudar no estrangeiro…estive a estudar

lá fora e quando regressei eu vinha menino snobe…“nada é bom, e tal o Fado…isso é

uma coisa menor” e portanto eu tinha um distanciamento grande. Depois as

circunstâncias da vida empurraram-me para a direcção da Casa de Fados por morte do

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meu pai…a Casa de Fados da família e pronto…concentrei-me e comecei a ouvir muito

bem as pessoas e a interessar-me muito e um dia por brincadeira cantei um Fado num

grupo de amigos e fui muito bem recebido porque sendo a minha mãe uma enorme

fadista o comentário soou-me bem, porque o que os meus amigos disseram foi “pá,

cantas bem, não imitas a tua mãe”…isso para mim foi crucial não é, depois por

brincadeira gravei um Fado…foi por brincadeira…hoje chama-se banda mas na altura

chamava-se um grupo…grupo do Mário Simões…o “Fado Loucura” que foi

imediatamente um êxito popular.

Em que locais é que costumava…quando começou, a seguir a essa gravação?

Sempre na nossa Casa de Fados. Era ali que eu cantava e foi ali que timidamente

comecei a cantar, porque o meu repertório era curtíssimo, eu só sabia para ai três Fados

de core, de maneira que comecei pouco a pouco a prender repertório e foi aí que

comecei a cantar e cantava com alguma assiduidade embora não estivesse anunciado no

elenco porque a artista de referência era obviamente a minha mãe, era quem chamava o

público…de repente deu-se uma coisa muito engraçada…as pessoas começaram a

procurar-me…os mais novos…portanto, as pessoas que tinham vinte e tal anos,

começaram a ouvir Fado comigo e descobriam a minha mãe e portanto era muito

engraçado ver esta mistura de públicos, os mais velhos muito exigentes…tinham uma

paixão assolapada pela minha mãe e que me diziam “miúdo cantas muito bem mas não

chegas aos calcanhares da tua mãe” e eu ouvia isso com muito respeito e tal mas

habituaram-se a ouvir-me, e os mais novos firmaram-se e foi assim que eu penso que fui

ganhando um público que se alargou…meu contemporâneo naturalmente. Já não falo

das pessoas da geração da minha mãe que obviamente apareceram bastante antes mas

ainda há algumas vivas que me falam com muita ternura quando se cruzam comigo…a

minha geração e curiosamente, o que eu tenho notado depois ao longo dos anos é que

grande parte passou para os filhos e até para os netos. Eu tenho abordagens depois dos

concertos…tenho abordagens no meu camarim muito interessantes, de três gerações e é

interessantíssimo, ouvi-los e tentar perceber este caminho.

Quando vai cantar têm algum ritual especial? Veste-se de forma diferente?

Tenho o hábito de me vestir de fato e gravata, gosto de me vestir bem em cima do palco

porque aprendi com os velhos fadistas que conheci jovem, que eram pessoas que tinham

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outras profissões e chegavam a casa ao fim do dia, iam tomar o seu duche e vestiam-se

muito bem, de fato e gravata e à noite iam cantar o Fado…iam cantar o Fado

profissionalmente e esse dinheiro dava-lhes muito jeito para juntar ao dinheiro que já

tinham ganho durante o dia no seu trabalho…dava-lhes uma vida um pouco melhor e o

fato e a gravata ficam para mim como um símbolo do fadista que respeitava o público e

se vestia assim, porque achava que se devia vestir assim. Eu faço isso…tenho esse

hábito desde sempre, gosto de estar em cima do palco com um fato e uma gravata e

gosto de estar bem. O ritual que tenho desde sempre…eu sou crente embora não seja

nenhuma pessoa que seja particularmente ligada à igreja mas sou crente…tenho o hábito

há muitos anos de me benzer antes de entrar no palco…faço-o sempre…pode parecer

uma coisa quase instintiva mas é uma forma de pedir protecção porque eu vou trabalhar

sem rede não é.

Existem expressões ou palavras próprias do mundo fadistas?

Acho que sim…existem…há expressões…há muitas expressões fadistas. Eu tenho que

lhe confessar que há até o calão fadistas, não é que esteja armado em snobe que não

sou…há até um calão fadista que eu infelizmente não conheço…mas há até um calão

fadista…mas há expressões de Fado muito nossas. Nós por exemplo…nós não tratamos

os títulos dos Fados como o público, o público conhece pelo texto e nos tratamos pelo

nome da música que normalmente leva o nome do autor, então a gente pede a um

guitarrista que quer cantar o Fado tal, diz o nome do autor e não diz…eu não digo “por

morrer uma andorinha”, digo o “Vianinha” que é o Fado do Francisco Viana. Eu não

digo dá-me “duas lágrimas de orvalho” não…Pedro Rodrigues compreende e esse é

uma espécie de código.

Acha que a cor negra é uma cor muito utilizada hoje em dia? E o xaile também?

Bom, ela marcou…marcou muito tempo o Fado, estamos a falar de

mulheres…particularmente não é? Eu acho que mais que nos homens…eu acho que

marcou e a isso não deve ser alheio que a expressão que mais vulto ganhou no Fado,

que foi a Amália através dos seus vestidos negros…deixou uma marca profunda…eram

vestidos muito bonitos, muito bem desenhados por uma senhora que ainda é viva

chamada Teresa Mimoso, uma excelente…excelente modista, hoje chama-se estilista

não é? E o que acontece é que isso deixou marcas e portanto as outras mulheres também

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optaram pelo negro…tenho impressão que é um bocado por aí. Sente-se na nova

geração de mulheres que estão um pouco mais libertas disto, não se obrigam a esse

ritual dessa forma. Algumas delas vestem-se muito bem…muito bem como os estilistas

também que as vestem, e sendo bonitas, algumas delas também como são…mulheres

bonitas e bem vestidas torna-se…torna-se muito vistoso, razão porque elas lá fora fazem

êxito…por vezes mais êxito que os homens. Os homens estão ali com a sua

simplicidade de roupa e tal e elas então tornam-se mais vistosas, mas há uma certa

diferença. Vejo mulheres vestidas de verde, de amarelo, outras de azul, etc…não me

choca nada, há umas que gostam de usar xaile, outras não gostam…eu confesso que

isso…quando se é democrata que é uma coisa que dá muito trabalho e é uma coisa que é

uma pratica de todos os dias…nós aceitamos bem estas coisas…estas diferenças. Eu

obviamente estou a falar em diferenças não estou a falar em provocações. Quando são

coisas para chamar à atenção, eu confesso…isso…não que seja bota-de-elástico porque

não sou, mas se é para chamar à atenção não, agora se é uma coisa que a pessoa sente e

diz “eu tenho esta idade, sou deste tempo, quero vestir assim”…perfeito…perfeito.

Considera o Fado uma canção triste ou alegre? Ou as duas coisas?

As duas coisas porque ela pode ser…olhe eu digo-lhe isto de uma forma muito sintética

e já tenho dito isso a muita gente e vou-lhe dizer a si também…vou-me repetir pela

enésima vez…o Fado é como a caça, depende do atirador.

Que papel desempenhou na candidatura do Fado a Património Imaterial da

Humanidade?

Fui umas das pessoas empenhadas na candidatura. Formamos um grupo de trabalho e eu

estava lá…estivemos lá quase seis anos e fizemos aquilo com muito empenho, muita

dedicação, muito desejo, muita vontade e foi tão bom ser reconhecido porque assim que

a UNESCO consultou a apresentação do nosso projecto disse-o publicamente que o

considerou exemplar…estava ali muito esforço, muita entrega, muita competência da

parte académica e muita dedicação de todos nós porque estivemos envolvidos…muita

dedicação.

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Acha que esse reconhecimento produziu alguma alteração neste meio?

Dê tempo ao tempo…isto foi em Novembro e estamos em Maio, as coisas vão vir…vão

vir naturalmente. Não se esqueça que isto vai ter efeitos curriculares seguramente. Eu

acredito que o Fado entrará…entrará nas escolas…eu recordo-me que durante o período

de trabalho da pré-apresentação da candidatura eu fui a Paris a duas escolas falar às

crianças, uma escola era de adolescentes e outra já eram gente pré-adulta…dois liceus

diferentes. Um era genuinamente francês e o outro sendo genuinamente francês que era

o Voltaire tinha uma faceta muito curiosa…as crianças não sendo filhas de portugueses

estavam a aprender português também, ou seja, uma das disciplinas que tinham era

português e devo-lhe dizer que foi uma coisa encantadora…encantadora, falar com

aquelas crianças cinquenta minutos…que é o tempo que aguentam…de concentração e

depois no final…uma surpresa que me comoveu imenso num dos liceus, foi justamente

no Voltaire, uma menina com um papel na mão e começou a cantar para mim à capela

“Lisboa menina e moça”…eu achei uma coisa comovente. Portanto eu creio que, como

os espanhóis fizeram com o flamengo e fazem com a sua cultura e a sua música, isto

naturalmente entrará nas escolas, aprende-se. Não vai querer dizer que as pessoas todas

vão cantar o Fado, vai querer dizer é que vão aprender a ouvir o Fado e a conhecer,

porque já deve ter reparado nos seus trabalhos e nas suas consultas que se sair do meio

fadista e se falar no meio da rua entre anónimos a maior parte das pessoas não percebe

nada de Fado…respondem invariavelmente “gosto de ouvir esta ou ouvir este ou ouvir

aquele” mas quando você pergunta “mas percebe de Fado?”…“à…não…eu de Fado não

percebo nada”…ora isto faz pouco sentido não é?

Acha que esse reconhecimento impõe de alguma forma mais responsabilidade por

parte dos músicos, dos letristas?

Seguramente…todos nós. Eu acho que todo o universo do Fado se interpretou bem esta

candidatura e o seu reconhecimento deverá com certeza ter reflectido sobre isso e hoje

ninguém se pode dar ao luxo, penso eu…de fazer isto de uma forma medíocre e pouco

respeitosa pelo interlocutor que é o público. Pensando por exemplo em gente estrangeira

que vêm a Portugal. Se nós vamos lá fora fazer concertos e as pessoas se habituam a

ouvir-nos nos palcos e a gostar tanto não é justo que cheguem a Lisboa e que não oiçam

em boas condições as pessoas que vêm ouvir, portanto entrando numa Casa de Fados,

pelo mais simples que seja…pode ser uma Casa de Fado simples, que não é uma Casa

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de Fados dita comercial mas pelo menos…o que se pretende minimamente é o que o

guitarrista e o violista tenham os instrumentos afinados, que toquem de uma forma

escorreita e que as pessoas que cantam…quem é amador e está a cantar solto…tudo

bem…não tem responsabilidades mas quem já tem um pouquinho mais de

responsabilidade tem que saber o que está a fazer porque…porque é uma imagem de

marca. Nas Casas de Fado profissionais isso então, acho que deve ser referência, deve-

se tocar bem e cantar bem porque as pessoas já…as pessoas já não vêm para uma

novidade…já foi tempo, agora não…agora vêm ouvir qualquer coisa que já ouviram nas

suas terras…“bom, já que estamos em Lisboa vamos ouvir o Fado que é a canção de

Lisboa” e depois vão visitar o museu que é uma coisa que também não têm em mais

parte nenhuma do mundo…que eu acho maravilhoso.

O que é que acha do Fado amador?

Acho piada. Eu fui amador também durante algum tempo…isso é a nossa chamada fase

de aprendizagem…de perder a vergonha, de ganhar descaramento não é e depois chegar

a uma altura, se quer, ser profissional. Já fiz essa travessia…é uma travessia simpática.

Acha que o Fado amador é um pouco discriminado por ser amador?

Não…não sinto isso…acha? Não sinto nada isso. Já me aconteceu…de vez em quando

amigos meus metem-me em tascas, portanto…as tais farras, não sei quê e lá vou eu

ouvir gente que nunca ouvi, gente nova, gente mais velha e oiço cantar muito bem

com…como se diz agora…com muita pinta…acho graça. Divirto-me imenso e gosto de

ouvir e tenho respeito, não…não…discriminar?…logo a palavra em si já é feia não é,

mas discriminar porquê…porquê? Isto é assim…quem não gosta não vai.

Qual é que é a sua relação com o Museu do Fado?

É de absoluta devoção. Eu tenho pela Dra. Sara Pereira e por toda a sua equipa uma

imensa gratidão…imensa gratidão porque o Museu do Fado transformou-se na nossa

casa, é a casa dos fadistas…aquilo não é uma casa morta, é uma casa viva…está sempre

em movimento, estão sempre a acontecer coisas…ali é um espaço onde o fadista pode

apresentar o seu disco, pode ensaiar, pode fazer uma palestra…é um espaço vivo e há

uma dedicação por parte da Dra. Sara Pereira e da sua equipa, uma dedicação tão forte,

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tão forte que eu diria que nós fadistas tivemos muita sorte, muita sorte…aquele museu é

o símbolo da dedicação.

Mas colabora com o museu de alguma forma?

Tudo o que me é solicitado. Nunca me solicitaram para varrer o chão…têm lá as

senhoras da limpeza mas se um dia também me chamarem não me faz diferença

nenhuma, também vou…tudo o que me chamam, que achem que eu posso ser útil eu

estou sempre disponível…toda a equipa sabe isso.

Acha que o Fado amador que se faz hoje em dia se encontra representado no

museu de alguma forma?

Isso terá que perguntar à equipa.

Pois…as perguntas que eu tenho são mais relacionadas com o próprio museu mas

por acaso das pessoas que eu entrevistei, dos donos, etc. o que eu sinto é que muitos

deles acham que o museu não interage…mais com as Casas de Fado, a maior parte

deles me diz isso, e têm todos eles pena porque gostavam também de poder lá ir

cantar e etc. A maior parte, pelo menos nos sítios onde eu estive…tenho andado

mais pelo Fado amador, mas há pessoas que sentem que devia haver uma ligação

mais estreita entre o museu e as casas.

Mas está-se a referir às Casas de Fado profissionais ou amador? Mas sabe uma

coisa…repare…eu não tenho procuração para estar a defender o museu, nem a direcção

do museu mas a questão é esta…eu vou-lhe fazer uma pequena narrativa que talvez lhe

explique e lhe faça luz em relação ao que me está a dizer fazendo um historial. Quando

o Museu do Fado começou os fadistas odiaram…odiaram…disseram “que horror, um

museu…então agora são os doutores que vão mandar nisto e nós já não temos nada a

ver com este assunto”…isto foi o espirito com que o museu foi recebido…uma grande

hostilidade pela maior parte…não estou a dizer por toda a gente. Foi um trabalho de

formiga…de formiguinha e cada um jogando com a sua zona de influência. Eu recordo-

me de ter falado em público várias vezes e de ter dito…o espólio da minha mãe…de

Fado…entreguei-o todo no Museu do Fado e quando eu disse isto publicamente pouco a

pouco começaram a chegar espólios de outros fadistas porque as pessoas tinham muita

desconfiança…não sabiam…“mas o que é isto?” Ora tê-los em casa não servia para

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nada mas tê-los no museu faz todo o sentido…isto é…portanto…só para ver a

abordagem inicial. Depois a proximidade, e a Directora foi uma pessoa que teve que

pacientemente ir conhecendo as pessoas, aproximando-as e fazendo-as sentir donas do

espaço…mas acontece o seguinte…as pessoas que estão no Museu do Fado trabalham

muitas horas por dia…eu sei de dias em que as pessoas entram de manhã e saem às dez

da noite…veja a dedicação. Ora isto quer dizer que…como dizem os alentejanos que

quer bolota trepa. As pessoas do Fado amador e das Casas de Fado profissionais devem

ir ao museu, devem falar com as pessoas que lá estão e devem expor as suas ideias

porque eu estou cem por cento seguro…e repare que eu não lhe digo noventa e nove por

cento…isto até é um bocado absurdo e as pessoas dizem “mas ninguém está seguro de

nada”…não…eu sei…estou a falar de pessoas de bem…sei quem são as pessoas…estou

cem por cento seguro que vão ser bem recebidas e ouvidas as ideias, agora, não peçam

com certeza ao Museu do Fado que ande a visitar todas as casas, todas as noites, todos

os dias, a toda a hora porque as pessoas têm muito trabalho dentro do Museu do

Fado…não sei se isto esclarece de certa forma…ou seja…eu há bocadinho contei-lhe

uma das formas que encontrei ao princípio de ser útil…comecei a falar muito do museu

nas entrevistas que dava, comecei a dizer que tinha dado o espólio da minha mãe,

comecei a dizer que achava bem…que nós fadistas devíamos dar um impulso, que

devíamos de ajudar, que devíamos ter ali uma guitarra do Armandinho, que devíamos

ter ali o xaile de uma grande fadista…eu dei os xailes da minha mãe…um ou dois.

Entreguei-os…estão lá…e as pessoas começaram a não desconfiar e à medida que

foram conhecendo a Dra. Sara Pereira e toda a equipa de mulheres que lá trabalha foram

ganhando confiança. Hoje há pessoas que vão lá puramente para estar, para visitar, para

conviver.

Ainda tenho aqui mais uma pergunta que lhe posso fazer. O que é que pensa das

“Grandes Noites do Fado”? Acha que ainda tem tanta importância como tinha

antigamente?

Pois…eu não acho que tenham a mesma importância mas vou-lhe talvez dizer

porquê…não é só pela mudança da vida, a vida mudou, é um facto e portanto as coisas

não são…não podem, por mais que se queira não podem durar sempre sabe…é uma

coisa engraçada…nós quando vamos para mais velhos temos tendências conservadoras

em muitas coisas e faz-nos pena quando vemos partir…por exemplo agora com a

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profunda crise que vivemos…faz-nos pena ver fechar casas que, centenárias…uma

ourivesaria extraordinária que havia no Chiado que era em si própria uma obra de

arte…faz-nos pena porque é um pouco a nossa alma que está ali, um pouco a nossa

memória. Nisso os franceses são fantásticos, têm um cuidado de preservar…os italianos

agora em crise…estes últimos anos do Berlusconi foram fatais para a cultura italiana

mas vão ter que de novo dar um impulso…também têm esse sentido, os espanhóis

muito também e eu acho que é preciso a gente não perder isso de vista, ou seja, a

mudança…a mudança da vida trás consigo todas as outras mudanças e a sua pergunta

que era?

Têm a ver com as “Grandes Noites do Fado”.

As “Grandes Noites do Fado”…eu lembro-me da “Grande Noite do Fado” ser uma festa

louca, completamente louca que começava se não me engano às nove horas da noite e

que chegava a acabar às dez da manhã. As pessoas levavam farnel, garrafões de vinho,

dos vários bairros, as claques eram uma coisa muito aguerrida por vezes quase com,

com briga não é…era a grande festa dos bairros de Lisboa dentro do Coliseu dos

Recreios e o povo comparecia, e se durante anos e anos funcionou era a Casa da

Imprensa que organizava e depois houve um determinado ano…não me pergunte qual

que eu não me lembro com rigor…em que arranjaram um grande patrocinador, se não

me engano era um banco…Montepio se não me engano…e ao fazerem-no…vamos

dizer que criaram algum desafogo financeiro porque a receita revertia sempre para a

Casa da Imprensa, para a casa dos jornalistas, mas a festa começou a morrer aos

bocados e porquê? Porque normalmente um patrocinador seja do que for…eu vou-lhe

chamar a atenção para isto e veja se confirma com os seus olhos o que eu lhe vou

dizer…já reparou quando vai assistir a um concerto que há sempre umas quantas

cadeiras que estão vazias? Não são às vezes entidades oficiais, são lugares que foram

destinados aos patrocinadores, às pessoas que deram algum dinheiro para que aquilo

acontecesse e essas pessoas não comparecem…conclusão…o público fica à porta. Não

compra bilhete porque não tem e aquelas cadeiras ficam vazias. Aconteceu-me no outro

dia…cantei em Ílhavo, no Centro Cultural em Ílhavo e havia doze lugares vagos e havia

pessoas à porta que queriam comprar bilhetes, é óbvio que eu não podia dizer ao

director “olhe venda os bilhetes” porque isto não é assim, mas é desagradável. Então o

que começou a acontecer foi que com o patrocínio do Montepio, se não me engano,

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metade do Coliseu ficou vazio e a festa perdeu logo o calor…repare a diferença que vai

entre um Coliseu em euforia e um Coliseu meio cheio ou meio vazio…como quiser…e

foi aí que tudo começou, ano após ano a perder o elã.

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Anexo 6 – Transcrição das entrevistas realizadas a músicos

Músico C.

Gosta de Fado desde quando?

Fado…desde os meus vinte e dois, vinte e três, até talvez mais um bocadinho. Não

gostava de Fado quando era miúdo…vinte e cinco para aí.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

A primeira vez que fui a uma Casa de Fado foi quando vim para a faculdade e odiei

aquilo que vi, nem pude com o que vi, só que depois…pronto.

Quando é que se interessou pela Guitarra portuguesa?

Como lhe disse, interessei-me pela guitarra portuguesa por causa do som que o senhor

Paredes tirava, o senhor Carlos Paredes…um génio não é? e então isso é que me levou

para a guitarra portuguesa, não propriamente para o Fado, era para a guitarra

portuguesa, então, aí pelos dezoito, na altura das guitarras eléctricas, das violas como

nós lhes chamamos cá em Portugal…são guitarras não é.

Acha que houve uma evolução na forma de tocar ao nível da técnica?

Houve, houve evolução. É assim, a guitarra portuguesa teve um grande génio em

princípios do século passado, que se chamou Armandinho. Esse jovem deu um grande

salto à guitarra portuguesa…estamos a falar em termos de Lisboa…deu um grande salto

na guitarra, a tocar, deu…depois, ainda hoje a maior parte dos guitarristas andam a

beber…vamos lá ver, depois houve uma série de guitarristas a seguir que…digamos que

seguiram a escola dele…o Carvalhinho que era guitarrista, o Jaime Santos, o Zé Nunes,

e mais uns quantos. Hoje em dia anda tudo um bocado a viver…mas quer dizer, foi um

grande salto que ele deu…não há dúvida nenhuma.

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Em que locais é que costuma tocar?

Olhe…Casas de Fado e a acompanhar artistas não é, aliás eu durante muitos anos

também fiz muito isso, acompanhei a Cidália Moreira, o Farinha, o Rodrigo e outra

gente e portanto, embora estando nas Casas de Fado saíamos com eles e…a Cidália

chegou a ter cento e cinquenta espectáculos num ano…é obra.

O que é que acha do Fado amador?

Eu não tenho nada contra o Fado amador, o Fado amador é…se é…isso já é uma

conversa muito complicada…levava muito tempo, mas é assim, em termos muito

simples…o Fado amador já se está a sobrepor às pessoas que deveriam ser

profissionais…em todas as profissões tem que haver profissionais. Hoje anda aí uma

doença…eu chamo-lhe isso…não tenho nada contra os amadores mas acho que os

amadores deviam ter os sítios próprios mas noventa porcento não têm a mínima

consciência do que andam a fazer…desde que digam “ah, eu canto muito bem” e então

querem-se meter em todo o lado e depois há gente sem escrúpulos que os mete porque

assim evitam pagar os ordenados aos profissionais. Há profissionais em casa e amadores

a cantar aqui e ali. Portanto aí já sou contra…não tenho nada contra o Fado amador, eu

próprio fui amador durante muitos anos e pagava para tocar, isso é uma coisa, acho

muito bem e é giro…faz parte da nossa cultura…agora outra coisa é os amadores…quer

dizer…o que eles estão a fazer é mais ou menos isto, e temo porque que qualquer dia os

portugueses tenham a mania que são arquitectos, engenheiros ou médicos…nós

entramos num hospital ou não sei quê e temos lá um gajo a dizer “eu gosto muito de

medicina e quero fazer esta operação”…está a ver a ideia e os médicos ficam em

casa…está a ver o que eu quero dizer, dir-se-ia “ah, isto não é tão grave assim porque

não brincam com a saúde”, mas brincam com a cultura, e as pessoas…isto às tantas não

pode evoluir, aliás, está a andar para trás, está a regredir não está a evoluir,

contrariamente ao que podia ser não é, mas assim está a regredir completamente. Há aí

gente a cantar tão mal, tão mal mas pronto lá nos seus sítios estava tudo certo…metem-

se em tudo como piolho em costura.

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Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional ou não?

Não. Vamos lá ver…há amadores que são pessoas que nós gostamos todos porque

cantam bem e não sei quê mas noventa por cento deles não cantam um pio…não deviam

abrir a boca. Isto é assim, para ser…eu sou beirão e sempre fui muito directo.

Já foi ao Museu do Fado?

Não…fui. Entrei lá uma vez mas foi para tocar.

Não visitou mesmo o museu?

Não visitei nada, eu nem sequer mandei para lá o meu currículo…nunca

pediram…nunca mandei…eu não ligo muito a isso.

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Músico S.P.

Gosta de Fado desde quando?

Olha, gosto de Fado praticamente desde que nasci porque o meu primeiro género

musical com que tive contacto foi mesmo com o Fado. Sou alentejano, vivia numa

terrinha próxima de Santiago do Cacém, de maneira que o meu pai sempre gostou muito

de Fado…em casa sempre me habituaram a ouvir Fado e de maneira que o Fado é a

minha primeira música, depois é que…mais tarde enquanto estudante descobri as outras

músicas…o rock, etc…mas depois o bom filho à casa torna e regressei às origens.

Quando era pequeno costumava ir a Casas de Fado?

Não, não costumava ir a Casas de Fado até porque, como eu acabei de dizer, vivia no

Alentejo, muito longe do meio fadista digamos assim…das Casas de Fado, dos sítios em

que havia Fados regularmente mas sou de uma terra ou de um concelho que tem uma

fortíssima tradição de guitarristas de Fado, de maneira que…nomeadamente o mestre

António Chainho é ali de uma aldeia muito próxima da minha…o mestre António

Parreira também, a mesma coisa. Guitarristas reputadíssimos e conhecidíssimos a nível

nacional, e o meu pai, como eu disse…a minha família sempre gostou muito de Fado e

eram todos muito amigos entre eles porque era tudo gente basicamente da mesma

geração, de maneira que eu tinha, recordo-me que tinha os meus dez anos, nove, oito,

nove, dez anos, por aí e quando o mestre António Chainho veio tocar para Lisboa

enquanto profissional, já como guitarrista profissional ainda estava muito apegado à

terra e todos os diazinhos que tinha livre ia visitar os pais à terra…São Francisco da

Serra e quando ele chegava aquilo era uma festa, toda a gente ali na aldeia e naquelas

aldeias muito próximas sabia que “o António Chainho está cá hoje, vai haver Fados e

tal”, de maneira que tudo aquilo se mobilizava para ir aos Fados e o meu pai era um

deles, claro. O meu pai também tinha na altura…também tinha um restaurante, não se

chamava um restaurante, era uma taberna no fundo não é, e casa de comidas e as

notícias chegavam muito facilmente porque é um meio privilegiado de chegar as

noticias e então ele sabia “está cá hoje o António Chainho, vamos ouvir os Fados” e

então levava-me…lá me levava aos Fados. Digamos que nunca...nunca…só conheci as

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Casas de Fados no sentido profissional ou tradicional…a Casa de Fados já enquanto

guitarrista porque vim tocar para Lisboa depois…mais tarde, mas nunca tinha tido

contacto, não era frequentador de Casas de Fados, nem pouco mais ou menos, nem

sabia que elas existiam nessa altura.

Acha que houve alguma evolução na forma de tocar desde essa altura? Ao nível da

técnica?

Sim, sim, houve uma enorme evolução porque eu ainda aprendi a tocar…referes-

te…portanto…no sentido da guitarra portuguesa enquanto instrumento…eu ainda

aprendi a tocar de ouvido e a tocar um bocadinho…é assim…sendo ensinado por todas

as pessoas que sabiam tocar um bocadinho. Como eu te disse o meu pai tinha um

restaurante, uma tasca e era um meio privilegiado nesse sentido, porque sabendo que há

uma guitarra na tasca, apareciam pessoas, uns tocavam mais, outros tocavam menos,

mas davam uns toques e tal e eu enquanto miúdo, aquilo facilmente se aprende e eu

gostava, realmente gostava do instrumento da guitarra e então ia aprendendo um

bocadinho com um, um bocadinho com outro e foi, no fundo a minha aprendizagem

enquanto guitarrista, basicamente passou muito por aí, depois mais tarde, já cá no

Montijo…quando vim estudar para Lisboa…então no Montijo havia aqui uma

fortíssima tradição de Fado que infelizmente se perdeu ou grande parte dela se perdeu,

mas, aqui no Montijo…Alcochete, toda esta zona ribeirinha tinha uma fortíssima...eu

recordo-me, enquanto miúdo, tinha para aí os meus doze, treze anos e o Fado cultivava-

se aqui com uma paixão enorme, de maneira que havia muita gente a tocar e a cantar,

recordo-me de uma série de nomes, mas…entre os quais havia um senhor que era o Ti

António Caramelo que tocava viola e que o meu pai, que era quase vizinho…ali de onde

nós vivíamos…aqui num bairro que era o Afonsoeiro…aqui à entrada do Montijo e o

meu pai continuava no negocio de…enfim…das casas de comida, de restaurantes, das

tabernas e nessa altura portanto, conhecemos então esse, o Ti António Caramelo que

tocava viola e acompanhava os fadistas aqui na área não é, e o meu pai criou amizade

com o Ti António Caramelo porque ele ia muitas vezes lá também tomar um copinho,

beber uns cafés, etc. e então “à, o meu miúdo gosta de tocar guitarra pá, como é que a

gente vai fazer para ele aprender?”…“à, ele que venha comigo” e o Ti António

Caramelo tinha uma loja, uma mercearia e então o meu pai enfiava-me lá na mercearia

do Ti António Caramelo uma vez ou duas por semana, depois da escola e eu levava ali

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ensinamentos de duas, três horas com o Ti António Caramelo a tocar. Curiosamente ele

não sabia tocar guitarra mas tocava bem viola e conhecia os Fados todos e sabia como é

que se fazia os acordes na guitarra e então explicava-me “olha pá, pões os dedos aqui e

acolá e não sei quantos” e começava a tocar comigo…obrigava-me a tocar, ele a tocar

viola e eu a tocar guitarra e pronto e foi aí…no fundo a minha base. Ainda recordo,

ainda hoje toco alguns Fados da mesma forma que ele nos ensinou a

tocar…enfim…agora já um bocado mais evoluído, muito mais melhorado mas na sua

essência básica exactamente como ele nos ensinou a tocar…portanto hoje em dia existe

uma grande evolução, porque hoje em dia, esta nova geração de músicos fabulosos…há

aí miúdos a tocar tão bem, tão bem, já com formação de conservatório, com uma base

forte em termos de formação musical e isso só trás uma mais-valia para o Fado e

evidentemente é um processo evolutivo muito bom.

Em que sítios é que costuma tocar hoje, assim regularmente?

Assim regularmente…hoje o meu habitat natural é Lisboa que no fundo é capital do

Fado não é, toco em Alfama regularmente num restaurante que são As Guitarras de

Lisboa, ali próximo do Museu do Fado. Agora também, recentemente abracei um

projecto no Cais do Sodré num local que se chama O Povo MusicBox em que o

conceito é muito mais modernista, um bocado mais alternativo…também revelar novos

talentos, juventude, gente nova, rapazes dos dezassete, dezoito, dezanove anos, gente

que nunca gravou mas tem condições para isso e tem qualidade, portanto é um projecto

aliciante e eu estou empenhado nisso basicamente…e depois pronto…faço os meus

discos, faço os meus espectáculos.

E em Alcochete não é?

Em Alcochete…é verdade…esqueci-me de referir que também toco regularmente em

Alcochete no Senhor Fado que já é uma casa de referência, mesmo em Lisboa já se

respeita muito o Senhor Fado de Alcochete porque é uma casa que normalmente faz

questão de…além de tentar divulgar o Fado aqui na margem sul e criar essa chama,

como eu te disse há pouco…recordo-me que enquanto miúdo, Alcochete, Montijo e

estas terras aqui da margem sul tinham uma fortíssima tradição de Fado mas as coisas

foram morrendo, não sei porquê mas a verdade é que se perdeu um pouco essa tradição

e Alcochete, como sendo o Senhor Fado e digamos que sobre a batuta e direcção do

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Jaime, que é o dono da casa, tentou reabilitar novamente essa chama que Alcochete

sempre teve ligada ao mundo do Fado, à afición pelo Fado, à afición pela festa dos

toiros…enfim as coisas estão sempre um pouco ligadas, pelo menos aqui nesta zona

mais Ribatejana.

O Fado Marialva.

Exactamente, deste Fado mais…também marialva…enfim…portanto tem sido um

bocado por aí e ele tem feito esse esforço no sentido de tentar trazer sempre as grandes

vozes do Fado. Todas as sextas feiras procuramos que uma voz destas mais emergentes,

umas já consagradas, outras digamos que…revelações…temos trazido sempre gente

nova e gente consagrada mas de qualquer das maneiras, gente sempre com altíssima

qualidade.

Desde que começou a tocar acha que o ambiente das Casas de Fado mudou muito?

Está mais ou menos na mesma?

Digamos que as Casas de Fado têm…têm um objectivo que é nobre porque no fundo

têm sido as Casas de Fados que têm ao longo destes anos todos aguentado o Fado,

divulgado o Fado, até porque numa fase menos boa que o Fado teve…digamos que aqui

na década de setenta, oitenta eram as Casas de Fado…era o bastião que no fundo…no

fundo acabava por manter aquela chama que o Fado precisava de ter porque senão

acabava quase por ter desaparecido, portanto esse…esse espirito nobre acho que é, é

salutar e é de enaltecer, agora, em relação às mudanças das Casas de Fado, daquilo que

eu conheci, ou pelo menos participei…comecei a tocar para aí nos anos…talvez…penso

que nos anos oitenta, por aí. O primeiro contacto que eu tive com as Casas de Fados,

modificou-se um bocado no sentido de horário, no sentido profissional porque eu

recorda-me que na primeira vez, eu fui tocar numa Casa de Fados em Lisboa…a minha

primeira experiência foi em Alfama, mesmo onde hoje é o Museu do Fado, ali há o

Largo do Chafariz de Dentro e havia aí uma série de Casas de Fado como ainda existem

algumas, eu fui tocar…estrei-me numa casa que era o Poeta, mesmo em frente à

Taverna d´El Rey, ao lado também de uma mítica casa da dona Argentina Santos, a

Parreirinha de Alfama…enfim, casa já com décadas de existência e estrei-me aí nessa

casa a tocar e recordo-me que era muito rara a noite em que não saiamos de lá às quatro,

cinco da manhã e que às vezes estávamos até à uma da manhã sem haver um único

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cliente e de repente começava a chegar clientes a partir da uma da manhã e nós

tínhamos que cumprir o nosso trabalho no fundo que era de comunicar para as pessoas,

tocar para as pessoas que tinham chegado aquela hora…até para o empresário da

casa…neste caso era uma empresaria, puder chegar ao final da noite e nos pagar,

portanto o horário não era até às duas. Hoje em dia era muito fino porque hoje em dia

nesse aspecto as coisas estão facilitadas…digamos que as Casas de Fado, o horário

normal de funcionamento vai até às duas da manhã no máximo e pronto e as pessoas na

grande maioria dos casos e porque o Fado vive muito essencialmente…estas casas

vivem muito essencialmente do turismo, os turistas chegam, jantam e digamos que à

meia-noite e meia, meia-noite, por aí, já estão despachados e começam a sair e

eventualmente ficará mais uma mesa ou outra, enfim, um pouco mais retardatários mas

nunca vai além da uma, uma e pouco…normalmente a essa hora estamos despachados.

Como eu te disse, nessa década de oitenta, na altura em que eu me estreei e enfim, ainda

privei, ainda conheci muitos fadistas antigos, que nessa altura o turismo não era tão

grande embora as casas continuassem e já havia muita gente a trabalhar no turismo mas

era…funcionava muito com os clientes portugueses e então ainda não havia o problema

de soprar no balão não é, as pessoas podiam beber até às tantas. Não se preocupavam

muito com isso e entretanto chegavam lá às vezes já à uma da manhã, uma e meia e

então iam cear e depois nós tínhamos que estar ali até…enquanto desse pronto…saímos

às quatro, saímos às quatro e meia, saímos às cinco, era assim.

O que é que acha do Fado amador?

Eu acho que o Fado amador é essencial, o Fado amador é aquilo que mantem a chama

viva do Fado. Existem centenas ou milhares de pessoas que cantam o Fado por paixão,

enquanto Fado amador percorrem quilómetros e quilómetros, vão aos sítios, gastam

dinheiro para ir cantar, para lhes darem oportunidade de cantar um fadinho ou

outro…essa gente…eu tenho um enorme respeito por eles porque são eles que mantém

exactamente esta chama viva, esta paixão porque depois desses amadores, de vez em

quando saí um ou outro, as Marizas, não aparecem por acaso, aparecem porque existe

toda uma envolvência dos amadores que permitem que estes novos talentos possam vir

à superfície.

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Acha que o Fado amador é um pouco descriminado, entre aspas por ser amador?

Não, eu acho que não. Eu acho que são duas realidades diferentes, o Fado amador tem o

seu habitat natural, tem o seu…tem o seu próprio espaço e é tão amador o Fado amador

como o Fado profissional. Para o Fado em si no geral são as duas coisas

importantes…uma coisa não pode existir sem a outra.

O que é que pensa daquele fado que fica completamente à margem das Casas de

Fado? Portanto aquelas pessoas que só gravam discos, tocam no Coliseu, é um

outro fado, é diferente?

Também é fado, há uma diferença, portanto é o fado espectáculo digamos assim, é o

fado mais espectáculo, o fado mais para as grandes massas, para as grandes multidões,

para os grandes palcos, enfim, não deixa de ser fado mas a verdade é que a sua essência

mais forte, mais natural, mais autêntica são os locais mais intimistas, o fado é uma

forma de expressão muito mais intimista, muito mais acústica em que não há digamos,

normalmente e conheço basicamente noventa e nove por cento das pessoas que gostam

de fado gostam de ouvir o fado acústico, com a voz natural, sem ela estar trabalhada,

sem o microfone, sem estar trabalhada, as guitarras a sair naturalmente, a gente a

perceber quem está a tocar, se toca bem, se toca mal, quem canta, se canta bem, se canta

mal, sem haver os artifícios técnicos que essas coisas envolvem nos grandes

espectáculos, de maneira que, embora não deixando de ser fado mas perde alguma

autenticidade.

Já foi ao Museu do Fado?

Trabalho lá em frente, a vinte metros, obrigatoriamente tenho que conhecer o Museu do

Fado.

O que é que acha do museu?

Acho que sim e acho que veio numa altura boa, tem uma componente e tem a

importância de ser o Museu do Fado e tem essa responsabilidade de representar o Fado,

enfim…de fazer a história do Fado, de sintetizar ali a história do Fado e promover a

divulgação do Fado, acho que sim, tem que resumir essas componentes para ter razão de

existir.

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Acha que, por exemplo, o Fado amador, aquele Fado que se faz agora, hoje em dia

ali tão próximo, acha que está lá representado?

Não, infelizmente penso que não está, penso que não está, devia estar também mas

penso que não está.

E as Casas de Fado estão lá representadas?

Também não estão…exactamente, e pegando exactamente na mesma ideia que há pouco

te disse…que as Casas de Fado são o habitat natural do Fado…têm tido um trabalho

muito nobre ao longo destes anos todos, porque têm sido os locais que têm mantido o

Fado enquanto expressão, mantendo a tal chama viva, atravessando fases menos boas,

fases melhores, etc. mas têm sido exactamente esse bastião e deviam de ter…deviam

estar muito mais representadas e haver realmente mais…mais atenção em relação às

casas porque o Museu do Fado no fundo é a instituição pública que representa o Fado

no seu todo não é…só representa algumas vertentes. Se as pessoas conhecerem a

realidade das coisas, conhecerem aquilo que é o Museu do Fado e depois conhecerem a

outra vertente…aquilo que são as Casas de Fado, vão ao Museu do Fado e veem muito

pouco. Concluem que as Casas de Fado estão ali muito pouco representadas, e deviam

estar muito mais porque as Casas de Fados têm um papel importantíssimo…têm tido um

papel importantíssimo ao longo destes anos na divulgação do Fado, até porque o dito

Fado espectáculo…esse Fado ou essa componente do Fado é uma coisa recentíssima,

esse Fado espectáculo é uma vertente que o Fado adquiriu com este mediatismo todo

que teve nos últimos tempos…nos últimos anos, nomeadamente com a Mariza, com o

aparecimento de grandes novos nomes, o Camané…enfim…criaram…conseguiram

criar uma pequena industria em volta do Fado. Passaram o Fado…o Fado a ser…puder

também frequentar as grandes salas, nomeadamente os Coliseus, os Olympia´s,

etc…aquilo que anteriormente só era basicamente apanágio da dona Amália Rodrigues

porque era…de resto o outro Fado sobrevivia digamos que no seu habitat natural, nas

Casas de Fado ou nas festas das colectividades…enfim…essa componente do Fado é

uma coisa muito recente, de maneira que a história do Fado não passa necessariamente

por aí…têm que passar muito mais necessariamente pelo outro lado não é.

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Músico A.C.

Gosta de Fado desde quando?

Eu nasci a ouvir Fado, até há um Fado que fala sobre isso…porquê? O meu pai tocava

guitarra, tinha um café na minha aldeia e a minha mãe tinha uma voz muito bonita,

embora ela…cantava só para os amigos, o meu pai não, o meu pai já saia, já ia tocar

para Santiago, Grândola quando o convidavam para ir a um lado e a outro, ele lá ia com

a sua guitarra, ele era mais ou menos limitado mas tocava umas…era até mesmo o

melhor, não havia nenhum guitarrista como ele talvez até ao Algarve, não tinha grandes

conhecimentos, nunca tinha saído dali…naquela altura nem havia televisão, não havia

nada mas eu apaixonei-me por Fado precisamente logo muito miúdo porque sempre me

lembro de ouvir Fado, sempre, sempre, sempre e quando chego aos meus dez…portanto

eu comecei a pegar na guitarra aí aos seis…sete anos…meu pai ensinou-me o Fado

mouraria que é a base do Fado, o mouraria, o corrido e o menor, comecei a tocar esses

Fados e depois ia ouvindo os programas que davam na…na altura havia a emissora

nacional, transmitia Fados todas as semanas e depois transmitiam na outra semana o

mesmo programa, haviam as Casas de Fados que a rádio clube português, na altura ia

todas as semanas também às Casas de Fado, transmitiam em directo a partir da meia-

noite e eu…como o meu pai tinha o café…fechávamos o café. O meu pai gostava de

ouvir aqueles Fados e surge os êxitos das Amália. Quando o Frederico Valério fez

aquele tipo de Fado que todos diziam que não era Fado…na altura o meu pai não

percebia nada daquilo e havia aqueles folhetos que se vendiam nas feiras, em Grândola,

Santiago com as letras desses Fados que a Amália cantava que eram Fados muito

bonitos mas que…mais difíceis de tocar e isso obrigou-me a um estudo. Eu pegava na

guitarra…muitas vezes estava a brincar com os meus amigos, a jogar à bola e depois

lembrava-me do que tinha ouvido de véspera, que eu tinha um ouvido muito bom e

corria para casa, pegava na guitarra, estava ali horas a descobrir uma coisa e outra e foi

assim que eu fui evoluindo e gostando de Fado e esse Fado da Amália obrigou-me a um

estudo incrível, que eu até costumo dizer que esses Fados em termos de harmonia

ajudaram-me bastante para poder depois fazer outras coisas, que eu já ouvia, já tocava.

Portanto com os meus onze anos, doze anos comecei a tocar esse Fado da Amália,

depois a partir dos doze, treze já tocava as grandes variações dos grandes guitarristas,

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portanto tudo isso foi…foi bastante positivo e em relação ao Fado foi precisamente a

partir dos…desde sempre…comecei a ouvir o Fado, toda a gente cantava Fado lá na

minha…haviam muitas, como o meu pai tinha o café e tinha um bilhar e em cima desse

bilhar estava a guitarra e haviam dois ou três conterrâneos lá da aldeia, pegavam na

guitarrinha e começavam a tocar ao despique, só sabiam uma coisinha, começavam a

cantar ao despique, à desgarrada digamos assim e estavam ali horas, noites inteiras

agarrados aquilo. Portanto as pessoas gostavam muito de Fado e naturalmente eu só

praticamente ouvia Fado…foi assim a minha paixão pelo Fado a partir de…sempre.

Portanto, começou-se a interessar pela Guitarra por causa do seu pai tocar não é, e

começou a tocar com que idade mais ou menos? Sete, oito?

Pois…como lhe disse, eu comecei aos seis anos mais ou menos…sete anos…oito

anos…comecei a pegar na guitarra, curioso…a guitarra normal que o meu pai tinha eu

não conseguia tocar porque os dedos não davam, a escala não dava, eu tenho ali para lhe

mostrar daqui a bocado aquela guitarra que era a guitarra do meu pai, foi a guitarra que

eu depois a partir dos onze anos já…dez anos já comecei a tocar naquela guitarra mas

ele ofereceu-me uma requinta. Uma requinta que era uma guitarra pequena, uma escala

mais estreita e foi com essa guitarrinha que eu consegui ir fazendo os tais Fados porque

no princípio eu lembro-me muito bem, antes de ele me oferecer a requinta eu

punha…colocava a guitarra em cima dos joelhos porque não conseguia…entre o peito e

o joelho…não tinha espaço para depois pôr a mão à volta da guitarra, a guitarra ficava

deitadinha assim e eu ali fazendo umas coisas com ela assim deitada…exacto…mas foi,

foi através do meu pai que eu aprendi a tocar as primeiras coisas porque depois a

determinada altura quando eu começo a tocar as coisas da Amália e começo a tocar

outras coisas, já haviam as pessoas e ele enervava-se bastante e ficava cheio de ciúmes e

então diziam “olha o puto já toca melhor do que tu, tu já não consegues tocar

aquilo”…metiam-se eles com o meu pai…os amigos mesmo do meu pai…“então toca

lá aquilo que o puto está a tocar”…o puto que era um miúdo…que era eu…“vá, toca lá

isso, o que o rapaz está a tocar”…“ah, vocês deixem-se lá disso, deixem-se lá disso, não

toca nada, não toca nada, isso é outras coisas, está para aí a tocar outras coisas, não,

não” e depois, em determinada altura quando eu tocava aquelas variações, aí é que ele

se rendeu, se rendeu mas durante aí dois anos não…ele queria era exibir-se não é e

quando iam os amigos…vinham de Grândola, Santiago do Cacém mas queriam…“não,

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a gente quer ouvir o miúdo, ele toca para nós não sei quantos”, depois eu comecei a

tocar umas coisas que realmente, ele já ouvia de vez em quando a tocar aquilo e depois

chegava ao pé de mim “como é que tu fazes isso?” e digo “olha, é assim, assim,

assim”…“ah, está bem mas isso é muita coisa só para mim” ele dizia…um tema, “isso é

muita areia para a minha cabeça” ou uma coisa assim do género, mas ele tocava aquelas

coisas antigas, algumas variações que eram as variações sobre o Fado Lopes que é

dedilhado…a guitarra toca-se com estes dois dedos…o indicador e o polegar, e ele tinha

uma técnica incrível com estes dois dedos…com uma velocidade. Se ele tivesse tido

oportunidade de estar em Lisboa jovem teria tido uma vida…não tenho dúvida

nenhuma.

Como foi o início da sua carreira enquanto músico profissional? Costumava tocar

em Casas de Fado?

No início, como profissional…como profissional é uma coisa porque eu vim já com

vinte e cinco anos para Lisboa e aí é que eu me tornei profissional, até aí eu fui…as

pessoas já iam a todo o lado para me ouvir tocar lá na minha…na minha terra e depois

era solicitado para tocar às vezes num sítio ou noutro, depois quando eu vim houve um

admirador meu, um senhor de Moura que me levou…eu tinha para aí dezoito anos…que

me levou a Lisboa e nessa altura estive numa ou noutra Casa de Fados e houve pessoas

que gostaram, ficaram admirados porque eu lembro-me de estar no Faia que era a casa

da mãe do Carlos do Carmo…da Lucília do Carmo e depois emprestaram a

guitarra…“ah, empresta-lhe a guitarra que o miúdo toca”. Comecei a tocar umas coisas,

ficou tudo logo “ah, mas este miúdo tem que ir para Lisboa, ah, isso é pena, tal e

tal”…lá tinha a minha vida, entretanto fui para a tropa e na especialidade eu comecei, a

tropa fiz recruta em Beja e conheci…na altura já era profissional de guitarra

portuguesa…o que viria a ser o último guitarrista dos últimos vinte e tal anos, quase

trinta da Amália chamado Carlos Gonçalves e depois eu fui para a tropa para

Moçambique…ele ficou por cá, quando eu vim ainda fiquei na minha terra particamente

ano e meio, dois anos, mas numa passagem, antes de eu ir para Moçambique…antes um

pouco…eu estive aqui praticamente quinze, vinte dias aonde tinha um primo que me

levou a um sitio com Fado à tarde e eu depois toquei um solo de guitarra, estava vestido

à militar, andaram comigo aos ombros e essas pessoas nunca mais me largaram, eu fui

para Moçambique, escreviam sempre, sempre. Eu tenho um senhor que foi considerado

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o meu segundo pai até que…como eu estava-lhe a explicar…depois de ter vindo tropa

estive ainda um ano e meio na minha terra e eu queria conhecer ainda melhor o meio do

Fado e em vez de tirar a carta de ligeiros normal, tirei a carta de condução de pesados

profissional porque era…leva-se três meses para se tirar essa carta ao passo que a ligeira

era para aí vinte dias…um mês e eu queria estar cá mais tempo. Fui cumprimentar esse

guitarrista da Amália que estava a tocar na Severa, comentei e ele disse-me “ah pá, epá

tu podias fazer agora aqui dois dias que eu tinha aí uma coisa para fazer com a Teresa

Tarouca” que é uma artista de Fado…fadista…e eu disse “epá mas eu não sei o

repertório”…“não, não, tu apareces daqui a oito dias, eu vou-te ensinar aí assim uns

Fados” e foi assim que eu fiquei na Severa, depois como ele não se dava com o viola de

lá e as pessoas gostaram muito da minha maneira de tocar fiquei ali durante os tais seis

meses a tocar mas…e é a partir precisamente daí que eu me torno profissional porque

embora os exemplos maus que havia na minha terra do meio do Fado…porque aparecia

lá de vez em quando um senhor chamado José Rosa que aí de dois em dois

anos…levava a sua amante…aquela vida boémia, bebia muito e aquela…e aquilo dava

uma imagem péssima e as pessoas questionavam-se e falavam muito… “isto é uma

vida…não interessa esta vida…isto é só desgraça, é tudo bêbedos e tal e tal” e quando

eu decidi vir para Lisboa o meu pai disse-me assim “eu já sei o que é que vai acontecer”

e as pessoas na minha aldeia começaram a dizer “não vás, não vás ser como os outros” e

o meu pai disse “não, eu…eu acredito muito em ti sabes, eu aposto em ti, foste criado

aqui na…sempre, nunca te embebedaste, sequer nem fumaste nada, os teus amigos

andam todos aí assim e tu és certinho…não…olha, vai…decide aquilo que tu quiseres”

e assim foi e tive sorte. Cheguei a Lisboa, ao fim de oito dias estava a fazer um

programa de televisão porque havia um guitarrista chamado Jorge Fontes que era muito

conhecido na altura…muito…muito conhecido…ele jovem também ainda, tem mais

três anos do que eu e que tinha um trio de guitarras e ouviu falar num alentejano que era

eu…falaram “há para aí um alentejano a tocar guitarra, é muito bom”…estava…tinha

começado na Severa e foram-me lá ouvir a tocar e ele convidou-me logo para fazer

parte de um…ao fim de oito dias…“epá, você quer fazer um programa, vamos fazer um

programa de televisão” e assim foi, fim de ter feito um programa de televisão…e no fim

do mês já tinha feito mais uns dois. Na altura faziam-se muitos programas de

televisão…bem, a minha família lá ficou toda encantada, ficaram…ficaram todos

entusiasmados, aquela gente, depois as pessoas que na altura diziam mal já começaram

a dizer bem…“ah, pois”…quando eu depois voltei à minha terra todos…abraçaram-

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me…“ah, pois, tu…tu sempre foste um rapaz muito ajuizado”…e pronto, para lhe dizer

que foi assim que eu comecei logo, depois a acompanhar o Carlos do Carmo…pouco

tempo depois. O Carlos tinha só gravado um disco e eu comecei a convidar a maior

vedeta que havia nessa altura que era o António Mourão, que era um Fado que chama

“tempo volta para trás”. Foi um êxito dele estrondoso…era mesmo na altura e comecei

logo a tocar o António Mourão e comecei logo grandes vedetas…a Ada de Castro, a

Teresa Tarouca…todas as grandes vedetas da época…gostavam da minha maneira de

tocar e eu comecei a tocar para aquela gente, comecei a ganhar a minha vida, daí.

Porque é que eu sou o único guitarrista que sobrevivi sem ser nas Casas de Fado? Por

isto, porque…eu costumo dizer…eu vinha praticamente de trás das estrelas e sabe que

na minha terra a palavra era tão sagrada como a assinatura e eu fui a uma casa ou outra

de Fados e diziam tão mal dos colegas que eu para mim…fiquei assustado e disse “não,

esta vida não é para mim”…entrava em Casas de Fados…comecei a assistir assim a

coisas…por exemplo, estava numa casa…eu fui…a primeira vez que eu fui a essa casa

ter com o meu colega que era o José Maria Nobre que trabalhou também com o Carlos

do Carmo e estávamos assim na mesa, ele apresentou-me, pronto…àquela

gente…fadistas que estavam ali assim e depois vai um cantar…estava a cantar, tal, tal e

eram…eles diziam uns para os outros “epá este tipo está…” ou esta tipa “epá ela está a

cantar, cada vez canta pior, epá, coitada” e quando acabavam “ah, muito bem”,

acabavam de cantar….“muito bem”…digo assim “isto é um cinismo incrível”…daí a

bocado vem aquele na mesa…vai cantar aquela que disse a mesma coisa…“ah, muito

bem, muito bem”…nunca digo o nome, “está a cantar tão mal”…eu digo assim…”não

isto Casas de Fados, para o meu feitio não dá, não, vou para a minha terra, o meu pai

tem lá o café, tem lá não sei quê“…mas comecei…como comecei a ganhar bem nos

programas que fazia na televisão e depois foi logo a emissora nacional e digo

assim…bem estive só seis meses porque eu tinha casado na altura…não, não…eu casei

pouco tempo depois, passado para aí nove meses ou dez…casei…aparece-me o

subdirector da folclore que me ouviu tocar e gostou muito e então eu fui para o

restaurante Folclore que era para onde toda a gente queria ir…para esses restaurantes

porque saia-se cedo, apanhava o comboio…morava na Amadora…o comboio é só

descer as escadinhas…ali no Bairro Alto, está a ver onde é? Ali na Trindade, descia as

escadas em cinco minutos, apanhava o comboio e vinha…portanto, e a minha casa era a

cinco minutos da estação de comboio da amadora durante…portanto, depois comprei

um carro, passado aí um ano, mas foi assim…foi assim que eu me tornei profissional, a

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acompanhar todos os grandes artistas como lhe falei. Comecei…a primeira saída foi

para a Dinamarca porque o restaurante Folclore fechava durante o inverno, trabalhavam

à base de turismo e tive a sorte de ir à Dinamarca e depois no ano a seguir fecharam

também na parte do inverno não é…fui para o Brasil. Infelizmente aquilo depois

fechou…a Trindade mas abriram depois noutro local…ali no Campo Grande mas só

esteve mais um ano e depois a partir daí, eu ganhava muito bem, espectáculos e

gravações. Eu gravava…gravava muito naquela época e sobrevivi até setenta e quatro

quando abri uma Casa de Fados em Cascais com um cantor que não era conhecido na

época que se chamado Rodrigo…era conhecido em Cascais só e que se tornou depois

conhecido porque eu já tinha praticamente…cinquenta por cento dos programas que

fazia na televisão era com um conjunto de guitarra porque entretanto a emissora

nacional na época…ou seja, a antena um na época, convidava-me para eu formar um

conjunto de guitarras, e eu com esse Jorge Fontes só toquei dois anos…não gostava da

maneira de tocar dele…esse que eu comecei a fazer os primeiros programas de televisão

e então convidaram-me para eu ter um conjunto de guitarras. Formei o meu conjunto de

guitarras…a televisão…como os artistas gostavam muito da minha maneira de tocar,

mais de cinquenta por cento dos programas de televisão e de, de…da antena um eram

feitos com o meu conjunto de guitarras e portanto…e foram assim os meus primeiros,

digamos assim…vinte anos. Depois eu queria ter tempo para compor, para gravar discos

meus e como não tinha tempo para nada digo assim “bem, a minha missão já fiz,

agora…”, tinha gravado um disco com Rão Kyao chamado “Fado Bailado”, foi um

sucesso incrível…toquei com o Carlos do Carmo, o Rão Kyao e o Frei Hermano da

Camara…então…e pronto, convidavam-me muitas vezes para fazer isto e aquilo, dizia

sempre que não podia, nunca dizia que não…“ah, não posso, estou ocupado, tenho isto

e aquilo” para puder…e tive tempo para compor e portanto…e para…o meu sonho que

era abrir uma escola de ensino se guitarra portuguesa como já lhe disse, que deu depois

origem ao Museu do Fado. Como lhe disse, há vinte e dois anos que eu deixei de

acompanhar o Carlos do Carmo e depois gravei com a orquestra sinfónica de Londres,

que foi muito bom, foi um trabalho que eu fui gravar a Londres no Abbey Road onde

gravavam os Beatles e o Frank Sinatra, um estúdio de muito prestigio e depois gravei a

“Guitarra e Outras Mulheres”…disco de ouro, disco de platina. Foi um grande sucesso e

depois, a seguir fui gravar no Brasil o “Lisboa Rio” com…que entraram desde o Ney

Matogrosso…grandes artistas do Brasil. Depois convido a Marta Dias para gravar ao

vivo no Centro Cultural de Belém, o best of. Depois fui para a India gravar o “Lisgoa”

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que é…que tem a ver com Goa e agora sai o best of do melhor que eu tenho, que a

editora mais o meu agente fizeram uma selecção…uma série de Fados, vinte temas, e

gravei agora este…fiz agora este espectáculo…o best of vai sair em princípio…tudo

indica em Outubro mas eu tenho…de qualquer maneira tenho já o trabalho preparado

todo para o próximo disco, que tive o apoio da Sociedade Portuguesa de Autores.

Na sua carreira acompanhou muitos fadistas em actuações, houve assim algum que

tenha gostado particularmente de acompanhar?

O fadista que me marcou mais naturalmente é o Carlos do Carmo. O Carlos do Carmo

foi um cantor que percorreu mundo, sobretudo em espectáculos para a

emigração…emigração na Austrália, a emigração na América. Eu já tinha feito essas

digressões na América, mas foi realmente o Carlos do Carmo enfim…porque também

derivado à sua cultura…ele estudou na Suíça, ele tinha um restaurante que era o Faia e

com ele tive oportunidade de tocar logo no princípio com orquestra e fazer muito

trabalho mas o que marcou realmente foi indiscutivelmente o Carlos do Carmo. Em

músicos foi o Rão Kyao…aquele “Fado Bailado” que eu gravei com ele fez um sucesso

incrível e que me abriu depois outros horizontes porque quando ele deixa de tocar o

saxofone…foi para a India aprender a tocar flauta…um problemazito que não podia

tocar saxofone e comecei a fazer gravações com o Rão Kyao e já…abriu-me um outro

horizonte musical em termos de improvisação porque em termos de Fado…a

improvisação de Fado é uma coisa e a improvisação da música do Rão era outra…meio

jazzístico e outras coisas assim do género, e do Fado existe sempre…é evidente…entre

o fadista e o guitarrista criam-se diálogos porque muitas vezes o guitarrista está

inspirado e inspira o fadista, ele sente essa inspiração e vice-versa…é os tais momentos

que se criam muito bonitos...quando….se eu estou a acompanhar um fadista e ele fez

uma voltinha que eu gostei muito eu tento…se eu estiver inspirado eu respondo a ele.

Isso é a coisa mais…como os brasileiros dizem…“mais gostosa” que há…enquanto se

criam esses momentos de Fado, mas foi realmente o Carlos do Carmo…foi o individuo

que em termos de Fado, que mais me marcou. Como lhe expliquei, gravamos talvez o

melhor disco…dos melhores discos de Fado…é um marco que fica na história…“Um

Homem na Cidade” e depois “Um Homem no País” também…portanto isso foram dois

discos que marcaram muito a música portuguesa. Gravei com ele no Canecão no Brasil

ao vivo, no Olympia também, em Paris, na Opera de Frankfurt também, na Alemanha...

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Acha que houve evolução na forma de tocar guitarra, ao nível da técnica?

Houve muita, houve muita porque a primeira coisa que eu disse quando…eu tenho aí o

jornal. Na altura falava-se…porque é que nasce a escola que deu origem ao Museu do

Fado? Porque eu dei uma entrevista…eu dei uma entrevista que dava…que dizia que a

guitarra portuguesa tinha tendência em acabar, eu estava já havia vinte anos…vinte e tal

em Lisboa e tinham morrido à volta de trinta guitarristas…vinte e tal guitarristas…e

jovens só tinham aparecido dois e portanto, a entrevista que eu dei nesse jornal dizia que

a guitarra portuguesa tinha tendência a acabar…é evidente não é? E depois chamava a

atenção às entidades oficiais, sobretudo da área de Lisboa porque o Fado é uma canção

urbana da cidade de Lisboa e o Assis, presidente da Camara na altura tinha…teve

conhecimento e convidou-me para almoçar…não sabia de nada…depois expliquei-lhe

tudo, tudo…olhe é isto assim…“você ajuda-me?”…eu digo “ajudo, quero abrir uma

escola de ensino”…“então vamos lá avançar com isso”…e foi assim…avançou. No fim

de dois meses já estava a falar com os arquitectos, os engenheiros, não sei quantos mas

ele não concorreu às eleições…foi o Jorge Sampaio e então…nessa época o Rui

Godinho que era o vereador do Pelouro da Cultura da Câmara de Lisboa e ele primeiro

apresentou-me o Jorge Sampaio, e ele “isso é um projecto…tem que se avançar”,

porque eu fui fazer uns solos de guitarra no Castelo de São Jorge e…“tem que se

avançar com isso”. Demorou praticamente ainda mais dois anos ou coisa assim e depois

é que comecei a ter…portanto, o projecto era na rua da Bica, tenho aí…entre o número

sete…tudo preparado. Depois levou muito tempo…depois começou-se a ter reuniões

com moradores em Alfama, “se calhar vai mudar, em vez de ser ali…ser para Alfama e

tal” e deu. Depois quando falaram…“pois, também não temos um Museu de

Fado…podia ficar tudo assim junto”…“sim, claro que pode, isso era interessante, haver

um Museu do Fado que não existe em Lisboa”. Comecei a ter reuniões e depois digo

“mas isso…acho que é melhor…há pessoas como…sei lá, como o Carlos do Carmo, o

Vicente da Câmara”…e foram esses que acabaram…e somos ainda. Qualquer coisa que

se faz no Museu do Fado…e ainda somos…somos convidados para…para fazer

reuniões, para falar sobre o que aconteceu, como o Fado ter sido reconhecido pela

UNESCO não é…foi tudo uma equipa e convidou-se pessoas mais importantes que foi

o Rui Vieira Nery, Salwa Castelo Branco e portanto foi…mas a pergunta era?

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Tinha a ver com a evolução da forma de tocar.

E então, desde que se abriu…nessa altura eu tinha a dizer…tinha dito na

entrevista…não sei se foi para o mesmo jornal…não, depois já se sabia que havia a

escola…exacto…eu disse “nós precisamos de uma escola de ensino para depois, daqui a

dez, a duas décadas mais ou menos, termos professores à altura…que a guitarra tem que

ter a sua evolução…a guitarra não teve nunca professores, não pode evoluir assim”.

Embora não seja um instrumento…em termos harmónicos não se pode contar muito

com ele porque é a afinação no próprio instrumento que lhe dá aquela beleza e que lhe

dá aquela sonoridade riquíssima…se der precisamente a afinação que ela tem…e à

maneira de tocar e eu chamava sempre à atenção “não…é preciso é que haja”, e falava

como em Espanha…“vocês têm as aulas, vocês ensinem”. Nós temos que ter…temos

que ajudar este instrumento porque…quem é que tocava guitarra? Era normalmente os

filhos dos guitarristas, de resto a imagem que se tinha na altura das Casas de Fado era

má porque…eu vou-lhe contar uma história muito interessante. Morreu há pouco tempo

o Raul Nery, não sei se soube…e o Raul Nery era estudante e estava a tocar numa Casa

de Fados até à meia-noite…como lhe disse há pouco as casas fechavam às quatro, cinco

da manhã às vezes e estavam os turistas, as pessoas normalmente já mais

evoluídas…porque infelizmente Portugal estava…esteve sempre um bocado atrasado

em relação à música. Os alemães e portanto…ingleses e franceses…habituados a outro

tipo de música e chegavam às Casas de Fados…porque como sabe o Fado…apaga-se a

luz para os fadistas cantarem e o Raul Nery tocava até à meia-noite e depois da meia-

noite tocava um outro guitarrista que era da mesma altura do Nery, e chamavam

constantemente à atenção os empregados. Quando o Nery saía apagavam-se as

luzes…“ouça lá, o guitarrista está bêbedo? Está muito bêbedo não está? Coitado, está

muito bêbedo”…“não, é outro guitarrista”…“ah, o outro era muito melhor”…ora bem,

isto era o que acontecia porque bons guitarrista havia quatro ou cinco só, e se havia dez

ou vinte Casas de Fado…está a ver o que era o resto não é…portanto não…agora…era

uma maneira das pessoas ganharem a sua vida, sim porque ganhava-se bem. Não havia

aqueles que tocavam qualquer coisa mas era…em dez notas acertavam três ou

quatro…era uma coisa…e isso foi uma coisa que eu…pronto…chamei à atenção, que

eu…as Casas de Fado, a imagem que nós damos para fora…quem nos vem visitar…é

uma imagem péssima e apostei sempre no futuro da guitarra portuguesa,

sobretudo…como disse há pouco…no fim de…a escola já abriu vai fazer doze…catorze

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anos mas ainda…daqui a mais uns aninhos…aí é que vamos ter ainda alguns

professores à altura de ensinar a técnica da guitarra…agora o que é que acontece…nos

últimos anos começou-se a dar aulas, vários colegas meus começaram a dar aulas

também em casa e com a nova tecnologia…porque antigamente não havia, não havia

nada. Eu tive um gravador…tinha trinta anos quando apareceu um gravador daqueles

para ouvir…agora…neste últimos anos com a nova tecnologia os guitarristas vão ali

assim, veem a maneira de tocar dos outros, apanham uma coisa, depois apanham outra

no outro, depois vão evoluindo, depois passam ao outro, o outro ouviu aquilo…a

evolução está a ser muito mais rápida do que aquilo que eu julgava mas em termos de

ensino da guitarra ainda não…vamos ter que…como aconteceu em Espanha. Os

espanhóis tiveram….porque é que a guitarra espanhola tem um avanço incrível? Porque

eles tiveram…há mais de cinquenta anos que eles têm as grandes escolas de

ensino…mais…talvez cem…da guitarra espanhola não é, e hoje há milhares de grandes

guitarristas espanhóis com uma técnica incrível…em Espanha, portanto a guitarra

portuguesa neste momento…tal e qual como o Fado…o Fado está na melhor fase de

sempre, é indiscutível. Nunca tivemos…antigamente quem é que tínhamos fora do país?

Tínhamos a Amália e mais nada, não havia mais ninguém, haviam muitos a cantar para

a emigração por exemplo…o Carlos do Carmo…que eu andava com ele não é. Fizemos

uma ou outra coisa para um…mas não, noventa por cento era tudo para emigração. A

Amália foi a única cantora mas agora não, neste momento já temos a Mariza para todo o

público, temos a Ana Moura…a mesma coisa. O meu trabalho…que faço mais…está a

ver é India…portanto, Coreia do Sul, Coreia do Norte…vários países…Tailândia…sei

lá, vários países…eu sei lá…nem sei os países que estou a fazer neste momento. Ainda

agora estive em Toulouse onde esteve a Mariza também, a tocar só guitarra não é, num

festival de guitarra, portanto há…há uma coisa que se abriu neste momento…tem muito

a ver, e a guitarra neste momento…como lhe disse, está na melhor fase também de

sempre, há jovens a tocar já com muito talento e era esse o meu grande sonho de abrir a

escola para que a guitarra se tornasse conhecida e que ainda não é. Infelizmente ainda

não é…não.

O que acha do Fado amador?

O Fado amador…quando eu vim para Lisboa em sessenta…portanto…em sessenta e

cinco o Fado…havia na altura em Cascais…há sempre Fado…uma série de casas. A

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escola de Fado amador…era uma escola…daí surgiram vários fadistas e quando eu

depois em setenta e quatro abri a Casa de Fados em Cascais…havia também várias. As

pessoas…os fadistas profissionais vinham até para Cascais cantar. Lá Fado amador…o

Fado amador é uma maneira de surgirem novos valores porque é tal e qual como…eu

fui muitas vezes ao Brasil…estava…fui privilegiado, ficava normalmente num motel

em frente a Copacabana…hotel de cinco estrelas e andavam miúdos ali a jogar à bola,

depois eu via os miúdos a jogar e estava lá no décimo andar ou vigésimo e olhava cá

para baixo e via os miúdos a jogar à bola com uma facilidade incrível e era aí que os

treinadores iam vê-los jogar…quando viam um miúdo com muito talento levavam-nos e

no Fado…onde há…nas Casas de Fado amador surgem assim não sei quantas pessoas,

ou é o próprio guitarrista…“epá, cantas muito bem, devias fazer isto”…começa-se logo

a ter conhecimento…“epá, há uma miúda a cantar”…por exemplo, agora o meu agente

disse assim “epá, você já ouviu uma miúda do Porto? Canta muito bem”…como é que é

o nome?...agora não me lembro.

Gisela João? Ela também é do Porto.

Não…é…há várias mas eu tenho…até escrevi ali o nome dela…ainda não tive tempo de

nada porque houve agora uma coisa em Madrid a semana passada de Fado…fizeram em

Madrid, não sei se teve conhecimento…houve…foi durante três, quatro dias. Foi a

Mariza, foram vários artistas de Fado e onde essa miúda foi também, e disseram que ela

cantava muitíssimo…mesmo muito bem. Ora bem, essas coisas começam-se logo a

saber. Quando há um que vai sobressair, e o Fado amador é muito importante nesse

sentido, claro…o Fado amador é desde os mais antigos que gostam de cantar e vão para

o Fado amador…cantam, mas eu acho que é muito importante isso, muito importante

porque considera-se uma escola que…depois aqueles que têm mais talento…é uma

maneira de ir ali treinar não é? Com os guitarristas…vão treinando, treinando e depois a

evolução destes fadistas que eu conheci e que começaram assim, muitos deles e que se

tornaram vedetas do Fado.

Acha que o Fado amador é valorizado no meio profissional?

É valorizado porque houve toda a vida gente a cantar muitíssimo bem que nunca quis

ser profissional e eu lembro-me…tinha a Casa de Fados em Cascais, e eu querer

produzir pessoas que cantavam tão bem, tão bem e…“ah, sabe…não…eu gosto é de

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cantar, eu gosto é de cantar”…bem, mas a cantarem tão bem…não queira saber…com

um sentimento incrível…tomara noventa por cento dos profissionais terem…ter aquele

dom de gente que eu acompanhei e foram muitos, muitos na casa que eu tive em

Cascais. Pessoas a cantarem maravilhosamente…maravilhosamente….portanto o Fado

amador têm gente a cantar muito bem que…uns têm uma posição na vida que não lhes

dá para fazer aquilo e portanto…mas, até na guitarra portuguesa tivemos um ou outro

caso, mas que não foram…realmente isso não foram…não foram grandes guitarristas,

mas na área do Fado houve…houve gente a cantar muitíssimo bem e que eram

admirados até pelos próprios profissionais.

O que é que acha do Museu do Fado?

O Museu do Fado é uma coisa que faz falta…faz muita falta…como faz falta…como

existe nos outros países. Lisboa é digamos…assim…portanto, como eu lhe disse há

pouco…o Fado é uma canção urbana da cidade de Lisboa. Lisboa tem que ter…tinha

que ter o Museu do Fado, como tinha que ter o ensino da escola de ensino de guitarra

portuguesa…eu já tenho uma em Santiago do Cacém, abri outra na Madeira, agora vou

abrir a outra, portanto a minha missão agora é abrir escolas de guitarra e de ensino, e

faço sempre…onde eu vou tocar…em qualquer cidade em Portugal chamo quase

sempre a atenção…agora não porque as Câmaras estão falidas quase todas mas chamo

quase sempre a atenção dos responsáveis…dos presidentes da cultura das cidades…que

arranjem condições para se ensinar a guitarra…que era bom…porque a não ser em

Lisboa…vai-se para qualquer sitio é raro haver uma cidade…fora do Porto…Lisboa,

que haja…ou em Coimbra…que haja pessoas a cantar…tocarem guitarra. Fado não

existe. Vai-se…as cidades todas…eu falo…pessoas que gostam de Fado e gostam de

cantar e cantam, cantam a “realeja” com a concertina mas não há ninguém que toque

guitarra…é a tal aposta que eu faço desde sempre…termos escolas para que tudo isto

evolua. A guitarra tem que evoluir ainda muito mais…muito mais.

Acha que o Fado se encontra representado no museu em todas as suas vertentes?

O Fado de outros tempos, o Fado que se faz hoje em dia?

Sim. O Museu do Fado está muito…quem lá vá vê ali Fado dos fadistas mais antigos

que nós temos, até os mais actuais…portanto…e depois tem ali…tem ali em termos…e

praticamente a fotografia de todos os fadistas, de todos os guitarristas. Quem queira

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ouvir tem ali as gravações…tem tudo. Eu penso que o Museu do Fado está muito bem,

muito bem preparado para qualquer turista…qualquer pessoa que chegue ali assim que

queira…quer saber o que é que é o Fado. Eles têm ali pessoas à altura para puder

explicar de tudo um pouco de Fado.

Acha que as Casas de Fado de Lisboa se encontram lá representadas de alguma

forma?

As Casas de Fado…sabe as Casas de Fado estão a melhorar um pouco pela exigência

também das pessoas não é. No meu tempo quando eu vinha para Lisboa…como lhe

expliquei…haviam Casas de Fado que não tinham…algumas, ou duas, ou três, ou

quatro tinham bom ambiente, o resto era a pagarem muito mal…a pagarem muito mal,

portanto…e era terrível, mas hoje me dia já há mais esse cuidado como também há mais

gente a cantar não é, e portanto…e nota-se que em relação tanto a tocar guitarra como a

cantar o Fado as casas melhoraram bastante em relação aqui há uns…com a excepção

que eu lhe disse…se haviam vinte Casas de Fado…vá lá quatro, ou cinco, ou seis

tinham bons guitarristas e bons fadistas, o resto eram…é evidente que a contribuição do

guitarrista é muito importante no Fado. Se o guitarrista quiser…eu por exemplo fui

produtor durante muitos anos…como disse, fui o primeiro produtor na área do

Fado…eu acho que nunca mais apareceu ninguém e eu…eu ensinei muita gente a

cantar…muito…muita gente a cantar. Tinham boa voz mas não tinham mais nada e

tornaram-se fadistas conhecidos.

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Músico F.A.

Gosta de Fado desde quando?

Gosto de Fado…gosto desde os meus catorze anos para aí…penso

eu…primeiro…quando fui…a primeira vez que fui ao Luso…ouvir a Amália no café

Luso, onde ela cantava todas as quintas feiras…a partir daí comecei a gostar de Fado…a

interessar-me.

E quando é que se interessou pela viola?

Pela viola foi antes, mas isso foi aos doze anos, foi…pronto…isso já foi numa escola de

guitarras que havia, que era na Avenida João XXI. Era o professor Duarte Costa e eu

passei por lá um dia e vi violas penduradas e tal e entrei e procurei se davam lá lições,

eles disseram-me que sim e eu comecei a aprender lá nessa escola e tive…tive depois lá

alguns anos.

E com que idade é que começou a tocar? Portanto, foi com os doze?

Sim, com doze comecei a aprender, depois aos catorze anos arranjei um professor de

viola de Fado mesmo, para aprender Fado propriamente dito, para acompanhar e depois

daí para diante era em casa dos amigos, uma vez em casa de uns, outra vez em casa de

outros…tudo como amadores mas comecei a tocar assim.

Na sua carreira já acompanhou muitos fadistas em muitas actuações, que fadistas

é que acompanhou?

Olhe…isso foram tantos que é difícil. Olhe…aqui a Marta por exemplo, ela é fadista e

não é…quer dizer é fadista de outras canções, mas essa acompanhei-a muita vez. Mas

acompanhei muita gente, por isso eu não…não consigo porque eu toquei em Casas de

Fado nos anos sessenta, setenta e oitenta…toquei em Casas de Fado e portanto

passaram tantos…aqueles elencos mudavam de vez em quando, portanto eram…foram

imensas pessoas que eu acompanhei.

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Portanto, no início da sua carreira tocou basicamente em Casas de Fado, acha que

o ambiente e o repertório mudou muito nas Casas de Fado?

O ambiente mudou. Mudou de certo modo porque a certa altura começaram as Casas de

Fado…começaram a funcionar mais em função do turismo…portanto, os turistas é que

iam mais às Casas de Fado. Hoje em dia estão a aparecer outra vez Casas de Fado que

não são…funcionam também com turismo mas também têm muitos portugueses e já há

várias casas…algumas até funcionam…a pessoa que queira ir cantar vai…se tiver

voz…um bocadinho…pode ir à sua vontade cantar também. Há várias, há um regresso

talvez…nesse aspecto…um tempo em que havia as chamadas tascas, as tascas eram

tabernas onde se cantava o Fado, hoje em dia são restaurantes. Ali em Alfama existem

imensas casas pequeninas, pequenas Casas de Fado, enfim…que são mais para

portugueses do que para estrangeiros.

Sim, de Fado amador, de Fado profissional.

Exactamente. É uma mistura, os profissionais costumam aparecer por lá também, depois

de cantarem nas casas onde estão a trabalhar.

Como é que conheceu o Carlos Paredes?

O Carlos Paredes…conheci-o por um telefonema que ele me fez a convidar…se não me

importava de o acompanhar numa música que ele ia fazer para…sobre um documentário

de filigrana e eu disse que si…com certeza que gostaria de acompanhar e tal.

Conhecemo-nos e eu comecei precisamente a trabalhar com ele nas guitarradas. Foi um

percurso depois longo…até mil novecentos e cinquenta e nove…até oitenta e quatro.

E como foi tocar com ele?

Quer dizer, era sempre uma…era aliciante porque eram sempre coisas novas, não

conhecia aquele estilo de tocar e portanto apanhar aquelas harmonias e os ritmos…as

variações dele foi assim uma coisa muito aliciante para mim.

Hoje em dia continua a tocar, que projectos é que se encontra a desenvolver?

Hoje em dia os meu projectos já são…já estão mais no campo da composição do que

propriamente no campo dos espectáculos porque eu já fiz muitos espectáculos e hoje em

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dia…agora estou um bocadinho…já não me convém deitar muito tarde nem fazer

grandes viagens. Tenho que ter mais calma e então…olhe…fiz agora um espectáculo no

dia vinte e nove em que a Marta nos dignou com a sua presença e penso que esse

espectáculo foi de certo modo para mim um epílogo da minha carreira como músico de

palco não é…não quer dizer que eu não apareça depois, uma vez ou outra mas já não

propriamente com um espectáculo daquela envergadura.

Ao nível da técnica de tocar viola, sente que houve evolução na forma como as

pessoas tocam em hoje em dia?

Houve. Houve uma grande evolução porque hoje em dia praticamente todos os

guitarristas e…a maior parte dos guitarristas, não digo todos mas muitos têm técnica

de…estudam nos conservatórios que não havia nessa altura. Essa maneira de se

aprender não é…nos conservatórios, na academia de amadores de música também…e

têm portanto uma preparação musical que naquela altura a maior parte dos guitarristas

não tinham…nos anos…estou-me a referir aos anos cinquenta, sessenta, por

aí…portanto, a técnica evoluiu…a harmonia e técnica evoluíram bastante.

Costumava ir a Casas de Fado quando era novo, falou-me no Luso?

Ia…ia e depois frequentei além do Luso muitas outras porque foi nas próprias Casas de

Fado que eu também aprendi a acompanhar, porque pedia para me deixarem tocar e eles

deixavam e eu ia aprendendo com as pessoas que lá estavam a tocar…e fui evoluindo

assim dentro do campo do Fado.

O que é que acha do Fado amador? Como é que vê o Fado amador?

O Fado amador…quer dizer…hoje em dia muitos jovens que já começam a aparecer a

cantar nessas casas que eu referi há bocadinho…já começam a aparecer e há novos

valores dentro do campo jovem do Fado…quer dizer, há alguns que eu até desconheço e

de vez em quando aparecem, portanto é um campo vasto porque hoje em dia o Fado não

se canta só em Lisboa, canta-se no Porto, canta-se no Alentejo, em Évora, enfim…um

pouco por todo o país.

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Acha que o Fado amador é um pouco descriminado por ser amador ou não?

Não. Quer dizer…são campos distintos não é, o amador é um campo que não interfere

com o profissional…só quando atingem depois um determinado patamar, se tiverem

realmente qualidade para isso. Isso normalmente vê-se naquelas “Grandes Noites do

Fado” que fazem no Coliseu…concursos…fazem os concursos de bairros, os vários

bairros concorrem com fadistas amadores a essa “Grande Noite do Fado” e

normalmente quem ganha, muitas vezes…ou quem sobressaiu nessas noites às vezes

acaba por seguir a carreira profissional.

O que é que acha do Museu do Fado?

O Museu do Fado e da guitarra…desempenha um papel importante. De certo modo na

divulgação do Fado e na preservação de um património, têm guitarras e guitarristas

enfim…antigos, têm vário material, várias peças que têm interesse para as origens do

Fado.

Acha que estas vertentes, todas estas vertentes que ainda estão muito vivas, o Fado

amador, o Fado profissional e as Casas de Fado, acha que se encontram lá

representadas?

Sim. Eles organizam…por vezes organizam noites com Fados e convidam…vão

convidando vários fadistas para colaborarem nessas iniciativas…costumam começar

agora no verão, neste mês…promovem várias iniciativas interessantes em que…fazem

ao ar livre, junto à rua não é…fazem Fados e os populares vão ouvir e tal...

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Anexo 7 – Transcrição das entrevistas realizadas a letristas

Letrista A.M.

Gosta de Fado desde quando?

Eu, a minha relação que tenho com o Fado é uma relação muito estranha porque, eu não

sou fadista mas sempre tive toda a gente, desde a família aos amigos a dizer “Amélia,

mas porque é que não cantas, porque é que não cantas Fado?” e eu sempre pensei que

para cantar Fado era preciso algo mais, não sei explicar o quê, não acho que seja preciso

nascer em Alfama ou na Madragoa e ter os pais a ensinar mas se calhar uma das razões

porque eu sou canta-autora é essa mesmo, é porque de facto, tendo nascido em

Moçambique acho que tinha que encontrar uma forma de ter a minha casa e penso que a

razão porque eu componho é capaz de ser um bocadinho, tem um bocadinho a ver com

isso, é evidente que em minha casa se ouvia muita música e também se ouvia Fado,

agora, a ligação com o Fado também vai-se transformando com o tempo e a passagem

daquilo que eu posso considerar ser o Fado como uma canção, para qualquer outra coisa

que começou a ser misteriosa e que eu cada vez mais me sinto incapaz de definir ou de

precisar, quer em termos técnicos quer em termos artísticos, isso começou quando de

facto comecei a colaborar mais com os fadistas que me começaram a pedir

composições.

Portanto, é cantora, instrumentista, letrista. Conte-me um pouco como começou a

escrever letras para Fado.

Portanto, eu…a primeira pessoa que cantou um tema meu foi o Camané e cantou um

tema que eu vim a descobrir com ele que podia ser um Fado porque, é o “à janela”, é

um tema que eu gravei logo no meu primeiro trabalho, no “Múgica” e de facto o

Camané, com o arranjo do José Mário Branco e com os músicos que o acompanharam.

Se não se soubesse se calhar de onde é que vinha o tema, se calhar as pessoas iam

aceitar que era Fado ou pelo menos dentro daquilo que se poderá considerar uma nova

abordagem ao Fado, portanto, isto foi a minha primeira ligação com o Fado porque

muito antes de começar a compor…e a seguir foi a Mísia, aí sim, a Mísia pediu-me para

compor para ela, o que me surpreendeu, não por ser fadista mas por haver alguém que

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me fez um pedido desses e é evidente que quando comecei a escrever para essas pessoas

eu não comecei a pensar…eu não pensei “estou a escrever para Fado”, o que eu pensei

foi “estou a escrever para esta pessoa”, portanto “estou a escrever para uma pessoa que

tem este trabalho, tem estes discos, canta desta maneira e que neste próximo disco…as

temáticas que vão ser tratadas são estas e é uma pessoa que sobretudo não me põe

restrições nenhumas”, portanto se ela me vem pedir a mim, Amélia Muge, para compor,

ela não me está a pedir um Fado, ela está a pedir uma composição à Amélia. Portanto,

eu sempre encarei os pedidos com esta liberdade toda não é, que é uma liberdade que eu

acho que também é muito semelhante à maneira como as pessoas cantam o Fado, as

pessoas também cantam como querem e como sabem, portanto há aqui…não há uma

obrigatoriedade de seguir nem uma melodia, nem um ritmo, nem…portanto, a minha

ligação ao Fado tem a ver com isto, tem a ver com o momento em que comecei a

compor para outras pessoas e a perceber a diferença que é compor para outros e compor

para mim.

Que tipo de temas costuma explorar nestas suas letras mais específicas para Fado?

Eu não tenho temas na gaveta, como já disse há bocado, eu componho quando alguém

me pede, e portanto, não tendo temas na gaveta, também não sou eu que escolho os

temas, isto é, eu tento perceber que tipo de disco é que é, muitas vezes sigo até as

próprias sugestões, muitas vezes tenho conversas com as pessoas e da conversa com

elas que eu percebo…muitas vezes não é o que elas gostariam de cantar, é o que é que

eu sinto que elas e com a história delas…que o que eu vou fazer faz sentido, isto é, eu

mais do que procurar um tema eu procuro chegar às pessoas e àquilo que elas são e às

histórias delas. Às vezes há também sugestões, como por exemplo, o próximo disco do

Pedro Moutinho tem um tema meu que se chama ”a Rua da Esperança” que foi ele

mesmo que pediu, disse “oh Amélia, sabes que há uma Rua da Esperança em Lisboa,

vamos ver a Rua da Esperança” e fomos ver a Rua da Esperança e comemos lá numa

tasquinha da Rua da Esperança e eu fiz esse tema a pedido do Pedro, muitas vezes

também acontece. Outras vezes, realmente elas são muito decorrentes daquilo que são

as nossas conversas e daquilo que eu sei que são as pessoas ou daquilo que as pessoas

são para mim…não é bem exactamente a mesma coisa às vezes.

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Sente que houve uma mudança relativamente às temáticas dos Fados que se

cantam hoje, se compararmos com os de antigamente?

Eu acho que há uma maior abertura, é evidente mas essa abertura também não é só dos

poemas, também é da própria música e mais do que abertura o que eu acho é que o

Fado, se calhar, tem vindo a descobrir-se a ele próprio, quer dizer, quando a gente diz

que há uma abertura isto não quer dizer que haja coisas para lá daquilo que é o Fado, na

minha opinião uma abertura muitas vezes é andar para trás e é descobrir as origens…de

facto, nós andamos por todo o lado e há um lado das mundividências portuguesas que

estão no Fado como estão na música de base rural, como estão noutras, quer dizer, eu

acho que é evidente que o Fado tem características que são na minha opinião, algumas

são superficiais…estão à superfície, não é superficiais, estão à superfície sobretudo na

maneira de ornamentar, o que faz com que qualquer canção, a gente pode transforma-la

num Fado…pode de facto…se é Fado ou não é, não sei mas realmente há essa

possibilidade, mas depois há coisas muito mais profundas e aí, eu acho que esse

profundo tem a ver até se calhar com tempos antes do próprio Fado não é, onde a nossa

música era uma mistura até de encontros disto, que é esta Europa, disto que é este

Mediterrâneo, desta cultura mediterrânica não é, que são anteriores até à formação dos

países e essas marcas estão e eu acho que esse fundo é que é interessante vir ao de cima

e pelo menos senti-lo. Não sei se seremos capazes de descreve-lo completamente mas

eu sinto muito que no Fado há um mundo, há um mundo no Fado não é, há ligações

com outros povos, não há duvida nenhuma não é…e não é por acaso que a gente fala no

Fado e na morna ou no Fado e no tango, ou no flamengo, não é por acaso não é…é

porque eu acho que há aqui uma matriz comum onde o Fado foi também beber…se

calhar já se perdeu o rasto, já não se sabe o que é e ainda bem.

O que é que acha do Fado Amador? Acha que é valorizado no meio profissional ou

não?

Eu não sei se posso falar muito no Fado amador porque eu conheço o Fado amador em

termos das visitas que fiz às Tasca do Chico, em termos daquilo que são os sábados no

Braço de Prata através dos pais do Camané e do próprio Hélder não é, portanto não

posso…das poucas vezes que eu vi…eu não posso…não sou nenhuma especialista,

agora, eu sinto que o Fado amador é tão importante como é o canto da mãe a embalar o

filho e das canções de embalar, como é a voz anonima do mundo rural, isto é…eu penso

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que são as pessoas anonimas e que de algum modo trazem para a música aquilo que lhes

foi ensinado, porque o Fado amador de facto tem muito isso, quer dizer, é…ouviu o pai,

ouviu a mãe e vêm, acho que é uma base fundamental, acho que é mesmo uma fonte de

alimento daquilo que é…seja o Fado, sejam outras formas, acho que no dia em que não

houver amadores, seja no Fado, seja na música rural, seja noutra coisa qualquer alguma

coisa está de facto muito mal. E acho que é uma escola à qual as escolas de música,

sejam elas de música clássica ou outras teriam muito a aprender se se ligassem

mais…como? Não sei, se calhar a ligação das escolas…quem diz as escolas diz as

instituições como o Museu do Fado aos amadores, eu não sei qual será, mas terá que ser

a mesma, acho eu, daquilo que são os encontros por exemplo, a que eu assisti muitas

vezes e que se estão a perder, e que tenho muita pena, dos poetas populares, onde eles

fazem as desgarradas e realmente só quem assistiu numa tarde a esses encontros de

poesia popular percebe aquilo que eu estou a dizer, quer dizer, aquilo é o sangue a

correr nas veias das coisas, é a base das coisas. É evidente que depois, que é a outra

base que tem a ver mais com a escola e mais a ver com a aprendizagem também é

fundamental não é, o ideal era conseguir conhecer as duas e perceber a importância de

uma e de outra e sentir-se um bocadinho amador enquanto se é profissional e vice-versa.

Isso, eu acho, era o ideal não é.

No fundo são várias vertentes não é…podemos dizer que o Fado acontece de

diversas formas.

É, e eu também acho que ao contrário das escolas que se calhar evoluíram muito pouco,

o amadorismo evolui e evolui porquê? Evolui porque as próprias circunstancias sociais

levam a que as pessoas sejam diferentes, as pessoas…enquanto que nós hoje, um poeta

popular na maioria das vezes era analfabeto agora não o é, quer dizer…não é, nós temos

amadores com universidade, portanto a realidade é outra. Eu acho que o amadorismo

quando é encarado também de uma forma que não é escolástica…não é dizer assim “ ah

bem, isto já não é bem-bem amador”…é que agora já nem se é bem-bem artista ou bem-

bem fadista, agora já nem sequer…muitas vezes oiço criticas contra aquilo que é a

forma espontânea como as pessoas se manifestam num determinado meio de expressão,

eu acho que isso é completamente…o querer criar regras onde se calhar...eu acho que o

amador é onde nós podemos encontrar simultaneamente se calhar o melhor daquilo que

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é uma tradição conservadora com o melhor daquilo que é uma liberdade de fazer aquilo

que se lhe apetece. Acho muito importante.

O que acha do Museu do Fado?

Eu…isto é uma coisa horrível o que eu vou dizer, mas o Museu do Fado…eu fui lá uma

vez, e portanto tenho do museu uma imagem que é daquela entrada, com as fotografias

não é, eu se calhar gostaria mais de ver aquele museu em termos de imagem a partir de

um contexto que teria mais a ver com as Casas de Fado onde as fotografias dos fadistas

estão todas por igual não é, dá-me um bocado a ideia de que aquela necessidade de pôr

em tamanho maior os fadistas que segundo as opiniões deles serão os melhores…não

sei se coaduna muito com aquilo que poderia ser o ambiente do Fado, eu sinceramente

acho que em termos de imagem eu teria escolhido e teria em termos de opção, teria

dado uma volta pelas Casas do Fados e teria…não digo, reconstruido tal e qual,

ninguém está a pensar que o Museu do Fado fosse uma tasca, mas retirar algumas das

coisas que eu acho que são princípios estéticos que poderiam ser interessantes,

moderniza-los e trazer para o museu também um pouco dessa estética, e nomeadamente

em relação às imagens dos fadistas não tenho duvidas nenhumas, achava muito mais

interessante vê-los por igual, vê-los em quadros por igual. De repente há ali algumas

coisas que…não querendo ser…com todo o respeito, porque eu acho que as pessoas que

estão no Museu do Fado estão a fazer um excelente trabalho, tenho um enorme respeito

pelas pessoas, portanto, eu não estou aqui de modo nenhum a querer desrespeitar mas

há alguns quadros que me parecem um bocadinho “guerra das estrelas”, parecem um

bocadinho não é, há ali umas princesas “Leias” pelo meio, acho um bocado…acho que

não tem muito a ver com a estética que vem decorrente das Casas de Fado e se é um

espaço que eu acho que tem que ser privilegiado no museu é esse não é, agora também

há muitas maneiras de fazer viver isso, a imagem não tem que obedecer…o que eu estou

a dizer é o meu ponto de partida, eventualmente poderia ser esse, agora, acho que se

eles não tivessem feito um bom trabalho nós não teríamos de certeza absoluta a

candidatura aprovada, acho que há imensas iniciativas dentro do museu que apesar

de…porque eu não vou ao museu como não vou a muito lado, eu tenho uma vida

terrível, eu tenho imensa pena de não ir, e acho que, com o tempo… é de facto um

museu que começou bem, começou bem e acho que as pessoas que estão lá querem

mesmo fazer um bom trabalho, agora, o mundo do Fado é um mundo que, para lá do

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Fado também há as pessoas, depois há as ligações que elas têm e normalmente as

ligações de um grupo é contra um outro grupo. Eu sinto é…que pode também

acontecer…que seja um museu que por razões diferentes acaba por afastar ou…não sei,

eu acho que o mundo do Fado é um mundo também muito complicado, agora que o

museu está a criar condições pelo menos para terem a informação necessária sobre o

Fado, eu não tenho duvidas nenhumas sobre isso…que é pelo que o museu vive, parece-

me que sim, o resto…porque é um museu demasiado novo, embora já tenha os anos que

tem, é o primeiro Museu do Fado do mundo, portanto, está a começar e qual é a

referência para um Museu do Fado, qual é a referência? Tem que se descobrir também

não é, e nos tempos que correm, com a falta de pessoal que existe também, não sei não

é…pronto, eu não tenho nenhuma opinião formada não é, estou muito contente que

exista o museu e estou contente com algumas das coisas que tenho visto ali acontecer

não é.

Acha que o museu apresenta todas as vertentes do Fado?

É como digo, acho que em termos de registo, eu penso que ele está bem documentado e

penso que a ideia é mesmo…ali…um arquivo fabuloso não é, se calhar o melhor

arquivo português do Fado e acho que isso é importante, depois tem, em termos de

aconselhamento, para mim tem pessoas de credibilidade incontestável, agora em termos

das actividades propriamente ditas, se são actividades que se aproximam mais de certas

coisas e não de outras, eu aí…isso eu não consigo dizer. Sinceramente, não sou tão

próxima do museu para poder dizer isso, por outro lado, se calhar, isto que seria a

popularização deste museu…porque eu acho que este Museu do Fado, ao contrário de

outros museus, penso que tem que ser um museu que se tem que a-regionalizar,

porque…tem que ir para outros lados, não pode…e o que é que podem ser

representações do museu? Serão o quê? Serão programas, serão actividades que fazem e

que vão aos poucos aproximando as várias realidades que existem do Fado no museu, é

o quê? Eu acho que na pratica é um museu também que, e sobretudo então agora…mas

é um museu que, eu acho desde sempre…não é preciso estar próximo para a gente

perceber que é um museu que está sujeito a muitas pressões de muito lado, e como é

que se dá resposta a isso? Também não deve ser nada fácil, portanto, quem sou eu para

estar a…agora que a grande aposta se calhar do museu seria ver este museu com raízes

um pouco por todo o Portugal, isso seria uma aposta fundamental, não sei como nem

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com que meios, e eu acho que se isso acontecesse, seria se calhar uma forma mais

dinâmica de encontrar alguns laços que estão distanciados do museu…não acho que seja

só com Lisboa que se consegue isso, e se calhar pegar logo directamente em

Lisboa…não se havia, não sei como porque eu acho que isso não é só um trabalho

cientifico nem é só um trabalho académico, nem é só um trabalho de museu, acho que

há aí questões politicas também, e quando eu estou a falar em politicas não estou a falar

em…na politica dos nossos representantes políticos, estou a falar da forma como esses

mundos interagem, como os vários mundos do Fado interagem e de como é que um

museu pode…se bem que também criar grandes…não sei, animosidades, pode

continuar a trabalhar por aquilo que era o mais importante que é, é preciso trabalhar em

nome do Fado.

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Anexo 8 – Transcrição da entrevista realizada à Directora do Museu do Fado

Dra. Sara Pereira

Já falei com o A. C., ele já me falou um pouco de como surgiu esta ideia de abrir o

museu, mas gostava que me falasse um pouco nisso, e qual a missão o Museu do

Fado.

Bom, a ideia de abrir o Museu do Fado resultou da necessidade de criação de um espaço

associado à preservação da memória deste património. O museu abriu portas em 1998,

com um projecto…um guião museológico da autoria da doutora Silvana Besson, um

projecto que já à partida consagrava todas as valências…enfim, que hoje estão mais na

ordem do dia. Quando falamos em património imaterial é curioso percebermos que já

em noventa e oito este guião da doutora Silvana Besson foi, enfim, na minha opinião

absolutamente pioneiro porque já integrava, para além das valências normais de um

museu, a exposição permanente, a exposição temporária, já integrava uma escola não é,

já previa a existência de uma escola como instrumento fundamental de…relativamente a

uma tradição, desde sempre associada à tradição oral e que é preciso passar às novas

gerações. As colecções do museu foram enfim, doadas não é, na sua maioria por

toda…pela comunidade de artistas, interpretes, músicos, autores, compositores,

herdeiros, familiares, empresários de Fado e portanto, ainda hoje assim é. Temos este

privilégio enorme da confiança não é, termos a confiança da comunidade e isso foi um

outro pressuposto fundamental da nossa actividade desde o início. Foi um trabalho

sempre numa relação muito próxima com a comunidade e se tivesse sido de outra forma

eu creio que não teríamos conseguido este resultado, da consagração do Fado junto da

UNESCO, de facto ficou muito claro para nós desde o início que só faria sentido…este

museu seria tão mais pertinente quanto a comunidade fadista aqui se reconhecesse, aqui

se identificasse, aqui se reunisse, partilhasse os seus saberes e se revisse neste museu,

independentemente das questões do ego e das…que existe em qualquer meio artístico.

Mas há aqui uma grande generosidade da comunidade em doar as suas colecções e em

partilhar, em participar da programação do museu. Ainda hoje…nós criamos

inicialmente um conselho consultivo integrado por personalidade de diferentes

sensibilidades de universo fadista, o Carlos do Carmo, o Vicente da Câmara, o António

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Chainho, a Luísa Amaro, a Associação Portuguesa dos Amigos do Fado, a Academia da

Guitarra portuguesa do Fado, portanto este núcleo foi…o Mestre Gilberto Grácio, este

núcleo foi fundamental no lançamento do museu, a abrir-nos portas para chegarmos à

comunidade. Foi e é…continua a ser um órgão muito querido e muito importante nestes

dez, doze anos de actividade não é, felizmente estendemos e reforçamos muito a nossa

ligação à comunidade, quer com as gerações mais antigas, desde Argentina Santos,

Maria Amélia Proença até Mariza, Ana Moura, Ricardo Ribeiro, Carminho, por aí a

fora. E portanto, esse é um pressuposto central da nossa actividade, é esta ligação de

grande proximidade ao meio. O objectivo do museu, a missão do museu a preservação,

investigação, a promoção, a divulgação deste património e o museu prossegue estes

objectivos enfim, com um conjunto de estratégias, de acções que passam por uma

programação regular de exposições temporárias que acontecem aqui dentro ou fora do

museu. Linhas de investigação temática que têm abordado quer por um lado os

protagonistas do Fado, o caso da Amália Rodrigues, do Carlos do Carmo, do Camané,

da Argentina Santos, quer dos construtores da guitarra, o universo específico da

guitarra, quer da ligação do Fado com outras artes. Temos feito…fizemos exposições no

Páteo da Galé, uma sobre o Fado nas artes plásticas em 2011, outra este ano sobre o

Fado no cinema. Portanto vamos inaugurar uma exposição em novembro, agora, sobre o

Fado e moda em parceria com o MUD, o Museu do Design e da Moda, e portanto

esta…ao nível da investigação temos esta preocupação de contextualização do Fado

num âmbito muito mais vasto que é o da sociedade portuguesa e da história do país

e…focando-nos na relação do Fado com as outras artes.

O museu tem algum público-alvo ou especifico ou não?

O museu tem…não, tem está…eu diria que a única especificidade ao nível dos nossos

públicos é de facto este universo de cultores do Fado, alguns sendo artistas de Fado,

músicos, compositores interpretes. Outros cultivando o género há muito tempo, mas

para além disto o museu está aberto a todos os públicos, a todas a gerações e trabalha

para isso não é, para ter públicos cada vez mais diversificados e mais diferenciados

também, ao nível do visitante estrangeiro por exemplo. O público nacional tem vindo a

crescer, nós nos primeiros anos, quando o museu abriu tínhamos muito mais visitantes

estrangeiros do que visitantes nacionais, é uma tendência que tem vindo a inverter-se e

no seu todo, dos públicos tem vindo a crescer, tem vindo a crescer bastante.

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O museu foi sujeito a um projecto de recuperação, foi da autoria de quem?

Foi da minha autoria em 2008, portanto, o projecto de arquitectura do espaço é do

António Viana, o projecto…o guião museológico é meu. Essa foi uma candidatura que

fizemos ao Programa Operacional da Cultura em 2007 e que se traduziu e que se

traduziu num conjunto de medidas diárias de actuação e de intervenção, portanto, foram

revistas as acessibilidades para os visitantes com mobilidade condicionada, através da

introdução de rampas, um corrimão aqui, um corrimão ali. Foram revistas as condições

de segurança com um reforço muito grande da componente de vídeo vigilância e outros

pormenores técnicos, foram feitas obras no espaço da restauração, e foram

essencialmente…foi operada uma grande intervenção no circuito museológico. Isto

porque o circuito museológico da exposição permanente que tínhamos em noventa e

oito, ainda era de noventa e oito…era o tal circuito de abertura do museu e quisemos de

facto alterar um pouco o paradigma deste circuito museológico através de várias

orientações. Por um lado, já não fazia sentido continuarmos a recriar os ambientes das

Casas de Fado, a recriar a taberna, a recriar…a ter uma museografia que passasse pela

cenografia e pela recriação de ambientes…já não fazia sentido, e sobretudo quando o

visitante pode atravessar a estrada e ouvir, ver o Fado ao vivo e a cores. Quisemos

também deixar claro que o papel do museu nesta interpretação do Fado é de um centro

de interpretação, é de um convite à descoberta não é, e portanto, o museu deve assumir

junto do visitante esta perspectiva de o convidar a descobrir o Fado num outro museu

que existe lá fora e que é muito mais extenso e onde o Fado está presente, na Casa de

Fados, na associação, enfim…na rua…agora aparentemente também, e o que é que

quisemos fazer? Quisemos trazer para o museu as obras de arte, as obras que estavam

dispersas nos vários acervos, no Museu da Cidade e noutros locais, traze-las para o

museu e pô-las em diálogo não é com os testemunhos da arte mais popular do Fado. O

Malhoa a dialogar com a Casa da Mariquinhas. O “Marinheiro” do Constantino

Fernandes que é uma peça do Museu do Chiado que está aqui em deposito em dialogo

com os discos, os periódicos do Fado, e portanto, quisemos preparar um circuito que

explicasse também um pouco…explicando a história do Fado aludisse também numa

visão mais abrangente à relação do Fado com as artes plásticas, com a literatura que no

fundo espelham a nossa relação enquanto povo não é, com o próprio Fado. Por outro

lado, e porque o espaço de exposição é muito exíguo sentimos a necessidade de tratar o

som de outra forma. Nós na anterior exposição tínhamos uns dispositivos, premiamos

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um botão e ouvíamos um Fado aqui. O vizinho do lado queria ouvir outro e havia esta

confusão de sons e agora…em 2008 optamos por retirar o som da exposição,

confinamo-lo a uma sala da exposição que ainda evoca o ambiente das Casas de Fado,

embora de outra forma e adoptamos um sistema de áudio guias que está disponível em

português, francês, inglês e castelhano e que permite ao visitante poder fluir, enfim, à

sua vontade, sem constrangimentos de tempo, sem pressões do vizinho do lado a sua

visita. Neste sistema incluímos também dezenas e dezenas de Fados…vê a fotografia da

Amália, decide ouvir, vê o Fernando Farinha, vê o Carlos Ramos, a Hermínia e escolhe

o Fado que quer ouvir. São largas dezenas de horas de conteúdos que estão nesse áudio

guia, que ultrapassam em muito o período da visita diária, portanto, um visitante nunca

poderá ouvir tudo num só dia…fisicamente impossível, mas isto dá uma riqueza e dá-

nos a possibilidade e dá a possibilidade ao visitante da próxima vez que vem decide

ouvir outras coisas, porque para além disto introduzimos uns postos de consulta no

circuito museológico que permitem uma aproximação aos acervos do museu e a uma

base de dados com as biografias, dados biográficos de cada artista, portanto, estes

postos de consulta para além de contarem a história de cada artista tem a relação com a

documentação que existe sobre eles no acervo do museu. Claro que isto é um work in

progress, todos os dias esta base de dados é actualizada com novos conteúdos, com

novas fotografias e…mas é uma forma…que nos parece a forma mais pertinente de

tratar o património imaterial, porque é um património que passa muito pela história de

quem o faz, de quem o constrói, de quem o executa, e por outro lado permitimos ao

visitante esta aproximação aos nossos acervos que não estão em exposição. Temos

ainda um outro posto…um conjunto de postos de consulta dedicado às Casas de Fado e

esse optamos pela sua colocação em frente ao janelão, assumindo este convite…esta

ideia de convite à descoberta do Fado na cidade, portanto, o visitante pode consultar

uma base de dados que se…tem por base…passo o pleonasmo, o mapa da cidade da

cidade do Philippe F? portanto, um mapa já bastante antigo mas onde estão os bairros

colocados e o visitante clica em Alfama e percebe imediatamente a quantidade de casas

que há aqui e quais são as profissionais e as amadoras, onde é que pode ir, os sítios mais

emblemáticos, a igreja de Santo Estevão, os repertórios associados à igreja de Santo

Estevão…para a Mouraria, para o Bairro Alto a mesma coisa, portanto esta também é

uma base de dados que é um work in progress permanente.

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Estes painéis colocados à entrada. Como é que foi feita a selecção? Como foram

pensados? Que critérios foram seguidos?

Foram pensados em termos de geração, estes painéis não são…por um lado foram

pensados em termos de geração, num primeiro, num segundo e num terceiro andar,

portanto temos três gerações diferentes, por outro lado estes painéis são uma artística.

Um artista que não esteja no painel está seguramente no Centro de Documentação, tem

a sua biografia e tem uma exposição no museu como nunca teve antes. Dou-lhe um

exemplo de um artista…enfim, não vou dizer nomes, mas um artista menos conhecido

do grande publico, que ache que não está no painel…conheço esses casos…mas está

com certeza no Centro de Documentação, na base de dados não é, e estará tão ou mais

representado quanto mais informação nos der não é, isto é uma é uma questão na qual

nós insistimos muito não é, porque há alguns artistas “ah, eu não estou aqui e tal”, mas

se telefonarmos ene vezes não atendem, não estão, não dão fotografias e portanto, sem

querer alimentar aqui nenhuma espécie de polémica, pelo contrário…enfim, faz parte, é

assim mesmo mas estes painéis, a ideia que pretendem dar e dão, ao turista internacional

que nos visita, ao estrangeiro, é uma ideia de união da família do Fado não é, é uma

ideia de união, é uma ideia de “esta é a nossa casa, estamos todos aqui para vos receber,

somos todos diferentes, ouçam-nos, cada um de nós tem um estilo, não há duas vozes

iguais, não há dois estilos iguais, somos muitos, somos bons, somos unidos”, isto

no…os turistas ficam com esta imagem e eu acho que às vezes os próprios artistas ou

estes meios mais pequenos, se estiverem presos àquela…não tem essa noção não é, e

depois…nós por exemplo, agora já substituímos o painel mas por uma questão até

técnica do próprio papel, substituímos o painel lá de baixo e agora vamos substituir

este…do rés-do-chão e do primeiro andar, para ficarem com a mesma…lá em baixo já

temos uma tela e este, do rés-do-chão e do primeiro andar ainda continuam a ser papel

de parede, que é mais sensível às humidades e deteriora-se mais…mas estamos a

aproveitar para fazer essa…esse repto final porque depois não podemos estar a fazer o

investimento de estar a imprimir não é mas esta é uma versão…é uma opção artística

não é, é uma opção artística essencialmente. Houve uma preocupação de mostrar as

diferentes gerações, as figuras mais emblemáticas, mas não é um painel…nós para

termos todos…nós não tínhamos paredes suficientes ou então tínhamos fotografias

minúsculas com o nome tipo…

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Existem várias teorias acerca da origem do Fado. O museu adoptou alguma?

Adoptou esta que é a teoria mais consistente, é a teoria mais documentada, mais

consistente. Acho que não há sequer outra teoria que possa…que tenha credibilidade

científica.

A última sala apresenta três vídeos. Pretende dar a imagem das Casas de Fado?

Precisamente, a imagem mais contemporânea das Casas de Fado.

O Carlos do Carmo tem um lugar de destaque também no final. Isso acontece por

alguma razão em particular?

O Carlos do Carmo tem um lugar que é o lugar que tem efectivamente na história do

Fado não é, por mais que isso incomode algumas pessoas. Tal como a Amália, quando

estava viva também incomodava…tem o lugar dele, tem o lugar dele. Ao longo da

exposição nós destacamos a Amália, pioneira na internacionalização do Fado…quer

dizer, não há qualquer margem de dúvidas, e destacamos o Carlos do Carmo

naturalmente…quer dizer…e depois vamos para a sala dos novos…da nova geração.

Continuamos a ouvir, temos o Camané, temos a Mariza, temos…

O serviço educativo que tipo de actividades desenvolve? As visitas guiadas, há

visitas temáticas também?

Há visitas temáticas. O serviço educativo…nós temos uma…a nossa leitura de serviço

educativo não se circunscreve aos mais jovens, portanto temos diferentes tipos de

actividades em função dos públicos-alvo. Portanto, temos as visitas guiadas e temáticas

que são trabalhadas com a escola, temos os ateliês de Fado que se chamam “Fado

menor” para os mais pequeninos…com karaoke! Temos a construção de marionetas

também para os mais pequeninos, marionetas sobre o Fado, temos leituras de poesia

para o público sénior, temos visitas dançadas para um outro tipo de público que também

adere, e que estas exigem outro tipo de preparação, sobretudo para o público mais

jovem não é…é outra geração que aqui está durante um dia a trabalhar e a dançar, e

num segundo dia anda a dançar pelo circuito do museu, portanto…provando que o Fado

também se pode dançar, também se pode sentir dessa forma, temos as visitas cantadas

não é, que são para o público em geral e temos todo este trabalho que temos

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desenvolvido com as escolas ao abrigo da candidatura. Cada vez mais estamos a apostar

em levar artistas às escolas, a Mariza por exemplo foi dar aulas na Escola Luísa de

Gusmão no ano passado e foi um êxito, os alunos nunca estiveram tão

silenciosos…ainda cantou e algumas alunas cantaram também, portanto estamos muito

insistentes em levar os artistas à comunidade escolar porque são os artistas que tem que

passar este conhecimento não é, nós sobre isso…o papel do museu e a visão do museu é

muito clara, são os artistas que tem de passar este conhecimento, é aliás a visão também

da UNESCO não é…não são os investigadores, os doutores, não, são os artistas os

detentores do conhecimento e os responsáveis pela sua transmissão e nós criamos os

meios para que essa transmissão aconteça nas melhores condições.

O museu dispõe também de uma escola de guitarra portuguesa, como é que

funciona?

É uma escola que tem dado bons frutos porque já tem saído daqui artistas, pessoas que

aprenderam connosco e que já estão no mercado. É o caso da Luísa Rocha, da fadista

que teve aqui aulas de canto com o António Rocha, de jovens guitarristas. Portanto, é

uma escola que tem cursos guitarra portuguesa, de viola de Fado, tem seminários de

canto e tem seminários para a escrita criativa de Fado. Estes seminários de poesia que

vão abrir agora são dados pelo Daniel Gouveia e temos duas vertentes…duas versões

aliás, uma versão mais condensada…nem diria…uma versão mais curta para os curiosos

e uma versão mais séria para os futuros letristas de Fado. No nosso gabinete de ensaios

temos tido a colaboração da Julieta Estrela da Associação Portuguesa dos Amigos do

Fado, o António Rocha e vamos começar agora com…ensaios com o Ricardo Ribeiro, e

portanto é uma escola que nos enche de orgulho não é. Temos muita gente, temos uma

média de trinta alunos por ano que é óptimo, o espaço também está…não dá para muito

mais, e depois temos estas parcerias com outras escolas de ensino artístico, com

Conservatórios, falei há pouco no Conservatório de Sines mas vamos firmar uma

parceria este ano com o Conservatório de Carnide que também vai ter uma escola de

Fado. E temos estes intercâmbios, no fundo com outras instituições…que é assim que

tem de ser, todo o país. Os nossos alunos acabam por nos representar, acabam por ser

convidados para aqui, para ali e fazem um brilharete, que nos enche de orgulho. Temos

também uma experiência curiosa que é recebermos muitos estrangeiros para aprender, já

por cá passou por exemplo, um japonês…mas…que esteve aqui três ou quatro meses a

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aprender guitarra e impressionante, de facto com uma dedicação que…toca muitíssimo

bem, dá aulas de guitarra neste momento no Japão, escreveu um método de guitarra em

japonês, que nos ofereceu e no qual só conseguimos compreender as fotografias do

museu…mas é de facto interessantíssimo…já cá tivemos uma italiana, uma americana a

aprender a cantar, japoneses a aprender a cantar…são fenómenos muito interessantes.

Que tipo de acervo podemos encontrar no centro de documentação?

Periódicos, todas as colecções de periódicos…quase todas que existiram durante toda a

primeira metade do século XX, até aos anos 60, a “Guitarra de Portugal”, “Canção do

Sul”, “Voz de Portugal”, “Ecos de Portugal”, portanto, todos esses títulos, uma

biblioteca naturalmente, repertórios, várias centenas de repertórios de poetas populares e

eruditos sobre o Fado, fotografias que disponibilizamos muito regularmente para todo o

tipo de publicações de interesse cultural naturalmente, documentação profissional,

carteiras profissionais, contractos, correspondência, os cartazes, as partituras

naturalmente, também, são um elemento importante.

Relativamente ao reconhecimento do Fado a Património Cultural Imaterial da

Humanidade, já se consegue sentir algumas alterações ou ainda é muito cedo?

Acho que ainda é um bocadinho, ainda é muito cedo, mas consegue sentir-se. Aqui no

museu sentimos imenso, ao nível dos visitantes, sentimos um interesse redobrado,

sentimos por exemplo um interesse redobrado ou triplicado no número de pedidos, e

aqui ao nível nacional de exposições sobre o Fado. Eu diria que de norte a sul do país

nos surgem pedidos de autarquias, de centros culturais que querem fazer exposições

sobre o Fado, que estão a olhar, olharam não é para o tema, começaram a olhar para o

tema com outra atenção e portanto as exposições…e as nossas exposições itinerantes

tem elevado, tem andado a circular intensivamente de norte a sul do país. Isso nota-se

muito, e depois nota-se também dos centros de investigação, dos trabalhos que vão

surgindo, há cada vez mais gente não é, a estudar o tema, embora esses já existissem

antes da candidatura. Eu diria que, para nós, aqui, sobretudo ao nível do publico, ao

nível dos pedidos que surgem ao nível nacional de exposições, de conferencias, de

programas sobre o Fado, visíveis de norte a sul do país…nós mandamos por exemplo,

este ano para o Museu de Portimão uma exposição sobre a guitarra portuguesa…creio

que ainda está patente, esteve aqui sobre o Óscar Cardoso e depois foi para Portimão.

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Eu diria…ao nível económico, se quiser, são dados que ainda não temos não é, ainda

não temos mas eu acho que, enfim, dos artistas, se calhar…enfim, os artistas que já

saíram das Casas de Fado não é…o feedback que tenho é que tem tido muito,

muito…sentem a diferença não é, que isto veio dar e que tem muito mais facilidade em

chegar lá fora.

O que mudou no Museu do Fado depois deste reconhecimento e que projectos se

encontram a ser desenvolvidos?

É o plano de salvaguarda não é. Isso foi…enfim, não mudou mas este reconhecimento

pressupõe um plano de salvaguarda que o museu está a desenvolver desde 2010 e que se

estenderá aos próximos anos e que se orienta nas tais cinco áreas programáticas, a rede

de arquivos, o arquivo digital, o programa educativo, o programa editorial e os roteiros

de Fado. Isso está tudo disponível no site em versão muito detalhada.

O que acha do Fado amador? Acha que é outra vertente do Fado?

Não, absolutamente. Amador porque se ama não é, porque amam, aqueles que o cantam,

embora não fazendo de uma forma profissional e porque o amam aqueles que o ouvem.

Acho muito bem, acho muito bem. E acho que há espaço para todos não é, acho

que…temos que pensar assim, há espaço para todos fazerem aquilo que fazem desde

que o façam bem feito não é, há espaço para todos. Não temos que nos atropelar, nem

que nos sentir ameaçados por “a Casa de Fado amador que nos vai tirar…”. São

coisas…quem…o público…há espaço para tudo, há oferta para tudo não é, há procura,

quer dizer, há procura para tudo. Há quem queira…um jovem, um grupo de jovens que

quer falar, quer fazer barulho, se calhar quer ir beber um copo e ouvir um Fado amador

e o mesmo grupo de jovens se estiver noutra onda, se estiver mais…pode querer ir ouvir

um Fado mais sério não é. Acho que há espaço para tudo e acho que devíamos investir

mais energia na resolução dos problemas que se colocam hoje às Casas de Fado, mesmo

às casas amadoras, e menos nesta concorrência que não faz…não vejo que os espaços

amadores ameassem as casas profissionais, são coisas completamente diferentes não é.

É como dizer que uma Zara ameaça uma marca muito melhor, quem quer a marca

melhor não vai comprar…não é, são coisas diferentes e se calhar quem compra a marca

melhor também compra a Zara…estou a dar…são coisas diferentes e…claro que deve

haver uma concorrência leal não é, e tem que haver uma fiscalização maior de alguns

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espaços que não pagam, que não estão licenciados, não pagam ao IGAC não é, tem de

haver aí…sim, as regras tem que funcionar, tem que ser claras, transparentes e tem que

funcionar para todos não é. De resto, o Fado amador, eu acho…teve um papel na

história do Fado fundamental, é aqui que começa não é, é daqui que saem depois para as

casas profissionais muitas vezes, estas redes de colectividades e de associações que há

pelo país inteiro…falamos de milhares, de dezenas de milhares de associações e de

colectividades…um circuito que continua a alimentar o Fado, que continua a cultivar o

Fado e de onde vem um grande publico que depois em Lisboa vai às Casas de Fado,

portanto, são circuitos muito importantes para alimentar todo este sector.

O museu apresenta de alguma forma o Fado amador que é feito hoje em dia nestas

Casas de Fado?

Apresenta no tal roteiro, apresenta a Casa de Fados mas também apresenta o Grupo

Desportivo da Mouraria, também apresenta o Grupo Sportivo Adicense e depois

trabalha também com fadistas mais ligados ao Fado amador e a fronteira não é clara não

é, entre…o que é um fadista amador e o que é um fadista profissional? Profissional é o

que já gravou um disco? Já gravou dois? Mas…profissionalmente só canta? Faz outras

coisas? A fronteira não é muito clara, mas o museu teve desde o início uma relação

muito boa com todo este universo das colectividades. Fizemos este programa de que lhe

falava há pouco…foi a nível nacional, portanto com a Confederação Portuguesa das

Colectividades de Cultura, Recreio, Desporto…que agora com…a nível nacional,

portanto todas as distritais não é, e portanto temos uma ligação óptima com esse sector

associativo e…das colectividades, desse universo das colectividades e do Fado amador.

De que forma é que o museu se relaciona com as Casas de Fado e vice-versa? Há

projectos de parceria?

Para já temos este projecto de que já lhe falei, que se chama “Fados à Mesa” não é, um

projecto de promoção das Casas de Fado na qual estamos muito envolvidos com a

Associação de Turismo de Lisboa, porque é a Associação de Turismo de Lisboa que nos

está a patrocinar e que consiste numa operação de promoção e requalificação do

universo das Casas de Fado. A nossa intenção é que depois deste projecto possamos

promover com a garantia de que estamos a promover o melhor que há na cidade…estes

espaços que estamos a promover e a dar-lhes a visibilidade que eles precisam. Este é um

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grupo de consultores que vai trabalhar gratuitamente para as Casas de Fado durante

largos meses, auxiliando em sectores como a arquitectura do espaço, da gastronomia, do

serviço, da comunicação, o encaminhamento de alguma questão burocrática, depois

todas as questões que são comuns a todos, os problemas que são comuns a todos como o

da iluminação, da segurança…todas estas questões vão ser levantadas neste projecto,

portanto…e é um projecto no qual estamos muito empenhados que se chama “Fado à

Mesa”, devolvido pelo museu em parceria com a Agencia Única e patrocinado pelo

Turismo de Lisboa. Ainda este ano fizemos uma exposição sobre as Casas de Fado da

cidade, esta exposição esteve patente em Madrid e estará…está disponível para ir para

todos os países que a queiram acolher, tem textos em português, inglês, francês e

castelhano. Temos ao longo do museu a promoção às Casas de Fado que existem na

cidade, o museu convida o visitante à descoberta dessas casas e temos a colaboração das

Casas de Fado na nossa programação…a colaboração e uma relação de proximidade. A

dona Julieta do Fado Maior é professora na nossa escola, a Anita Guerreiro, o António

Rocha, está no Faia, participam aqui, na nossa actividade, o Marco Rodrigues da Adega

Machado, do Luso, o Pedro Moutinho participam aqui. Estivemos agora num

lançamento da Adega Machado…temos uma relação muito cordial, boa e salutar com

todas elas.

As “Grandes Noites do Fado”, acha que esse evento ainda tem a mesma

importância que tinha antigamente para os fadistas que estão a começar?

Acho que agora haverá outras formas não é, agora há outras formas, mas foi um evento

que teve uma importância muito grande na história do Fado e que nos últimos anos

ficou a dever muito a um senhor chamado José La Féria que era o grande mentor da

“Grande Noite do Fado” na Casa da Imprensa e que…já faleceu e que…enfim, ainda

antes de falecer, por ter saído da Casa da Imprensa o evento deixou de se fazer e é uma

pena. Com o José La Féria havia um grande amor à camisola, uma grande paixão, uma

grande dedicação e às vezes mesmo eventos desta importância…a sua realização é feita

nestas condições, portanto, duvido que apareça outro José La Féria, que não vai

aparecer…mas tenho pena que tenha acabado…se não voltar a acontecer eu terei pena.

Acho que é um evento, apesar de tudo com um peso num sector…lá está, de amadores

que se reveem naquele formato, que concorrem em larga escala…nós costumávamos ter

aqui as audições para a “Grande Noite do Fado” e tínhamos o museu cheio, centenas de

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concorrentes. Só para a primeira audição centenas e centenas…mesmo, e depois só

podiam ser apurados…vá lá, trinta, portanto, é um evento que tem uma adesão massiva

ao nível das colectividades.

O museu tem algum acervo sobre as “Grandes Noites do Fado”?

Pouca coisa, muito pouca coisa. A própria Casa da Imprensa não ficou com muita

coisa…temos uns cartazes mas…eu creio que não foram registados, não foram

gravadas…a “Grande Noite do Fado” acontece desde 1953, claro que temos se calhar no

espólio da Esmeralda Amoedo…temos fotografias dela. Imagino que sim, foi a grande

vencedora da primeira “Grande Noite do Fado” e no espólio de outros artistas também,

o Camané, o Ricardo…enfim, mas a Casa da Imprensa creio que não ficou com arquivo

organizado sobre a “Grande Noite do Fado”. Isto tem a ver com as próprias condições

em que…não é. Já existir alguém que faz isto por…enfim, por amor à camisola já é um

milagre não é.

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Anexo 9 – Transcrição da entrevista realizada ao Presidente da Comissão Cientifica da

candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade

Dr. Rui Vieira Nery

Dos vários livros que li sobre o Fado percebi que existem diversas teorias sobre as

origens, porque é que acha que os autores variam tanto acerca deste assunto?

Não são teorias de igual peso científico, há uma série de mitos de origem que se foram

acumulando ao longo do tempo e que até foram muitas vezes acarinhados pelo meio do

Fado porque pareciam permitir uma legitimação histórica mais prolongada do Fado,

portanto os factos, aquilo que nós podemos extrair da documentação, das fontes

históricas disponíveis não deixam dúvidas de que o Fado não existe em Lisboa antes das

décadas de mil oitocentos e vinte, mil oitocentos e trinta, portanto tudo o que sejam

teorias que pretendem fazer antecipar este arranque em Lisboa não tem qualquer

fundamentação história, portanto são meras suposições. A questão em relação a qual

pode e deve haver polemica é saber se o Fado tal como arranca em Lisboa nesse período

tem uma relação directa com o Fado que nós encontramos documentado no Brasil nas

primeiras décadas do século XIX ou não. Nós ainda sabemos pouco sobre essa matéria

mas a meu ver a informação de que dispomos é inequívoca em relação a essa ligação,

muito embora seja claro que o modelo de Fado afro-brasileiro é imediatamente

combinado com muitas outras tradições musicais da zona de Lisboa num momento em

que a cidade está em grande reconfiguração…portanto esta matéria tem que ser ainda

aprofundada mas tudo o que seja tentar encontrar raízes do Fado directas no período dos

Descobrimentos, ou na lírica trovadoresca ou na música árabe releva pura

fantasia…portanto não são teorias credíveis.

Mas acha que é possível afirmar que o Fado começou de uma determinada

maneira, com certeza? É um pouco difícil.

Qual certeza? Não vai nunca ter uma certidão de nascimento como não tem para coisa

nenhuma na história, portanto a única coisa que nós podemos concluir é que a partir de

um certo momento as fontes começam-nos a falar de uma nova realidade e até aí não

nos falavam dela, agora…nada nasce do nada, portanto é evidente que no Fado a partir

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desse período vão confluir muitas linhas de evolução da cultura portuguesa que são

multiseculares e inclusive é…o que é muito interessante no Fado é que em muitos casos

essa confluência até acontece em momentos posteriores da história do próprio Fado,

dou-lhe um exemplo…se for examinar com atenção as letras de Fado que estão

publicadas no século XIX…até praticamente até final do século XIX, certos temas que

nós hoje em dia consideramos inseparáveis do Fado como a saudade, o destino, a ideia

da sina nefasta não estão quase presentes. O Fado no século XIX tem um tipo de lírica

muito mais próximo da pequena crónica de bairro, da pequena crónica de vida

quotidiana das comunidades populares em que ele é desenvolvido do que propriamente

dessa lírica saudosista que no fundo acaba por entrar no Fado um pouco na sequência do

próprio saudosismo na poesia erudita portuguesa do final do século XIX. É uma espécie

de efeito secundário de Teixeira de Pascoaes, de António Nobre…aquilo que o Fado

acolheu…portanto acima de tudo aquilo que é preciso na história do Fado, é nós não

partirmos do princípio que aquilo que hoje conhecemos como Fado sempre foi Fado. Há

muita coisa em que o Fado foi mudando, aliás a primeira lição que a história do Fado

nos dá é que ele esteve sempre a mudar, não há um Fado puro em nenhum momento e

portanto não podemos tomar por garantido que as características que nós hoje

identificamos com o Fado tal como ele é praticado nos nossos dias sejam aquelas que

caracterizaram sempre o Fado a cada momento.

Que papel desempenhou no actual projecto museológico do Museu do Fado?

Eu fui o autor dos dois guiões iniciais do Museu do Fado, quer do primeiro e em

particular do segundo…quer dizer, trabalhei com a equipa do museu no sentido de

encontrar um conceito expositivo que organizasse a exposição, depois foi a equipa

técnica do museu e foi a Directora do museu que decidiram os conteúdos específicos de

cada um dos núcleos, mas digamos a minha função foi ajudar a definir a lógica, o

conceito de base do percurso expositivo do museu. Num primeiro momento

tivemos…na abertura do museu tivemos uma visão mais tradicional, mais baseada na

exibição de muitos objectos e tudo terminava com uma sala que procurava recriar a

atmosfera de uma Casa de Fados. Na segunda versão…no novo percurso expositivo

optamos por uma maior economia de exposição e por uma dinâmica interactiva maior a

partir do uso das novas tecnologias o que também evitou a necessidade de tentativas de

recriação artificial de espaços porque a informação que essa recriação…por exemplo na

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Casa de Fados podia dar…pode ser agora encontrada nos postos de consulta por

visionamento de imagens reais das Casas de Fado e não nesta espécie de idealização

artificial.

Que papel desempenhou na candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial

da Humanidade?

Eu fui o presidente da comissão científica da candidatura sendo que a comissão também

era formada pela professora Salwa Castelo-Branco e pela doutora Sara Pereira.

E acha que o reconhecimento que agora aconteceu produziu algumas alterações no

universo do Fado?

A candidatura e a vitória da candidatura não são fenómenos isolados, acontecem num

contexto mais amplo, portanto uma coisa é, digamos a vitória imediata, o facto de

termos passado a ter uma forma de património português inscrita na lista representativa

de Património Imaterial da Humanidade, o que só por si é obviamente importante,

agora, quer o processo anterior que conduziu a essa vitória, ou seja todo o trabalho feito

e preparação da candidatura permitiu levantar muita informação, investigar muitas

fontes novas, fazer inventários, entrevistas com personalidades do meio do Fado, quer

também ainda no âmbito do processo de preparação, o espirito de união que se criou na

comunidade do Fado em torno da candidatura foram ganhos por si só,

independentemente do bom resultado que depois tivemos. Quanto aos resultados

directos dessa vitória eu acho que há uma maior exposição internacional do Fado,

portanto há mais curiosidade e potencialmente…isto agora teremos que contabilizar as

coisas quando tivermos distanciação suficiente para ver se de facto aconteceu ou não

mas a nossa percepção é que há mais convites a músicos portugueses, a fadistas, para se

apresentarem nos circuitos internacionais por esta curiosidade acrescida que foi

despertada pela vitória e pela consagração pela UNESCO, por outro lado do ponto de

vista interno eu acho que se gerou um consenso nacional muito grande em torno do

Fado, coisa que nem sempre aconteceu em torno do Fado, porque sempre houve muita

polémica…se o Fado era de boa ou de má qualidade poética ou musical, se o Fado era

de direita ou era de esquerda, se era uma canção nacional ou não…e todo esse debate

que fez muito sentido em certos momentos da história neste momento parece

ultrapassado…quer dizer…independentemente daquilo que o Fado tiver sido ou não em

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cada momento da sua história hoje em dia claramente a maioria dos portugueses

considera que o Fado faz parte da identidade cultural portuguesa…de que nós no

revemos e somos vistos de fora associados a esse elemento. Não é o único factor da

cultura portuguesa naturalmente mas é um factor importante sem o qual ela não seria a

mesma, e isso acho que também foi um pouco resultado não da decisão da UNESCO

mas do processo que conduziu a essa decisão.

Acha que esse reconhecimento impõe mais responsabilidade por parte dos artistas,

dos poetas, dos músicos?

Não. Eu acho que os artistas, os poetas, os compositores fazem aquilo que têm que fazer

por uma questão de consciência artística, de integridade artística, não precisam de

estímulos exteriores para cantarem bem, tocarem bem, comporem bem, escreverem bem

poemas. Acho que nos dá uma responsabilidade maior, não propriamente a esses que

basicamente o que têm que fazer bem é aquilo que sabem fazer mas por exemplo ao

Estado, no sentido de continuar a preservar o património, os suportes materiais do

Património Imaterial do Fado…uma coisa é o património imaterial como o nome

indica…não existência a não ser no momento em que acontece…outra coisa são os

suportes materiais da memória desse património…por exemplo o que o Estado fez com

a aquisição de um grande fundo de gravações históricas do Fado a um colecionador

Inglês foi importante porque salvaguardou uma quantidade muito grande de material

histórico audiovisual…neste caso sonoro só…a existência do Museu do Fado…a

expansão do Museu do Fado é importante. O apoio aos projectos de investigação

universitários em torno do Fado designadamente os estão a ser feitos pelo Instituto de

Etnomusicologia para continuarmos esse trabalho…tudo isso são responsabilidades

acrescidas tal como…a meu ver deveria haver uma responsabilidade no sentido de um

maior apoio aos espaços de apresentação de Fado…as chamadas Casas de Fado que

apesar de tudo continuam a ter um papel muito importante neste circuito…têm

problemas graves, não têm estímulos fiscais adequados para garantir em muitos casos

uma boa qualidade da prestação artística, e portanto acho que devia haver no âmbito da

politica económica alguma atenção especial ou estimulo a esta actividade.

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O que acha do Fado vadio?

O Fado vadio é um fenómeno com aspectos positivos e negativos. Os aspectos positivos

são os da espontaneidade, os de uma atmosfera informal…afinal de contas remete um

pouco para aquilo que era…nós sabemos…o contexto do Fado antes do período da

profissionalização nos anos vinte, trinta. O lado negativo é que em geral tende a ser uma

prática de Fado muito conservadora, muito tradicionalista, muito repetitiva, com muitos

clichés. Por outro lado tende a ser por exemplo, um tipo de prática em que os direitos de

propriedade intelectual, os direitos de autor não são respeitados, enquanto que uma Casa

de Fados profissional tem que declarar as autorias dos Fados que foram cantados e

pagar direitos por isso…que no fundo é o salario dos autores não é? Nós num espaço

destes não temos qualquer respeito por esses direitos dos autores…é um problema

muito grande…aliás que também está ligado, por exemplo à questão do download ilegal

na internet, o Fado é feito por homens e mulheres que trabalham para o fazer e que

devem ser remunerados por isso, portanto…digamos, esta apropriação sem

contrapartidas do trabalho das pessoas obviamente que é preocupante, e mais ainda, põe

em risco as Casas de Fado que cumprem as obrigações e que têm esses custos

adicionais, portanto eu acho que há um bom senso de equilíbrio...que tem que existir no

sentido de não coibir a abertura e o funcionamento desses espaços do Fado Vadio mas

de encontrar algum tipo de regulamentação que permita salvaguardar todos os direitos

envolvidos porque penso que isso será vantajoso para todos.

Acha que o Fado vadio se encontra representado no Museu do Fado por exemplo?

O que é que chamaria representar o Fado vadio no Museu do Fado? O Museu do Fado é

um espaço de memória que evoca a prática do Fado em todos os seus contextos,

preserva documentos, preserva imagem, preserva gravações, preserva objectos, e

portanto há muitos fadistas que fizeram uma parte da sua carreira num ambiente

informal e estão lá representados. Eu acho portanto que o Fado vadio, como não

…como eu lhe disse, não é um género separado, está representado onde o Fado esteja

representado. É claro que o Museu do Fado dá mais destaque aos protagonistas do

género que em geral são profissionais, mas quer dizer aquele sonho um bocadinho

ingénuo de que há uns génios escondidos que não são reconhecidos…é mesmo isso, é

uma fantasia. Há, é verdade, casos…por exemplo…estou-me a lembrar do Fernando

Maurício que era um extraordinário fadista e que preferia cantar no seu bairro, na sua

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colectividade mas que cantou toda a vida em Casas de Fado, portanto também foi um

profissional, tinha medo de voar, não queria fazer carreira internacional, gostava

daquela companhia dos vizinhos, dos amigos, da família e portanto, digamos…não teve

uma carreira profissional como podia ter tido pelo seu talento, mas para já é um caso

isolado…não me lembro de mais nenhum com essa dimensão que tenha feito essa opção

e por outro lado ele próprio teve uma carreira profissional…gravou, apresentou-se em

Casas de Fado, foi pago por cantar. Portanto esta ideia de que há uma espécie de…como

é que eu ei-de dizer…de depósito de génios escondidos à margem da actividade

profissional é um mito. É claro que há muita gente que canta muito mal e que se

justifica pelo facto de não ter reconhecimento, pelo facto de não ter sucesso no meio

profissional, mas isso é outro problema.

Acha que seria benéfico ou não haver uma interacção mais efectiva entre o próprio

museu e as Casas de Fado, principalmente das zonas circundantes?

Eu acho que há uma grande interacção entre o museu e as Casas de Fado. Para já o

museu tem editado guias das Casas de Fado, depois o museu é um espaço em que, por

exemplo os fadistas que cantam nas Casas de Fado frequentemente vão lançar os seus

discos, portanto eu acho que o museu tem uma boa interacção com a comunidade do

Fado, incluindo com as Casas de Fado. É claro que é administração pública…não pode

ter finalidades comerciais e portanto essa colaboração tem que separar muito bem aquilo

que é o estimulo à actividade artística do Fado e aquilo que é o negocio do Fado, que é

muito respeitável e tem que existir…sem isso não poderiam existir essas estruturas que

são fundamentais mas portanto, o museu tem que separar bem a área em que pode

intervir ou não, mas acho que o universo das Casas de Fado está, quer as do passado

quer as actuais, acho que está bem representado no museu.

E relativamente ao evento “As Grandes Noites do Fado” acha que poderia ser um

pouco mais visível no museu, haver alguma referência a esse evento já que é tão

importante?

Então o museu…o evento está representado no museu. Se procurar nos postos

interactivos do museu tem imensa explicação sobre isso. A Directora do museu

frequentemente faz parte do júri da “Grande Noite do Fado”, portanto eu acho que há

uma ligação. É claro que a “Grande Noite do Fado” perdeu muito do peso que tinha

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historicamente…quer dizer, porque era diferente na altura em que o Fado estava contido

na rede das Casas de Fado e nas colectividades amadoras, e portanto a “Grande Noite do

Fado” era uma maneira de os jovens fadistas se revelarem e depois até entrarem no

circuito das Casas de Fado a seguir. Mas num momento em que o meio do Fado começa

a ter outros veículos de profissionalização, em que as pessoas aparecem muitas vezes já

fora do circuito das Casas de Fado, gravam directamente o seu primeiro disco, entram

num circuito de espectáculos…portanto o veículo de revelação que era a “Grande Noite

do Fado” tende a ser menos importante do que era. Por outro lado, se é verdade que em

alguns casos nos bairros há uma vida associativa ainda intensa das colectividades de

Cultura e Recreio que são no fundo a alma da “Grande Noite do Fado”, são elas que

propõem noutros casos…não a vida moderna nos bairros de Lisboa, mesmo nos bairros

históricos tende a ser menos comunitária…as pessoas a ficarem mais separadas umas

das outras, a não terem os hábitos de sociabilidade que praticamente estavam na base da

estética do Fado, e portanto pode acontecer que a “Grande Noite do Fado” perca e tem

perdido um bocadinho de dinâmica…quando nós pensamos o que eram as “Grandes

Noites do Fado” no Coliseu até às tantas da manhã, com as claques dos bairros

entusiásticas a apoiarem os seus candidatos, etc…hoje em dia vai ao São Luís e é uma

coisa muito mais morna, menos animada, menos popular. Portanto não têm a mesma

importância.