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    Universidade Jean Piaget de Cabo Verde

    Campus Universitrio da Cidade da PraiaCaixa Postal 775, Palmarejo Grande

    Cidade da Praia, SantiagoCabo Verde

    15.5.12

    Andir Csar Rodrigues Barbosa

    Legtima defesa e excesso de legtimadefesa na prtica judiciria do Tribunal da

    Comarca da Praia

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    Universidade Jean Piaget de Cabo Verde

    Campus Universitrio da Cidade da PraiaCaixa Postal 775, Palmarejo Grande

    Cidade da Praia, SantiagoCabo Verde

    15.5.12

    Andir Csar Rodrigues Barbosa

    Legtima defesa e excesso de legtimadefesa na prtica judiciria do Tribunal da

    Comarca da Praia

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    Andir Csar Rodrigues Barbosa, autor damonografia intitulada Legtima defesa eexcesso de legtima defesa na prtica

    judiciria do Tribunal da Comarca da Praia,

    declaro que, salvo fontes devidamente citadase referidas, o presente documento fruto domeu trabalho pessoal, individual e original.

    Cidade da Praia aos 15 de Maio de 2012Andir Csar Rodrigues Barbosa

    Memria Monogrfica apresentada Universidade Jean Piaget de Cabo Verdecomo parte dos requisitos para a obteno dograu de Licenciatura em Direito.

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    Sumrio

    A presente monografia aborda, de um modo geral, acompanhado de actuais orientaesdoutrinrias e jurisprudenciais, assim como dos respectivos regimes jurdico-penais, a

    temtica da legtima defesa e do seu excesso, e, de um modo especial, a natureza do

    tratamento jurdico-penal dado, aps a entrada em vigor do actual Cdigo Penal, pelo

    Tribunal da Comarca da Praia respectiva causa de justificao e, consequentemente, ao seu

    excesso.

    Prope-se, portanto, averiguar, atravs da anlise crtica de algumas das questes dirigidas aum grupo de magistrados afectos matria crime naquele tribunal, se estar ou no, de facto,

    o respectivo rgo de soberania a dar legtima defesa, assim como ao seu excesso, um

    adequado tratamento.

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    Agradecimentos

    A Deus pela fora e coragem; minha famlia pelos apoios concedidos e, principalmente,

    pelos incentivos; ao meu irmo Ildo Germano Rodrigues Barbosa pelo apoio e pela moral

    crtica; ao meu orientador Anderson Janice Moreno Barbosa; aos meus colegas de curso, bem

    como aos demais professores e funcionrios da Uni-piaget; aos Magistrados (Judiciais e do

    Ministrio Pblico) do Tribunal da Comarca da Praia; ao pessoal das secretarias e da

    procuradoria; enfim, a todos que directa ou indirectamente contriburam para a realizao do

    presente trabalho.

    Um muito obrigado!

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    memria do Pai e Amigo, Arlindo Fortes Tavares Barbosa;

    memria do irmo e companheiro, Ildo Germano Rodrigues Barbosa

    Eternas Saudades!

    minha me, Ana Mendona Rodrigues Barbosa

    Aos meus irmos Lus, Alessandro e Antonina.

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    Constitui legtima defesa o facto praticado como meio necessrio para afastar a agressoactual e ilcita de interesses juridicamente protegidos e relevantes do agente ou de terceiro

    (art. 36. do CP)

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    Contedo

    Introduo.................................................................................................................................12

    Captulo 1: Legtima defesa enquanto causa de excluso da ilicitude (causa de justificao)171 Sntese histrica............................................................................................................17

    1.1 O moderno direito de legtima defesa...........................................................................181.2 A ordem jurdica Cabo-verdiana ..................................................................................192 Conceito, causa de justificao ou causa de excluso da ilicitude...............................23

    3 Causas de excluso da ilicitude e tipos incriminadores................................................26

    4 Fundamentos da legtima defesa...................................................................................27

    4.1 A posio dominante ....................................................................................................27

    4.2 Outras posies.............................................................................................................284.3 O primeiro fundamento ................................................................................................295 A proporcionalidade .....................................................................................................30

    6 Requisitos e pressupostos da legtima defesa...............................................................32

    6.1 Situao de legtima defesa versus Aco de legtima defesa...............................336.2 Interesses juridicamente protegidos..............................................................................457 Aco de legtima defesa .........................................................................................47

    7.1 O meio necessrio (necessidade do meio)....................................................................487.2 Necessidade de defesa (defesa necessria)...................................................................528 Restries tico-sociais ao direito de legtima defesa...............................................53

    8.1 Agresso no culposa ou com culpa notoriamente diminuda .....................................548.2 Agresses provocadas...................................................................................................548.3 Agresso insignificante (crassa desproporo do significado da agresso e da defesa)

    568.4 Agresses no mbito de relaes de garante (proximidade existencial)...................569 Elemento subjectivo da legtima defesa .......................................................................58

    9.1 Animus defendendi ...................................................................................................589.2 O conhecimento da situao de legtima defesa...........................................................599.3 Teoria objectivista ........................................................................................................60

    10 Consideraes finais .....................................................................................................61Captulo 2: Excesso de legtima defesa...............................................................................621 Noo e consideraes gerais.......................................................................................63

    2 Os critrios da determinao do excesso......................................................................64

    3 Modalidades (tipos) de excesso....................................................................................65

    3.1 Excesso intensivo e excesso extensivo.........................................................................653.2 Excesso culposo e doloso .............................................................................................663.3 Excesso causado pelo erro............................................................................................673.4 Excesso de legtima defesa putativa .............................................................................683.5 Excesso de legtima defesa no censurvel (excesso astnico)....................................684 A punio do excesso ...................................................................................................70

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    4.1 Excesso de legtima defesa e a livre atenuao da pena...............................................715 A reaco contra o excesso...........................................................................................71

    6 Consideraes finais.....................................................................................................72

    Captulo 3: Tratamento dado pelo Tribunal da Comarca da Praia legtima defesa e ao seuexcesso 731 O Tribunal da Comarca da Praia no quadro da organizao judiciria........................74

    2 Grupo pesquisado .........................................................................................................74

    3 Instrumento da recolha de dados ..................................................................................75

    4 Tratamento e anlise dos dados ....................................................................................75

    4.1 Respostas dos magistrados ...........................................................................................764.2 Anlise dos dados .........................................................................................................785 Anlise documental ......................................................................................................84

    6 Apresentao e discusso dos resultados da pesquisa..................................................86

    Concluso .................................................................................................................................89

    A Anexo ...........................................................................................................................98A 1. Guio de entrevista ...........................................................................................................98

    B Apndice ...............................................................................................................................99

    B 1 Cdigo Penal Brasileiro..................................................................................................99

    B 2 - Cdigo Penal Portugus.................................................................................................100

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    Abreviaturas

    Ac. = Acrdo;

    Art. = Artigo;

    Cf. = Conferir;

    CP = Cdigo Penal;

    CRCV = Constituio da Repblica de Cabo verde;

    Ibidem = do mesmo autor, na mesma obra, na mesma pgina;

    Idem = do mesmo autor, na mesma obra, em pgina diferente;

    Ob. cit. = Obra citada;

    P. = Pgina;

    P. ex. = por exemplo;

    pp. = Pginas;

    SS. = seguintes;

    V. = ver;

    Apud = citado por;

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    Introduo

    Dado a constante impossibilidade de se recorrer aos meios normais de represso de uma

    agresso actual e ilcita lesiva de interesses juridicamente protegidos, reconheceu-se, portanto,

    aos particulares (defendente), nestes casos, o direito ou a possibilidade de afastar, pelas

    prprias mos, aquela agresso, protegendo, por conseguinte, os interesses lesados ou

    ameaados de leso pelo agressor ilcito.

    Assim sendo, destaca-se, de entre as modalidades de justia privada (autotutela) jurdico-

    penalmente reconhecidas aos particulares, o instituto da legtima defesa, considerada no

    mbito do Direito Penal causa de justificao ou causa de excluso da ilicitude, actualmente

    consagrada nos artigos 35., a) e 36. do CP vigente, assim como no art. 19. da CRCV,

    segunda parte, sob a epgrafe Direito de resistncia.

    Conforme o disposto no art. 36. do CP, reagindo-se a uma agresso actual e ilcita, dever o

    defendente (pessoa agredida ou um terceiro que afasta a agresso) utilizar, para a justificao

    do facto por ele praticado na defesa daqueles interesses, um meio de defesa que seja

    necessrio, ou se quisermos, adequado.

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    Todavia, no obstante o consagrado naquele art. (36 do CP), poder, contudo, o defendente,

    confrontado com uma concreta situao de legtima defesa, socorrer-se de um meio de

    defesa considerado, num caso concreto, desnecessrio, ou seja, excessivo.

    A utilizao de meios de defesa excessivos tem como consequncia jurdico-penal directa e

    imediata a sujeio do seu autor aos regimes do excesso de legtima defesa consagrados nos

    artigos 37. e 41. do CP.

    O excesso, diversamente da verdadeira aco de defesa legtima, implica a no excluso

    da ilicitude do facto praticado pelo defendente, colocando, assim, em causa a sua punio

    normalmente afastada pelo art. 36. do CP.

    Demonstrada a diferena de regimes existente entre a legtima defesa e o seu excesso, no

    poderemos perder de vista que poder o tribunal, neste caso, o da Comarca da Praia,

    confrontado com um caso onde, possivelmente, se afigura aquela causa de excluso da

    ilicitude, aplicar ao constitudo arguido a pena correspondente a um facto tpico de um crime

    cometido ou, a pena correspondente ao facto tpico atenuado, por no estarem reunidos os

    pressupostos daquela excluso, mas sim um excesso de legtima defesa.

    Posto isto, e partindo de uma tal possibilidade, prope-se, atravs do presente trabalho, que

    tem como tema: Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do

    Tribunal da Comarca da Praia, averiguar se estar ou no o respectivo tribunal a dar

    legtima defesa, assim como ao seu excesso, um adequado tratamento.

    Para tal, levantar-se- a seguinte pergunta de partida:

    Estar o Tribunal da Comarca da Praia a dar legtima defesa e ao seu excesso um

    adequado tratamento?

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    esta pergunta de partida apresentaremos as seguintes hipteses:

    O tratamento jurdico-penal dado pelo Tribunal da Comarca da Praia legtima defesa

    e ao seu excesso varia consoante o bem jurdico posto em causa, num caso concreto,pelo defendente;

    O tribunal caracteriza bem uma situao de legtima defesa, mas avalia de forma

    inadequada a respectiva aco de defesa.

    Justificativa

    Sabendo que o Tribunal da Comarca da Praia a maior comarca do Pas, com quatro juzos

    crimes e um nmero considerado de processos crimes de homicdio e ofensa integridade

    fsica, visto que a criminalidade aqui maior, interessou-nos averiguar se estar ou no, de

    facto, o respectivo rgo de soberania a dar legtima defesa e ao seu excesso um adequado

    tratamento.

    Decorridos, por outro lado, sete (7) anos sobre a data da entrada em vigor do actual CP econstatada alguma carncia bibliogrfica, nvel nacional, no que diz respeito matria da

    legtima defesa, assim como a do seu excesso, pareceu-nos ainda pertinente apresentar, aqui,

    as actuais orientaes doutrinrias e jurisprudenciais (portuguesas) defendidas em matria da

    legtima defesa e tambm do seu excesso.

    O instituto da legtima defesa a nosso ver importante a sua considerao porquanto a

    verificar-se afastaria, para alm de proteger importantes e relevantes bens jurdicos (prpriosou alheios) como a vida e a integridade fsica, a ilicitude do facto e a absolvio do arguido;

    j assim no seria o instituto de excesso de legtima defesa que teria como consequncia

    directa e imediata a punio, embora com uma pena livremente atenuada, do seu autor.

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    Por ltimo, e estando a par da nica diferena de regimes existente entre a legtima defesa e o

    seu excesso, achou-se ainda necessrio estudar a fundo os seus respectivos regimes

    jurdico-penais, visto que no se decidindo o tribunal nem pela legtima defesa, nem pelo seu

    excesso, aplica ao constitudo arguido a pena correspondente ao facto tpico por ele praticado,

    sujeitando-o, desta forma, a uma plena condenao.

    Atendendo a justificativa aqui apresentada, ser nossa pretenso alcanar com a realizao do

    presente trabalho os seguintes objectivos:

    Geral:

    Verificar se o tratamento jurdico-penal dado pelo Tribunal da Comarca da Praia legtima

    defesa e ao seu excesso tem sido ou no adequado.

    Especficos:

    Estudar os regimes jurdico-penais actualmente reconhecidos, tanto legtima

    defesa, assim como ao seu excesso;

    Apresentar as actuais orientaes doutrinrias e jurisprudenciais defendidas em

    matria da referida causa de justificao e consequentemente do seu excesso;

    Conhecer a real situao do tratamento jurdico-penal dado por aquele tribunal

    legtima defesa, bem como ao seu excesso.

    O alcanar destes objectivos passa, no entanto, pela utilizao da seguinte metodologia de

    pesquisa:

    Pesquisa bibliogrfica, fundamentada, essencialmente, na consulta de livros especficos da

    rea, na anlise de jurisprudncias de tribunais portugueses, assim como na consulta e/ou

    estudo de legislaes nacionais reguladoras de matrias relacionadas com o tema em

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    apreciao, como o caso da Constituio da Repblica, do Cdigo Penal, do Cdigo Civil, e

    bem como de outros diplomas avulsos.

    Quanto aos processos e tcnicas de investigao utilizar-se- a entrevista, por via da qualanalisaremos os dados recolhidos atravs de um conjunto de questes dirigidas a um grupo de

    magistrados (Judiciais e do Ministrio Pblico) daquele tribunal afectos matria crime.

    Estrutura do trabalho

    Exceptuando-se a introduo e a concluso desenvolveremos o presente trabalho em trs

    captulos, subdivididos do seguinte modo: no primeiro captulo - Legtima defesa enquantocausa de excluso da ilicitude - analisaremos questes como a sua origem histrica, as suas

    posteriores evolues jurdicas e a sua consagrao na ordem jurdica nacional; tratada a sua

    parte histrica, estudaremos os seus requisitos e/ou pressupostos, assim como outras

    importantes matrias directamente relacionados com o seu estudo; abordando, por

    conseguinte, o seu regime jurdico-penal actualmente consagrado no art. 36. do CP.

    No segundo, denominado - Excesso de legtima defesa - estudaremos o contraponto dalegtima defesa que o seu excesso, analisando, a para o efeito, acompanhado das necessrias

    e actuais orientaes doutrinrias, assim como jurisprudenciais, defendidas nesta matria e

    no s, o seu regime jurdico-penal consagrado, desta feita, pelos artigos 37. e 41. do CP.

    Por fim, analisaremos, depois de estudados e apresentados as actuais orientaes doutrinrias

    defendidas em matria da legtima defesa e do seu excesso, bem como os respectivos regimes

    jurdico-penais, no terceiro e ltimo captulo - Tratamento dado pelo Tribunal da Comarcada Praia legtima defesa e ao seu excesso - a natureza do concreto tratamento jurdico-

    penal dado por aquele tribunal, depois a entrada em vigor do actual CP, aos mencionados

    institutos.

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    Captulo 1: Legtima defesa enquanto causa deexcluso da ilicitude (causa de justificao)

    1 Sntese histrica

    O percurso histrico e consequentemente o jurdico-penal trilhado pela legtima defesa, desde

    a sua origem at chegar ao seu actual regime1, ficou marcado por inmeras e importantes

    alteraes.

    Assim sendo, destacam-se de entre essas alteraes a sua passagem por importantes e

    conhecidas ordens jurdicas, bem como o seu posterior reconhecimento jurdico-penal

    enquanto causa de justificao ou causa de excluso da ilicitude.

    Abordando em linhas gerais algumas daquelas alteraes e contrariando as orientaes

    doutrinrias defensoras de uma legtima defesa reconhecida por todos os tempos,

    inclusivamente entre os primatas, afirma Jesus (1998:247)2 intil buscar entre os povos

    permitidos vestgios da legtima defesa. E, posicionando-se relativamente a sua origem

    histrica explica:

    1 Neste caso o consagrado nos artigos 35.,a) e 36.) do nosso CP.2 Livro de formato digital (pdf).

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    Segundo informa Carvalho (2006:163) A teorizao dogmtica da legtima defesa comeou

    nos perodos do sc. XIX; conforme explica, deste perodo at a actualidade afirmaram-se

    duas fases distintas, uma que vai da metade do sc. XIX aos anos cinquenta do sc. XX; e

    uma segunda, que comea nos meados do sc. XX, estendendo-se actualidade.

    Diferenciando o moderno direito de legtima defesa da sua anterior fase de desenvolvimento,

    afirma Carvalho (1995:36) Antes, inexistia um conceito material de ilicitude, no havia

    distino entre causas de justificao e causas de exculpao ().

    No mesmo sentido diz Palma (1990:174) O esclarecimento do sentido da diferena entre o

    instituto da defesa no passado e a legtima defesa de hoje deve comear no plano da prpriaetimologia. A moderna adjectivao da defesa, atravs do vocbulo legtima, produto do

    direito francs. Assinala-se, usualmente, a sua primeira apario no Cdigo de 1791, da

    passando para o Cdigo de 1810. Fioretti apudPalma (1990).

    1.2 A ordem jurdica Cabo-verdiana

    No que a nossa ordem jurdica diz respeito, destaca-se em matria da legtima defesa a suaconsagrao nos dois cdigos penais que at hoje vigoraram em Cabo Verde, isto , no cdigo

    penal portugus de 1886 e no actual cdigo penal de Cabo verde. Alm dos referidos

    cdigos, reala-se, tambm a consagrao, na Constituio da Repblica, do Direito de

    resistncia.

    1.2.1 CP portugus de 1886

    Foi com o CP de 1886, publicado pelo decreto de 16 de Setembro de 1886, que se iniciou, em

    Cabo verde, o processo de reconhecimento jurdico-penal da legtima defesa, enquanto causa

    de justificao.

    Aquele cdigo foi, segundo Fonseca (2001:22) () objecto de duas reformas relativamente

    importantes, uma em 1954, e outra em 1972.. Acrescentando ainda () e muito localizadas

    e pequenas alteraes impostas pelo legislador cabo-verdiano, aps a independncia do pas.;no entanto, os institutos objectos do nosso estudo mantiveram inalterados.

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    Justificava-se, conforme o art. 44., n. 5 daquele CP, o facto praticado em legtima defesa

    prpria ou alheia, desde que concorressem, nos termos do seu art. 46., os seguintes

    requisitos:

    1. Agresso ilegal em execuo ou eminente, que no seja motivada por provocao,

    ofensa ou qualquer crime actual praticado pelo que defende;

    2. Impossibilidade de recorrer fora pblica;

    3. Necessidade racional do meio empregado para prevenir ou suspender a agresso;

    nico. No punvel o excesso de legtima defesa devido a perturbao ou medodesculpvel do agente.

    Analisando o art. 46. do CP de 1886, constata-se que a agresso ilegal jamais poderia ser

    consequncia da provocao, ofensa ou qualquer crime actual praticado pelo defendente. A

    pessoa agredida ou um terceiro s se defendia em legtima defesa quando fosse impossvel

    recorrer fora pblica, utilizando, para tal, um meio de defesa racionalmente considerado

    necessrio, pois, se assim no fosse utilizar-se-ia um meio de defesa excessivo ou

    desnecessrio.

    Tambm no se punia por fora do nico, constante ainda do referido art. 46., o excesso de

    legtima defesa causado devido a perturbao ou medo desculpvel do agente.

    Analisando o mesmo cdigo3 e os mesmos artigos, afirma Ferreira (1985:86) Os requisitos

    assim indicados da legitimidade da defesa corroboravam o conceito de legtima defesa como

    () moderada defesa inculpada. Segundo escreve A defesa, enquanto inculpada, vinha

    delimitada no n. 1 do art. 46.; e enquanto moderada, vinha delimitada nos ns 2 e 3 do

    mesmo art. 46..

    O mencionar, nesta parte do trabalho, dos requisitos da legtima defesa consagrados no art.

    46. do CP de 1886 teve como propsito demonstrar o seu regime jurdico-penal constante

    daquele cdigo.

    3 Cdigo penal portugus extensvel ao Ultramar a que Cabo Verde fazia parte.

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    1.2.2 CP vigente

    O actual CP de Cabo verde foi aprovado pelo Decreto Legislativo n. 4/2003 de 18 de

    Novembro, entrando em vigor a 1 de Julho de 2004. Diferentemente do seu antecessor,

    chamou este cdigo legtima defesa causa de excluso da ilicitude, consagrando-a nos

    seus artigos 35., a) e 36., com as seguintes redaces4:

    Art. 35. (Enumerao exemplificativa)

    No ilcito o facto praticado, nomeadamente:

    a)Em legtima defesa;

    ()

    Art. 36. (Legtima defesa)

    Constitui legtima defesa o facto praticado como meio necessrio para afastar a agressoactual e ilcita de interesses juridicamente protegidos e relevantes do agente ou deterceiro.

    Consagrou-se ainda no mesmo CP, ao lado do regime da legtima defesa, no art. 37. o seu

    contraponto excesso de legtima defesa - No excluda a ilicitude do facto, se houver

    excesso dos meios utilizados pelo defendente, mas a pena pode ser livremente atenuada, nos

    termos e com os limites referidos no n. 2 do artigo 22. .

    Para alm do art. 37., consagrou-se, tambm, por fora do art. 41. do CP, o chamado

    Excesso de legtima defesa no censurvel, considerado causa de excluso da culpa, j que

    conforme se l no referido art.: Age sem culpa quem se exceder nos meios empregados em

    legtima defesa, em virtude de perturbao, medo ou susto no censurveis.

    1.2.3 A Constituio da Repblica

    Alm da legtima defesa consagrada no art. 36. do CP vigente, reconheceu-se ainda ao

    particular, por fora da CRCV, uma outra forma de defesa privada chamada Direito de

    resistncia.

    4 Diferente da constante do anterior CP.

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    Legtima defesa e excesso de legtima defesa na prtica judiciria do Tribunal da Comarca da Praia

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    Conforme estipula o art. 19 da Constituio5 reconhecido a todos os cidados o direito de

    no obedecer a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir

    pela fora qualquer agresso ilcita, quando no seja possvel recorrer autoridade pblica..

    Poder, portanto, se invocar o direito de resistncia, quer contra as autoridades pblicas, bem

    como contra um particular (outra pessoa), uma vez que conforme explicam Canotilho e

    Moreira (2007:421):

    O direito de resistncia vale no apenas perante as autoridades pblicas, mas tambm nas

    relaes particulares. Pode-se resistir tanto ordem de uma autoridade policial (que

    ilegitimamente, restringe, por ex. a liberdade de deslocao), como ordem de uma autoridade

    patronal (); tanto se pode resistir agresso fsica ou invaso do domiclio perpetrada por

    um particular como por qualquer autoridade.

    Apresentando, nesta matria, igual posicionamento afirma Silva (1998:106) a ()

    Constituio consagra a resistncia individual passiva e defensiva no s em relao aos

    poderes pblicos6, mas tambm nas relaes entre os particulares.

    A presente forma de resistncia concedida ao particular tem como fundamento legal, asegunda parte do art. 19 da CRCV, que diz: () e de repelir pela fora qualquer

    agresso ilcita..

    Do exposto, conclui-se que foi reconhecido a todos os cidados nacionais e no s7, por fora

    do direito fundamental - Direito de resistncia (art. 19. da CRCV) - o direito de repelir,

    pela fora, qualquer agresso ilcita, quando no seja possvel recorrer autoridade pblica,

    assim como de no obedecer qualquer ordem ofensiva dos seus direitos, liberdades egarantias.8

    5 Da ltima reviso aprovada em Maio de 2010 atravs da Lei Constitucional n. 1/VII/2010, de 3 de Maio;parte II, referente aos Direitos e Deveres Fundamentais.6 Mais concretamente o Estado e os seus rgos.7 Cf., neste sentido, o art. 25, n. 1, da CRCV (Estrangeiros e aptridas).8 Esta faculdade (direito) s foi concedida, constitucionalmente falando, ao cidado (particular), com a entradaem vigor da Constituio de 1992 (aprovada pela Lei Constitucional N. I/IV/92, de 25 de Setembro) por fora

    do seu art. 18.. No entanto, manteve-se, a redaco constante do actual artigo 19 da CRCV; a parte II daconstituio de 1992 fazia meno aos Direitos e Deveres dos cidados e no aos Direitos e DeveresFundamentais como faz a ltima reviso.

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    2 Conceito, causa de justificao ou causa de excluso da ilicitude

    Constitui legtima defesa, segundo reza o art. 36. do CP vigente, o facto praticado como

    meio necessrio para afastar a agresso actual e ilcita de interesses juridicamente protegidos

    e relevantes do agente ou de terceiro.

    Neste sentido, considera-se agir em legtima defesa quem utilizando meios necessrios

    (adequados) afasta a agresso actual e ilcita de interesses juridicamente protegidos e

    relevantes prprios, assim como os de um terceiro.

    Apresentam-se atravs da doutrina, ao lado desta noo legal, outras vrias noes de legtima

    defesa. A legtima defesa traduz-se em um contra-ataque a uma agresso, considerado

    necessrio para afastar esta: a defesa quer evitar a agresso, torn-la eficaz, evitar ou diminuir

    as suas consequncias. Jagusch apudCorreia (2007).

    Buscando ainda uma outra noo da legtima defesa, asseveram Andrade e Gregrio(2008:70):

    A legtima defesa a subtraco, do mundo do ilcito, da conduta do agente que, dentrodos limites do razovel, vai ofender direitos de outrem, para evitar uma leso () que

    se encontra a ser feita por este ltimo, seja quanto aos interesses protegidos do agente,

    seja quanto a interesses protegidos de terceiro, leso essa para a qual o agente de modo

    algum tenha contribudo.

    A legtima defesa constitui, neste sentido, ainda um direito, j que segundo Correia

    (2007:35) () se considera que exclui a ilicitude at porque constitui o exerccio de um

    direito: o direito de legtima defesa ()..

    E, por consider-lo direito de todo homem que realiza, por sua conta, o fim do direito, diz

    Teles (1998:237) trata-se de um direito do indivduo por essas duas razes: primeiro porque

    a realizao da vontade do Direito, a proteco do bem jurdico, e, ao mesmo tempo,

    porque, na ausncia do Estado para cumprir seu dever de tutelar o interesse injustamente

    agredido, deve devolver ao indivduo este poder de proteger o bem atacado..

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    Consagrado nos artigos 36. do CP e 19. da CRVC, reconheceu-se aos particulares, por fora

    do chamado direito de legtima defesa, a possibilidade de exercer, por meios prprios e em

    defesa dos interesses juridicamente protegidos, uma legtima aco de defesa, afastando assim

    a agresso actual e ilcita.

    A legtima defesa considerada, isto jurdico-penalmente falando, para alm de ser um

    direito, ainda e tambm uma causa de justificao ou causa de excluso da ilicitude,

    consagrada, nestes termos, pelos artigos 35., a) e 36. do CP vigente9.

    Como se v, utiliza-se tanto a expresso causa de justificao ou causa de excluso da

    ilicitude para qualificar penalmente a mesma figura jurdica que a legtima defesa,consagrada no art. 35., a) sob a epgrafe enumerao exemplificativa, ao lado do

    exerccio de um direito, b) e do cumprimento de um dever imposto por lei ou ordem legtima

    de autoridade, c).

    Procurando esclarecer o contedo da epgrafe enumerao exemplificativa constante do art.

    35. do CP, diz o legislador penal, na orientao 17 do prembulo do mesmo cdigo, que Em

    relao s causas de excluso da ilicitude, a descrio meramente exemplificativa, nopressuposto hoje irrecusvel de que a ordem jurdica uma unidade.10

    A unidade da ordem jurdica invocada pelo nosso legislador penal, fundamenta, segundo

    explica Dias (2007:387), no facto de que As causas de justificao no tm de possuir um

    carcter especificamente penal, antes podem provir da totalidade da ordem jurdica e

    constarem, por conseguinte, de um qualquer ramo de direito. Assim sendo, assevera

    Carvalho (1995:45) A ilicitude uma categoria fundamental da teoria geral do direito e

    como tal o seu conceito vinculativo para todos os ramos da ordem jurdica..

    O recorrer, neste sentido, ao doutrinariamente chamado princpio da unidade da ordem

    jurdica teve como propsito demonstrar que meramente exemplificativa a enumerao

    9 Alm das disposies penais, reconhece ainda o Cdigo Civil, por fora do seu art. 337. (Legtima defesa),n.1, a legtima defesa como sendo uma causa de justificao, pois segundo diz: Considera-se justificado o actodestinado a afastar qualquer agresso actual e contrria lei contra a pessoa ou patrimnio do agente ou de

    terceiro, desde que no seja possvel faz-lo pelos meios normais e o prejuzo causado pelo acto no sejamanifestamente superior ao que pode resultar da agresso..10Cf. prembulo do CP, p. 23; sublinhado nosso.

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    constante do artigo 35., alneas a), b) e c), deixando assim em aberto a possibilidade de se

    reconhecer outras causas de excluso da ilicitude constantes, tanto do prprio CP, assim como

    de outros diplomas legais, como o caso do cdigo civil.11

    Posta e analisada a questo do enquadramento jurdico-penal de certas figuras jurdicas,

    inclusive da legtima defesa, consideradas pelo CP vigente causas de excluso da ilicitude,

    perguntaremos: Mas afinal, o que so causas de excluso da ilicitude e qual a sua finalidade

    jurdico-penal?

    A legtima defesa, assim como as demais causas de excluso da ilicitude, enquadram-se no

    conjunto das normas jurdicas chamadas normas permissivas. A norma permissiva, comoo nome indica, estatui uma permisso, uma faculdade, uma possibilidade jurdica de aco ou

    resultado. Eir (2008) apudMendes (1984).

    Transportando, deste modo, para os efeitos do Direito Penal a norma permissiva, diz Silva

    (1998:69) que trata-se da () norma que prev uma causa de justificao..

    Posto isto dir-se- que ter a legtima defesa, neste sentido, como funo ou finalidadejurdico-penal, enquanto causa de justificao que , conforme explica Silva (1998:75), ()

    definir as circunstncias em que a leso de um bem jurdico tutelado pelo direito penal lcita

    ().; tornando, assim, lcitas, segundo Teles (1998:226) () condutas definidas como

    crime ()..12

    Logo, no podemos perder de vista que, quer a legtima defesa, quer outra qualquer causa de

    excluso da ilicitude, tem como funo primeira ou finalidade jurdico-penal excluir ailicitude de um facto tipificado na lei como sendo crime, tornando-o, em virtude dessa

    excluso, facto lcito, isto conforme o Direito.

    11

    V., p. ex., a Aco directa consagrada no seu art. 336.12 Para CARVALHO, Amrico A. Taipa de, A Legtima Defesa, Porto, Coimbra Editora, 1995, p. 171: () aconduta justificada uma conduta valorada positivamente pelo direito..

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    3 Causas de excluso da ilicitude e tipos incriminadores

    A qualificao de um facto tpico praticado por uma determinada pessoa como sendo ilcito

    ou no (justificado) depende da prvia confrontao realizada entre um tipo incriminador e

    uma concreta causa de excluso da ilicitude, j que conforme avana Carvalho (1995:147)

    , pois, com fundamento nestas duas categorias de normas que possvel formular o juzo de

    ilicitude ou de justificao sobre uma determinada e concreta conduta..

    Apesar das suas diferenas uns e outros se complementam, segundo nos lembra Dias

    (2007:384), () na determinao da ilicitude de uma concreta aco; estabelecendo por

    isso, conforme diz o mesmo autor, entre eles () uma relao de complementaridade

    funcional na valorao de uma concreta aco como lcita/ilcita..

    E demonstrando uma tal complementaridade, afirma Silva (1998:71):

    () a qualificao do facto do facto tpico como lcito ou ilcito ocorre na sequncia de

    um duplo confronto dos seus elementos: facto ilcito aquele que previsto por uma

    norma incriminadora e no simultaneamente previsto por uma norma permissiva;

    facto lcito13 aquele que no obstante previsto por uma norma incriminadora tambmprevisto por uma norma permissiva.

    A excluso da ilicitude de um facto praticado em legtima defesa tem, neste sentido, como

    consequncia directa e imediata a no punio do seu autor, pois, segundo Correia

    (2007:35), Pode dizer-se ponto de vista unanimemente aceite pela doutrina e pelos sistemas

    legislativos o de que no punvel quem age em legtima defesa;. Esta no punio

    decorre do facto de que no h crime sem ilicitude, visto que conforme assevera Silva(1998:73) O crime desdobra-se analiticamente em facto tpico, ilcito e culposo ()..

    Na ausncia do crime absolve-se, portanto, o defendente, pois que, como afirmam Andrade e

    Gregrio (2008:71) na legtima defesa () o agente no responsvel, nem penal nem

    civilmente. Concluindo esta questo, diz Teles (1998:227) Se um dado fato tpico tiver sido

    13 Sublinhado nosso.

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    praticado numa situao em que tambm se amole a uma das chamadas causas de excluso da

    ilicitude, ter havido um facto tpico, lcito e justificado..

    O facto praticado em legtima defesa ser sempre um facto justificado pelo direito penal, pois,trata-se, conforme os art. 35, a) e 36 do CP, de um facto lcito; isso no obstante a sua

    anterior tipicidade.

    4 Fundamentos da legtima defesa

    A doutrina, mormente a alem e posteriormente a portuguesa, procurou demonstrar atravs de

    fundamentos prprios a razo de ser ou se quisermos a razo jurdico-penal na qual seassenta a legtima defesa.

    Assim sendo, diz-se que tem tambm o actual regime da legtima defesa, consagrado no art.

    36 do CP, na sua base, alguma razo de ser; mas que fundamentos jurdico-penais sero

    esses?

    4.1 A posio dominante

    A doutrina dominante chamada de teoria dualista reconheceu legtima defesa dois

    fundamentos da fora justificativa, que so conforme Dias (2007:405) a necessidade de

    defesa da ordem jurdica e a necessidade de proteco dos bens jurdicos ameaados pela

    agresso.14

    Defendendo a mesma posio, embora utilizando termos jurdicos diferentes, fala Roxin

    (2004:199)15 em princpios do prprio direito de legtima defesa () que, como o

    princpio de proteco e o da defesa do direito - tambm chamado princpio da

    conservao ou afirmao do direito..

    14 Cf., no mesmo sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentrio do Cdigo Penal, 2008, p. 145: Alegtima defesa tem um duplo fundamento: a defesa da ordem jurdica e a auto-proteco dos bens jurdicos do

    agredido..15 Diz ainda o mesmo autor: O princpio de proteco serve a preveno especial ().. O princpio dedefesa do direito serve igualmente a preveno geral ().,Idem, p. 203.

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    Conjugando estes dois fundamentos, considera-se que - na legtima defesa se trata em ltimo

    termo de uma preservao do Direito na pessoa do agredido. Stratenwerth/Kuhlen (2005)

    apudDias (2007).

    Isto , protege o defendente atravs da sua aco de defesa, conforme esta teoria, para alm

    dos bens jurdicos agredidos (individuais), tambm e ao mesmo tempo a sua prpria ordem

    jurdica, pois que, segundo explica Silva (1998:90) () protegendo os direitos de cada um

    que se protegem os direitos de todos e a prpria ordem jurdica..

    4.2 Outras posies

    Contrariando a doutrina dominante nesta matria, defende Carvalho (1995:432) que A ratio16

    funcional (objecto ou fim) da legtima defesa a defesa de bens jurdicos contra agresses

    ilcitas actuais. Visa, portanto, impediragresses autonomia pessoal e aos respectivos bens

    jurdicos do agredido ()..

    No seu entender:

    O direito de legtima defesa fundamenta-se no princpio da autoproteco individual e

    no princpio da preveno geral e especial tico-juridicamente fundamentada. O

    princpio de proteco individual reconduz-se ao direito que assiste a cada um de

    impedir agresses contra si dirigidas. O princpio da preveno geral e especial

    reconduz-se necessidade individual e social de advertncia dos potenciais agressores

    (preveno geral) e do actual agressor (preveno especial) de que esto sujeitos s

    consequncias resultantes da aco de defesa que for necessria para impedir a agresso

    ou a continuao desta. Carvalho (2006: 170-171)

    Por fim, e em anlise ltima a questo dos fundamentos da legtima defesa, explica Carvalho

    (2006:171) Para ns, a defesa do bem jurdico concreto (i. , tendo em conta a situao

    concreta) que justifica o direito defesa, o direito individual de reagir contra a agresso,

    impedindo-a ou impedindo a sua continuao..

    16 Ratio razo.

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    Diferentemente das posies anteriormente apresentadas, assevera Brito (1994:41)

    Fundamento indiscutvel do direito de defesa o princpio, derivado da dignidade ou

    autonomia da pessoa humana, da insuportabilidade da no defesa por parte do agredido..

    Apresentando uma posio quase idntica defendida por Brito, afirma Palma (1990:13)

    () a legtima defesa possui um duplo fundamento: a insuportabilidade da agresso a um

    ncleo de bens essenciais em que se manifesta a dignidade da pessoa humana e a igualdade na

    proteco dos sujeitos jurdicos..

    4.3 O primeiro fundamento

    A primeira razo de ser reconhecida, doutrinariamente falando, legtima defesa foi

    durante muito tempo pacificamente encontrado - e paradigmaticamente formulado por Berner,

    na esteira da posio de Hegel - na afirmao de que o Direito no deve nunca ceder

    perante o ilcito. Berner (1886) apudDias (2007).

    Este fundamento foi, segundo Carvalho (2006:163), () indelevelmente marcado por uma

    concepo absoluta do direito individual de defesa contra qualquer agresso ilcita,independentemente da relevncia ou insignificncia da agresso, e independentemente da

    qualidade (adulto ou criana, imputvel ou inimputvel) do agressor..17

    Apesar de algum tempo de incontestabilidade, esta afirmao (o prprio fundamento) foi-se

    tornando, conforme afirma Dias (2007:404), () cada vez mais e sobretudo no nosso

    tempo questionvel.. Isto , a razo de ser na qual se fundamentava o direito de legtima

    defesa entrou em crise dogmtica.

    Segundo lembra Carvalho (1995:16) a actual eroso da dogmtica da legtima defesa teve

    como epicentro as limitaes tico-sociais18.

    17 V., ainda, CARVALHO, Taipa de, 1995, ob. cit., p. 409, que fala a respeito deste fundamento em teoria

    monista supra - individualista absoluta.18 Sobre as restries tico-sociais ao direito de legtima defesa, cf. ROXIN, Claus,Problemas Fundamentaisde Direito Penal, 2004, Editora Veja, p. 197 e ss.

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    Justificando o seu posicionamento, afirma Dias (2007:405 ss.):

    defesa de um bem jurdico acresce sempre o propsito da preservao do Direito na

    esfera de liberdade pessoal do agredido, tanto mais quanto a ameaa resulta de um

    comportamento ilcito de outrem. S assim ficando explicada na medida possvel a

    razo porque a defesa legtima ainda quando o interesse defendido seja de menor valor

    do que o interesse lesado pela defesa: que, dir-se-, ainda neste caso o interesse

    defendido aquele que prepondera no conflito, porque ele preserva do mesmo passo o

    Direito na pessoa do agredido.

    Por sua vez, e respondendo as trs questes levantadas, assevera Roxin (2004:200):

    () o nosso direito de legtima defesa no exige, em princpio, proporcionalidade de

    valores entre o dano que se pretende afastar e aquele que se provoca, autorizando

    tambm a produo de um dano no proporcional no agressor, sempre que ele seja

    necessrio para a defesa isto , quando a agresso s podia afastar-se dessa maneira

    baseia-se, em simultneo, nos princpios de proteco e de defesa do direito.19

    Embora apresentando uma justificativa diferente e defendendo a questo do carcter doloso

    da agresso ilcita, afirma Carvalho (1995:420):

    A verdadeira ratio da recusa da proporcionalidade dos bens est na injustia que seria

    impor ao agredido, por um agressor doloso e censurvel, uma limitao da sua liberdade

    de estar ou da defesa efectiva dos seus bens, mesmo que tal liberdade e defesa s

    possam ser realizadas mediante uma aco necessria que tenha de sacrificar bens

    jurdicos do agressor muito mais valiosos que os defendidos.

    Conforme as palavras de Beleza (1983:273) Ao contrrio do que acontece em outras figurasde causa de justificao () na legtima defesa no est directamente implicada uma ideia de

    proporo. Isto , no verdade que uma pessoa s se possa defender at ao ponto de

    gravidade da agresso de que est a ser vtima..

    19 Sublinhado nosso.

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    No entanto, ressalva Silva (1998:99) que, contudo, () isso no impede que em certas

    circunstncias seja de exigir uma certa proporcionalidade entre a agresso e a defesa, sob

    pena de se verificar abuso de direito.20

    Posto isto, conclui-se, em razo das orientaes aqui apresentadas, que pode o defendente

    atingir com a sua aco de defesa, desde que utilizando um meio de defesa necessrio e fora

    os casos de abuso de direito, bens jurdicos do agressor muito mais importantes (de valor

    superior) de que os por ele defendidos, pois que, no se exige nenhuma proporcionalidade

    entre bens jurdicos postos em confronto atravs da legtima defesa.

    6 Requisitos e pressupostos da legtima defesa

    Apresentadas importantes matrias relacionadas com a legtima defesa em si, cabe-nos neste

    momento estudar e analisar os seus requisitos e/ou pressupostos, j que s se exclui a ilicitude

    resultante de um facto praticado em virtude daquela causa de justificao, verificados, ab

    initio21, os seus elementos constitutivos.22

    Assim sendo, teramos de conjugar, e para uma melhor compreenso daqueles requisitos, odisposto no art. 36. s actuais e existentes orientaes doutrinrias, assim como

    jurisprudenciais, defendidas em matria da respectiva causa de justificao.

    Conforme diz Ferreira (1985:78-79) As caractersticas que qualificam o acto de defesa para

    que ela possa considerar-se legtima so os requisitos da legitimidade da defesa que a

    distinguem da defesa ilegtima ou excesso de legtima defesa..

    Por outro lado, diz o mesmo autor que Sendo a agresso e defesa conceitos correlativos, s

    pode haver defesa quando se verifique uma agresso. A agresso delimita o conceito de

    defesa; circunstncia extrnseca essencial noo de defesa e por isso seu pressuposto

    Ferreira (1985:78).

    20

    Exemplificando os casos de agresses de inimputveis.21 Ab initio desde o incio.22 Cf., neste sentido, CARVALHO, Taipa de, 2006, ob. cit., p. 177.

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    Paralelamente s orientaes doutrinrias, l-se no art. 36. do CP que so requisitos da

    legtima defesa: a agresso actual e ilcita; a leso, em virtude daquela agresso, de interesses

    juridicamente protegidos e relevantes do agente ou de terceiro; e, a utilizao, pelo

    defendente, a quando da sua aco de defesa, de meios de defesa necessrios.23

    6.1 Situao de legtima defesa versus Aco de legtima defesa

    Apresentadas algumas orientaes jurdico-penais defendidas em matria dos requisitos da

    legtima defesa, e entrando uma vez mais no estudo das posies defendidas pela doutrina

    relativamente esta questo, logo se conclui, atravs da anlise das diversas posies, que o

    seu estudo implica apreciar, num primeiro momento, os pertencentes a chamada situao de

    legtima defesa e num segundo, os enquadrveis numa concreta aco de legtima defesa.

    Por situao da legtima defesa corresponde-se, segundo Carvalho (2006:189), aquela

    () (situao que, uma vez ocorrida, h-de levar justificao da aco necessria ou

    indispensvel para pr, efectivamente, termo agresso ()). Esta situao ter de ter na

    sua base uma agresso de interesses juridicamente protegidos e relevantes do agente ou de

    terceiro; agresso esta que ter de ser ainda actua e ilcita.24

    Comearemos a estudar aqueles requisitos, partindo dos exigidos verificao de uma

    concreta situao de legtima defesa, j que:

    () metodologicamente exigvel que, antes da caracterizao dos pressupostos ou

    elementos da aco de legtima defesa, se definam, com rigor, os elementos

    caracterizadores da situao de legtima defesa; pois que o mbito e os limites da aco

    de defesa dependem da caracterizao da situao de legtima defesa : esta , digamos,

    a causa, sendo aquela um efeito ou consequncia possvel. Carvalho (2006:185)

    23 Sublinhado nosso. Cf., Acrdo Tribunal da Relao de Coimbra de 16-03-2011, n. 115/09.0GASEI.CI: 2.A excluso da ilicitude de uma conduta, ao abrigo do artigo 32, do Cdigo Penal, exige a presena de cincorequisitos objectivos e um elemento subjectivo, a saber, a agresso de interesses juridicamente protegidos doagente ou de terceiro, a actualidade da agresso, a ilicitude da agresso, a necessidade da defesa, a necessidadedo meio e o conhecimento da situao de legtima defesa, sendo que os trs primeiros requisitos objectivos sereferem situao em que o agente actua e os dois ltimos aco de defesa..24

    Considera-se, portanto, aco de legtima defesa, conforme as palavras de Carvalho (2006:189): a ()aco necessria ou indispensvel para pr, efectivamente, termo agresso ()) , desencadeada, neste caso,pelo defendente.

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    6.1.1.1 Agresso e suas caractersticas

    A primeira condio imposta agresso susceptvel de dar lugar a uma reaco em legtima

    defesa que ela seja um comportamento puramente humano. Isto , que s a agresso

    humana justificar uma concerta aco de legtima defesa.

    Neste sentido ficaro, conforme explica Dias (2007:408), () excludas do mbito da

    legtima defesa as actuaes de animais, bem como os perigos para bens jurdicos decorrentes

    de coisas inanimadas ().26 Para alm disso, diz o mesmo autor que uma tal restrio tem

    como causa o () fundamento mesmo da legtima defesa, j que segundo afirma () s

    seres humanos podem violar o direito..

    No obstante esta restrio, considera-se ainda, para os efeitos da legtima defesa,

    comportamento humano, a utilizao, por algum, de um animal como sendo instrumento da

    agresso, visto que segundo ressalva Dias (2007:408), j () nestes casos no deixa de se

    estar perante uma agresso humana, apenas com a particularidade de um animal ser utilizado

    como arma.27

    Do mesmo modo, e paralelamente s actuaes de animais, de coisas inanimadas e/ou ainda

    de fenmenos naturais, tambm se excluem do mbito da legtima defesa, por no serem

    agresses, segundo Carvalho (2006:177) () os ataques ou perigos para bens jurdicos

    derivados de actos de homem, isto , de actos executados por pessoas humanas que se

    encontrem em estado de inconscincia () ou sob efeito de uma coao fsica absoluta, ou de

    puros actos reflexos ou automatismos ()..

    A exigncia da voluntariedade imposta, neste sentido, ao comportamento agressivo tem como

    fundamento segundo explica Dias (2007:409) o facto de que () s actua aquele cujo

    comportamento for dominado por um mnimo de vontade e, por isso, no faz qualquer sentido

    considerar como agresso uma conduta no determinada por ela..

    26 Cf., no mesmo sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, 2008, ob. cit., p. 145; JESUS, Damsio Evangelistade, Direito Penal, Saraiva, 1998, pp. 248 e 249; CARVALHO, Amrico A. Taipa de, Direito Penal Parte

    Geral Volume II, Teoria Geral do Crime, Porto, publicaes Universidade Catlica, 2006, pp. 177 e 178; mascontra, CORREIA, Eduardo,Direito Criminal, II, Coimbra, Almedina, 2007, (reimpresso) p. 37.27 V., ainda, JESUS, Damsio Evangelista de, 1998, ob. cit., p. 249.

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    Assim sendo, diremos, em tipo de concluso, que s o comportamento humano agressivo,

    dominado pela vontade, constituir uma verdadeira situao de legtima defesa; justificando

    assim uma possvel aco de defesa realizada pelo defendente.

    Todavia, poder o mesmo comportamento humano (agresso) assumir, para os efeitos da

    legtima defesa, tanto a forma de uma aco, bem como de uma omisso, pois, segundo

    diz Jesus (1998: 249) A agresso poder ser ativa ou passiva (aco e omisso)..

    Quanto agresso praticada atravs de uma aco no h muita considerao a se fazer, e

    nem muitas dvidas a serem levantadas, visto que pe em causa a pessoa do agressor, atravs

    do seu comportamento activo, interesses juridicamente protegidos, susceptveis de daremlugar a uma reaco em legtima defesa.

    Ao contrrio disso, isto , tratando-se de uma agresso praticada por via de um

    comportamento omissivo (omisso) pe-se o problema de se saber se, para alm das omisses

    imprprias (impuras)28, tambm asprprias (puras)29 daro lugar a uma reaco em legtima

    defesa.

    No obstante algumas oposies30, a resposta a esta problemtica tem sido a positiva, j que

    se admite o desencadear de uma aco de legtima defesa, contra um determinado

    comportamento omissivo, tanto na forma de uma omisso impura, bem como tratando-se de

    uma omisso pura, pois que, segundo nos lembra Dias (2007: 409) certo que nestes casos

    nos deparamos com um omitir do qual resulta um perigo para bens jurdicos (), e

    relativamente ao qual, portanto, deve ser afirmada a possibilidade de legtima defesa..31

    28 As que se fundamentam num dever especial e pessoal de garante. Cf. CARVALHO, Taipa de, 1995, ob. cit., p.236. Itlico nosso.29 As que se fundamentam num dever geral de solidariedade e no num dever especial e pessoal de garante,

    Ibidem, p. 236.30 V., FERREIRA, Manuel Cavaleiro de, Lies de Direito Penal, I, Verbo, 1985, p. 82: Tambm a agresso() pode ter lugar mediante aco ou omisso, desde que () seja omisso do dever de agir que incumbe aoomitente.; no mesmo sentido, afirma SILVA, Germano Marques da, Direito Penal Portugus, 1998, Verbo, p.93: desde que o agente da omisso tem o dever de agir;.31

    V., no mesmo sentido, CARVALHO, Taipa de, 1995, ob. cit., pp. 237 e 238; e 2006, p. 179. Segundo esteautor: () tambm contra uma omisso prpria pode haver legtima defesa, bastando que o bem jurdico, emfavor do qual imposto o dever de aco, seja susceptvel de legtima defesa..

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    Conforme explica Silva (1998:94):

    A agresso tem de ser actual, mas ser actual no significa que tenha j de estar em

    execuo. Seria absurdo que o agredido tivesse de aguardar que a agresso comeasse a

    efectivar-se para s depois poder reagir. Ser actual significa estar iminente, isto , que

    ameaa executar-se imediatamente, que est prestes a executar-se, que j se iniciou o

    iter criminis, ou j em execuo.

    Segundo escreve Dias (2007:411) A agresso iminente quando o bem jurdico se encontra

    j imediatamente ameaado. Para alm disso, assevera Albuquerque (2008:146) Iminente

    a agresso que tenha alcanado o estdio dos actos de execuo ou, sendo punveis, de actos

    preparatrios..35

    Diferentemente da agresso j iniciada36 ou segundo afirma Teles (1998:239) porque j se

    ter iniciado o ataque ao bem jurdico, que j sofre uma violao proibida, levanta-se o

    problema de se saber qual o melhor critrio jurdico-penal a ser utilizado na determinao do

    momento a partir do qual uma concreta agresso, susceptvel de desencadear uma reaco em

    legtima defesa, dever ser considerada iminente.

    Aqui as posies se dividem, pois que, se por um lado defende, p. ex., Carvalho (1995:271)37

    a coincidncia entre o critrio do incio da tentativa e o conceito da iminncia da agresso,

    considera Dias (2007:412), por outro lado, que tal soluo no parece ser a melhor, j que

    conforme explica () se faz () entrar na legtima defesa um regime cuja teleologia lhe

    alheia e no idneo para resolver as situaes em que a agresso se no dirige a bens

    jurdico-penalmente tutelados38; entendendo por isso que, mesmo que no pudesse

    porventura falar-se ainda da tentativa, no dever ser negado o direito de impedir porlegtima defesa uma agresso que, embora ainda no iniciada, se deveria seguir

    imediatamente Dias (2007:411).

    35 V. TELES, Ney Moura, 1998, Direito Penal, S. Paulo, Editora Saraiva, p. 239: Iminente a leso que vaiacontecer imediatamente..36 Cf. JESUS, Damsio Evangelista de, 1998, ob. cit., p. 251: Agresso atual a presente, a que estacontecendo..37 V., ainda, CARVALHO, Taipa de, 2006, ob. cit., p. 183 e ss. Conforme defende este autor, o ponto decoincidncia existente entre a iminncia da agresso e a tentativa fundamenta-se na alnea c) do n. 2 do art. 22.

    do CP Portugus (correspondente ao art. 21., n. 2, c) do nosso CP).38 Isso, no obstante dizer: () para alm de desta forma se excluir a actualidade de agresses porventuraainda no iniciadas, mas que so iminentes ().; ibidem, p. 412.

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    6.1.1.3 Agresso ilcita

    Nem toda a agresso humana (voluntria) e actual, anteriormente analisada, justificar uma

    reaco em legtima defesa, pois, conforme reza o art. 36. CP, s a agresso actual e tambm

    ilcita susceptvel de desencadear uma legtima aco de defesa.

    Assim sendo, explica Dias (2007:414) que Pressuposto fundamental da situao de legtima

    defesa o de que a agresso seja ilcita. E, com a mesma finalidade, fala Carvalho

    (1995:278) em elemento essencial da situao de legtima defesa e, consequentemente, do

    pressuposto essencial do direito de aco de legtima defesa..

    Enquanto elemento essencial da situao de legtima defesa, no ter agresso ilcita que

    constituir, em si, um facto ilcito puramente penal, visto que conforme explica Silva (1998:94)

    No carece a agresso de ser crime, basta que seja objectivamente ilcita, injusta..

    Para os mesmos efeitos, esclarecem ainda Henriques e Santos (1997:336) A agresso no

    necessita integrar facto criminalmente punvel, basta que contrarie uma norma geral e

    abstracta e viole um interesse protegido..

    Analisando o mesmo requisito, avana Dias (2007:414) que A ilicitude da agresso afere-

    se luz da totalidade da ordem jurdica, no tendo de ser especificamente penal .

    Invocando, neste sentido, a unicidade entre ilicitude geral e ilicitude da agresso para efeito

    de legtima defesa43, lembra-nos o mesmo autor que Podem, por conseguinte, repelir-se em

    legtima defesa agresses violadoras no apenas do direito penal, mas tambm do direito civil,

    do direito de mera ordenao social, do direito constitucional, etc..44

    43 No obstante esta unicidade defende a doutrina portuguesa que tratando-se de agresses contra interesses

    para as quais a lei prev procedimentos especiais (direitos relativos), no podero ser aquelas agressesconsideradas ilcitas, caindo por isso fora do mbito da legtima defesa, como o caso do direito de crdito, dosfamiliares ou dos laborais (direitos relativos). Cf., assim, CARVALHO, Taipa de, 2006, ob. cit., p. 182; DIAS,

    Figueiredo, 2007, ob. cit. p.415 e ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, 2008, ob. cit., p.147.44V., ainda, CARVALHO, Taipa de, 2006, p. 180; ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ob. cit. p. 147: () atendendoao carcter ilimitado dos interesses juridicamente protegidos (). .

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    Admitindo-se, no entanto, uma tal unicidade pergunta-se: E quando se tratar de uma

    ilicitude puramente penal ter a agresso de ser apenas dolosa ou ser bastante a sua

    negligncia?

    Conforme explica Dias (2007:416) A doutrina largamente maioritria defende que tanto as

    agresses dolosas, como negligentespodem dar lugar a uma resposta em legtima defesa.45

    Justificando a posio defendida, nesta matria, pela doutrina maioritria, afirma Dias

    (2007:416) () do art. 3246 no resulta qualquer negao da possibilidade de reaces em

    legtima defesa contra condutas negligentes..

    Segundo afirma () tal restrio introduziria nesta matria uma grande e mesmo

    insuportvel margem de incerteza e insegurana, dado que em numerosas situaes o

    agredido ter dificuldade em saber se a agresso dolosa ou negligente Dias (2007:416).

    No mesmo sentido e com a mesma finalidade, advoga Albuquerque (2008:147) () se o

    resultado for imputvel a ttulo de negligncia, pode ser oposta legtima defesa contra o

    agressor, pois a lei penal no estabelece qualquer restrio subjectiva das agresses relevantespara efeitos da legtima defesa..

    Opondo-se, contudo, doutrina dominante, opina Carvalho (1995:259) que apenas e s contra

    as agresses ilcitas dolosas que se justificar o facto praticado em legtima defesa, dado

    que, conforme explica Tendo a legtima defesa uma funo de preveno das condutas

    ilcitas adequadas a lesar bens jurdicos alheios, deve entender-se que tal ratio s se afirma

    face a agresses ilcitas dolosas..

    Conforme opina este autor, a legtima defesa tem antes de mais como finalidade ()

    impedir leses as provenientes de condutas assumidas pelo respectivo agente como

    susceptveis de lesar interesses jurdicos alheios Carvalho (1995: 259).

    45 Cf. CORREIA, Eduardo, 2007, ob. cit. pp. 40 e 41; PALMA, Maria Fernanda 1990,A justificao por legtima

    defesa como problema de delimitao de direitos, AAFDL, p. 57; e ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ob. cit., p.147.46 Correspondente ao art. 36 do nosso CP.

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    Independentemente do dolo ou da negligncia de uma dada agresso ilcita, analisar-se-,

    ainda para os efeitos da legtima defesa, o respectivo requisito (agresso ilcita),

    objectivamente, isto , independentemente da culpa do agressor, j que segundo afirma

    Dias (2007:417) A situao da legtima defesa pressupe a ilicitude da agresso, mas no a

    culpa do agressor.47

    Assim sendo, advoga-se que poder o defendente agir em legtima defesa sem que tenha o

    agressor actuado com culpa; entendida, p. ex., como: censurabilidade do comportamento

    humano, por o culpado ter querido actuar contra o dever quando podia ter querido actuar de

    acordo com ele. Oliveira (2010) apud Dias (1976).

    Podero ser, portanto, repelidas em legtima defesa, segundo Dias (2007:417), ()

    agresses em que o agente actue sem culpa, devido a inimputabilidade, existncia de uma

    causa de excluso da culpa ou a um erro sobre a ilicitude no censurvel..

    No entanto, ressalva ainda Dias (2007:417) que O que agresses de crianas, de doentes

    mentais ou, em geral, de agressores que actuem notoriamente sem culpa pode determinar

    uma modificao dos limites da necessidade da aco de defesa..

    Diversamente da ilcita, recebe a agresso lcita, no mbito e para os efeitos da legtima

    defesa, um outro tratamento, visto que, para alm de no contrariar o direito, quem a praticou

    tem, por outro lado, como diz Silva (1998:94), o direito ou o dever de o fazer.

    De acordo com Silva (1998:94) Aquele que age conforme o direito no comete facto ilcito

    e, por isso, no pode ser impedido de prosseguir..

    Partindo, por outro lado, das palavras ditas por Jesus (1998:249) Se a agresso lcita, a

    defesa no pode ser legtima diremos que no de se justificar, contra uma agresso lcita,

    47 Cf., no mesmo sentido, FERREIRA, Cavaleiro de, 1985, p. 84; JESUS, Damsio Evangelista de, ob. cit. p. 249;SILVA, Germano Marques da, 1998, ob. cit., p. 94; TELES, Ney Moura, ob. cit., p. 238: () um comportamentoobjectivamente proibido pelo Direito.; ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, 2008, ob. cit., p. 147; CORREIA,Eduardo, p. 40; HENRIQUES, Manuel Leal e SANTOS, Manuel Simas, Cdigo Penal Anotado, 1997, Lisboa, Rei

    dos livros, p. 336. V., ainda, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, 2008, ob. cit.: A agresso tem de ser objectiva esubjectivamente ilcita. Quando o resultado da leso ou perigo para o bem jurdico do defendente no sejaobjectivamente imposta ao agressor, no tem lugar a legtima defesa contra o agressor.; ibidem, p. 147.

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    Conforme Carvalho (2006:182):

    A legtima defesa tem, em primeiro lugar, por objecto da sua proteco os bens

    jurdicos individuais. Pertencem a este conjunto os bens ou interesses individuais

    correspondentes aos direitos () dominados absolutos: os direitos da personalidade

    (vida, integridade fsica, liberdade, etc.) e os direitos reais (propriedade, posse, uso,

    etc.).

    Assim, dependendo do titular do bem jurdico pessoal e/ou individual sujeito agresso, fala-

    se de legtima defesa prpria quando for o defendente o titular do bem jurdico agredido, e

    de legtima defesa de terceiro51 (alheia) quando se procura proteger interesses de

    terceiro52

    .

    E, exigindo-se como condio de justificao o pr em causa de bens jurdicos de fruio

    individual tutelados pelo prprio Estado53, advoga-se ainda a proteco, atravs da legtima

    defesa, dos chamados bens jurdicos supra-individuais, como os interesses do Estado ou da

    comunidade (direitos sociais), j que segundo nos lembra Dias (2007:410) Nem h razo

    para distinguir o Estado das pessoas fsicas e jurdicas quando esto em causa bens jurdicos

    de fruio individual por ele tutelados ()..54

    Os bens jurdicos protegidos atravs da legtima defesa no tero de constituir,

    necessariamente, interesses puramente penais, isto , tutelados apenas pelo Direito Penal, j

    que como diz Teles (1998:239) () todos os direitos, todos os bens jurdicos, podendo ser

    agredidos, devem ser defendidos..55

    51 Tambm chamado auxlio necessrio, ou como diz TELES, Ney Moura, 1998, ob. cit., p. 242: quando o

    bem agredido tem outra pessoa como titular.52 Cf. JESUS, Damsio Evangelista de, 1998, ob. cit., p. 251.53

    Cf., neste sentido, DIAS, Jorge Figueiredo, 2007, ob. cit., p. 410 e, CARVALHO, Taipa de, 2006, p. 182.54 V., ainda, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, 2008, ob. cit. p. 146.55 Cf., tambm, DIAS, Jorge Figueiredo, 2007, p. 410.

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    caso concreto, necessrios, visto que segundo reza o respectivo art.: Constitui legtima

    defesa o facto praticado como meio necessrio58para afastar a agresso actual e ilcita ()..

    7.1 O meio necessrio (necessidade do meio)

    Considerando, portanto, que na legtima defesa (aco de defesa) ter o defendente de

    utilizar um meio de defesa necessrio, perguntar-se-: Que meio quando utilizado numa

    concreta aco de defesa tido como necessrio e quais os seus limites e/ou caractersticas?

    Segundo escreve Dias (2007:419) o meio de defesa, utilizado pelo defendente, ser

    necessrio59

    () se for um meio idneopara deter a agresso e, caso sejam vrios os meiosadequados de resposta, ele for o menos gravosopara o agressor.. 60

    Analisando o mesmo requisito conclui Carvalho (2006:190) Logo, so duas as caractersticas

    ou pressupostos do meio necessrio: a adequao ou idoneidade e a menor danosidade do

    meio utilizado..

    Partindo da idoneidade ou adequao do meio de defesa utilizado pelo defendente, constata-seque o mesmo meio no poder ser nem mais, nem menos, do que o necessrio, j que segundo

    explica Teles (1998:242) () a no haveria defesa eficiente..

    Por iguais razes, ressalva ainda Dias (2007:420) que () no pode considerar-se como

    necessrio um meio que no seja suficientemente seguro para o agredido e que, embora

    idneo para repelir a agresso, s o seja custa de um risco para a sua vida ou integridade

    fsica..

    Posta assim a questo da idoneidade do meio de defesa a ser empregue pelo defendente, numa

    concreta aco de defesa, de se dizer que a fuga, por ser considerada, nalguns casos,

    58 Sublinhado nosso.59 Tambm se emprega o termo meio adequado. Aqui est-se a referir aos meios de defesa disposio dodefendente (agredido) , no momento da agresso.60 V., ainda, CARVALHO, Taipa de, 2006, pp. 189 e 190; ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ob. cit., p. 148; SILVA,

    Germano Marques da, ob. cit. p. 94; GONALVES, M. Maia, Direito Penal Portugus, 2004, 16. edio,Coimbra, Almedina, p. 157; FERREIRA, Cavaleiro de, 1985, ob. cit., p. 87 e ss. TELES, Ney Moura, ob. cit. P.242; JESUS, Damsio Evangelista de, 1998, p. 251 e ss; e CORREIA, Eduardo 2007, pp. 45 e 46.

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    reaco em legtima defesa, desencadear de forma legal, por si e atravs de meios prprios,

    uma necessria aco de defesa.

    Todavia, no obstante a sua no consagrao no art. 36. do CP, explica Dias (2007:419)que se trata () de uma condio que decorreria j da correcta interpretao do art. 3268 e,

    nomeadamente, do meio necessrio..

    Segundo diz () o recurso s autoridades policiais ser por via de regra o meio de resposta

    menos gravoso para o agressor, pelo que, sendo possvel recorrer em tempo til as foras

    policiais para repelir eficazmente a agresso, deve considerar-se esse meio como sendo o

    necessrio defesa Dias (2007:419)

    69

    .

    Passando-se da doutrina matria legislativa respeitante interveno das foras policiais na

    legtima defesa, l-se no art. 74, n.1, g), do Decreto legislativo n. 8/201070, de 28 de

    Setembro, seco III, referente aos princpios gerais de actuao, que dever o agente da

    polcia, na sua interveno, usar meios coercivos adequados e estritamente necessrio para

    () impedir uma agresso iminente ou em execuo, em legtima defesa prpria ou alheia,

    ()..

    Para os mesmos efeitos reza a Lei n. 16/VII/200771, de 10 de Setembro, art. 3, n. 2, que As

    medidas de polcia so previstas na lei, no devendo ser utilizadas para alm do estritamente

    necessrio..

    Do mesmo modo, l-se ainda na Lei n. 16/VII/2007, art. 9., n.1, que os meios coercivos s

    podem ser utilizados, p. ex., para repelir uma agresso actual e ilcita de interessesjuridicamente protegidos, em defesa prpria ou de terceiros.

    68 Correspondente ao art. 36. do nosso CP.69 A par disso, lembra-nos ALBUQUERQUE, Paulo pinto de, 2008, ob. cit., p. 148: Sendo possvel o recurso fora pblica, este o meio prefervel ()..70 Decreto legislativo constante do ESTATUTO DO PESSOAL E REGULAMENTO DISCIPLINAR DO PESSOAL DAPOLCIA NACIONAL, Ministrio da Administrao Interna, Direco da Polcia Nacional, Imprensa Nacional,

    2011.71 POLCIA NACIONAL LEGISLAO, Ministrio da Administrao Interna, Direco Nacional da PolciaNacional, Imprensa Nacional, 2009.

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    Destacam-se, neste sentido, entre as chamadas restries tico-sociais de legtima defesa76 a

    agresso provocada, a agresso no culposa ou com culpa notoriamente diminuda, a agresso

    insignificante e a praticada numa relao de garante.

    8.1 Agresso no culposa ou com culpa notoriamente diminuda

    Fundamentando-se, no entanto, uma concreta situao de legtima defesa numa actuao

    no culposa (sem culpa) ou com um grau de culpa notoriamente diminuda do seu autor,

    afirma Dias (2007:425) () quanto menos responsvel for o agressor pela sua actuao,

    tantos mais restritos sejam os limites da necessidade da defesa.; admitindo, por isso, como

    resposta a tais situaes, num primeiro momento, a fuga ou o esquivar do agredido, e, no

    caso da sua ineficcia, o recurso ao auxlio alheio para repelir menos danosamente a agresso.

    De outra face, confidencia Dias (2007:425) que Se nenhuma destas hipteses se verifica,

    porm, a defesa ser necessria e o direito de legtima defesa persiste, embora deva manter-se

    dentro dos limites da compreenso objectiva imposta perante actuaes no culposas ()..

    Isto , dever o agredido (defendente) utilizar, nestes casos, um outro meio de defesarigorosamente necessrio, visto que segundo Roxin (2004:211) () no pode ser misso

    dos particulares defender ilimitadamente o direito face a tais agressores..77

    8.2 Agresses provocadas

    A pretenso de lesar, atravs de uma agresso actual e ilcita, determinados interesses

    juridicamente protegidos de uma outra pessoa, parte, como se sabe, da iniciativa do prprioagressor.

    76Se ROXIN, Claus, 2004, ob. cit., p. 197 e ss., fala de Restries tico-sociais ao direito de legtima defesa;

    prefere DIAS, Jorge de Figueiredo, 2007, ob. cit., p. 424, por outro lado, utilizar a seguinte expresso:

    Agresses que no importam uma desateno unvoca pelos direitos do agredido.77 Porm, ressalva ROXIN, Claus 2004, p. 211: No entanto, est autorizado a proteger-se no mbito donecessrio, isto , conserva o seu direito de legtima defesa..

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    No entanto, existem alguns casos em que o agredido78, com o propsito de vir a se defender,

    posteriormente, atravs da legtima defesa, provoca79 o agressor; ou como esclarece Dias

    (2007:245) () o agredido que d azo situao de confronto ()..

    Segundo escreve Dias (2007:426) A necessidade da defesa deve ser seguramente negada

    quando esteja em causa uma agresso pr-ordenadamente provocada ().80. A negao

    da necessidade da defesa, aqui suscitada por este autor, tem como fundamento, conforme

    opina, o facto de que () quem criou pr-ordenadamente a situao de legtima defesa no

    defende mais o lcito sobre o ilcito..

    Por sua vez afirma Roxin (2004: 215) () h que negar a legtima defesa na chamadaprovocao intencional () ; j que conforme explica () o provocar intencional perde o

    direito de legtima defesa no pela sua conduta ilcita, mas porque no necessita de ser

    protegido face a perigos por ele desejados, imanentes situao por ele criada81 Roxin

    (2004:216).

    A provocao aqui posta em causa ter de constituir, segundo Dias (2007:427) () um

    facto ilcito ofensivo de um bem jurdico do provocado e no uma ofensa moral ousocialmente censurvel, conforme ressalva.

    A par disso destaca ainda Dias (2007:427) o facto de que () haver ainda que exigir da

    provocao uma estreita conexo temporal e uma adequada proporo com a agresso que

    provoca ()..

    78 Chamado aqui de provocador e o agressor de provocado.79Negrito nosso.80

    Relacionado com a questo da agresso pr-ordenadamente provocada, diz ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de,2008, ob. cit., p. 149: Em princpio, nada obsta legtima defesa contra agresso provocada pelo defendente. Anica restrio esta: a agresso no deve ser pr-ordenadamente provocada pelo defendente, de tal sorte que odefendente instrumentalize a agresso do agente provocado como meio de o atingir..81

    Ressalva, conduto, ROXIN, Claus: () o direito de legtima defesa do agredido continua, em princpio, aexistir.; isto para os casos de situao de legtima defesa causada de forma negligente, ou inclusivamente comdolo eventual; ob. cit., p. 217.

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    8.3 Agresso insignificante (crassa82 desproporo do significado da agresso eda defesa)

    As agresses consideradas pelo nosso legislador penal de muito diminuto valor ou

    insignificantes tambm afastam e/ou at mesmo limitam83 a necessidade de uma concertaaco de defesa, impedindo assim o defendente (agredido) de exercer o seu pleno direito

    de legtima defesa.

    Segundo escreve Dias (2007:429):

    A necessidade da defesa deve ser negada sempre que se verifique uma insuportvel (do ponto

    de vista jurdico) relao de desproporo entre ela e a agresso: uma defesainadmissivelmente excessiva e, nesta acepo, abusiva, no pode constituir simultaneamente

    defesa necessria; logo porque no pode de modo algum representar-se como uma defesa do

    Direito contra o ilcito na pessoa do agredido.

    Aqui, defende-se que no pode ser legtima a defesa que se revela notoriamente excessiva

    face aos bens agredidos e que, nessa medida, representa um abuso do direito de legtima

    defesa. Mayer M. E. (1915) apud Dias (2007).

    No mesmo sentido lembra Roxin (2004:224) que () o direito de legtima defesa no

    concedido em casos de extrema ou intolervel desproporo entre o prejuzo que se

    repele e o que se ocasiona..84

    8.4 Agresses no mbito de relaes de garante (proximidade existencial)

    Encontrando-se os participantes85, segundo explica Dias (2007:430), () numa mtua

    posio especial de proximidade existencial, criadora de especiais laos de solidariedade

    82 Isto , grosseira.83 A limitao da necessidade da defesa ocorre, neste caso, conforme DIAS, Jorge de Figueiredo, 2007, ob. cit., p.427: () em funo da verificao de uma crassa desproporo do peso da agresso para o agredido e dadefesa (ainda que com meio necessrio) para o agressor..84 Cf. Ac. TRC., 2021/03, de 17-09-2003, IV - Contra agresses insignificantes deve-se recusar a legtima

    defesa..85 Isto , agressor e agredido, que so, p. ex., os cnjuges ou pessoas que vivem numa situao anloga, bemcomo pais e filhos.

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    9.3 Teoria objectivista

    Contrariando as posies anteriormente defendidas, costuma-se advogar, em matria do seu

    elemento subjectivo, que preenchem as bases da legtima defesa, e para os efeitos de

    justificao, apenas requisitos objectivos, primando assim pela sua objectividade.

    Segundo escreve Silva (1998:97) A lei refere-se apenas ao acto de defesa como meio

    necessrio para repelir a agresso, no exigindo que o agente tenha o propsito de repelir a

    agresso, mas que objectivamente o acto de defesa seja adequado a repelir a agresso..92

    Porm, diversamente disso, ressalva Dias (2007:392) que Doutrinalmente afastada pode hoje

    dizer-se a ideia segundo a qual os tipos justificadores operariam em pura objectividade,

    independentemente, portanto, da exigncia de quaisquer elementos subjectivos..

    Assim, conforme lembra este autor, a verdadeira razo por que se imps a exigncia de

    elementos subjectivos da justificao reside, segundo explica, no facto de que () os

    elementos objectivos do tipo justificador s apresentam virtualidade para excluir o desvalor

    do resultado93, enquanto os elementos subjectivos servem para caracterizar, por excelncia, a

    falta do desvalor da aco Dias (2007: 392 e 393).

    Posto isto, afirma Dias (2007:393):

    Quem desconhece a situao objectiva que conduz justificao actua com um desvalor

    de aco em tudo equivalente, do lado subjectivo, ao autor de um facto tpico

    relativamente ao qual se no verifica qualquer situao de justificao; por outras

    palavras, actua com vontade de realizao do tipo objectivo de ilcito e o seu facto

    92 Conforme explica SILVA, Germano Marques da, 1998, ob. cit., p. 96: O requisito da legitimidade da defesa simplesmente a sua necessidade.. Cf., no mesmo, sentido, FERREIRA, Cavaleiro de, 1985, ob. cit., p. 94: Nose deduz de o facto de defesa ser meio necessrio para repelir a agresso, a extenso dessa correlaoobjectiva, correlao entre a inteno do agente e o meio de defesa..93 Sobre desvalor de resultado: () criao de um estado juridicamente desaprovado e, assim, o conjuntode elementos objectivos do tipo de ilcito (eventualmente tambm do tipo de culpa) que perfeccionam a figura dedelito.; e desvalor de aco: () conjunto de elementos subjectivos que conformam o tipo de ilcito(subjectivo) e o tipo de culpa, nomeadamente a finalidade delituosa, a atitude interna do agente que ao facto

    preside e a parte do comportamento que exprime facticamente este conjunto de elementos.; Cf. DIAS, Jorge de

    Figueiredo, 2007, ob. cit., pp. 285 e 286. A par disso, diz ainda o mesmo autor, ibidem, p. 286: () o desvalorde aco se revela de forma exemplar na tentativa de crime, o desvalor de resultado no crime consumado..

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    contm, de forma completa, o desvalor da aco. Por isso, elementos subjectivos da

    justificao devem considerar-se essenciais excluso da ilicitude.

    10 Consideraes finais

    A legtima defesa, ou melhor, o direito de legtima defesa, constitui uma causa de justificao

    ou causa de excluso da ilicitude, consagrada, nestes termos, pelos artigos 35., a) e 36. do

    CP, assim como pelo art. 19. da CRCV.

    A justificao de um facto praticado em legtima defesa passa, essencialmente, pela

    verificao dos requisitos e/ou pressupostos objectivos legalmente impostos, conjugados,

    como vimos, existncia de um elemento subjectivo.

    Classificam-se, para efeitos do estudo da legtima defesa em si, os seus elementos

    constitutivos em requisitos da situao de legtima defesa e requisitos da aco de

    legtima defesa.

    Destacam-se na denominada situao de legtima defesa a existncia de uma agressoactual e ilcita lesiva de interesses juridicamente protegidos e relevantes do agente ou de

    terceiro.

    Quanto aco de legtima defesa sobressai, ao lado da necessidade da defesa, o requisito

    necessidade do meio, assim como o elemento subjectivo conhecimento da situao de

    legtima defesa.

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    Captulo 2: Excesso de legtima defesa

    Tendo ficado assente no primeiro captulo que dever o defendente utilizar, no mbito e para

    os efeitos da legtima defesa, um meio de defesa considerado, num caso concreto, necessrio,

    isto , adequado; analisaremos, neste outro, a utilizao, ao em vez do necessrio, de um outro

    meio de defesa considerado, relativamente a uma concreta situao de legtima defesa,

    como sendo excessivo (desnecessrio), assim como as consequncias jurdico-penaisadvenientes da sua utilizao.

    Para alm disso, abordaremos, ao longo deste captulo, entre outras, questes como os tipos

    ou as modalidades de excesso, o excesso de legtima defesa no censurvel, a sua punio e,

    por fim, a possibilidade de se reagir contra a prpria utilizao de um meio de defesa

    excessivo.

    Assim sendo, ser neste captulo, o ltimo da parte terica, que nos debruaremos sobre o

    jurdico-penalmente chamado excesso de legtima defesa, consagrado pelo CP vigente nos

    termos dos seus artigos 37. e 41, respectivamente.

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    1 Noo e consideraes gerais

    Por excesso de legtima defesa compreende-se a utilizao de um ou mais meios de defesa

    considerados excessivos (desnecessrios)94, relativamente a uma concreta situao de

    legtima defesa, empregados pelo defendente, em virtude da sua aco de defesa.

    A utilizao de meios de defesa excessivos constitui, nestes termos, segundo o art. 37. do CP

    (Excesso de legtima defesa), um facto ilcito, visto que conforme diz o art.: No excluda

    a ilicitude do facto, se houver excesso dos meios utilizados pelo defendente ()..

    A par desta disposio legal, escreve Dias (2007:422) O uso de um meio no necessrio

    defesa representa um excesso que determina a no justificao do facto por legtima defesa..

    Conforme explica Carvalho (2006: 348) () o excesso est no quanto da aco de

    defesa que