andrÉ, carminda mendes. apotamentos de uma arte-educadora

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Cultura Acadêmica APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA – ARTES CÊNICAS Carminda Mendes André Carminda Mendes André Apontamentos de uma Arte-Educadora – Artes Cênicas O material didático é fruto de muitas escritas e reescritas do programa de ensino da disciplina Teatro e Educação que a autora ministra no Curso de Licenciatura em Arte – Teatro no Instituto de Artes – Unesp. O livro é dividido em três módulos que, por sua vez, são subdivididos em “aulas”. O primeiro módulo trata da relação entre política e arte, iniciando a discussão com as ideias de teatro encontradas nas crônicas elaboradas Machado de Assis. O segundo módulo trata da relação entre formação do sujeito, subjetividade e poder. Aqui a autora, no intuito de mostrar como funciona a relação entre escola e poder na cidade de São Paulo das primeiras décadas do séc. XX, nos apresenta as estreita relações das políticas públicas estreitadas com o pensamento. Ainda aqui, a autora vai à teoria do conhe- cimento, trazendo os modelos clássicos (subjetivo, mecanicista e dialético) e a noção de conhecimento como invenção de Nietzsche por Michel de Foucault. O terceiro e último módulo trata de relacionar algumas filosofias da educação que apareceram no cenário brasileiro a partir dos anos de 1960, e o ensino da arte na escola pensado a partir dessas perspectivas. O livro é finalizado em aula que aborda caminhos para se pensar processos educativos a partir de processos criativos de certa produção contemporânea de arte. Carminda Mendes André é atriz, encenadora e performer. Atualmente pesquisa formas pós-dramáticas e arte nos espaços públicos. É Bacharel em Teatro pela Univer- sidade de São Paulo (1989), mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1997) e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (2007). É docente do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista – Unesp. Sua atual área de interesses navega entre teatro contemporâneo e conhecimento.

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Arte-educação

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    APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS

    Carminda Mendes Andr

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    O material didtico fruto de muitas escritas e reescritas do programa de ensino da disciplina Teatro e Educao que a autora ministra no Curso de Licenciatura em Arte Teatro no Instituto de Artes Unesp. O livro dividido em trs mdulos que, por sua vez, so subdivididos em aulas.

    O primeiro mdulo trata da relao entre poltica e arte, iniciando a discusso com as ideias de teatro encontradas nas crnicas elaboradas Machado de Assis. O segundo mdulo trata da relao entre formao do sujeito, subjetividade e poder. Aqui a autora, no intuito de mostrar como funciona a relao entre escola e poder na cidade de So Paulo das primeiras dcadas do sc. XX, nos apresenta as estreita relaes das polticas pblicas estreitadas com o pensamento. Ainda aqui, a autora vai teoria do conhe-cimento, trazendo os modelos clssicos (subjetivo, mecanicista e dialtico) e a noo de conhecimento como inveno de Nietzsche por Michel de Foucault. O terceiro e ltimo mdulo trata de relacionar algumas fi losofi as da educao que apareceram no cenrio brasileiro a partir dos anos de 1960, e o ensino da arte na escola pensado a partir dessas perspectivas.

    O livro fi nalizado em aula que aborda caminhos para se pensar processos educativos a partir de processos criativos de certa produo contempornea de arte.

    Carminda Mendes Andr atriz, encenadora e performer. Atualmente pesquisa formas ps-dramticas e arte nos espaos pblicos. Bacharel em Teatro pela Univer-sidade de So Paulo (1989), mestre em Filosofi a pela Universidade de So Paulo (1997) e doutora em Educao pela Universidade de So Paulo (2007). docente do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista Unesp. Sua atual rea de interesses navega entre teatro contemporneo e conhecimento.

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  • APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS

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  • Universidade Estadual Paulista

    Reitor Julio Cezar Durigan Pr-Reitor de Graduao Laurence Duarte Colvara Pr-Reitor de Ps-Graduao Eduardo Kokubun Pr-Reitora de Pesquisa Maria Jos Soares Mendes Giannini Pr-Reitora de Extenso Universitria Maringela Spotti Lopes Fujita Pr-Reitor de Administrao Carlos Antonio Gamero Secretria Geral Maria Dalva Silva Pagotto Chefe de Gabinete Roberval Daiton Vieira

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  • So Paulo2013

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  • Pr-Reitoria de Graduao, Universidade Estadual Paulista, 2013.

    Ficha catalogrfica elaborada pela Coordenadoria Geral de Bibliotecas da Unesp

    A555aAndr, Carminda MendesApontamentos de uma arte-educadora artes cnicas / Carminda Mendes

    Andr. So Paulo : Cultura Acadmica : Universidade Estadual Paulista, Pr-Reitoria de Graduao, 2013.

    166 p. Bibliografi a ISBN 978-85-7983-416-5

    1. Arte e Educao. 2. Artes Cnicas. 3. Teatro Estudo e Ensino. I. Ttulo.

    CDD 792.07

    Pr-reitor Laurence Duarte Colvara Secretria Joana Gabriela Vasconcelos Deconto Assessoria Jos Brs Barreto de Oliveira Maria de Lourdes Spazziani Valria Nobre Leal de Souza Oliva

    Tcnica Bambina Maria Migliori Camila Gomes da Silva Ceclia Specian Eduardo Luis Campos Lima Gisleide Alves Anhesim Portes Ivonette de Mattos Maria Emlia Arajo Gonalves Maria Selma Souza Santos Renata Sampaio Alves de Souza Sergio Henrique Carregari

    Projeto grfico Andrea Yanaguita

    Diagramao Estela Mletchol

    equipe

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  • PROGRAMA DE APOIO

    PRODUO DE MATERIAL DIDTICO

    Considerando a importncia da produo de material didtico-pedag gico dedicado ao ensino de graduao e de ps-graduao, a Reitoria da UNESP, por meio da Pr-Reitoria de Graduao (PROGRAD) e em parceria com a Funda-o Editora UNESP (FEU), mantm o Programa de Apoio Produo de Material Didtico de Docentes da UNESP, que contempla textos de apoio s aulas, material audiovisual, homepages, softwares, material artstico e outras mdias, sob o selo CULTURA ACADMICA da Editora da UNESP, disponibi-lizando aos alunos material didtico de qualidade com baixo custo e editado sob demanda.

    Assim, com satisfao que colocamos disposio da comunidade acad-mica mais esta obra, Apontamentos de uma Arte-Educadora Artes Cnicas, de autoria da Profa. Dra. Carminda Mendes Andr, do Instituto de Artes do Cmpus de So Paulo, esperando que ela traga contribuio no apenas para estu dantes da UNESP, mas para todos aqueles interessados no assunto abordado.

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  • SUMRIO

    Introduo 9

    MDULO: POLTICA E ARTE

    aula 1 A institucionalizao da cultura 17

    aula 2 A funo pedaggica da arte 25

    MDULO: FORMAO DO SUJEITO, PODER E SUBJETIVIDADE

    aula 1 Educao integral idealista 37

    aula 2 A escola higinica 45

    aula 3 O sujeito que conhece, o objeto do conhecimento e o conhecimento 53

    aula 4 Modelos tericos de construo do conhecimento 59

    aula 5 Biopoltica e subjetividade 69

    aula 6 Resumindo: a de-formao do sujeito 79

    aula 7 Infncia: selvageria, paraso ou experincia 93

    aula 8 Infncia 2 101

    MDULO: FILOSOFIA DA EDUCAO E ENSINO DE ARTE

    aula 1 A formao do sujeito transcendente 117

    aula 2 A formao do sujeito sensvel 127

    aula 3 A formao do sujeito histrico 139

    aula 4 Moderno ou ps-moderno? 147

    aula 5 Arte como resistncia 157

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  • INTRODUO

    Desde o ano de 2009, tenho adotado um enfoque novo para o curso de Teatro e Educao. Anteriormente, limitava-me a apresentar e comentar as metodologias de ensino de teatro que tiveram (e as que ainda tm) maior re-percusso entre ns. No entanto, com o passar dos anos, fui percebendo que o curso deixava muito a desejar na formao crtica do estudante e da minha prpria. Com esse diagnstico, afastei-me um pouco das metodologias de en-sino para aproximar o curso Filosofia e Histria.

    Ao invs de discutir metodologias como prticas na sala de aula, h quatro anos enfoco tais prticas como parte de um conjunto de medidas integradas ao projeto civilizatrio de que somos herdeiros: este em que a mentalidade comum no distingue educao de instruo. Enquanto a educao pode ser compre-endida como lugar de emancipao do homem, lugar para colocar foco de ateno ao movimento da inteligncia de que todos somos dotados, a instruo parte da dicotomia entre o saber e a ignorncia que, por sua vez, trabalha na perspectiva de hierarquia das inteligncias. H o sbio com a inteligncia de-senvolvida, e h o aprendiz ignorante com sua pouca inteligncia. Mesmo que muitos digam que Paulo Freire est fora de moda, no vejo a superao dessa dicotomia (to discutida por ele) no meio acadmico em que vivo atualmente. Sou vtima dessa hierarquia dos sbios. Talvez este livro seja, inclusive, a prova dela ainda disfarada que vive escondida nos escombros de mim mesma.

    Este livro recolhe algumas aulas nas quais tenho praticado a construo do conhecimento com estudantes do segundo ano do curso de licenciatura em Arte Teatro. So aulas-palestras seguidas de debates (o que aqui no apare-cer). So discursos muitas vezes com afirmaes exageradas ou radicais, frases apocalpticas e outros recursos de provocao o que considero ser saudvel na academia. Indignao um sentimento que gosto de suscitar nos jovens, pois tenho experimentado uma insuportvel indiferena diante de tragdias humanas que nos parecem deixar fracos e incapazes de reao. A indiferena diante de um morador de rua, por exemplo, naturaliza o que poderia ser, em um olhar mais potico, um crime contra a humanidade.

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  • APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS10 |

    Com as aulas, pretendo tambm tecer um olhar crtico para esse projeto civilizatrio de que somos herdeiros, para essa instruo alienadora e para o sujeito por ela produzido; mostrar que tais processos tm nos levado tambm (no s) a verificar a presena de certo sujeito adaptado produo e ao con-sumo, sem almejar valores maiores do que comprar coisas.

    Neste livro, gostaria de analisar de que forma nos constitumos e somos constitudos como sujeitos pelo modo como produzimos conhecimento; de como constitumos nossas relaes em sala de aula. Gostaria de refletir sobre os limites de liberdade que nossos parmetros sociais e pessoais atingem para a construo de nossa subjetividade. Ou, dizendo de outra maneira, gostaria de verificar de que modo construmos nossas relaes ticas (com ns mesmos), polticas (com os outros) e com o saber (at quanto podemos nos apropriar do conhecimento e transform-lo). Gosto de verificar de que modo eu e os estu-dantes estamos construindo nosso sujeito histrico.

    A finalidade de tal abordagem se pauta na necessidade de contextualizar a arte na escola ou fora dela em tempos de biopoltica. Refiro-me aos aportes tericos e prticas correspondentes; refiro-me a um conjunto de medidas te-rico-prticas que acabam por produzir/reproduzir sujeitos disciplinados, produtivos e tristes.

    O primeiro mdulo do curso trata da relao entre poltica e arte. Para provocar a discusso, trago nosso estimado Machado de Assis, um pensador sem igual, com suas ideias sobre o tema.

    O segundo mdulo trata da relao entre formao do sujeito, subjetivi dade e poder. Passo pela histria da poltica educacional higienista realizada na ci-dade de So Paulo desde o incio do sculo XX, no intuito de mostrar como funciona a relao entre escola e poder. Ainda aqui, apresento os modelos clssicos para pensar a construo do conhecimento: modelo subjetivo, mo delo mecanicista e modelo dialtico. A ideia refletir como somos induzidos a pen-sar pelos mtodos acadmicos. Para rebater, trago o provocante conceito do conhecimento como inveno, de Nietzsche mediado por Michel de Foucault. Para refletir, apresento a infncia como conhecimento produzido e no como fase natural de uma suposta natureza humana em progresso.

    O terceiro e ltimo mdulo trata de relacionar algumas filosofias da edu-cao que apareceram no cenrio brasileiro a partir dos anos de 1960, e o ensino da arte na escola pensado a partir dessas perspectivas.

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  • Introduo | 11

    A ltima aula uma provocao para pensar a arte como ao criativa de resistncia mesmice dentro de ambientes educacionais, seja em ensino bsico ou superior. No estou dando caminhos para professores de ensino bsico, mas buscando remar contra a correnteza em uma barquinha cheia de estudantes, onde eu, a professora, no conhece a arte do remo. Para os que se aventurarem a embarcar, boa sorte!

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  • Artes Cenicas.indd 12Artes Cenicas.indd 12 20/05/2013 21:38:3720/05/2013 21:38:37

  • MDULO: POLTICA E ARTE

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  • TEATRO E POLTICA NA CRTICA DE MACHADO DE ASSIS1

    Por que comear um curso de TEATRO E EDUCAO com a anlise de duas crnicas produzidas por Machado de Assis, quando assumia a funo de crtico de teatro em jornais de sua poca? Vimos em Machado certo posi-cionamento diante da arte, certo modo de pens-la inserida na cultura bra-sileira. Extramos da ferramentas que talvez possam ajudar a pensar nossa contemporaneidade. Percebemos o esboo de um modo de pensar a poltica cultural, e um esboo de uma teoria da recepo que pode aproximar-se de um modo de pensar a educao; o que reverberou em dcadas posteriores que viveu Machado.

    Por sua competncia intelectual, acreditamos que esse autor possa nos auxiliar em uma busca que nos cara. Paira (ou pairou) sobre nossas cabeas de artistas brasileiros a sombra de um discurso colonizador que produziu to-mada de posies de nossos artistas, que compe o que chamamos de histria do teatro brasileiro. Esse discurso afirma que nosso teatro atrasado em rela-o ao de pases ditos de primeiro mundo. E na busca de enunciados para compreender de que modo se constitui esse discurso do atraso sobre o nos-so teatro que comearemos nossas aulas. Mais do que afirmar ou negar tal discurso, nossas intenes pedaggicas desejam mostrar de que modo a rea-lidade pode ser compreendida como uma construo discursiva e no como um dado pr-existente.

    1. Parte dessas duas aulas foi publicada, com outro enfoque, em artigo intitulado: Problemtica da regulamentao profissional do artista de teatro. FENIX (on-line), v. 8, 2011.

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  • aula 1A INSTITUCIONALIZAO DA CULTURA

    Vamos nos deter em duas crnicas (terminologia que se dava na poca para o que chamamos hoje de crtica jornalstica) produzidas pelo autor: Idias sobre o theatro, de 1860, e O Theatro Nacional, de 1866.

    Em Idias sobre o theatro, Machado defende a seguinte tese: a arte dra-mtica no ainda entre ns um culto posto que as vocaes definem-se e educam-se como um resultado accidental.1 O que faria o crtico negar o teatro como prtica cultural popular, posto que nessa poca a produo teatral ca-rioca estava em plena expanso? E o que estaria querendo dizer com resulta-do acidental?

    Para Machado, os elencos de profissionais do palco no tinham incentivos governamentais suficientes para se manter com um repertrio de qualidade. A sobrevivncia , para o crtico, a motivao de sua decadncia. Compreende que, sem as condies necessrias, os elencos eram obrigados a realizar viagens constantes e a recorrer a repertrio popular julgado pelo crtico como comer-cial e de pouca qualidade. Sendo assim, Machado aponta a necessidade de se fixarem os elencos em oposio sua itinerncia, isto , no considera a itine-rncia como dado cultural e como modo de vida da arte teatral brasileira. Junto a esse fator, afirma o autor, outro se soma: a escassa produo dramatr-gica nacional de qualidade. Mas, como compreender essa afirmativa de Ma-chado diante da enorme produo dramatrgica carioca do sculo XIX, que chegou at ns? Por que Machado no v qualidade no teatro de seu tempo?

    Para normalizar esse suposto estado de decadncia, ou seja, para colocar novamente o teatro no curso da evoluo humana pois se trata, para o autor, de um momento de decadncia que pressupe um anterior de ascenso e uma possvel retomada futura , Machado de Assis defende no s a participao

    1. Optamos por manter a grafia de poca para melhor distanciar o leitor de sua leitura, no lhe fazer esquecer que se trata de um discurso histrico e no de alguma verdade que precise reafirmar.

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  • APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS18 |

    do Estado na subveno da cultura, mas j indica sua ao intervencionista, qual seja: a de sustentar companhias permanentes de teatro, de criar escolas para atores, incentivar o desenvolvimento da dramaturgia e a construo de edifcios teatrais municipais, e reforar os instrumentos de controle da qualidade.

    Sendo assim, aquilo de que se sente falta a fixao espacial e estabilidade financeira dos elencos; a escolarizao dos atores e a conquista de certo modelo narrativo dramtico; e um meio de controle especializado da produo. Isso me faz pensar que a exigncia da presena do Estado na realizao de tais mudanas parta do princpio de que cabe ao poder pblico a responsabilidade de promover a modernizao da cultura do teatro, portanto pelo mecanismo da institu-cionalizao da cultura (elencos, edifcios teatrais e escolas). Diz Machado:

    Sem literatura dramtica, e com um tablado, regular aqui, verdade, mas deslocado e defeituoso alli e alm, no podemos aspirar a um grande passo na ci-vilizao. arte cumpre assignalar como um relevo na histria as aspiraes ethicas do povo e aperfeioal-as e conduzil-as, para um resultado de grandioso futuro. (ASSIS, 1942, p. 19-20)

    Trata-se, portanto, de alcanar um ideal civilizatrio em que arte vista como o lugar de construo e propagao das aspiraes ticas do povo. Mas, para que tal situao seja conquistada, preciso que a produo teatral sofra mudanas. A prescrio para o alcance de tal civilidade expressa desse modo: 1. estabilidade fsica dos grupos de teatro; 2. os espetculos realizados em edi-fcios especializados; 3. o controle da qualidade das produes artsticas, e 4. a escolarizao do artista. Tudo em nome do ideal para o grandioso futuro.

    Pensemos esses aspectos por outro prisma: o que leva Machado de Assis e tantos outros crticos a reafirmar a falta de qualidade de nossa dramaturgia se, de fato, o sculo XIX, e a metade do sculo XX, composto por uma enorme produo teatral entre Rio de Janeiro, So Paulo e tambm outras capitais do pas?2 Por que desqualificar essa produo?

    O vocabulrio mdico que encontramos em Machado normalizao, monstruosidade, remdio e em outros autores no nos parece casual nem

    2. Ver levantamento feito por: BRAGA, Claudia. Em busca da brasilidade: teatro brasileiro na primei-ra repblica. So Paulo: Perspectiva, 2003.

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  • A institucionalizao da cultura | 19

    apenas metafrico, e muito nos pode revelar de seu discurso crtico. Descon-fiamos de que haja a o processamento de intercmbios e assimilaes de outras reas do conhecimento com o pensamento crtico teatral. O intercmbio entre saberes teria produzido generalizaes de conceitos, e com a cultura no seria diferente. Quais argumentos nos levam a essa suspeita?

    A seguir um fragmento de discurso machadiano para que possamos, juntos, fazer sua anlise:

    A arte, destinada a caminhar na vanguarda do povo como preceptora, vae copiar as sociedade ultra-fronteiras.

    Tarefa estril!No pra aqui. Consideramos o theatro como um canal de iniciao. O jornal

    e a tribuna so os outros dous meios de proclamao e educao publica. Quando se procura iniciar uma verdade busca-se um desses respiradouros e lana-se o pomo s multides ignorantes. No paiz em que o jornal, a tribuna e o th eatro tiverem um desenvolvimento conveniente, as caligens cahiro aos olhos da massa; morrer o privilegio, obra da noite e da sombra; e as castas superiores da sociedade ou rasga-ro os seus pergaminhos ou cahiro abraadas com elles, como em sudrios.

    assim, sempre assim; a palavra escripta na imprensa, a palavra fallada na tribuna, ou a palavra dramatisada no theatro, produziu sempre uma transformao. o grande fiat de todos os tempos. (ASSIS, 1942, p. 17) (grifos nossos)

    No fragmento de discurso acima, logo nos chama a ateno um conceito que julgamos estranho ao saber esttico. Isso nos indica a possibilidade de ter havido assimilao de saberes da poltica ao discurso da crtica teatral: trata-se da aproximao que Machado faz da plateia massa, no sentido de um conjunto aleatrio de indivduos. O conceito de massa humana se contrape ao conceito de comunidade. A massa um aglomerado de indivduos sem uma identidade cultural. A comunidade constituda por indivduos que comungam uma vida comum, uma cultura comum.

    Vejam: na lgica de Machado, o palco lugar das enunciaes libertrias enquanto que a plateia o lugar das massas ignorantes. O que isso pode nos interessar?

    Vejamos. Em outro momento da mesma crnica, o autor afirma que o gosto esttico e as aspiraes filosficas da plateia so compreendidos como reflexos das narrativas e do modo como os artistas apresentam a realidade. Ou

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  • APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS20 |

    seja, a arte, ao refletir a vida como ela poderia ser, educa o pensamento e os sentidos da plateia. No entanto, entende tambm que nessa relao de foras e de poder a participao da plateia de fundamental importncia para o que acontece no palco. Qual sua participao?

    Para Machado, preciso que a plateia queira, deseje, igualar-se aos modelos civilizatrios do pensar e do agir moderno; sem esse desejo no h ressonncia do efeito educativo da arte sobre a plateia. Se o teatro, to popular entre os ca-riocas da poca de Machado, considerado desqualificado, isso mostra que o teatro no est fomentando novos valores plateia, segundo o nosso crtico. Portanto, arma-se, a, ao invs de uma dialtica progressista, um crculo vicioso. O teatro espelha valores decadentes com os quais as massas se identificam. Seria preciso cessar o crculo vicioso em que supunha estar a cultura teatral de seu tempo e utilizar sua fora de representao para mudar o desejo esttico popular.

    O que prope Machado para cessar esse movimento circular? Para suscitar o desejo da plateia em tornar-se outro tornar-se moderno , ele a considera como multido, ou seja, como massa sem rosto. Ao desconhecer o espectador sentado como um sujeito e como uma singularidade, faz desaparecer a comu-nidade carioca para fazer aparecer a massa populacional carioca. o estilo de vida urbana. O Rio de Janeiro se torna uma metrpole.

    Ao seguir com tal lgica discursiva machadiana, conclumos que, se o que vemos em cena desqualificvel, porque a sensibilidade da plateia ou est desatualizada ou no alcanou sua maioridade em relao a certo modelo de civilizao. Se o que vemos em cena linguagem desqualificvel, porque a plateia no sabe distinguir o bom gosto esttico do mau gosto esttico. Porm, ela no distingue o bom gosto do mau gosto porque sua mentalidade e sua sen-sibilidade no foram educadas para reconhecer os modelos universais, os bons modelos, os novos princpios de civilidade; princpios supostamente libertrios, como j dissemos acima. Nessa lgica, a plateia, supostamente incapacitada de saber o que civilizado/moderno, seria facilmente enganada por charlates.

    No pensamento poltico de Machado, a arte se faz necessria por sua funo educativa. na mentalidade e na sensibilidade da plateia que Machado aponta a necessidade de interveno pedaggica da arte. Tal interveno, segundo o autor, deveria ser realizada pela mediao do Estado. Trata-se, portanto, da elaborao de uma poltica cultural que admite a criao de um rgo censor.

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  • A institucionalizao da cultura | 21

    Seu parecer de que a produo teatral estaria em mos prostitudas que, por ambio comercial, teria habituado a plateia apreciao de concepes estra-nhas realidade nacional, no suscitando nela desejo por alcanar modelos comportamentais e estticos supostamente mais evoludos, nacionais e moder-nos. Portanto, trata-se de uma interveno a favor da atualizao, educao e nacionalizao do teatro.

    Mas, quais so os embusteiros de que fala o crtico? So os produtores das companhias teatrais; esses profissionais so sujeitos envolvidos com o elenco, ou por tradio (fazem parte da mesma famlia) ou por amizade. Tal relao diferente daquela que ser estabelecida pelo empresrio investidor que vamos conhecer em dcadas seguintes. As relaes de trabalho no so as mesmas que a industrializao regulamentar dcadas depois.

    A lgica de tal discurso segue da seguinte forma: se o teatro est decadente por culpa de seus produtores/empresrios, o crtico prescreve, ento, a neces-sidade de uma interveno estatal na ao desses produtores, disciplinando-os a realizarem espetculos de bom gosto; desse modo, poder-se-ia reformar o gosto popular. Esse argumento pauta-se na falta de qualidade da mentalidade e sensibilidade tambm dos artistas, tanto atores como dramaturgos. A inter-veno estatal faz-se necessria porque tambm os artistas esto incapacitados ou impossibilitados de realizar bom teatro. Portanto, Machado legitima a cen-sura como necessria.

    Continuando nossas observaes, percebemos outra assimilao concei-tual, mais sutil, vinda de outra rea do conhecimento. Trata-se da noo de funo. A arte torna-se funcional na medida em que teria, por misso, a edu-cao da mentalidade e da sensibilidade dos artistas e das massas. Tudo indica que a noo de funo produto de intercmbios entre os saberes da esttica com a biologia. Nesse contexto, a noo de funo que observamos est ligada ao conceito de organismo vivo que as cincias biolgicas e mdicas elaboram no sculo XIX.

    Para os estudiosos dessas reas, o corpo vivo um organismo entendido como um mecanismo constitudo por rgos interligados e que cumprem, cada um, funes orgnicas diferentes. Nessa interpretao, o teatro, ao adquirir uma funo, passa a existir como rgo no corpo social. Sob tal perspectiva, a arte

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    adquire um valor vital, ou seja, aproximado vida, especificamente se a enten-dermos como produto de uma natureza sensvel.

    Vale lembrar que estamos no auge do desenvolvimento das cincias em sua face positivista. Nessa perspectiva, tambm a sensibilidade esttica torna-se um atributo biolgico. A arte, como rgo do corpo social, teria a funo de educar a mentalidade e a sensibilidade da plateia/massa tornando-a mais humana, posto que ela tomada como ignorante e possuidora de mentalidade desatua-lizada e sensibilidade ingnua.

    Foucault nos mostra que nesse processo de intercmbios e assimilaes entre os saberes, nessa luta entre os campos do conhecimento, produz-se a centralizao dos saberes, isto , eles so sistematizados de forma hierrquica. ele tambm quem nos chama a ateno sobre certas tticas discursivas que aparecem no sculo XIX. O autor define ttica discursiva como um disposi-tivo de saber e de poder que, precisamente, enquanto ttica, pode ser transfe-rvel e se torna finalmente a lei de formao de um saber e, ao mesmo tempo, a forma comum [para] a batalha poltica. (FOUCAULT, 2005, p. 226).

    Em suas reflexes, ele nos mostra como certo discurso histrico-poltico foi generalizado a reivindicao por justia e por direitos e presentificado em vrios campos discursivos, no s pelo que veicula, mas pelo fato de ter se tornado uma estratgia discursiva. A Revoluo Francesa a subida ao poder do discurso sobre o fazer justia, que estaria ligado aos direitos polticos e econmicos para todos; a igualdade de todos perante as leis. o discurso da igualdade que permite pensar em liberdade. Esse discurso poltico aparece na forma de trs tticas que compuseram as batalhas discursivas dos revolucion-rios franceses e que, como se pode observar, nos so muito familiares.

    Uma ttica est centrada nas nacionalidades, e encontra-se essencialmen-te em continuidade, de um lado, com os fenmenos da lngua e, por conse-guinte, com a filologia. (Id., p. 226) Trata-se dos discursos de independncia, de se generalizar a noo de nao e, assim, de identidade nacional. Trata-se ainda de relacionar a estrutura lingustica de uma nao ao grau de evoluo e libertao desse povo. A outra [ttica] centrada nas classes sociais, ten-do como fenmeno central a dominao econmica: por conseguinte, relao fundamental com a economia poltica (Ibid.). So as lutas por melhorias no trabalho e por maior abrangncia na distribuio das riquezas.

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  • A institucionalizao da cultura | 23

    Enfim, uma terceira direo que, dessa feita, vai ser centrada no mais nas nacionalidades, nem nas classes, mas na raa, tendo, como fenmeno central, as especificaes e selees biolgicas; portanto, continuidade entre esse discurso histrico e a problemtica biolgica. (FOUCAUT, 2005, p. 226)

    Essa terceira ttica trata, por exemplo, das teses mdico-higienistas to divulgadas entre nossos intelectuais no final do sculo XIX.

    A biopoltica produz a hierarquizao dos saberes do mesmo modo que produz a separao dos indivduos em classes. Nessa perspectiva, observamos que o uso da arte deve subordinar-se cincia e poltica. Nesse momento, aparecem discursos que justificam a importncia da arte na vida. Ora, por que foi preciso afirmar a necessidade da arte na vida da sociedade? Sua presena j no evidencia seu valor? Entendemos que isso se d porque na pirmide da hierarquia dos saberes a arte no est entre as primeiras. Quem est acima so os saberes cientficos, e a arte, bem como seu uso social, deve ser higienizado. Delegar ao artista a misso de civilizador nos parece uma indicao de subor-dinao da arte biopoltica.

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  • aula 2A FUNO PEDAGGICA DA ARTE

    Analisemos, juntos, outro fragmento do discurso crtico machadiano:

    Deante da imprensa e da tribuna as idias abalroam-se, ferem-se, e luctam para accordar- se; em face do theatro o homem v, sente, palpa; est deante de uma so-ciedade viva, que se move, que se levanta, que falla, e de cujo composto se deduz a verdade, que as massas colhem por meio de iniciao. De um lado a narrao falla-da ou cifrada, de outro a narrao estampada, a sociedade reproduzida no espelho photographico da frma dramtica.

    quase capital a differena.

    No s o theatro um meio de propaganda, como tambm o meio mais efficaz, mais firme, mais insinuante.

    justamente o que no temos.As massas que necessitam de verdades, no as encontraro no theatro destina-

    das reproduco material e improductiva de concepes deslocadas da nossa civi-lizao e que trazem em si o cunho de sociedades affastadas.

    (...) Insisto pois na assero: o theatro no existe entre ns: as excepes so esforos isolados que no actuam, como disse j, sobre a sociedade em geral. No h um theatro nem poeta dramtico... (ASSIS, 1942, p. 18-19) (grifos nosso)

    Por tudo o que foi dito, torna-se claro que, para nossa perspectiva de an-lise, esse teatro de que Machado de Assis nos fala talvez possa no ter existido nos palcos de sua poca. No entanto, o que ele nos d? Uma concepo de tea-tro moderno, no sentido de teatro do futuro. Nela, o teatro se apresenta como lugar eficaz de propaganda das concepes supostamente mais avanadas produzidas pela humanidade e, por conseguinte, um lugar de reivindicao de direitos. O palco o espao de luta de ideias. Assim, a educao realizada pelo teatro moderno teria finalidades emancipatrias para os indivduos letrados. O teatro com funo educativa, ou seja, o teatro para alm da experincia est-tica se aproxima da poltica. Teatro educativo das massas um teatro que se prope propagar ideias polticas, filosficas e comportamentos afinados noo de cidadania do Estado moderno, Estado-nao.

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  • APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS26 |

    Em nosso entender, Machado observa e ressente da ausncia de certa con-cepo filosfica nos palcos brasileiros. E, compreendendo a arte como precep-tora da emancipao popular, deveria ela estar avanada no tempo, justificando sua funo pedaggica. H um apelo permanente no discurso do crtico ne-cessidade de se realizar a reforma da arte dramtica para que o teatro possa corrigir os desvios de uma sociedade em transio e, finalmente, estancar uma educao viciosa que constitui o paladar das plateias de seu tempo.

    No texto O Theatro Nacional, de 1866, o autor levanta as causas da situa-o de decadncia do teatro, sob outros aspectos. Apresenta, primeiramente, uma tese sobre a decadncia esttica dos gneros dramticos que ali se encon-travam. Para o crtico, houve, na produo literria dos autores brasileiros, um ultrapassamento dos limites da reforma romntica, e disso nasceu uma pro-duo hbrida chamada ultrarromantismo. No temos certeza se o autor est falando da forma ou do contedo, ou de ambos. Machado traz no texto certo vocabulrio mdico:

    A scena brazileira, excepo de algumas peas excellentes, apresentou aos olhos do publico uma longa srie de obras monstruosas, creaes informes, sem nexo, sem arte, sem gosto, nuvens negras que escureceram desde logo a aurora da revoluo romntica. (ASSIS, 1942, p. 208)

    Utilizando o mesmo modo de diagnosticar, afirma ter ocorrido o mesmo com a reforma realista; e ambas, a theoria realista, como a theoria romntica, levadas at a exaggerao, deram o golpe de misericrdia no esprito publico (Id., p. 209). Em seu vocabulrio de doutor, Machado afirma que o hibridismo uma doena que precisa ser erradicada, pois produz monstros. Nessa idea-lizao terica, procura a pureza branca dos gneros literrios. Mas justamen-te esse argumento da higienizao das monstruosidades cnicas o que permite ao autor afirmar a necessidade de intervir nas produes teatrais e em suas prticas, para combater a tal doena que impede o teatro de se tornar vanguarda. Seria preciso que a linguagem teatral adquirisse a forma e o con-te do do novo civilizador.

    E quais so os monstros que esto em cena? Os monstros nacionais so os gneros cmicos populares, tais como o Teatro de Revista e a Burleta moda brasileira, e os melodramas tambm encenados nossa moda; todos lotavam

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    os teatros do final do sculo XIX. Diante disso temos c a hiptese que pre-cisaria ser desenvolvida de que aquilo que Machado ataca o teatro para a nobreza monarquista como tambm o teatro de miscigenados. O que est em cena so modos de apropriao dos modelos europeus ressignificados pelas classes populares. Se estivermos corretos, trata-se, portanto, de censura ao modo de apropriao com que os artistas brasileiros fazem dos modelos europeus. Como se trata de produo sem o gabarito desejado, a tal reforma deveria chegar tambm ao campo da esttica. Para Machado, trata-se de atualizar os modos da cena com os novos tempos.

    Mesmo sendo um problema especificamente de linguagem estranho poltica, e cincia , Machado sente necessidade de argumentar em favor da institucionalizao da cultura promovida pelo Estado. Apresenta-nos o trata-mento adequado da doena do seguinte modo:

    O Estado, que sustenta uma academia de pintura, architectura e estatuaria, no achar razo plausvel para eximir-se de crear uma academia dramtica, uma scena-escola, onde as musas achem terreno digno dellas, e que possa servir para a reforma necessria no gosto publico? (Ibid., p. 209-210)

    Podemos analisar esse discurso como sinal de uma transformao impor-tante: ele mostra a transio de uma sociedade baseada no autodidatismo, para os artistas, e na religio como centro da escolarizao , para uma sociedade estatal e laica. H uma aposta na funo organizadora do Estado. Isso se con-firma quando o crtico enaltece os esforos governamentais em criar uma co-misso de especialistas para redigir um projeto de normatizao do teatro. Nesse projeto, os pareceristas apontam para a necessidade de se construrem edifcios adequados para o teatro moderno, que seriam ocupados por compa-nhias fixas, e a criao de conservatrios dramticos; tudo subvencionado pelo Estado. Como se pode notar, essa ideia no exclusivamente de Machado de Assis, mas representa um grupo de pensadores de elite; representa, diramos, uma proposta de poltica cultural para o teatro.

    interessante analisar de que modo essa comisso pensou a execuo desse projeto. A regulamentao das produes tanto do teatro como da escola se-ria supervisionada por um inspetor geral dos teatros, que tivesse por misso

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    julgar a moralidade e as condies literrias das peas destinadas aos teatros subvencionados. O crtico fazia ressalvas competncia da polcia que era, na poca, a instituio que cumpria a funo de inspetora geral dos teatros. Era preciso, dizia Machado, que viesse uma lei que amparasse a arte e a literatura, uma lei que lanasse as bases de uma firme alliana entre o publico e o poeta, e [fizesse] renascer a j perdida noo do gosto (ibid., p. 215). Estado partici-pativo, inspetor geral e lei, trs elementos que constituem um modo de governar. Estado, inspetores gerais e lei, trindade para a formao da poltica cultural dos Estados modernos totalitrios; uma poltica que tem por direito e dever inter-vir nos modos de vida da populao. Nesse caso, intervir para mudar o gosto esttico, os costumes, os modos de falar.

    Qual regime de verdades oferece o pano de fundo discusso aqui apresentada?

    Como j salientamos acima, a estratgia, para o novo teatro, seria for -mada por:

    1. apresentao de gneros dramticos puros, que podemos encontrar na teoria dos gneros: pico, lrico e dramtico;

    2. estabilizao dos elencos: nota-se a crescente dependncia dos aparatos tecnolgicos do palco fixo para as montagens;

    3. educao dos artistas em princpios libertrios, o que significar um novo processo de criao e de interpretao.

    Gostaramos aqui de nos deter em um desses pontos: a proposta de criao de escolas para artistas do palco.

    Na escola para atores, seriam encontrados os saberes estticos sistematiza-dos e j alinhados nova mentalidade, s novas descobertas cientficas, aos modernos mtodos interpretativos. No entanto, observamos que essa ideia exatamente oposta realidade do teatro daquela poca. Se vocs lerem a pea O Mambembe de Arthur Azevedo, podero saber como viviam os artistas de teatro: trata-se de grupos autnomos e itinerantes. O conhecimento profissional era passado de pai para filho, ou, ento, desenvolvido de forma autodidata, inicialmente em grupos amadores e depois em companhias profissionais. Era um misto de teatro profissional e amador.

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    No para Artur Azevedo que teve obras censuradas, mas, sim, para Macha-do, uma das causas da decadncia do teatro, portanto, estaria diagnosticada: trata-se de uma forma de vida, qual seja, da itinerncia, do nomadismo dos autodidatas. A falta de lugar fixo, segundo Machado e muitos outros (inclusive Artur Azevedo), obrigava os artistas a se submeterem a um estilo de vida ciga-na. Subvencionar os elencos e escolarizar seus integrantes seria um modo de cessar esse nomadismo e incentivar a fixao dos elencos profissionais nas ci-dades. Como controlar grupos itinerantes? Seria, portanto, a falta de escolari-zao o que Machado diagnostica como uma das causas da doena do teatro. Isso nos leva a concluir que a autogesto, a itinerncia e o autodidatismo passam a ser considerados como grandes obstculos para a modernizao do teatro.

    De que modo se observam esses saberes tradicionais e essa vida itinerante vida de artista serem deslegitimados? Nessa batalha, que saber se impe?

    Ideias reformistas, como j foi dito, produziram a necessidade de cuidar da populao por meio de intervenes nos vrios campos da vida cotidiana. Por exemplo, em nome da sade emerge o desejo de realizar reformas em sanea-mento bsico com a finalidade de modificar os modos de vida, os hbitos dos indivduos, adaptando-os ao que as cincias principalmente a medicina prescreve como correto, saudvel. sob a gide das teses higienistas que se discute a formao do homem no sculo XIX.

    No Brasil, sob a argumentao de melhorar a sade e, portanto, as qualida-des fsicas, intelectuais e morais do brasileiro, as teses mdicas apontam para uma necessria reforma no campo da educao. tambm sob o os olhares do discurso sobre as raas que o homem brasileiro interpretado como sub-raa; teses sobre a m influncia do clima tropical sobre o corpo, a mente e a moral so abundantes.

    Jos Gondra (2004), ao estudar as teses mdicas higienistas relacionadas s prescries para uma educao saudvel, mostra como os princpios da higiene aparecem no discurso sobre educao bsica. Primeiro, preciso dizer que a funo da educao vista como a de corrigir a m formao do homem brasileiro. A crena est na relao de causalidade que se defende entre educa-o e destino de um povo. O homem livre a ser alcanado dependeria de uma educao no sentido de uma interveno na vida cotidiana que o conduzis-se a essa liberdade.

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    A educao a ser legitimada, segundo as pesquisas de Gondra, estava ancorada nos seguintes pilares: leis da fisiologia, da anatomia e do aprendiza-do dedutivo, e na erradicao de hbitos imorais tais como o excesso das paixes, a masturbao, a prostituio, o homossexualismo e o celibato. Para um novo homem, pensou-se em nova sensibilidade, novo corpo, novas capa-cidades intelectuais.

    Mas qual o modelo de corpo que se propaga? Qual o modelo de sujeito? De que moralidade se est falando? Trata-se do modelo do homem branco, europeu; trata-se do sujeito universal por eles inventado, da moralidade crist e burguesa europeia.

    Conclui Gondra,

    Desse modo, os doutores brancos, letrados e da elite prescreveram um trata-mento cuidadoso e minucioso para a escola, de modo a poder formar um indivduo higienizado, sem vcios. Um indivduo normalizado e normalizador, equipado com uma nova sensibilidade. (GONDRA, 2004, p. 478-9)

    Podemos dizer, em concordncia com o autor, haver um projeto de inter-veno para reformar a sensibilidade dos indivduos em nome de sua humani-zao, entendida como realizao total do sujeito em suas capacidades fsicas, intelectuais e morais.

    Nesse projeto de humanizao da natureza do homem, formulado, patroci-nado e legitimado pela higiene, os colgios deveriam ser submetidos a uma ampla reforma que recobrisse seu funcionamento de modo mais geral, descendendo inclusive a prticas celulares. Do ponto de vista da moral, isso pode ser verificado na forma como os mdicos representavam os desvios e o emprego dos mecanismos de preveno, controle e ortopedia das vontades, entre os quais se inscrevem os castigos. Com isso, ao lado da higienizao moral das escolas (e com ela), esta-ria sendo produzida e reforada a prpria ideia de famlia, infncia, escola, cidade e sociedade. (Id., p. 479)

    As teses higienistas so fartas em maus exemplos. A vida itinerante dos artistas no seria um desses maus hbitos apontados como nocivos sociedade? Assim, uma das tticas discursivas utilizadas para deslegitimar os saberes tra-dicionais e populares desqualific-los e, em seu lugar, apresentar os resultados de pesquisas cientficas.

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    interessante aproximar a histria do teatro histria do circo. Encontra-mos alguns trabalhos que nos contam, por exemplo, que a acrobacia desen-volvida na tradio circense foi desqualificada e proibida como malfica sade. Na perspectiva higienista, as contores e todo o grotesco da cultura popular passam a ser considerados negativamente; tornam-se monstruosida-des em comparao ao que se institua como normal pelas cincias modernas. H uma concepo de corpo saudvel sendo produzida pelas cincias. H tambm uma correspondncia entre corpo e alma; entre fsico e psicolgico; entre corpo e moral. Nessa correspondncia entre corpo e alma, os movimen-tos desafiadores dos acrobatas, se no executados a partir de certos parmetros de sade, se no praticados cientificamente, poderiam fazer mal sade corrompendo o indivduo em sua integridade fsica, intelectual e moral.

    desse modo que a acrobacia circense comea a ser proibida e, em seu lugar, surge a ginstica cientfica que, embasada na fisiologia, na anatomia e na bio-mecnica, busca o controle e a eficincia dos movimentos. Em oposio ao su-posto assistemtico da educao transmitida oralmente pela tradio do circo; pela suposta impreciso e falta de conscincia dos movimentos dos acrobatas, ou seja, a suposta educao improvisada e intuitiva dos artistas ambulantes; em oposio a tudo isso que o discurso cientfico se impe como verdade. Todo o resto classificado como crendice, como coisa de gente ignorante.

    Diante disso, queremos aqui mostrar que o vocabulrio mdico-cientfico usado por Machado de Assis no somente estilo de escrita, mas uma forte influncia do pensamento higienista que, naquelas dcadas dos meados do sculo XIX, se afirmava entre os intelectuais. Desse modo, podemos concluir que, entre aqueles que pensavam a cultura, observa-se o desejo de gerar polti-cas pblicas capazes de higienizar a vida supostamente imoral dos artistas ambulantes, como tambm higienizar o gosto esttico popular.

    H, portanto, segundo Machado de Assis, um trabalho a ser feito, ou melhor, h uma misso a ser cumprida pelos artistas: reconduzir o povo ao desenvol-vimento de sua prpria humanidade por meio de reformas em suas aspiraes morais. Portanto, no discurso da tica e dos costumes que se sustenta uma funcionalidade para a arte. na atualizao desse discurso, na atualizao da representao do sujeito tico que o dedo de Machado nos aponta a trabalhar. esse o papel atribudo ao teatro, papel de pedagogo das massas, reformador e

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    propagador de ideias capazes de libertar o brasileiro de sua suposta menoridade intelectual e seu subdesenvolvimento fsico. Sabemos que tal projeto passa pelo embranquecimento da cultura, pela censura de crticas, insatisfaes, revoltas contra o Imprio e sua elite. E para apurar o criolismo cultural da nao, a elite investe na estratgia do purismo da lngua e das tradies portuguesas.

    Observamos o aparecimento da formulao de uma mentalidade que com-preende a escola e, do mesmo modo o teatro, como lugares de propagao de modos de vida e de pensamento dos indivduos. O teatro, tal como a escola, funcionaria como instrumento de controle e apurao comportamental e in-telectual sob o argumento de humanizar o brasileiro.

    Em concordncia com a pesquisadora Cristina Costa, podemos dizer que tanto a Imperial Academia de Belas Artes como o Conservatrio Dramtico Brasileiro fomentaram as artes no sentido de apagar o dito

    [...] provincianismo que as elites enxergavam na cultura popular, dado o precon-ceito que alimentavam contra as culturas indgena e africana, e at mesmo contra a carolice eclesistica. (COSTA, 2006, p. 55)

    A consequncia de tal processo produziu uma arte docilizada:

    Disciplinar os exageros lingusticos, as expresses chulas, os voos libertrios e a crtica cida produzia uma arte universalista, estrangeirada, abstrata e dcil, que procurava fechar os olhos para a realidade na qual era produzida. (id.)

    Assim, podemos concluir com a autora:

    Foi, portanto, com a aquiescncia e a adeso das elites polticas, econmicas e intelectuais que a Monarquia institucionalizou o campo artstico, rejeitando cultu-ra nativa e a miscigenao lingustica, reprimindo a capacidade crtica da obra de arte e instaurando laos permanentes de dependncia com a produo artstica europeia. Tornou a produo artstica submissa ao Estado e legitimou uma relao de troca de tipo clientelista entre artistas e autoridades institudas. Nos meandros dessa relao estava a burocracia, os favores, os prmios e a censura (Ibid., p. 60)

    O Conservatrio Dramtico teve duas verses e foi extinto em 1897 pelo decreto no. 2.557 que transferia para a Polcia a censura teatral e a funo de inspecionar os teatros e outros locais de Diverso Pblica.

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    BIBLIOGRAFIA

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    BRAGA, Claudia. Em busca da brasilidade: teatro brasileiro na primeira repblica. So Paulo: Perspectiva, 2003.

    COSTA, Cristina. Censura em cena. Teatro e censura no Brasil. So Paulo: Edusp/Fapesp/Imprensa Oficial do Estado de SP, 2006.

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    . Em defesa da sociedade. So Paulo: Martins Fontes, 2005. (Coleo Tpicos)

    GONDRA, Jos Gonalves. Artes de civilizar: medicina, higiene e educao escolar na corte imperial. Rio de Janeiro: Eduerj, 2004.

    ASSIS, Machado de. Crtica Teatral. So Paulo: Jackson, 1942.

    SOARES, Carmen Lcia. Educao fsica: razes europias e Brasil. 4 ed. Campinas, So Paulo: Autores Associados, 2007. (Coleo Educao Contempornea)

    STAROBINSKI, Jean. Retrato del artista como saltimbanqui. Madrid: Abada, 2007.

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  • MDULO: FORMAO DO SUJEITO, PODER E SUBJETIVIDADE

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  • aula 1EDUCAO INTEGRAL IDEALISTA

    A educao o corretivo da natureza humana

    Hoje vamos tratar do modelo de Educao que surge no sculo XIX no Brasil, importado e resultante das cincias positivistas. Vamos falar da Educao Integralista em sua verso biolgica verso positivista a qual se nutre do sonho de abarcar a vida fsica, intelectual e moral do educando. Quem prescreve essa ideia so nossos mdicos higienistas do final do sculo XIX.

    Em seu excelente estudo Artes de Civilizar. Medicina, Higiene e Educao Escolar na Corte Imperial, o historiador Jos G. Gondra (2004) apresenta um estudo das teses em medicina, do final do sculo XIX, no Rio de Janeiro. Em algumas delas encontra diagnsticos que se voltam para a organizao do am-biente escolar: arquitetura, luminosidade, tamanho, disposies dos mveis, nutrio e outros. Em outras, a nfase se volta para os escolares: modos de comportamento, linguagem, sistematizao intelectual dos contedos, fora fsica, aparncia e vestimenta, higiene pessoal e outros.

    Em enciclopdia disponibilizada na internet,1 encontramos a definio do higienismo como uma doutrina que aparece na primeira metade do sculo XX, quando os governantes comeam a dar maior ateno sade dos habitantes das cidades. Essa doutrina considera a doena como um fenmeno social que abar-ca todos os aspectos da vida humana. O aumento populacional urbano e a falta de estrutura para receb-la criaram as condies precrias de habitao, cujo ambiente inspito provoca epidemias agravadas pela desnutrio. Diante de tal quadro, os mdicos entenderam que a principal causa das enfermidades eram as condies de vida da populao devido aos seus costumes no higinicos.

    Baseado no novo modo de produo a indstria fabril , esse diagnstico produziu polticas pblicas cujo objetivo era garantir a sade da populao para

    1. Disponvel em: .

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    sua melhor produtividade. Para isso pensou-se em manter a salubridade do ambiente da cidade mediante a instalao do tratamento da gua e coleta do esgoto, da iluminao das ruas, sempre com a finalidade de controlar as epide-mias. Para se alcanar o mesmo fim, o poder pblico passou a adotar algumas estratgias como aterrar os charcos e afastar indstrias, matadouros e cemitrios das reas centrais da cidade. Como se pode notar, o higienismo influenciou o urbanismo em um momento em que as cidades se industrializavam.

    Segundo Gondra, o livro do mdico J. P. Frank, A misria do povo, me de enfermidades, causou grande repercusso e provocou a adeso de outros mdi-cos, o que contribuiu para introduzir o higienismo na medicina, visando erra-dicar doenas como o clera e a febre amarela. Posteriormente, os higienistas estenderam seus tentculos para a esfera privada, pronunciando em voz alta regras para as construes das moradias: sanitrios, altura do teto, ventilao, etc., e recomendando a limpeza peridica dos interiores e exteriores das casas.

    Logo, a partir das pesquisas de Robert Koch e principalmente de Pasteur, descobriu-se que a verdadeira causa das doenas estava relacionada a mi-crorganismos e no a emanaes de sustncias em decomposio, e a higiene torna-se uma questo social. As novas teorias fornecem uma base propriamen-te cientfica ao higienismo. Comea a ser feita a anlise bacteriolgica e o tratamento da gua com cloro. Instalam-se redes de esgotos, banheiros pbli-cos, faz-se a coleta de lixo, utilizam-se as escarradeiras contra a tuberculose, entre outras medidas de profilaxia.

    nesse contexto discursivo, social e poltico que os mdicos higienistas cariocas, ao final do sculo XIX, prescrevem a necessidade de intervir e reformar o ambiente escolar brasileiro. Foram prescritas reformas infraestruturais (es-pao fsico) e reformas no campo da didtica, da metodologia de ensino e dos contedos. O propsito era formar um homem forte, inteligente e moralmente higienizado. Elaborava-se certo conceito de infncia e de adolescncia, e se pensava na necessidade de intervir com medidas higienistas. Por meio do dis-curso cientfico, acredita-se na construo da formao integralista como a verdadeira educao para civilizar os brasileiros. Como a adolescncia repre-sentada pelos mdicos higienistas? Deixemos que um deles fale por si mesmo:

    Numa idade, pois, to desgraadamente rodeada de tantos precipcios, em que pode a cada passo o inexperiente viajor esbarrar com a causa da runa de toda a

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    sua vida, na gua que bebe, no ar que respira, no alimento em que procura a mes-ma vida, nos livros em que perscruta os arcanos da cincia; nessa idade de cera em que todas as sensaes, boas ou ms, ficam to profundamente gravadas, em que o pequeno homem como a sensitiva que se ressente do mais ligeiro tocar de pro-fanos, a aplicao de uma higiene judiciosa e bem dirigida no pode ser dispensa-da. Alm de que, este menino que um dia ter de preencher uma misso mais ou menos importante, segundo os seus talentos e a sua posio social, tem jus a que se lhe ministre os meios indispensveis conservao e ao desenvolvimento das suas faculdades fsicas, morais e intelectuais, e qualquer tropeo marcha gradual e progressiva deste desenvolvimento pode torn-lo um desgosto para a famlia, um fardo para a sociedade, e um martrio para si mesmo. (GONDRA, 2004, p. 235)

    Inventa-se uma identidade para a adolescncia, considerada uma idade perigosa e fonte de muitos males. A motivao para a interveno higienista e a importante funo da educao na vida de toda a nao era defendida com paixo e com ortodoxia. Faamos a anlise de discurso de um fragmento da introduo da tese do Dr. Mafra de 1855:

    Se eu demonstrasse que o homem o produto de sua educao, teria pois, sem dvida, revelado uma grande verdade s naes: elas saberiam que em suas mos est o instrumento da sua grandeza e felicidade; que para serem felizes no precisam mais do que aperfeioar a cincia da educao. (Id., p. 236)

    Diante da possibilidade real de transformar os indivduos fsica, intelectual e moralmente, e crentes de que possuam o modelo ideal do bom homem social, o discurso mdico higienista comea a se fazer presente como um saber tambm de poder. Ao se acentuar a relao de causalidade entre educao e destino de um povo, a tese de que o tipo de educao determina a capacidade de um povo a se governar e ser capaz de dominar seu destino ou no. Nessa aproximao entre saber e poltica, aparece a ideia de que no bastariam as leis para reprimir os vcios e os crimes, de que seria preciso prevenir o mal cortan-do-o pela raiz; ou seja, cortando-o j na infncia e na puberdade.

    Jos Gondra, ao fazer uma anlise dos discursos dessas teses, defende ter-se instaurado uma nova religiosidade entre os brasileiros, ancorada no saber--poder da cincia. Era o tempo de instituir novas representaes para as infra-estruturas escolares, para as polticas pblicas educacionais e para as prticas

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    escolares. A Educao Integralista e a prtica de interveno no fsico, no inte-lecto e na moral dos educandos idealizavam a formao de um homem novo:

    Novo porque bem constitudo fsico, moral e intelectualmente. Novo, porque inscrito em uma percepo do homem e da sociedade que buscava se legitimar como nova, em um tempo no qual se dirigiam aes rumo modernizao da sociedade, do trabalho, da economia e da escola. Era tempo de urbanizao e de aburguesamento. Portanto, tambm era tempo de higienizao. (Ibid., p. 284)

    Essa Educao Integral atua em trs frentes: no corpo, na mente e na sensibilidade.

    1. A educao do/no corpo

    Ao seguir a tese de Gondra, encontramos a seguinte pergunta: Como os mdicos representaram a educao fsica a ser desenvolvida no interior dos estabelecimentos escolares?

    Ao que nos responde o autor apontando cinco representaes para a educa-o do corpo. A primeira trata de uma educao fsica para disciplinar, no sen-tido de domar os corpos, com o objetivo de preparar os escolares para o mundo do trabalho. A segunda trata da educao fsica como caminho para o me-lhoramento da fora e da energia da raa. A terceira trata a aula de educao f-sica como celeiro de atletas, desenvolvendo prticas ligadas ao rendimento para os esportes. A quarta entende a educao fsica como terapia para o tratamen-to de possveis distrbios da psi. A quinta reduz o corpo a uma mquina, reali-zando exerccios para manter a sade biolgica (GONDRA, p. 285-6).

    O que nos importa, aqui, mostrar que o corpo no visto de forma iso-lada das dimenses intelectuais e morais. por isso que sobre o corpo incidiro outros saberes a ele articulados. Formar o corpo em seu limite de robustez correspondente a formar espritos retos e almas virtuosas. isso o que apro-xima a Educao Integralista de uma ao redentora.

    A higienizao do corpo, da mente e da moral dos indivduos, promovida pela Educao Integral em sua verso higienista, significa sua purificao: a purificao dos costumes. Higienizar torna-se sinnimo de purificar, limpar. A Educao Integral torna-se medida preventiva e instauradora de corpos

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    modelares, corpos supostamente doentes, viciados, ignorantes e fracos, que chegam escola. A educao toma o valor de eficcia corretiva e curativa. Resume Gondra:

    Prevenir, corrigir e curar compuseram a base dos argumentos que buscavam criar e impor uma disciplina para a interveno no corpo e, ao mesmo tempo, reforar que tal disciplina deveria ser aquela rubricada pela ordem mdica. (Gon-dra, 2004, p. 304)

    A pergunta que podemos fazer diante do exposto : trata-se de um corpo realizado ou de um corpo moldado, adestrado, formatado a partir de certo modelo corporal? E que modelo esse?

    2. A inteligncia disciplinada

    Ao continuar a tese de Gondra, encontramos outra pergunta: Que repre-sentaes foram produzidas em torno da formao intelectual no interior da nova totalidade formulada pelos mdicos?.

    Para compreender tais representaes, preciso retomar o mtodo cientfi-co que orientava as pesquisas: tratava-se de pesquisar a partir do modelo meca-nicista. Nessa perspectiva, o objeto de conhecimento esconde em si a ideia que lhe teria dado origem, ou seja, a verdade de tal objeto deve ser apreendida por um sujeito de conhecimento. No modelo mecanicista, portanto, a produo do conhecimento depende do aparelho perceptivo do sujeito de conhecimento. no intelecto que est o poder ou a faculdade que temos de receber sensaes ou ideias, examin-las, compar-las, formar juzo, tirar consequncias, lembrar-se, imaginar e achar a verdade. O homem se diferencia do animal exatamente por sua capacidade e poder de receber inspiraes dos objetos exteriores. Acredita-va-se que tais inspiraes, processadas interiormente, originavam as sensaes ou as ideias. Para se formar o juzo sobre algo, seria preciso que o sujeito de conhecimento se lanasse experincia da contemplao do objeto para captar o que ele lhe apresentava. Tratava-se do que chamamos de fenomenologia.

    No entanto, no modelo mecanicista clssico, cabe ao sujeito de conheci-mento apenas a contemplao, o resto creditado sua natureza humana que faz o que deve ser feito. Essa natureza j est dada e, por isso, no capaz de

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    se modificar; o mximo que podemos fazer seria desenvolv-la. Com a teo-ria da evoluo das espcies, compreende-se a histria da humanidade como a de seu processo evolutivo. A natureza humana deixa de ser algo esttico para se tornar potncia, algo que pode se modificar para se realizar. Assim, enten-de-se que o homem nasce incompleto e ser a cultura que o realizar ou no. Para o Dr. Armonde citado no trabalho de Gondra, a anatomia se aproxima da fisiologia humana. Isso o faz defender a ideia de que o crebro um rgo do pensamento e da vontade, que precisa de exerccios para ampliar sua capa-cidade de percepo, sem a qual no ser possvel a formao do raciocnio, do juzo, da memria etc.

    O que isso significa? Ao se compreender o corpo, o intelecto e a moral como algo a ser realizado no sentido de amadurecer pela cultura, justifica-se a educao higinica. Na concepo positivista, a ignorncia est atrelada na-tureza humana no estimulada adequadamente, natureza atrofiada ou no realizada. Isso fez com que a metodologia de ensino fosse se modificando. Afirma Gondra:

    Contra uma educao fundada nos procedimentos da induo, que supunha uma passividade do sujeito e uma relao com o objeto fundamentalmente ampa-rada nas informaes, os mdicos propuseram a adeso ao experimentalismo e aos procedimentos dedutivos. Levantar hipteses, questes e problemas, test-los e encontrar as regularidades impunham uma reorganizao metodolgica ao traba-lho escolar e uma alterao na condio do sujeito do conhecimento que, ento, deveria ter uma nova atitude diante dos objetos a serem conhecidos. (Id., p. 370)

    Para colocar o educando nessa experincia, mudam-se os modos de apre-sentar os conhecimentos escolares, bem como seus contedos so revistos. Pergunta Gondra:

    Que saberes deveriam ser escolarizados? Que saberes estavam sendo conside-rados prioritrios no projeto de re-ordenamento da escola? Por que os mdicos [teriam elegido] esses conhecimentos como os que deveriam ser escolarizados e aos quais os indivduos deveriam ser submetidos? (Ibid., p. 378)

    O autor faz um mapeamento dos conhecimentos apresentados como ne-cessrios a partir das teses lidas e, desse quadro, retira os princpios que regem a educao higinica prescrita por nossos mdicos. So eles:

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    Classificar Ordenar/hierarquizar Regularizar Alternar/integrar Fazer Moldar

    Quem j se aventurou leitura de Foucault, sobre Vigiar e Punir, j pode perceber conexes entre nossos mdicos higienistas e a disciplinarizao, con-ceituada e to bem demonstrada por este autor. A inteligncia higienizada , ao que tudo indica, uma inteligncia disciplinada.

    3. A ginstica das vontades

    Lembram-se de que falei do heri hegeliano como um homem de carter, de que se tratava de um sujeito moral? De que sua ao se origina em sua vontade a qual se origina de um sujeito moral? Pois bem, voltemos a ele agora e vejamos as aproximaes entre esse modelo de moralidade hegeliano e o que se pretende da educao das vontades no pensamento mdico-higienista brasileiro.

    Para o pesquisador Gondra, trata-se da formao moral de um sujeito a ser construdo, um homem do futuro. Trata-se de uma nova moralidade. Para o pesquisador, que se apoia em Nietzsche, o essencial e inestimvel em toda moral que ela uma longa coao. Diante disso, pergunta: quais as caracte-rsticas da longa coao por eles [os mdicos] formulada?

    A formao moral, atrelada ao discurso da formao de um novo homem, consiste, na opinio dos mdicos, na necessidade de se fazer uma reforma nos costumes. Isso d um norte para se pensar um contedo programtico da educao moral higienizada. Primeiro, que ela ir trabalhar com a finalidade de controlar as paixes humanas, e a que comeamos ns a aparecer nessa histria da educao. A arte passa a ter valor como instrumento higienizador. Gondra encontra cinco pontos que constituem a educao moral higienista a ser desenvolvida em sala de aula: controlar as paixes, associar moral e religio, evitar prticas sexuais consideradas ofensivas sade, relacionar prticas esco-lares com moralidade, controlar a disciplina por meio de castigos fsicos, morais e estratgias de premiao (GONDRA, 2004, p. 389).

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    Tratava-se, portanto, de coagir o que era considerado excessos e desvarios das paixes humanas. A educao moral seria um meio eficaz para modelar as paixes e evitar o aparecimento dos vcios. No entanto, nos adverte Gondra, a longa coao pensada pela ordem mdica se desdobra em outros aspectos dentre os quais aparece, em destaque, a associao intensa entre a moral apre-goada pela higiene e a moral religiosa, crist. (Id., p. 396).

    no bojo dessas prescries morais que se combatem as prticas sexuais do onanismo, do celibato, da prostituio e da pederastia. Como se combatem tais prticas? Com a apresentao de um modelo ideal de sexualidade, qual seja, a do casamento heterossexual. O modelo de famlia burguesa o que se quer alcanar na educao sexual higinica. Esse o padro de normalidade que se constri.

    nesse contexto discursivo que encontramos enunciados como: A educa-o o corretivo da natureza humana; toda moa deve aspirar ao casamento e seus elementos de felicidade para o futuro se resumem em um marido e nos filhos. A prostituta e o homossexual so subjetividades contrrias ao modelo burgus de famlia. A prostituta a mulher que no se realiza, necessariamen-te, com a maternidade; a mulher que tem prazer sexual com vrios homens. O(a) homossexual uma subjetividade que no se realiza, necessariamente, como pai/me de famlia. A homossexualidade a negao da relao amoro-sa pautada pela reproduo da espcie.

    Sendo assim, todas essas prticas sexuais, todos esses modos de vida amea-am a moralidade a imposta. por isso que so colocadas nas classificaes das anomalias que devem ser evitadas na infncia e na adolescncia. A educao moral feminina e masculina (j tal distino pelo sexo um discurso!) tinha por finalidade preparar as jovens para o casamento e maternidade, e os jovens para o trabalho e a guerra.

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  • aula 2A ESCOLA HIGINICA

    H, no final do sculo XIX, a formao de um novo iderio de sociedade e, por conseguinte, de homem, que surge no cenrio poltico do Brasil. No caso das grandes cidades, podemos notar uma crescente preocupao, por parte dos intelectuais principalmente dos profissionais da sade e da educao no combate s epidemias. Comea-se a pensar em uma sade e educao pblicas.

    So Paulo um bom exemplo para se compreender de que modo tal pol-tica aconteceu. O binmio modernidade / crescimento urbano traz para a ci-dade novas avenidas, prdios suntuosos, bondes, bairros com lindas manses; imagens fascinantes como o Viaduto do Ch pareciam mostrar aos moradores de So Paulo que as intervenes urbanas produziam uma cidade civilizada. Ao demolir os edifcios que marcavam uma poca passada e construir em seu lugar edificaes de estilo e engenharia modernas, poder pblico e capital pri-vado, juntos, produziam o discurso do progresso e da civilizao por meio da arquitetura e do urbanismo.

    Como pano de fundo desse discurso modernizador urbano estava a revo-luo industrial. Tal discurso dividia patres e empregados, tanto na fbrica como na geografia da cidade; bairros ricos de bairros pobres, cada vez com mais violncia. Os modos de uso e acesso aos smbolos do progresso eram distri-budos diferentemente entre proprietrios e despossudos. No meio da riqueza tambm se instala a pobreza; a urbanizao progressista traz para a cidade no s os ricos fazendeiros, mas tambm camponeses e pessoas interioranas, sem posses, que vinham em busca de trabalho. Outro contingente populacional relevante foram os imigrantes, que chegam para substituir a mo de obra es-crava nas fbricas que se instalavam na cidade.

    Assim, a cidade que surge em meio a tantas mudanas, ao deixar para trs o passado de vila, torna-se motivo de apreenso por parte das autoridades municipais, que se defrontam com os problemas sociais prprios de um rpido crescimento populacional. H urgncia nas obras de saneamento bsico, casas

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    populares, expanso de escolas e hospitais. nessa situao que a cidade vai sendo construda sob as mos de mdicos e engenheiros, principalmente.

    O que era prescrio no sculo XIX (como pode ser observado na Aula 1 Higienismo na cidade de So Paulo) torna-se ao no sculo XX. Para a educa-o das massas, aparecem os Grupos Escolares como o modelo de arquitetura das ditas instituies totais, o ensino configurado juntamente com o Instituto de Hygiene, alm das inmeras reformas no campo poltico.

    So Paulo recebeu, tambm, o nome de cidade das indstrias. Isso signi-ficou a construo de fbricas, pequenas oficinas, comrcio e, para a moradia dos operrios, pertinho aos galpes, eram construdas as pequenas casas gemi-nadas, alinhadas diretamente com as caladas, e tambm as habitaes coletivas e cortios.

    Abrindo as reas alagadias alm do Tamanduate, Anhangaba e Tiet e se-guindo o traado das linhas frreas da Central do Brasil, Sorocabana e So Paulo Railway, os trabalhadores pobres e os deserdados da fortuna foram produzindo as suas condies de sobrevivncia num meio inspito, sujeitos s constantes enchen-tes que passariam a fazer parte do seu cotidiano. (ROCHA, 2003, p. 29)

    Em meio ameaa de contaminao e desordem urbana, os mdicos-hi-gienistas e sanitaristas produziram discursos sobre a cidade, em que a desordem urbana se traduz em imagens da degradao dos bairros, ruas e casas dos tra-balhadores; com isso, elaboram a justificativa para a urgncia de intervenes que, incidindo sobre aquilo que consideravam como a cidade viciosa, operas-se pelo seu reordenamento radical, continua a autora. Uma das instituies municipais que funcionava para fins disciplinares era o Servio Sanitrio que, entre 1891 e 1892, fiscalizava laboratrios e institutos, ruas, casas, fbricas, hospitais, cemitrios, estbulos, teatros e lavanderias. Em suas visitas, fiscali-zava os alimentos e bebidas, inspecionava amas de leite e orientao com a primeira infncia. Aos modos da disciplina que vigia e pune, a atuao do Servio Sanitrio era coerciva, policialesca.

    Ao andar e fotografar a cidade dos operrios e trabalhadores informais, mdicos, agentes sanitrios, polticos e engenheiros teciam os discursos sobre a criminalidade, a prostituio, diagnosticando as doenas e as revoltas. A ima-gem que o discurso higienista formulou para esse contingente da populao

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    no era positiva. Os cortios passaram a ser vistos como causa da degenerao fsica e moral dos pobres e foco de insurgncias; passam a ser tomados como lugar de origem dos vcios e dos crimes urbanos. Os cortios e suas imediaes, sob a luz do higienismo, refletem a suposta falta de luz desses indivduos e, ao mesmo tempo, embrutece-os ainda mais. J na silhueta da cidade iluminada pelo progresso, tais narradores observavam a ordem, a obedincia, a disciplina, tudo como sendo o caminho para o bem comum.

    Aps as revoltas operrias da dcada de 1920, os especialistas da higiene poltica mudam de estratgia na educao para a populao. Ao aprender as tticas norte-americanas de utilizao do marketing na educao para as mas-sas (uso de cartazes, campanhas na rdio e nas escolas), o modo de disciplinar passa da coero explcita ttica do convencimento para a mudana de hbi-tos. Inicia-se uma campanha preventiva para as doenas e outros males sociais. Esses intentos de preveno articulam-se aos objetivos polticos de formao do povo brasileiro, identificado ao trabalhador forte, saudvel, produtivo e, ao mesmo tempo, disciplinado.

    A criao do Instituto de Hygiene em 1918 resulta do discurso de higieni-zao fsica, intelectual e moral da populao em geral, e a prova de que o governo do Estado de So Paulo aliava-se Junta Internacional de Sade da Fundao Rockefeller.1 Para termos a noo de quo influente foi esse Insti tuto em nossa cidade; para termos a noo de quo comprometidos estvamos com o modelo norte-americano no que diz respeito ao ensino cientfico da higiene e da preparao de tcnicos para o provimento dos cargos de sade pblica, vejam o histrico desse Instituto no Brasil descrito por Rocha. Em 1924, o Instituto foi oficializado; em 1931, foi reconhecido como Escola de Hygiene e Sade Pblica do Estado; em 1938, foi incorporado Universidade de So Paulo; em 1945 foi transformado em Faculdade de Hygiene e Sade Pblica.

    Entre 1922 e 1927, o Instituto assume um lugar de destaque na formulao da poltica sanitria estadual, participando, de forma decisiva, da produo de um discurso cientfico sobre as questes urbanas e da elaborao de estratgias

    1. Rockefeller foi o Bill Gates do final do sculo XIX e incio do XX. Um norte-americano dono de refinarias de petrleo que acumulou a maior fortuna conhecida at ento. Sua fundao era sus-tentada por parte dos lucros de suas empresas, e no Brasil, falava-se em sua filantropia.

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    de interveno. Discursos e estratgias que, tendo como objetivo central a formao da conscincia sanitria, colocam a educao sanitria em primeiro plano, deslocando a nfase dos j conhecidos mtodos de policiamento sanit-rio para modernos mtodos de persuaso.

    A presena desse Instituto criou um intercmbio com a cincia norte--americana. Muitos de nossos professores, nos cursos que se ministravam no Instituto e depois na Escola de Higiene, eram norte-americanos. Muitos dos mdicos brasileiros que assumiram diretorias importantes nessa rea foram estudar nos Estados Unidos. A importncia de uma formao sanitria espe-cializada, que possibilitasse romper com o que eles chamavam de empirismo reinante, um tema recorrente no discurso dos protagonistas da implantao do Instituto de Hygiene. Era a justificativa da presena norte-americana por aqui; outra justificativa, essa menos explcita, dos cursos de aperfeioamento ministrados na Escola de Medicina resultou do crescente interesse pelas ques-tes ligadas higiene industrial e higiene escolar. Saberes que serviram para aprimorar o corpo disciplinado dos operrios e estudantes.

    Neste momento, uma pergunta: por que a higiene escolar se torna to importante?

    No bojo das medidas adotadas em 1921, com vistas reorganizao do Instituto de Hygiene que incluram a redefinio da estrutura organizacional, com a criao dos departamentos, e a ampliao do programa do curso ofere-cido aos estudantes de medicina algumas iniciativas no campo da formao e aperfeioamento de agentes de sade pblica foram ensaiadas. A partir da-quele ano, o Instituto passou a oferecer cursos especiais, como ps-graduao em profilaxia da malria e ancilostomase, curso intensivo de Higiene Rural e instruo em higiene para as alunas da Escola Normal. Em 1921, o currculo do curso de formao de professores foi reestruturado incluindo as cadeiras de Anatomia e Fisiologia Humana, Biologia e Higiene, Psicologia, Sociologia e Histria da Educao. A aproximao entre poltica e higiene decisiva para a educao escolar da cidade de So Paulo, a partir da dcada de 1920. Pa-ra termos uma noo melhor, transcrevo aqui uma citao longa de Heloisa Rocha, que julgo importante:

    A atuao do Dr. Antonio de Almeida Junior (ver nota 32, p. 137), bolsista da Junta Internacional de Sade no Instituto de docente de Higiene na Escola Normal

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    do Braz, foi decisiva nos rumos que foram sendo impressos ao trabalho. Como resultado da investigao que desenvolveu sobre o ensino de Higiene nas Escolas Normais brasileiras e estrangeiras, esse profissional elaborou um programa de ensino calcado nas modernas concepes de sade pblica e preveno de doen-as e adaptado s condies e mentalidade brasileiras. Tal programa, que orien-tou o trabalho desenvolvido com as alunas da Escola Normal do Braz, em 1922 e 1923, era composto de prelees e exerccios prticos de higiene escolar e higiene infantil. Os exerccios prticos, realizados no Instituto de Hygiene, visavam de-monstrar como proceder inspeo diria das crianas, pes-las e medir sua fora mensalmente, e ainda orientar as futuras professoras em relao ao que ensinar s crianas sobre Higiene. Tendo em vista alcanar o objetivo de formao das nor-malistas nos misteres da sade pblica, Dr. Almeida Junior lanava mo de um grande nmero de cartazes, desenhos e outros materiais impressos, tematizando assuntos de higiene. (ROCHA, 2003, p. 137-8)

    Para compreender o sujeito formado por esse comportamento disciplinar, convido os estudantes a lerem, com ateno, o trecho do discurso proferido pela formanda Maria Antonietta de Castro, na cerimnia de entrega de diplomas primeira turma de educadoras sanitrias, transcrito por Heloiza Helena Pimen-ta Rocha, no livro A higienizao dos costumes: educao escolar e sade no projeto do Instituto de Hygiene de So Paulo (1918-1925), p. 139-41. Aproveitem e visitem esse precioso estudo com vagar:

    A estratgia da preveno em substituio estratgia da punio mostra mudana do modo de exercer o poder do Estado sobre os indivduos. Ao deslocar a estratgia da punio para a estratgia da persuaso, a poltica higienista do go-verno municipal transferia para o indivduo a responsabilidade da sade fsica e social. Tratou-se de criar a conscincia sanitarista na populao por vrios meios, e um deles foi a escola. O mdico e tambm professor doutor Emerson Elias Meyry nos apresenta o deslocamento poltico antes calcado no modelo bacteriolgico para o modelo educacional. Tais modelos, como se poder notar, muito nos es-clarecem sobre a relao entre saber e poder. Segundo Meyry, na perspectiva bacteriolgica, as aes sanitrias visam vigiar e controlar o meio externo, no sentido de garantir a sua higiene, e realizam esta funo utilizando-se basicamen-te de instrumentos coercitivos (polcia e campanha sanitrias). (...) Na mdico--sanitria, j que essas aes visam conscincia do indivduo, seriam apenas re-vestidas de um carter impositivo, mas com um cunho predominantemente educativo/consensual. (MEYRY apud ROCHA, 2003, p. 143)

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    Ou seja, o poder, ao invs de vigiar e punir, fazia interiorizar no indivduo por meio de uma propaganda massiva dos novos modos de higiene o estilo de vida higinico, transformando-o em um multiplicador em potencial. Esse foi o modo de naturalizar os costumes higienistas, tornando-os inquestionveis; foram os modelos dos hbitos higinicos que contrastavam com a sujeira da pobre-za. Interiorizado esse modelo, cabia ao indivduo a responsabilidade por sua sade. E quem no tinha gua para tomar banho todos os dias? E quem no tinha esgoto encanado? E quem no tinha dinheiro para fazer as reformas em suas casas? E quem vinha de culturas diferentes da indicada por esses hbitos?

    Ao criar questionrios para os indivduos ou grupos usurios dos centros de sade, das escolas, hospitais e fbricas, ou pesquisando nas prprias casas dos cidados, a poltica de sade sanitarista objetivava impressionar e conven-cer da importncia dos hbitos de higiene. Porm, para sua maior eficincia, buscaram priorizar a infncia e a juventude. Baseando-se na ideia da criana como possuidora de uma natureza sem forma (uma massinha a ser moldada), foi a, na educao infantil, que as aes da educao sanitria atuaram com fora, dando prioridade s crianas desnutridas ou com necessidades especiais. A ideia era que a criana levaria para dentro da famlia os bons costumes de higiene. O padro de civilidade burgus em que estes se baseavam era passado por meio de prticas de higienizao pessoal (limpeza dos dentes, das unhas, cabelo, roupa), higiene da casa, da alimentao. Tudo isso contribua para a formao do brasileiro saudvel, forte para o trabalho, branco na moral.2

    Contribuindo para a formao desses homens fortes, saudveis, produtivos e ordeiros, a criao dos cursos de educadores sanitrios se constitua numa

    2. Hoje, como docente da disciplina Prtica de Ensino, do Curso de Licenciatura em Arte-Teatro do Instituto de Artes da Unesp, ouo relatos que impressionam exatamente pelo oposto: pela ausncia e, diria eu, indiferena do poder pblico (e de seus representantes) sobre a condio de vida dos alunos de algumas escolas pblicas. Recentemente um estagirio de terceiro ano nos relatou a presena de uma menina de 9 anos, muito tmida e muito prestativa, que s vezes frequentava a escola com roupas sujas e exalando mau cheiro. Ao questionar a professora responsvel pela sala da garotinha, nosso estagirio recebeu a resposta de que a menina morava com a av em uma es-pcie de cortio onde o banho era pago a cada dia. E que, por isso, talvez a menina no tivesse como ir banhada escola todos os dias. Ser que possvel dormir tranquilo com essa resposta? Meu aluno no conseguiu dormir e depois de algumas semanas retirou-se daquele ambiente. Isso nos mostra que a educao pblica nunca objetivou a formao humanstica dos alunos pobres e, talvez em parte, explique por que alguns desses alunos tm comportamentos destrutivos com a escola e tudo o que se relaciona a ela.

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  • | 51A escola higinica

    verdadeira incitao a produzir sujeitos patriotas, tal como podemos perceber no trecho do Relatrio do Instituto de Hygiene de 1925, produzido por nossos especialistas; vale a pena conferir, e mais uma vez, fazer a anlise do fragmento do discurso:

    Obra egrgia de esclarecido patriotismo, della lcito esperar-se proveitos de largo alcance, pela transformao que operar no esprito das populaes, pelo argumento da capacidade do indivduo nacional com a erradicao de hygiene dos innumeros males que acarreta a ignorncia de princpios salutares para a conser-vao da sade e, como resultante disso, a formao de proles sadias, o que corres-ponde a dizer da populao sadia de amanh. (ROCHA, 2003, p. 147)

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  • aula 3O SUJEITO QUE CONHECE, O OBJETO DO CONHECIMENTO

    E O CONHECIMENTO

    Para o historiador Adam Schaff, o processo que envolve a produo do conhecimento depende da interao que se estabelecer entre sujeito e objeto. Dessa relao, o autor destaca o aparecimento de trs modelos de construo do conhecimento na modernidade ocidental: o modelo subjetivista, o mecani-cista e o dialtico. Vamos nos ater aos dois ltimos. O modelo mecanicista est embasado na teoria dos reflexos. Afirma o autor:

    Segundo essa concepo, o objeto do conhecimento atua sobre o aparelho perceptivo do sujeito que um agente passivo, contemplativo e receptivo; o pro-duto deste processo o conhecimento o reflexo, a cpia do objeto, reflexo cuja gnese est em relao com a ao mecnica do objeto sobre o sujeito. (SCHAFF, 1986, p. 73)

    Nesse modo de interao com o mundo, cabe ao sujeito do conhecimento o papel de registrar estmulos vindos do exterior, papel semelhante ao de um espelho ou a de um copista. Com esse processo de produo do conhecimento, o objeto ativo, pois existe independentemente do sujeito que o contempla; o objeto dado, existe independentemente do sujeito. Por outro lado, o conheci-mento produzido pelo modelo mecanicista varia de acordo com o maior ou menor desenvolvimento do aparelho perceptivo do sujeito. Para aqueles que assim pensam, as diferenas de impresses sobre o objeto, ou seja, os diferentes resultados dessa relao (o conhecimento produzido) so causados pelas dife-renas genticas e de educao do aparelho perceptivo do sujeito. O conheci-mento no uma interpretao do sujeito. Este, para revelar a verdade do obje-to, esfora-se por descrever o que observa de maneira neutra. O conhecimento reconhecimento do que j est dado. Nessa perspectiva, a educao ter a fi-nalidade de desenvolver o aparelho perceptivo dos educandos para faz-los reconhecer e conhecer o mundo.

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  • APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS54 |

    No modelo idealista, exposto por Schaff, a ateno se volta para o sujeito que se apresenta como criador da realidade, ou, dizendo de outro modo, o sujeito intrprete da verdade que est no objeto. Trata-se, em oposio ao modelo mecanicista, de um sujeito ativo: o conhecimento do objeto produto da ao cognitiva do sujeito que se coloca em ao de conhecer. O conheci-mento resultado da interpretao do sujeito sobre o objeto; resultado do trabalho do sujeito sobre o mundo a ser desvendado.

    Nessa perspectiva, o objeto passa a ter existncia somente a partir do olhar de algum que o descobre; o objeto no existe em si. Mesmo que seja coisa do mundo, ele s se torna objeto de conhecimento quando alcanado pelo olhar de um sujeito que o valoriza, portanto no pode ser qualquer um e, sim, um sujeito de saber e de poder; algum capaz de se isolar do mundo, que consegue ter uma viso de realidade, uma viso visionria. Ao transcender, esse sujeito de conhecimento capaz de observar o mundo em sua totalidade e, ao inter-pret-la e revel-la, o sujeito expressa a verdade que lhe imanente. Sem a con dio de transcendncia do sujeito de conhecimento, o que se revela falso, enganoso. O sujeito transcendente carrega, portanto, uma verdade universal que pr-existente ao indivduo que a carrega.

    Outro modelo exposto pelo filsofo o da dialtica. Neste, atribudo ao sujeito e ao objeto papel ativo. Sujeito e objeto esto no mundo e fazem parte do mesmo contexto; so originrios do mesmo lugar. Diferente do sujeito idea-lista que, supostamente, consegue isolar-se totalmente de sua condio mun-dana (sentimentos, condies fsicas, econmicas, sociais), o sujeito do mode-lo dialtico sofre condicionamentos, em particular de determinantes sociais, que influenciam na formao de sua viso de mundo e, por conseguinte, o di-reciona a reproduzir conhecimentos resultantes desse modo de pensar, por exemplo, o pensamento de classe.

    Nesse modo de produo do conhecimento, tanto o sujeito como o objeto pr-existente e estabelece uma relao dinmica. O sujeito se modifica diante do objeto do mesmo modo que o objeto se modifica diante do sujeito. O pro-duto de sua relao, o conhecimento, resultado dessa mtua influncia. H, portanto, uma luta entre duas presenas pr-existentes sujeito e objeto em que o resultado conhecimento, tambm histria. A lgica dialtica se d pela ap