andré seewald
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Reportagem de André Seewald para a revista Primeira Impressão.TRANSCRIPT
Um sorriso de 100 anos Irma já viveu uma centena de anos e mostra que o bom humor pode ser uma arma
contra o envelhecimento
Os cabelos estão brancos, as rugas já tomam conta do rosto e das mãos, o
ouvido, por vezes, exige que se repita a pergunta e o corpo perdeu a força da juventude.
Mas o espírito continua o mesmo e encontra novos caminhos, em meio às lembranças,
para buscar energia para dançar, cantar e sorrir, da mesma forma que fazia aos vinte e
poucos anos.
Hoje, aos cem, Irma Paz de Oliveira, vive em um mundo bem diferente daquele
em que passou sua infância no início do século vinte, quando a expectativa de vida, no
Brasil, não passava dos 50 anos. Em 2010, segundo dados do Banco Mundial, esse
número saltou para 73,1. Irma já superou essa marca há bastante tempo. Em 29 de
agosto deste ano, entrou para o grupo de pouco mais de 22 mil centenários que vivem
hoje no Brasil, de acordo com pesquisa realizada pelo IBGE, em 2010.
Segundo o médico geriatra João Senger, membro da Diretoria da Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia no Rio Grande do Sul, a faixa da população
acima dos 85 anos é a que mais cresce no mundo, devido ao aumento mundial da
longevidade. Entretanto, em muitos casos, quem chega nessa idade sofre com as
mudanças no corpo, que fica mais debilitado. “Pessoas muito idosas, geralmente, são
frágeis, com dificuldade em níveis simples de habilidades, como deitar-se e levantar da
cama, tomar banho, vestir-se e caminhar. Essa fragilidade geralmente tem como causa a
perda de massa muscular e óssea, anemia, dor, depressão, uso inadequado de
medicações, dificuldade de equilíbrio e quedas”, explica.
No caso de Irma, isso não aconteceu. Nascida em Taquara, no Rio Grande do
Sul, em 1912, ela é um exemplo de que a idade nem sempre é um fardo pesado a ser
carregado. Nem por ela própria, nem pelos familiares, como é comum se ver em asilos e
hospitais. Evidentemente, a boa saúde a ajuda a levar uma vida tranquila no bairro Rio
Branco, na cidade de São Leopoldo, onde mora com um de seus cinco netos, Sandro
José Hannecker, 42 anos, na casa onde ele cresceu. Quando era mais novo, ele conta
que a avó ajudava a cuidá-lo e, agora, os papéis se inverteram. “Hoje nós é que
cuidamos da vó e quem nos ajuda durante o dia são nossos filhos, bisnetos dela”, diz o
neto.
Além de Hannecker e da esposa, Irma tem a companhia dos quatro filhos do
casal, para quem gosta de contar histórias da sua época. A memória, desde o ano
passado, tem levado mais tempo para resgatar algumas lembranças. Mas, ainda assim,
existem aquelas que não são apagadas tão facilmente. “Eu nasci nos bailes, meus pais
tinham um armazém, que vendia muitas coisas e, à noite, também servia de salão.
Gostava muito de dançar com meu irmão, lembro que as pessoas ficavam olhando pela
janela”, lembra Irma.
Irma é avó de cinco netos, bisavó de sete, tataravó de dois e mãe de seis filhos,
cinco mulheres e apenas um homem: Clécio Paz de Oliveira, hoje com 72 anos, que é o
único ainda vivo. Das irmãs, duas faleceram no parto e uma antes de completar três
meses de vida. Oliveira já é avô, com direito a bigode, mas Irma ainda tem lembranças
de quando ele era bem novinho. “Esse aqui era muito manhoso, gostava muito de ficar
no colo”, relembra Irma, sorrindo e apontado para o filho.
Casada durante 47 anos com Olímpio Paz de Oliveira, Irma é viúva desde 1979.
Ela conta que seu marido era um homem muito bonito. “Havia duas garotas que o
disputavam comigo, mas minhas amigas diziam que eu era mais bonita. Começamos a
namorar escondidos, nos bailes. Eu tinha quinze anos, e aos vinte nos casamos”, revela
Irma.
O marido, as filhas e os irmãos já não estão mais com ela, e quando pensa no
que mais lhe dá saudade, a resposta não demora muito para vir: a família. Isto talvez
tenha um peso muito maior do que a preocupação com a saúde do corpo, por exemplo.
Viver tanto tempo, no caso de Irma, a fez passar por muitas perdas, mas ela não se deixa
abalar. “Meus parentes estão esperando lá em cima e, quando chegar minha hora, estarei
pronta”, diz Irma.
Não se trata de conformismo com a morte, mas sim de saber que a vida tem um
fim e que isso não é motivo para desespero. “Um aspecto que afeta a todos,
invariavelmente, é a dificuldade de negar a finitude humana. Saber-se mais próximo da
morte pode despertar ansiedade e depressão. Por outro lado, pessoas mais otimistas e
que estão informadas sobre o processo de envelhecimento, estão mais bem preparadas
para enfrentá-lo. Habitualmente são idosos mais abertos às mudanças, têm prazer e
sentido em viver”, explica a psicóloga Jacqueline Schneider, de Novo Hamburgo.
A fé também é uma grande aliada de Irma. Católica, ela carrega no pescoço uma
correntinha de São Jorge – que pertencia a uma de suas filhas, mãe de Sandro – e
recebe, uma vez por mês, a visita de um membro da igreja, que conversa e canta alguns
hinos com ela. Além dessa visita, faz parte da rotina de Irma caminhar pelo pátio,
sentar-se ao sol à tarde, tomar chimarrão e aproveitar o tempo que tem com a família.
“Sou muito feliz por poder morar com minha família, meus bisnetos e com o Sandro,
que, para mim, é um filho-neto”, diz Irma, com um sorriso no rosto.
O bom humor e a relação próxima com a família são fatores fundamentais para
quem espera viver mais. Para Jacqueline, a relação com os familiares tem papel
fundamental no desejo e na motivação para continuar vivendo e, se a relação é boa para
todos, os benefícios também serão refletidos na saúde do idoso.
“Hoje sabemos que a postura otimista frente à vida tem uma importância muito
grande em atingir a longevidade, pois, ansiedade e desânimo complicam as funções do
organismo, propiciando o aparecimento de doenças, o que vem contra a longevidade”,
complementa o geriatra Senger.
A saúde de Irma, apesar de alguns problemas naturais da idade avançada, é
excelente, e ela demonstra energia e bom humor constante. “Não achava que iria viver
tanto, mas sou novinha ainda”, diz rindo. Para ela, não existe nenhum segredo. “Não
cuido muito da alimentação, como de tudo, apenas procuro comer menos à noite, mas,
durante o dia, como normal. Gosto muito de churrasco, mas, há algum tempo, tenho
comido menos carne vermelha.”
Entretanto, Irma tem um segredo, sim, mas que, certamente, não é indicado por
nenhum médico. Quem revela é o filho: “Ela não bebe água, água pura. Só toma
chimarrão, chá, café e suco, mas água não”. É claro que isso não é saudável, mas, no
caso de Irma, o corpo parece ter se adaptado.
Chegar aos cem anos não é o objetivo de todos, mas aqueles que pretendem,
geralmente esperam estar bem de saúde. Para isso, o geriatra Senger dá algumas dicas.
“Viver mais depende quase exclusivamente do estilo de vida, depende de escolhas que
faz. Se fosse para escolher um fator determinante em retardar o envelhecimento,
escolheria o exercício, com ele iremos diminuir o impacto da má alimentação, o excesso
de estresse ou álcool”.
Com ou sem segredo, uma coisa é certa: Irma tem um prazer enorme de viver e
grande parte disso vem do amor pela família. Para ela, durante sua vida, uma
característica foi muito importante: “Sempre tratei bem todas as pessoas”. E com cem
anos completados neste ano, ela brinca com a idade. “Passou ligeiro.”
BOX
Centenários no Brasil
Brasil: 22.676 centenários
(6.987 homens e 15.689 mulheres)
Rio Grande do Sul: 854
(227 homens e 627 mulheres)
Porto Alegre: 156
(44 homens e 112 mulheres)
São Leopoldo: 26
(13 homens e 13 mulheres)
Novo Hamburgo: 10
(10 homens)
(Fonte: IBGE, 2010)