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1 CLOVES BARBOSA ESTADO BURGUÊS, POLÍTICAS ORÇAMENTÁRIAS PARTICIPATIVAS E PARTICIPAÇÃO POPULAR: REPRODUÇÃO E MUDANÇA NA ORDEM SOCIAL. PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS PUC/SP São Paulo 2006

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CLOVES BARBOSA

ESTADO BURGUÊS, POLÍTICAS ORÇAMENTÁRIAS PARTICIPATI VAS E PARTICIPAÇÃO POPULAR: REPRODUÇÃO E MUDANÇA NA ORDEM SOCIAL. PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS

PUC/SP

São Paulo

2006

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CLOVES BARBOSA

ESTADO BURGUÊS, POLÍTICAS ORÇAMENTÁRIAS PARTICIPATI VAS E PARTICIPAÇÃO POPULAR: REPRODUÇÃO E MUDANÇA NA ORDEM SOCIAL. PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais, sob a orientação do Professor Dr. LÚCIO FLÁVIO RODRIGUES DE ALMEIDA.

PUC/SP

São Paulo

2006

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RESUMO

Esta tese discute a relação entre o Estado burguês e as políticas orçamentárias

participativas. Centraliza o foco na participação popular e nas mudanças na ordem

social. Discute a experiência de participação popular na cidade de Camaragibe – PE,

durante a gestão de Paulo Santana, do Partido dos Trabalhadores, no período de 1997-

2004, quando as experiências do orçamento participativo foram assimiladas e adaptadas

com a denominação Programa de Administração Participativa. Esta experiência política

suscita questões teóricas e práticas relacionadas com o Estado e a participação política

popular na sociedade capitalista. Neste contexto, as lutas sociais encontram o maior

desafio para promover a sobrevivência da parte da população que produz riquezas, mas

não usufrui delas plenamente.

Um poder relativamente autônomo da sociedade e que garante os privilégios

burgueses é contraditório com o exercício popular do poder, que procura romper com as

formas de dominação e de exploração capitalistas. O recurso à população para legitimar

estas formas é estruturalmente incapaz de realizar toda a potencialidade de participação

popular.

Palavras-chave: participação, orçamento participativo, poder local, Estado, cidadania,

autogestão.

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ABSTRACT

This thesis discusses the bourgeois State and participatory budget policies. It

focuses on the popular participation and the perspectives of changes in social order. It

analyzes the experience of popular participation in Camaragibe – Pernambuco, during

mayor Paulo Santana’s administration, from 1997 to 2004, when the participatory

budget policy was assimilated under the name of Administrative Participatory Program.

This political experience raises some political and practical questions related to the

capitalist State and the popular participation on capitalist society. In this context, the

social struggles find a great challenge to promote the survival of the part of the

population that produces wealth, but doesn’t enjoy it completely.

A power relatively autonomous regarding the society and that guarantees

bourgeois rule is contradictory to the popular exercise of power, which tries to break all

the ways of domination and exploitation. The call to peoples’ voice in view to

legitimate this ways is structurally unable to realize all the potentiality of popular

participation.

Keywords: participation, participatory budget, local power, State, citizenship, auto-

government.

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DEDICATÓRIA A todas as pessoas que continuam cultivando o sonho de uma sociedade igualitária.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho só foi realizado em razão do apoio e da solidariedade de diversas

pessoas e instituições a quem manifesto minha gratidão. A PUC/SP me concedeu uma

bolsa restituível que foi de grande valia durante o primeiro semestre do curso. A bolsa

de estudos concedida pela CAPES por intermédio da comissão de bolsas da PUC/SP foi

elemento importante para boa parte dos recursos necessários à conclusão deste estudo.

O professor Dr. Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida revelou, durante o período de

orientação, ser pessoa de profunda capacidade crítica e de uma solidariedade a toda

prova, o que é um dos valores fundamentais da sociedade que almejamos. A banca do

exame de qualificação, composta pelo Prof. Lúcio Flávio de Almeida, Profª. Lúcia

Bógus, e Prof. Jair Pinheiro formulou observações valiosas. Os colegas do NEILS

(Núcleo de Estudos sobre Ideologias e Lutas Sociais) possibilitam inestimáveis

discussões sobre as temáticas que se tornam objeto de estudos de todo o núcleo. Recebi

o apoio de Ana Moraes. Contei com manifestações concretas de solidariedade dos

colegas de trabalho e da direção da Secretaria do Orçamento Participativo de Olinda.

Parte da equipe da gestão petista de Camaragibe concedeu as entrevistas necessárias a

este trabalho. Valéria Francabandiera e a minha companheira Vera Moraes foram as

primeiras leitoras destas páginas. Mariana Borga realizou a revisão final do texto.

Os momentos dedicados à composição e desenvolvimento deste trabalho

resultaram em menor atenção à minha companheira, a quem devo grande apreço por

também haver suportado esta situação e o seu incansável apoio e compreensão aos meus

momentos de dificuldades.

Divido com todas as pessoas envolvidas os eventuais méritos deste trabalho.

Contudo, cabe a mim, toda a responsabilidade pelas insuficiências remanescentes que

ainda possam ser encontradas no conteúdo e desenvolvimento argumentativo aqui

exposto.

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GLOSSÁRIO DE SIGLAS CEAS: Centro de Estudos e Ação Social. CEMEC: Centro Médico de Camaragibe. ES: Estado do Espírito Santo. FEACA: Federação das Associações de Moradores de Casa Amarela. GAP: Grupo de Assessoria e Participação. IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IDH: Índice de Desenvolvimento Humano. ICMS: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. ISS: Imposto Sobre Serviços. ITBI: Imposto sobre Transmissão de Bens Inter Vivos. IPTU: Imposto Predial e Territorial Rural. ITR: Imposto Territorial Rural. LAFEPE: Laboratório Farmacêutico de Pernambuco. LDO: Lei de Diretrizes Orçamentárias. LOA: Lei Orçamentária Anual. OD: Orçamento Democrático. OGU: Orçamento Geral da União. ONG: Organização Não-Governamental. OP: Orçamento Participativo. MDB: Movimento Democrático Brasileiro. PAP: Programa de Administração Participativa. PPA: Plano Plurianual. PCB: Partido Comunista Brasileiro. PC do B: Partido Comunista do Brasil. PDT: Partido Democrático Trabalhista. PFL: Partido da Frente Liberal. PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro. PMN: Partido da Mobilização Nacional. PGM: Programa Governo nos Municípios. PPB: Programa Prefeitura nos Bairros. PPS: Partido Popular Socialista. PSB: Partido Socialista Brasileiro. PSDB: Partido Social Democrata Brasileiro. PSF: Programa de Saúde da Família. PT: Partido dos Trabalhadores. PTB: Partido Trabalhista Brasileiro. PT do B: Partido dos Trabalhadores do Brasil. SC: Estado de Santa Catarina. SEBRAE: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. SESI: Serviço Social da Indústria. TRE: Tribunal Regional Eleitoral. UNICEF: Fundo das Nações Unidas para a Infância. ZEIS: Zona Especial de Interesse Social.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

PRIMEIRA SEÇÃO AS SOCIEDADES DE CLASSES E O PODER POLÍTICO

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Introdução 19 CAPÍTULO I

AS SOCIEDADES DE CLASSES E A REPRODUÇÃO DA VIDA 20

1.1 A produtividade social e as formas de dominação 20 1.1.1 O Estado pré-burguês 21 1.1.2 A sociedade burguesa 26 1.2 As estruturas da sociedade capitalista 28 1.2.1 A estrutura econômica 28 1.2.2 A estrutura ideológica 34 1.2.3 A estrutura política 38 1.2.3.1 As relações sociais de dominação política 38 1.2.3.2 A fragmentação e a organização de classe 40 1.3 O poder político burguês 47 CAPÍTULO II

O CONTEXTO HISTÓRICO DO PODER EM CAMARAGIBE 52

2.1 Os municípios brasileiros 52 2.2 O surgimento de Camaragibe 59 2.3 A ideologia de Carlos Alberto de Menezes 63 2.3.1 O capitalismo e a questão operária 63 2.3.2 A solução meneziana da questão operária 65 2.3.3 A vila da fábrica e seus desdobramentos 73 2.4 Camaragibe torna-se município 77 2.5 O exercício do poder político em Camaragibe 84 2.5.1 As condições locais do poder 84 2.5.2 Os ocupantes do poder executivo 86 2.5.3 O exercício do poder legislativo em Camaragibe 95 SEGUNDA SEÇÃO 98 O ESTADO BURGUÊS E A SUA FORMA DEMOCRÁTICA

Introdução 99 CAPÍTULO III

O ESTADO BURGUÊS

100

3.1 A organização estatal 100 3.2 O Estado burguês e o território 106 3.2.1 A política econômica 106 3.2.2 A definição da política orçamentária 111 3.2.3 A arrecadação e a crise fiscal 113 3.3 O Estado em questão 115 3.4 O caráter burguês das políticas de Estado 118

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CAPÍTULO IV A FORMA DEMOCRATICA DO ESTADO

122

4.1 Os fundamentos liberais da democracia 122 4.1.1 As forças sociais e a democracia 126 4.1.2 O governo representativo 130 4.2 A democracia (não) é o governo do povo 133 TERCEIRA SEÇÃO 138 PARTICIPAÇÃO POPULAR E POLÍTICAS DE ESTADO

Introdução 139 CAPÍTULO V

OS PROPÓSITOS GERAIS DAS POLÍTICAS PARTICIPATIVAS

140

5.1 A participação popular 140 5.1.1 A participação popular e a divisão do trabalho político 141 5.1.2 A participação popular e a utopia de uma sociedade sem classes 144 5.2 As classes populares e suas lutas políticas 148 5.2.1 A participação popular e a (nova) cidadania 151 CAPÍTULO VI

PARTICIPAÇÃO POPULAR E GOVERNOS LOCAIS 155

6.1 As limitações dos governos locais 155 6.2 Os recursos públicos 158 6.2.1 A origem dos recursos 158 6.2.2 Os antagonismos sociais e a gestão pública 159 6.3 A capacidade de arrecadação 161 6.4 A aplicação dos recursos 165 CAPÍTULO VII

PARA UMA TIPOLOGIA DA PARTICIPAÇÃO POPULAR 169

7.1 Participação e poder 169 7.2 A variabilidade da participação popular 170 7.3 A abrangência política e social da participação popular 175 CAPÍTULO VIII

A GESTÃO PARTICIPATIVA DE CAMARAGIBE 180

8.1 Principais modelos de participação popular e gestões estatais 180 8.2 Os conselhos e a (des)ordem social 184 8.3 Os conselhos e a (in)sustentabilidade da produção capitalista 188 8.4 O conselho da cidade de Camaragibe 190 CONCLUSÃO 199 BIBLIOGRAFIA 202 ANEXOS 221

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INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃO

O propósito mais geral deste trabalho é o de estudar o Estado burguês e a

participação popular. Especificamente, a participação popular será abordada na

implementação de políticas orçamentárias participativas. Em coerência com o caráter

popular desta participação, será relevante procurar visualizar os limites e as perspectivas

das referidas políticas para o processo de construção do socialismo, ou, em termos mais

rigorosos, do comunismo. Serão consideradas em análise, as políticas orçamentárias

participativas que acontecem no Brasil a partir de experiências municipais, como a que

ocorre no município de Camaragibe, localizado na Região Metropolitana do Recife, em

Pernambuco.

Camaragibe comemora sua data cívica em 13 de maio, como desmembramento

do município de São Lourenço da Mata ocorrido em 1982, e conta com uma área

considerada totalmente urbana que totaliza 55,1 Km2, habitados por 128.702 pessoas, de

acordo com o censo demográfico de 2000. O município foi, na maioria das vezes

governado por representantes da burguesia mais tradicional da localidade. A região

metropolitana do Recife o abarcou em sua expansão, mas não transformou ainda a

mentalidade predominante.

As políticas orçamentárias participativas têm, até o momento, maiores

experiências no âmbito municipal. Este é um dos pontos em que esta política vem

demonstrando as suas fraquezas e as suas forças no cenário nacional e mundial.

Outros objetivos desta tese são os de: analisar a dinâmica da referida relação

entre o Estado e a participação popular; avaliar um tipo de política participativa na

definição das políticas orçamentárias implementadas em localidades de diversos matizes

ideológicos e políticos; contribuir para compreender a relação entre Estado e sociedade.

Quanto à teoria, nos embasamos na reflexão contida na tradição marxista

voltada para os aspectos estruturais do Estado burguês e as políticas dele decorrentes.

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Esta tradição teórica parte de Marx, e continua principalmente em Althusser e

Poulantzas e em autores brasileiros como Saes e Almeida. As questões relacionadas

com localidades e reprodução da força de trabalho são as que apresentam as melhores

contribuições tanto para a crítica quanto para a busca de saídas para as questões em

torno do Estado e a participação popular na definição dos rumos condizentes com

projetos de superação da ordem social burguesa. São importantes também as

contribuições de Bordenave, Demo e Tragtenberg relacionadas à participação popular.

Contribuem ainda para a compreensão e crítica do objeto de nosso estudo a teoria do

valor e das crises que tem como fundamento O Capital e outras reflexões recentes como

as de Bernardo, Rubin e Mandel.

A realização do estudo foi efetuada em três aspectos gerais, que são: 1)

Aprimoramento da apropriação do corpo teórico necessário para o desenvolvimento

deste trabalho com base em uma bibliografia relacionada ao assunto; 2) Análise de

produções significativas do Partido dos Trabalhadores relacionadas com os objetivos

buscados por este trabalho. Neste ponto, poderemos avaliar o alcance teórico das

propostas partidárias diante dos desafios que a ordem burguesa reserva aos

trabalhadores e aos movimentos sociais e, também, as alternativas de superação desta

mesma ordem social. É preciso observar a avaliação feita a partir do município

enquanto local de implementação de uma política que procura ser alternativa à ordem

social em questão, e, apontando os limites, perceber o alcance das saídas que resultam

deste contexto; 3) Pesquisa de campo a partir de um roteiro de entrevistas com líderes

comunitários e populares participantes de gestões dos conselhos do orçamento

participativo da cidade de Camaragibe e de participantes de outros mecanismos formais

e/ou informais de participação popular. Entrevistamos também ocupantes do aparelho

de Estado em nível municipal, incluindo o poder legislativo local. Procuramos verificar

com estas entrevistas as possíveis aproximações e distanciamentos entre o Partido dos

Trabalhadores (PT) e a gestão municipal de 1997 – 2004.

As entrevistas foram efetuadas para obter as informações mais relevantes para

o estudo e tiveram como propósito avaliar o nível de proposta alternativa à ordem social

burguesa. Algumas considerações: 1) Quanto aos que ocuparam cargos na gestão de

Camaragibe procuramos captar a relação das políticas orçamentárias participativas com

outras políticas e observar o potencial questionador e alternativo ao status quo. A

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pesquisa busca obter a avaliação feita da conjuntura atual e da relação desta com a

ordem social e econômica burguesa e o potencial de superação desta ordem a partir do

ponto de vista e proposta de uma nova sociedade. 2) Quanto a quem esteve relacionado

com cargos no legislativo municipal, nosso propósito foi o de verificar as possíveis

divergências de interesses e conflitos entre os dois poderes e até que ponto estas

diferentes posturas revelam projetos políticos diversos (defesa da ordem ou propostas

diferentes de superação da mesma) e, especialmente, as posições diante da participação

popular nas decisões de governo. 3) Com relação aos participantes de atividades

relacionadas diretamente com a política orçamentária participativa tivemos o propósito

de observar as modificações de posturas políticas após a participação nestas atividades e

a avaliação dos mesmos sobre o processo de participação popular, e o alcance político

destas modificações. 4) Procuramos observar se suas práticas sociais e suas posturas

políticas estão aquém, se nivelam ou superam as proposições definidas pelo partido

político no poder (no caso, o PT), especialmente as relacionadas à transição para o

socialismo. Houve quem solicitasse a não revelação do próprio nome como condição

para conceder a entrevista, razão pela qual adotamos o procedimento de omitir a

identificação de todas as pessoas entrevistadas, mesmo que em certos casos esta

identidade esteja mais do que evidente.

As hipóteses a partir das quais nos propomos realizar este estudo são três. A

primeira, de caráter geral, sustenta que a implementação de políticas orçamentárias

participativas ocorre somente a partir de momentos de crise na condução da dominação

burguesa e, quando esta dominação perde legitimidade de governo, faz despontar a

oportunidade para que novos atores entrem em cena.

A segunda hipótese é que a superação da lógica continuista da ordem social

passa pela constituição dos setores populares (trabalhadores e movimentos populares e

eclesiais) como parceiros de ocupantes do executivo (gestores municipais) na definição

de políticas de Estado, com vistas à superação de (des)ordem social burguesa.

A terceira hipótese é mais específica do município onde o trabalho foi

desenvolvido. Em Camaragibe, a elevação dos diversos setores populares organizados

em busca de aprimoramento de condições gerais de vida coloca-os explicitamente na

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área de conflitos de interesses entre frações tradicionais da política pernambucana, que

representam a nível local a burguesia que governou o Estado na maior parte do tempo.

Estas hipóteses somente podem ser verificadas considerando uma totalidade em

que estão presentes os elementos constitutivos do Estado burguês com a vigência de

alguma forma de participação popular. Portanto, o ponto de partida é uma realidade

social considerada em seu aspecto histórico e circunscrito a uma localidade que

concentra a observação cognoscente. Assim sendo, dois aspectos fundamentais devem

ser levados em consideração ao produzir conhecimentos. Um destes aspectos é a

historicidade do real, isto é, a sua dinamicidade no tempo e no espaço. O outro aspecto é

o caráter provisório do conhecimento sobre o objeto selecionado para ser estudado. Um

e outro estão numa relação indissociável na medida em que modificações na natureza do

real acarretam necessidades de adequações no conteúdo teórico correlato.

Para observar o real (o concreto) em sua dinâmica espacial e temporal é preciso

considerar os elementos que compõem esta totalidade, ou seja, como uma realidade

estruturada tanto no nível social quanto no nível político e, ainda no ideológico

apresenta as tendências do seu devir. Esta realidade dinâmica é o ponto de partida do

conhecimento. Ela é

“uma rica totalidade com múltiplas determinações e relações (...). O concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, portanto, unidade da diversidade. Aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o verdadeiro ponto de partida, também da observação imediata e da representação. No primeiro passo, a representação plena é volatizada em determinação abstrata; no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto pela via do pensamento (...). O método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto é para o pensamento somente a maneira de apropriar-se do concreto, de reproduzi-lo como concreto pensado” (Marx,1986a:21-22).

Determinantes e relações sociais são os elementos constitutivos de uma

realidade que merecem a devida atenção. Determinantes são aqueles aspectos que

demarcam os limites e estabelecem a posição das práticas e orientam a reprodução das

mesmas no interior de uma sociedade específica. Burguesia e proletariado, por exemplo,

são classes determinantes da formação social burguesa. As pessoas realizam suas

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práticas sociais conforme as delimitações reservadas à classe social em que se

encontram inseridas. Relações sociais são as interações que pólos sociais distintos

estabelecem com o objetivo de atingir certos objetivos característicos destas polaridades

dentro da sociedade. Cada pólo é composto por uma classe social fundamental da

sociedade em consideração (Cf. Bernardo, 1991b:23-32).

O conhecimento de uma realidade parte das suas múltiplas relações e

determinações que compõem a formação social brasileira e, também, da particularidade

da realidade local que é objeto deste estudo. Trata-se de uma formação social

engendrada pela dominância do modo de produção capitalista e do Estado a ele

correspondente1. Mas, nada de defender uma correspondência biunívoca entre uma

totalidade real com todos os elementos que dela fazem parte e os conceitos teóricos

utilizados para a análise em todo o processo. Há elementos que tanto se expressam

como o testemunho de um passado, quanto podem ser a expressão de algo que tenta

estabelecer-se.

“O dinheiro pode existir e existiu historicamente antes de existir o capital, antes da existência dos bancos e do trabalho assalariado. Deste ponto de vista, podemos dizer que a categoria mais simples pode exprimir relações dominantes de um todo menos desenvolvido ou as relações subordinadas de um todo mais desenvolvido, relações que existiam já historicamente antes que o todo se desenvolvesse no sentido que encontra a sua expressão numa categoria mais concreta. Só então, a evolução do pensamento abstrato, que se eleva do mais simples ao mais complexo, pode corresponder ao processo histórico real. Por outro lado, podemos dizer que há formas de sociedade muito desenvolvidas, mas, historicamente imaturas, e nas quais se encontram as formas mais elevadas da economia, como, por exemplo, a cooperação, uma divisão do trabalho desenvolvida, etc., sem que exista qualquer forma de moeda” (Marx, 1986a:23; Cf. Idem, 1977:231-232).

O conjunto deste trabalho é dividido em três seções. Na primeira, apresentamos

a relação entre tipos de Estado e as formações sociais presentes na história da

humanidade que têm suas sustentações na separação entre os produtores diretos a os que

apropriam dos resultados do trabalho. As relações sociais que decorrem desta separação

1 Por modo de produção entendemos “um todo complexo com dominância, em última instância, do econômico: dominância em última instância para a qual reservamos o termo de determinação”, e “formação social constitui uma unidade complexa com dominância de um certo modo de produção sobre os outros que a compõem” (Poulantzas, 1977:13 e 15).

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e as determinações abstratas e concretas constituem os fundamentos objetivos que

estruturam as sociedades em classes que condicionam os comportamentos individuais e

coletivos e a constituição do poder político burguês (Cf. Poulantzas, 1977:83-94,

seguindo Marx, 1986a:23). Esta seção compreende os dois primeiros capítulos. Na

segunda seção abordaremos o Estado e a democracia burguesa que delineiam o

exercício do poder na sociedade brasileira e buscamos ressaltar a historicidade deste

tipo de domínio político e sua incompatibilidade com as aspirações populares. Estes

assuntos estão expostos no terceiro e quarto capítulos. Na terceira seção deste trabalho

verificamos algumas exposições teóricas sobre práticas de participação popular na

definição de políticas orçamentárias participativas, procurando revelar o conflito de

posturas teóricas e políticas sobre a prática participativa. Este conteúdo abarca do quinto

ao oitavo capítulos deste trabalho.

No primeiro capítulo temos a atenção voltada para as sociedades de classes e os

tipos de Estado que a elas melhor correspondem. No segundo capítulo apresentamos o

surgimento da cidade de Camaragibe como parte deste processo social e o exercício do

poder político neste município. No terceiro capitulo caracterizamos o Estado burguês

por meio de suas políticas fundamentais e que se relacionam com a reprodução da

ordem social que favorece a acumulação privada de valores pelos capitalistas. O quarto

capítulo expressa a incongruência entre a democracia burguesa e a efetiva expressão da

vontade popular. Esta democracia não é nada mais do que uma forma de domínio que é

mais conveniente aos capitalistas pela sua aparente neutralidade perante os

antagonismos da sociedade burguesa. O quinto capítulo situa a participação popular no

contexto da divisão do trabalho político, a relaciona com a utopia de uma sociedade sem

classes e a potencialidade da constituição de uma nova cidadania. O sexto capítulo

visualiza a participação popular nos governos locais considerando a questão dos

recursos públicos e os antagonismos presentes em nossa sociedade. O sétimo capítulo

tipifica a participação popular e apresenta a potencialidade da mesma com vistas à

construção de uma sociedade sem exploração e sem dominação de classes. O oitavo

capítulo tem suas atenções voltadas para a gestão petista de Camaragibe. Nesta

oportunidade mostramos o modelo de gestão desenvolvido na cidade e a potencialidade

do modelo perante a perspectiva de uma sociedade que supere o capitalismo.

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PRIMEIRA SEÇÃO

AS SOCIEDADES DE CLASSES E O PODER POLÍTICO

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INTRODUÇÃO

O fracionamento da sociedade em classes antagônicas embasou a constituição

de um poder político cujo objetivo fundamental sempre foi o de garantir a reprodução

da dominação de classe como garantia dos privilégios de uma minoria social sobre a

maioria da população. A primeira seção deste trabalho apresenta uma visão deste

processo que considera as estruturas sociais e os tipos de Estado que caracterizam as

formações sociais no decorrer do processo histórico e que estão relacionados com a

(ausência de) participação popular.

É deste processo histórico que desponta o objeto de estudo deste trabalho que é

o da participação popular nas decisões sobre políticas implementadas pelo Estado

burguês, e com atenção especial ao exercício do poder local, considerando o município

de Camaragibe, no qual concentramos o foco de nossas atenções. O território municipal

foi um dos locais no Brasil em que as atividades produtivas do tipo capitalista

despontaram dentro do processo revolucionário burguês pelo qual o nosso país passou

no final do século dezenove.

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CAPÍTULO I

AS SOCIEDADES DE CLASSES E A REPRODUÇÃO DA VIDA

1.1 – A produtividade social e as formas de dominação

Após fixarem moradia num dado território os seres humanos passam a

depender de condições que lhes são fisicamente externas. Os cultivos que efetuam

passam a contar com as variações climáticas, com a fertilidade e relevo do solo e a

forma específica de constituição do agrupamento humano e das suas relações com

outros grupos distintos na produção e na reprodução das condições de existência (Cf.

Poulantzas, 1977:154, seguindo Marx, 1981a:66-67). As diversas formas de produção

da vida tornam-se o cerne das preocupações materiais e intelectuais. “O que distingue as

diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho

se faz” (Marx, 1968:204. O Capital, liv. I, vol. I, cap. V).

Decorre daí, a possibilidade do surgimento de sociedades compostas por

classes sociais distintas. Constituídas as classes, aquela que reúne melhores condições,

exerce uma dominação e executa uma forma específica de exploração do trabalho de

outra classe da mesma sociedade. Se os trabalhadores diretos detêm a posse e as

habilidades técnicas dos meios de produção, somente pode haver extração de trabalho

excedente por outra classe com recurso à coerção extra-econômica (Cf.; Marx,

1980e:906. O Capital, liv. III, vol. VI, cap. XLVII; Srour, 1978:449). Instituições são

constituídas para realizar as coações ou estarem aptas a realizá-las, sempre que se fizer

necessário. O poder político é exercido por meio de uma conjunção de instituições que

funcionam como aparelhos de Estado. O Estado é uma instituição que organiza a ação

destes aparelhos com a finalidade de garantir a realização dos objetivos da classe

dominante numa sociedade específica.

Deste modo, surgiram na história humana, diversos tipos de sociedade

conforme a composição específica da dominação de classe com a sua forma de

expropriação do trabalho excedente de outra(s) classe(s) e o correspondente poder

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político. O Estado assume configurações institucionais próprias a cada tipo de

dominação de classe e desempenha funções sociais decorrentes destas mesmas

configurações. Com isso, o marxismo identifica quatro tipos diferentes de Estado como

o escravista, o despótico, o feudal com a transição absolutista, e o capitalista ou burguês

(Cf. Saes, 2001:96-97). Apresentaremos uma breve descrição das configurações pré-

burguesas de Estado2 para, depois, ver com maior atenção as estruturas que

fundamentam a sociedade burguesa.

1.1.1 - O Estado pré-burguês

As três configurações pré-burguesas do Estado correspondem a relações de

exploração de classe que necessitam de coerção extra-econômica para realizar os seus

objetivos. A relação predominante de exploração econômica caracteriza o tipo de

Estado na medida em que ela aponta qual é a classe exploradora e a classe explorada de

cada formação social. O tipo escravista de exercício do poder político tem como

características a existência de uma classe de senhores de escravos que, sendo

proprietária dos meios de produção, tem a posse de pessoas e pode se apropriar de

outras, por meios de instrumentos social e politicamente estatuídos. Há, portanto,

propriedade de coisas e de pessoas. O predomínio do escravismo exige uma instituição

estatal que lhe seja correspondente e que garanta sua reprodução3. Aristóteles justifica a

instituição escravocrata fundamentando-a em razões naturais e depois aponta a guerra

como uma razão fundamental que faz surgir novos escravos.

Na visão aristotélica existem dois tipos de escravos. O primeiro tipo são

aqueles cuja condição social é decorrente da própria natureza. Os escravos são pessoas

que estão na condição de terem que executar tarefas sob as ordens inquestionáveis de

um senhor. “Sua condição apenas permite uma virtude proporcional à dependência,

visto que, dedicado às artes mecânicas, ele não possui senão uma servidão limitada”. O

esforço teórico de Aristóteles em fundamentar a escravidão como decorrente da

natureza constitutiva de determinadas individualidades é inconsistente em suas próprias

2 Para uma exposição mais aprofundada do tema é recomendável consultar autores como: Marx, 1981a; Godelier, 1974; Saes, 1987; Idem, 1999; Pinsky, 1982; Srour, 1978; e Poulantzas, 1977. 3 Engels observou que a escravidão acompanha todas as formações sociais antagônicas observadas na história da humanidade (Cf. Koval, 1982:18).

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palavras. Ele mesmo aponta que a dependência pessoal é decorrente da condição de

exercer atividades mecânicas. Por isso, não é a natureza, mas sim, o exercício de um

tipo de atividade é o que condiciona um ser à dependência de outro. Ele mesmo ressalta

a divisão social do trabalho entre os que se dedicam às atividades manuais e aqueles

empenhados em atividades intelectuais, e ainda reconhece que o exercício de atividades

manuais não decorre da natureza, pois, “o escravo vive em comum com o seu dono; o

artesão vive mais independente e afastado (...). A natureza fez o escravo; ela não fez

nem o sapateiro, nem outro artesão qualquer”. Assim sendo, a condição de escravo não

é decorrente da natureza, mas o resultado de uma condição social que segrega, restringe

opções e submete uma parcela das pessoas ao exercício de atividades produtivas cujos

resultados não são revertidos em benefício de quem produz (Aristóteles, 1966:31. A

Política, liv. I, cap. IV, §15).

Mesmo fundamentando a divisão social do trabalho e de classes como

condição natural dos seres, Aristóteles reconhece as delimitações tênues da própria

argumentação. “A ciência do senhor consiste no uso que ele faz de seus escravos; ele é

amo, não tanto por possuir escravos, porém por que deles se utiliza. Esta ciência do

senhor nada tem, aliás, de muito grande ou de muito alto; ela se reduz a saber ordenar

aquilo que o escravo deve saber executar. Igualmente todos os que podem furtar-se a ela

deixam as suas preocupações a um criado, e entregam-se à política ou à filosofia”

(Aristóteles, 1966:19. A Política, liv. I, cap. II, § 23). A distinção absoluta entre o

senhor e o escravo e entre quem governa e quem é governado somente tem como seus

suportes a reprodução da sociedade dividida em classes.

O segundo tipo de escravidão é aquele de que fazem parte os que se tornaram

escravos em razão de derrotas bélicas ou por dívidas. “Existem homens que são

escravos em qualquer parte, e, outros não são escravos em parte alguma” (Aristóteles,

1966:18. A Política, liv. I, cap. II, § 19). As guerras fazem com que os vencedores

subordinem uns povos a outros e os condicionem ao exercício de trabalho compulsório.

Depois de conceber o ser humano como constituído de corpo e alma,

Aristóteles subdivide esta última em duas frações, com características opostas uma à

outra, sendo “uma, a que ordena, outra a que atende, e suas qualidades são bem

diferentes. Esta harmonia acha-se de modo evidente nos seres, e assim a natureza

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destinou parte deles a mandar e parte a obedecer” (Aristóteles, 1966:30. A Política, liv.

I, cap. IV, § 10).

Ao construir a própria argumentação, mais uma vez, Aristóteles demonstra sua

localização social e histórica enquanto membro de uma sociedade escravista, quando

justifica a dominação de classe e não aponta elemento de possível mudança social. Ele

permanece fiel à sua fundamentação epistemológica naturalista e sustenta que

autoridade e obediência são coisas tanto necessárias quanto úteis. Mas, necessidade e

utilidade são atributos sociais historicamente desenvolvidos (Cf. Aristóteles, 1966:15. A

Política, liv. I, cap. II, § 8). E, falar em autoridade é definir quem (não) pode exercer o

poder em determinada sociedade. Participa do poder os que desfrutam da condição de

cidadão, e estes são os homens livres. “Cidadão é o que possui participação legal na

autoridade deliberativa e na autoridade judiciária” (Aristóteles, 1966:77. A Política, liv.

III, cap. I, § 8). Assim, nem todos os homens são cidadãos, mas esta é uma condição

reservada aos que podem aspirar para si mesmo o exercício de função decisória num

aparelho de Estado. Para o pensamento aristotélico, há quem não pode ser considerado

cidadão, mesmo que estas pessoas com suas atividades sejam necessárias à vida na

polis. A condição de cidadania está contraposta a uma outra que é a condição de

escravidão. Do mesmo modo que um aparato militar pode se utilizado para escravizar

mais pessoas empreendendo guerras sob as decisões de um Estado, as forças militares

coesas garantem a manutenção de pessoas escravas nos limites de um território.

E estas forças militares constituem um dos principais fatores que revelam a

contradição básica da fundamentação naturalista do pensamento de Aristóteles, uma vez

que ele próprio aponta que os grandes proprietários são os que podem criar cavalos e

com isto, constituir uma infantaria pesada. Outro fator determinante é a grande

propriedade rural como principal fonte de meios de vida. O senhor proprietário de terras

é também o que ocupa os postos da alta hierarquia do aparato militar que garante a

permanência da escravidão (Cf. Aristóteles, 1966:227. A política, liv. VII, cap. III, § 3).

Outra configuração pré-burguesa do Estado é a aquela caracterizada pelo

domínio despótico de classe. O tipo despótico (ou asiático) de Estado tem como base

social um conjunto de comunidades aldeãs que estão submetidas a um poder supremo,

geralmente centralizado numa individualidade de referência, e que confere unidade ao

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conjunto de aldeias. Nelas não há, formalmente, propriedade individual, mas estatal. “A

propriedade aparece como cessão da unidade global ao indivíduo, através da mediação

exercida pela comunidade particular. O déspota surge como o pai das numerosas

comunidades menores, realizando a unidade comum de todas elas. Conclui-se que o

produto excedente pertencia à unidade suprema. O despotismo oriental aparentemente

leva a uma ausência legal de propriedade” (Marx, 1981a:67 e 78).

Há, nestas sociedades, uma forma dual de propriedade que se expressa pela

propriedade estatal e pela propriedade privada, sendo que a primeira caracteriza um

pressuposto necessário da segunda. A propriedade privada é uma concessão do poder

estatal como direito de ocupação produtiva do solo. Condições produtivas

individualmente inacessíveis somam-se aos fatores determinantes de um Estado

proprietário composto por sacerdotes e funcionários (militares) que detém a propriedade

da terra e que proporciona gastos com irrigação - o que incrementa a produtividade do

solo sobre o que se realiza uma extorquia de valores excedentes. Enquanto pertencentes

à comunidade as pessoas são livres, portanto, não se encontram nas mesmas condições

das que estão submetidas ao escravismo. Na formação social em que predomina a

produção asiática há o despotismo de uma comunidade superior com sua chefia suprema

que exerce o domínio sobre as outras comunidades dispersas por um território (Cf.

Marx, 1980a:588-9. O capital, liv. I, vol. II, cap. XI).

A formação social feudal proporcionou um outro tipo de Estado de acordo com

as exigências da condição social e produtiva. O tipo feudal de exercício do poder é

específico das condições de apropriação do trabalho excedente dos servos de um feudo

pela intervenção de um séqüito de vassalos. “Os serviços prestados pelos vassalos

garantem-lhes o acesso à propriedade, assumindo caráter econômico e representam, em

última instância, o mecanismo de coação (acionado ou pronto a sê-lo) necessário para

que a apropriação do excedente ocorra” (Srour, 1978:452, Cf. Godelier, 1974:76-100).

Sob juramento de submissão e fidelidade, os vassalos garantem a expropriação dos

servos em favor de um suserano, e em favor de si mesmos, por meio da constituição de

forças militares para dar curso à entrega de produção excedente por parte dos produtores

diretos. “Todas as formas em que o produtor direto ‘possui’ os meios de trabalho e os

meios de produção necessários para gerar os próprios meios de subsistência, a relação

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de propriedade surge simultânea e fatalmente como relação direta de dominação e

servidão, aparecendo o produtor imediato como servo. Essa dependência pode reduzir-

se, indo da servidão com corvéia para a mera obrigação de pagar um tributo” (Marx

1980c:906. O Capital, liv. III, vol. VI, cap. XLVII).

Neste tipo de Estado o exercício do poder tem as limitações legitimadoras da

lei divina e dos privilégios dos Estados que compõe a formação social medieval

fragmentada em células produtivas e domínios territoriais com titulares hierarquizados e

sobrepostos uns aos outros. O discurso ideológico deste Estado busca seus fundamentos

numa vontade pretensamente supra-humana, ou seja, divina. O Estado feudal é

concebido como “manifestação da ordenação cósmica–divina” (Poulantzas, 1977:158).

As contradições da formação social feudal proporcionaram o surgimento das

condições para o surgimento de uma nova formação social. Poulantzas delimita o

exercício absolutista do poder como próprio de um Estado de transição do feudalismo

para o capitalismo (Cf. Poulantzas, 1977:153 e 156). Num tempo em que ainda não

apresentava uma dominância plena do modo de produção capitalista havia uma

convivência conflituosa entre procedimentos feudais e os procedimentos submetidos ao

capital. Trata-se, portanto, de um Estado favorável à burguesia nascente4 no seu

confronto com a aristocracia dominante. É um processo em que muitas pessoas

conseguem se livrar da condição servil e se estabelecer nos aglomerados urbanos

presenciando a competição entre a cobrança de impostos por parte do Estado e a

arrecadação tributária própria do senhorio. O artesão e o negociante são figuras

destacadas neste processo. Quando o primeiro passa a submeter uma quantidade de

força de trabalho assalariada da qual extrai mais-valia, ele torna-se capitalista. O

negociante que, por sua vez, cria uma manufatura segue o mesmo procedimento e

assume comportamentos capitalistas. O modo burguês de ser estava comprimido no

interior de uma formação social que não lhe correspondia5. As novas condições

determinantes da produção e reprodução da vida social estavam em desajustes com a

garantia de privilégios aristocráticos (Cf. Soboul, 1973:11-15).

4 “L´Etat absolutiste (...est) un instrument de la bourgeoise naissante contre l´aristocratie” (Anderson, 1978:19). 5 “La structure sociale, aristocratique et hierarchisée, maintenait chez les sujets un complexe d´infériorité qui entrenait résignation et respect, par ailleurs commandés par la religion et maintenus par la contrainte d´um État autoritaire et intolérant” (Soboul, 1973:10-11).

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Neste período inicial para o capitalismo a burguesia apresentava profunda

necessidade da intervenção permanente do Estado para garantir as condições inerentes à

produção de mercadorias. Era necessário quebrar as resistências ao trabalho continuado

para atender a produção e também garantir uma superpopulação relativa para obter uma

oferta de força de trabalho ao nível das exigências da procura sem pressão para elevar o

salário e assim manter um nível de extração da mais-valia. A coação própria das

relações econômicas capitalistas ainda não conseguia sobreviver sem ser coadjuvada

pela violência direta ainda que cada vez mais esporádica. É o que caracteriza a

acumulação primitiva (Cf. Marx 1980a: 854-855, O Capital, liv. I, Vol. II, cap. XXIV).

O período do poderio absolutista caracteriza-se pelo estabelecimento das

condições do modo de produção capitalista que ainda não podia sustentar-se por suas

próprias forças. Esta produção surge como uma maneira de produzir dentre outras. O

discurso da livre iniciativa ganha expressões cada vez mais amplas. “O capitalismo

exigia a liberdade porque necessitava dela para assegurar o seu impulso, a liberdade sob

todas as suas formas: liberdade da pessoa, condição do assalariado – liberdade dos bens,

condição de sua modalidade – liberdade do espírito, condição da pesquisa e das

descobertas científicas e técnicas” (Soboul, 1989:11). O poder político nestas condições

é de caráter centralizador, absoluto e aglutinador de um conjunto nacional abrangendo

um território determinado. O tipo absolutista de Estado mantém um exército a serviço

do poder central composto por mercenários que não mais se identificam e nem se

submetem por laços feudais. Este Estado constitui-se como sendo o prenúncio do

Estado burguês cada vez mais próximo. “O Estado absolutista apresenta, assim, uma

autonomia em relação à instância econômica” (Poulantzas, 1977:159).

1.1.2 - A sociedade burguesa

A formação social capitalista tem o predomínio da garantia de processo de

concentração de riqueza que favorece aos donos do capital. “O processo de produção de

capital inclui tanto o processo de circulação propriamente dito, como o processo de

produção propriamente dito. Constituem os dois grandes capítulos do seu movimento,

que se apresentam como totalidade desses dois processos. Por um lado está o tempo de

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trabalho, por outro o tempo de circulação” (Marx, 1986b:130). Os movimentos que

ocorrem no interior de uma dada sociedade precisam estar dentro de certos limites para

realizar os objetivos que deles são esperados. As práticas ocorrem dentro de limites que

funcionam como suportes e garantem a articulação social das ações efetivadas na

sociedade em níveis específicos da formação. Estes limites são fornecidos por estruturas

sociais.

Uma estrutura social define limites de variabilidades nas relações que são

levadas a termo no interior de uma sociedade. A estrutura funciona como determinante

da vida individual e coletiva, fazendo com que diferentes modos de vida sejam

efetivados, sejam louvados e cultivados. A estrutura social é uma determinante geral da

vida numa coletividade. Uma estrutura delimita e articula as práticas sociais e os

pensamentos correlatos a estas mesmas práticas, condicionando as expectativas pessoais

e grupais e, ainda, possibilita reproduzir o que pode resultar dos relacionamentos sociais

e produtivos num determinado espaço e tempo (Cf. Althusser & Balibar, 1974:222 e

288, Wright, 1981:16-28).

Marx destaca três estruturas que devem ser levadas em consideração nas

análises de situações concretas que são compostas pelas instâncias econômica,

ideológico-jurídica e política. Elas são integrantes das realidades sociais. “O econômico,

o político e o ideológico não constituem essências prévias que entrem em seguida em

relações externas (...). A articulação, própria à estrutura do todo de um modo de

produção, comanda a articulação das instâncias regionais” (Poulantzas: 1977:16).

Marx manifesta a sua posição de que, embora a estrutura econômica seja a base

sobre a qual o conjunto da sociedade está soerguido, esta estrutura não é absolutamente

determinante. As múltiplas determinações e relações sociais interagem entre si,

influenciando e recebendo influências. Não resta dúvida de que a estrutura produtiva é

um elemento essencial da totalidade social, na medida em que a produção e a

reprodução das condições de existência constituem preocupações que nenhuma

comunidade humana pode negligenciar se quiser continuar presente dentre o conjunto

dos seres vivos. A realidade é aberta a novas possibilidades de conjunção dos elementos

que resultam em novas formações sociais, a partir do momento em são estabelecidas

uma nova configuração fundamental, que é a estrutura produtiva. Assim sendo, a

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estrutura econômica é um elemento muito importante da análise que desenvolvemos

neste trabalho.

Mas, a produção não acontece no vazio, como se os instrumentos de produção

estivessem à disposição para se interligarem com a força de trabalho necessária ao seu

emprego eficiente, por meio de uma cooperação humana adequada ao nível tecnológico

destes instrumentos e com objetivos naturalmente existentes. “Na produção social da

sua existência, os homens estabelecem relações determinadas necessárias,

independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um

determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto

destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base

concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política” (Marx, 1977:28).

Enfrentando desafios e formulando soluções, os seres humanos desenvolvem fórmulas

que se estabelecem e passam a determinar as ações individuais e coletivas. A formação

social, em particular a que se trata neste trabalho, que é a capitalista, precisa ser

analisada considerando três estruturas inter-relacionadas de um modo que caracteriza a

sociedade burguesa. “Nenhuma produção é possível sem um instrumento de produção,

ainda que esse instrumento seja somente a mão. Nenhuma é possível sem o trabalho

passado acumulado, ainda que este trabalho seja somente a destreza que o exercício

repetitivo desenvolveu e concentrou na mão do selvagem. O capital, entre outras coisas,

é também um instrumento de produção; é também trabalho passado objetivado” (Marx,

1986a:5). Além da estrutura econômica ou produtiva, há de se considerar ainda a

estrutura jurídica e a estrutura política.

1.2 - As estruturas da sociedade capitalista 1.2.1 - A estrutura econômica

A economia capitalista se constitui por meio de um longo caminho em que vai

efetivando a dissolução dos determinantes que embasam o modo anterior de produção e

que impediam ou dificultavam o estabelecimento do novo modo de produção. Neste

processo vai compondo a diferença específica entre o capitalismo e outros modos de

produção. “O sistema capitalista pressupõe a dissolução entre os trabalhadores e a

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propriedade dos meios pelos quais realizam o trabalho (...). Converte em assalariados os

produtores diretos. A chamada acumulação primitiva é apenas o processo histórico que

dissocia o trabalhador dos meios de produção. É considerada primitiva porque constitui

a pré-história do capital e do modo de produção capitalista”. (Cf. Marx, 1980a:830. O

Capital, liv. I, vol. II, cap. XXIV).

As dispersões que caracterizam o espaço rural e as atividades produtivas neles

realizadas precisam sofrer modificações para estar em consonância com a sociedade. As

bases que sustentam um modo de vida ligado à terra com a conseqüente obtenção dos

meios de subsistência a partir da utilização dos próprios instrumentos de trabalho pelos

trabalhadores diretos precisam ser desfeitas. Os grandes meios de produção necessitam

encontrar disponível uma considerável quantidade de força de trabalho que se submeta a

acatar as novas condições de trabalho. Liberada das condições que a fixavam à terra,

esta força de trabalho agora se encontra “livre” para ser empregada em uma indústria

em troca de salário, independente do lugar em que esteja instalada. É agora uma força

de trabalho assalariada. A desapropriação dos trabalhadores diretos dos próprios meios

de produção é uma das condições para que haja a concentração destes meios de

produção sob a propriedade de uma minoria social, isto é, de uma classe de

privilegiados proprietários. Estes proprietários de meios de produção se distanciam

consideravelmente dos produtores diretos quanto às condições díspares de vida. “A

única propriedade significativa, do ponto de vista da estrutura do processo de produção

é a dos meios de produção” (Althusser & Balibar, 1974:253).

Constituídas as suas linhas determinantes, a estrutura capitalista de produção

cuida agora de reproduzir os agentes produtivos conforme suas características próprias.

Deste modo, o proletário encontra-se estruturalmente coagido a vender sua força de

trabalho para sobreviver. “O consumo produtivo e o individual do trabalhador são

totalmente diversos. No primeiro, opera como força motriz do capital, e pertence ao

capitalista, no segundo, pertence a si mesmo e realiza funções vitais do processo de

produção. O resultado de um é a vida do capitalista e do outro é a vida do próprio

trabalhador” (Marx,1980a:663. O Capital, liv. I, vol. II, cap. XXII). Não é mais a coação

a que o escravo se encontrava, quando se submetia ao senhor em questões de vida ou

morte. É a estrutura econômica que delimita a ação “livre” do proletário. A descoberta

do ouro e da prata na América, com a sua extração e com o emprego do trabalho

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escravo é outro elemento ressaltado por Marx na constituição da acumulação primitiva

de capital. A volumosa soma de riqueza social acaba por se tornar um fundo de valores

à disposição dos capitalistas em razão das condições estruturais que lhes garantem este

privilégio. O processo possibilitou uma acumulação de riqueza sem precedente na

Europa. Mas essa reformulação social não foi pacífica. Medidas como a coerção

ativamente implementada e a manipulação dos mecanismos econômicos e sociais

sempre estiveram na ordem do dia, na medida em que eram necessários para atingir os

objetivos burgueses (Cf. Bernardo, 1991a:102; Marx, 1980a:868. O Capital, livro I, vol.

II, cap. XXIV).

Neste processo contribui também a dívida pública que se tornou um elemento

fundamental para a constituição de um volume de recursos financeiros, que se capitaliza

atendendo as necessidades de crédito para prover as necessidades dos empreendimentos

capitalistas. Marx observou a lógica constituinte de uma fração financista dos

capitalistas nos cinco textos seguintes. “Como uma varinha de condão, ela dota o

dinheiro de capacidade criadora, transformando-o assim em capital, sem ser necessário

que seu dono se exponha aos aborrecimentos e riscos irreparáveis das aplicações

industriais e mesmo usuárias. Os credores do Estado nada dão na realidade, pois a soma

emprestada converte-se em títulos da dívida pública, facilmente transferíveis, que

continuam a funcionar em suas mãos como se fossem dinheiro”. A dívida pública

alimenta a circulação monetária a partir de decisões provenientes do aparelho de Estado

que compõem o conteúdo e os rumos de uma política de favorecimento do domínio de

classe que é própria do Estado burguês na medida em que privilegia a realização dos

negócios da burguesia. “A dívida pública criou uma classe de capitalistas ociosos,

enriqueceu de improviso os agentes financeiros que servem de intermediários entre o

governo e a nação. As parcelas de emissão adquiridas pelos arrematantes de impostos,

comerciantes e fabricantes particulares lhes proporcionam o serviço de um capital caído

do céu”. Estes recursos que tornados disponíveis contribuem para impulsionar as

atividades capitalistas e fazem surgir uma espécie de atividade que possibilita a

constituição de um segmento da classe capitalista que se dedica a obter valores a partir

da intermediação de recursos monetários de que a produção e o comércio necessitam

para viabilizar e efetivar as respectivas atividades. É uma fração de classe que usufrui

das atividades de extorquia dos trabalhadores que outras frações capitalistas procuram

efetivar. Esta fração burguesa de classe usufrui do trabalho alheio por disponibilizar

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valores no sistema de crédito. O ciclo destes recursos se completa no momento em que

o próprio Estado que os torna disponíveis passa a tomar (parte de) estes mesmos

recursos para garantir seu próprio funcionamento. “Mas além disso, a dívida pública fez

prosperar as sociedades anônimas, o comércio com os títulos negociáveis de toda a

espécie, a agiotagem, em suma, o jogo da bolsa e a bancocracia moderna. O banco da

Inglaterra começou emprestando seu dinheiro ao governo a juros de 8%; e, ao mesmo

tempo, foi autorizado pelo Parlamento a cunhar moedas utilizando o capital emprestado

ao governo”. Com isto, de credor e estimulador do processo de produção capitalista, o

Estado torna-se um devedor e prisioneiro (de uma fração) dos capitalistas. “Passou

então a emprestar o mesmo capital ao público sob a forma de bilhetes para descontar

letras, emprestar com garantia de mercadorias e comprar metais preciosos. Não passou

muito tempo para o banco fazer empréstimos ao Estado nessa moeda fiduciária e para

pagar com ela, por conta do Estado, os juros da dívida pública”. Deste modo, ficou

estabelecida a sustentação do capital financeiro, cuja dinâmica procura arrastar o

processo produtivo de onde obtém os valores excedentes como finaliza Marx. “Não

bastava que o banco recebesse muito mais do que dava; ainda recebendo, continuava

credor eterno da nação até o último centavo adiantado. Progressivamente tornou-se o

guardião inevitável dos tesouros metálicos do país e o centro de gravitação de todo o

crédito comercial” (Marx, 1980a:872-873. O Capital, liv. I, vol. II, cap. XXIV).

O processo de acumulação primitiva permite constituir os elementos

determinantes do capital com os seus objetivos definidos e colocá-los em vias de

realização. Deste modo, este processo proporciona a formação de um aglomerado de

força de trabalho livre, a concentração e apropriação privada dos meios de produção e a

garantia de recursos necessários ao crédito (Ver capítulo III).

Quanto ao cerne que caracteriza a estrutura produtiva destacam-se os elementos

determinantes do processo que são: matéria-prima, instrumentos de trabalho, e força de

trabalho. Dois grupos de agentes fundamentais se destacam neste processo. Um destes

agentes é o que se constitui como proprietário dos meios de produção. O outro é o

composto por aquela massa de população que foi destituída dos meios de obtenção que

ela mesma necessita para o próprio sustento, e que, a partir da consolidação deste

processo, possuem somente a própria força de trabalho. Estes dois agrupamentos

humanos precisam estabelecer relações para efetivar a produção, mas possuem objetivos

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antagônicos em virtude dos interesses inconciliáveis de cada um diante do outro.

Destituídas dos meios de sobrevivência, as pessoas do segundo grupo encontram como

forma de obter os víveres de que necessitam, a submissão aos ditames do grupo, que

agora é composto pelos proprietários dos instrumentos de trabalho, e têm acesso

assegurado aos recursos financeiros imprescindíveis à obtenção de matérias primas.

Este segundo grupo tem como objetivo imediato garantir a própria sobrevivência e,

neste ponto, coincide com o propósito do primeiro grupo de pessoas. “Se a direção

capitalista é dúplice em seu conteúdo, em virtude da dupla natureza do processo de

produção a dirigir que, ao mesmo tempo, é processo de trabalho social para produzir um

produto e processo de produzir mais-valia, ela é, quanto à forma, despótica” (Marx,

1968:380-381. O Capital. liv. I. vol. I. cap. X). Para constituir uma sociedade enquanto

capitalista, os agentes sociais deste projeto necessitaram realizar um esforço que, por

meio do absolutismo articulou aspectos do feudalismo com o capitalismo nascente (Cf.

Bernardo, 1977a:320-327). Aqui está um dos elementos pelos quais são estabelecidas

relações produtivas entre os dois grupos humanos. Elas acontecem sob as determinações

sociais e historicamente constituídas da propriedade privada dos meios de produção e

do trabalho assalariado (Cf. Borges Neto, 2002:106).

Se, à primeira vista, estas relações parecem harmoniosas, elas comportam, na

verdade, objetivos antagônicos. Os proprietários dos meios de produção possuem um

objetivo estruturalmente estabelecido que é inerente à lógica primordial da produção

capitalista, que é o de obter riqueza privadamente acumulada. “O processo de trabalho

converte-se no instrumento de valorização, do processo de autovalorização do capital, a

criação de mais-valia. O processo de trabalho subsume-se no capital (é o processo do

próprio capital), e o capitalista entra nele como dirigente, guia; para este é ao mesmo

tempo, de maneira direta, um processo de exploração do trabalho alheio. É isto o que

denomino subsunção formal do trabalho ao capital” (Marx, 1975:73).

Como não é possível estabelecer um consenso no interior da estrutura

produtiva capitalista, os dois agrupamentos humanos se transformam em antagônicos

quanto aos objetivos específicos de cada um deles. Trata-se, portanto, de uma estrutura

cuja dinâmica comporta lógicas contrapostas em razão dos agentes de produção se

tornarem atores com objetivos antagônicos. Dois problemas despontam nesta exposição,

que são a caracterização dos conflitos produtivos e o antagonismo entre os grupos

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fundamentais neste processo. Após estabelecer as condições sociais da produção os

capitalistas precisam empregar produtivamente a seu modo, a força de trabalho da qual

precisa. “Trabalho produtivo é o que – no sistema de produção capitalista – produz

mais-valia para o empregador ou que transforma as condições materiais de trabalho em

capital e o dono delas em capitalista e, por conseguinte, o trabalho que produz o próprio

produto como capital. Assim, ao falar de trabalho produtivo, falamos de trabalho

socialmente definido, trabalho que envolve rotação determinada entre o comprador e o

vendedor do trabalho” (Marx, 1980f:391. O Capital. Teorias da mais-valia. liv. IV, vol.

I, cap. VII).

Para realizar a acumulação o capitalista precisa obter como seu este valor

resultante do trabalho coletivo. Então, ele se apropria do valor excedente gerado pelo

emprego da força de trabalho alheia. Enquanto trabalhador assalariado, o proletário

obtém um salário fixo por um contrato em razão do emprego da força de trabalho

durante um período determinado. É o estágio do desenvolvimento das forças produtivas

que torna possível esta forma de exploração do trabalho que possibilita a extração de

mais-valia. Embora o que de fato interessa ao capitalista é o valor absoluto obtido como

excedente do trabalho, Marx identifica duas maneiras de obtê-la. Uma destas maneiras é

a denominada de mais-valia absoluta e a outra é a mais-valia relativa. A primeira é

aquela mais-valia obtida por meio da ampliação da jornada de trabalho. A segunda é a

mais-valia obtida com a intensificação do processo produtivo, isto é, com a aplicação de

tecnologias mais avançadas (Cf. Marx, 1968:363. O Capital, liv. 1, vol. I, cap. VI e X).

Uma relevância desta distinção está em definir o caráter das relações

conflituosas observadas no processo. Quanto ao caso de ampliação da jornada de

trabalho não existem grandes problemas quanto aos capitalistas, pois a ampliação da

jornada biologicamente suportável pelos trabalhadores resulta em benefício para toda a

classe empresarial se o mesmo índice for geralmente aplicado. O problema está no grau

de resistência mais imediato dos trabalhadores em aceitar esta medida em razão da

grande visibilidade da mesma. Quanto à intensificação do exercício do trabalho que

resulta numa mais-valia relativa, há o conflito entre os próprios capitalistas com relação

a maior ou menor quantidade de valor apropriado. “Ao progredir o processo de

produção e de acumulação cresce necessariamente também a massa de trabalho

excedente de que o capital se apropria e pode se apropriar, e, por conseguinte, a massa

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de lucro obtido pelo capital da sociedade (...). Quando o capitalista mais forte quer

expandir-se no mercado, suplanta os menores, como nos tempos de crise emprega esta

prática: reduz a propósito a taxa de lucro a fim de eliminar os mais débeis” (Marx,

1980c:250 e 257. O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XIII).

Fundamentalmente, a estrutura econômica é um dos suportes das atividades

produtivas em que sujeitos antagônicos entram em relações com objetivos definidos e

regulamentados. Ela é um sustentáculo dos parâmetros das ações dos sujeitos dentro do

modo capitalista de produção. Esta estrutura, por sua vez, necessita de normas que

estabelecem os limites das ações individuais e coletivas. É necessário prevenir e/ou

solucionar os conflitos e enfrentar os momentos de crise que possam ocorrer no

processo produtivo. A estrutura econômica tem necessidade de uma estrutura jurídica.

“Toda a forma de produção engendra suas próprias instituições jurídicas, sua própria

forma de governo” (Marx, 1986a:8).

1.2.2 - A estrutura ideológica

A burguesia procura reduzir os conflitos que despontam, principalmente, no

processo produtivo como sendo característicos de interesses puramente individuais.

Para tanto, as formulações jurídicas são utilizadas como uma via neutra e acima dos

agentes de produção para solucionar as divergências. “Uma das premissas fundamentais

da regulamentação jurídica é o antagonismo dos interesses particulares ou privados.

Este antagonismo é tanto condição lógica da forma jurídica quanto causa real de

evolução da superestrutura jurídica” (Pachukanis, 1988:44). O jurídico cumpre a função

de mediar os conflitos decorrentes das relações sociais na pretensão de construir um

consenso duradouro. Esta estrutura revela-se ideológica pela função de ocultar aspectos

relevantes que cumpre na realidade social. Tanto é que o procedimento primordial dos

processos judiciais é o de estabelecer em seu conteúdo o contraditório sobre o qual se

pronuncia um veredicto. É sintomática a recorrência à metáfora da balança no

pensamento jurídico universal. Ela revela a busca do meio termo como sendo a

expressão da decisão judicial que atende aos dois lados de quaisquer questões

submetidas a julgamentos. O jurídico revela-se, deste modo, tanto na teoria quanto na

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prática, a expressão não somente de processos psicológicos, mas, também e

especialmente, de relações sociais estabelecidas.

A teoria e prática do direito revelam a falsa neutralidade da qual a

jurisprudência é constituída. “O objetivo prático da mediação jurídica é dar garantia às

marchas mais ou menos livres da produção e da reprodução social que, na sociedade de

produção mercantil se operam formalmente através de uma série de contratos jurídicos

privados” (Pachukanis, 1988:13). O que está sendo regulamentado é o conjunto de

relações sociais que dois sujeitos realizam, em especial, antagônicos por constituição.

As normas jurídicas representam uma garantia das ações que procuram perpetuar as

relações sociais burguesas, pois, o termo médio entre dois agentes em contenda, sendo

um deles privilegiadamente constituído, e o outro, alguém que se encontra numa

desvantagem estrutural que não está em questão, representa, a priori, em seu conteúdo,

o reforço da vantagem de quem desfruta de privilégios. Por meio destas normas

estabelecidas, os proletários somente podem lutar para garantir a condição de seres

explorados. Este é o resultado final deste processo. É a confirmação da desigualdade

como sendo o que é justo dentro de um novo paraíso social em que os oprimidos

padecem mais uma vez, que é a esfera da circulação ou da troca de mercadorias. É a

procura por perenizar o que é fugaz e transitório (Cf. Bernardo, 1991b:38).

O paraíso dos direitos delimitados pela ordem social burguesa mantém como

intactos e reforça a propriedade privada dos meios de produção (a serem) instalados

conforme planos dos seus proprietários, e a força de trabalho livre para se empregar

onde seus proprietários encontrarem meios de produção que dela necessitam para serem

movimentados. Se os primeiros são compradores de força de trabalho e os segundos são

os vendedores destas forças produtivas específicas, eles aparecem como pessoas dotadas

de vontade livre em conformidade com a norma estabelecida. O direito burguês aparece

envolto numa capa de direitos inatos do homem. Ao tratar de pessoas físicas, a norma

jurídica regula as ações de seres envolvidos em relações cuja finalidade concreta passa

necessariamente pela esfera produtiva, quando a condição de classe social revela-se

mais concreta e visível. “O antigo dono do dinheiro marcha agora à frente como

capitalista; segue-o o proprietário da força de trabalho como seu trabalhador. O primeiro

com um ar importante, sorriso velhaco e ávido de negócios; o segundo tímido,

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contrafeito, como alguém que vendeu sua própria pele e apenas espera ser esfolado”

(Marx, 1968:197. O Capital, liv. I, vol. I, cap. IV).

Esta avidez por realizar negócios que marca o comportamento do capitalista

revela um conteúdo proporcionado pela estrutura econômica determinante da sociedade

burguesa, que lhe é extremamente favorável, em contraposição aos trabalhadores.

Considerando as condições de classes distintas “dissipa-se a ilusão de que o pagamento

da força de trabalho é parte do produto gerado no mesmo ciclo” possibilitando a cada

uma das classes ganhos diferenciados a partir de uma produção coletiva (Almeida,

1995a:29).

Pelo contrato previamente firmado, os trabalhadores empregam a sua própria

força de trabalho por um salário a que passam a ter direito após cumprir uma jornada

mensal produtiva definida. Nesta lógica processual, os trabalhadores “recebem sob a

forma de meios de pagamento, uma fração importante do seu próprio produto excedente

que se expande e se transforma em quantidade cada vez maior de capital adicional”

(Marx, 1980a:717; O Capital, liv. I, vol. II, cap. XXIII). A condição de força de trabalho

livre que resulta da estrutura econômica para o trabalhador apresenta-lhe como

vantagem histórica diante da condição vivida pelos antigos escravos.

Para Aristóteles, a condição de escravo - embora reconheça que uma parcela

deles resulta de circunstâncias sociais e políticas como uma derrota bélica de um povo -

é decorrente da própria natureza do ser. Na concepção dele os escravos são pessoas

naturalmente destinadas a estarem sob as ordens de um senhor. Os escravos estão numa

submissão inquestionável. “Sua condição apenas permite uma virtude proporcional à

dependência, visto que, dedicados às artes mecânicas, ele não possui senão uma

servidão limitada”. A improcedência do argumento aristotélico transparece na medida

em que a escravidão leva o ser a cultivar virtudes condicionadas à dependência, mas

apesar de perceber uma divisão social entre o trabalho intelectual e o trabalho material,

reconhece que o fato de executar trabalho manual não é uma condição decorrente da

natureza, pois “a natureza fez o escravo; ela não faz nem o sapateiro nem outro artesão

qualquer”. E ainda reconhece que as pessoas que podem deixar as preocupações práticas

aos criados passam a se dedicarem aos estudos filosóficos. (Aristóteles, 1966:31. A

Política, liv. I, cap. IV, § 15). A argumentação de Aristóteles, além de não conseguir

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manter a coerência interna quanto aos fundamentos de sua argumentação, justifica uma

situação econômica e política sob uma formulação normativa adequada à disparidade

real. Marx ressalta a distinção entre as duas formas de aplicação da força de trabalho

quando lembra que “o escravo romano era preso por grilhões; o trabalhador assalariado

está preso ao seu proprietário por fios invisíveis. A ilusão de sua independência se

mantém pela mudança contínua dos seus patrões e com a ficção jurídica do contrato”

(Marx, 1980a:667. O Capital, liv. I, vol. II, cap. XXI).

O direito burguês exerce a função de ser uma cortina de fumaça que obnubila

o desenrolar das relações sociais que o fez surgir, além de ser o fundamento de sua

reprodução. Há uma forma de produzir que está sendo regulamentada por formulações

jurídicas que lhe correspondem. “O capital são os produtos gerados pelos trabalhadores

e convertidos em potências autônomas dominando e comprando os produtores, e mais

ainda são forças sociais e a forma do trabalho com elas conexa, as quais fazem frente

aos trabalhadores como se fossem propriedades do produto deles. Temos aí, portanto

determinada formação social envolvida numa névoa mística e de um dos fatores de um

processo social de produção e fabricado pela história” (Marx, 1980e:936. O Capital, liv.

III, vol. VI, cap. XLVIII). O direito burguês propõe-se a tratar de maneira igual os que

são socialmente desiguais. A igualdade perante a lei deixa intacto o antagonismo social

característicos dos conflitos da sociedade e que este direito se apresenta como uma

instância de solução.

É a condição de cidadão oferecida a todas as pessoas da nação que caracteriza

este tipo de direito em contraposição a uma norma escravista, na qual a condição de ser

cidadão era uma prerrogativa reservada a alguns. “A cidade modelo não deverá nunca

admitir o artesão entre os seus cidadãos” (Aristóteles, 1966:83. A Política, liv. III, cap.

III, § 2º). Esta é a diferença específica e juridicamente estabelecida pelo direito

moderno. Por meio dele expande-se a todas as pessoas a igualdade jurídica. Nas

atividades produtivas é a igualdade entre duas pessoas proprietárias para estabelecer um

contrato de trabalho. Isto representa a mais absoluta fragmentação dos trabalhadores

enquanto classe social. De um lado está uma pessoa proprietária de meios de produção e

de outro lado quem tem a propriedade da força de trabalho. Evidente que não pode

haver equilíbrio nas relações que acontecem entre estas personalidades, senão sob a

forma de ficção. E esta suposta igualdade é difundida como sendo a verdade desta

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sociedade por meio de diversos instrumentos utilizados para reproduzirem esta ilusão.

Mas, enquanto instância de expressão de contendas e de elaboração de decisões, a

estrutura jurídica abre a possibilidade do desvendamento de seus fundamentos pelos

seus próprios argumentos que partem de contratos cujas personalidades são tidas como

fora de questão. A busca da não-contradição terminológica e estilística esconde o

antagonismo real (Cf. Bernardo, 1977b:11). Há uma polaridade inconciliável entre duas

posições estruturais. Este é o momento em que a justiça revela que além de decidir pela

força do direito que prevalece, ela expressa muito mais o direito de uma força social

com a qual se acha comprometida, que é a força da classe dominante.

As normas legais precisam, antes de tudo, serem elaboradas e consolidadas por

instituições com certa legitimidade social para estarem à disposição do judiciário. Como

as normas trazem em si mesmas os objetivos a serem atingidos e sobre os quais não há

consenso prévio elas surgem das lutas travadas na sociedade com vistas ao poder de

decisão. Assim, a estrutura jurídico-ideológica desponta de uma estrutura econômica e

política (Cf. Poulantzas, 1977:48 e Althusser & Balibar, 1974:222, seguindo Marx,

1985b:17).

1.2.3 - A estrutura política

1.2.3.1 - As relações sociais de dominação política

A ação dos proletários na sociedade se efetiva num suporte estrutural específico

das relações sociais da sociedade burguesa. Os trabalhadores produzem em condições

profundamente adversas aos seus interesses. Pelo fato de estarem submetidos às

condições produtivas coercitivas do capitalismo, os trabalhadores não podem se

apropriar do resultado excedente do próprio trabalho. Outra classe que é composta pelos

capitalistas é a que dispõe de condições estruturais de se apropriar do produto resultante

deste trabalho. As forças produtivas estruturadas na produção capitalista contribuem

para fazer prosperar estas condições sociais. A maneira jurídica que corresponde a esta

estrutura produtiva aponta para a mesma direção. O poder político e as instituições que

embasam o exercício deste poder só fazem, em essência, o gerenciamento do processo

que garante a acumulação privada de riquezas.

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Entretanto, as relações sociais que são efetivadas para produzir o produto

acumulável somente acontecem com o encontro de duas classes sociais. Elas se

constituem como classes antagônicas no capitalismo em razão do caráter inconciliável

de interesses e de objetivos que possuem na sociedade. Os proprietários dos meios de

produção e os proprietários de força de trabalho, quando separados entre si e se

reproduzem sob o disfarce da igualdade enquanto cidadãos e se diferenciam

profundamente quando se trata da apropriação do resultado da atividade produtiva. E

neste processo, despontam os conflitos entre estas duas classes sociais. Estas classes se

constituem estruturalmente diferenciadas quanto às condições de reproduções e às

tentativas de conservar estas condições da parte dos capitalistas, e às tentativas de

revolucionar esta sociedade rumo à construção de outra sociedade sob novas

determinantes e com novas relações sociais. Deste modo estas classes sociais entram em

confronto em torno da partilha do resultado do trabalho. É pelo fato de terem que

cooperar numa mesma estrutura produtiva com objetivos antagônicos que capitalistas e

trabalhadores se constituem uns frente aos outros enquanto classes sociais em luta.

A lógica da produção capitalista opera com o objetivo principal de realizar a

mais-valia por meio do comércio de mercadorias cuja obtenção passa por valores que

resultam da produção que pode ser tanto material quanto imaterial. Em resumo, o

objetivo dos capitalistas é obter mais capital através do movimento do volume de capital

que já acumularam. Neste processo concorrem os meios de produção e a força de

trabalho cujos proprietários relacionam-se como classes sociais antagônicas. Os

proprietários da força de trabalho estão submetidos aos capitalistas devido às

determinações da formação social e das relações produtivas do capital, e, nestas

condições, movimentam os meios de produção resultando em produtos que lhes são

alheios, embora portem os valores que eles fizeram surgir. Aos operários cabem

remunerações em forma de salário enquanto aos capitalistas a apropriação da mais-

valia. Classes sociais distintas participam diferencialmente do usufruto da produção

social.

Dois elementos distintos permitem avaliar a consolidação de uma classe social.

Um destes elementos é o caráter fragmentado com que as individualidades procuram

realizar seus objetivos. O individualismo é a marca do comportamento socialmente

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fragmentado. Outro elemento é o caráter de organização em torno dos interesses

comuns e elaboração de estratégias e táticas coletivas. A solidariedade de classe pode

ser revelada através da coesão organizativa. A classe consolida a sua organização com o

exercício do poder de garantir as condições de realização, com a submissão dos outros

aos objetivos que ela procura alcançar. A classe dominante reúne suas forças e

institucionaliza formas de ação que lhe favorece e tudo faz para fragmentar quem lhe

faz oposição.

1.2.3.2 - A fragmentação e a organização de classe

Da parte dos capitalistas, os dois primeiros elementos revelam-se nas práticas

concretizadas na busca de efetivação de seu principal objetivo que é a realização da

mais-valia por meio da venda de mercadorias. A solidariedade geral de classe e o

interesse econômico direto dos capitalistas revelam-se quando os que pertencem a um

mesmo ramo de produção participam “da exploração da totalidade da classe

trabalhadora pela totalidade do capital” (Marx, 1980c:222. O Capital, liv. III, vol. IV,

cap. X).

Como a mais-valia somente se efetiva com a venda do produto, capitalistas

competem entre si no mercado para realizar a mais-valia que resultou das atividades de

apropriação de valores, ou seja, uma quantidade de trabalho não pago (Marx,

1980c:280. O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XV). Esta postura que pode ser tomada por

capitalista refere–se a uma estratégia para eliminar concorrentes no mesmo espaço de

mercado através da prática de preços menores do que os usualmente praticados. Esta

prática depende da capacidade de sustentar os preços reduzidos até obter o objetivo

almejado. Outra medida causadora de conflitos entre capitalistas é a de implantar

tecnologia mais avançada o que permite obter um ganho de oportunidade diante da

prática do mesmo preço dos concorrentes ou reduzir o preço e obter a mesma mais-valia

que outros capitalistas. Neste termo, o capitalista obtém este objetivo com o uso de uma

tecnologia mais avançada do que os seus concorrentes no mesmo mercado.

A interligação da produção com a comercialização das mercadorias fica

evidente. As condições de produção e de transporte funcionam como determinantes do

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preço de mercado. Em outros termos, o custo de produção (e de comercialização) é

determinante do preço de uma mercadoria. “Um capital que rota mais lentamente por a

mercadoria permanecer mais tempo no processo de produção ou por ter de vender-se em

mercados distantes, perde por isso lucro que, entretanto lhe cabe em virtude de

compensação decorrente de acréscimo ao preço; ou ainda investimentos expostos a

maiores riscos” (Marx, 1980c:236. O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XII).

Para obter melhor posição no mercado, o capitalista busca produzir mercadoria

com custos cada vez mais baixos. Este intento é realizado pela elevação do grau de

extração de trabalho excedente, que, fundamentalmente, advém do prolongamento da

jornada de trabalho e da intensificação do (exercício do) trabalho, ou seja, da mais-valia

absoluta e da mais-valia relativa, respectivamente (Cf. Santos, 1987:113 e 133).

Enquanto a primeira está totalmente determinada pelos limites físicos dos trabalhadores,

a segunda depende também da adição de meios de produção em relação à mesma

quantidade de força de trabalho. Assim, há uma ampliação da composição orgânica do

capital que se caracteriza pela maior parcela de capital constante em relação ao capital

variável, o que resulta em vantagem comparativa para um capitalista diante de outros.

“O capitalista que emprega métodos melhores de produção, mas ainda não

generalizados, vende abaixo do preço de mercado, mas acima do preço individual de

produção; assim, eleva-se para ele a taxa de lucro, até que a concorrência desfaz essa

vantagem” (Marx, 1980c:265. O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XIII).

Portanto, há um processo espiralar em que o acréscimo de capital constante em

relação à magnitude de capital variável resulta em vantagem comparativa entre

capitalistas na extração de mais-valia e sua realização, já que, parte deles, dispondo de

condições redutoras dos custos de produção e de circulação, pode realizar igual ou

maior quantidade de valor, mesmo praticando menor preço no mercado. Mas na difusão

e a conseqüente equalização das condições de produção, circulação e comercialização,

esta vantagem desaparece até que uma ou outra parte de capitalistas desfrutem de nova

vantagem comparativa numa mobilidade aparentemente infinita. O problema para o

capital é que a realização da mais-valia extorquida tem suas possibilidades

proporcionalmente diminutas por conta do maior montante de trabalho acumulado em

relação à quantidade de trabalho vivo empregado no processo produtivo, o que provoca

uma queda na taxa de mais-valia finalmente realizada. “A massa de trabalho vivo

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empregado decresce sempre em relação à massa de trabalho materializado que põe em

movimento, à massa de meios de produção produtivamente consumidos, inferindo-se

daí que a parte não-paga do trabalho vivo, a qual se caracteriza em mais-valia deve

continuamente decrescer em relação ao montante de valor do capital globalmente

aplicado” (Marx, 1980c:243-244. O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XIII).

Decorre deste processo, a concentração crescente de capital, na medida em que

a disputa pelos mercados leva parte dos capitalistas a perderem posições ou a

desaparecerem. São os momentos de crise. “Nessa luta, as perdas se distribuem de

maneira bem desigual e de forma bem diversa segundo as vantagens particulares de

cada um ou as posições já conquistadas, e desse modo, um capital é posto em

ociosidade, outro é destruído, um terceiro tem somente perdas relativas ou experimenta

apenas depreciação passageira, etc.” (Marx, 1980c:291. O Capital, liv. III, vol. IV, cap.

XIV).

As crises decorrem da necessidade intrínseca da produção capitalista que, ao

fazer cooperar forças sociais antagônicas no mesmo processo e intensificando as

condições de sua reprodução concentradora de valor extorquido acaba por aprofundar as

contradições inerentes a este modo de produzir mercadorias. Esta mobilização de forças

sociais para atender ao capital confronta em escala ascendente os agentes nas relações

de produção e nas relações sociais (Cf. Marramao, 1990:109).

Este processo só pode resultar em crises constantes na produção e nas relações

da sociedade burguesa, como conseqüência das condições diferenciadas dos capitalistas

em particular em acompanhar os desenvolvimentos das técnicas produtivas na mesma

velocidade e grau que todos os membros da mesma classe social exploradora. As crises

decorrem da necessidade intrínseca da produção capitalista que, ao fazer cooperar forças

sociais antagônicas no mesmo processo e ao intensificar as condições de sua reprodução

concentradora de valor extorquido, acaba por aprofundar as contradições inerentes ao

modo de produção. Além de diminuir o capital variável em relação ao capital constante,

a produção capitalista, depois de haver estimulado a concentração e crescimento do

proletariado, passa a reduzir a necessidade de força de trabalho em seus

empreendimentos, o que faz os valores a serem contabilizados e realizados como mais-

valia tenderem a zero. “A produção capitalista procura sempre ultrapassar esses limites

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imanentes, mas ultrapassa-os apenas com meios que de novo lhe opõem esses mesmos

limites, em escala mais potentes” (Marx, 1980c:287, O Capital, liv. III, vol. IV, cap.

XV).

Nas tentativas de superar seus limites internos o capitalismo provoca uma crise

que leva a um novo patamar de relações entre as forças inerentes ao processo produtivo,

mas, por não eliminar os elementos antagônicos, uma nova crise desponta no percurso

deste processo. “As crises não são mais do que soluções momentâneas e violentas das

contradições existentes, erupções bruscas que restauram transitoriamente o equilíbrio

desfeito” (Marx, 1980c:286, O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XV).

Outra conseqüência é a que incide sobre a população concentrada nos espaços

urbanos pelo próprio processo de produção capitalista concentrou nos espaços urbanos.

Ao produzir maior volume de mercadorias com a ampliação do capital constante, o

capitalismo faz surgir uma superpopulação relativa de trabalhadores (Cf. Marx,

1980c:249, O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XIII). Ao diminuir o poder de compra da

população concentrada e ao mesmo tempo procurar realizar a mais-valia no mercado, o

capitalismo fica dispondo de um volume de produtos também excessivo para a

capacidade de compra desta população dentro dos limites e objetivos do capital. A mais-

valia extorquida encontra dificuldades para realizar-se. Este é, finalmente, o elemento

que caracteriza a crise da produção capitalista. Ela é, portanto, uma crise de realização

da mais-valia.

Da parte dos trabalhadores também aparecem os elementos de fragmentação e

de organização, mas, agora, o comportamento individual e coletivo é caracterizado pela

expressão de um descontentamento diante das condições sociais gerais. Assim, os

trabalhadores travam lutas com objetivos próprios de sua classe social. Estas lutas

combinam-se e divergem-se em posturas individuais, coletivas, passivas e ativas.

Quando ocorrem associações entre posturas individuais e passivas os trabalhadores

agem envoltos pela atmosfera burguesa em razão da funcionalidade produtiva na busca

de soluções individuais e sem a elaboração de um projeto político próprio de classe

oposto à classe dominante. “As formas de organização individuais e passivas incluem a

preguiça, o absenteísmo, o alcoolismo, o uso de estupefacientes, em suma, todos os

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modos práticos de reduzir o tempo de trabalho despendido sem para isso entrar em

conflito aberto com o patronato” (Bernardo, 1991a:318).

A postura individual ativa revela a falta de decisões conjuntas e a falta ou

desconsideração por formas de organizações coletivas. Os trabalhadores ainda

fragmentados defrontam com os capitalistas em suas empresas e organizações e formas

de coerção já estabelecidas.

Há outra associação de elementos característicos que conjugam a coletividade e

a passividade. Assim, os trabalhadores demonstram um nível de organização, porém,

continuam mantendo uma fragmentação do coletivo em pelo menos dois conjuntos,

reservando a um número de pessoas, o comando das ações e das negociações. Neste

caso, o coletivo de trabalhadores confia seu destino a uma burocracia sindical ou

política (Cf. Bernardo,1991a:319; Idem, 2000:26).

O mais elevado grau de luta dos trabalhadores torna-se possível com a

associação da coletividade à postura ativa. Com isto, os desafios se apresentam com a

verdadeira dimensão que possuem. A postura coletivamente ativa propicia lutas cujos

objetivos são apresentados nos pontos de superação da disciplina social capitalista (Cf.

Bernardo, 1998:12). Marx relata os empecilhos jurídicos que foram instituídos e

vencidos numa luta secular dos trabalhadores contra a burguesia e seu Estado até o

reconhecimento legal das organizações sindicais, que podem proporcionar novas bases

às lutas econômicas e políticas (Cf. Marx, 1980a:858. O Capital, liv. I, vol. II, cap.

XXIV).

Quando Marx faz alusão ao drama bíblico6 de Isaú, que abdica do seu direito à

primogenitura em favor do seu irmão Jacó para desfrutar de um prato de lentilhas, para

fazer referência às relações entre trabalhadores e capitalistas, nada há que aponte para

uma submissão voluntária de uma classe aos ditames da outra. Estando submetida à

estrutura produtiva que os priva da propriedade dos meios de produção e sob uma

legislação calcada sobre este tipo particular de propriedade se perpetua sob a constante

6 O drama de Isaú é narrado em Gêneses, que é o primeiro livro da Bíblia (Gn, 25, 27-34). Na narrativa, Isaú somente consegue desfrutar de um prato de refeição após haver cedido o direito de primogenitura a Jacó, seu irmão gêmeo.

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vigilância dos aparelhos de Estado, a classe trabalhadora encontra-se coagida a trabalhar

para os capitalistas como forma de obter os meios de subsistência. Neste processo, a

satisfação de uma necessidade imediata foi realizada com a perda de uma condição

permanente. Os trabalhadores recebem apenas parte da totalidade de valores que

produziram e os capitalistas apropriam de outra parte de forma totalmente gratuita7.

Trata-se de uma troca altamente vantajosa para os capitalistas, pois, devolvem parte do

que receberam anteriormente (Cf. Marx, 1968:308. O Capital, liv. I, vol. I, cap. VIII).

As denominadas ajudas humanitárias são, na verdade, uma forma paliativa de garantir a

sobrevivência de um exército de reserva a quem o capital recorre sempre que necessitar.

“Toda a burguesia mantinha vigilância sobre os trabalhadores. Bastava que o

trabalhador recusasse o pior salário de cão que lhe oferecessem para que o comitê de

ajuda o eliminasse da lista de socorro. Era a época áurea dos senhores fabricantes: seus

cérebros, os comitês de ajuda vigiavam os trabalhadores colocados diante do dilema de

morrer de fome ou de trabalhar para os burgueses ao preço mais baixo possível” (Marx,

1980c:149. O Capital, liv. III, vol. IV, cap. VI).

Depois que a estrutura econômica encontra um tipo de Estado que a

corresponde, este mesmo Estado passa a contribuir para reproduzir as relações de

produção próprias desta estrutura específica. Há deste modo, uma sobredeterminação

exercida pelo político com relação ao nível econômico e nível ideológico. “A função

técnico-econômica e a função ideológica do Estado são, entretanto, sobredeterminadas

pela sua função propriamente política – a que diz respeito à luta política de classes -,

na medida em que constituem modalidades do papel global do Estado, fator de coesão

da unidade de uma formação: este papel global do Estado é um papel político”

(Poulantzas, 1977:48. Grifos do original).

As lutas sociais e políticas de classe são as que provocam modificações tanto

na instância econômica quanto na instância jurídico-ideológica, acabando por mudar as

próprias condições políticas das lutas empreendidas. Em decorrência da estrutura

econômica que lhe é própria juntamente com a estrutura jurídica são definidos os

ganhos de cada classe social envolvida no processo, que compõe os salários para os

trabalhadores e a mais valia para os capitalistas. Dois tipos de luta surgem neste

7 “O trabalhador adianta trabalho ao capitalista gratuitamente durante uma semana etc., para receber seu preço de mercado no final de semana” (Marx, 1980a:594. O Capital, liv. I, vol.II, cap. XIV).

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contexto, quanto aos objetivos a serem alcançados. O primeiro tipo de luta compreende

o conjunto de lutas na busca de garantir a própria reprodução dentro das condições

sociais dadas. O outro tipo de luta são aquelas que são realizadas na busca de superação

do status quo.

Há um conjunto de lutas que os trabalhadores empreendem na busca de ampliar

os próprios salários. Estas lutas são efetivadas em torno de objetivos como o aumento

do valor nominal salarial. Quando estas lutas ficam restritas ao nível econômico-

produtivo, elas podem ser mais facilmente assimiladas pelo capitalismo na medida em

que os trabalhadores podem até conseguir maior fatia do produto do trabalho coletivo,

mas continuam produzindo a mais-valia apropriada pelos capitalistas. Assim, a

produção e a reprodução características desta formação social têm continuidade. Estas

lutas são efetivadas nos limites da sociedade atual.

Outro conjunto de lutas empreendidas pelos trabalhadores tem o objetivo de ir

além da luta econômica. Para melhor compreender as determinações da vida na

formação social capitalista e a efetivação da lutas decorrentes da condição de classe

proletária, os trabalhadores projetam a utopia de uma sociedade em que, além da

produção ser uma atividade coletiva, também os produtos desta mesma produção

precisam ser coletivamente apropriados. Desponta, para os trabalhadores, a aspiração

por algo ainda não-existente, que brota da necessidade de constituição de um novo

estado de coisas com novas relações sociais, sem exploradores e sem explorados e sem

dominadores e sem dominados (Cf. Löwy, 1987:12).

Esta utopia denominada de comunismo poderá se efetivar a partir do

estabelecimento de novas determinantes e novas relações sociais. “Quaisquer que sejam

as formas sociais de produção, os trabalhadores e os meios de produção são sempre os

seus fatores. Entretanto, quando separamos uns dos outros, só o são potencialmente.

Para haver produção é mister que se combinem. O modo em que se efetua essa

combinação distingue as diversas épocas econômicas da estrutura social” (Marx,

1980b:39. O Capital, liv. II, vol. III, cap. I). Enquanto houver combinação de

proprietários de meios de produção e trabalhadores assalariados predominando numa

formação social haverá sociedade capitalista. Como isto pode mudar?

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São as lutas pela transformação destas condições postas pelo capitalismo que

farão surgir uma sociedade correspondente às aspirações da classe trabalhadora. Ao

contrapor a esta estrutura econômica, os trabalhadores empreendem uma luta ideológica

na medida em que desvendam os fundamentos jurídicos da instância onde são chamados

a declinar de suas posições. Só podem resistir tenazmente com a solidificação da

unidade entre os componentes da própria classe. Quando rompem os laços da

fragmentação e conseguem consolidar relações sociais solidárias, os trabalhadores se

constituem enquanto classe social com objetivos próprios e reúnem suas próprias forças

para romper a dominação política que caracteriza a sociedade de exploração de classe.

Nos momentos em que as lutas tornam-se agudas as contradições sociais tendem a se

reduzir a duas. Os múltiplos focos de lutas aglutinam-se em torno de dois atores sociais.

São as duas classes fundamentais da sociedade que se enfrentam, tendo projetos

específicos, fazendo com que as lutas adquiram aspectos mais violentos (Cf. Bernardo,

1977c:150). A construção de novas relações sociais se torna um dos grandes desafios da

luta por uma nova sociedade com características adversas ao capitalismo e propícia aos

trabalhadores. Questionar o poder exercido nesta sociedade é uma demonstração de ao

menos estar construindo uma alternativa ao mesmo. Deste modo, os proletários se

constituem enquanto uma classe social específica, pois, conhecendo o seu lugar no

conjunto da divisão social do trabalho e os limites normativos e coercitivos impostos

pela classe que se apropria do trabalho excedente produzem a utopia de uma sociedade

nova, passando a planejar as práticas sociais que apontam para a efetivação desta

sociedade sem exploradores nem explorados. Em outros termos, ao perceberem os

efeitos de estrutura a que estão submetidos, são desafiados a construir um novo projeto

social radicalmente oposto à sociedade burguesa e baseado em condições de vida

coletivas (Cf. Poulantzas, 1978:14).

1.3 - O poder político burguês

A superação do feudalismo pelo capitalismo transcorreu com a quebra do

liame que aprisionava as individualidades à terra e a submissão pessoal à uma

autoridade econômica, cultural e política exercida diretamente por uma classe de

senhores que organizavam e aplicavam os mecanismos de coação sobre os produtores

diretos. A fragmentação desta sociedade anterior e a garantia da pluralidade social em

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que a burguesia prosperou e exigiu a constituição de um poder centralizado e absoluto

sobre um território mais amplo do que o feudo, como meio de superar barreiras e criar

condições necessárias à nova maneira de produzir e ainda, tornar-se hegemônica.

O poder político pode ser exercido por uma pessoa só, por um grupo

minoritário e, também, por uma maioria. Nos três casos estão presentes diversos

despotismos de classe que tem sua expressão no poder de Estado. Trata-se da garantia

dos rumos das políticas no sentido de realizar os objetivos da classe dominante.

Enquanto portadora do projeto que lhe é próprio, a classe no poder não vacila. O recurso

à ditadura é algo sempre às mãos da classe dominante8. Refere-se à ditadura como

sendo o exercício do poder de Estado por um tempo limitado com a finalidade

específica que, em geral, é de superar uma crise de hegemonia e evitar que a sociedade

se desvie dos rumos traçados. E para cumprir esta finalidade, a classe que reúne forças

sociais e políticas suficientes para tanto, acha-se na necessidade de exercer o poder para

realizar seus objetivos. É um poder que tem os objetivos justificados por quem o exerce

(Cf. Bobbio, 1979:45; Rosenfield, 1996:46).

O pensamento burguês concebe a ditadura como um governo em que os

ocupantes do poder percebem o risco de serem desalojados do aparelho do Estado. O

poder político de uma classe social percebe a (possível) perda de sustentação para as

políticas executadas pelo Estado e recorrem ao uso explícito das forças repressivas e da

imposição de um projeto político. O cerne da questão está numa crise de hegemonia no

exercício da dominação política. Mas estas características conferidas à ditadura não

diferem muito das que são dadas ao governo despótico. Apenas se referem ao

despotismo como sendo de caráter permanente e de uma temporalidade histórica. Dão à

ditadura uma limitação de tempo para ser exercida. Ela é como um intervalo num

governo democrático, o que confere ao exercício do poder uma conotação contraditória

e instável.

Os trabalhadores livres, enquanto excluídos da propriedade dos meios de

produção necessitam vender suas forças de trabalho por um salário o que representará

8 A ditadura é “condição permanente de uma sociedade política” onde o poder político é necessário. E, a ditadura permanente é o que a filosofia política denomina pejorativamente de despotismo (Bobbio, 1979:45).

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em valor monetário, o que cada um deles poderá obter em mercadorias para a própria

reprodução. Eles trabalham, não mais determinando o ritmo das atividades, mas

submetidos ao ritmo das máquinas que não se importam com os danos à saúde das

pessoas que as operam. Esta disciplina é o produto de um despotismo sem precedentes

na história. “O autômato mecânico de uma grande fábrica é mais tirano do que alguma

vez o foram os pequenos capitalistas” (Engels, 1983b:408. Cf. Borges Neto, 2002:60).

Assim como a burguesia submete o exercício das atividades profanas e das

atividades tidas como sagradas à forma salarial de trabalho, ela expande o mesmo

procedimento aos ocupantes de postos na burocracia estatal. “A burguesia compra a sua

gradual emancipação social com a renúncia imediata ao poder político. Naturalmente, o

móbil principal que torna aceitável à burguesia tal acordo é, não medo ante o governo,

mas medo ante o proletariado” (Engels, 1983c:184-185).

O Estado próprio ao domínio burguês cumpre a função tanto de organizar a

dominância classista quanto a de desorganizar o proletariado. Este Estado adquire uma

autonomia relativa diante da sociedade, mas surge e só pode ser sustentado no interior

da formação social burguesa que ao proclamar a igualdade de todos perante o poder

político faculta a qualquer indivíduo a participação no processo seletivo de

preenchimento de cargos na burocracia de Estado. É o fato de dispor de um mecanismo

econômico assegurando o poder de conduzir os negócios na sociedade conforme seus

objetivos fundamentais é que faculta à burguesia a possibilidade do não exercício direto

do poder político. As forças sociais encontram a possibilidade de expressão no aparelho

de Estado de onde é constituída uma hegemonia na condução do seu poder, que, por sua

vez, organiza a condução dos negócios conforme o projeto de dominação de classe, que,

em sua essência, é “o despotismo ilimitado de uma classe sobre as outras” (Marx,

1978:26). Tendo garantido o poder social e econômico, a burguesia coloca o poder

político dentro de uma margem de risco em que ele se move mantendo a dominação de

classe. A burguesia “a fim de salvar sua bolsa, deve abrir mão da coroa, e que a espada

que a deve salvar é fatalmente também uma espada de Dâmocles suspensa sobre sua

cabeça” (Marx, 1978:63).

Este conjunto de profissionais civis e militares adquire um status privilegiado

diante da sociedade - principalmente diante dos trabalhadores - e tudo faz para dar conta

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da continuidade à dominação social que é a garantia da perpetuação deste corpo

destacado do conjunto da sociedade. “O papel dos funcionários, em geral, não é

puramente administrativo: é essencialmente intelectual” (Balibar, 1995:65). Assim, o

Estado “enfeixa, controla, regula, superintende e mantém sob tutela a sociedade” (Marx

1978:58). Este corpo de profissionais destacado da sociedade delimita as ações que

permitem a convivência entre os que o compõe e garante a própria reprodução enquanto

órgão regulador dos conflitos sociais. “É óbvio que a política não é questão de ética.

Todavia, existe certo limite mínimo de pudor e de decência que não pode ser

impunemente transgredido mesmo em política” (Weber, citado por Tragtenberg,

1974:121, nota 39).

Ao estabelecer os limites da conduta dos seus membros, a burocracia procura

manter a coesão interna por procedimentos padronizados e revestir suas próprias

decisões com uma proteção aos questionamentos sociais, fazendo ecoar uma voz de

aparência uníssona e colocando sob um manto do interesse geral, o que, na verdade, é o

interesse da burguesia. A camuflagem do interesse geral é, na verdade, uma condição do

exercício do domínio político numa sociedade de classes em consonância com

propósitos burgueses. Esta aparência de instituição acima das classes da sociedade

permite a esta classe dominante tentar evitar ou adiar ao máximo a conversão de

qualquer “luta contra o poder do Estado em uma luta contra o capital” (Marx, 1978:62).

A discussão sobre as questões públicas passa a ter a participação da sociedade

através de representantes no parlamento para definir as políticas de Estado. Assim “a

magistratura mais popular é um senado” (Aristóteles, 1966:217. A Política, liv. VII, cap.

I, § 9). Deste modo, o parlamento é concebido como uma forma de exercício do poder

pelo povo. É um meio de conferir legitimidade a um aparelho de Estado, fazendo com

que haja uma discussão, controle e proposição de rumos por meio de representantes da

população. Mas, as ações parlamentares não podem ultrapassar os limites da sociedade

burguesa. “A cisão da sociedade em duas classes-limite, burguesia e proletariado, pode

opor a burguesia à democracia, com o fim de manter o domínio da burocracia” (Weber,

citado por Tragtenberg, 1974:121, nota 40). Mas, a tensão entre burocracia e parlamento

é mantida como meio de obter legitimidade social para o domínio de classe.

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Mesmo os teóricos defensores da democracia burguesa olham-na com reservas

em questões de conflitos e momentos em que exigem (para os seus propósitos) decisões

rápidas. Nela, “o equilíbrio é sempre precário” (Gibert, 1999:14, 28-41, 73-104). As

instituições democráticas são “identificadas com (...) ausência de pulso em situações de

crise” ela não deve ser “um remédio para todos os males” (Rosenfield, 2001:A2). Ao

apontar os limites da forma democrática em momentos de tensão mais grave entre

forças sociais (que podem se organizar conforme interesses de classes) abrem-se os

caminhos da justificação de uma possível ditadura. Quando o exercício do poder passa

por turbulências em que o projeto de dominação de classes tende a ruir-se, a forma

ditatorial é utilizada como recurso para assegurar a continuidade da hegemonia

burguesa. Isto é o recurso ao uso explícito das forças repressivas e da imposição de um

projeto político que não encontra a adesão consensual entre as forças sociais e políticas.

As características conferidas à ditadura não diferem muito das que são dadas ao governo

despótico9. As referências ao despotismo apenas o caracterizam como sendo

permanente e de uma temporalidade histórica do passado. A ditadura é caracterizada

como uma iniciativa de caráter provisório.

As forças sociais não encontram meios institucionais de expressão com a

mesma intensidade social quando passam ao terreno da política definida pelas esferas do

aparelho de Estado burguês. A organização “dos proletários em classe e, portanto, em

partido político, é rompida de novo a cada momento pela concorrência entre os próprios

operários. Mas renasce sempre, mais forte, mais sólida, mais poderosa” (Marx &

Engels, 1982:115). A ruptura da ordem burguesa é feita, não em linha reta, mas com

uma rigorosa crítica que relaciona a própria teoria com os limites e consistências das

práticas da classe dominada. Há, portanto uma tensão entre a burocracia e a forma

democrática de Estado. Este assunto será tratado na segunda sessão deste trabalho. Após

delinear a formação social e o modo burguês de produção com o seu poder específico de

Estado, cabe observar no capítulo a seguir a ocorrência do exercício deste poder em

Camaragibe.

9 Apesar de entender a ditadura como de caráter limitado no tempo e como um intervalo num governo democrático ela tem a mesma fonte e essência do despotismo, pois “em todo governo existe certo poder mais forte que o resto, o qual tende perpetuamente a tornar-se único” (Stuart Mill, 1964:99).

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CAPITULO II O CONTEXTO HISTÓRICO DO PODER EM CAMARAGIBE. 2.1 - Os municípios brasileiros

Os primeiros municípios10 brasileiros têm suas formalidades legalmente

definidas por meio de documentos expedidos pela realeza ou por quem decida em nome

dela - o que se denomina de forais ou de cartas forais, conforme a legislação

portuguesa (um procedimento que foi modificado no período imperial, quando a

autonomia municipal passou a ser definida por meio de uma lei que tratasse do

problema). Apesar da importância histórica e política de que são possuidores, os forais

são documentos muito vagos quanto às delimitações territoriais e pouco precisos no que

se referem às responsabilidades e ações dos que se tornam portadores destes diplomas.

Os estudiosos destas documentações identificam quatro tipos de forais. O

primeiro tipo são cartas forais que tratam das relações entre um conselho administrativo

local (atualmente câmara de vereadores) e a população de determinado território. As

cartas forais são, na verdade, uma espécie de contrato social. Elas tratam da organização

social e política da localidade. Nelas estão tentativas de definir ou descrever a forma de

vida desejável e as atividades econômicas, sociais, religiosas e políticas nos limites de

um território com um povoado (freguesia, vila e, cidade) que se torna a referência de

passagem e de fixação para negociantes, aventureiros, extrativistas e outros, e que se

denominou posteriormente de cidade (sede de um município)11. O segundo tipo de

forais são os documentos de definições legais civis com determinações de penas e de

competências administrativas dos conselhos existentes ou criados a partir dos referidos

documentos. Nestes documentos estão expressas as leis civis locais ou mesmo

reformulações de leis preexistentes. O terceiro tipo de forais engloba os documentos que

tratam das delimitações ou ampliações do direito de foro. Estes documentos tratam do

10 O termo município é originário dos vocábulos latinos múnus capere, que se referem ao ato de assumir o ofício, assumir o cargo, ou ainda, assumir o governo. Posteriormente, o termo passou a fazer referência a um território sobre o qual as decisões decorrentes do governo deveriam ser acatadas pelas pessoas ali residentes ou que mantinham negócios (Cf. Aragão, 1977:81). 11 A Carta Foral tida como documento de criação da Vila de Olinda como sede da Capitania de Pernambuco tem a data de 12 de março de 1537. Esta Carta tem a assinatura do governador geral Duarte Coelho.

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direito ao recebimento de foro ou de pensão por um senhor ou por parte da Coroa em

razão do uso de uma propriedade que, em geral, referia-se ao uso de um território. Estes

documentos eram, na verdade, a concessão de enfiteuses12 para dirimir conflitos e

demarcar propriedades com as respectivas obrigações e direitos. O quarto e último tipo

de cartas forais comportam documentos que procuram definir todas as questões tratadas

pelos tipos anteriores de forais. Estes são redigidos em momentos de crises agudas em

que a tensão social ameaçava os limites do controle político. Nestas crises surgiam, ou

não, os fracionamentos de territórios e novos municípios com a acomodação de

interesses locais e reforço da legitimação às vezes instável do pode absoluto

centralizado (Bandecchi, 1983:15-25).

Estes fracionamentos de território aconteciam sob a responsabilidade dos

governadores gerais, que obtinham seus cargos diretamente do governo português. Eles

podiam conferir a categoria de vilas aos povoados que fossem convenientes ao poder

central e à administração dos negócios, especialmente aqueles realizados com o Reino13.

Havia um controle central absoluto sobre os poderes locais constituídos, embora com

uma margem de manobra variável em conformidade com as situações específicas. Deste

modo, os senados ou câmara municipais somente podiam atuar nos estritos limites das

ordenações, isto é, “como sua majestade manda” e no controle dos governadores gerais

(Bandecchi, 1983:27-29). Há casos em que as câmaras municipais comunicavam ao Rei

reclamações por escrito, de certos procedimentos do governador geral que entendiam

serem prejudiciais aos interesses locais14. Não se pode concluir daí que as vilas, isto é,

os municípios brasileiros, diferentemente dos portugueses, eram sociedades entregues a

si mesmas, com liberdade de organização e de desenvolvimento e entregues às pressões

diretas dos fatores econômicos, sociais e religiosos presentes na localidade. Na verdade,

havia um controle do governo absoluto centralizado e português no sentido de manter a

colônia sob sua regência econômica, social e política. É isso o que se procura garantir

com a definição jurídica das cartas forais (Cf. Bandecchi, 1983:28).

12 “Enfiteuse é o direito real de posse, uso herança e gozo do imóvel alheio, alienável e transmissível por herança, conferido, perpetuamente, ao enfiteuta, obrigando a pagar uma pensão anual (foro) ao senhorio direto” (Bandecchi, 1983:21). 13 Para controlar melhor os intercâmbios de produtos com a metrópole o governo português garantia a constituição de Companhias Comerciais como “empresas unidas ao Estado e dirigidas pelos próprios vassalos do Rei”, mais intensamente a partir de 1750 (Santos, 1980:18-19, 41, 123 e 156). 14 “Num simples caso de etiqueta surgido entre o governador e a Câmara de Olinda, teve a Coroa que decidir, concluindo que ambos representavam igualmente a pessoa do Rei” (Bandecchi, 1983:28 e 37).

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O alcance jurídico-político do poder exercido nas vilas exige a consideração de

outros elementos constitutivos da realidade local. Há uma conjugação de pelo menos

dois elementos determinantes que são: a extensão territorial e o exercício de atividades

produtivas.

A grande extensão de terras que compõe o território colonial do Brasil com o

distanciamento geográfico da colônia brasileira em relação à metrópole portuguesa

exige que sejam definidas e tomadas de decisões para enfrentar os problemas daí

decorrentes, como, por exemplo, a comunicação com Portugal e também com as

localidades entre as províncias.

A distância entre a sede local de poder em relação ao Reino instalado em Lisboa

causava certa dificuldade para o controle mais efetivo sobre o exercício do poder local,

que sempre se via diante de problemas da administração local sem respostas imediatas.

A comunicação entre o Rio de Janeiro e Cuiabá era longa e complicada. Navegava-se

pelo mar até o porto de Santos (SP). Transpunha-se a Serra do Mar por meio de estradas

até o Porto Feliz, situado na vila de Araritaguaba, de onde, em navegação fluvial pelos

leitos do Tietê, Paraná e Prado, era possível chegar ao destino. “De Porto Feliz a Cuiabá

não se consumiam menos de 5 meses de jornada, que era exatamente o tempo

empregado nas navegações de Lisboa à Índia” (Santos, 1980:71).

As relações entre as câmaras municipais e os governadores apresentavam certa

tensão variável de acordo com as questões locais diante de decisões dos governadores.

As atribuições das câmaras continham abrangências variadas num momento em que

nem havia uma federação consolidada. As competências de cada uma das frações

territoriais do reino português, especialmente do território do Brasil (capitanias, vilas), e

também, durante o império brasileiro, (províncias e municípios) não estavam bem

definidas. Ao município eram atribuídas competências de legislar sobre a moeda local,

sobre o comércio, sobre as atividades agrícolas e comerciais, matérias tributárias e sobre

as habitações15. Muitas destas competências foram sendo transferidas para outras

esferas do exercício do poder no território brasileiro no decorrer do tempo. A grande

15 Os poderes locais “regulavam o curso e valor da moeda da terra, proviam sobre a agricultura, navegação e comércio, impunham e recusavam tributos, deliberavam sobre a criação de arraiais e povoações” (Bandecchi, 1983:39). A necessidade da produção e da troca torna necessária uma padronização com validade territorial mais ampla, nacional (Cf. Brunhoff, 1985:52).

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extensão territorial acabava por provocar grandes intervalos de tempo no contato entre

as sedes municipais coloniais.

A comunicação da orla marítima com o interior iniciou-se através do uso dos

leitos fluviais. Por esta razão é que grande parte dos empreendedores preferiam as

localidades próximas das margens de rios navegáveis, diante da facilidade

proporcionada para a compra e venda de mercadorias. Foi seguindo o curso das águas

do rio Capibaribe em direção à sua nascente que os portugueses encontraram os locais

onde foram instalados os engenhos de Camaragibe, e o entreposto comercial de São

Lourenço da Mata (Cf. Andrade, 1989:9-10).

Algumas soluções não ameaçadoras da ordem absolutista, colocadas em práticas

a partir das Câmaras (conselhos ou senados) locais, eram toleradas - apesar de haverem

sido tomadas à revelia da ciência e do ordenamento do poder central. Não se pode

entender que havia no Brasil, uma sociedade entregue a si mesma e autônoma16. Havia

sim uma tensão de grau variável nas relações entre o governo da Coroa e a colônia do

Brasil, na proporção em que os problemas comuns da vida colonial exigiam soluções

cuja expressão política intensificava as diferenças de interesses entre as duas partes

fazendo com que houvesse sempre concessões do governo de Lisboa em favor dos

brasileiros como forma de ceder anéis para preservar os dedos. Neste contexto insere-se,

por exemplo, a assinatura do decreto de 07 de março de 1821 que concede a deputados

eleitos no Brasil a participarem das Cortes de Lisboa na proporção de um deputado para

cada 30.000 (trinta mil habitantes) (Cf. Bandecchi, 1983:50; e Porto, 1989:17). Mas, as

representações da colônia no parlamento metropolitano não atendiam a todas as

aspirações da parte representada em seu conjunto, pois, as decisões eram sempre

favoráveis à Coroa e, quando possível, surgiam as concessões aos territórios

dominados17. Os fracionamentos no interior da classe dominante com o fortalecimento

de posições em torno de interesses localizados e os conflitos envolvendo outras classes

16 Assim deve ser entendida a elevação do Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves, ocorrida em 16 de dezembro de 1815 (Cf. Bandecchi, 1983:46). 17 Na relação entre os Estados Unidos da América do Norte e a Inglaterra ocorreu algo semelhante, conforme Thomas Jefferson na declaração de independência: “Com a restauração de Sua Majestade o rei Carlos II, seus direitos de livre comércio (Virgínia) foram mais uma vez vítimas do poder arbitrário; e por vários atos de seu reino, bem como do de seus sucessores, o comércio das colônias foi colocado sob restrições tais que demonstram que poucas esperanças poderiam ter na justiça de um Parlamento britânico” (Jefferson, 1964:18).

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sociais podem levar às rupturas políticas e constituições de novas nações, como acabou

por acontecer entre Portugal e Brasil.

Outro elemento relevante é o conjunto de atividades produtivas relacionadas ao

tipo de expropriação do excedente, que eram exercidas nas localidades associadas às

necessidades de garantias de realização das transações comerciais. As principais

atividades produtivas iniciais no Brasil colonial foram as da extração do pau-brasil e o

cultivo da cana de açúcar, com a finalidade primordial de atender o mercado europeu18.

Em períodos críticos, o transporte de mercadorias entre a colônia e a metrópole era feito

diretamente ou protegido por naus de guerra (Cf. Santos, 1980:192). O proprietário de

terras coloniais assumia ainda a segurança para realizar seus negócios e proteger suas

mercadorias dos possíveis piratas e dos ataques dos índios às propriedades e aos

entrepostos comerciais19. Para realizar estas atividades, constituía-se um grupo de

pessoas armadas que agiam em volta de seus senhores e dos respectivos negócios. “Não

é só pela riqueza e pela força do seu élan de capangas que o senhor de terras é o patrono

ideal do baixo povo. Toda a legislação colonial tende a fazê-lo centro histórico de

gravitação do povo rural” (Maranhão, 1981:18).

Para realizar o trabalho produtivo direto, os portugueses implantaram nas terras

recém-descobertas o trabalho escravo, composto por pessoas da raça negra e trazidos do

continente africano. Foi uma escravização diferenciada na medida em que ela possuía

características muito específicas quando comparada com a que foi praticada na

antigüidade.

Deste modo, instaura-se no Brasil uma ordem social escravista fundamentada,

dentre outros aspectos, num aparato jurídico com especificidades relacionadas com a

escravidão. “Só a forma violentamente aberta e juridicamente garantida de apropriação

da força de trabalho alheia, que é a escravidão, poderia prover o contingente requerido

pelo setor açucareiro (...). O escravo africano revela-se o agente de trabalho adequado à

18 A Capitania de Pernambuco dispunha de 60 engenhos de açúcar ano de 1587 (Cf. Gândavo, 1995:5). 19 Esta forma de proteger os interesses da classe dominante revelou-se ineficaz quando ocorreu a invasão holandesa. A expulsão das milícias de Maurício de Nassau, ocorrida em 1654, exigiu a constituição de uma força militar destacada dos negócios privados e que tivesse a responsabilidade por um território e que atendesse aos interesses comuns das diversas frações da classe dominante. Depois, D. João IV resolveu anexar as capitanias de Itamaracá e de Pernambuco novamente ao reino português sob a responsabilidade de um governador nomeado pelo Rei (Cf. Porto, 1978:47).

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produção vinculada ao comércio do açúcar: podia ser acrescentado (ou retirado)

conforme as tendências de expansão” (Franco, 1976:28).

A escravização do negro no Brasil possuía em comum com o tratamento

dispensado aos antigos escravos dois pontos essenciais. O primeiro era a legitimidade

da forma de emprego da força de trabalho. O outro era a distinção entre pessoas

possuidoras de vontade própria e de pessoas desprovidas da capacidade de decidir sobre

a própria vida. O primeiro ponto sustentava a garantia da legitimidade desta forma de

extorquia de trabalho excedente. A lei garantia o poder de individualidades pertencentes

a uma classe social se tornar proprietária de outras individualidades. Assim, o direito

constitui indivíduos portadores de vontade, sendo desde modo sujeitos jurídicos,

enquanto que, a outros, reserva a condição de coisas que são apossadas como

mercadorias. “A ideologia escravista dominante declarava que o direito de propriedade

sobre o homem – o escravo – era tão ‘natural’ quanto o direito de propriedade sobre os

instrumentos de produção” (Saes, 1985:324). O segundo ponto sustentava a condição

juridicamente desigual entre as pessoas diante do Estado. Desprovidos de vontade

própria, os escravos eram juridicamente incapazes de exercerem atividades pertinentes

aos cargos públicos. Diferentemente do direito antigo, a escravidão brasileira não

prescrevia formas legais de renovação do contingente de escravos como: a guerra de

conquista, forma de pagamento de uma dívida, ou ainda, como meio de devolução de

valor ou coisa roubada. Portanto, não havia forma de escravizar novas populações.

Aqui, o direito escravista era limitado quanto à garantia da escravização (Cf. Saes,

1985:57-179; e Idem, 1999:104-119).

A partir da combinação destes fatores, uma pequena nobreza exercia o poder

sob pressões sociais locais pela sua própria composição e pelos conteúdos (definições,

concessões, proibições...) das atividades decorrentes deste mesmo poder. A condição do

Brasil, enquanto dispunha de grandes extensões de terra e do surgimento de novos

povoamentos, fazia com que houvesse uma considerável elasticidade na composição da

classe nobre. A essa classe pertenciam “os homens bons”. Fazer parte dessa classe era a

garantia de poder desfrutar de privilégios, como o da ociosidade que se sustenta sobre o

trabalho alheio. Esta categoria de pessoas comportava “os nobres de linhagem e seus

descendentes; os senhores de engenho, a alta burguesia civil e militar e seus

descendentes. A esse grupo, se juntavam os “homens novos”, burgueses que o comércio

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enriquecera (...). Desta classe só eram excluídos os servos e os indivíduos assoldadados,

que serviam em casa alheia” (Porto, 1985:10).

A ocupação de cargos eletivos possuía critérios um pouco mais rigorosos

durante o período colonial e imperial. Além dos escravos e dos militares de baixa

patente, as mulheres também estavam impedidas de exercer o voto.

Assim foram as providencias quanto aos cargos nas Câmaras Municipais: a

ocupação de cargos nas câmaras municipais acontecia como sendo uma reprodução do

governo absolutista da Coroa portuguesa e que permaneceu com a mesma orientação,

depois da independência, a partir das determinações do império brasileiro. A

colonização do Brasil proporcionou, com o decorrer do tempo, o surgimento de nobres

“brasileiros de nascimento” por descendência de portugueses, ou através da aquisição de

títulos nobiliários. Este contingente social, na verdade, uma fração da classe nobre,

procurou garantir para si mesma, a ocupação dos cargos públicos diante das ameaças e

interesses mercantis e do pensamento liberal. Por isso, surgiram as especificações de

tipos de profissionais que poderiam ocupar posições nas câmaras (senados, ou

conselhos) municipais. Enquanto o mundo inteiro passava por uma transição política em

direção a uma sociedade em que a burguesia em ascensão procurava obter o controle do

poder político e determinar o conteúdo das políticas de Estado, os portugueses

procuravam manter no Brasil, um modelo de gerenciamento dos negócios coletivos

ainda baseados nos valores e interesses da nobreza. O choque era inevitável. Eram

propostas políticas com grandes margens de incompatibilidades. Tudo era uma questão

de tempo e de lugar (Cf. Porto, 1989:45).

A composição das câmaras municipais ficou legalmente restrita aos de

descendência nobre. Quem se ocupava de atividades comerciais era impedido de ocupar

cargo no poder público em razão de a nobreza classificar estas atividades como sendo

próprias de pessoas ávidas por uma ascensão social impossível e, ainda, uma ocupação

inerente à natureza plebéia. Os municípios constituíam-se como espaços de conflitos

entre classes e de tentativas de ruptura dos laços coloniais quando aprofundam as

divergências na condução de políticas díspares. Exemplo desse fenômeno foi Olinda,

quando, em dado momento, o acirramento do conflito entre a aristocracia nativa e a

burguesia metropolitana resultou na divisão do território. Era um momento em que os

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burgueses passaram a expressar interesses opostos aos da classe nobre por excelência. A

burguesia, impedida de obter representação no legislativo local, passou a organizar suas

intervenções políticas a partir do local em que já exercia as atividades de expressão

social e mercantil. Estabeleceram-se relações contraditórias entre o poder local e o

metropolitano além mar. Burgueses metropolitanos lutando contra a aristocracia local,

mas fiéis à aristocracia metropolitana. Ao passo que aristocratas locais na tentativa de

manter seus espaços e abrangência do poder tentam proclamar uma ordenação

republicana para o governo colonial20. Com o decorrer do processo da luta que ficou

conhecida como Guerra dos Mascates (1709-1711), esta burguesia consolidou o

controle dos arrecifes e do porto, e empreendeu com sucesso, a luta pela autonomia do

território que passou a se chamar de cidade do Recife21, embora isto não resultasse um

questionamento profundo e imediato do poder central aristocrata na época. (Cf.

Bandecchi, 1983:25-42).

Havia uma forte razão para que o direito de voto fosse restritivo. O

impedimento para que indivíduos de certas frações e classes sociais não pudessem

praticar o exercício do voto e de ser votado representa uma torção na representação

política da sociedade. A Constituição imperial de 1824 manteve e consolidou o

princípio da restrição político-eleitoral. Os filhos que vivessem sob o mesmo teto que o

dos próprios pais não podiam tomar parte nas eleições, salvo se estivessem em atividade

num emprego público. Ainda era exigida uma renda mínima para exercer o ato de votar

e ser votado. No final do período imperial brasileiro esta exigência teve o seu valor

dobrado (Cf. Bandecchi, 1983:43 e 69).

2.2 - O surgimento de Camaragibe

O nome Camaragibe faz refletir sobre os momentos iniciais da colonização

portuguesa do território. O termo camargibe resulta da junção dos vocábulos indígenas

camará e gybe, cujo significado em língua portuguesa é Rio Camará. O uso destes

20 Em 10 de novembro de 1710, o escravocrata de Olinda, Bernardo Vieira de Melo proferiu o primeiro “Grito de República” no Brasil, com o propósito de alcançar a independência da Capitania de Pernambuco com relação a Portugal, mantendo a sede do governo em sua cidade (Cf. Aragão, 1977:46). 21 O movimento é motivado pela Carta Régia de 19 de novembro de 1709 que concede a separação da Vila do Recife da tutela de Olinda. Apesar disso, Recife mantém a comemoração de sua data cívica como sendo o dia 12 de março constante da Carta Foral de 1537 (Cf. Aragão, 1977:43-48).

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termos desde os primórdios da colonização passou a registrar a expressão Rio

Camaragibe, o que é um pleonasmo. Outra referência lingüística que contribui para a

denominação para a localidade é a farta vegetação nativa de arbustos que os indígenas

conheciam por lamanta camará, e que, na linguagem popular atual é o chumbinho. Os

habitantes da região na época da chegada dos portugueses no local também eram

identificados como pertencentes à tribo dos índios Camarás (Cf. Mendonça, Sousa e

Santana, 2004:24-25).

O município de Camaragibe surgiu dos freqüentes fracionamentos de territórios

municipais anteriores ocorridos no Brasil. Este fenômeno é resultante dos confrontos

entre frações da classe dominante pelo controle político e da possibilidade de realizar

explorações econômicas com a conseqüente apropriação privada de valores a partir de

atividades produtivas, tendo em vista as competições no mercado que tem suas

fronteiras cada vez mais elásticas. No início da colonização, estas terras faziam parte da

Capitania de Pernambuco, que era a que realizava maior intercâmbio comercial com

Lisboa. O testemunho de Pero de Gândavo sustentava que “a esta Capitania vão cada

ano mais navios do Reino que nenhuma das outras” (Gândavo, 1995:5).

Mas, o governo geral do Brasil, nomeado pelo Rei de Portugal foi sediado em

Salvador, na Bahia, que somente perdeu a condição de capital da colônia para a cidade

do Rio de Janeiro, na Guanabara, a partir do ano de 1763 por iniciativa do marquês de

Pombal, em razão desta última estar mais próxima das minas gerais (Santos, 1980:19 e

55). As conseqüências da separação entre Olinda e Recife forem sendo efetivadas com o

decorrer do tempo. O território que comportava o antigo entreposto comercial mais

distante desde 1554, denominado de São Lourenço da Mata22, e o povoado

intermediário localizado às margens do rio Camaragibe foram sendo transferidos para o

município de Recife (Cf. Maranhão, 1981:19). O mapa nº1 apresenta a localização de

Camaragibe na região metropolitana de Recife.

22 O entreposto comercial foi estabelecido por Duarte Coelho, após derrotar os índios locais em 1554, em um ponto das margens do Rio Capibaribe. Em 1587, foi erguida uma Igreja em invocação a São Lourenço. O território é desmembrado de Olinda e passa a fazer parte de Recife a partir de 1854, e obtém a autonomia municipal no ano de 1890 (Cf. Maranhão, 1981:13-25, 59-61).

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Mapa nº1

Localização de Camaragibe na região metropolitana de Recife, PE.

Fonte: Prefeitura Municipal de Camaragibe, 2000:1.

O extrativismo colonial chegou ao local da atual cidade de Camaragibe com as

atividades de extração do pau-brasil. Com a devastação da mata nativa, a terra se tornou

suscetível às atividades agropecuárias. Dentre estas atividades, as do cultivo de algodão

e de cana-de-açúcar tornaram-se predominantes na Capitania de Pernambuco e

prosseguiu na mesma direção durante o período imperial. Este cultivo constituiu-se na

base econômica para que fosse instalado, em 1549, naquele local, o Engenho

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Camaragibe, cuja denominação se deve ao fato de o mesmo se localizar nas margens do

rio com este nome. Há uma tradição local que transmite o fato que os índios Camarás,

habitantes da região, haverem destruído este mesmo engenho por cinco vezes durante

lutas contra os portugueses. A produção açucareira persiste com o domínio holandês,

sendo de grande importância durante o período imperial, até que a partir do ano de 1871

realiza uma transformação tecnológica necessária para atingir o estágio internacional da

produção e para recuperar mercados (Cf. Oliveira, 2003:53-56; Maranhão, 1981:17, 24

e 47; e, Andrade, 1989:17).

As atividades em torno do engenho de açúcar prosseguiram em ascensões e

quedas até serem suplantadas em sua importância por uma unidade fabril da Companhia

Industrial Pernambucana instalada na localidade a partir de 1891. Esta empresa

proporcionou a formação de um núcleo habitacional de características urbanas

avançadas para a época, com serviços de abastecimento de água e esgoto sanitário

domiciliar destinado para fossas sépticas, em conformidade com engenheiro Carlos

Alberto de Menezes, autor e administrador do projeto. O proprietário do

empreendimento industrial em questão era Adolfo Pereira Carreiro, natural da

Argentina e filho do Cônsul português José Pereira Carreiro, que exercia a função na

cidade de Buenos Aires. Ele atuava como exportador de açúcar, aguardente, algodão e

importador de farinha de trigo estabelecido no município de Jaboatão dos Guararapes,

além de ser proprietário da Usina de Açúcar de Goiana, ambas em Pernambuco (Cf.

Menezes, 1986b:49). As suas atividades permitiram-lhe descobrir as vantagens

comparativas das atividades industriais da região relacionada com aquelas indústrias do

mesmo ramo que estavam sediadas no sul e sudeste do Brasil, quanto ao custo de

produção. “As tecelagens no Rio de Janeiro eram muito rentáveis, mesmo com a

concorrência estrangeira. O custo de algodão no nordeste era 15% menos do que no sul

do país e os salários, 30% menos” (Azevedo, 1986:16).

Não há informações disponíveis sobre as razões da escolha do local para a

instalação da unidade produtiva na localidade de Camaragibe. Tudo indica que, situar-se

na periferia de um grande centro urbano era mais vantajoso do que instalar uma planta

industrial dentro dos limites territoriais da capital Recife. É relevante incluir, entre os

elementos a serem considerados na composição das estratégias de empreendimentos

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industriais a facilidade de obter força de trabalho23 com a qualificação necessária à

produção de bens em condições de serem inseridos no mercado nacional e internacional.

2.3 - A ideologia de Carlos Alberto de Menezes

2.3.1 – O capitalismo e a questão operária

Os resultados das preocupações teóricas e práticas do engenheiro Carlos

Alberto de Menezes compõem as condições de reprodução da força de trabalho de um

proletariado em formação, tendo garantida sua subordinação ao capital que, enquanto

realiza uma acumulação primitiva, vai estabelecendo outras condições de sua

sustentação e de reprodução como modo capitalista de produzir riqueza. O Brasil havia

passado por algumas transformações sociais e políticas.

As pressões internacionais pelo fim da escravidão associada aos movimentos

sociais nacionais de mesma natureza e as ações dos republicanos tiveram conseqüências

significativas para a vida social e política da nação. A Lei Áurea de 13 de maio de 1888

põe fim ao trabalho escravo. Em 15 de novembro de 1889 é proclamada a República.

Nos anos de 1890 e 1891 é realizada uma Assembléia Nacional Constituinte, e

consolidam-se as bases jurídicas da República dos Estados Unidos do Brasil.

Estabelece-se, portanto, os fundamentos de uma nova configuração social e política para

todo o território brasileiro. Estes acontecimentos representam o desfecho de um

processo revolucionário antiescravista que havia se formado em prol da constituição de

um Estado burguês (Cf. Saes, 1985:182-192). O contexto nacional possibilita

aprofundar as tentativas de consolidação de dominância das relações de produção

propriamente capitalistas. Há uma nova forma de dominação econômica e política, e a

sociedade brasileira está se transformando em conformidade com um novo padrão de

produzir riquezas que vai se tornando cada vez mais abrangente e atingindo as

localidades mais distantes dos centros urbanos de onde partem essas decisões políticas,

como a capital federal, na época, a cidade do Rio de Janeiro.

23 A situação referente à força de trabalho era mais abrangente. O mesmo problema era observado pela fábrica de tecidos da cidade de Paulista, em Pernambuco. “Nos seus anos iniciais, a fábrica carente de profissionais especializados para certos postos de trabalho, recorria ao mercado de trabalho qualificado do Recife, através de anúncios de jornais, como os que publicou em 1907” (Leite Lopes, 1988:40).

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É neste contexto que se inserem as preocupações de Carlos Alberto de

Menezes para garantir as condições de um empreendimento produtivo. Mesmo a

produção periférica do modo de produção capitalista necessita estar à altura do nível

tecnológico das áreas centrais sob pena de ser suplantada pelas relações competitivas

entre os agentes deste mesmo tipo de produção. Por isso, a planta industrial da nova

unidade produtiva somente é elaborada a partir de visitas a algumas unidades industriais

do mesmo ramo já em funcionamento na capital republicana, e também, em Val-de-Bois

(França), e Turim (Itália) (Cf. Azevedo, 1986:18-19).

A experiência da fábrica de Leon Harmel localizada em Val-de-Bois deixou

profundas marcas no engenheiro Menezes. A unidade fabril havia sido transformada

numa corporação cristã. Lá, os proprietários industriais e os operários moravam dentro

dos limites do estabelecimento industrial e freqüentavam os mesmos ofícios religiosos

numa capela ali mesmo construída, além de participar das mesmas festas sócio-

culturais. Esta foi uma oportunidade para que fosse formulado o convite para que os

padres da congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, que trabalhavam

na fábrica de Harmel, também implantassem atividades de mesma natureza e objetivos

em Recife, o que se efetivou a partir de 1892. Na cidade de Turim, convenceu os

superiores da congregação dos padres salesianos a abrir um colégio na cidade do Recife,

cujo funcionamento tornou-se realidade a partir do ano de 1895 (Cf. Azevedo, 1986:18-

19).

Este esforço de Carlos Alberto de Menezes tinha como fundamento uma

grande preocupação geral na época diante da questão operária, para a qual ele propõe

uma solução inovadora. Duas conotações diferentes envolvem a questão operária,

especialmente no Brasil. As duas têm em comum a atividade fabril pelo fato de as

mesmas estarem relacionadas com o trabalho assalariado e os conseqüentes problemas

para o exercício da dominação de classe e da exploração do trabalho que ela

proporciona. A primeira conotação tem a ver com o tipo de dominação política exercida

no Brasil. Em alvará de 5 de janeiro de 1785, o governo português determina que seja

promovida a agricultura, e proíbe terminantemente que se instalasse qualquer indústria

fabril no território colonial como medida para “evitar toda a possibilidade e mesmo a

idéia de separação” entre Brasil e Portugal. A problemática da questão, com estes

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argumentos, é de caráter preventivo quanto à possibilidade do surgimento de um

proletariado com o seu modo próprio de agir social e político (Santos, 1980:48). Esta

tem a preocupação de garantir a continuidade da condição de colônia portuguesa para as

terras brasileiras.

A segunda conotação da questão operária é a que contém os argumentos de que

o estímulo à agricultura e o impedimento do avanço industrial promovia a constituição

de um proletariado combativo que suplantaria os limites das reivindicações puramente

econômicas motivado por transformar a sociedade em busca do socialismo

(comunismo). Esta nova conotação independe da condição de país colônia ou

independente. Mas, ambas as conotações são de caráter conservador de uma dada ordem

social. De qualquer modo, o cerne da questão é a proposição de se promover a

agricultura e evitar as atividades industriais em razão do potencial revolucionário

característico do proletariado, a exemplo do que ocorria na Europa24. Basta lembrar os

acontecimentos em torno da Comuna de Paris para avaliar as preocupações dos

capitalistas diante do potencial transformador da realidade social e política presente nos

ambientes freqüentados e cultivados pelos proletários (Cf. Marx, 1983:221). Muitas

condições sustentadoras de uma nova sociedade já se faziam expressar nas

reivindicações dos trabalhadores (Cf. Marx & Engels, 1982:115). Qual é a solução

proposta por Carlos Alberto de Menezes?

2.3.2 - A solução meneziana da questão operária

A solução da questão operária no Brasil proposta por Carlos Menezes revela a

sua posição de classe dentro da organização social e política brasileira num período de

transição. Com isso, ele está em sintonia com o seu tempo. Ele entende a questão como

resultante de duas causas. Estas causas são os erros das classes sociais fundamentais na

produção capitalista. A primeira causa é composta pelos erros dos patrões e industriais,

enquanto que a segunda causa constitui-se do conjunto de erros dos operários.

Ele define os erros dos patrões e dos industriais como sendo “o esquecimento

dos sãos e puros princípios de justiça e caridade, que devem inspirar aqueles que têm 24 O alemão List afirmava: “Há males bem maiores que a existência de uma classe de PROLETÁRIOS: os cofres-vazios” (citado por Marx, s/db:11).

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missão de dirigir homens, seus irmãos na conquista de um trabalho coletivo qualquer; o

princípio de exploração injusta e iníqua do trabalho do homem, como se tratasse de uma

simples máquina; a ganância, que levou os industriais a procurarem para si grandes

lucros; o mais revoltante desprezo pela dignidade moral do homem, impedindo-lhe

todos os meios de desenvolvimento, como sejam: a manutenção do espírito de família, a

educação dos filhos, a liberdade de cuidar de suas almas, pelo repouso e santificação do

domingo, pelo tempo razoável concedido ao operário para a sua vida moral, na família e

na sociedade” (Menezes,1986b:33).

Estes erros causadores da questão operária são constituídos de três elementos

determinantes conforme a visão de Carlos Menezes. Ele parte de uma concepção

antropológica fundamental, para depois, condenar um modo (inadequado) de agir, e o

conseqüente efeito para as relações sociais.

O primeiro elemento é a concepção antropológica. A concepção de ser humano

que fundamenta a argumentação é a de que há uma divisão natural entre pessoas que

são destinadas a dirigir e outras, cuja constituição pessoal é a de serem dirigidas.

Evidentemente que ele reserva aos capitalistas a missão de dirigir outros seres humanos.

Ele sustenta que a natureza distingue os seres humanos entre dirigentes e dirigidos.

Trata-se de uma concepção cujas raízes filosóficas foram estabelecidas pela filosofia

grega, em um outro contexto, quando sustentava que “a autoridade e a obediência não

constituem coisas necessárias apenas, mas são coisas úteis. Alguns seres, quando

nascem, estão destinados a obedecer; outros a mandar” (Aristóteles, 1966:15. A política,

liv. I, cap. II, § 8). A maneira dos capitalistas fazerem desabrochar o próprio modo de

ser está sendo danosa à vida social. Os patrões estão descumprindo uma obrigação de

proporcionar aos operários as condições para desfrutar de uma dignidade moral e para

que eles desenvolvam o espírito de família com uma boa convivência social, que

possam educar os seus filhos e, ainda, da liberdade de cuidar de suas almas, tendo para

isso, o direito a um repouso diário e dominical.

O segundo elemento determinante destes erros, na visão meneziana, é que o

modo patronal de agir, apresenta falhas em cumprir esta missão, ocasionando uma

exploração degradante e inadmissível do ser humano. Deste modo, a exploração do

trabalho alheio se torna injusta e iníqua. Na sua visão, isto faz o ser humano ser

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reduzido à condição de máquina de quem se espera, única e exclusivamente, que

proporcione produtos a quem comanda a sua operação.

Daí transparece o terceiro elemento determinante dos erros patronais, que está

relacionado aos efeitos danosos decorrente dos dois elementos anteriores. O efeito

indesejável dos erros patronais é a apropriação de um volume exagerado de mais-valia.

Esta “ganância por grandes lucros” é o desfecho de um processo que provoca a reação

do proletariado. Os capitalistas deveriam contentar-se com menores volumes de

concentração de riquezas, o que nem sempre estão dispostos a aceitar. Em razão disto, o

capitalista é o grande responsável pelo surgimento da questão operária.

Os erros dos proletários que causam a chamada questão operária são expressos

por Carlos Alberto de Menezes como sendo “o esquecimento do princípio de

conformidade com a sua situação, sobre o qual repousa toda a economia divina; o

abandono do terreno calmo, de justa e santa reivindicação de seus direitos conculcados,

para se atirarem nos braços do socialismo (...), a negação do direito de propriedade, o

nivelamento social (...), as revoluções, as greves barulhentas para reclamar o justo e o

injusto” (Menezes, 1986b:33).

Estes erros que também causam a questão operária são, por sua vez,

constituídos de três elementos determinantes, partindo da concepção antropológica,

passa por um modo descabido de agir e chega aos efeitos desastrosos.

O primeiro e fundamental elemento é a concepção antropológica. No

desdobramento da concepção de ser humano concernente ao proletariado, há o desprezo

pelo “princípio de conformidade com a situação”, ou seja, a não aceitação da

condicionante de ente subordinado a uma autoridade legítima. Os problemas surgem

quando os operários se negam a restringir suas vidas ao exercício de atividades

funcionais. “Os operários, os homens do trabalho, os homens da ação, da ferramenta e

da blusa deviam ser os homens práticos por excelência” (Menezes, 1986d:73). Aos

operários está reservada a submissão aos ditames de uma classe dominante. Trata-se,

portanto de uma ordenação humana e social inquestionável, trata-se de uma

conformação à vontade divina. A falta de consideração deste elemento por parte dos

proletários provoca a elaboração de reivindicações descabidas. Assim, conforme a visão

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meneziana, o movimento operário tem se enveredado pela busca da igualdade entre as

pessoas, o que está em total desacordo com a própria natureza dos seres que o

compõem.

O segundo elemento causador dos erros proletários está relacionado com o

modo de agir contrário à natureza que eles passam a adotar. Trata-se da forma como

eles passam a viabilizar as ações de reivindicação dos seus direitos. Carlos Alberto de

Menezes ressalta que houve por parte dos operários o “abandono do terreno calmo” que

leva à conquista das santas e justas reivindicações, para se enveredarem por greves

barulhentas e por ações revolucionárias na busca de proposições justas e injustas. O

problema agora, é que falta aos operários uma visão clara do que devem reivindicar.

Eles precisam distinguir o que é justo e o que não é justo reclamar para si mesmos.

Neste ponto, surge o terceiro elemento determinante da questão por parte dos operários.

O terceiro elemento compõe-se dos efeitos resultantes dos elementos

anteriores. São os objetivos sociais e políticos potenciais das reivindicações

proletárias, que são o desfecho da questão. Os proletários passam a propor como

objetivo de suas lutas o de implantar o socialismo (comunismo). Há uma associação

entre a busca por melhorar as condições de reprodução biológica e social e as

proposições de uma nova ordem social econômica e política. Isto se expressa pela

negação por parte dos operários do direito dos capitalistas de usufruir da propriedade

privada dos meios de produção, pela busca de uma sociedade igualitária e por uma nova

forma de gerenciar os negócios coletivos. Tudo isto causa um desvio da verdadeira

essência e modo social de agir e de proposição de objetivos de ambas as classes sociais

em jogo.

A fórmula meneziana para prevenir a questão operária provém do catolicismo,

que oferece uma vacina imunizadora que precisa ser aplicada à sociedade brasileira. “E

esta vacina, nós a temos mais segura e mais eficaz que as culturas de Jenner e Pasteur.

Quem no-la fornece é a Santa Igreja, no conjunto de sua doutrina, onde estão

concentrados todos e os únicos meios de estabelecer entre os homens a paz e a

concórdia, sem quebra dos direitos naturais de cada classe, sem subversão dos

princípios de justiça e de equidade” (Menezes, 1986b:35).

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Após sustentar que a questão operária ainda não foi instalada no Brasil, apesar

de haver vários veículos tentando fazê-lo, ele elabora a proposta de solução

constituindo-a de três elementos determinantes.

O ponto de partida de Carlos Alberto de Menezes é, mais uma vez, uma

concepção antropológica, para em seguida, estabelecer as bases de um novo modo de

agir, da paz e da concórdia entre patrões e operários, e, finalmente, estabelecer novos

objetivos a perseguir.

O primeiro elemento determinante para compor a solução meneziana da questão

é o estímulo à vida cristã. O ser cristão é uma base para garantir o distanciamento da

questão operária das terras brasileiras. Isto é válido para ambas as classes sociais em

relacionamento, mas, especialmente para o proletariado. “Só a religião é capaz de

formar o povo, de purificar-lhe o coração e os costumes, de extirpar nele os vícios e

tendências (...). Todo homem precisa desse freio íntimo, desse regulador interno das

consciências; para o homem ignorante e grosseiro do povo, ou há esse ou não há

nenhum (...). Na capela estão todos juntos, todos recebem o mesmo pão da vida, na

santa eucaristia, e o mesmo pão espiritual, na pregação do capelão” (Menezes, 1986b:41

e 46). Os patrões e industriais têm a obrigação de levar uma vida exemplar para os

operários que empregam em seus empreendimentos. “A natureza humana é de

arrastamentos (...). Os inferiores têm sempre os olhos cravados nos superiores, fazem o

que eles fazem, pensam como eles pensam. Os patrões devem começar por dar o

exemplo: o exemplo na piedade, na freqüência dos sacramentos; o exemplo na

dedicação, o exemplo na simplicidade de vida” (Menezes, 1986b:45). Portanto, para

Carlos Alberto de Menezes, é preciso assumir uma maneira cristã de vida comum entre

patrões e operários.

O segundo elemento determinante como preventivo da questão operária é a

adoção de um novo modo de agir tanto por parte dos patrões quanto por parte dos

operários. É preciso estabelecer a paz e a concórdia entre as classes sociais e, para

isto, há uma vacina que é a doutrina social católica. A encíclica do Papa Leão XII,

publicada em 15 de maio de 1891, denominada de Rerum Novarum, que renova a

postura do catolicismo em razão da perda de influência da Igreja Católica sobre os

operários europeus, inicia uma reflexão e elaboração de novos conteúdos da doutrina

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social da Igreja e nega o caráter antagônico dos conflitos entre capitalistas e

trabalhadores. Reconhece a justeza das reivindicações operárias quanto à melhoria das

condições de vida e de trabalho e reforça a instituição familiar como sedimentação

necessária a uma vida social saudável e ao cultivo do princípio da autoridade paterna

(Cf. Menezes, 1986b:35-46). Garante-se a paz e a concórdia entre as classes da

sociedade burguesa. “Há um único terreno, no qual a paz e a concórdia podem ser

estabelecidas, de modo durável e definitivo: é o terreno cristão – porque não é o campo

próprio de uma parte nem de outra -, é o terreno de uma potência neutra, mais forte,

superior às duas partes” (Menezes, 1986d:70). Deste modo, com o domínio da religião,

o espectro do comunismo está afastado da sociedade, pois, ele e o catolicismo são

incompatíveis; um exclui o outro: “ou cristianismo ou socialismo” (Menezes,

1986d:71).

O terceiro elemento da solução é obter um efeito desejado por ambas as partes.

Os operários precisam definir os seus objetivos dentro da sociedade atual, ou seja, o

proletariado precisa exercer uma atuação ordeira e ordenada dentro dos limites

estabelecidos na sociedade burguesa. Tendo havido a garantia de que as reivindicações

operárias ficaram nos limites dos conflitos de classes da sociedade burguesa, os

proletários precisam organizar instrumentos que garantam as suas existências em

diversas situações, principalmente nos momentos de crise, sem que o antagonismo

chegue ao ponto de subversão da (des)ordem instalada.

A partir daí, o sistema precisa de funcionalidade. Os dois lados precisam estar

organizados num todo. Os operários precisam criar mecanismos associativos para dar

estabilidade às próprias ações. E estes mecanismos precisam ser dotados de ser geridos

pelos próprios operários, precisam de autonomia funcional e não pode depender de

nenhuma empresa. São necessárias instituições como: sindicatos, associações

beneficentes e cooperativas. “A associação é um corpo autônomo, que age por si

mesmo, sem o caráter de imposição. Na associação se exerce o apostolado de igual para

igual, do operário sobre o próprio operário, que exclui o caráter de ação oficial. As

associações ligam, exortam, fortalecem pela união. Mas, se o espírito de associação é o

grande meio, é preciso que elas tenham um outro caráter – o caráter religioso”

(Menezes, 1986b:47. Grifos do original). A religião é a garantia de que as ações

proletárias estarão sendo realizadas dentro dos limites toleráveis. Deste modo, os

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sindicatos formularão reivindicações justas aos patrões. Aos sindicatos cabe “a defesa

dos contratos regularmente celebrados” (Menezes, 1986f:113). Diante de

acontecimentos imprevistos as associações beneficentes e também as cooperativas de

consumo cumprirão o seu papel. Deste modo, as conseqüências das crises capitalistas

sobre os trabalhadores são enfrentadas com propostas que procuram manter intacto o

processo e o volume de mais-valia extorquido. “Em tempo de epidemia, são as

sociedades beneficentes destinadas a assegurar os socorros médicos que suportariam a

maior carga; em um período de carestia, seria a vez das sociedades cooperativas de

consumo” (Menezes, 1986c:61).

Todas as preocupações menezianas estão inseridas no grande objetivo de

garantir a produção de mais-valia e de reprodução das condições sociais, econômicas e

políticas e das condições de continuidade da exploração capitalista da força de trabalho

sob a regência comportamental da Igreja Católica como sendo uma entidade neutra

diante das questões concretas da vida na terra. A Igreja Católica aparece nesta

concepção como uma instituição que paira acima da sociedade e da história. Depois de

assumir uma argumentação do tipo da aristotélica que atribui à natureza a cisão social

construída dos indivíduos entre portadores do caráter de mando e submissão - sendo

estas características próprias de classes sociais distintas, com as conseqüências

econômicas e políticas resultantes desta cisão - a religião somente intervém para

conferir a bênção divina ao processo e contribuir para tentar perpetuá-lo. As unidades

produtivas deveriam contar com uma capela interior com um sacerdote contratado pela

empresa para prestar os serviços religiosos (Cf. Menezes, 1986b:49). A sua aspiração é

que seja constituído um capitalismo em que a média de extorquia do proletariado seja o

limite máximo para realizar a exploração de um ser humano por outro25. Seria uma

espécie de exploração inevitável, santa e, por isso, tolerável em que os capitalistas e os

proletários estivessem submetidos a uma vivência social e cultural conforme os valores

de um catolicismo reformulado.

O marxismo, em seus momentos iniciais, já havia denunciado os que

procuravam remediar os males sociais próprios da sociedade burguesa, e com isso,

25 Reflexões semelhantes reaparecem na década de 1960 no livro de Fernando Bastos de Ávila, com o título: Neo-capitalismo, socialismo, solidarismo, publicado pela editora Agir. Os teólogos da libertação divergem desta postura e estimulam o engajamento na luta pelo socialismo.

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garantir a continuidade desta mesma sociedade. “Querem as condições de vida da

sociedade moderna sem as lutas e perigos delas necessariamente decorrentes” (Cf. Marx

& Engels, 1982:131). Trata-se da busca da solução para um problema sem eliminar as

causas do mesmo. Mantendo-se uma estrutura social de possuidores privilegiados em

contraposição a uma imensidão de pessoas sem posses, propondo soluções que exigem

comportamentos pessoais que ignoram e não criticam esta mesma estrutura. “Religião e

moral penetram toda a atividade humana temporal do cristão. Este sabe que seu destino

eterno se decide pela sua fidelidade a seus compromissos sociais. Sabe que um ato anti-

social, um salário fraudado, um imposto sonegado, não é apenas um ato deselegante,

passível de multa, mas é, antes de tudo, um pecado” (Ávila, 1963:98). Deste modo, o

ser cristão é uma maneira do ser social e histórico que é concebida como a maneira

correta e eterna do ser humano conforme a classe na qual se insere26. Capitalistas e

proletários devem conviver pacificamente e como pertencentes a uma mesma família.

Estes são os objetivos últimos da religião (Cf. Menezes, 1986b:46).

Num contexto político adverso ao catolicismo em razão de o movimento

republicano haver sido marcado por posturas desfavoráveis, Carlos Alberto de Menezes

tenta, sem sucesso, eleger-se deputado federal pelo Partido Católico, em 1891. Nas

últimas décadas do império uma pequena parte de hierarquia católica se indispunha com

o Estado imperial quanto ao relacionamento com Roma e diante do trabalho escravo.

(Cf. Azevedo, 1986:15-16; e Lima, 1979:13-25). A derrota eleitoral faz Carlos Alberto

de Menezes dedicar-se somente às questões produtivas. Para a reflexão meneziana o

catolicismo recupera a sua funcionalidade política dentro da sociedade burguesa a ponto

de ele ser necessário ao sucesso deste modo de organizar a vida coletiva. “A religião

católica é indispensável à existência da sociedade” (Menezes, 1986e:83). Havia uma

troca de correspondências entre a Companhia de Tecidos Paulista e a Fábrica de

Tecidos Camaragibe que, estando situadas num mesmo contexto econômico e social,

enfrentavam problemas semelhantes (Cf. Leite Lopes, 1988:94-96 e 617-623).

26 Lutero chega ao mesmo resultado partindo de outro ponto de vista. Para ele, as boas obras expressam a certeza da salvação. “Como a alma se purifica por meio da fé e ama a Deus, ela deseja também que todas as coisas sejam puras, sobretudo o seu próprio corpo, e que todos amem e louvem a Deus juntamente com ela. E por isso o homem, por causa de seu próprio corpo, não pode sucumbir à ociosidade, tendo que praticar muitas boas obras a fim de subjugá-lo (...). Essas obras seriam meramente voluntárias feitas apenas para agradar a Deus e não para alcançar uma justificação” (Lutero, 1998:51-53).

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A sua proposta não era plenamente acatada entre as organizações trabalhistas de

Recife. Por razões diversas, os sindicalistas da capital pernambucana devem ter

encontrado dificuldades em conseguir a adesão dos operários de Camaragibe em

determinadas mobilizações e propostas de organizações de entidades sindicais. Isto fez

com que o jornal “Aurora Social”, que era divulgado pelo Centro Protetor dos Operários

publicasse opiniões depreciativas sobre a situação específica dos operários da Fábrica

de Tecidos de Camaragibe, fato que obteve uma resposta de Carlos Alberto de Menezes

em defesa do seu modo independente de agir como sendo em prol da emancipação

social (Cf. Azevedo, 1986:24). Mais uma vez, as transformações burguesas da

sociedade tiveram seus propósitos envolvidos por uma linguagem do passado para

serem realizadas, e, novamente, as atividades proféticas são suplantadas pelas ações

político-econômicas (Cf. Marx, 1978:19). Mas, que emancipação social é esta? As

condições de habitação associadas à nova forma de emprego da força de trabalho

contêm uma resposta.

2.3.3 - A Vila da Fábrica e seus desdobramentos

a) A necessidade da Vila

A Fábrica de Tecidos Camaragibe entrou em funcionamento no ano de 1895

empregando 559 operários, cumprindo uma jornada de trabalho de 10 horas diárias seis

dias por semana (Cf. Azevedo, 1986:20). Nas proximidades da fábrica, houve a

providência de construir uma vila operária. A instalação de unidade(s) produtiva(s)

requer a disponibilidade populacional suficiente para movê-la. Para isto, tanto é preciso

atrair população, quanto fixá-la nas proximidades do empreendimento industrial (Cf.

Singer, 1975:45). A vila da fábrica de Camaragibe é elogiada devido ao alto padrão de

suas construções e de suas instalações sanitárias. No entanto, esta vila com o

correlacionado padrão era uma necessidade para o empreendimento nascente. É próprio

da indústria capitalista o fato de concentrar a população da qual ela precisa como força

de trabalho, em determinado lugar, diferentemente dos empreendimentos agropecuários

tradicionais. “Na história da acumulação primitiva, todas as transformações que servem

de alavanca à classe capitalista em formação, sobretudo aqueles deslocamentos de

grandes massas humanas, súbita e violentamente privados de seus meios de subsistência

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e lançados no mercado de trabalho como levas de proletários destituídos de direitos. A

expropriação do produtor rural, do camponês, que fica assim, privado de suas terras,

constitui a base de todo o processo” (Marx, 1980a:831. O Capital, liv. I, vol. II, cap.

XXIV).

A proximidade da fábrica permite a mobilidade facilitada, a assiduidade mais

controlada e o estabelecimento de um padrão de comportamento mais semelhante para o

mesmo conjunto de trabalhadores. Este espaço diferenciado de vida é o que impulsiona

a transformação de valores e posturas próprias de camponeses isolados em proletários

urbanos (Cf. Leite Lopes, 1988:613-623). A organização do espaço de vivência por

onde se circula e estabelece liames operacionais, possibilita o cultivo de valores e

favorece a economia do tempo de deslocamento entre residência e trabalho (se

relacionado com uma dispersão própria do campo) e é fator disciplinar para

individualidades e coletividades. “A cidade (...) concentra não só a população, mas os

instrumentos de produção, o capital, as necessidades, os prazeres” (Lefebreve, 1999:49).

Com isso, um padrão de comportamento coletivo necessário ao ambiente fabril passa a

contar com o reforço de um espaço externo onde, com o decorrer do tempo, comporta

também pessoas que não se empregam na mesma unidade fabril, mas, passam a formar

um contingente de reserva a que se pode recorrer em qualquer momento (Cf. Foucault,

1986:132-141).

A vida em coletividade exige medidas preventivas de epidemias que extrapola

os restritos limites dos pequenos espaços habitacionais. A sanidade dos espaços sociais

é uma questão de interesse geral. Elogiar medidas tomadas nesta direção é fazer da

necessidade concreta e palpável uma virtude anunciada aos quatro ventos. “A

dominação dos capitalistas não pode permitir-se impunemente o prazer de gerar doenças

epidêmicas entre a classe operária; as suas conseqüências recaem também sobre eles

próprios e o anjo exterminador desencadeia a sua fúria entre os capitalistas de forma tão

brutal como entre os operários” (Engels, 1983a:352).

As vilas operárias se inserem entre as medidas necessárias para estabelecer as

condições de reprodução da força de trabalho e de tê-la em quantidade suficiente para

atender às necessidades do emprego assalariado, tanto imediatamente quanto para

realizar substituições constantes. Portanto, a existência de uma reserva de força de

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trabalho é uma necessidade estrutural do sistema produtivo. “A procura de trabalho não

se identifica com o crescimento do capital, nem a oferta de trabalho com o crescimento

da classe trabalhadora. Não há aí, duas forças independentes, uma influindo sobre a

outra. É um jogo com dados viciados. O capital age ao mesmo tempo dos dois lados. Se

a acumulação aumenta a procura de trabalho, aumenta também a oferta de

trabalhadores, ‘liberando-os’ ao mesmo tempo em que a pressão dos desempregados

compele os empregados a fornecerem mais trabalho, tornando até certo ponto

independente a oferta de trabalho da oferta de trabalhadores. Nessas condições, o

movimento da lei da oferta e da procura torna completo o despotismo do capital” (Marx,

1980a:742-743. O Capital. liv. I, vol. II, cap. XXIII). Esta é a realidade social em que

agentes produtivos atuam com interesses antagônicos, na qual a burguesia vai

configurando o mundo à própria imagem e semelhança impondo as condições da sua

existência continuada, e mostra a substancialidade movente da mesma, que está

escondida sob a máscara do patrão caridoso. É o estabelecimento das condições em que

a bondade cativante aprisiona aqueles que serão explorados. Mas, iniciativas deste

quilate não solucionam os problemas de falta de habitações.

A questão habitacional adquire caráter permanente na formação social

burguesa pelo fato da reprodução da classe trabalhadora ser determinada pelo salário

enquanto os melhoramentos sucessivos no maquinário dispensam os trabalhadores - que

mesmo destituídos das fontes de recursos reprodutivos precisam garantir suas

existências (Cf. Engels, 1983a:354s). E, na busca por coisas necessárias à própria

sobrevivência, o proletariado acaba submetido a um lobo que se apresenta com pele de

cordeiro. Se a primeira conotação da questão operária determinava uma prática

preventiva diante dos operários enquanto força social impulsionadora de movimentos

favoráveis a uma nação independente, a segunda conotação procura constituir um

proletariado desprovido de projetos utópicos correspondentes ao seu ser enquanto classe

explorada apontando para a instauração do comunismo.

b) A vila da fábrica em processo

Estes são os momentos iniciais da consolidação das condições capitalistas de

produção no Brasil. No decorrer do processo, as preocupações e práticas sociais

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necessárias à reprodução das condições para realizar a acumulação capitalista são

atendidas pelas políticas do Estado burguês. Principalmente, a partir da década de 1930,

vão sendo definidas as linhas que orientam as suas políticas, quanto a dois propósitos: a

gestão da força de trabalho, e a sustentação dos rumos da economia. Para a gestão da

força de trabalho assalariada são definidas as políticas sindical e salarial, da previdência

e assistência social, habitacional de saúde e de educação. Para sustentar os rumos da

economia, os parâmetros da política monetária tomam relevância. A política cambial

possibilita a confiabilidade em um equivalente geral para realizar as transações

mercadológicas tanto a nível interno quanto aos negócios internacionais. Para realizar

políticas abrangentes, os capitalistas individuais e grupais saem de cena, deixando a

responsabilidade sobre estas questões para a esfera do Estado. Em situações diferentes,

as exigências e necessidades da fábrica para com os seus operários são outras. O êxodo

rural possibilitou uma quantidade enorme de força de trabalho disponível nas cidades. A

legislação vai equiparando os direitos dos trabalhadores e as condições de luta se

transformam. Há uma previdência e seguridade social gerenciada pelo Estado, e as

sociedades de ajuda mútua perdem a razão de ser, e deixam de existir.

Com esta nova situação os velhos operários reclamam novos direitos. A

administração fabril passa a ter de resolver situações embaraçosas. Torna-se necessário

negociar com os operários (Cf. Brunhoff, 1985:2-4 e 109-132). A entrevista nº6 relata

estas questões. “O Carlos Alberto de Menezes, neto do engenheiro que elaborou a

concepção e modelo de gestão da Fábrica de Tecido de Camaragibe, não gostava do

bispo Dom Hélder Câmara e dizia que Dom Hélder era comunista (...). Ele desativou a

capela no interior da fábrica para ampliar o espaço da planta industrial. Ele foi contra a

idéia do próprio avô, que era um homem muito católico. Daí o povo disse que depois

disso a fábrica desandou”. As atividades fabris passavam por uma crise que exigia

providências dentro de um contexto social e cultural que havia sofrido modificações que

resultavam em preocupações gerenciais e políticas. A mesma entrevista revela uma

medida tomada dentro do novo contexto. “Ele tinha um capataz que fazia tudo o que ele

queria. Ele fazia as indenizações de todas as maneiras. Dizia: ou você aceita ou você

sai! Esta casa mesmo, foi assim; meu pai fez um acordo sobre a indenização dele. Ele se

aposentou em 1978. Por todos os anos de trabalho, meu pai ganhou a casa como

indenização. Ou pega ou larga! (...) Se meu pai não tivesse aceitado a gente poderia

estar numa casa alugada ou na rua”.

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Não havia mais a necessidade de uma vila operária como propriedade do

empreendimento industrial como forma de atrair força de trabalho. A iniciativa que

antes era difundida como uma atitude louvável tornou-se um problema para a unidade

fabril e tornou-se fonte de conflitos com os antigos operários. Assim, a entrevista nº6

revela a postura do novo administrador industrial. “Carlos Alberto de Menezes era um

opressor mesmo. Outras pessoas tiveram que sair das casas. Ele fazia acordo com quem

ele queria. O moço que trabalhava com ele fazia todas as espécies de acordo em nome

dele. (...) A minha tia, ele mandou sair. Mas meu pai reclamava os seus direitos. O

patrão não gostava dele (...). Carlos Alberto aceitou o acordo porque queria se ver livre

de pai”.

As mudanças nas políticas de Estado quanto à força de trabalho exigem que

Carlos Menezes (neto) tome medidas adaptadoras da gestão dos negócios à nova

realidade. O depoimento acima revela aspectos deste novo contexto de ação. A fábrica

se torna cada vez menos comprometida com a reprodução dos trabalhadores, deixando

as atividades relacionadas com a reprodução proletária sob a responsabilidade do

Estado. Até mesmo a Ação Social Católica manifestava tendências de mudar sua

posição de classe contrária aos interesses capitalistas. Setores da Ação Católica

Brasileira como a Juventude Operária Católica e a Ação Católica Operária passaram a

adotar posturas críticas e de engajamentos nas lutas pela superação do capitalismo27. O

conflito social e econômico manifesta o seu aspecto político e nas diversas formas de

representação (Cf. Souza, 1984:239-252).

2.4 - Camaragibe torna-se município

É neste contexto social e político modificado que Camaragibe obtém a sua

autonomia política enquanto município. A primeira iniciativa de tornar Camaragibe um

município ocorreu através de um Projeto de Lei nº 2153 de 28 de novembro de 1962

que não obteve sucesso. Esta iniciativa encontrou muitas resistências por parte do poder

político de São Lourenço da Mata.

27 O tema foge dos objetivos deste trabalho. Um aprofundamento do assunto pode ser feito a partir de Dale (1985), Souza (1984), e Lima (1979).

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Outra iniciativa aconteceu somente 20 anos depois, resultando na sanção da Lei

8.951 de 14 de maio de 198228. O último projeto de lei justifica a proposição de

autonomia argumentando que Camaragibe apresentava as seguintes características: 1)

Constituía-se de um distrito mais importante cultural e economicamente do que a

maioria dos municípios do norte e nordeste brasileiro; 2) Continha em seu território uma

população urbana superior a 70.000 (setenta mil) habitantes residindo em mais de

20.000 (vinte mil) domicílios; 3) Encontra-se funcionando no território em questão

fábricas como: de tecidos, de artefatos de cimento e de torneiras; 4) O território dispõe

de escolas, hospitais e da Faculdade de Odontologia; 5) Conta com um mercado público

e com inúmeras casas comerciais; 6) A localidade de Aldeia é uma área de significativa

produção horti-granjeira que contribui no abastecimento, inclusive, de municípios

vizinhos; 7) Dispõe de vários terminais de ônibus.

Deste modo, a vila operária de Camaragibe com as expansões posteriores, que

surgiu para atender às necessidades do Capital, ascendeu à condição de município. Ela é

um espaço urbano moderno por excelência, que vincula “as estruturas econômica,

jurídico-política e sócio-cultural”, sendo, portanto, uma cidade capitalista com todas as

contradições do espaço burguês (Pinheiro, 2000:93). Esta vila consegue se destacar do

conjunto de locais habitacionais das proximidades e torna-se um atrativo populacional;

ela passa a difundir uma forma de empregabilidade que é característica do modo de

produção capitalista; ainda consegue reúne as condições de subordinação da força de

trabalho ao capital e para a sua reprodução; e, formula as condições para oferecer os

meios de convivência social e cultural articulados com a produção e com o consumo

capitalista. Faltava organizar uma burocracia de Estado a nível local, o que aconteceu a

partir de 1982.

Conforme os dados dos censos demográficos realizados pelo Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE), a população de Camaragibe que tinha 41.196

habitantes em 1970, passa para 66.992 em 1980, chega a 99.407 em 1991, e atinge os

128.702 habitantes no ano de 2000.

28 O primeiro Projeto de Lei propondo autonomia municipal a Camaragibe foi registrado sob o número 2153 em 28 de novembro de 1962, foi de autoria do Deputado Fernando Sampaio. O Deputado Maviael Cavalcanti apresentou novo Projeto de Lei de número 1311 em 03 de março de 1982.

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A tabela a seguir permite comparar indicadores demográficos de Camaragibe

com Pernambuco, Nordeste e Brasil.

Tabela nº1.

Distribuição de indicadores demográficos da cidade de Camaragibe, Estado de

Pernambuco, Região Nordeste e Brasil.

Demografia de Camaragibe, PE, NE e BR. Indicadores Camaragibe PE NE BR Taxa de urbanização 100,0 76,51 69,07 81,25 Densidade demográfica 2.336,50 80,37 30,72 19,94 Crescimento demográfico 2,91 1,18 1,30 1,60 Taxa de fecundidade 2,20 2,30 2,60 2,30 Esperança de vida ao nascer 70,7 64,3 66,4 71,0 Índice de GINI 0,58 0,66 0,65 0,64 Área (Km2) 55,1 98.526,6 1.554.092,1 8.514.876,6 Total de domicílios 32.287 1.968.761 11.401.385 44.795.101 População residente 128.702 7.918.344 47.741.711 169.799.170 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000; CONDEPE, 2002; e, CONDEPE, 2005.

Com relação ao total de habitantes, o município supera aquele do qual foi

desmembrado, e ocupa a oitava posição no Estado de Pernambuco, o que mostra a sua

capacidade de atrair população. A sua densidade demográfica é a segunda de

Pernambuco com 2.336,50 habitantes por Km2, aspecto em que somente é superado por

Olinda. A taxa de crescimento demográfico é de 2,91% ao ano, (considerando o período

1991/2000), o que permite considerar Camaragibe como sendo um município que atrai

população. A proximidade com Recife proporciona movimentos migratórios compostos

por dois segmentos sociais distintos. Um deles é composto por pessoas de classe média

que buscam locais privilegiados de moradia no bairro de Aldeia. O outro segmento é

composto por pessoas vindas, principalmente, do interior que podem encontrar espaços

de preços mais acessíveis do que os disponíveis na capital do Estado. Este fenômeno é

observado em regiões metropolitanas quando a população migrante procura se

estabelecer em periferias consolidadas (Cf. Lago, 1999:166). Quanto à distribuição de

renda, o município apresenta uma situação mais eqüitativa do que Pernambuco, por

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apresentar um valor para o índice de Gini29 mais baixo (Cf. IBGE, Censo 2000; e

CONDEPE, 2002:22-35).

Cabe perguntar que tipo de população se estabelece na cidade de Camaragibe.

Como está caracterizada esta população que encontra sua moradia na periferia de uma

metrópole regional do nordeste brasileiro, que é a cidade do Recife. A tabela de nº2 a

seguir permite visualizar esta situação.

Tabela nº2.

Distribuição percentual da população residente por idade, de Camaragibe, Pernambuco,

Região Nordeste e do Brasil.

População de Camaragibe, PE, NE e BR. (%). Idade em anos Camaragibe PE NE BR População 128.702 7.918.344 47.741.711 169.799.170 0-9 18,78 20,19 21,35 19,38 10-19 20,19 12,03 23,29 20,78 20-29 20,27 17,84 17,41 17,66 30-39 15,56 13,92 13,36 14,90 40-49 10,84 10,03 9,53 11,35 50-59 7,06 7,08 6,63 7,37 60-69 4,10 4,82 4,51 4,81 70-79 2,19 2,83 2,66 2,67 80 ou mais 1,01 1,26 1,26 1,08 TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000; CONDEPE, 2002; e, CONDEPE, 2005.

Os dados da tabela anterior permitem visualizar uma maior concentração

populacional de Camaragibe na faixa etária dos 20 aos 29 anos. A distribuição

populacional por idade da cidade reproduz, com poucas variações, as tendências da

população no Estado de Pernambuco, no Nordeste e também no Brasil. Isto revela que o

aspecto demográfico do município tende a seguir padrões semelhantes aos que são

observados no país como um todo, com poucas variações. Outro elemento importante

29 O índice de Gini varia de zero a um, atribuindo ao número zero (0), a hipótese de se encontrar uma situação de absoluta distribuição de renda entre os membros de uma sociedade considerada, e atribuindo ao número um (1), a situação hipotética em que uma única pessoa apropria de toda a renda da sociedade. Assim, as variações intermediárias entre um e zero indicam maior ou menor concentração de renda.

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na avaliação das condições de vida e das potencialidades da população é a escolaridade.

A tabela nº3, a seguir disponibiliza os dados que permitem formular uma observação a

este respeito.

Tabela nº3.

Distribuição percentual das pessoas com 10 anos de idade ou mais, segundo os grupos

de anos de estudo em Camaragibe, Pernambuco, Região Nordeste e Brasil.

Pessoas ocupadas com 10 anos ou mais de idade segundo

grupo de anos de estudos em Camaragibe, PE, NE e BR (%). Anos de estudos Camaragibe PE NE BR Números absolutos 104.542 6.283.521 37.275.896 136.427.211 Sem instrução 26,27 15.46 17,93 10,22 De 1 a 3 anos 17,62 24,81 28,93 21,18 De 4 a 7 anos 34,46 24,96 23,79 28,51 De 8 a 10 anos 11,20 12,30 10,94 15,04 De 11 a 14anos 8.64 12,36 10,55 14,89 15 anos ou mais 1,81 4,23 2,02 4,05 TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000; CONDEPE, 2002; e, CONDEPE, 2005.

O município de Camaragibe apresenta um considerável percentual de pessoas

com mais de dez anos de idade e sem instrução, por estar bem mais elevado do que os

mesmos valores relativos a Pernambuco, ao Nordeste e ao Brasil, com 26,27%.

Considerando a população que teve ou tem acesso às instituições de ensino, somente no

intervalo de 4 a 7 anos de estudos é que Camaragibe apresenta percentual

comparativamente mais alto, atingindo 34,46%. Isto revela que a preocupação de Carlos

Alberto de Menezes com a educação teve efeito pouco relevante na população ao longo

do tempo. O esforço educacional realizado por ele restringiu-se ao aspecto da

qualificação da força de trabalho de que o empreendimento sob sua responsabilidade

estava necessitando.

A tabela nº4 a seguir apresenta os dados sobre os rendimentos da população de

Camaragibe comparados com os de Pernambuco, Nordeste e do Brasil.

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Tabela nº4.

Distribuição percentual dos rendimentos nominais em salários mínimos de responsáveis

pelos domicílios em Camaragibe, Pernambuco, Nordeste e Brasil.

Rendimentos nominais de responsáveis pelos domicílios

em Camaragibe, PE, NE e BR (%). Salários Mínimos. Camaragibe PE NE BR Números absolutos 32.287 6.283.521 37.275.896 136.427.211

Sem Renda (1) 14,35 12,98 11,83 9,15

Até ½. 1,73 4,87 7,81 2,90 De ½ a 1. 28,30 33,88 36,85 21,48 Mais de 1 a 2. 25,68 20,26 19,29 19,38 Mais de 2 a 5. 20,80 15,52 13,70 24,56 Mais de 5 a 10. 6,32 7,12 6,10 13,11 Mais de 10 a 20. 1,92 3,38 2,84 5,95 Mais de 20. 0,90 1,99 1,58 3,47 TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000; CONDEPE, 2002; e, CONDEPE, 2005. (1) Inclusive os domicílios cuja pessoa responsável recebia algum benefício.

Os dados da tabela acima, mostram que Camaragibe é habitada atualmente por

uma população com baixos rendimentos. Mais de 70,0% dos responsáveis por

domicílios estão entre quem dispõe de rendimentos com o teto de dois salários mínimos,

estando numa situação bastante parecida com o Estado de Pernambuco. Com relação

aos rendimentos entre 10 e 20 salários mínimos, o município apresenta percentual de

1,92%, enquanto Pernambuco conta com 3,38%, ao mesmo tempo em que a região

nordeste apresenta 2,84% e o percentual brasileiro chega a 5,95%. Depois de haver

atraído um investimento significativo num empreendimento produtivo, o município

apresenta após a decorrência de mais de um século uma precária situação do nível de

rendimentos de sua população. Isto mostra que a população nunca foi beneficiária de

fato dos volumes de valores que resultaram do trabalho executado pela coletividade de

pessoas que foram atraídas para esta localidade. A falsidade do ideário de subir na vida

está exposta nas condições de ocupação destas pessoas. Não houve uma progressão

estrutural de quem vive e viveu nas proximidades da fábrica e contribuiu com seus

esforços e tempo de vida para a realização dos objetivos de quem dirigiu os

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empreendimentos ali realizados. A posição na ocupação principal desta mesma

população é mostrada na tabela nº5 a seguir.

Tabela nº5. Distribuição percentual das pessoas com 10 anos de idade ou mais, ocupadas segundo a

posição na ocupação no trabalho principal em Camaragibe, Pernambuco, Região

Nordeste e Brasil.

Pessoas ocupadas com 10 anos ou mais de idade Em Camaragibe, PE, NE e BR. (%).

ITENS Camaragibe PE NE BR Números absolutos 104.542 6.283.521 37.275.896 136.427.211 Empregados: Com carteira assinada 50,53 35,12 30,85 40,93 Sem carteira assinada 22,73 25,79 27,85 24,31 Por conta própria 22,86 23,72 25,15 22,36 Administração pública 3,26 5,53 5,38 5,76 Empregadores: Proprietários 0,30 2,55 1,76 2,84 Produz para próprio consumo

0,32 7,29 8,17 2,92

TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000; CONDEPE, 2002; e, CONDEPE, 2005.

De acordo com os dados da tabela acima, a população ocupada de Camaragibe

que possui carteira assinada atinge 50,53%, o que é um índice consideravelmente maior

do que o observado em Pernambuco, no Nordeste e mesmo no Brasil. Há uma

quantidade ínfima de proprietários de empreendimentos empregatícios e também de

pessoas que produzem para o próprio consumo, estando nestes aspectos, com

percentuais mais baixos do que os de Pernambuco, do Nordeste e do Brasil. O mesmo

acontece com as pessoas autônomas com percentual de 22,86%, que é inferior aos

observados em Pernambuco e nordeste. Isto demonstra que a atração populacional de

Camaragibe deve-se a sua proximidade com Recife e ao acesso muito facilitado com a

capital pernambucana.

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2.5 - O exercício do poder político em Camaragibe

2.5.1 – As condições locais do poder

O poder exercido na localidade, a partir da instalação da Fábrica de Tecidos de

Camaragibe é tipicamente burguês, na medida em que remunera a força de trabalho por

meio de salário regido através de contrato por tempo indeterminado e revogável uma

das partes. “O capital se apropria não do trabalhador, mas do seu trabalho – e não

diretamente, mas por meio de troca” (Marx, 1981a:93; Cf. Simões, 1979:156).

As limitações impostas pelos capitalistas à classe trabalhadora são basicamente

inerentes ao modo de produção capitalista com a finalidade última de realizar a mais-

valia extorquida. A realização da mais-valia acontece num ambiente de conflitos tanto

entre os próprios capitalistas, quanto entre os trabalhadores e ainda, entre capitalistas e

trabalhadores. “O mercado tem de ser constantemente ampliado, e desse modo suas

conexões e as condições que as regulam assumem cada vez mais a configuração de lei

natural independente dos produtores e se tornam cada vez mais incontroláveis (...). A

produtividade, quanto mais se desenvolve, tanto mais conflita com a base estreita em

que repousam as relações de consumo” (Marx, 1980c:281-282. O Capital, liv. III, vol.

IV, cap. XV).

A vila da fábrica surgiu como estratégia de atração de contingente de força de

trabalho para a fábrica de tecidos instalada nas proximidades do local, cuja produção

visava, desde o início, o atendimento a um mercado bem mais amplo. A localização do

empreendimento possibilitou aos proprietários algumas vantagens nos conflitos de

concorrência entre os próprios capitalistas e nos conflitos entra classes antagônicas, com

a relação favorável das condições de oferta e procura. Com isto, é obtido um excedente

populacional de trabalhadores que funciona como fator de controle nos níveis salariais

ao fragmentar a consolidação dos interesses coletivos em torno de individualidades, e,

ainda, consegue-se produzir por um menor custo que os concorrentes no mercado. A

dependência dos trabalhadores para com os capitalistas é metamorfoseada numa

“relação contratual entre comprador e vendedor, entre dois possuidores igualmente

independentes de mercadorias, o detentor da mercadoria capital e o detentor da

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mercadoria trabalho” (Marx, 1980c:888-889. O Capital, liv. I, vol. II, cap. XXV; Cf.

Leite Lopes, 1988:141 e 181). Não se trata mais de “aglomerados urbanos de

proprietários de terras” (Anderson, 1982:100). As estruturas sustentadoras das relações

apropriadas à sociedade burguesa foram discutidas no capítulo anterior.

Dispondo destas condições sociais e econômicas amplas, os empreendedores não

sentiram uma necessidade de constituir um poder político institucionalizado restrito ao

local. Quando Carlos Alberto de Menezes consegue a vinda dos padres para proceder a

educação dos trabalhadores, os colégios são construídos na capital do Estado. Além

disso, as fronteiras municipais não oferecem muitas resistências às exportações, e a

garantia dos contratos é mais propriamente sustentada por legislação estadual ou

federal. O empreendimento industrial estava à frente do poder local situado na cidade de

São Lourenço da Mata e muito mais próximo, geograficamente, da capital Recife. A

cooperativa de consumo constituída sob a orientação e estímulo de Carlos Menezes

proporcionava à força de trabalho de Camaragibe tomar iniciativas que contribuíam

fortemente para a reprodução dos trabalhadores a nível local em momentos de crise e

conseqüente desemprego. Esta foi uma forma de transferir para o proletariado a

gerência de parte das crises da sociedade burguesa. Por isso, somente surgem

movimentos de autonomia municipal em prol de Camaragibe muito recentemente.

Com a autonomia municipal em 1982 é constituído um corpo burocrático e um

legislativo local. Podiam ser encontradas na localidade, escolas e hospitais mantidos

pelo poder municipal e pelo Estado de Pernambuco. Mas, o novo município não é

exemplo quanto aos índices educacionais, como pode ser observado na tabela nº3,

anteriormente apresentada. O intervalo considerável entre a primeira e a segunda

proposta de autonomia para Camaragibe demonstra o diminuto interesse por esta

iniciativa. O primeiro prefeito da cidade foi Carlos Lapenda, cujo pai era prefeito de São

Lourenço da Mata na mesma ocasião e era totalmente contrário ao processo de

fracionamento territorial. A entrevista nº6 testemunha a memória desta situação.

“Houve outra lei de emancipação e ele barrou isso que foi por volta de 1961, mas havia

uma disputa entre José Pereira e Lapenda. Foi quando José Pereira e Maviael

Cavalcante estavam no governo aconteceu o plebiscito para emancipação de

Camaragibe. Quando o deputado Maviael estava para sair, no final do seu mandato,

Lapenda entrou em Camaragibe mesmo sendo contra a emancipação da cidade”.

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2.5.2 – Os ocupantes do poder executivo

A cidade de Camaragibe passou por seis eleições municiais, desde 1982 até o

momento atual. As duas primeiras eleições foram vencidas por candidatos do PMDB

com as candidaturas de Carlos Lapenda e Arnaldo Guerra respectivamente. A terceira

teve o PSB foi o vitorioso com a candidatura de João Lemos. A quarta e a quinta

eleições tiveram a vitória do PT com o candidato Paulo Santana eleito e reeleito. A

sexta eleição contou com a volta de João Lemos, sendo então, candidato pelo PC do B.

O quadro a seguir apresenta o desempenho eleitoral majoritário municipal.

Quadro n°1

A votação para prefeito obtida pelos principais partidos políticos nas eleições

municipais de Camaragibe (1982-2004).

Anos com eleição para prefeito em Camaragibe PARTIDOS 1982 1988 1992 1996 2000 2004 PC do B - - - - - 32.720 PDS 5.848 - - - - - PDT 1.860 - 2.491 2.540 6.406 - PFL - - - - 16.781 27.763 PMDB 13.254 7.243 - - - - PSB - - 13.197 - - 16.846 PT 78 712 - 20.423 37.461 - PTB 137 - - 2.220 - - OUTROS 11.189 8.551 18.629 17.168 7.863 8.286

Fonte: Resultados eleitorais do TRE de Pernambuco.

O quadro acima apresenta as variações partidárias na ocupação do cargo de

prefeito de Camaragibe. Em 1982, Carlos Lapenda foi eleito pelo PMDB. No ano de

1988, novamente pelo PMBD, Arnaldo Guerra foi eleito prefeito. A terceira eleição

ocorrida em 1992 teve João Lemos vencedor por meio do PSB. A quarta e a quinta

eleições foram vencidas por Paulo Santana, que foi candidato pelo PT. A sexta eleição

que ocorreu em 2004, foi novamente vencida por João Lemos, desta vez concorrendo

pelo PC do B.

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A eleição de Carlos Lapenda para prefeito de Camaragibe revela o potencial

eleitoral da burocracia local, na medida em que, mesmo que seu pai tenha desenvolvido

esforços contrários à emancipação desta cidade, consegue sucesso eleitoral no

município recentemente emancipado. A entrevista nº6 testemunha esta situação. “Ficou

o filho dele prefeito de Camaragibe e ele prefeito de São Lourenço. O filho, Carlos

Lapenda, não tinha conhecimento administrativo nenhum, então Camaragibe ficou com

um prefeito que nunca quis a emancipação do município. Assim foi o processo

político”.

O segundo prefeito de Camaragibe procura legitimar o seu governo com

referências ao poder popular desde o processo eleitoral. Em 1988 Arnaldo Guerra, que

havia sido candidato em 1982 por uma sublegenda30 do PMDB (Partido do Movimento

Democrático Brasileiro) é eleito com um discurso de conteúdo voltado para a população

e com o apoio de lideranças locais expressivas, como por exemplo, a senhora Lilia

Collier, que é descendente do engenheiro Carlos Alberto de Menezes, e politicamente

influente na localidade. Tamanha era a sua influência que foi por indicação dela que a

secretaria de saúde teve a definição do nome do secretário para a referida pasta. Lilia

Collier foi diretora do SESI (Serviço social da Indústria) de Camaragibe desde o ano de

1948 (Cf. Mendonça, Sousa e Santana, 2004:11). A entrevista nº1 atesta esta influência

política. “Vieram as eleições de 1988, e o grupo político de Camaragibe ligado a

Arnaldo Guerra, a João Lemos e a Lilia Collier, que me convidaram a participar da

campanha de Arnaldo Guerra (...). João Lemos tinha sido companheiro de residência

médica em Vitória, e na pré-campanha, fui discutir uma possível formação de agentes

de saúde no plano de governo. Vencendo as eleições eu sou convidado por Arnaldo

Guerra e não pelo Vice-prefeito. O convite que ele fez, foi a mando de Lilia Collier, que

era uma pessoa muito amiga da família dos Guerra que me convida para ser o secretário

de saúde. (... Ela) era, há muito tempo, gestora local que fazia todo o trabalho junto ao

movimento popular, principalmente na questão da cultura e da saúde trabalhando a

medicina popular por dentro do SESI (Serviço Social da Indústria)”.

30 A primeira tentativa de instituir a sublegenda partidária foi por iniciativa de Raul Piva na Constituinte de 1946 defendendo a necessidade de possibilitar a expressão eleitoral de correntes de opinião dentro de um mesmo partido político. A sublegenda foi utilizada tanto pelo partido da situação a partir de 1966 (ARENA: Aliança Renovadora Nacional) quanto da oposição (MDB: Movimento Democrático Brasileiro) (Cf. Porto, 1989:313-319).

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As referências à participação popular no governo já haviam demonstrado

pouco antes o seu potencial eleitoral em Recife com o Programa Prefeitura nos Bairros

pela gestão do prefeito Jarbas Vasconcelos (PMDB) do ano de 1983 ao ano de 1988

(Cf. Andrade, 1997:159; e Lubambo & Coêlho, 2005:44). A campanha vitoriosa de

Camaragibe em 1988 teve como slogan os dizeres: “O povo elege – o povo governa”.

Mas, há uma distância considerável entre o discurso proponente da participação

popular e a constituição de instrumentos que viabilizem esta participação. A mudança

no discurso era uma estratégia de obtenção de legitimidade para a continuidade dos

mesmos propósitos de governo descompromissado com as aspirações populares. A

classe dominante e seus comprometidos são ágeis em atualizar o próprio discurso

como meio de preservar antigas práticas de domínio e de exploração.

A efetivação de uma política coerente com o discurso eleitoral provocou uma

fratura na gestão. O secretário de saúde insistia na concretização dos avanços

direcionados à população e procurava implementar as ações coerentes com a

participação popular no interior da secretaria que está sob sua responsabilidade. A

entrevista nº1 retrata esta intenção política. “O povo elege - o povo governa’. Era uma

demanda muito forte para mim. Eu vinha da oitava Conferência de Saúde. Saímos de

ônibus para Brasília com 48 agentes de saúde. Foi um marco importantíssimo e é o

marco brasileiro da Alma-Ata”. Os parâmetros das ações de saúde são mundialmente

definidos e chegam ao Brasil e ao Estado de Pernambuco. Continua a entrevista de n°1.

“Houve um movimento no mundo todo como por ex.: no Canadá em 1986 teve o

lançamento do Movimento de Promoção à Saúde e uma série de movimentos

internacionais. E no Brasil, o marco é a oitava conferência. E traz à gente do movimento

de Pernambuco mais força ainda para o embate para plantar ações que garantam uma

saúde de qualidade. Aí chego em Camaragibe com a idéia da Alma-Ata”.

A sua posição no governo ficou insustentável com o final do processo de

discussão e constituição do Conselho Municipal de Saúde. Este foi um processo de

construção de um instrumento político que chega ao seu final em setembro de 1989. Já

não havia o mesmo entusiasmo em prol da participação por parte do prefeito. Já era

pública a ruptura entre o vice-prefeito João Lemos e o prefeito Arnaldo Guerra, eleito

pelo PTB. A posse do conselho que deveria acontecer em janeiro de 1990 é recusada

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pelo prefeito e o secretário de saúde Paulo Santana se retira do governo por falta de

condições políticas diante desta situação. A participação popular ficou inviabilizada e o

prefeito manteve em sua pessoa o “monopólio de decisão política” com a conivência do

legislativo (Michiles,1989:382).

No ano de 1992 é realizada a terceira eleição para prefeito e para vereadores de

Camaragibe. O vice-prefeito João Lemos (PSB: Partido Socialista Brasileiro) é eleito

sucessor de Arnaldo Guerra. Paulo Santana havia colaborado com propostas em torno

da constituição de um conselho municipal de saúde na composição do conteúdo do

programa de governo do candidato vitorioso, e é convidado a ser novamente o secretário

de saúde do município de Camaragibe. Suas propostas de ação têm fundamentos em

diversos eventos nacionais e internacionais dos quais tomou parte. Internacionalmente é

relevante a sua participação no encontro realizado na cidade de Alma-Ata, na atual

República da Rússia31 no ano de 1978. O encontro definiu os conteúdos de políticas de

saúde com o propósito de garantir saúde de qualidade para a população

independentemente da condição social e como um dever do Estado. Dentro do Brasil a

presença do movimento sanitarista nas discussões sobre saúde pública vinha realizando

conferências regionais e nacionais com a participação de personalidades da sociedade e

de representantes de organizações sociais. A oitava conferência nacional de saúde adota

as conclusões de Alma-Ata para as ações a serem desenvolvidas no território brasileiro

e exerce grande influência na Assembléia nacional Constituinte de 1988, juntamente

com os movimentos educacionais de natureza semelhante. As pressões populares sobre

os constituintes resultaram na aprovação do Sistema Único de Saúde dispondo de

recursos específicos gerenciados com participação popular em conselhos nos três níveis

de governo (Cf. Michiles, 1989:339-367; Gracindo, 1994:170-170-250).

Diante de melhores condições de atuação a política municipal de saúde teve um

bom desenvolvimento. Mas, apesar dos esforços não havia apoio considerável ao

governo no período final do mandato de João Lemos. As forças oposicionistas

apresentavam ampla vantagem nas pesquisas de intenção de voto. Neste contexto, o

secretário de saúde é convidado a ser candidato a prefeito com o apoio do movimento

de saúde no município. A entrevista n°2 apresenta esta situação eleitoral. “Ele foi

31 Na época da realização do encontro, a atual República da Rússia onde se localiza a cidade de Alma-Ata era parte integrante da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

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formado com uma outra prática de base (...). No processo eleitoral de Paulo Santana a

área de saúde se mobilizou muito na rua (...). O candidato mais forte na época era do

PSDB (Partido Social Democrata Brasileiro), o Chicão, ele tinha 42% e Paulo, 3%. Então

foi uma campanha do vira-vira. A campanha foi crescendo, fizemos várias reuniões

semanais para fazermos dois fóruns”.

Parte da direção do PT municipal também se pronuncia afirmativamente sobre a

relevância do movimento de saúde para a vitória da campanha eleitoral de Paulo

Santana, em 1996. O movimento de saúde encontrou respaldo popular no intuito de

obter o máximo de benefício possível do poder local em atenção ao conjunto

populacional de Camaragibe. Apesar de dispor da figura central do processo, o partido

não contava com elementos suficientes para acompanhar o processo eleitoral, e, talvez

nem acreditasse na possibilidade de sucesso. A entrevista nº3 resume o processo

eleitoral da primeira candidatura de Paulo Santana. “O PSB (Partido socialista

Brasileiro) e o prefeito, à época, João Lemos, tinham o controle da campanha. Os

símbolos e nome do partido eram ausentes das peças publicitárias, pois, faltando

somente duas semanas da eleição é que apareceram bandeiras e camisas vermelhas e

poucas bandeiras do PT; as atividades de campanha eram marcadas pela presença

massiva das lideranças aliadas ao governo da época e por trabalhadores da saúde”.

A proposta de governo que obteve apoio popular não dependia da cor da

bandeira de quem a defendeu. A vivência popular de um modo de governar que

interagia com setores alheios à burocracia estatal é o que fez a diferença. Não houve

procura por um nome partidário, mas aconteceu um apoio quase inesperado a uma

proposta que fazia com que o povo se sentisse mais contemplado. Esta foi uma base

para a construção de um novo modelo de gestão local, que teve início com a gestão da

saúde e com o próprio processo eleitoral. A entrevista nº1 apresenta brevemente este

processo. “Em abril, saio da secretaria de saúde e me torno candidato (...). Trabalhar o

pilar da participação popular, do orçamento participativo. O movimento popular lança

em 1996 o apelo à administração popular. Isso é feito em debates em caravana nos

bairros. Foi uma campanha extremamente forte. E a gente vai conceituando o que vinha

a ser esta administração participativa. Com debate com todos os participantes”.

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As demandas populares pressentiam a possibilidade de realização de suas

expectativas em torno de políticas de saúde cujo processo participativo poderia ser

expandido para toda a gestão municipal. Houve uma interseção entre as propostas de

governo elaboradas com base nas resoluções de congressos e conferências voltadas para

as aspirações imediatas da população e as expectativas da população local como algo

que ainda não havia sido visto. Esta avalanche política encontra expressão eleitoral num

candidato descompromissado com os quadros burocráticos locais e quebra a legitimação

que era obtida pelos líderes políticos tradicionais da cidade de Camaragibe. O resultado

desta avalanche foram duas gestões sucessivas com premiações de diversas

procedências.

No período que compreende os anos de 1997 até 2004, o município de

Camaragibe tem Paulo Santana como prefeito, diante da sua reeleição no ano de 2000

para um novo mandato. A cidade recebeu nove premiações procedentes de diversos

organismos nacionais e internacionais em razão de programas implementados durante

estes oito anos. O prêmio “Prefeito Criança” foi concedido em 1999 e 2000 pela

Fundação Abrinq e pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), em razão

do destaque quanto aos projetos voltados para crianças e adolescentes. O prêmio “Saúde

Brasil”, promovido pelo Ministério da Saúde, em 1999 diante do modelo do PSF

(Programa Saúde da Família). O prêmio “Projeto parcerias, pobreza e cidadania”,

concedido em 1999 e promovido pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo

juntamente com o Banco Mundial pelo impacto da Administração Participativa em

reduzir a pobreza. O prêmio “Gestão pública e cidadania”, concedido em 2000, e

promovido pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo juntamente com a Fundação

Ford em razão do desempenho municipal no atendimento à mulher e pelo Programa de

Administração Participativa. O prêmio “Qualidade na educação infantil” concedido em

2001 e em 2002, promovido pelo jornal Diário de Pernambuco pelo impacto das ações

educacionais do município no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O prêmio

“Prefeito expressão” concedido em 2001. O prêmio “Mário Covas” concedido em 2003,

promovido pelo SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas)

em razão das medidas criadoras de condições de ampliação e de sustentabilidade para

microempresas (Cf. Menezes, 2005:10-11).

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As premiações revelam o auge da administração petista de Camaragibe. Foram

três prêmios no ano de 1999 e dois prêmios no ano de 2000, que são os últimos anos do

primeiro mandato. No segundo mandato são obtidas duas premiações em 2001 e uma

em 2002 e outra em 2003. Embora as premiações sejam mais distribuídas no tempo

durante o segundo mandato, elas são em menor número. Isto mostra que o apogeu do

potencial administrativo aconteceu durante a passagem do primeiro para o segundo

mandato. Os dois primeiros anos constituíram um tempo de preparação para as ações

dos anos seguintes. Neles foram estabelecidos os fundamentos do tempo de gestão.

Uma proposta de modelo de gestão foi elaborada e apresentada aos delegados da

Administração Participativa nos primeiros anos de governo. A experiência do Conselho

Municipal de Saúde foi o ponto de partida. Isto representa a retomada de um confronto

político e a experiência de gestão restrita ao âmbito de uma secretaria que é ampliada

para todo o município. A entrevista nº2 relata o processo de construção do modelo de

gestão em Camaragibe. “A gente tinha duas opções: sair com um modelo próprio já

construído pela equipe ou sair com um pré-modelo para negociar com a população.

Sabíamos que este caminho ia ser o mais difícil, mas, foi muito mais rentável visto pela

visão pedagógica. Este modelo de gestão foi sendo elaborado com a prática, e votado em

cada reunião aprovando o modelo do pré-projeto em cada micro região sobre o que

pretendia e o que queria”.

A filosofia do processo foi fazer o caminho com o ato de caminhar, sem

desprezar os acúmulos obtidos em outras cidades do país. Não houve uma cópia fiel da

experiência de Porto Alegre e nem de outra localidade qualquer. Após estabelecer

contato com diversas cidades a equipe de gestores de Camaragibe elaborou uma

proposta e a submeteu aos delegados para apreciação e aprovação. (O modelo de gestão

será analisado especialmente no capítulo VIII). O governo foi conduzido com estes

parâmetros. A transparência relacionada com a gestão é um fator de legitimidade para o

governo, mas, pode não ser suficiente para suportar uma crise causada pela redução dos

recursos disponíveis. A entrevista n°1 apresenta as conseqüências da revisão dos índices

para efeito de distribuição de recursos por parte do governo federal. “Em 2000 o IBGE

realizou outro censo publicado em 2001 onde Camaragibe está com uma população de

128 mil habitantes. Nesta confusão o índice caiu de 3.8 para 3.2. Isso representa a

diminuição de recursos de R$2.900.000,00 para R$ 2.100.000,00, provenientes do FPM

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(Fundo de Participação dos Municípios), que usa a população residente para definir o

montante de participação municipal neste fundo”.

Os recursos municipais que compõem a totalidade das receitas vão deste os

impostos de competência municipal, que compõem as receitas próprias, como o IPTU

(Imposto Predial e Territorial Urbano), o ISS (Imposto Sobre Serviços) e o ITBI

(Imposto sobre Transmissão de Bens Inter Vivos), e os recursos provenientes de

transferências tanto do Estado do qual faz parte, quanto da União. Estes recursos

resultam no índice de receita total per capita que permite comparar os municípios

entre si. A tabela a seguir apresenta os municípios brasileiros por faixa de total das

receitas per capta, conforme um intervalo de municípios pelo tamanho da população

dos mesmos.

Tabela nº6

Distribuição dos municípios brasileiros por faixa total das receitas em reais conforme

o tamanho da própria população residente.

Percentual de municípios por faixa de total das receitas per capita (R$) conforme o tamanho da população.

População municipal

Até 250 Mais de 250 até 500

Mais de 500 até 700

Mais de 700

Total de Municípios

TOTAL

10,4 54,5 19,6 15,6 5.507

Até 5.000

0,2 19,8 35,2 44,8 1.409

De 5.001 até 20.000

7,3 70,6 16,1 6,0 2.652

De 20.001 até 100.000

27,0 60,3 9,0 3,7 1.224

De 100.001 até 500.000

21,0 52,1 19,4 7,5 192

Mais de 500.000

10,7 57,2 17,9 14,3 30

Fonte: IBGE, 2004:21 e 55.

A população de Camaragibe encontra-se no intervalo que vai dos 100.000 (cem

mil) até o limite de 500.000 (quinhentos mil habitantes). Apenas 192 (cento e noventa

e dois) municípios no Brasil encontram-se neste intervalo de classificação. A receita

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total per capita do município é de R$ 481,76 (Cf. CONDEPE, 2005:14), o que o situa

na coluna mais de R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais) ao limite de R$ 500,00

(quinhentos reais) de receita total per capita. Portanto, Camaragibe encontra-se

próximo ao limite inferior do intervalo de classificação populacional e quase atinge o

limite superior da coluna de receita total per capita. Mas, o grau de dependência das

transferências de receitas de Camaragibe chegou a de 88,14% no ano de 2003 (Cf.

CONDEPE, 2005:14), revelando uma baixa capacidade de arrecadação própria. Sendo

assim, a queda de receita apresenta conseqüências muito sérias e pode frustrar as

expectativas populares e acarretar a perda da legitimidade por parte do governo. Foi o

que aconteceu no final do segundo mandato de Paulo Santana. A entrevista nº1

expressa estes momentos da seguinte maneira: “O movimento (de saúde) tinha postura

de reivindicar e achar que cabia ao prefeito conseguir esses recursos de qualquer

forma, principalmente, junto ao governo federal, que era um governo aliado e do

mesmo partido do prefeito. (...) A população não entende o pacto federativo, e, por

isso, ela achava que o presidente daria um jeito de devolver para Camaragibe o que o

IBGE retirou”.

Não foi possível reverter as decisões e os critérios de obtenção de recursos do

FPM e a gestão do município não conseguiu manter o mesmo padrão de execução das

políticas com que havia se comprometido. A situação foi agravada ainda mais pelos

efeitos de catástrofes naturais que obrigam a realização de transferências das

finalidades dos recursos e, ainda pior, com a crise da indústria responsável pela

principal fonte de receita do município, como mostra a entrevista n°1. “Outro

problema foi a catástrofe da chuva que nunca tinha sido tão volumosa. Soma-se isso

ainda a falência da fábrica de tecido em 2001 de Camaragibe32, que coloca pessoas no

desemprego e reduz a participação do município na cota do ICMS (Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços). Em 2002 começa a atrasar salário, não dá mais

para atender as demandas”.

O Partido dos Trabalhadores não conseguiu viabilizar uma candidatura depois

que a Justiça Eleitoral declarou inelegível a candidata mais popularmente legitimada

32 A Fábrica de Tecidos Camaragibe entrou em funcionamento no ano de 1895 com 559 operários (Cf. Azevedo, 1986:20). A fábrica foi arrematada pelo grupo francês Vivalin em 22 de setembro de 2004 com a promessa de readmitir os 700 trabalhadores demitidos com o processo de falência, mas, não há data definida para efetivar este propósito (Cf. Melo, 2004:2).

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do partido em razão de grau de parentesco com o prefeito ainda ocupante do cargo em

2004, que era o ano eleitoral. Em desvantagem, setores do partido tentaram realizar

uma aliança com o candidato João Lemos, que desta vez, concorria pelo PC do B

(Partido Comunista do Brasil), mas a este tinha uma coligação partidária consolidada.

A entrevista nº4 expressa a situação do seguinte modo: “Não havia mais a

possibilidade de inserir o PC do B no debate para sairmos na vice. Nem isso foi

possível (...). A candidatura que, na última hora, a gente teve que apoiar, veio do PSB,

com o ex-vereador Chicão. Uma candidatura sem expressão nenhuma. Nem o ânimo

dos militantes petistas ela conseguiu empolgar”. Restou ao PT indicar o candidato ao

cargo de vice-prefeito numa coligação com o PSB (Partido Socialista Brasileiro).

Assim, o mesmo prefeito que havia estado no PSB, e antecedera a Paulo Santana, o

sucedia agora pelo PC do B. Porém, eles são divergentes quanto ao governo que os

antecedera. Enquanto o petista assumira o cargo de prefeito com um discurso de

continuidade administrativa, o agora comunista adota uma postura discursiva de

ruptura com a administração anterior.

2.5.3 – O exercício do poder legislativo em Camaragibe

Até o momento foram seis eleições para a composição da Câmara de

vereadores da cidade de Camaragibe, desde 1982. Nas duas primeiras eleições os

candidatos do PMDB apresentaram maior expressão em quantidade de votos. O PSB

obteve maior expressão eleitoral para vereador na terceira e na quarta eleições. A quinta

eleição os candidatos pelo PDT forma os mais expressivos na totalidade de votos por

partidos. E, na última eleição o PFL apresentou uma votação majoritária que nunca

havia obtido na cidade, como pode ser visto no quadro nº1, anteriormente apresentado.

A expressiva quantidade de votos notada na categoria outros, conforme a

disposição dos dados acima é um sintoma da dispersão com que a vontade popular

manifesta a sua opinião quanto aos seus possíveis representantes no poder legislativo

municipal. Esta é a manifestação da forma fragmentada com que os habitantes de

Camaragibe organizam as forças populares para influenciar e dar uma direção ao poder

político. Fragmentada e sem projeto político próprio de governo, sem perspectiva

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consistente e abrangente de construção de uma nova sociedade, a população de

Camaragibe elege como representantes no legislativo uma maioria que atua na busca de

soluções imediatistas para os seus problemas. O apoio de um empresário de transportes

e deputado federal no município consta da entrevista de nº5. “Antes dessa eleição ele

(deputado federal) já era a pessoa mais próxima da gente na comunidade. Tem o

gabinete aberto e sempre atendeu a comunidade, e eu ligava pra ele, para a empresa

Metropolitana”.

Esta prática clientelista não se contenta em intermediar a concessão de favores,

mas sempre é efetivada com vistas a uma contrapartida eleitoral. Esta prática política

está subordinada aos interesses de mandatários mais elevados que procuram manter seus

postos através de apoiadores na base social. A representação política é constituída de

maneira que não corresponde à realidade social, mas, prende-se a algumas necessidades

imediatas. A entrevista nº4 revela esta prática que envolve a Câmara Municipal de

Camaragibe. “Tem o bloco de candidatos ligados ao deputado federal do PTB. São

quatro partidos: PMN, PT do B e PMDB. Quatro vereadores que foram eleitos são

ligados a ele. Ele financia vários candidatos. Ele é o deputado federal mais votado da

cidade”. Com isto, o legislativo municipal conta com membros que estão a serviço de

um parlamentar federal.

Um legislativo que se comporta deste modo não é capaz de assumir

compromissos históricos com os setores populares através de projetos que apontam para

uma nova sociedade. A entrevista nº4 demonstra a dificuldade de estabelecer esta

relação. “É muito complicado para fazer o debate. Os vereadores são preocupados com

o assistencialismo, com ambulância. Aqueles que botam ambulância conseguem se

eleger”. Sendo assim, a permuta do direito de primogenitura por um prato de lentilhas

continua sendo a prática constante de uma comunidade fragmentada e sem uma utopia

elaborada que possa ser a razão de suas lutas (Cf. Marx, 1968:308. O Capital, liv. I, vol.

I, cap. VIII). Diz ainda a entrevista nº4: “O legislativo relacionado com o socialismo,

isto eu acho ainda um sonho (...). O socialismo ainda está muito distante. As políticas

não são voltadas para a maioria”.

Um parlamento desta qualidade não consegue assumir as perspectivas de

mudança social e política em compromisso com as bases sociais das quais ele mesmo

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extrai os votos que o legitima. Qualquer projeto ou ação política vinculado a uma utopia

social encontra resistências neste tipo de parlamento. A entrevista nº3 expressa esta

realidade. “O PAP (Programa de Administração Participativa) enfrentou resistências

iniciais dos vereadores do município – da situação e da oposição. Contudo, com o

tempo, eles adotaram a estratégia de investir na eleição de delegados ligados

politicamente aos mesmos”. Deste modo, o legislativo de Camaragibe mostrou-se mais

resistente às mudanças na condução das ações políticas do que o aparelho burocrático

local.

O aprendizado obtido com a participação popular resulta em aspectos

contraditórios da prática parlamentar. Uma prática política popular consegue estabelecer

conteúdos que a população assume como característicos de um poder comprometido

com suas causas. A entrevista nº5 mostra a assimilação deste conteúdo. “Como estou no

meu primeiro mandato (...), estou com atenção no que é certo e errado. A LDO (Lei de

Diretrizes Orçamentárias) (...). Daí eu falei: vamos por o povo na rua! Daí, o prefeito

falou: cala a boca! Entendeu?! (...). Pelo prefeito, não tem diálogo com o povo.

Mandaram-me parar de chamar as pessoas. Disseram: não é pra chamar ninguém! (...).

foi uma confusão muito grande porque a audiência pública não aconteceu”. A prática

política diversa trouxe à memória a política participativa anterior. Assim continua a

entrevista nº5. “Na época de Paulo Santana, mesmo com tudo o que aconteceu, a gente

participava da elaboração da LDO. A gente ficava lá trabalhando junto. Aí ia um

delegado representando os outros para entregar, num ato solidário junto com o prefeito,

secretários para entregar a lei ao presidente da Câmara. Desta vez, os delegados nem

ficaram sabendo, não houve reunião, não houve nada”. Deste modo, o acordo entre os

poderes executivo e legislativo municipal foi efetivado sem a participação popular. A

representação parlamentar foi insuficiente para mobilizar a população para um

confronto com o poder instituído. A entrevista nº5 lembra alguns detalhes da reunião de

apresentação, debate e aprovação da LDO. “Eu pedi um à parte na câmara e falei de

tudo. E o prefeito disse depois: Você está junto com o movimento. Os vereadores nem

intervieram para me defender”. Assim é a democracia burguesa que será tratada na

seção seguinte.

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SEGUNDA SEÇÃO

O ESTADO BURGUÊS E A SUA FORMA DEMOCRÁTICA

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INTRODUÇÃO

A especificidade da sociedade em que vivemos exige uma atenção particular ao

Estado burguês considerando as suas estruturas fundamentais. São exatamente estas

estruturas que constituem o foco de atenção dos esforços realizados com o intuito de

organizar a participação popular. A segunda seção deste trabalho delineia o Estado

burguês com atenção à burocracia estatal e ao parlamento que são os grandes obstáculos

que desafiam a participação das pessoas das classes populares nas tomadas de decisões

sobre os rumos de suas próprias vidas.

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CAPÍTULO III

O ESTADO BURGUÊS

3.1 – A organização estatal

O Estado desempenha a função de organizar a dominação de uma classe social

sobre outras em conformidade com a maneira pela qual a classe dominante realiza a

apropriação do excedente em determinada abrangência territorial. Mas, esta organização

é um produto social e histórico. Ela não existiu sempre. Ela surge da necessidade do

exercício de um domínio de uma parte da sociedade sobre outra na implementação de

atividades fundamentais para sustentar um determinado modo de vida individual e

coletivo. Aqui, desponta uma preocupação com o que se denomina nível econômico.

Em qualquer sociedade, as pessoas exercem atividades imprescindíveis para

obter tudo o que necessitam para continuar vivendo. A forma como estas atividades se

organizam coletivamente caracterizam as sociedades de diversos modos. Estas

atividades resultam em produtos que podem ser consumidos pelos próprios produtores

ou trocados com outras pessoas por produtos diferenciados. A organização produtiva

varia desde as mais simples e primitivas, até às de grande complexidade tecnológica.

Existem elementos que estão presentes e exercem funções fundamentais no exercício da

atividade social produtiva. Estes elementos são as matérias primas, os instrumentos de

trabalho, isto é, os meios de produção, e a força de trabalho. Há necessidade, portanto,

que sejam realizadas relações entre os seres humanos e a natureza e, também, dos seres

humanos entre si mesmos. Os diversos tipos de relações dos humanos entre si mesmos

caracterizam a vida social e a natureza dos conflitos sociais.

Os elementos fundamentais das atividades produtivas são: a propriedade dos

meios de produção e o conjunto dos produtores diretos. As sociedades denominadas

primitivas usaram coletivamente a terra e os instrumentos de trabalho que podiam ser

produzidos assim que fossem necessários e chegaram a ser distribuídos como dádivas

em rituais observados em tribos de diversas partes do mundo, inclusive, do norte do

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Brasil. Nestas sociedades, não havia acumulação de produtos excedentes. Os trabalhos

excedentes que eram realizados nestas sociedades se revertiam em beneficio da

existência coletiva, como era o caso das guerras. São sociedades sem a presença de

classes e, assim, não apresentam conflitos antagônicos internos (Cf. Marx, 1981a:67).

Estas sociedades não dispõem de um organismo estatal, já que não necessitam de

atividades desta natureza e chegam a reagir diante da possibilidade do surgimento do

mesmo (Cf. Mindlin, 1985:47, 69, 80).

Nestas sociedades referidas acima, uma liderança profere discursos carregados de

sentidos durante uma reunião compartilhada pelo conjunto das individualidades que

compõem o grupo social. Entretanto, a voz da liderança não impede que,

concomitantemente, os que pertencem à mesma sociedade expressem suas vozes em

subgrupos informais a ponto de deixar dúvidas sobre a concordância com os conteúdos

discursivos ali produzidos. São sociedades em que a vida das pessoas é profundamente

ligada à natureza, e há dependência da participação coletiva nos esforços para obter os

víveres e não existem mecanismos que sustentem a acumulação privada de bens. A

observada desatenção aos discursos revela o não engajamento numa atividade que

aponta para a realização de uma forma de poder que pode surgir e se constituir no que

hoje conhecemos como Estado. Há uma espécie de resistência à constituição de um

aparelho estatal (Cf. Clastres, 1990:21-25, 106-152).

Estas sociedades não apresentam cisões em classes antagônicas. Nelas, a vida de

todas as pessoas e de cada uma está constituída de forma tão inter-relacionada que não

há pertinência na colocação de determinadas questões como - se é direito e/ou dever

participar de quaisquer assuntos de interesse social - por exemplo: a solução de

divergências com tribos vizinhas através de ações que podiam ser inclusive a guerra.

Quando, num dado momento, a atividade guerreira leva à escravização de quem perdeu

o conflito, surge uma separação entre habitantes de um mesmo espaço, com uma divisão

social do trabalho entre grupos que executam e outra parte que gerencia e usufrui o

trabalho alheio. Aí, há a necessidade de uma força pública distinta do povo em geral,

para garantir uma ordem social de domínio e de exploração. As terras passam a ser

demarcadas como propriedade de tribos e depois, de chefes tribais, e chegam à

propriedade privada de um meio de obtenção de víveres. O antagonismo social é

instaurado e a sociedade vai se tornando cada vez mais complexa. As decisões vão

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perdendo suas raízes populares. Então, surge o Estado, uma instituição gerenciadora dos

negócios comuns de uma classe social que explora trabalho de outra classe (Cf. Engels,

1985:354-370).

As principais dimensões da convivência humana dependem das relações

fundamentais entre os seres vivos e as coisas produzidas e/ou obtidas numa sociedade.

No caso da sociedade burguesa, trata-se de uma sociedade fracionada em classes,

determinadas por limites quase intransponíveis. Deste modo, estas relações passam a

ficar imbricadas com certas racionalidades científicas que delimitam campos do saber -

o que acaba por revelar os interesses presentes na definição e na implementação e

obtenção dos resultados da produção material e imaterial. Os limites entre as classes

sociais estão expostos em reflexões específicas a respeito das especialidades sociais,

políticas e econômicas. Assim, são colocadas as questões de méritos provenientes do

nascimento e da educação, como elementos para destaques na sociedade. Aparecem

também as questões do mando e da obediência quando a referência é da especialidade

da ação política. No mesmo sentido justificam-se as diversificações relacionadas a

certas propriedades e ao exercício do trabalho na obtenção de produtos (Cf. Santos,

1987:43).

O poder político aparece como a capacidade de uma personalidade constituída

de fazer com que os planos decorrentes de uma vontade predominante sejam executados

por uma determinada classe social nos limites de um perímetro territorial submetido ao

seu controle ou à sua influência. Como este poder desponta e se expressa? As guerras

entre tribos rivais podiam resultar no aniquilamento total do grupo adversário ou

incorporação da parte sobrevivente ao conjunto dos vitoriosos. Esta incorporação pode

assumir formas distintas como, ou tornar os vencidos membros em condições de

igualdade ou como escravos (Cf. Engels, 1985:355). Quando ocorre a última condição é

que instaura a desigualdade social de classe. Há um domínio de uma fração social sobre

outra e acontece a apropriação de (parte do) trabalho alheio. Foi deste modo que a

colonização portuguesa implementou a exploração econômica do território brasileiro,

primeiramente, tentando dominar os habitantes nativos e, com mais sucesso, trazendo

negros africanos como cativos e escravizados.

“A forma econômica específica na qual o trabalho não-pago se extorque dos produtores imediatos, exige a relação de domínio e

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sujeição tal como nasce diretamente da própria produção e, em retorno, age sobre ela de maneira determinante. Aí se fundamenta toda a estrutura da comunidade econômica – oriunda das próprias relações de produção – e, por conseguinte, a estrutura política que lhe é própria. É sempre na relação direta entre os proprietários dos meios de produção e os produtores imediatos (a forma dessa relação sempre corresponde naturalmente a dado nível de desenvolvimento dos métodos de trabalho e da produtividade social do trabalho) que encontramos o recôndito segredo, a base oculta da construção social toda e, por isso, da forma política das relações de soberania e dependência, em suma, da forma específica do Estado numa época dada. Isto não impede que a mesma base econômica, a mesma quanto às condições fundamentais, possa apresentar – em virtude de inumeráveis circunstancias empíricas diferentes, de condições naturais, de fatores étnicos, de influencias históricas de origem externa, etc. – infinitas variações e gradações que só a análise dessas condições empiricamente dadas permitirá entender” (Marx, 1980e:907. O Capital, liv. III, vol. VI, cap. XLVII).

No modo de produção capitalista, a apropriação do sobretrabalho é feita

fundamentalmente por meio de mecanismos econômicos, isto é, sob a forma de compra

e venda de força de trabalho. É através de uma troca ilusoriamente igual entre vendedor

de força de trabalho (o trabalhador) e o comprador dessa mercadoria, que é o

proprietário de meios de produção (o capitalista) se obtém produtos a serem vendidos

no mercado, por meio de um equivalente geral: a moeda.

Por isso, o Estado pode assumir a aparência de neutralidade diante de questões

mercantis e, por outro lado, os capitalistas podem dissimular os seus interesses diante da

condução da administração pública. Capitalista e proletário são constituídos como

juridicamente iguais, como pertencentes a uma comunidade nacional. “O Estado

burguês constitui os agentes da produção como indivíduos sujeitos e, por outro lado, os

aglutina em uma comunidade nacional. Em contrapartida, esta comunidade tende a ver

neste Estado o guardião do interesse geral e da soberania daquela comunidade. Neste

sentido, a ideologia nacional é uma transformação do culto ao Estado” (Almeida,

1995a:153) Mas o Estado executa políticas profundamente condizentes com os

interesses do domínio de classe. Ele realiza “a articulação, própria à estrutura do todo de

um modo de produção, comanda a constituição das instancias regionais” (Poulantzas,

1977:16). É a partir do Estado que o aparato jurídico se constitui e obtém a garantia de

eficácia dos contratos. É também garantida pelo Estado a confiança na moeda e do

respeito à propriedade privada dos meios de produção na sociedade, através do

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consenso e/ou da repressão. É o Estado burguês que cria e reproduz as condições

ideológicas e políticas da realização da acumulação capitalista de valor. Organiza a

dominação de classe burguesa e desorganiza os trabalhadores ao “dissolver os agentes

da produção em indivíduos juridicamente iguais” (Almeida, 1995a:64; Cf. Saes,

1985:29-38; e Rubin, 1987:47-87).

A aparente neutralidade se apresenta em razão da forma como a burocracia de

Estado é constituída. Enquanto no Estado feudal a nobreza era a classe beneficiária da

acumulação de valores e também a que assumia diretamente a administração dos

negócios públicos, no Estado burguês os cargos da burocracia estatal são preenchidos

por meio de mecanismos que camuflam o seu caráter de dominação de classe. O

aparelho burocrático do Estado “apresenta-se não diretamente como um aparelho de

dominação de classe, mas como a ‘unidade’, o princípio de organização e a encarnação

do ‘interesse geral’ da sociedade, o que, aliás, tem incidências capitais no

funcionamento concreto do aparelho burocrático: ocultação permanente do saber no seio

desse aparelho por intermédio de regras hierárquicas e formais de competência, o que só

torna possível pelo aparecimento da ideologia jurídico-política burguesa” (Poulantzas,

1977:210).

A unidade interna do aparelho de Estado é constantemente reforçada pela

submissão dos funcionários a uma estrutura hierárquica em que há atribuição de

competências e de atividades numa seqüência de saberes, decisões e obrigações

descentes que têm no topo piramidal o ponto de partida. Esta burocracia formula e reúne

meios para efetivar políticas tanto para a sua auto-reprodução quanto para o

atendimento das aspirações das classes sociais. Para tanto, o corpo burocrático que

garante a manutenção de um poder associado a certa ordem política e social, procura

mover-se por si mesmo através da exação de recursos gerados no interior da sociedade,

constituindo-se como uma força coletora de valores. O movimento de descida do topo

para a base burocrático-piramidal encontra a massa de funcionários, que é precisamente

a fração da burocracia que apresenta menores poderes de decisão, dispondo de menor

acesso direto às plenas razões de Estado, e a que mais está obrigada a cumprir

determinações superiores. Porém, a distância entre o topo e a base piramidal permite

maior mobilidade própria e também, sofrer maior influência do meio social (Cf. Saes,

1985:43 e 130). Este se constitui num aspecto em que a burocracia de Estado apresenta

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um ponto de fratura e estabelece compromissos de classe diversos dos que estão

relacionados com a classe dominante. Esta possibilidade aumenta na medida em que a

classe dominada se organiza e elabora propostas associadas à utopia de uma nova

sociedade em que dominação e exploração de classe sejam realidades superadas.

O acesso à burocracia é feito através de concursos públicos em que os

considerados mais competentes para o exercício das respectivas funções são recrutados.

A princípio, qualquer cidadão pode se habilitar a ocupar postos na composição da

burocracia. Não há mais o monopólio do acesso aos cargos burocráticos, como era o

exercido pela nobreza no feudalismo. A partir daí, constitui-se um corpo burocrático

cujo funcionamento é garantido por meio de uma lógica interna caracterizada pela

obediência a uma disciplina hierárquica em que os superiores ordenam o que fazer e

definem a dimensão das políticas. Essa burocracia se assume como possuidora de um

saber ao qual o acesso é restrito. Assim, a não monopolização dos cargos pela classe

dominante e o monopólio dos recursos administrativos constituem as características

fundamentais da burocracia de Estado mais adequadas à ordem social burguesa. Esta

burocracia é uma das condições que sustentam a heterogestão da sociedade, ou seja, a

gestão da sociedade passa a ser realizada por um corpo de especialistas que se destacam

e se colocam como se estivessem acima dela, como de fato aparecem. Deste modo, a

burocracia camufla o seu compromisso com a dominação de classe. Imbuída de pretensa

autolegitimação, esta burocracia organiza a dominação de classe instituindo duas

categorias de forças diretivas primordiais que são as forças coletoras (burocracia) e as

forças coercitivas (instituições militares). “O burocratismo impõe limites à prática dos

funcionários; esta varia tão-somente quanto ao ritmo e os instrumentos adotados na

execução de tarefas, cujo conteúdo geral é definido pelo topo da burocracia”. Esta

rigidez hierárquica pode ser quebrada com através organizações alternativas como

sindicatos, comitês e partidos políticos com outro projeto social (Saes, 1985:39-41 e 43.

Grifos do original).

O Estado burguês ainda dispõe de um parlamento que é composto de

representantes da população do território em que as normas reguladoras de convivência

social e política são reconhecidas como válidas. Eleitos para um período determinado,

os membros do parlamento passam a agir a partir de uma junção de interesses visando a

sua continuidade no cargo o que os torna cada vez mais distantes das camadas populares

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mais baixas das quais se nomeiam como representantes e das quais desejam receber

apenas os votos em períodos predefinidos. Há, dentre os burocratas, os que, fugindo do

caráter público da função, ousam também acumular - o que constitui fator de

deslegitimação da burocracia de Estado por parte de setores significativos da sociedade.

O parlamento, como local de debate e decisões, contribui na definição das políticas de

Estado (Cf. Pinheiro, 1999:98-102; Castello, 1988:136; e Saes, 1987:53-58).

O Estado burguês ainda se apresenta como uma estrutura auto-regulada através

de três poderes independentes e harmônicos, que são o executivo, o legislativo e o

judiciário. Mas, essa trindade não resiste a uma atenta observação na medida em que o

executivo promulga por iniciativa própria, algumas leis, sanciona ou veta determinadas

(partes de) leis aprovadas pelo legislativo e o legislativo também executa atividades de

investigação, que são próprias do judiciário com o executivo. O judiciário, por sua vez,

busca o chamado espírito da lei, formando jurisprudência, agindo assim, como se fosse

legislativo. Estes conflitos internos podem revelar posições diferentes de classes e

frações de classes na consolidação, introdução ou remoção de interesses específicos.

Ainda mais, o poder judiciário é parte importante do aparelho repressivo do Estado33. A

pretensa auto-regulação restringe-se à formulação de políticas reprodutoras das

condições de exploração do trabalho e da acumulação privada, em que a maior garantia

está na estrutura burocrática, apesar dos conflitos periódicos entre as esferas de poder

(Cf. Althusser, 1972).

3.2 - O Estado burguês e o território

3.2.1 – A política econômica

O Estado burguês é essencialmente caracterizado por três determinantes

funcionais apresentadas a seguir: 1) A privatização da produção. O Estado procura

excluir a produção de valores das decisões políticas. Mesmo que o Estado seja

proprietário de parte dos meios de produção, esta propriedade pública não “conduz à

estratégias de utilização e aplicação diferentes das adotadas pelo capital privado”. 2)

33 Para uma discussão ampla do assunto, consultar, Carvalho Netto, 1992 e Althusser, 1972.

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Dependência dos impostos. A eficácia das forças coletoras do Estado depende da

incidência do sistema tributário sobre o volume dos valores realizados pela acumulação

privada. É o processo de acumulação capitalista que possibilita a composição

substancial do orçamento estatal que, por sua vez, permite ao Estado “manifestar o seu

poder também com meios materiais”. 3) A acumulação como ponto de referência. A

manutenção da burocracia de Estado depende da coleta de parte da mais-valia. O Estado

é, deste modo, dependente do sucesso de realização do processo de acumulação

capitalista, como meio de prover o seu próprio. Assim, o poder político burguês

somente assume a forma de governo representativo somente quando o curso dos

negócios da classe dominante desfruta de legitimidade social associada ao

desenvolvimento das condições necessárias para realizar a mais-valia (Offe, 1984:122-

125).

O Estado procura cumprir suas funções atendendo as dimensões de território e

os compromissos de classe social. Com isto, a burocracia estatal define suas políticas,

ou seja, elabora e procura sustentar um conjunto de estratégias para produzir e

reproduzir uma compatibilidade entre as determinantes estruturais acima apontadas. Isto

acontece em dois eixos principais34, sendo um deles a superação de fronteiras espaciais

à realização do valor extorquido, como exigência da capacidade produtiva ampliada

com o uso de forças produtivas mais eficientes.

A superação das fragmentações do Estado Feudal, por exemplo, foi realizada

através da coesão das forças militares e políticas sobre um território submetido a um

procedimento jurídico comum e unidades monetárias comuns ou conversíveis, o que

possibilitou maior velocidade no movimento de circulação das mercadorias. Um

produto fabricado em um local pode necessitar (e acaba quase sempre necessitando) de

outros mercados para ser consumido (Cf. Wood, 2000:14-21). O caráter fiduciário da

moeda35 exige maior atuação estatal para garantir uma margem menor possível de

variabilidade tolerável no cumprimento de suas funções. A paridade da moeda nacional

com uma quantidade definida em ouro não eliminou a possibilidade de ocorrência das

34 Brunhoff, 1985, observa que os dois eixos principais da política econômica são: a gestão da moeda como garantia da troca de equivalentes, e a gestão da força de trabalho. Ver também Santos, 2001. 35 Entre 1816 e 1819 a Grã-Bretanha adota o padão-ouro para a Libra Esterlina que vigorou até o ano de 1931. O dólar americano esteve sob a mesma padronização aurífera até o ano de 1971 (Cf. Brunhoff, 1978:109-120; e, Bortolani, 1981:39-54).

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crises monetárias, pois, enquanto mercadoria, o ouro está sujeito ao mesmo processo de

produção como qualquer mercadoria. Assim, as gestões estatais adotam ou abandonam

a paridade entre moeda e metal (ouro) conforme resoluções políticas diante de questões

a serem enfrentadas. “Não mais repousando diretamente num valor materializado, a

coerção monetária que decorre da posição particular da moeda como equivalente geral é

cada vez mais percebida como um assunto do âmbito das regulamentações e das

instituições estatais” (Brunhoff, 1978:24. Grifo do original).

As práticas monetárias necessitam de um padrão de referência a quem recorrer

como garantia da equivalência geral entre mercadorias. Esta garantia precisa estar

embasada numa instituição que supostamente se situa acima dos interesses de classes

para regular, com uma aparente neutralidade, as práticas sociais e monetárias e que

garanta a realização de valores, apesar da contradição inerente à própria moeda, que é

uma fonte de crises. “A possibilidade geral das crises se estabelece no processo de

metamorfose do capital e de dois modos: no tocante ao dinheiro na função de meio de

circulação, com a compra e venda podem dissociar-se; no tocante ao dinheiro na função

de meio de pagamento, em dois papéis distintos, o de medida dos valores e o de

realização do valor, esses dois papéis podem romper a conjunção que os liga”

(Marx:1983:949. O Capital. Teorias da mais-valia. Liv. IV, vol. II, cap. XVII. Grifos do

original). Por isso, é a gestão estatal da moeda que garante uma margem de

invariabilidade dos valores, ela é “uma necessidade dos capitalistas de controlar

completamente as condições de reprodução capitalista, pelo amálgama de produção e

circulação mercantil e de produção e distribuição capitalista” (Brunhoff, 1978:67).

Todo o processo de produção de valores acumuláveis necessita de um sistema

de crédito que garanta aos proprietários de recursos monetários acumulados a solidez

dos contratos sobre as aplicações concretas que precisam realizar. “Na exposição sobre

o capital partimos da fórmula D-M-D’, da qual D-D’ era apenas o resultado. Agora

encontramos D-D’ no papel de sujeito. Como o crescimento é próprio da árvore, a

geração de dinheiro é própria do capital nessa sua forma pura de capital-dinheiro”

(Marx, 1985a:1506. O capital. Teorias da mais-valia. Liv. IV, vol. III. Aditamentos.

Grifos do original). Como o dinheiro acumulado é anterior ao próprio capitalismo ele

comporta a tendência ao isolamento dos seus possuidores, fazendo com que os

capitalistas financeiros estabeleçam um grau de conflito com os capitalistas produtivos.

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“A única acumulação que precede à gênese do capital é a do patrimônio-dinheiro”

(Marx, 1986a:475). As relações dos financistas com suas práticas possibilitam-lhe o

cultivo de uma ideologia própria, como se dispusessem de uma autonomia diante dos

processos de produção e de circulação de mercadorias36. Mas esta representação que

fazem de si mesmos não corresponde plenamente à realidade da realização de valores.

“O capital produtor de juros só prova sua eficácia como tal enquanto o dinheiro

emprestado se converte realmente em capital e produz um excedente do qual o juro

constitui parte” (Marx, 1985a:1527. O capital. Teorias da mais-valia. Liv. IV, vol. III.

Aditamentos). Desconsiderando este elemento da realidade, os financistas buscam

retorno cada vez mais veloz, fazendo com que os capitalistas produtivos, que precisam

recorrer aos recursos que controlam, despendam esforços para abreviarem os ciclos da

produção e da circulação de mercadorias. Os conflitos entre as frações do capital pela

acumulação de valores fazem com que despontem conflitos também entre os capitalistas

e o próprio Estado burguês na busca da concretização de condições mais vantajosas para

os ciclos que culminam na realização de valores acumuláveis de forma privada.

O fenômeno da denominada guerra fiscal também interfere neste processo. Ela

consiste fundamentalmente em renúncia parcial ou total em caráter temporal ou

definitivo de determinado tributo como forma de atrair ou manter unidades industriais

nos limites de uma unidade da federação (Estado ou município), ou numa situação de

disputa entre países. Em qualquer desses casos, a unidade territorial que já dispõe de

melhores instalações de infra-estrutura e de localização tende a aumentar cada vez mais

suas vantagens comparativas e dispõe ainda, de maior possibilidade de dispensar (parte

de) tributos (Cf. Oliveira, 2000:53-92). É contexto que fornece um dos fundamentos que

possibilita entender as defesas do Estado mínimo, isto é, que gasta menos recursos com

finalidades desinteressantes para os capitalistas. Deste modo, a proposição (neo)liberal

de redução do Estado, que se apresenta como uma virtude no interior da sua maneira de

pensar, não passa de uma necessidade de proceder a continuidade da dominação e da

exploração de classe. Trata-se, portanto, de efetuar adaptações do Estado diante de uma

realidade sobre a qual atua. “A política monetária vê-se a si mesma como uma atividade

ofensiva. Em realidade, ela só pode corresponder a uma prática defensiva (...). O Estado

apresenta-se simultaneamente como promotor e o garante da coerção monetária,

36 “A ideologia dos rentistas é, como o próprio Bukharin indicou, a ideologia de um grupo social cada vez mais voltado ao ostracismo na classe em que se integra” (Bernardo, 1977a:175).

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quando, na verdade, ele só toma conhecimento dela no momento em que ele próprio é

atingido” (Brunhoff, 1978:27). Desta forma, o Estado burguês é condutor e conduzido

pelos processos concretos de realização dos valores privadamente acumuláveis, que

podem ter os rumos revertidos pelo movimento operário. Os conflitos que ocorrem no

interior da classe dominante ou entre classes que exploram trabalho alheio e expandem

suas conseqüências para os trabalhadores com a retração ou não do mercado de trabalho

em determinados locais. Conjugam-se, deste modo, tanto o movimento produtivo

quanto o movimento da circulação mercantil, que são primordiais para a realização da

mais-valia.

O outro eixo principal da política econômica é a gestão da força de trabalho, que

constitui um elemento central na produção de mercadorias. Os capitalistas necessitam

da disponibilidade de um estoque de força de trabalho em reserva para que eles possam

assalariar quando necessário ao movimento produtivo (Cf. Brunhoff, 1985:8-29). Como

o Estado assume esta função, é necessário elaborar e efetivar políticas que garantam a

reprodução da força de trabalho. É comum a existência de conflitos entre capitalistas

particulares e o Estado quanto a esta questão, como é o caso da definição de um piso

salarial nacional37.

As políticas voltadas para a reprodução da força de trabalho precisam estar em

sintonia com o ritmo dos empreendimentos produtivos em cada local específico, mas a

dinâmica da produção capitalista impede a ocorrência de harmonia entre uma e outra. Se

anteriormente, os capitalistas se empenhavam diretamente neste processo, ele foi

transferido para o Estado que passa a arcar com a responsabilidade de cuidar das

questões sanitárias, educacionais e habitacionais. Camaragibe é um exemplo deste

processo (Ver Capítulo II). Novamente, a questão da territorialidade e classes sociais

revela a sua maior importância. “As decisões de macropolítica ficam a cargo das

instancias centrais do aparelho de Estado e a questão da reprodução da força de

trabalho, que é fundamental para a reprodução da dominação capitalista de classe, fica a

cargo democraticamente do poder local, sem ser questionada nos seus termos”

37 “O Estado estabelece um mínimo abaixo do qual a contratação é anulável. (...) Nestas condições desaparece a liberdade de negociação coletiva e o Estado assume a responsabilidade de nivelar os salários (Simões, 1979:182. Grifo do original).

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(Almeida, 1997:122). As gestões locais ficam com suas ações políticas delimitadas por

instancias territoriais superiores, que são os Estados e a União Federal.

A relação entre o poder local e o geral ou (inter)nacional, se torna cada vez mais

necessária para a sustentabilidade política dos projetos coletivos das classes populares.

A regulação que o Estado implementa sobre um território apresenta reflexos sobre a

constituição, mobilidade e renovação dos quadros burocráticos do Estado e também

sobre as frações burguesas de classe, juntamente com os apoiadores periféricos ao

sistema e seus interesses locais (Cf. Anderson, 1978:32; Terray, 1979:58). Num regime

político que se diz democrático, periodicamente recorre-se à população para a

constituição do legislativo, do executivo e, às vezes e em parte, do judiciário. Deste

modo, ao dividir o território, a burguesia procura acomodar conflitos de duas naturezas.

De um lado, ela atende aos interesses de suas frações na busca de realização da

acumulação e no controle do aparato estatal através da composição de uma burocracia

com ela comprometida. Por outro lado, a divisão territorial em frações menores

proporciona uma possível destinação mais precisa de recursos visando atender as

necessidades de reprodução da força de trabalho. Mas, as condições desta reprodução

aparecem nas proposições discursivas como decorrentes dos direitos de cidadãos a uma

vida digna. (Cf. Almeida, 1993:42, 46-48).

A partir dos territórios municipais foram constituídas no Brasil diversas posturas

políticas que vão do apoio irrestrito às políticas do poder central à contestação de

medidas contrastantes com os interesses locais. O município constitui-se como um

espaço de conflito entre classes quando aprofundam as divergências na condução de

políticas com características díspares. Exemplo desse fenômeno foi Olinda, que teve seu

território continuamente fracionado a ponto de fazer surgir diversos municípios, dentre

eles o de Camaragibe (Capítulos II e VII).

3.2.2 – A definição da política orçamentária

Com a criação da república brasileira em 1891, as antigas províncias adquiriam

status de entes federados, quebrando a centralização política que caracterizava o

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império38. Entretanto, mesmo com a federação há movimentos de centralização e

descentralização da política orçamentária por meio de leis tributárias. Enquanto

membros de uma federação os Estados passam a ter autonomia para definir e executar

determinadas políticas no interior de seus territórios dentro das competências e dos

limites definidos por legislação federal.

A definição das competências e limites sempre foi motivo de conflitos entre os

entres federados e a União. As iniciativas principais foram as de procurar estabelecer

uma unificação nos procedimentos orçamentários por meio de normas contábeis. Foram

realizados congressos com a participação de profissionais de contabilidade pública e de

assuntos fazendários cujas propostas resultaram no “Código de contabilidade da União”

em 1922 e passou por reformulações que foram assumidas pelo poder público através

do Decreto Lei nº1804 de 24 de dezembro de 1939, e do Decreto Lei nº2416 de 17 de

julho de 1940 (Cf. Castro,1996:34-35).

Somente no ano de 1964 é que foi aprovada a Lei nº4320, que se tornou um

marco regulador das peças orçamentárias no Brasil. Por meio desta lei foi estabelecido

um sistema padronizado único tanto para a União Federal, quanto para os Estados e

municípios, assumindo as recomendações de classificação econômica das transações

governamentais provenientes da ONU (Organização das Nações Unidas). Esta lei

adquire sua maior relevância a partir de 1967, quando entra em vigor o Código

Tributário Nacional reformulado no ano anterior e que define melhor as competências

sobre a arrecadação para os três níveis de governo (Federal, Estadual e municipal). A

Constituição brasileira de 1988 determinou a obrigatoriedade para o orçamento público

ser elaborado e aplicado a partir de três instrumentos de planejamento que são a LDO

(Lei de Diretrizes Orçamentárias), na qual se define as normas orientadoras da

elaboração do orçamento o PPA (Plano Plurianual), que abrange uma previsão de

receitas e despesas para um período de quatro anos e a LOA (Lei Orçamentária Anual),

que fraciona o PPA para cada de exercício fiscal dentro do seu período de abrangência

(Cf. Oliveira,1991:19-66; e Castro, 1966:36-44).

38 Em 1827 surgiu a primeira lei orçamentária brasileira que determina a apresentação das previsões de receitas, com as respectivas fontes, e despesas para o seguinte exercício anual, num único diploma legal, que depois de aprovado pela Câmara Federal seria assumido pelo Tesouro Nacional (Cf. Castro, 1996:35).

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3.2.3 – A arrecadação e a crise fiscal

A definição de mecanismos para a elaboração orçamentária revela a tentativa de

descontrolar as despesas públicas. Os três dispositivos legais orçamentários

fundamentais (LDO, PPA e LOA) são justificados como sendo mecanismos necessários

para possibilitar o exercício de vigilância do processo de elaboração e de execução do

orçamento público. A exposição clara dos destinos dos recursos é uma forma de revelar

quais são os setores sociais beneficiários da arrecadação (Cf. Oliveira, 1995:130).

Mas, as forças coletoras do Estado burguês incidem sobre as atividades

exercidas dentro do seu território e mostram a sua maior ferocidade diante dos que

apresentam menor capacidade de resistência e subterfúgios bastante eficazes, como, por

exemplo, a prática de elisão e de sonegação fiscal39, e a prática de corrupção40 - que

resultam no desvio de recursos da finalidade legal e previamente determinada, como

parte da luta entre frações da burguesia com ou sem participação direta no aparelho de

Estado, pela apropriação destes mesmos recursos (Pinheiro, 1999:109). De qualquer

modo, o Estado se apropria de parte da mais-valia cujas fontes são as atividades

produtivas dos trabalhadores, que são os dispõem de menor resistência diante das

atividades coletoras em razão da situação fragmentária de classe promovida pelo mesmo

Estado (Capítulo I).

Entretanto, as forças coletoras encontram também outro limite que é estrutural.

O Estado poderia apropriar-se de toda a mais-valia se ele fosse composto totalmente

pela classe dominante, o que não é o caso do Estado burguês. Deste modo, no que se

refere aos proprietários de meios de produção cabe ao Estado coletar parte da extorquia

realizada pelos capitalistas - o que resulta em manifestações contra o (tamanho do)

Estado. Deste contexto surgem as expressões individuais ou de entidades empresariais

39 A elisão fiscal é um subterfúgio utilizado pelas empresas para reduzir o valor de um tributo a ser pago. A depreciação de um equipamento pode ser vista tanto pelo aspecto econômico (desgaste físico e obsolescência), quanto pelo aspecto físico (ação provenientes de intempéries) e ainda, a partir do aspecto contábil. “O que vale para efeito de dedução do lucro tributável é a depreciação contábil, diferente da depreciação real ou efetiva” (Ferreira, 1995:372). 40 A CPI do PC detectou a corrupção como fonte alimentadora de caixa dois, contas fantasma e de financiamento de campanhas eleitorais (Cf. Mendes, 1992:57-59-191).

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em prol da redução da carga tributária contra os gastos excessivos e contra o uso

ineficiente dos recursos públicos. Quando os empresários obtêm sucesso nestas

manifestações e o Estado não pode reduzir suas despesas, ocorrem as crises fiscais. A

principal razão de ser destas manifestações está na possibilidade do decréscimo da

capacidade de transferência de mais-valia da parte dos capitalistas para o Estado diante

da tendência decrescente da taxa de mais-valia que é um dos pontos nevrálgicos da

produção capitalista41. Deste modo, as crises fiscais são manifestações de crises

estruturais do modo de produção capitalista.

Não faltam iniciativas burocráticas e legislativas para enfrentar as crises fiscais.

No período após a segunda guerra mundial o mecanismo inflacionário passou a ser

aplicado como forma de ampliação de recursos por parte do Estado, sendo abandonado

com a reforma tributária de 1966 e, ainda, aponta para a necessidade de corte nos gastos

públicos (Cf. Oliveira, 1991:31 e 44). Uma segunda medida está na concessão de

incentivos fiscais como forma de atrair investimentos para um território. Outra medida

tomada se refere ao controle dos gastos públicos42, que adquire maior relevância após as

administrações que buscam a participação popular e também a partir da Constituição de

1988, com a instituição dos conselhos de direitos e, depois, com a aprovação da Lei

Complementar nº101, de 04 de maio de 2000, que representa o desfecho legislativo da

proposta de dotar a administração pública da racionalidade das empresas privadas e

reverter a tendência anterior dos gestores públicos, que elevavam os gastos estatais para

um nível acima da capacidade que o Estado possuía para arrecadar. A lei de

responsabilidade fiscal obriga os gestores públicos, a reduzir o contingente de pessoal

na proporção limite em que haja queda de arrecadação (Cf. Oliveira, 1991:47; Santos,

2001:122). O que se refere à participação popular será tratado na terceira seção deste

trabalho.

41 “A retração das receitas se explica principalmente pelo processo recessivo a que foi submetida a economia, embora a aceleração da inflação muito certamente tenha também desempenhado papel importante na sua deterioração” (Oliveira, 1995:30). 42 “O sentido é de que o governo possa administrar um déficit sem que necessariamente ocorra uma deterioração de seu passivo” (Santos, 2001:155).

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3.3 - O Estado em questão

Quando se fala do Estado, refere-se a uma organização que implementa políticas

no sentido de garantir a existência e a reprodução das condições que sustentam um

ordenamento social favorável aos interesses de uma determinada classe dominante

numa dada área de abrangência territorial. Deste modo, as políticas efetivadas pela

organização estatal precisam estar em consonância com a dominação social e

econômica. O sucesso para um projeto desta envergadura, condizente com os interesses

burgueses, depende da possibilidade de sua imposição às demais classes sociais. Trata-

se, portanto, de um conflito social diante da dominação política e da apropriação do

valor socialmente produzido em determinadas condições sociais, econômicas e

políticas. Se falarmos em política de Estado, fazemos referência a uma ação planejada e

efetivada por deliberação e controle de um aparelho de Estado. Em outros termos, uma

política de Estado constitui-se de uma orientação e de um conjunto de atividades postas

em prática pelo Estado. Não se pode falar de uma administração neutra do Estado, mas,

da implementação de um conjunto de políticas favoráveis a uma classe social (apesar

das divergências entre setores de classe), cujos interesses estão em contradição

inconciliável com pelo menos uma outra classe social, que não pode usufruir desta

situação de privilégio, pois, uma acumula riquezas, enquanto à outra, resta a condição

de produtora destas mesmas riquezas. Neste contexto, a participação popular é

problemática (Ver terceira seção).

O processo de produção de riqueza no modo de produção capitalista exige que

uma classe seja produtora direta, mas que não detenha os meios de acumular os valores

que ela mesma produz. Para isso acontecer de modo favorável à classe acumuladora de

capital é preciso haver uma dominação social que impeça aos trabalhadores

implementar atividades que levem à quebra da estrutura que lhes é desfavorável.

Como a classe social dominante mantém esse poder de ditar os rumos da vida e

da economia de toda a sociedade? Aí, o Estado organiza a dominação legitimando os

comportamentos sociais. O poder político e a legitimação do exercício deste poder

coexistem na garantia da ordem que pretende ser geral. Mesmo executando uma

dominação de classe, reproduzindo as condições em que a burguesia explora a classe

proletária, o Estado precisa de legitimidade social para as suas políticas. Assim, a

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aparência de atendimento aos interesses imediatos precisa do respaldo da população.

Deste ponto, podem surgir momentos de crise política em razão de diversos fatores. Em

linhas gerais, há divergências no interior da própria burguesia com relação ao conteúdo

e alcance das políticas de Estado. Frações do capital fazem surgir interesses setoriais

divergentes quanto aos rumos da acumulação de capitais. Assim, podem surgir os

conflitos em torno dos tipos de políticas a serem efetivadas pelo Estado no interior da

própria burguesia. Por isso, os interesses dos dominantes podem se constituir como

exemplos concretos brasileiros da burguesia agro-exportadora, industrial e financeira,

que podem ou não estar associados ao movimento internacional do capital (Cf.

Almeida, 2001:108).

Quanto ao exercício do poder, o aparelho de Estado e as políticas efetivadas

pelo mesmo se incumbem de garantir uma dada ordem social. Conforme a função

primordial, cada aparelho estatal pode ser classificado como repressor ou como

ideológico, embora eles sejam simultaneamente repressores e ideológicos43. A presença

de um aparato militar em desfiles, com uniforme de gala e armas descarregadas é uma

demonstração de força à disposição do comando burocrático do Estado ou em rebelião

diante de decisões e ordens cuja legitimidade esteja passando por questionamentos. A

população que assiste a tais desfiles sofre o efeito do falso conforto da proteção à

liberdade individual irrestrita dentro do território nacional44. Na verdade, o aparelho

repressor é a garantia de continuidade de um projeto de dominação de classe, pois a

repressão é da natureza do exercício de atividades pertinentes aos domínios na

sociedade (Cf. Althusser, 1999:104-112).

Para o nosso estudo, interessa considerar o aparelho repressor que compreende

“o governo, a administração, as forças armadas, a polícia, os tribunais, as prisões (...), e

dos aparelhos ideológicos, o aparelho político que abarca o parlamento, os partidos

políticos” (Althusser, 1999:102-103). Podemos nos aproximar de nosso objeto de

estudo aqui, na medida em que as inconformidades com as condições de exploração que

43 “A ideologia da burocracia aparece (mais) quando se dá a divisão dos funcionários como portadores de símbolos, uniformes e signos do que do saber real, técnico e utilitário: hierarquia autoritária” (Tragtenberg, 1974:24. Grifo do original). 44 “... apresentar a tese de que todo Aparelho de Estado, seja repressor ou ideológico, funciona simultaneamente, por meio da repressão e por meio da ideologia. Mas com uma diferença muito importante que impede a confusão entre o aparelho repressor e os aparelhos ideológicos de Estado” (Althusser, 1999:112). (Grifos do original).

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a classe trabalhadora suporta, resultam na exigência de mais do que medidas

administrativas com relação à eficiência dos serviços públicos executados pelo Estado e

possam demandar mais do que a efetivação de determinadas políticas sociais, em razão

de sua abrangência. A manutenção do domínio começa a necessitar do recurso à força

efetiva para garantir a ordem social que interessa à burguesia.

O Estado burguês aparece na voz de seus ideólogos e na efetivação de suas

políticas como um organismo necessário à ordem social como um todo, concentra o

exercício do poder em uma sociedade, através de na sua configuração fracionada em

três partes que são doutrinariamente apresentadas como sendo distintas, independentes e

harmônicas: o poder executivo, o poder legislativo e o poder judiciário.

O contexto político em que o poder é exercido transparece como se as políticas

de Estado fossem resultantes dos embates legislativos, dos quais resultam as leis, que o

executivo tem de aplicar e ao judiciário se pode recorrer em qualquer momento em que

direitos forem violados. Estes dispositivos precisam ser observados nos limites do

Estado-nação ou nas entidades subnacionais, conforme a abrangência da lei específica.

Mas, este jogo é parte da dinâmica em que o domínio de classe e a exploração

econômica que a burguesia realiza sobre a classe proletária são efetivados. Trata-se de

um antagonismo classista da sociedade burguesa. Esta sociedade precisa reproduzir

constantemente as condições de continuidade do Estado e das ações favoráveis à classe

dominante, mantendo o proletariado submisso e, para tanto, são necessários os

aparelhos de Estado ocupados e dirigidos por pessoas aptas a executarem as políticas

decorrentes dos objetivos traçados. Para empreender o domínio da classe burguesa é

realizado politicamente por um corpo burocrático cuja missão é executar as políticas

decorrentes da organização econômica e social. Este corpo burocrático desenvolve sua

lógica de manutenção legitimada pelo discurso da competência e da eficiência, e, com

isso, procura garantir a estabilidade para os ocupantes dos cargos. Desta forma, são

constituídos os aparelhos repressivos e ideológicos que atuam “a serviço da política do

Estado” (Althusser, 1999:107).

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3.4 - O caráter burguês das políticas de Estado

O Estado burguês constitui um corpo burocrático de representantes e executores

de políticas na garantia do domínio da classe social a que se acha relacionado e

comprometido. Porém, suas políticas são definidas como se fossem do interesse de toda

a sociedade. Mas, uma razão primordial para se constituir um Estado é a garantia da

propriedade - não da propriedade em geral, pois, a ela todos têm direito. Trata-se,

portanto, de uma propriedade específica à qual é necessária a existência de certas

garantias coletivas que a tornem duradoura. É uma propriedade que está restrita a uma

parte da sociedade, mas que precisa de imunidade diante das aspirações coletivas. É

com o Estado e as leis que regulam as relações entre os indivíduos que proprietários

privados de meios de produção passam a contar com um organismo que regula e faz

prevalecer este tipo de propriedade como elemento significativo nas relações sociais.

Há uma camuflagem sobre a representação de classe ao se referirem aos

indivíduos isolados como sendo os beneficiários da organização estatal e da ordem

social sustentada por esta organização. Nesta formulação, transparece um dos elementos

da crise do Estado burguês, que é a questão da legitimidade de sua constituição.

Apresentando-se como representante dos indivíduos, representa, na verdade, um setor,

uma agrupamento, isto é uma classe social. O recurso aos eventos eleitorais para a

ocupação (rotativa) de cargos no aparelho de Estado também é feito com referência aos

indivíduos (cidadãos) e tentando desqualificar os adversários com projetos alternativos

como incompetentes (discurso da burocracia instalada). Para garantir o poder, ela

necessita de um corpo burocrático diferenciado da sociedade e de uma instituição

militar que reprima as contestações que busquem aniquilar as políticas implementadas e

organização de onde são originárias. Quando a ordem social estabelecida tende a ruir

recorre-se aos militares (Cf. Almeida, 2001:140; e, Saes, 1984:13).

A crise do Estado burguês se torna mais séria quando ela não pode ser resolvida

através de eleições. Esta situação possibilita a ocorrência dos golpes de Estado e a

democracia se converte em ditadura (que pode ser militar) para garantir a dada ordem

social correspondente à classe dominante. Na verdade, a ditadura explícita acontece

quando a burguesia dominante não está podendo ditar sua política consensualmente a

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toda a sociedade. Estes são momentos em que os partidos e frações partidárias

defensoras dos interesses burgueses encontram dificuldades em sustentar sua hegemonia

na condução da política. Quando ocorrem simplesmente sucessivas alternâncias entre

partidos e frações de partidos favoráveis à classe dominante, os atritos parlamentares

são toleráveis e a ordem social e econômica segue seu curso. O problema surge quando

a crise hegemônica passa a refletir forças sociais antagônicas ao projeto de dominação

de classe, tornando-se um sintoma de processos sociais e econômicos transitórios (Cf.

Costa Neto, 1988:118). É quando uma classe social dominada começa a ameaçar o

ordenamento burguês, que a burguesia demonstra que governa para a sua classe e dita

sua política para a sociedade inteira.

Adam Smith já havia percebido esta situação conflituosa entre proletários e

capitalistas quanto ao valor a ser pago em salários. Além de afirmar a maior facilidade

de organização por parte dos empresários, notava que eles contam com o apoio decisivo

dos órgãos de Estado. “Não há leis do parlamento que proíbam os patrões de combinar

uma redução de salários; muitas são, porém, as leis do Parlamento que proíbem

associações para aumentar os salários (...). Embora a lei não possa impedir as pessoas da

mesma ocupação de se reunirem às vezes, nada deve fazer no sentido de facilitar tais

reuniões e muito menos torná-las necessárias” (Smith, 1988a: 63-64, e 109). Smith

percebe um ponto de interesses antagônicos em que políticas gerais de Estado são

necessárias para tentar evitar o desenlace de conflitos que pudessem aniquilar a

exploração capitalista de classe.

O questionamento de leis logicamente emanadas do Estado por parte do

movimento operário (e também por movimentos populares) pode provocar uma crise na

direção política. O movimento operário em geral e as greves causam perturbações na

burocracia governante (Cf. Rosenberg, 1986; e Souza, 2001:43). Mas essa crise pode

ser mais grave se o questionamento da ordem política se fizer acompanhar do

questionamento da ordem econômica. Aparece aqui, outro tipo de crise que tem sua

origem nas relações mais propriamente econômicas e que interferem no aparelho de

Estado. À medida que vão ocorrendo aumentos na composição orgânica do capital

aumentam as pressões sobre os limites das relações capitalistas de produção diante das

dificuldades de realização dos valores extorquidos e, conseqüentemente, sobre o Estado

quanto à garantia de continuidade das condições de reprodução social. Nada mais lógico

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do que a crise da produção capitalista refletir seriamente no Estado burguês. Ele

implementa um conjunto de políticas anticrise, que se constituem basicamente em

ampliar as linhas de crédito ao aumentar a massa monetária circulante - o que acaba

inflacionando a moeda. Isto provoca a queda das condições de sobrevivência, fazendo

com que os operários se movimentem podendo questionar a ordem social vigente e

chegar a ponto de superação da mesma com a gestão coletiva da produção (Cf. Mandel,

1990:11-13; e Petras, 1995:44-46).

Uma saída econômica é a ampliação do mercado consumidor. Daí, o ímpeto

destruidor de restrições em mercados considerados periféricos. Mas as conseqüências

não tardam muito. Uma economia mundial gera crises que também provoca

conseqüências mundiais. O que era observado dentro das fronteiras nacionais torna-se

um fenômeno global. As normas de consumo passam por um processo de

homogeneização. Tanto os investimentos quanto os níveis de consumo doméstico e,

ainda, as receitas e despesas públicas ficam sujeitas aos efeitos deste processo. Os

proprietários dos meios de produção avançados empregam cada vez menos horas

humanas de trabalho e, na redução de custos, seleciona os locais de investimentos tanto

financeiros quanto produtivos a partir de centros decisórios com conotações mundiais45.

A concentração de capitais acontece em prejuízo dos países periféricos. Não há lugar ao

sol para todas as pessoas (Cf. Chesnais, 2001:12; Almeida, 1999b: 177). As

composições burguesas nacionais procuram garantir suas posições, e o fazem por meio

do controle da realização dos negócios com base em condições estabelecidas nos seus

próprios países, fazendo com que haja alguma contradição entre os interesses da

burguesia mundial e a burguesia de cada nação, reproduzindo no território nacional as

relações de dependência que são próprias da formação burguesa de sociedade (Cf.

Almeida, 2003:65). “O processo de acumulação imperial leva à concentração da riqueza

e abre oportunidades a estratos da pequena burguesia para promover a capitalização

nacional através do controle do Estado e de sua receita” (Petras, 1980:47).

Ao se deparar com este mesmo ponto de crise, Karl Marx aprofundou a análise

da mesma e, em vez de apontar soluções abafadoras, buscou uma via de solução através

45 “O oligopólio em lugar de concorrência encarniçada, mas também de colaboração entre grupos (...). O sucesso de uma empresa significa, cada vez mais, a falência ou a absorção de outras” (Chesnais, 1996:93 e 218).

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da superação do modo de produção que a gera. Ela surge de um antagonismo entre

quem produz e quem se apropria da riqueza produzida, e do deslocamento social

provocado pelos conflitos de interesses entre os acumuladores de capital pela realização

da mais-valia. É um questionamento dos fundamentos da exploração de uma classe, a

burguesa, sobre a proletária (Cf. Marx, 1980a:608-613, 647-673. O Capital, liv. I, vol.

II, Cap. XVI, XX e XXI). A predominância financeira do capital em todo o globo

imprime uma característica peculiar à sociedade burguesa. A concentração dos recursos

monetários concentra também os mecanismos, critérios e locais de decisão. O Capital

toma alguns cuidados para manter a sua lógica de acumulação e, por isso, avalia

cuidadosamente os riscos dos investimentos e seleciona os locais que parecem garantir

retornos melhores e mais rápidos. Ao agir deste modo, a burguesia abandona locais

antes lucrativos para instalar equipamentos produtivos em outros mais atraentes. O

resultado disto é a retração de atividades nos locais relegados ao segundo plano,

provocando a diminuição dos recursos fiscais para o Estado. É neste contexto de crise

social da qual o Estado burguês não é imune, que pretendemos analisar a efetivação de

políticas orçamentárias participativas. É um momento de nos aproximarmos mais uma

vez do objetivo de estudo deste trabalho e dos objetivos que apontam para a busca de

uma nova ordem, onde aqueles que hoje suportam as conseqüências das crises passem a

condutores do processo de superação da (des)ordem vigente. Neste sentido, é preciso

verificar a forma democrática da qual nos ocupamos no seguinte capítulo, que compõe

esta seção, e o alcance transformador da participação popular, que será tratada na

terceira seção deste trabalho.

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CAPÍTULO IV

A FORMA DEMOCRÁTICA DO ESTADO

4.1 - Os fundamentos liberais da democracia

As referências mais comuns à democracia se apresentam por meio de diversas

expressões conceituais que, se referindo ao mesmo objeto, ressaltam aspectos

diferenciados do mesmo e deixam transparecer a ideologia de seus autores e a formação

social à qual ela mais se coaduna. Ela é considerada no conjunto de possíveis formas de

Estado sendo ou não, ressaltada a maneira como estas mesmas formas se relacionam

com uma sociedade em questão, ou então, como isto acontece no espaço e no tempo em

experiências bastante diversificadas. As duas principais formas de Estado são a

democrática e a ditatorial. Elas são opostas quanto à lógica operacional. Enquanto na

ditadura predominância do corpo burocrático é visível e direta, na democracia há uma

interferência do parlamento nas definições das políticas de Estado. As referências à

democracia aparecem através de diversas expressões como: Estado democrático de

direito, democracia representativa, democracia direta, governo representativo. Na

sociedade burguesa, mesmo a melhor forma de Estado, que é a democracia, tem que

conviver com a dominação e com a exploração de uma classe social por outra.

É o compromisso e a defesa de interesses de uma classe dominante que

possibilita entender as formas de governo. Por isso, pode-se sustentar uma alta

correlação entre forma de governo e a constituição da sociedade em questão, com a

identificação da classe social dominante. Aristóteles sustentava a existência de “três

constituições puras: a realeza, a aristocracia a república e outras três que formam um

desvio destas: a tirania para a realeza, a oligarquia com respeito à aristocracia, e a

democracia com respeito à república”. E delas, a melhor é a aristocracia (Aristóteles,

1966:178. A política, liv. VI, cap. II, § 1). Está aí o posicionamento político do autor

clássico, que mesmo depois de apontar os respectivos desvios, acaba revelando a sua

preferência pela forma de Estado onde a dominação de classe é a marca característica.

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A forma de Estado que recebe a denominação de democracia e que a burguesia

pode suportar está marcada por elementos que não questionam a (des)ordem social de

dominação e de acumulação de riqueza. Do mesmo modo que Aristóteles recomendava

a não estender a condição de cidadão a todas as pessoas de quem a cidade necessita para

existir (Cf. Aristóteles, 1966:83. A política, liv. III, cap. III, § 2), a democracia burguesa

exerce uma vigilância sobre os contornos da cena política de modo que a hegemonia das

tomadas de decisões seja mantida em favor dos interesses capitalistas. Deste modo,

existe uma parte da sociedade que não dispõe do uso pleno de mecanismos de

interferência nas decisões políticas.

Expoentes do pensamento liberal contrapõem poder e liberdade. Aparecem no

interior deste pensamento dois pólos na discussão que trata da liberdade no âmbito das

condições da vida civil ou social e, partindo daí, procura definir os limites do exercício

do poder social sobre o indivíduo. Assim, há uma necessidade fundamental de que o

indivíduo tenha uma proteção diante dos possíveis atos de tirania. Ela é encarada com

terror. Os atos despóticos (e tirânicos) são ainda mais graves quando transcendem os

atos dos magistrados e se enraízam na opinião e no sentimento social predominante.

Numa situação desta, a liberdade individual está sob uma ameaça inaceitável. O que

fazer para garantir um limite às interferências de qualquer natureza sobre a liberdade de

cada pessoa? Para alguns, a liberdade precisa ser absoluta em dois aspectos. “Ela

abrange, primeiro, o domínio íntimo da consciência (...). Em segundo lugar (...), a

liberdade de gastos e de ocupação (...) de associações entre os indivíduos. (...) Nenhuma

sociedade é completamente livre se nelas essas liberdades não forem absolutas e sem

reservas” (Stuart Mill, 1991:45-56 e 83).

Mas é preciso estabelecer condições. Há que se organizar a vida coletiva e

garantir as diversas expressões de idéias, pois “nunca podemos estar seguros de que a

opinião que procuramos sufocar seja falsa e, se estivermos seguros, sufocá-la seria ainda

um mal” (Stuart Mill, 1991:53). Mas a pretensão de infalibilidade, que é uma ousadia

que se arroga em decidir qualquer questão por outros, é reprovável. Muitas ações

efetuadas na história não tiveram este devido cuidado. As argumentações não são

abrangentes. Geralmente elas se restringem a um lado da questão e desconsideram

completamente o outro. Deste modo, encontramo-nos num paradoxo e, como tal, diante

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de um nó logicamente não desatável que leva às práticas pendulares que vão de um

extremo a outro, isto é, do poder à liberdade. A liberdade individual só deve sofrer

interferência individual ou coletiva se esta interferência tiver por finalidade a proteção

de outro indivíduo ou a autoproteção. Aumentar demasiadamente o poder é um perigo

que se deve evitar. Mas, essa contraposição à burocracia dispõe de lugar destacado na

teoria do Estado? E, ainda, isto pode ser aplicado a todos os casos? A teoria é

incondicionalmente defendida?

A proposição da liberdade e a conseqüente pluralidade de opiniões e práticas

sociais compõem o contraponto a um poder defensável realizado sob o comando da

burguesia. A pluralidade social exigiu uma pluralidade na composição do corpo

político. Ao fazer o poder emanar do povo e não mais de uma divindade como era na

legitimação monarquista, a burguesia acata a possibilidade da rotatividade no comando

das decisões políticas. O sufrágio universal é resultante das lutas sociais. É preciso que

os ocupantes de postos no corpo político sejam escolhidos dentre os membros da

sociedade. As eleições vão representar a oportunidade oferecida a todos os cidadãos e

cidadãs para receberem o aval dos eleitores. As frações sociais em conflito passam a

fazer parte do aparelho de Estado sob a hegemonia burguesa. Mas, o poder legislativo,

até hoje, necessita da sanção do executivo para que seu trabalho de legislar se complete.

Este aspecto é um elemento de absolutismo que permanece sem problema para os

propósitos burgueses (Cf. Carvalho Netto, 1992:23, 40, 59, 251).

Por isso, estas coletividades imaturas devem ser desconsideradas na

convivência de liberdade individual soberana, para o pensamento liberal. É preciso,

portanto que estes coletivos humanos passem por uma espécie de evolução social e

cultural. Daí desponta, para teóricos burgueses, a necessidade e utilidade dos governos

qualificados como sendo despóticos. A liberdade expressa e defendida pela teoria social

e política burguesa é restrita aos limites da reprodução das condições de exploração

capitalista46. A liberdade se constituiu em um tema cujos conteúdos críticos

contribuíram para solapar os fundamentos da sociedade feudal, mas, após uma

46 “O perigo da liberdade antiga era que os homens, atentos, sobretudo a assegurar a participação no poder social, não renunciem muito ao bom mercado dos direitos e aos desenvolvimentos individuais. O perigo da liberdade moderna é que, centrada no desenvolvimento da nossa independência privada e em perseguir os nossos interesses particulares, nós renunciemos muito facilmente ao nosso direito de participar do poder político” (Constant, 1970:237).

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reformulação substancial, tornou-se eivada de ideologia própria dos propósitos de

conservação social. A disputa de espaço que a burguesia empreendeu contra a

aristocracia foi formulada com argumentos que buscavam maior liberdade. Mas a

substância desta liberdade era política - não somente e nem tão socialmente abrangente

como se apresentava nos discursos - pois, o que mais interessava à burguesia era a

liberdade47 de realizar um tipo de empreendimento econômico que lhe proporcionasse

lucro privado (Cf. Soboul, 1989:11). De revolucionária, a tornou-se conservadora e

defensora de uma pedagogia da dominação. "O despotismo é um modo legítimo de

governo quando se lida com bárbaros, uma vez que se vise o aperfeiçoamento destes, e

os meios se justifiquem para sua eficiência atual na obtenção desse resultado" (Stuart

Mill, 1991:54).

Para o pensamento liberal a democracia se constitui com a interação de

instituições que se auto-regulam no exercício do poder “Suponhamos um corpo

legislativo composto de tal forma que represente a maioria, sem ser necessariamente

escravo das suas paixões; um poder executivo que tenha força que lhe seja própria, e um

poder judiciário independente dos dois outros poderes; teremos então, um governo

democrático, que, todavia quase não correria o risco da tirania” (Tocqueville,

1998:195). Pode-se perceber a grande preocupação do autor, depois de refletir

longamente sobre a mais significativa experiência de Estado democrático conhecido em

sua época. Argumenta ele que a democracia é uma tentativa de manter um equilíbrio

sempre instável entre as forças sociais que tentam fazer valer suas posições e interesses

através do aparelho político. Ele lembra o fato de que a democracia possibilita o

exercício do poder sem uma finalidade precisa, e que este poder esteja aberto a

inovações e ainda, que haja mudança permanentemente de mãos e de objetivos. Isto é o

oposto da aristocracia que, por procurar mais conservar do que aperfeiçoar qualquer

situação social, e por isso, ela tornou-se, por sua natureza, a garantia de maior

estabilidade política. A democracia causava-lhe uma apreensão diante do que poderia

surgir dos processos dela decorrentes, pois, segundo ele, o despotismo (de um só) havia

sido desonrado pelas monarquias absolutas, mas era necessário ter cuidado para que as

repúblicas democráticas não o reabilitassem de uma outra maneira. O seu grande temor

47 “A liberdade é uma grande palavra, mas foi sob a bandeira da liberdade de indústria que se fizeram as piores guerras de pilhagem. Foi sob a bandeira da liberdade de trabalho que se espoliaram os trabalhadores” (Lênin, 1977:86).

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era o estabelecimento do despotismo da maioria que a democracia coloca a todo instante

na cena política. Pelo fato de colocar o espírito de corte ao alcance de todas as classes,

as sociedades democratas passam comportar “certa agitação sem finalidade precisa;

reina dentro delas uma espécie de febre permanente, que se transforma em inovação de

todo gênero, e as inovações são quase sempre caras” (Tocqueville, 1998:163, 165-200,

230, 534).

O posicionamento dos mais expressivos teóricos liberais não deixa dúvida sobre

qual classe social deve ser favorecida na condução das políticas de Estado. Para

preservar os interesses burgueses, o governo não deve estar comprometido com a

maioria do povo, ou seja, com os proletários. Do mesmo modo, como um governo misto

comporta forças inconciliáveis e, portanto, em dissolução e revolução, o que resta é o

predomínio e direção de uma aristocracia na condução dos negócios públicos em

conformidade com os seus interesses para garantir tranqüilidade na realização dos

negócios. Assim está definido: a gestão do Estado precisa estar associada à garantia de

privilégios da classe ou fração dominante da burguesia. O Corpo de funcionários que

compõem a burocracia de Estado são pessoas destacadas da produção para tudo fazerem

com o intuito de amortecer os conflitos entre as classes e impedir a revolução social (Cf.

Saes, 1987:13s).

4.1.1 - As forças sociais e a democracia

O questionamento aos governos e Estados absolutos que, dispunham de uma

personalidade como centro de referência, isto é, o uno, foi feito com a contraposição de

outro ponto de partida para a constituição do poder político, que é genericamente

apontado como sendo o demos, ou seja, o povo. Isto representou dentre outros aspectos,

uma crise na aristocracia que teve de abandonar alguns de seus valores centrais. As

revoluções burguesas que têm na Revolução Francesa a referência mais significativa

juntamente com os acontecimentos que marcaram profundamente a vida política e

social dos Estados Unidos da América, possibilitaram a formulação de um modelo de

democracia que mais se conhece e que se tenta reproduzir (Cf. Anderson, 1978:49;

Almeida, 2003:65).

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A constituição do modelo democrático burguês fundamenta-se em preocupações

sobre as forças sociais (com possibilidade de serem) organizadas em classes conforme a

expressão dos principais teóricos liberais.

É próprio do pensamento liberal, mesmo admitindo que o povo seja a fonte dos

poderes, sustentar como detestável a “máxima de que, em matéria de governo, a maioria

de um povo tem o direito de tudo fazer” (Tocqueville, 1998:193). Já que a sociedade é

composta por classes sociais, e classe que é composta por um número menor de pessoas

é a que usufrui do trabalho alheio, ele detestava vislumbrar a possibilidade do exercício

do poder pela maioria da sociedade, o que, para este pensamento, é o pior despotismo.

A forma democrática de Estado possibilita a ocorrência deste tipo de poder ao colocar a

escolha dos ocupantes do legislativo sob a escolha direta dos eleitores de uma

sociedade. Foi Stuart Mill quem melhor solucionou este problema do ponto de vista

burguês.

É bastante peculiar a posição de Stuart Mill, que embora reconhecendo a

excelência de uma sociedade pós-burguesa, volte sua atenção para a situação presente e

passe a propor soluções de governo que garantam a (im)possível estabilidade da

situação de dominação e de exploração de classe. Já era cristalina a percepção do

antagonismo entre a classe burguesa e a classe trabalhadora e, também, a

impossibilidade de impedir a difusão das idéias de igualdade social. A desvinculação

entre a visão de futuro e prática concreta se revela em três aspectos predominantes. O

primeiro é o reconhecimento de que a forma idealmente melhor de governo seja a que

apresenta maior volume de benefícios imediatos e futuros ao maior número de pessoas -

e a constatação de que só um governo completamente popular poderia reivindicar tal

característica. O segundo aspecto é a convicção de que a constituição deste governo terá

lugar quando as pessoas se tornarem mais altruístas e universais, vencendo o egoísmo e

o localismo. O terceiro aspecto da expressão desta posição é a clareza de que o

comunismo se tornará a “única forma defensável de sociedade, tornando-se realidade

quando chegar esse tempo” (Stuart Mill, 1964:39-40, 82; Cf. Idem. 1996b:332-340).

Após haver vislumbrado a possibilidade da concretização de uma sociedade

com base em novos valores, e com uma organização eqüitativa da produção e

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distribuição de bens e serviços e, ainda, com a eliminação das formas de dominação

política, o autor volta a sua prática teórica e política para o objetivo da manutenção da

sociedade de classes. Ele reconhece que o despotismo a ser evitado é o governo que

favorece a dominação de uma única classe que, ocupando o poder político exerce um

domínio sobre a sociedade. Este despotismo pode ser monárquico, oligárquico, e do

demos (do povo; democrático). A sua preocupação é a de evitar que o governo que

recorre ao sufrágio popular seja constituído pela maioria numérica da sociedade e com

predomínio de uma classe trabalhadora. Ele caracteriza o poder político como sendo

composto de elementos fundamentais como a força (física), a propriedade (que gera

riqueza), a educação (inteligência e prestígio), e a organização (classe social). Para obter

o intento de eliminar o perigo do despotismo do demos, Stuart Mill defende que se há de

tomar algumas providências de restrição do sufrágio. Estas medidas poderiam ser: 1)

Vincular o direito de voto a um limite mínimo de contribuição com a receita pública48;

2) Atribuir maior peso ao voto das pessoas com maior grau de instrução49; 3) Promover

a organização de classe social com vistas à sustentação dos rumos dados aos negócios

de interesse dela por meio do poder50 (Cf. Stuart Mill, 1964:3, 88, 115-146, 186). A

opção de classe deste autor fica evidente. Sua teoria revela a preferência pela

comodidade de um momento presente que oferecia privilégios e na tentativa de

perpetuar obtenção destes privilégios, apesar da transitoriedade percebida na situação

que se tornou objeto de suas preocupações intelectuais. Deste modo, coloca-se um filtro

no sufrágio popular e evita-se que a maioria social organizada por classe seja também

maioria no poder político representativo. O equilíbrio na composição do poder é uma

das maneiras de garantir o desequilíbrio que a burguesia propaga e defende como a

ordem social. Só assim, a democracia pode ser tolerada por quem procura manter a

dominação e a exploração de classe social51. Esta só pode ser uma democracia burguesa

48 “O direito de votar deve caber a todos quantos contribuem para a receita local, com exclusão dos que não o fazem” (Stuart Mill, 1964:186). Durante o império brasileiro “o eleitorado excluía as mulheres, os que não tivessem, de renda líquida anual, cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos, e os escravos, esses porque não (eram) cidadãos” (Porto, 1989:15). 49 O critério de peso educacional consistia em “proporcionar à educação, como tal, o grau de influencia superior que lhe é devido, e suficiente contrapeso ao numérico da classe menos educada” (Stuart Mill, 1964:120). 50 “É preciso ser cego a todos os sinais dos tempos para pensar que as classes médias são subservientes às classes mais elevadas ou as classes trabalhadoras dependam das classes superiores ou médias conforme acontecia há um quarto de século atrás”. Ele chamava a atenção para o perigo das pessoas votarem conforme a própria condição de classe social (Stuart Mill, 1964:136 e 139). 51 “Os interesses vitais da nação colocam-se, é claro, acima da democracia e do parlamentarismo” (Weber, 1997:26).

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Esta forma de conceber a democracia revela o projeto de dominação política de

uma minoria sobre uma maioria. Uma classe social se organiza para exercer o poder e

estabelece formas para desorganizar a classe de maior composição numérica. Deste

modo, a maioria que é buscada nas votações representativas desta democracia não é o

reflexo da maioria na sociedade. Trata-se de uma representação assimétrica da

sociedade no aparelho político. Para este arranjo funcionar de acordo com os objetivos

burgueses é preciso que a maioria não consiga organizar suas forças de modo que possa

expressar politicamente. De modo semelhante ao de Tocqueville, Stuart Mill procura

evitar a concretização do que foi denominado de despotismo da maioria.

Está embutida nesta posição, uma defesa da constituição de um governo

(democrático) exercido pela classe dominante, no caso, a burguesa. Esta classe

executaria inclusive políticas beneficiárias a quem lhe fizesse oposição exatamente para

frear a sanha dos componentes de sua própria classe social, pois ela poderia colocar a

situação em risco de uma revolução ao exagerar os conteúdos das próprias

reivindicações diante de seus pares. Isto pode gerar animosidades que se difundiriam

pela sociedade e suas conseqüências são imprevisíveis. Para Stuart Mill, existem duas

espécies de perigos iminentes próprios da democracia representativa. O primeiro destes

perigos é o de ocorrer uma composição predominante de representantes da sociedade

por pessoas com grau inferior de inteligência. O segundo perigo que ele aponta, é o da

possibilidade de elaboração de leis favoráveis à maioria numérica da sociedade, quando

esta maioria se compuser de pessoas da mesma classe social, ou seja, do proletariado.

Se assim é, ocorre um beneficiamento de uma parte da sociedade acarretando prejuízo

para todos os outros setores de maneira permanente. Para evitar estes perigos, é

necessário constituir um governo que seja representativo de todos os cidadãos

individualmente e organizados em classes sociais. Trata-se, portanto, de fazer com que

o corpo político garanta a satisfação dos interesses das frações presentes na sociedade e

organizadas em forças políticas. É preciso ter cuidado quanto às controvérsias

partidárias e realizar uma vigilância sobre os possíveis resultados destes confrontos. As

controvérsias entre partidos políticos são meios de se definir qual das classes (ou fração

de classe) terá mais o comando das decisões sobre as políticas do Estado (Cf. Stuart

Mill, 1964:41-58, 75-86, 111).

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Há algo que pode resultar destes perigos. Mantendo as classes sociais com seus

interesses correlatos, a classe social dirigente deve ser a que dispõe de maioria numérica

de componentes? A resposta a esta questão pode ser obtida a partir da posição tomada

sobre a forma de governo e sobre o tipo de democracia.

A condução perigosa dos negócios públicos numa democracia em razão dos

riscos implícitos que ela pode acarretar cedo ou tarde para a burguesia pode ser

efetivada através de um governo representativo. Assim sendo, a melhor forma de

governo para a burguesia não a torna imune aos riscos potenciais de uma derrocada, se

considerarmos a possibilidade da renovação dos conteúdos e das direções das forças

políticas pelos diversos rumos dos movimentos sociais. Diante desta constatação, a

burguesia procurou alguns cuidados quanto aos rumos que podem despontar desta

forma de exercício do poder de Estado.

4.1.2 – O governo representativo

A representação do conjunto da sociedade nos (principais) mecanismos de

decisão que compõem o Estado pode revelar o seu caráter e que tipo de configuração ele

procura efetivar. O corpo político recorre à sociedade em busca de legitimação sempre

que vislumbra ou mergulha em crises e procura preveni-las ou solucioná-las. Assim é

nas organizações e nas forças constituídas (ou em formulação) na sociedade em que o

poder de Estado busca suas energias para vencer as resistências ao projeto que pretende

manter ou implantar.

Aristóteles trilhou por semelhante caminho. Ele argumenta que é melhor

estabelecer um governo e gerenciar os negócios públicos que tenha sua principal base

na classe média. Isto em razão de estarem na classe média os cidadãos “que melhor se

conservam e se mantém” e, ainda, pelo fato de esta classe ser composta por pessoas que,

por se encontrarem numa condição mediana, “não querem os bens dos outros, como os

pobres, e elas não são como os ricos, motivo de inveja e de ciúme” (Aristóteles,

1966:196. A política, liv. VI, cap. IX § 7). Para o sustento do governo, há ainda a

necessidade de que a classe média seja “grande e mais poderosa do que as demais, ou ao

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menos mais poderosa do que cada uma delas; pois ela pode fazer oscilar a balança

favorável ao partido ao qual está unida e, por esse processo, obstar que uma ou outra

consiga superioridade notável” (Aristóteles, 1966:196. A política, liv. VI, cap. IX § 8). A

condição mediana é, para o autor grego, o ideal do cidadão. Ele aconselha que seja

melhor dar preferência aos que estão em posição intermediária pois, estes cidadãos são

os que tendem à moderação e ao meio termo nas questões e, os que se acham nessa

condição “com facilidade se submetem à razão”. Por outro lado, os que desfrutam da

condição de bastante ricos “que têm na mais elevada acepção os bens de nascença e

fortuna”, e também, quem está numa condição de muito pobre, “cuja debilidade e

miséria chegam ao excesso, a obediência à razão é muito difícil de se conseguir”

(Aristóteles, 1966:195. A política, liv. VI, cap. IX § 3-4). “A cidade deve ser constituída,

o mais possível, de cidadãos iguais e idênticos, isto é o que se vê nas situações médias

(...). É necessário, portanto que o Estado mais venturoso seja o Estado formado desses

elementos que constituem nele, torno a dizer, o fundamento natural” (Aristóteles,

1966:196. A política, liv. VI, cap. IX § 6). Ele defende a continuidade de uma situação

constituída a partir de elementos sociais apropriados e escolhidos de acordo com a

finalidade que o mesmo defende, e arremata a argumentação apontando-a como tendo

sido desabrochada da natureza. Assim, o natural é, para ele, o que foi construído de

acordo com os interesses da classe dominante.

A posição teórica burguesa (liberal) apresenta o propósito de garantir a

continuidade da sua dominação de classe, o que é uma das garantias da acumulação

privada de riquezas. Para tanto, a desigualdade social não pode estar proporcionalmente

representada no corpo político representativo. Aristóteles ressaltava, como função de

quem governa, a tarefa de executar atos relacionados ao mando e ao julgamento

(Aristóteles, 1966:126. A política, liv. IV, cap. IV § 7). Lembra ainda, que a classe dos

ricos dispõe de melhores condições para se armar do que as outras classes sociais, como

foi o caso da propriedade e uso de cavalos por parte da oligarquia (Aristóteles,

1966:178. A política, liv. VI, cap. III, § 1-2) e, especificamente, “ao legislador cabe por

o Estado ao abrigo de dissensões” (Aristóteles, 1966:69. A política, liv. II, cap. VIII §

9). Após caracterizar a cidadania como sendo o exercício do poder com alternância

entre as pessoas e a participação legal na autoridade deliberativa e judiciária, não

estendia esta condição a todas as pessoas de quem a cidade tinha necessidade para

existir (Aristóteles, 1966:83 e 142. A política, liv. III, cap. III § 2; liv. IV, cap. XIII, §

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1). Trata-se, portanto, de realizar uma dominação de modo que as possibilidades de

conflitos não coloquem a dominação burguesa em sério risco.

Stuart Mill recorre à imagem da balança para expressar a forma ideal, presente e

constitutiva do governo representativo em que as forças sociais tomem parte. A imagem

lembra e recomenda um equilíbrio entre duas partes (que podem ser) compostas de

frações que se reúnem em torno de interesses comuns. Entretanto, este mecanismo não

funciona por si só. Ele é posto em mancha pelo jogo das forças nele representadas e

pelos mutáveis interesses das pessoas e grupos portadores de voz e voto. Deste modo,

“as conchas da balança nunca pendem à mesma altura, (... e) há sempre um amo que

coloca sua espada no prato da balança, e as condições passam a ser aquelas que ele

impõe” (Stuart Mill, 1964:60; Idem, 1996a:298). É impossível não considerar as forças

sociais constituídas em bases argumentativas e também militares. Deste modo, mesmo

que o Estado burguês assuma a forma democrática assimilando a representação popular

no parlamento, a burocracia permanece vigilante quanto às decisões que possam

desabrochar de seu interior. “Toda a história dos países parlamentares e, em

considerável medida, a dos países burgueses constitucionais, mostra que uma mudança

de ministro significa muito pouco, pois, todo o trabalho administrativo real está nas

mãos de um exército de funcionários” (Lênin, 1978b:203).

Para realizar a contento estes propósitos e manter a dominação de classe, a

democracia (burguesa) precisa se limitar a um arranjo institucional com o objetivo de se

chegar à tomada de decisões políticas. Quando há eleições através do que se chama de

democracia, acontece a escolha de governantes pelo voto popular, mas há uma

burocracia de Estado que permanece intacta e operante que elabora as políticas, impõe

limites e aponta os rumos fundamentais a serem observados. É à burocracia de Estado

que cabe exercer a função de garantir o conteúdo das proposições políticas. A

substância da política de Estado é garantida por uma burocracia que zela por segredos,

age conforme uma hierarquia e cultiva o espírito de corpo como forma de preservar suas

prerrogativas. O povo, neste caso, expressa seu voto (e voz) apenas como meio de

legitimar um conjunto de representantes com determinadas funções bastante

delimitadas. “A melhor perspectiva de adiantamento para o povo (...) reside na

existência de autoridade constitucionalmente ilimitada, ou pelo menos praticamente

preponderante, no principal governante da classe dominante. Somente ele, pela sua

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posição, tem interesse em elevar e melhorar a massa que lhe não inspira zelos, como

contrapeso, aos seus associados dos quais os nutre” (Stuart Mill, 1964:57). Esta postura

revela a defesa de uma impermeabilidade do governo pela população e pelo

proletariado. Se tudo permanecer deste modo, será sempre uma classe minoritária que

ocupará o poder e o exercerá em benefício próprio, justificando-o pelo discurso do

interesse geral. Dentro destes limites, a democracia (burguesa) não é nada mais do que

uma oportunidade oferecida ao povo para que ele possa aceitar ou recusar aquelas

pessoas que se propõem a governá-lo (Cf. Schumpeter, 1984:355; e Huntington,

1994:18).

A representação política na democracia burguesa não pode reproduzir a maioria

social reunida em classe, ou seja, o proletariado, pois isto seria o pior despotismo. O

governo representativo é visto como uma forma de conciliar permanentemente os

interesses díspares. “Mas, quando os poderes são balanceados e se freiam nas palavras

de uns aos outros, não há esta influência rápida e extemporânea” (Constant, 1970:124).

Quando aconteceu a apresentação e discussão da LDO na Câmara de vereadores em

Camaragibe, a entrevista nº5 relata seu esforço em realizar um debate com a população

sobre a mesma. “Tinha que ter todo um processo, uma audiência com o público (...). Eu

pedi um à parte, na Câmara, e falei tudo. E o prefeito disse: Você está com o

movimento! Os outros vereadores nem intervieram pra me defender”.

4.2 - A democracia (não) é o governo do povo

As reticências provocadas pela instabilidade da forma democrática do Estado

revelam a preocupação sobre a possibilidade real de haver uma consonância entre a

maioria social que é composta pelo proletariado e a maioria nos mecanismos políticos

de decisão, entre os quais a representação parlamentar.

As teorizações produzidas referindo-se à democracia deixam em evidência o

caráter de dominação de classe próprio da sociedade em que o poder político é exercido

e, conseqüentemente, aponta a exploração e apropriação dos resultados do trabalho de

uma classe social por outra. É a dominação e a exploração de uma classe social por

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outra que está no ponto mais fundamental das questões em torno do poder exercido em

qualquer sociedade de classes antagônicas, como é o caso desta em que vivemos - a

sociedade onde predomina o modo de produção capitalista. As referências à democracia

não fogem do contexto geral da busca de uma conformação das idéias gerais à garantia

de continuidade ou remodelação de uma sociedade em que as condições de produção e

de apropriação privada de valores por uma classe social são determinadas.

Um dos mais destacados líderes da Revolução Francesa de 1789 já expressava

uma conceituação de democracia que impunha uma delimitação ao exercício do poder

político pelo povo, do seguinte modo: “A democracia não é um estado em que o povo,

continuamente reunido, possa regulamentar por ele mesmo todos os negócios públicos

(...). Tal governo jamais existiu, e só poderia existir para reconduzir o povo ao

despotismo. A democracia é um estado em que o povo soberano, guiado por leis que são

sua obra, faz, ele mesmo, tudo o que pode fazer e através de delegado faz tudo aquilo

que não pode fazer por si só” (Robespierre, 1999:144).

A posição teórica de Robespierre permite destacar dois pontos principais que

norteiam as políticas ainda nos dias atuais. Um destes pontos é a redução da democracia

a uma forma de decisão específica através de uma forma de representação da sociedade

num aparelho político. O outro ponto é que a regulamentação dos negócios públicos não

é feita pelo povo e a busca de objetivos deste tipo contribui para a reconstituição do

despotismo (popular?). Posturas deste quilate revelam o desvio da definição clássica de

democracia, que foi elaborada pelos gregos, - que não significa outra coisa senão o

governo do povo exercido pelo próprio povo. Discurso deste teor só pode surgir num

contexto em que a mobilização popular procura a constituição de um novo tipo de

Estado, ou ainda, a configuração de uma nova forma de organização social, por

conseguinte, de um novo governo por parte de quem está conduzindo o processo. Deste

modo, ele apresenta como universal um projeto particular de dominação social da

burguesia cuja conseqüência fundamental é que parte da população deverá estar fora do

usufruto pleno dos resultados do próprio trabalho. Só assim é que um projeto de

exploração classista dispõe de algumas condições de tentativas para garantir a sua

continuidade no tempo.

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Depois de propor a divisão da sociedade em três classes sociais distintas, -

sendo a primeira, a que é composta pelos ricos; a segunda aquela que compreende as

pessoas de condição mediana e gozando de situação confortável; e a terceira classe, a

que abrange o conjunto de pessoas que vivem com recursos obtidos com o próprio

trabalho - Tocquevillle aponta qual é a classe que reúne as melhores condições para

governar um país livre: a classe média. Argumenta ele que as pessoas desta classe não

desejam pesados impostos, pois, por reduzidos que sejam, o impacto é mais incidente

nas fortunas de seus pares. Assim, esta classe tende a ser mais econômica. Afirma ele,

que a classe alta não sente tanto o peso dos impostos, pois incidem sobre o supérfluo de

suas rendas. E ele sustenta que a classe baixa fará aumentar os encargos públicos na

execução de políticas direcionadas ao grande número de pessoas muito carentes. Esta

última classe não dispõe de condições de avaliar devidamente as necessidades da classe

rica em razão de portar uma visão limitada das necessidades de outras classes a partir da

sua própria condição social (Cf. Tocqueville, 1998:162; Idem, 2000:83-84). Em síntese,

o governo desta classe social destrói as situações de privilégios de uma classe em

detrimento das outras. É próprio do espírito aristocrático a procura do isolamento e o

temor de qualquer perturbação no usufruto de bens que a classe privilegiada dispõe,

enquanto que o espírito democrático tem como característica a difusão e o

encorajamento da partilha dos resultados do trabalho. O Estado burguês garante o ócio

aos poucos que são socialmente privilegiados, isto é, a uma classe social específica (Cf.

Losurdo, 1998:209).

As classes sociais ficam estacionadas em suas localizações para que a burguesia

não sofra ameaças na realização dos seus interesses de acumulação de riquezas. Neste

sentido, valores e atitudes precisam ser reproduzidos como uma espécie de liame que

sustenta a sociedade da forma como está constituída. Esta relação entre classes foi

defendida como sendo de caráter autoritário, mas somente em parte. É deste modo que

houve quem defendesse o exercício de tutela adjetivada de carinhosa por parte dos

capitalistas com relação aos trabalhadores. “Os ricos devem fazer as vezes de pais dos

pobres, guiando-os e refreando-os como filhos. Não deve haver nenhuma necessidade

de ação espontânea por parte dos pobres. Estes não devem ser chamados para nada, a

não ser para seu serviço diário, e devem ser honrados e religiosos” (Stuart Mill,

1996b:332).

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Posturas deste tipo procuram dissimular o conflito entre as posições

inconciliáveis na sociedade. Apresenta a exploração como sendo uma relação afetiva e

protetora dos capitalistas para com os trabalhadores. Quando os grandes partidos

políticos tornam-se cúmplices da burocracia de Estado ou do governo burguês o

controle e a fiscalização efetiva das políticas governamentais pelas forças políticas

representadas no parlamento se mostram carentes da eficácia exigida para a mudança de

ritmos baseada em compromissos com as forças sociais menosprezadas pelo Estado. Em

vez de empreenderem lutas para mudar os rumos das políticas de Estado, ocorre uma

luta entre os partidos para tentar monopolizar a representação parlamentar das forças

políticas dominantes52. Os partidos tornam-se representantes de frações da classe

dominante e passam a buscar legitimidade social como sendo os melhores

representantes da vontade popular. Assim, a coerção estatal burguesa e democrática não

desponta somente de uma vontade soberana de uma burocracia, mas sofre interferências

dos conflitos entre as posições das forças organizadas e representadas na cena política

(Cf. Hirst, 1992:39-41 e 142). Assim é que se procura garantir a permanência das

posições no processo social conforme a composição de classes antagônicas. A forma

democrática do Estado burguês é menos repressiva do que a forma ditatorial, ao mesmo

tempo em que possibilita a criação de condições políticas que não favorecem o

exercício da repressão (Cf. Saes, 1987:49-61).

A democracia burguesa somente pode ser baseada numa maioria constituída de

maneira bastante específica que mantém intacta a exploração econômica dos proletários

pelos capitalistas. A representação da sociedade na cena política somente pode

acontecer como uma imagem invertida, ou seja, a minoria na sociedade passa a ser

maioria na cena política. Os mecanismos de composição do parlamento é que tentam

garantir este processo. A fragmentação dos trabalhadores e a dissolução dos seus

interesses de classe possibilitam os processos de cooptação dos votantes da base da

pirâmide social por partidos políticos que sustentam a dominação e que garantem a

composição de uma maioria política em desacordo com a caracterização da maioria da

sociedade (Cf. Sánches, 2004:36-38).

52 “Surgiu assim no parlamento o pomo de discórdia que teria forçosamente que inflamar abertamente o conflito de interesses que dividia o partido da ordem em facções hostis. O partido da ordem era um combinado de substâncias sociais heterogêneas” (Marx, 1978:89).

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Portanto, não há o livre jogo das forças no aparelho político. O equilíbrio das

forças proposto é a conjunção de forças em que o poder político de condução dos

negócios da burguesia mantém sua própria eficiência, e cujos resultados são

apresentados como pertinentes aos interesses gerais da sociedade. Para garantir o

funcionamento dos mecanismos políticos de acordo com o próprio projeto, a classe

dominante dispõe de vários recursos para serem utilizados. Ela possui meios para forçar

a balança a pender de acordo com as suas conveniências. O equilíbrio de poder tem a

função de garantir a continuidade do desequilíbrio entre as classes sociais. “O moderno

Estado representativo é o instrumento da exploração do trabalho assalariado pelo

capital” (Engels, 1985:368). Neste jogo de interesses, até mesmo a alternância partidária

na condução dos assuntos de Estado encontra limites consideráveis. As formulações de

posturas partidárias que conseguem consideráveis sucessos eleitorais pouco diferem

entre si quanto ao conteúdo de classe social (Cf. Saes, 2001:109-117). Por isso, os

argumentos apontados de que, para dar continuidade a esta situação, as decisões

políticas jamais serão tomadas conselhos eleitos diretamente pelo povo, em todos os

níveis de distribuição territorial que abarquem as atividades produtivas e distributivas.

Esta crítica está coberta de razão na medida em que desnuda a redução da democracia

ao aspecto político sustentada pelo pensamento burguês (Cf. Macpherson, 1991:77).

Mas, a democracia burguesa comporta certo nível de participação, pois o

princípio norteador do pensamento liberal está no reconhecimento dos “direitos iguais a

todo homem e a toda mulher ao pleno desenvolvimento e ao emprego de suas

potencialidades” (Macpherson, 1978:115s). Há uma série de possibilidades de efetivar a

participação popular, tanto nos limites da sociedade burguesa, quanto no

desenvolvimento das potencialidades que visam superar esta formação social, pois, é

necessário ir além do aspecto político e reconhecer a importância da questão social e

econômica (Cf. Rosenberg, 1986:75). (Ver capítulos II e VII).

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TERCEIRA SEÇÃO

PARTICIPAÇÃO POPULAR E POLÍTICAS DE ESTADO

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INTRODUÇÃO

A incompatibilidade entre uma gestão social de caráter popular e a dominação

burguesa é um ponto fundamental das atenções de um projeto social que visa obter uma

sociedade sem exploração e sem dominação, que é uma sociedade governada por si

mesma.

A busca de uma sociedade comunista faz parte do horizonte teórico em que se

insere a problemática teórica que proporciona conteúdo e seqüência lógica às teses

propulsoras deste trabalho. Na terceira seção gira em torno do propósito de avaliar

produções teóricas que apresentam posições diversas sobre participações populares

concretas efetivadas por governos locais. Estas participações são objetos de teorias que

apontam limites e potencialidades da participação popular diante da utopia de uma

sociedade que supere o capitalismo.

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CAPÍTULO V

OS PROPÓSITOS GERAIS DAS POLÍTICAS PARTICIPATIVAS

5.1 - A participação popular

O alcance da participação popular é apresentado nos mais diversos autores

como que girando em torno de três perspectivas teóricas determinantes desta prática

política, que ora se combinam, ora se conflitam de acordo com a opção e prática política

inerente à produção teórica (Cf. Althusser, 1978:18; e 21; e Lênin, 1977:96-97). Com

isto, é possível vislumbrar o que pode ser obtido com a participação popular a partir da

perspectiva teórica dos que analisam os processos de participação. A primeira

perspectiva teórica nega a possibilidade da efetiva participação popular nas decisões de

governo. A segunda perspectiva teórica apresenta a participação popular circunscrita

aos limites da (des)ordem social vigente. A terceira perspectiva teórica apresenta a

participação popular como portadora de um potencial transformador da sociedade atual

e a relaciona com a utopia de uma sociedade sem classes.

Consideraremos as reflexões sobre a participação popular partindo de dois

aspectos que consideramos complementares que são: o lugar teórico e o lugar social de

produção das mesmas.

O lugar social de produção teórica constitui da clareza com que a reflexão

apresenta posicionamentos em favor ou contra uma classe social que compõe uma

determinada sociedade. Estar a favor de uma classe social implica em assumir seus

projetos políticos fundamentais. Assim, optar pelas classes populares leva a assumir

suas lutas imediatas e históricas em busca de uma nova ordem social. Grande parte das

reflexões apresenta-se como se não tivesse uma teoria explícita, ou relega a teoria a um

segundo plano. Desconsiderar a relevância da teoria é permanecer em um nível

pragmático sem a possibilidade de crítica elaborada a alguns elementos centrais do

contexto em que as políticas são efetivadas, inclusive a política orçamentária.

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Neste trabalho assume-se que o lugar teórico, ou seja, os instrumentos de

reflexão que compõem uma teoria no conjunto do conhecimento humano, - que também

é um espaço de conflitos - é o que possibilita o exercício de uma crítica e autocrítica

mais consistente. Sem o exercício da crítica, muitas vezes, perde-se a visão dos

objetivos pretendidos e realizam-se atividades que contribuem para reproduzir o que se

pretende superar. Sem postura crítica, fica difícil perceber e avaliar o alcance de uma

crise. Toda teoria é produzida por pessoas situadas num mundo em conflitos que podem

conduzir a impasses com variadas repercussões (Cf. Bourdieu, 1983:16). Esta crise

contém pelo menos dois elementos relevantes que são: a falta de apoio popular e a

escassez de recursos, ou, em outros termos: trata-se de uma crise de legitimação e uma

crise fiscal. E, pior: a experiência perde o seu rumo no próprio ato da sua execução, se o

contexto social, político e econômico for desconsiderado. Se a opção política do agente

das políticas é a reprodução da ordem social, a legitimação de sua prática política fica

com um problema em relação ao contingente populacional envolvido, pois, admite-se a

escassez de recursos diante das necessidades da população. Chega-se novamente à crise

(talvez com outros elementos) que se procurou superar. Assumir uma postura teórica é

definir o lugar ocupado dentro dos conflitos sociais e políticos na produção dos

conhecimentos e suas repercussões no contexto social em que esses mesmos

conhecimentos são elaborados (Cf. Oliveira, 1995:23-37).

5.1.1 – A participação popular e a divisão do trabalho político

A participação popular nas definições de políticas orçamentárias representa uma

oportunidade de interferir em um aspecto muito caro da burocracia estatal que é o do

planejamento e aplicação de recursos coletados na sociedade. Estas políticas geram a

possibilidade de novas forças sociais participarem da disputa na definição dos rumos

das políticas de Estado. Está, neste aspecto, uma oportunidade de transferência do poder

político para a classe trabalhadora (Cf. Genro & Souza, 2001:24).

Limitar a política participativa a “um mecanismo institucional que acaba

contribuindo para uma tomada de decisões mais legítimas e democráticas” nada mais

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faz do que legitimar a ordem existente (Silva, 2003c:23: Cf. Faria, 1996). As lutas

populares ficam restritas à competição por migalhas, em vez de exigir maiores

disponibilidades de recursos da parte do Estado.

Quando há um início de fissura na burocracia de Estado pelos efeitos da

política participativa, logo aparecem defensores da ordem qualificando estes agentes em

prol da participação popular como sendo totalitários. Assim despontam

posicionamentos afirmando que “o denominado Orçamento Participativo (...) busca

solapar e esvaziar a autoridade, já fragilizada, dos corpos legislativos (...). Ora, na

democracia constitucional, o governo da lei tem precedência sobre o governo do povo

(...). Cada representante em particular e a assembléia representativa (...) lhes incumbe

definir, e não à vontade dos eleitores” (Tavares, 2000:146-147, 159). Para esta visão, o

orçamento participativo como uma forma de participação popular na definição de

política de Estado, é uma representação distorcida da sociedade no aparelho político.

Vêem nessa política participativa a expressão de um totalitarismo que querem evitar

(Cf. Lorenzoni, 2000:127).

Conforme a perspectiva deste teor a representação política, tanto a executiva

quanto a legislativa, está imbuída de um caráter eterno e possuem lógicas internas de

funcionamento que são imunes às interferências populares. Para um raciocínio deste

tipo, a expressão da vontade popular termina com o final de cada eleição. Deste modo, a

burocracia de Estado e o governo representativo vieram para ficar. Estas duas

instituições não podem sofrer questionamentos que as coloquem em risco de destruição

das fronteiras entre o Estado e a sociedade. Sendo assim, para esta perspectiva, a

participação popular nas decisões de Estado está revestida de uma impossibilidade

substancial de ser efetivada diante do modelo de governo vigente e predominante no

mundo.

A segunda perspectiva procura superar este limite que aprisiona as decisões

governamentais no interior dos gabinetes da burocracia e dos procedimentos

parlamentares. Assim, a implementação do orçamento participativo confronta o

autoritarismo da cultura política predominante que cultiva na população “uma visão

delegativa do poder, em que se espera que o Estado apresente e implemente soluções

aos problemas da cidade” (Pontual, 1994:65). Busca-se melhorar as relações entre o

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aparelho de Estado e sociedade onde as políticas terão suas repercussões. Portanto, os

agentes da participação popular têm a necessidade de questionar o Estado enquanto

responsável pela efetivação de políticas. Tanto assumindo uma postura progressista de

reprodução da ordem burguesa (superação do tradicionalismo, racionalização), quanto

procurando a sua superação sem uma teoria adequada aos desafios colocados pela luta

de classes (limitação às questões em torno da democracia burguesa), corre-se o risco de

estar sendo levado para a situação de barbárie que o capitalismo tende a criar, em razão

da sua tendência de queda na realização dos valores privadamente acumulados e na

persistência em continuar perseguindo esse objetivo, mesmo que para isso, frações da

própria burguesia acabem sendo eliminadas da apropriação dos produtos do trabalho

coletivamente realizado (Cf. Mandel, 1990:10-15).

O entendimento da participação popular na definição das políticas

orçamentárias como limitadas ao grau de consulta implica acatar a (existência da)

burocracia como algo inevitável e imprescindível à vida coletiva, como divisão de

tarefas entre as propriamente políticas e outras pertinentes às organizações sociais.

Assim, é a afirmação de que “a idéia de maximizar a participação política é inteiramente

válida, desde que ressalvada a hipótese de (não) se reportar ao homem total que pesca

pela manhã, participa das instituições políticas durante à tarde, para à noite, debruçar-se

sobre a filosofia” (Goulart, 2002:174). A postura deste autor sintetiza os dois eixos da

questão da participação popular. A quebra da rigorosa divisão social do trabalho pode

ter como conseqüência a destruição da barreira existente entre governantes e

governados. Este é um dos elementos constitutivos da transição socialista (Cf.

Martorano, 2002:195).

Não enfrentar esta questão, significa limitar a participação popular a demandas

apresentadas ao governo para que a burocracia de Estado redefina os conteúdos

propostos de acordo com as prioridades institucionais. Assim, a competência que a

burocracia estatal reserva para si é conservada a qualquer custo deixando-a na

incumbência de decidir as questões que envolvem conflitos de classes, o que contraria a

concepção de cidadania plena. Por outro lado, o ato de descartar a referência “ao

homem total” comporta a recusa da concepção de uma nova sociedade e a defesa de

uma concepção de cidadania que não supera os limites da reflexão de Aristóteles na

medida em que, após indicar a substancialidade cidadã como a participação nas decisões

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administrativas e judiciárias de forma alternada entre as pessoas como meio generalizar

esta condição social e política, e depois reserva este caráter a uma classe privilegiada da

sociedade. (Ver capítulo I. O Estado pré-burguês).

5.1.2 – A participação popular e a utopia de uma sociedade sem classes

Acatar a divisão social do trabalho e, conseqüentemente, a do trabalho político

como atividades exclusivas e aprisionadoras dos seres entre quem ordena e que

obedece, ou entre os que elaboram políticas e os que simplesmente executam-nas é

fundamentar a própria ação no interior da formação social, sem vislumbrar a

possibilidade de algo completamente novo, com o desmonte das bases sobre as quais a

sociedade atual está sustentada e apontadas na argumentação de Marx53. Evidentemente,

a sociedade atual não comporta plenamente as expressões humanas da futura

organização da vida coletiva. É necessário romper as determinações da sociedade

burguesa. A barreira que separa o trabalho material do trabalho intelectual há que ser

destruída e a propriedade dos meios de produção há que ser transformada em coletiva

para que novos seres humanos possam expressar suas potencialidades em uma nova

sociedade, onde o Estado não seja mais necessário (Cf. Marx, 1985b:17; Lênin,

1978c:275)

Outra postura também conservadora repensa o conceito de revolução: “O que

torna as revoluções de 1989 peculiares é a percepção de que o fim último das

revoluções já não é mais a reestruturação do Estado a partir de um novo princípio, mas a

redefinição das relações entre Estado e sociedade sob o ponto de vista desta última”

(Avritzer, 1993:213). É como se os países do Leste Europeu compusessem a única e

última forma de efetivar o projeto de uma sociedade sem classes como se o fenômeno

ocorrido naqueles países representasse a vitória cabal do liberalismo no mundo. “A

transição do capitalismo para o comunismo constitui toda uma época histórica.

Enquanto ela não termina, os exploradores continuam a manter a esperança da

53 “Na sociedade comunista, onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva, é a sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição” (Marx & Engels, 1980:41).

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restauração, e esta esperança transforma-se em tentativas de restauração” (Lênin,

1979a:23). A falta de entendimento adequado da transição do capitalismo ao

comunismo faz surgir posicionamentos que preservam a instituição estatal e procuram

estabelecer e reformular as relações entre esta instituição e a sociedade como pólos

permanentes. O objetivo último destas proposições fica limitado ao que já está

estabelecido, senão um aprimoramento das relações políticas. Mas, qual é o alcance

destas reformulações com a participação popular?

O orçamento participativo propicia “uma nova concepção de reforma do Estado,

a partir de uma relação Estado – sociedade, que abra o Estado a estas organizações

sociais (...) dissolvendo o autoritarismo do Estado tradicional sob pressão da sociedade

organizada” (Genro, 1996:3; Idem, 1995:116-121). Mas, que resultados são postulados

com o processo de participação nas gestões públicas? Os autores apresentam três

observações sobre as possibilidades da participação popular em decisões de Estado.

Primeiramente, as políticas participativas são vistas como inovadoras no discurso, mas

não desenvolvem uma efetiva participação popular na gestão pública e mantém antigas

práticas clientelistas. Em uma segunda observação, há quem defenda que a participação

popular exige e efetiva uma gestão consensual dos negócios públicos. Grande parte das

produções teóricas sobre a participação popular na gestão pública apresenta esta

caracterização. A terceira observação de resultados vislumbra a possibilidade da

construção do socialismo com a contribuição do processo participativo na gestão

pública.

A primeira observação constata resultados e reconhece os significativos

avanços quanto à forma de gestão, mas sustenta que as gestões participativas não

conseguiram superar antigas práticas que são incompatíveis com a nova proposta

expressa nos próprios discursos dos seus agentes54. As mobilizações participativas

ficam restritas a meros espetáculos (Cf. Moisés, 1990:17). Ou ainda, a proposta de

participação popular encontra seu limite intransponível na impossibilidade dos cidadãos

disporem dos elementos plenos da racionalidade argumentativa para fundamentar as

deliberações (Cf. Navarro, 2003:107). Continuam sendo observados os oferecimentos

54 A experiência italiana de participação popular também apresentou contradições. “O comportamento político em certas regiões pressupõe que a política implica delimitação coletiva sobre as questões públicas. Já em outras, a política é hierarquicamente organizada e liga-se mais diretamente a vantagens pessoais” (Putnam, 2002:110).

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de favores pessoais, especialmente, quando há um vínculo de tais práticas com

processos eleitorais que, ao quebrar a tão propagada igualdade de concorrência, alija

mais ainda a população da representação efetiva nos postos de decisão do poder de

Estado (Cf. Andrade, 1997:174; e Leal, 2003:200).

Um contexto deste tipo só contribui para a manutenção de um circulo vicioso

com uma lógica de dominação social e política, onde o poder político e econômico

defende os interesses da classe dominante com os votos da classe dominada. Mudam-se

as pessoas nos cargos públicos e procura-se garantir a continuidade da dominação

burguesa. A quem interessa esta participação popular? É para legitimar medidas e

políticas efetivadas por um Estado em que os setores populares ficam excluídos do uso

de determinados recursos? Mas, este processo não prossegue sem a ocorrência de crises.

A segunda observação sobre os resultados da participação popular em gestões

públicas gira em torna da proposição e da defesa de uma esfera pública não estatal.

Constata-se que, a partir destas políticas orçamentárias, caminha-se para a “instituição

de uma esfera pública ativa de co-gestão do fundo público municipal, que se expressa

através de um sistema de racionalização política, baseado, fundamentalmente, em regras

de participação e regras de distribuição dos recursos de investimentos” (Fedozzi,

1997:198). Esta mesma matriz argumentativa aparece em diversos outros autores com

variações terminológicas sobre o mesmo conteúdo. Assim, reconhece-se no orçamento

participativo uma potencialidade contraposta aos autoritarismos presentes na vida

política. Neste sentido, o Programa Prefeitura nos Bairros tem como objetivo o de

viabilizar a participação popular “através da criação de fóruns institucionais de

entidades representativas dos movimentos sociais de bairro e que tenham como funções

propor, acompanhar e fiscalizar as ações do poder público municipal” (Soares & Soler,

1992:27). Assim, o ápice da participação popular fica restrito aos atos de proposição. A

participação popular, em geral, e também quanto ao orçamento participativo, possibilita

o “alargamento do espaço público e a busca de nitidez nas relações entre o público e o

privado” (Daniel, 1994:24-25).

É neste sentido que também despontaram as proposições de fazer o que é

possível de ser feito. Isto é limitar-se aos contornos da sociedade atual, fazendo ajustes

pontuais. “A saída para uma ‘utopia possível’ é a reforma, feita com uma amplitude

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social e uma abertura política sincera, não meramente taticista” (Genro, 2004:97). Não

resta dúvida que nestas posturas aparecem o retorno à valorização da substancialidade

burguesa das instituições públicas, pois menospreza o aspecto tático que estabelece

posicionamentos visando superar uma situação e, ao invés disso, passa-se a reforçar

conteúdos já estabelecidos. Este processo é constantemente repetido nas lutas entre a

burguesia e o proletariado. A recusa da busca de meios que concretizem o projeto de

uma sociedade sem classes resulta em recuos cuja reversão se torna um grave problema

para a luta dos trabalhadores. “Quando o ‘espectro vermelho’ continuamente conjurado

e exorcizado pelos contra-revolucionários finalmente aparece, não traz à cabeça o

barrete frígido da anarquia, mas enverga o uniforme da ordem, os culotes vermelhos”

(Marx, 1978:42).

A terceira observação quanto aos resultados da participação popular nas gestões

estatais (públicas) procura vislumbrar as possibilidades de ruptura com a (des)ordem

atual e ressalta os elementos do processo participativo na gestão pública que apontam

para a construção do socialismo como transição ao comunismo. Assim, o orçamento

participativo não pode se restringir à distribuição dos recursos disponibilizados para a

disputa entre os setores sociais interessados nele. É preciso que esta política

orçamentária contribua para a construção de uma sociedade condizente com os

interesses populares e que ela aponte para o socialismo. O orçamento participativo,

apesar das investidas contrárias à sua continuidade e aprofundamento das questões que

ele abarca, permanece como instrumento da autonomia e construção da “soberania

popular (e procura não se limitar ao) imediato localismo das reivindicações” (Pont,

2003:21 e 27; Cf. Dutra, 2001:12).

A incorporação de setores populares na definição de políticas de Estado pode

levar à superação da revolução dentro da ordem para a necessidade de uma outra

ordenação social em que a exploração humana deixe de existir e a dominação se torne

coisa do passado, na medida em que acontece a mudança na cena política com a

presença de um conjunto populacional significativo que não havia sido reconhecido

com capacidade para tanto. As políticas terão que assimilar outros conteúdos para serem

coerentes com um projeto digno dos interesses das classes populares (Cf. Saes,

1984:112-137; Idem, 2001:31-34; e Harnecker, 2000b:195)

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5.2 – As classes populares e suas lutas

A democracia pode constituir um elemento da via para a transição do

capitalismo ao socialismo. No espaço democrático as facções em ação se defrontam

com posições cujo antagonismo reclama uma nova sociedade. Nele, muitas vezes,

ocorre que setores populares organizados obtêm conquistas pontuais para o conjunto da

sociedade. Mas é preciso considerar os limites próprios do modo capitalista de

produção, que trava a transformação do Estado que lhe é próprio, quando as políticas

tendem em direção aos interesses das classes dominadas. Para isso, a burguesia não

vacila em retroceder diante de suas próprias instituições e recorrer às forças repressivas

na defesa da ordem vigente. Há um limite que não será permitido ser transposto: a

democracia representativa possibilita modificações secundárias e mantém as condições

estruturais da exploração dos produtores diretos e a acumulação privada de valores (Cf.

Poulantzas, 1980:293).

Por isso, limitar-se aos aspectos formais relativos à representação é ficar no

meio do caminho. A gravidade da situação exige ir além; pensar e agir, tendo em vista a

superação da forma como a sociedade burguesa se encontra organizada. Uma política

transformadora exige reflexão teórica. Pensar a prática política e a efetivação de

políticas de Estado considerando a natureza deste mesmo Estado é uma atividade que

somente pode ser bem efetivada com o recurso a uma teoria crítica das situações

vividas. Políticas realmente populares, que não se restringem às necessidades imediatas

da reprodução são conflitantes com a natureza do Estado burguês. É preciso um

compromisso decisivo com os setores populares e suas lutas e, com isso, realizar

algumas políticas que aglutinem forças alternativas à ordem que está posta pela

burguesia. A democracia precisa se tornar efetivamente popular, portanto, contraditória

com a ordem burguesa. Na configuração com que ela se apresenta, ela é um espaço de

lutas. É necessário ir além da forma e questionar a estrutura do Estado burguês (Cf.

Marramao, 1990:164; Lênin, 1979b:317).

As políticas orçamentárias participativas surgem em parte de momentos de crise

do Estado burguês. Elas se apresentam em duas faces. Uma se manifesta na condução

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do processo de ordenamento social que procura garantir a reprodução das condições de

domínio de classe. Esta é uma crise de legitimação do exercício do governo. A crise

torna-se grave à medida que setores cada vez mais amplos da sociedade expressam

descontentamentos diante da condução das políticas de Estado. A legitimidade da

representação coletiva é questionada, pois, suas ações não correspondem aos interesses

gerais da população. A outra acontece no próprio processo de produção de riquezas,

quando as mercadorias produzidas não podem ser vendidas por um preço que garanta a

acumulação de valores pelos capitalistas. Esta é fundamentalmente uma crise de

superprodução relativa, em outros termos, uma crise de realização. A crise adquire

conotações estruturais. O Estado burguês pode suprimir a democracia para tentar

superar a crise e garantir a continuidade da ordem social que lhe é própria. Com isso, os

movimentos sociais e políticos elaboram suas reivindicações de forma mais consistentes

e abrem diversas frentes de luta para procurar realizá-las. É quando um partido de

oposição ao ordenamento social burguês ocupa uma unidade federativa e efetiva as

políticas não definidas pelo poder central (Federal). Neste ponto, manifesta-se o

potencial da burocracia na definição das políticas de Estado e, para tanto, conta com o

aparato de forças repressivas na garantia dos interesses do capital (Cf. Saes, 1987:61-

66).

Esta situação pode se agravar quando resultar numa crise fiscal, que é

decorrente de uma crise mais fundamental: a não realização do valor extorquido, já que

os capitalistas, ou deixam de pagar os impostos, ou se empenham e conseguem reduzir a

carga tributária em nome de mais recursos para investirem em seus negócios. O

esgotamento das condições ambientais resulta na necessidade de maiores investimentos

na obtenção do mesmo produto, ou no abandono de uma área arrasada. È um ponto

crucial para o estudo, na medida em que a condução de uma política participativa corre

o risco de perder uma iniciativa substancialmente louvável se os seus esforços

empregados forem resumidos na busca de legitimidade para uma ordem de dominação

burguesa. E, com isto, assumir o ônus das políticas a ela correspondente, na medida em

que os recursos disponibilizados para a definição popular de seus destinos sejam

insuficientes até para atender as necessidades de reprodução digna da força de trabalho

em um determinado local (Cf. Pacheco, 1998:68, 160-226).

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As políticas orçamentárias participativas surgem no âmbito municipal e

procuram definir as aplicações dos orçamentos a partir de formas de consultas populares

previamente elaboradas para que a população aponte onde serão aplicados os recursos

públicos. As definições políticas passam a se constituir um componente estranho à

forma de elaboração de políticas de Estado. Os interesses populares começam a ser

considerados. Até que ponto essa “intromissão popular” na definição de políticas por

um aparelho burocrático pode ser levada? Esta tese defende que a implementação de

uma política orçamentária participativa poderá levar ao questionamento do Estado

burguês na medida em que suas crises fazem diminuir os recursos públicos além de

degradar as condições de sobrevivência, o que os trabalhadores e a população

organizada não devem suportar. Se o Estado deixa de realizar funções primordiais, ele

vai se revelando cada vez mais desnecessário.

A efetivação desta política participativa em nível local se tornará cada vez mais

insuficiente diante dos interesses e das pressões populares. Cada vez mais, a

implementação de políticas orçamentárias participativas terá que atingir esferas mais

amplas de arrecadação e de aplicação do que os limites territoriais municipais. Ela terá

que superar os limites de abrangência territorial local. Uma conseqüência disso é a

ampliação do controle popular sobre a política fiscal do Estado. Questionar essa política

fiscal com vistas à ampliação dos recursos e de seu destino e colocá-la sob o controle

popular será um ponto de confronto com a classe burguesa. É preciso superar o controle

dos gastos públicos e chegar ao controle e proposição de políticas, inclusive fiscais.

Neste ponto em particular, choca-se com a burocracia de Estado no que se refere à sua

função coletora. Isto exigirá que o partido político que se propõe a elaborar, defender e

efetivar este tipo de política deve se preparar para que ela ultrapasse os limites de

tolerância burguesa de intromissão popular nos rumos das políticas de seu Estado, com

vistas à mudança na sua direção e no seu conteúdo. No limite, a burguesia sucumbe a

chamada democracia, se esta for uma condição para florescer o capitalismo. Por isso, é

preciso questionar também os limites e a natureza do Estado burguês (Cf. Ianni, 1986,

12; Houtart & Polet, 1999:14-43; e Marramao, 1990:109 e 223).

O partido político revolucionário que toma parte na definição de políticas será

obrigado a definir suas posturas e opções com bastante clareza numa sociedade

composta por classes antagônicas. Ou ele assume a defesa da escassez de recursos e fica

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com a classe social que controla o Estado, ou este partido terá que radicalizar sua

atuação política em direção aos estratos sociais que o compõe, e assumir a contradição

de classe da sociedade que o fez surgir. Ele terá que se posicionar claramente em favor

dos explorados e buscar a transformação da sociedade com vistas à efetivação de uma

sociedade socialista (comunista), que não comporta exploradores e nem explorados. É

necessário resolver algumas questões internas em direção a uma nova sociedade. Isto

implica em assumir a condição de luta rumo a uma estruturação da sociedade de forma

diferente da burguesa. A ocorrência de crises na sociedade burguesa não implica

naturalmente a sua superação, pois, a classe dominante pode continuar encontrando

soluções para estas situações à sua maneira. É preciso haver uma alternativa proletária a

esta ordem, que empreenda a luta de classes a partir dos interesses populares. Para tanto,

é necessário “construir uma força social anti-sistêmica” (Harnecker; 2000a:31-32; Cf.

Balibar, 1976:24; e Almeida, 1995a:182).

Chega-se próximo ao objeto de estudo deste trabalho ainda quando se visualiza

o processo de execução de políticas orçamentárias participativas que são implementadas

a partir do Estado burguês no Brasil. Esta política de Estado vem sendo efetivada no

Brasil a partir de iniciativas municipais, às vezes alcança o nível de território Estadual e

tenta-se algo próximo na União Federal. Trata-se, portanto, de políticas decorrentes da

democracia participativa, ou, em outros termos da democracia direta. Em termos mais

gerais, defronta-se com a estrutura do Estado e as políticas implementadas por quem

ocupa posições no aparelho de Estado. O aspecto contraditório e variável deste objeto

começa a revelar quando são ressaltadas a natureza do Estado específico, e a

participação popular nas definições de políticas. O estímulo à participação popular na

definição dos rumos da política significa colocar na cena política um segmento social

estranho aos mecanismos de decisão na formulação das políticas do Estado burguês.

5.2.1 – A participação popular e a (nova) cidadania

O empenho de agentes da participação popular na busca de uma nova

sociedade vem sendo vislumbrado nas práticas comprometidas com projetos sociais

alternativos que encontram legitimidade em determinadas aspirações presentes em

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organizações populares. São formas organizativas que despontam da base da pirâmide

social (Cf. Harnecker, 1996:288). A necessidade de uma postura pedagógica por parte

dos agentes da participação popular com relação a diferentes conteúdos teóricos e

práticos políticos que desvendem questionem e apontem para a ruptura das amarras da

dominação é algo evidente55. A relação entre o ser e o seu contexto implica

interferências recíprocas entre projetos de emancipação da classe dominada e

circunstâncias limitantes da situação, que devem se tornar objetos de questionamentos.

Como o ser não pode se expressar plenamente em condições adversas, despontam as

necessidades de criar novas condições que favoreçam o novo modo de ser que somente

se apresenta como estando numa situação transitória na busca da realização de algo

novo. Este ser é, na verdade, um projeto que só pode se tornar pleno numa nova

sociedade. Ele é um devir56 que, em si mesmo exige as tentativas de superação das

contradições geográficas e de classes. Votaremos ao assunto da tipologia da

participação popular, no capítulo VII.

Mas, que conteúdos sociopolíticos merecem estar na pauta pedagógica? Que

problemas sociais e econômicos estão sendo enfrentados, e qual o alcance das soluções

que estão sendo efetivadas? Existem conteúdos acumulados pelos que pensaram a partir

dos movimentos sociais e políticos que merecem ser recuperados para as lutas de nossos

dias. Em que contexto estes conteúdos encontram ressonância?

Há um descrédito popular em relação aos cidadãos que se propõem a ocupar

cargos públicos, principalmente, os de mais elevados postos e também os que ocupam

cargos eletivos. Num ambiente em que predomina a lógica do capital, o voto se torna,

cada vez mais, uma mercadoria e vai perdendo o seu aspecto de expressão de uma

vontade ou de uma expectativa sobre a vida em coletividade (Cf. Harnecker, 1990:190).

Neste ambiente acontece uma confluência de objetivos opostos na mesma atitude de

votar. A burguesia não necessita tanto de um governante específico no aparelho de

Estado para fazer valer seus interesses pois, a dinâmica do poder passa mais pela

55 “O sentido da mudança educacional radical não pode ser senão o rasgar da camisa-de-força da lógica incorrigível do sistema: perseguir (...) uma estratégia de rompimento do controle exercido pelo capital, com todos os meios disponíveis, bem como com todos os meios ainda a ser inventados” (Mészáros, 2005:35). 56 “Dever-ser’ é aquele tipo de necessidade que conota e que contém contingência, uma necessidade, pois, que, embora seja em si necessária, permite contrafatos, que permite que existam fatos contra o que ela diz e manda” (Cirne-Lima, 1993:116).

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dimensão econômica que se constitui em força política sempre que for necessário ao

empresário. Os desprivilegiados e excluídos da divisão de riquezas não vêem utilidade

no aparelho de Estado que não os tem nem como centro de preocupações, nem como

parceiros de diálogos sobre os rumos da vida coletiva. Assim, as candidaturas eletivas

contam com boa dose de desconfiança, tanto dos membros da classe dominante quando

dos provenientes das classes dominadas. Observa-se que uma “diminuição do interesse

na política partidária é acompanhada por um repúdio à política” (Petras, 1999:97; Cf.

Caldeira, 1984:24).

A preocupação com a postura e conteúdos pedagógicos na participação política

precisa considerar o potencial crítico popular e potencializá-lo de maneira solidária e

associada a um projeto político com o objetivo de superar a dominação de classe. Os

fundamentos da crítica às determinações e relações de dominação da nossa sociedade

precisam estar no centro das preocupações dos oprimidos e dos intelectuais com eles

comprometidos para organizar as lutas na busca de caminhos de superação de todas

estas condicionantes econômicas, sociais e políticas. “Quanto mais cindem o todo e o

re-totalizam na re-admiração que fazem de sua ad-miração, mais vão aproximando-se

dos núcleos centrais das contradições principais e secundárias em que estão envolvidos

os indivíduos” (Freire, 1987:106).

A divisão da totalidade em partes inteligíveis e apropriáveis pelos oprimidos

exige a recomposição deste todo associado ás lutas transformadoras. É a relação entre

elementos da realidade vivida com uma teoria transformadora que fará de cada pessoa

oprimida uma agente da transformação social visando uma coletividade sem

exploradores e sem explorados. Os que buscam esta nova sociedade necessitam de

ampla compreensão “das idéias elaboradas com base na experiência da vida política

sobre as relações entre todas as classes da sociedade” (Lênin, 1977:129; Cf.

Ponce,1996:179). Esta é uma exigência para que os agentes da participação popular

estejam à altura dos desafios colocados pelo seu próprio tempo histórico, social e

político. A participação possibilita a incorporação de novos conteúdos na constituição

da maneira de ser da cidadania sempre aberta a novas manifestações que exigem

modificações no contexto econômico, ideológico e político em que estas manifestações

encontram as mais diversas ressonâncias e que estão em contradição com a sociedade

burguesa. As práticas políticas participativas associadas a outras práticas que já existem

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ou hão de surgir poderão fazer surgir uma nova sociedade. A entrevista nº1 manifesta a

procura por concretizar um governo local subordinado à vontade popular. “Tenho uma

formação socialista e não abro mão dela (...). Todos os elementos de formação e

educação popular muito forte, que levou muito a cidade a refletir e trazer ao povo a

concepção desse poder; que o poder deveria estar estabelecido nele; que o governo tem

mais uma tarefa de coordenar e executar este sentimento popular. Estes elementos a

gente conseguiu deixar em Camaragibe”.

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CAPÍTULO VI

PARTICIPAÇÃO POPULAR E GOVERNOS LOCAIS

6.1 – As limitações dos governos locais

As políticas orçamentárias participativas encontraram maior notoriedade no

Brasil a partir da eleição de prefeito do Partido dos Trabalhadores para a cidade de

Porto Alegre57, capital do Rio Grande do Sul em 1989. O que passou a ser conhecido

como orçamento participativo é, na verdade, uma política de Estado implementada

principalmente no âmbito do território municipal, ou seja, a entidade federal de menor

referência, considerando a amplitude territorial e de autonomia fiscal da federação

brasileira, que estimula e organiza a participação popular na gestão do Estado tendo

como eixo central o orçamento público. A relevância do aspecto orçamentário como

centro das atenções participativas está no fato de ser o orçamento público “o núcleo

duro do processo de planejamento governamental” (Fedozzi, 1997:107).

Do exposto, surgem algumas questões. Como um partido que se apresenta nas

atividades políticas qualificadas de esquerda, que procura elaborar um projeto

alternativo ao ordenamento social, econômico e político burguês, propõe e executa uma

política que pretende servir de exemplo para outros agentes políticos de ação numa

unidade federativa restrita? Como pode (se é que o deva) sustentar uma política nesta

esfera (o município), num tempo de questionamento de unidade federativa maior, isto é,

do Estado-nação? Que configuração de Estado (local de onde a ação política tem o

ponto de partida de definições) está sendo questionada? Propomos começar pela última

questão, tratando da estrutura do Estado.

As produções teóricas referentes às políticas participativas são, na sua maioria,

em torno da natureza democrática que elas comportam e fazem avançar, e também sobre

57 Outras cidades passaram por maneiras semelhantes de governo nos Estados da Bahia (uma), Ceará (uma), Espírito Santo (uma), Minas Gerais (quatro), Paraná (uma), Rio Grande do Norte (uma), Rio Grande do Sul (três), Rio de Janeiro (uma), e São Paulo (dez), totalizando vinte e quatro cidades até o ano de 1992 (Cf. Bittar, 1992:301-324). Cerca de 140 cidades assumiram práticas políticas autodenominadas de orçamento participativo no período 1997 - 2000, no Brasil (Cf. Ribeiro & Grazzia, 2003:13).

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seus efeitos relativos à melhoria nos serviços prestados aos cidadãos que passam a

tomar parte nas definições sobre as aplicações dos recursos públicos.

A partir do orçamento participativo acontece um entendimento maior por parte

de setores organizados da sociedade sobre questões de gestão pública. Nesta direção

aparecem reflexões como: “Saber o que é orçamento e para que serve facilitará a ida do

munícipe a uma repartição pública e o fará entender o que significa não existir verba”

(Moreira, 1998a:9). Ou “não foram poucas as vezes em que, ao se estabelecer o

impasse, delegados de uma determinada região ‘abrirem mão’ de ‘brigar’ por parcela

dos recursos, em benefício de outras regiões menos favorecidas, afirmando: ‘olha, o

meu bairro tem muito mais asfalto do que o seu... então votamos para que seja feito

mais asfalto aí” (Vignoli, 1998:28). “Era necessário realizar pelo menos uma decisão

com a população do bairro, que mesmo não sendo favelada, precisava ser mobilizada

(...) Podemos administrar junto com a prefeitura, ajudar a deliberar e fiscalizar a

utilização do dinheiro público” (Bandeira, 1998:65 e 68). E, ainda, “tem trazido

impactos significativos na máquina administrativa pública no sentido de garantir maior

transparência (...). O orçamento participativo questiona e pode representar uma ameaça

à atuação mais histórica dos vereadores (...). Pode modernizar velhas práticas políticas”

(Villas-Boas, 1998:11 e 17). O foco da atenção das decisões políticas presentes nas

referências acima está na aplicação de recursos públicos. O problema gira em torno da

distribuição de recursos orçamentários disponíveis, isto é, recursos já arrecadados, ou

constantes da previsão orçamentária. A decisão sobre os locais de aplicação passa por

critérios de definição ou de percepção de maior carência entre as frações municipais em

disputa pelos mesmos recursos. Estas contendas sempre estiveram nas pautas das lutas

políticas58. A presença direta da população neste processo representa uma ruptura nos

mecanismos e nas instituições políticas da democracia burguesa. É a ruptura de um

limite que Weber clamava por esforços no sentido de preservá-lo. Este limite está na sua

visão da função da democracia. Para Weber, a vontade popular era expressa por “um

parlamento democratizado capaz de intervir nas questões essenciais e relativas ao

pessoal dessa administração” (Weber, 1997:109). Este é o limite máximo de um

58 “A essência de toda política é a luta” (Weber, 1997:106).

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governo popular para o pensamento weberiano59. O parlamento consegue exercer maior

controle sobre quem exerce um mandato temporariamente limitado, ou seja, sobre as

gestões que, apesar de obterem legitimidade pelo voto podem entrar em conflito com a

(parte da) burocracia estabelecida sobre todo o território nacional, com quem os

capitalistas dispõem de muito mais interesses comuns do que as classes populares.

Assim, os limites e os objetivos das políticas de Estado estão fixados em âmbito

nacional, cabendo aos governos locais serem mais executores do que propositores de

políticas, exceto em aspectos variantes da política nacional.

A maior proximidade do poder local com os habitantes de determinado

território pode ocasionar maiores interfaces legitimadoras entre a gestão e o povo do

que entre os ocupantes do poder estadual e nacional. Com o orçamento participativo “a

cidade constrói uma legitimidade que lhe confere força e credibilidade perante os

governos nacionais e ante os interesses particulares” (Borja, 1996:20). “A

governabilidade dos processos é fortalecida por meio da legitimidade dos planos. Os

recursos são muito bem utilizados porque seguem critérios consensuais de utilização”

(Campello, 1998:34). A maior proximidade dos interesses localizados pode

proporcionar uma legitimidade mais consistente aos governos locais e isto pode fazer

com que o poder local disponha de grande energia nas contendas com as instâncias

superiores da federação, apesar de não ser suficiente para modificar critérios

burocraticamente consolidados. Deste modo, a definição e a execução de políticas de

Estado resultam de uma conjugação de forças tanto na garantia de posições

consolidadas quanto na procura do estabelecimento de novas posições no universo

político. “Nenhuma política de Estado exprime uma intenção, mas uma relação de

forças” (Almeida, 1995a:103). A gestão municipal de Camaragibe no período de 1997

até 2004 é exemplo deste processo. A revisão de critérios de distribuição de recursos

federais para a municipalidade resultou em redução do volume de recursos contribuindo

para agravar uma crise com conseqüências bastante desastrosas (Ver Capítulo II).

59 De modo semelhante, mas referindo-se negativamente ao orçamento participativo, diz outro autor: “O tão alardeado orçamento participativo, colocado como forma de democracia direta, está sendo um poderoso meio ideológico de subversão da democracia representativa” (Rosenfield, 2002:62).

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158

6.2 - Os recursos públicos

6.2.1 - A origem dos recursos

Para uma avaliação da forma de distribuição de recursos públicos, o melhor

ponto de partida é o das fontes dos mesmos. Procurar pelas fontes de recursos de

maneira radical e perguntar como estes recursos são gerados. Assim, chega-se a frações

da população que geram valores. Quais são estas frações? Que poder consegue coletar

estes recursos e depois, aplicá-los? Em que projetos estes recursos são aplicados? De

que forma a aplicação destes recursos é levada ao seu termo? Se questionarmos as

origens do poder político, é possível obter respostas consistentes a estas questões.

Em um dado momento da história da humanidade foi constituída uma

organização com a finalidade de gerir os negócios que se apresentavam com uma

abrangência mais ampla do que aquele abarcado pelo grupo familiar ou tribal. Uma

classe social reúne em seu redor forças que garantem um status diferenciado. Esta classe

passa a definir interesses distintos da maioria da sociedade e se constitui numa classe

social organizada em defesa de privilégios. Se antes os trabalhos excedentes eram

realizados em beneficio de todas as pessoas, agora passa a haver classes sociais se

apropriando deles e outras que foram desprovidas das condições de apropriação de

determinados valores. Desponta neste contexto, uma classe social de pessoas portadoras

de privilégios. Estes privilégios são, em essência, a posse e o uso de recursos que,

apesar de serem oriundos dos esforços produtivos da coletividade, ficam nas mãos de

alguns.

Para conseguir a realização constante de seus privilégios, esta classe precisa

elaborar e sustentar um projeto de dominação social. Assim, esta classe social se torna

uma classe dominante. Esta classe organiza um aparato de poder político que se destaca

do conjunto da sociedade, constituindo uma burocracia que, surgindo de algumas

necessidades técnicas, passa a monopolizar funções relativas à organização e à

supervisão, formula planos de ações na defesa dos interesses da classe dominante e

elabora os meios para garantir a execução dos mesmos. Isto tem como um dos seus

resultados principais a efetivação do monopólio do poder político. A organização se

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destaca do corpo social, se especializa na realização de determinadas tarefas

fundamentais para o próprio projeto, e se distingue por privilégios, posturas, e modos de

vida. Esta organização, ora se confunde, ora se coloca a serviço de uma classe

dominante e sustenta formas de extorquia das classes dominadas. A esta organização

política denominamos de Estado, e a sua função é a de elaborar políticas apropriadas

aos objetivos da classe dominante (Cf. Engels, 1983b:410; Marx, 1981a: 68;

Tragtenberg, 1974:25).

A execução de qualquer política exige a disponibilidade de recursos por parte do

Estado. Estes recursos são obtidos na sociedade. Do mesmo modo que as antigas

atividades agrícolas necessitavam de canais de irrigação que somente poderiam ser

construídos, mantidos e protegidos com recursos coletivos em razão da natureza das

atividades que realizavam, hoje, o Estado continua a implementar políticas em atenção

às demandas sociais. O Estado procura viabilizar o comércio, o ensino, e garantir acesso

aos serviços de saúde, à assistência em tempos de calamidades; visa garantir certa

ordem social com a defesa da propriedade dos meios de produção; e estabelece normas

para as relações sociais. Por isso, a organização estatal coleta os impostos, as taxas e as

contribuições estabelecidas sobre as atividades das pessoas jurídicas e físicas

localizadas num território por ele controlado.

6.2.2 - Os antagonismos sociais e a gestão pública

A concretização dos interesses da classe dominante de uma determinada

sociedade a coloca em confronto com outras classes sociais que ficam numa situação de

desvantagem diante dos empreendimentos organizados e executados em nome da

coletividade. São interesses opostos que colocam pessoas de um mesmo corpo social em

posições antagônicas. Estas pessoas passam a estar em posições diferentes quanto ao

controle e ao emprego de instrumentos de trabalho, ao acesso a terra e à formulação e

conteúdo das decisões sobre a coletividade. Uma classe social passa a definir padrões de

vida que necessitam do conjunto da sociedade para se sustentar. Mas precisa reunir os

componentes das condições deste padrão de vida para que algumas pessoas possam ter o

privilégio de desfrutar dos valores e bens que compõem o mesmo. Esta diferenciação

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fundamental somente se sustenta com o estabelecimento de formas de exploração

econômica e de dominação política. Neste contexto é necessária uma organização

política que elabore e sustente os mecanismos de garantia deste projeto social e político

(Cf. Marx, 1981a:67-81).

A organização política de uma sociedade fracionada em classes antagônicas

precisa garantir a dominação e as condições de continuidade da apropriação dos

excedentes por parte da classe privilegiada. Isto só é possível com a imposição da

vontade de uma classe social sobre outras. Quem organiza a classe social no exercício

desta imposição é a organização política. Ela é a organização de uma sociedade de

dominadores e de dominados, de exploradores e de explorados. E, antes da aplicação, os

recursos precisam ser coletados. A forma de realização desta coleta revela a natureza de

classe social que está inerente à geração dos mesmos.

O Estado é a organização que reúne um conjunto de aparelhos políticos que

operam forças repressoras e forças ideológicas. Estas forças cumprem funções

fundamentais para a sustentação de um projeto político numa sociedade fracionada em

classes antagônicas. Dois conjuntos de forças são fundamentais para a execução das

atividades provenientes do Estado. Estes conjuntos são os que constituem as forças

coletoras e as forças repressoras. Estas forças permitem que a organização estatal exerça

o controle sobre um dado território e onde acontece o exercício de uma política.

A organização estatal coleta os recursos necessários à execução das políticas

que levam à efetivação dos objetivos condizentes com o projeto de dominação de classe.

A garantia do sucesso destas políticas está no uso da busca do consenso, ou da repressão

às forças adversas ao projeto da classe dominante, assim que se fizer necessário. Em

decorrência da natureza burguesa do Estado, o conjunto dos dominados são os mais

visados pela expropriação através da forma salarial de remunerar e do exercício da

coleta tributária, isto é, a classe trabalhadora (Cf. Oliveira, 1995:23).

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6.3 - A capacidade de arrecadação

O tamanho do território vai depender das condições que as forças repressoras

possuírem para fazer valer as políticas definidas pelos mecanismos de Estado. Pode

haver atrito entre classes sociais dominantes de mesma natureza quando se trata de

território e fatia dos excedentes apropriados. Assim foram as guerras de conquista e de

anexação de um território a outro, freqüentes em certo período da história. Por isso,

quando se fala em recursos públicos, a questão de classe e das lutas entre elas está muito

presente.

O conflito de interesses entre frações da classe exploradora acontece tanto

mundialmente quanto nos espaços internos das nacionalidades. Os tratados de paz, os

acordos comerciais e as imposições de uma política externa a outras nações revelam o

jogo de forças sociais e políticas que se aglutinam em organizações diplomáticas e

militares. Embora haja discordâncias individuais entre os componentes dos propositores

e executores de certas políticas (conseqüência das frações de classes) o que resulta, de

fato, é uma política compatível com os interesses da classe dominante (Cf. Almeida,

1995a:102-104).

Em um mesmo território nacional sempre despontam interesses localizados de

reprodução das condições de dominação e de surgimento de novas lideranças sociais e

políticas com pontos divergentes das decisões gerais da organização estatal. Algumas

formas de acumulação dependem da delimitação territorial para ser efetivada. A

acumulação necessita da disponibilidade de força de trabalho em boas condições de

empregabilidade. A reprodução da força de trabalho tem como elemento considerável o

espaço residencial. Neste espaço precisam estar reunidas as condições de vida

compatíveis com o emprego produtivo da força de trabalho. As demandas por

acessibilidade, meios de transporte, saúde, lazer e educação precisam ser correspondidas

e colocadas à altura das sofisticações de funcionamento dos meios de produção. A

atração de força de trabalho para um determinado empreendimento com certa distância

dos centros de sua reprodução biológica e social exigia que as empresa oferecessem

condições de moradia acompanhada de outros equipamentos sociais fundamentais.

Assim eram as famosas vilas operárias. Isto é um exemplo da necessidade de

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concentração de força de trabalho para corresponder às necessidades do modo de

produção capitalista (Cf. Marx & Engels, 1982:111).

Com o passar do tempo, as empresas foram transferindo estas obrigações para

os próprios trabalhadores, para a iniciativa privada e para o Estado. O movimento da

classe dominante diante da reprodução da força de trabalho vai da responsabilização

direta e total à transferência absoluta desta tarefa a outros mecanismos criados à sua

imagem e semelhança. As atividades relacionadas à habitação, assistência social, saúde

e educação foram sendo levadas a adquirirem autonomia funcional, administrativa e

financeira a partir de contribuição das próprias empresas. Quando companhias européias

se implantavam nas áreas coloniais, para lá levaram os aparelhos repressivos e

ideológicos mantidos por elas mesmas. Só depois é que lhes foram dando autonomia e

os transferindo a um governo que cuidasse dos interesses de diversas companhias ao

mesmo tempo e dos comportamentos desejáveis à força de trabalho. Estes

procedimentos empresariais compõem a essência da postura burguesa que comanda os

projetos de reforma do Estado, quando transferem para a iniciativa privada algumas

obrigações relacionadas à educação, saúde e outras que, antes, estavam sob a

administração direta de órgãos estatais. Assim, enquanto organismo destacado, o Estado

necessita coletar os recursos para a sua própria manutenção e para executar as políticas

a ele inerentes. Esta execução é levada ao fim nas três esferas de poder tanto municipal,

estadual, quanto a federal (Cf. Bernardo, 1998:42-45; Idem, 2000:13).

A questão do poder local adquire relevância com certa confluência de interesses

entre quem domina e quem sofre a dominação. Exatamente nos pontos de confluência é

que surgem diversos conflitos a partir dos movimentos do capital e dos movimentos da

força de trabalho. Mas, está na União Federal a maior força coletora de recursos. A

maior proximidade entre os funcionários municipais e a população é motivo de

constrangimentos quanto ao exercício da coleta de impostos. Esta situação é mais

notável nos municípios de menor abrangência territorial e de ocupação populacional. Os

períodos eleitorais são momentos de contatos muito próximos e a legitimidade dos atos

políticos podem ser questionados sem intermediação. É o legislativo federal que elabora

leis válidas para todas as frações territoriais que a integram. O Código Tributário

Nacional define a competência de coleta e aplicação direta ou indireta das receitas

estatais. Ao município ficou, desde a reforma tributária de 1966, o encargo de coletar o

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163

IPTU, o imposto sobre ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Inter Vivos) e o ISS

(Imposto Sobre Serviços). Por serem os tributos de menor possibilidade de realização

quanto ao volume de recursos que podem ser obtidos, os municípios necessitam dos

recursos advindos de transferências e de convênios cujas fontes são instâncias

superiores de poder. Esta reforma centralizou a coleta dos principais tributos sob a

responsabilidade da esfera federal, e estabeleceu os fundos de participação para os

Estados e municípios e estabeleceu quais tributos alimentariam estes fundos. Depois

disso, cada Estado e município passou a ter direito a uma quota-parte daquele valor

conforme a população residente nos respectivos territórios. Desta forma, o poder central

mantém um controle considerável sobre as políticas que acontecem sob a

responsabilidade das esferas inferiores de exercício do poder (Cf. Oliveira, 1991; Idem,

1995).

O poder político exercido a partir da União Federal dispõe de maior poder

regulador e de maior potencial arrecadador tributário, pois exercem este poder sobre os

proprietários dos meios de produção, enquanto que o poder local (município) ficou

encarregado do IPTU cujos pagantes são, em sua maioria, os assalariados. Embora

todos os recursos sejam provenientes do exercício da força de trabalho, o tributo de

maior importância que está sob a responsabilidade arrecadadora atribuída aos

municípios é mais diretamente dependente dos salários. Trata-se de um tributo a ser

pago em razão do uso do solo cuja função é, na grande maioria dos casos, para fins de

moradia, que é um dos elementos essenciais para a reprodução da força de trabalho. Isto

revela uma dificuldade do Estado burguês quanto às suas próprias características

determinantes, que é a dependência de impostos e viabilizar a reprodução da força de

trabalho (Ver capítulo IV). A entrevista de nº3 testemunha que as reações populares à

coleta estatal chegaram a ser usadas como meio de obter legitimidade de uma

candidatura de um partido essencialmente burguês em Camaragibe, quando o candidato

do PFL na eleição do ano de 2000 “empunhou uma bandeira na campanha que surtiu

razoável efeito, a de que a cobrança judicial do IPTU (Imposto Predial e Territorial

Urbano) era a mando da Prefeitura”. A tabela a seguir apresenta a capacidade de

arrecadação segundo o tamanho da população de municípios brasileiros no ano de 2000.

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Tabela nº7

Distribuição proporcional das receitas municipais, segundo o tamanho da população dos

municípios brasileiros no ano de 2000.

Distribuição das receitas municipais brasileiras Proporção Tamanho

da população De municípios

De população

Receita Tributária

Transferências correntes

Receita disponível

Até 5.000

25,6 2,9 0,7 5,4 4,1

De 5.001 até 20.000

48,2 17,9 3,7 18,9 13,3

De 20.001 até 100.000

22,2 29,2 10,7 25,6 19,4

De 100.001 até 500.000

3,5 23,0 20,4 21,6 20,6

Mais de 500.000

0,5 27,0 60,8 28,5 40,3

Fonte: IBGE, 2004:34.

A tabela acima mostra que somente os municípios com população superior a

500.000 (quinhentos mil) habitantes contam com receitas tributárias superiores aos

valores provenientes das transferências e, ainda, a maior parte da população brasileira

vive em municípios de até 100.000 (cem mil) habitantes. Estes municípios apresentam o

menor potencial de arrecadação. Mesmo no intervalo de classificação das cidades com

mais de cem mil até 500.000 (quinhentos mil) habitantes os municípios apresentam

percentual de receita tributária (20,4%) menor que o percentual de transferência

(21,6%). É dentro deste intervalo classificatório utilizado pelo IBGE que se encontra

Camaragibe. Contando com 128.702 habitantes, ela está bastante próxima do limite

inferior do intervalo estatisticamente construído. Assim, embora estando num intervalo

escalar elevado, há quem a considere uma cidade pequena, talvez, em razão da sua

contigüidade com Recife, recebendo influencias da capital, mas mantendo determinados

comportamentos administrativos localizados. A entrevista de nº2 expressa uma

providência que revela preocupações neste sentido. “Prefeito de cidade pequena tem

medo de cobrar tributo. A nossa primeira tarefa no governo foi fazer o concurso, que já

estava se esgotando o prazo para validá-lo, e fizemos e logo em seguida fomos qualificar

os fiscais e arranjamos um espaço para eles se alojarem e tivemos um corpo muito

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qualificado de fiscais. Fizemos o cadastro da cidade e principalmente de Aldeia60 que

pagava como imposto territorial rural sem ser rural”.

A grande proximidade de vida e contatos freqüentes entre quem ocupa cargos

eletivos e do mesmo modo, quem ocupa espaços na burocracia estatal e a população cria

certo constrangimento no exercício das atividades de coleta de tributos, ao perceber,

com freqüência, as dificuldades enfrentadas pelos habitantes do município. Os contatos

entre (parte de) a burocracia de Estado e frações sociais desprivilegiadas (classe

trabalhadora) resultam em dificuldades no exercício da dominação política,

principalmente quando as decisões burocráticas dependem de pessoas temporariamente

empossadas. A sensibilidade diante das questões sociais é mais forte nos segmentos

mais inferiores da burocracia, especialmente quando se trata do poder local. A entrevista

nº1 expressa a vivência destas dificuldades no exercício do poder e de posse de

indicativos propostos por uma consultoria contratada para apontar soluções para uma

crise instalada. “Fechar a maternidade, demitir pessoal, reduzir o programa de agente

comunitário de saúde e um terço do pessoal de educação e cancelar o atendimento de

crianças com idade inferior a sete anos. Não fechar tudo isso e não atender a

consultoria foi um erro meu porque o problema foi só se agravando até que os

funcionários começaram a fazer greve, que não querem demissão e querem salário em

dia”. O resultado disso foi a perda de legitimidade do governo e, as alternativas à ele

puderam despontar com discursos mais atraentes. Assim continua a entrevista n°1.

“Então, nos dois últimos anos, nós enfrentamos problemas sérios. O ultimo ano então,

quando a oposição pega a gente na fragilidade. O movimento popular não tem mais

suas demandas atendidas, os funcionários insatisfeitos...”.

6.4 – A aplicação dos recursos

Quanto às políticas orçamentárias, elas partem fundamentalmente, do que foi

arrecadado e encaminhar para a distribuição, que é regulamentada por leis específicas.

60 O bairro de Aldeia é diferente, pois, ainda é uma área privilegiada de expansão urbana que pessoas de melhor poder aquisitivo tanto de Camaragibe quanto de Recife escolhem para residirem ou como local de atividades de lazer.

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A Lei 4.320 de 17/03/1964 regulamenta a apresentação contábil dos recursos públicos.

Os recursos sãos dispostos conforme a sua divisão em receitas (resultantes de

arrecadação) e despesas (destinos dos recursos), como forma de facilitar a exposição,

compreensão e fiscalização. A norma que obriga a composição orçamentária a partir de

critérios comuns para a União, Estados e municípios permite que sejam verificadas as

aplicações dos recursos em qualquer esfera da federação.

Tanto as receitas quanto as despesas podem ser correntes ou de capital,

conforme a classificação econômica. O quadro a seguir mostra a disposição dos

elementos constitutivos do orçamento público no Brasil.

Quadro nº2

Elementos que participam da composição do orçamento público no Brasil.

Elementos da composição do orçamento público RECEITAS DESPESAS

Correntes Correntes

1 – Tributárias 1 – Pessoal e encargos sociais Impostos 2 – Juros e encargos da dívida Taxas 3 – Outras Contribuições 2 – Patrimonial 3 – Serviços 4 – Transferências 5 – Convênios 6 – Outras

De capital De capital

1 – Operações de créditos 1 – Investimentos 2 – Transferências 2 – Inversões financeiras 3 – Convênios 3 – Amortização e refinanciamento da dívida 4 – Outras 4 – Reserva de contingência 5 – Outras

TOTAL TOTAL

Fonte: Cf. Machado Jr & Reis, 1995, com base na lei federal 4.320.

A disposição técnica dos recursos permite realizar um acompanhamento da

aplicação dos mesmos. Ela é um dos elementos que determinam a elaboração do Plano

Plurianual (PPA), e da Lei Orçamentária Anual (LOA). A partir da disposição técnica

também é possível perceber os impactos da Lei Complementar 101/2000, conhecida

como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), sobre as decisões governamentais. Os

impactos previstos são dois. O primeiro é a definição de limites de despesas com

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pessoal e encargos sociais conforme a esfera de governo e o âmbito dos poderes

(municipais, estaduais, e a união federal). O segundo é relacionado com as exigências

de metas de superávit primário (saldo positivo no balanço do exercício anual,

desconsiderando as despesas com juros e encargos da dívida pública). Mas, esta

disposição técnica dos recursos pouco revela sobre as suas origens. A preocupação

contida na legislação é a de estabelecer limites aos dispêndios estatais. Pode-se observar

que não foi este tipo de preocupação que comandou as iniciativas estatais durante a

acumulação primitiva com o surgimento dos recursos destinados a crédito e, com o

estabelecimento da bancocracia como instrumento necessário ao capital financeiro (Ver

capítulos I e III).

A LRF fomenta práticas de gestão condizentes com “uma política monetária de

caráter restritivo” (Brunhoff, 1978:150). Através desta lei, o poder central da federação

obriga os governos subnacionais a se autolimitarem no interior de parâmetros que

tolhem a definição de políticas. Quando os governos subnacionais estão obrigados a

desenvolver e aplicar políticas cujos recursos estão legalmente delimitados, as pressões

sobre o governo nacional diminuem e as lutas políticas por recursos assumem uma

conotação predominantemente jurídica. Assim, o que poderia resultar em reivindicações

socialmente legítimas, resulta em obrigações juridicamente reguladoras e passíveis de

punições para as gestões inferiores. O recurso ao governo federal foi um fracasso. A

entrevista nº1 manifesta situação contraditória entre uma proposta de governo e a

realidade fiscal de Camaragibe. “O movimento de saúde não via na gente a resposta que

se dava antes. O governo municipal chegou a investir 23% de sua receita própria em

saúde e passou para 18%. Tivemos o desgaste financeiro e o desgaste da vitória nossa a

nível federal. No final foi muito difícil, fechando torneiras, principalmente num ano de

eleição. Assim foi a queda e o coice”.

A consultoria apontou para a necessidade de reduzir o alcance das políticas em

andamento no município. Os parâmetros desta auditoria são conforme a restrição fiscal.

Deste modo, não bastam boas intenções para que um governo efetive políticas

populares. É preciso que haja uma consonância entre a natureza do Estado e suas

políticas para que políticas populares sejam sustentáveis no decorrer do tempo. Quando

isto não acontece, o conflito entre as esferas de governo está instalado. As melhores

propostas ficam fadadas a sucumbir. Continua a entrevista nº1. “Então, nos dois últimos

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anos, nós enfrentamos problemas sérios. O último ano então, quando a oposição pega a

gente na fragilidade. O movimento popular não tem mais atendidas as suas demandas,

os funcionários insatisfeitos, o movimento de saúde não via na gente a resposta que se

dava antes. O governo municipal chegou a investir 23% de sua receita própria em saúde

e passou para 18%”. As fragmentações presentes entre os dominados e a falta de uma

teoria que abarque a situação se constituem em grandes empecilhos para os avanços das

lutas populares. Faltaram ainda, uma maior coerência no comprometimento de classe e

uma correta compreensão do problema por parte do Partido dos Trabalhadores, que não

foi capaz de assimilar todo o alcance dos movimentos populares e se tornar um

educador popular na busca de construir melhores condições de um poder popular no

interior de um Estado ainda burguês.

Após usufruir um Estado que lhe é favorável, a burguesia o apresenta como

possuidor de uma autonomia e chega a expressar-lhe idéias e práticas opositoras. Mas o

que está em curso é um esforço contínuo e necessário para colocar a burocracia estatal

no interior de determinados limites à imagem e semelhança do capital. Do mesmo modo

que os empreendimentos produtivos tendem a reduzir o emprego de força de trabalho,

também a burocracia de Estado deve ser submetida a limites na sua composição de

pessoal sem perder de vista o processo que impulsiona a organização estatal a garantir a

acumulação privada de valores. “A capacidade de uma classe para realizar os seus

interesses de que a organização do poder é condição necessária, depende da capacidade

das outras classes para realizar os seus” (Poulantzas, 1977:104).

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CAPÍTULO VII

PARA UMA TIPOLOGI A DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

7.1 – Participação popular e poder político

A participação popular é altamente móvel tanto pelos interesses que ela

comporta na relação entre os que dela tomam parte do lado da sociedade (especialmente

para consolidar e ampliar as condições da vida coletiva), quanto por parte do poder do

Estado em busca de legitimação social.

É lugar comum na produção teórica das ciências sociais a atenção ao problema

da participação popular em determinadas políticas de Estado e reforma do Estado.

Considerando que esta participação é efetivada numa sociedade em que predomina a

produção capitalista de mercadorias (valores), como é atualmente a sociedade brasileira,

desponta uma série de questões inter-relacionadas que revelam um problema

fundamental da ordem social burguesa, que é o da dominação de classe interligada com

a exploração econômica.

As condições de produção de riqueza precisam ser reproduzidas e, para isto

acontecer, a burguesia necessita que o Estado e suas políticas, com o ordenamento

jurídico, demarquem os correspondentes limites da ordem em que a acumulação privada

seja assegurada. Assim sendo, como a população desprovida do acesso aos meios

fundamentais de vida poderá participar na definição e implementação de políticas de um

Estado que sustenta esta ordem de coisas? A democracia burguesa é satisfatória para

atender às reivindicações populares?

Para responder a estas questões é necessário considerar o tipo de Estado, a

forma que ele assume na atualidade e as classes sociais em luta pela realização dos seus

objetivos imediatos e históricos. É no contexto do Estado burguês e na forma

democrática que ele se apresenta em Camaragibe, juntamente com a democracia

participativa e a maneira como se entende a participação popular nos órgãos públicos.

As relações sociais que são travadas nas estruturas solidificadas e de aparência eterna

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são tão móveis quanto as instituições de exercício do poder político e do poder de

Estado na busca de legitimidade para as suas políticas e das pessoas e organizações

populares para garantir o acesso aos seus meios de vida.

A constituição do poder e a sua efetivação como esfera destacada da sociedade

revela uma lógica de decisão e atuação com uma pretensa autonomia funcional diante

dos processos sociais, na gerência dos negócios públicos. Tendo se elevado a um lugar

destacado, a organização gerenciadora passa a ditar os rumos da vida social a partir de

objetivos que atendem aos interesses de quem formula os conteúdos a serem efetivados

no espaço de toda a sociedade. Por mais funcional que seja o exercício do poder, o

Estado e seus gestores necessitam recorrer a alguma forma para obter legitimidade

social e assim, garantir a reprodução das condições de continuidade da situação posta.

Para que a continuidade de uma política não tornasse objeto de atropelos, o Cardeal

Richelieu deixou a recomendação aos conselheiros de Estado. Os conselheiros, embora

sejam obrigados a imitar os astros na manutenção de seus cursos e na disseminação de

suas luminosidades, devem se rebaixar ao nível daqueles que são considerados

medíocres e, deste modo, evitar o surgimento de subversões ameaçadoras da ordem

social e política (Cf. Richelieu, 1996:176). A experiência o ensinou que a permanência

na ocupação de postos na burocracia exige uma contínua atenção aos movimentos

sociais, principalmente em períodos de transição. Preocupação semelhante esteve

presente também em nosso país. “Foi o próprio Juscelino Kubitschek quem, ao falar à

Escola Superior de Guerra, insistiu para que essa se dedicasse ao estudo da potencial

ameaça subversiva de forças sociais desencadeadas pela modernização contra a ordem

vigente” (Dreifuss,1981:36).

7.2 – A variabilidade da participação popular

A legitimação do poder político, nas últimas décadas no Brasil, vem sendo

efetivada com diversos matizes ideológicos e econômicos, cujos discursos e práticas

giram em torno da participação. Conforme o objetivo das suas políticas, o Estado

propõe e comporta algum nível de participação, considerando as forças mobilizadas e

atuantes numa dada conjuntura. Os níveis de participação podem se entendidos

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conforme uma disposição em uma seqüência progressiva a partir dos objetivos

populares, como se apresenta no quadro a seguir.

Quadro nº3

Relação entre graus de participação política e o controle processual realizado tanto por

dirigentes (governantes) quanto por dirigidos (governados).

GRAUS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA CONTROLE Informativo Consultivo Elaboração/

Recomendação De co-gestão

De delegação

De autogestão

Dirigente + + + + + + + + + + + - + - - - - - Dirigido(a) - - - - - + - + + + + - + + - + + + Fonte: Elaborado a partir de subsídios da reflexão de Bordenave (1985).

O quadro acima apresenta a participação popular nas decisões e políticas de

Estado em graus que variam do simplesmente informativo e consultivo, passando pelo

grau de elaboração/recomendação, chegando ao grau de co-gestão e de delegação e

atingindo o ponto máximo com o grau de autogestão. O grau informativo e o grau de

autogestão constituem os pontos extremos da participação política.

O grau informativo abarca as políticas participativas em que a burocracia de

Estado elabora suas políticas e realiza comunicados informativos à população. Neste

grau de participação não há nenhuma influência popular sobre os rumos e conteúdos da

política. Exemplo deste tipo de política participativa foi aquela assumida pelo

governador do Estado de São Paulo (1979 - 1982), Sr. Paulo Maluf, que havia sido

elaborada pelo Grupo de Assessoria e Participação (GAP). Com este grau de

participação, os setores populares são chamados a tomar conhecimento das políticas a

serem executadas e a colaborarem para o sucesso das mesmas. As comunidades são

convocadas a participar “no encaminhamento das decisões governamentais” (GAP,

1980:195 e 351). A crise do regime ditatorial militar fez com que seus próprios séqüitos

procurassem sustento do exercício do poder exercido no próprio povo dominado. Deste

modo, procura-se fazer aceitar de bom grado, o que, na verdade, é uma imposição. É o

povo cumprindo ordens (Cf. Chomsky, 1997:12).

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O grau consultivo de participação é o implementado por gestões que procuram

incrementar os conteúdos da burocracia de Estado com as aspirações populares na

elaboração das políticas. Neste grau de participação, pode ou não ocorrer alguma

influência popular sobre os rumos e conteúdos da política. Os conteúdos das consultas

ficam submetidos à elaboração da burocracia com seus conflitos internos e sem

nenhuma ingerência popular. Esta elaboração está a cargo de uma burocracia que é

ciosa de suas competências e de suas normas internas de procedimentos e também das

formas de tomadas de decisão, que reservam certo grau de segredo, hierarquia,

autoridade, conhecimento, espírito de corpo e de autoconservação. Assim, a definição e

execução de políticas comprometidas com a classe dominante permanecem com o

mesmo teor (Cf. Schumpeter, 1984:365).

As políticas implementadas pelo governo de Pelópidas da Silveira (PCB),

1955-1958, e de Miguel Arraes (PSB), 1959-1962, na Prefeitura de Recife, Estado de

Pernambuco tinham como mecanismo de participação as audiências populares nos

bairros. Na década de 1940, o PCB havia atuado na formação dos Comitês Populares

Democráticos de bairro e levou a experiência ao governo municipal. O Programa

Prefeitura nos Bairros em Recife, da gestão de Jarbas Vasconcelos (PMDB) do ano de

1983 até 1988, e depois, no governo do Estado de Pernambuco, a partir do ano de 1998,

seguiu a essência destas administrações anteriores e com os acúmulos dos governos de

Lages (SC), e de Boa Esperança (ES) (Cf. Alves, 1988; Andrade, 1997:92-94; Silva,

2003d: 308).

Com a gestão de Roberto Magalhães (PFL), 1977 - 2000, o Programa

Prefeitura nos Bairros teve a sua denominação modificada para Programa de Orçamento

Participativo, porém, manteve a mesma forma e conteúdo da política implementada

anteriormente. Foi uma mudança nominal de uma realidade que foi deixada intacta.

O grau de elaboração/recomendação é atingido quando os setores dirigidos

formulam as suas propostas e, depois, recomendam-nas à gestão pública que pode acatá-

las ou rejeitá-las com as devidas justificativas. Neste caso, há uma tomada de iniciativa

pela parte dirigida em elaborar propostas e submetê-las à apreciação de quem dirige,

isto é, dos governantes. O poder de Estado, ainda com alto controle da situação, decide

sobre a reformulação, execução ou não, daquilo que constitui uma proposição popular.

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Exemplo desta condição foi o Conselho de Desenvolvimento Municipal de Boa

Esperança que alcançou este grau de participação quando cumpria o segundo e o

terceiro item de suas competências. Um destes itens consistia em “enviar ao Prefeito

Municipal subsídios para a elaboração do orçamento e plano de aplicação” e, o outro

consistia em “sugerir aos órgãos técnicos e de crédito e outros órgãos e entidades com

ação no município, no sentido de trabalhar de acordo com a realidade levantada pelo

Conselho” (Souza, 1982:109).

Participação popular com este grau foi também o caso da elaboração de

propostas para a Lei Orgânica da cidade de São Paulo promulgada em 05 de abril de

1990, quando a participação ocorreu através do balcão de sugestões instalado na

Câmara Municipal. Muitas das sugestões foram acatadas, como foi o da criação de

subprefeituras (administrações regionais). Porém, a regulamentação de alguns aspectos

como a exigência de plebiscito e referendo para a aprovação de obras de alto valor,

sofreu veto do novo prefeito Paulo Maluf (1993 – 1996), e o movimento popular não

reuniu forças suficientes para se contrapor a este ato do executivo. Outro exemplo foi a

elaboração de um projeto de lei que regularizava a ocupação de áreas de favelas através

da criação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) por parte de líderes populares

com a assessoria da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife. O

projeto foi apresentado ao então Prefeito de Recife, Jarbas Vasconcelos. O projeto foi

acatado em sua essência e, depois de muitas pressões, o legislativo municipal o aprovou

sob pressões. Com tudo isso, a estrutura estatal não sofreu abalo algum (Cf. Caldeirón,

2000:21, 54, 66 e 109; Soares & Soler, 1992:43).

O grau de co-gestão comporta a proposta de um governo compartilhado.

Alguns mecanismos de gestão tomam decisões em colegiados com a participação de

governantes e governados com igual poder de decisão através da quantidade igual de

representantes com direito a voz e voto de cada lado. A referência à co-gestão aparece

nos discursos dos governantes e nas produções teóricas sobre as gestões progressistas

no Brasil. Neste ponto encontram-se as reflexões sobre parte considerável das gestões

participativas, principalmente as que foram sendo efetivadas depois dos governos

petistas de Porto Alegre a partir do ano de 1989, e que passaram a ser o modelo das

administrações do Partido dos Trabalhadores, inclusive a da cidade de Camaragibe, em

Pernambuco.

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A co-gestão refere-se à junção num mesmo organismo de tomada de decisões,

de duas partes interessadas nos rumos a serem definidos. Estes organismos possibilitam

a tomada conjunta de decisões. São co-decisões que resultam do processo de

participação onde atuam forças sociais e políticas de direções diversas, como o poder

comunitário, popular e até de classe dominada, e o poder estatal, juridicamente

constituído e burocratizado (Cf. Souza, 1982:105; Demo, 1996:91-94; e Bordenave,

1985:32). Dirigentes e dirigidos interagem e procuram construir decisões comuns. O

poder de Estado fica situado numa condição de ter que definir políticas em conjunto

com os setores destinatários das mesmas, ou seja, a sociedade, conforme suas

organizações. Atualmente, este é o nível em que se encontram mais amplamente

definido nos governos locais do Brasil. Os conselhos de saúde, de educação, assistência

social e outros definidos a partir da Constituição Federal do Brasil de 1988 seguem uma

espécie de co-gestão (Cf. Ribeiro & Grazia, 2003:26; e Teixeira, 2001a:112, 166-167).

Na co-gestão há uma espécie de equilíbrio de poderes, que revelou, ao menos

nas empresas em que foi implantada, uma conciliação efetiva de classes. Esta

conciliação será rompida no memento em que os setores sociais reunirem forças

suficientes para fazer avançar suas reivindicações e suas lutas. A co-gestão representa

um momento decisivo na tomada de rumos nas lutas sociais. O equilíbrio revela sua

natureza híbrida na medida em que é própria de uma situação de transição em que

posições antagônicas elaboram resoluções transitórias que podem ser revistas a qualquer

momento. (Cf. Tragtenberg, 1980:44-57). Situação semelhante a esta foi a que se

observou no período do Estado absolutista. Mas, para compreender melhor esta

situação, é preciso considerar os atores sociais envolvidos na tomada de decisão, que

serão tratados no próximo item.

O grau de delegação de participação é observado onde há autonomia por parte

dos dirigidos em tomar decisões e fazê-las serem efetivadas em delimitados espaços ou

jurisdições. Aqui, os delegados populares possuem autoridade suficiente para fazer valer

suas decisões dentro de limites acordados e definidos. Trata-se ainda de uma situação

em que os confrontos marcadamente antagônicos estão presentes, mas, a vontade

popular conseguiu reunir forças suficientes para fazer com suas reivindicações sejam

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consideradas e atendidas com seriedade. Aqui, a burocracia de Estado passa a ser

executora dos projetos e das decisões populares.

O grau de autogestão é o mais alto da conquista participativa popular. Neste

grau, a determinação de objetivos, e a escolha dos meios para a realização dos mesmos

estão sob o comando popular. Na autogestão está o grau mais radical de participação

popular (Cf. Demo, 1996:91). Quando as forças populares conseguem sustentar este

grau de participação inicia-se notoriamente a construção de uma sociedade sem

exploradores e sem explorados. Nele está a percepção mais nítida da alternativa à ordem

social burguesa. “O argumento da teoria da democracia participativa é que a

participação nas áreas alternativas capacita o indivíduo a avaliar melhor a conexão entre

as esferas pública e privada” (Pateman, 1992:146). O aprofundamento das práticas e

concepções democráticas pela base com a multiplicação das experiências de autogestão

contribui efetivamente para a construção de uma sociedade socialista (Cf. Poulantzas,

1982:137-142).

7.3 – A abrangência social e política da participação popular

As gestões participativas populares estão circunscritas ainda a dois níveis

fundamentais de alcance das decisões na sociedade. Um nível micro e outro macro-

social. O nível micro-social refere-se à participação bastante delimitada quanto ao seu

alcance. As participações que ficam restritas às soluções de problemas localizados,

como a construção de uma ponte, a pavimentação de uma rua, o saneamento de um

bairro etc. Os atores sociais com que o Estado dialoga são organizações micro-sociais.

As discussões, as reflexões ficam nos limites de associações de moradores e diversos

tipos de organizações não-governamentais. Nos limites deste nível, os objetivos estão

mais diretamente relacionados com a reprodução das condições de vida que dificilmente

superam a ordem estabelecida. Este é o limite que as políticas de caráter burguês não

encontram dificuldades para executar61. O que pode resultar das políticas até este limite

são os constantes aprimoramentos do Estado, pois, as aspirações restringem-se às

61 Um regime demasiado centralizador percebe ameaça até no tipo consultivo de participação. Assim foi a declaração do então governador Jorge Bornhausen, no Jornal de Santa Catarina em 10 de junho de 1978 sobre o prefeito Dirceu Carneiro (MDB) da cidade de Lages: “não podemos deixar prosperar republiquetas (...). Não devemos deixar prosperar a ideologia marxista” (Colaço, 1999:97, nota 81).

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condições do presente, isto é, a ordem burguesa. Há uma valorização da democracia

burguesa como sendo o máximo de desenvolvimento político possível.

O nível macro-social envolve organizações e propostas mais diretamente

relacionadas com a classe explorada e com a luta de classes. Neste nível surge em cena

a relação das lutas com as aspirações por uma nova sociedade. Deste modo, as lutas

sociais empreendidas pelos oprimidos estão relacionadas com um pensamento utópico,

isto é, “o que aspira a um estado não-existente das relações sociais, o que lhe dá, ao

menos potencialmente, um caráter crítico, subversivo, ou mesmo explosivo” (Löwy,

1987:12). Utopia como sendo o que ainda não obteve efetividade em algum lugar; o que

ainda não se realizou; o que ainda há de vir como resultado de uma ação social e

política que contrapõe ao que está posto e o subverte.

A relação entre os níveis e os graus de participação popular permite visualizar

os limites e os alcances políticos do processo participativo, especialmente, quando há o

envolvimento de setores populares.

Quando relacionamos o grau informativo, o grau consultivo e o grau de

elaboração/recomendação com o nível micro, a cooptação de lideranças é uma

ocorrência bastante freqüente (Cf. Teixeira, 2001a:166-167, 199). Nota-se uma

gigantesca diferença entre as forças dirigentes e as forças dirigidas. Não se realiza

nenhum controle da sociedade sobre o poder político e a burocracia de Estado dispõe de

controle absoluto sobre a situação. Os setores sociais passam a ser simples instrumentos

de legitimação do poder de Estado. Chega-se a executar políticas que distribuem renda,

mas nunca acenam para a distribuição e transferência de poder (Cf. Demo, 1996: 7 e 42;

e Costa, 1993:63). Até o grau consultivo e nos territoriais subnacionais, a burocracia de

Estado não se sente muito incomodada com a participação popular. Deste modo “o povo

jamais governa, mas sempre se pode usar uma definição pela qual o povo governa”

(Schumpeter, 1984:309).

Postura deste tipo é a assumida pelo então prefeito de Recife entre 1978 e

1982. Ela revela o objetivo subjacente à política do governo central e que foi assumida

pela política efetivada pelo poder local. O prefeito Gustavo Kause (ARENA, e depois,

PFL) chegou a declarar o propósito central de sua política de planejamento participativo

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como sendo da busca de legitimidade administrativa (Cf. Soares & Soler, 1992:17; e,

Silva, 2003c:308-322). Ele necessitava “buscar nas ruas a legitimidade que não tinha

nas urnas (...) através de uma mudança no curso dos investimentos” (Andrade,

1997:88).

A necessidade imediata para o prefeito de realizar este objetivo era o fato de ele

haver sido indicado para o cargo por Marco Maciel, então governador do Estado de

Pernambuco. Krause foi o que popularmente se chamou de prefeito biônico. O

planejamento participativo já estava implícito na proposta política do governo federal

por meio do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), no qual se manifestou que

acentuou a preocupação com as desigualdades sociais e com as conseqüências da crise

de energia. Afirma-se que um dos princípios do plano era o da “responsabilidade

compartida da ‘área social’ e da ‘área econômica’ na solução dos problemas sociais”

(Demo, 1981:76). O II PND ainda define expressamente o objetivo da participação

popular como o de “preservar a estabilidade social e política” (Secretaria de

Planejamento, 1974:29).

Apesar disso, a postura de Krause rendeu-lhe alguns problemas no interior do

seu próprio partido e do legislativo municipal, que qualificavam o seu discurso como de

esquerdista radical. O governador o sustentou no cargo, apesar de não poder fazer

discursos com mesmo teor – já que procurava se relacionar no Estado inteiro com

prefeitos mais conservadores e que repetiam a convicção de que discursos deste teor

constituíam grande risco para à ordem social. O risco era calculado e necessário. O

regime militar dava sinais de esgotamento e precisava chamar à cena política os

cidadãos que haviam sido deixados à margem do processo. O poder político necessitava

ampliar as bases sociais de sua própria sustentação (Cf. Andrade, 1997:119-118, 161).

A ordem burguesa constitui os cidadãos. A cidadania é o desfrutar da igualdade

jurídica por parte de individualidades-sujeitas diante do Estado. Esta condição acaba por

encobrir as desigualdades de classes, e as lutas sociais desta ordem social acabam por se

limitar às reparações de prejuízos diante de uma ordem legal que distribui,

assimetricamente, os produtos do trabalho num mesmo território. As individualidades

neste contexto perdem suas potencialidades de contestação que interferem nas

proposições de gestões participativas do Estado (Cf. Azevedo & Anastásia, 2002:81).

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Estas gestões ficam nos limites das exigências de prestação de contas, de

responsabilização de gestores por uma maior racionalidade das implementações de

políticas e de aplicação dos recursos públicos, isto é, ficam restritos à accountability. “À

sociedade civil cabe, sim zelar pela transparência das ações e responsabilização dos que

as promovem, pois, autolimitada, não pretende substituir o Estado” (Teixeira,

2001a:196).

Assim, evita-se o questionamento da organização que sustenta um ambiente

hostil à classe trabalhadora. E a situação tende a piorar. As empresas “não se limitam a

procurar nichos de mão-de-obra mais dócil e barata, mas inclusive outras empresas que

serão contratadas para produzir, na parte ou no todo, a custos mais interessantes, as

mercadorias planejadas” (Almeida, 1996:68). Deste modo, a reprodução da força de

trabalho perde muito da sua sustentabilidade local e fica à disposição de processo

permanente de migração, ou de ver sua qualidade de vida ser constantemente degradada.

Muitas vezes, a classe trabalhadora tem que exercer atividades produtivas fora do

período em que é assalariada para complementar os recursos necessários para garantir

uma sobrevivência mínima (Cf. Bernardo, 1991a:194).

Do ponto de vista da classe trabalhadora desponta a necessidade de considerar

o nível macro-social. Pois, quanto mais elevado for o grau de participação popular,

menor é a interferência dos organismos de nível micro-social na criação de alternativas

ao poder político burguês. O nível macro-social permite tratar melhor as relações sociais

de classes e as lutas sociais adquirem um alcance que só podem ser atendidas com a

busca de realização de uma utopia que constitui e difunde uma alternativa radical ao

ordenamento social vigente.

As inter-relações do nível macro com os graus informativo, consultivo e o de

elaboração/recomendação revelam uma luta entre defensores de projetos socialmente

amplos e um Estado (com sua burocracia) pouco disposto a ceder espaço efetivo de

participação, exceto para concordar, ou inserir ações condizentes com a política do

Estado que estiver em curso (não contraditória à ordem burguesa). Assim, o governo do

Presidente Fernando Henrique Cardoso argumentou que “direitos sociais eram

privilégios e entraves ao desenvolvimento econômico” (Silva, 2003b:71). Isto

demonstra o compromisso político de suas políticas com a ordem burguesa e sua

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reprodução ao promover um leque de reformas que diminuíram o valor pago à força de

trabalho, tanto de maneira direta como indireta. O resultado dessa política foi o menor

custo para os empreendimentos empresariais e maior acumulação de capital.

É a partir do grau de co-gestão, seguindo para o grau de delegação e,

finalmente, o grau de autogestão popular que o confronto evidencia o aspecto

antagônico das lutas entre exploradores e explorados. Apesar de haver certa

ambivalência no grau de co-gestão, é nele que se passa a decidir a tomada efetiva de

direção a favor da classe dominada em condições mais favoráveis aos explorados. Mas,

se a participação popular é efetivada com base em organizações micro-sociais o Estado

consegue realizar com relativa facilidade a função de “unificar os interesses

contraditórios das diferentes frações burguesas, o que implica um controvertido

processo de ‘filtragem’ de uma política estatal que, mesmo quando privilegia um

subconjunto do bloco burguês, também leva em consideração as demandas originadas

dos outros componentes deste bloco” (Almeida, 1997:114). As demandas da classe

dominada chegam à burocracia estatal no meio destes conflitos pela partilha de

benefícios que são efetivados por políticas de Estado. Assim, a propagada harmonia

entre Estado e sociedade resultante da co-gestão revela a sua falsidade.

A conseqüência do orçamento participativo foi observada com relação à

Câmara Municipal de Porto Alegre que teve sua “capacidade decisória sobre o

orçamento” seriamente reduzida com a participação popular com objetivo definidos

(Dias, 2002:149). O poder legislativo deixa de exercer uma influência que está entre

suas prerrogativas definidas pela legislação vigente e válida em todo o país. A

possibilidade de superar a ordem burguesa passa a demonstrar seus passos

significativos. As lutas que comportam alternativas condizentes com os objetivos

históricos dos trabalhadores encontram condições mais favoráveis a partir dos graus de

delegação e de autogestão. O desafio está em construir uma democracia participativa

que se contraponha aos objetivos burgueses. Uma das iniciativas que contribuem para

tanto é evitar o pragmatismo (Cf. Macpherson, 1991:124; Pont, 2000:76-83).

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CAPÍTULO VIII

A GESTÃO PARTICIPATIVA DE CAMARAGIBE

8.1 – Principais modelos de participação popular em gestões estatais

Diversas denominações são dadas atualmente à participação popular nos

governos. As conceituações mais difundidas são as conhecidas por Programa Prefeitura

nos Bairros – PPB e também, Programa Governo nos Municípios - PGM, Orçamento

Participativo - OP, Programa de Administração Participativa – PAP, e Orçamento

Democrático - OD. As denominações pouco revelam se a substancialidade em questão é

a mesma, pois, “mudando-se o nome não se muda a coisa” (Marx, 1982:85). São formas

para fazer referência às variações na efetivação da participação popular. O quadro de

nº4 a seguir possibilita visualizar algumas diferenças entre a efetivação da participação

nas gestões públicas.

Quadro nº4

Gestões públicas com participação popular OP PAP OD PPB/ ITENS Porto

Alegre Olinda Recife PGM

Assembléia/plenária . 1ª rodada X X X X X . Rodada intermediária X . 2ª rodada X X X . Temática X X X Audiência pública X X X Assembléia ou fórum de delegados/as

X X X X X X

Conferência X X X X Conselho X X X X X Fonte: Prefeitura Municipal de Camaragibe, (2000); Ribeiro & Grazzia (2003); Duchrow, (2004); Lubambo & Coêlho (2005); e, Tavares & Cardoso (2005);

Os governos que procuram efetivar a participação popular em diversos

municípios brasileiros adotam uma denominação que identifique sua forma de

administrar diante de outras gestões. Muitas vezes, estas denominações se limitam a

medidas com o propósito de obter legitimação por meio de campanhas publicitárias.

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Deste modo, surgiram as referências ao PPB em Recife, e ao PGM, no Estado de

Pernambuco, OP na cidade de Porto Alegre, Recife, Olinda e outras cidades, OD na

cidade de João Pessoa, no Estado da Paraíba, e PAP em Camaragibe.

O quadro anterior permite visualizar as semelhanças e diferenças entre as

propostas de participação popular em torno do orçamento público. A instância decisiva

para efetivar a participação popular é o conselho composto por pessoas comuns do

convívio da população. Trata-se de momentos de ação e de aprendizado. A entrevista

nº8 revela esta realidade. “Quando a gente faz plenária, capacitação, as coisas que não

sei, eu pergunto, e assim a gente cresce. Nestes espaços a gente abre a boca pra falar. Se

o governo está bom, a gente apóia e se estiver ruim a gente aponta outro caminho e na

comunidade a gente caminha de igual pra igual. E assim é também com o prefeito. Se

ele estiver errado eu não minto, nem a pau!”. É o controle popular sobre os rumos da

vida coletiva e para resolver questões diversas. Num momento de conflito entre a

administração e o funcionalismo público diante de uma questão salarial na cidade de

Porto Alegre, o conselho do orçamento participativo tornou-se a instância em que a

questão foi solucionada. Esta instância tornou-se, naquele momento, a instância máxima

de representação da sociedade (Cf. Genro, 1997b:17).

O orçamento participativo de Porto Alegre superou as iniciativas anteriores de

participação popular associando as questões submetidas às decisões populares aos ciclos

orçamentários da gestão pública, que já era regido pelos instrumentos legais de

planejamento financeiro: LDO, LOA e PPA, que delimitam o ciclo orçamentário. A

difusão do modelo não levou todos os procedimentos originais. As experiências de

participação popular que estão geograficamente mais próximas de Camaragibe revelam

algumas destas diferenças. Das experiências apresentadas no quadro acima, somente a

de Porto Alegre realiza rodada de plenárias intermediárias, e esta é uma diferença

notória entre a experiência originária e a implantação do modelo na cidade de Olinda.

Na rodada intermediária acontecem as votações de intervenções concretas de acordo

com os temas definidos na primeira rodada de plenárias. Na segunda rodada de plenária

são apresentados os resultados das votações da rodada intermediária. Nas cidades em

que foram suprimidas as rodadas intermediárias, as votações de intervenções concretas

passaram a ser realizadas na segunda rodada, e os resultados das votações são

divulgados nos fóruns de delegações populares. A proposta denominada de orçamento

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democrático se diferencia pela não existência de plenárias temáticas e de conferência

municipal. A grande disparidade é notada com relação ao Programa Prefeitura nos

Bairros, que somente tem em comum a realização de fórum ou assembléia de delegados.

O Programa de Administração Participativa de Camaragibe não realiza rodada de

plenárias intermediárias e nem plenárias de segunda rodada e recupera a prática de

audiências públicas que eram uma constante nas experiências anteriores a Porto Alegre.

A redução da participação popular a uma rodada de plenárias resulta em menor controle

popular sobre o orçamento público, uma vez que não ocorre um acompanhamento pleno

do ciclo orçamentário anual.

O controle popular sobre o orçamento público em Camaragibe foi exercido, no

período considerado, através da participação nas conferências, seminários, fóruns e

conselhos. As conferências municipais ocorriam a cada dois anos para cada temática

relacionada com uma política setorial, como: saúde, educação, assistência social,

criança e adolescente, e outros temas. A educação e a saúde ocupam lugar de destaque

entre as políticas setoriais.

a) A política educacional

A política municipal de educação contou com uma considerável intervenção

popular na definição de seus rumos. Foram realizadas pré-conferencias nas regiões

administrativas como meio de definir a delegação popular, realizar discussões prévias e

formular propostas a serem encaminhadas à conferência municipal de educação. O

mesmo procedimento foi adotado com relação a outras políticas setoriais.

As discussões das conferencias municipais de educação giraram em torno da

garantia do acesso e permanência na escola; melhoria das condições de ensino;

valorização da equipe de profissionais envolvidos com a educação; gestão participativa;

e, financiamento das ações educativas (Cf. Araújo, 2005:330-333 e Santos, 2005:390).

As discussões foram feitas com parte de um esforço no sentido de romper com a cultura

dominante que hegemoniza as ações educacionais visando contribuir com o processo de

emancipação popular (Cf. Reis, 2005:450).

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b) A política de saúde

As ações de saúde fazem parte do programa político para o respectivo setor,

cuja implantação tornou-se possível a partir da confluência entre a vontade política do

gestor municipal em efetivar um modelo mias resolutivo e a participação popular, que

discutiu a temática, assimilou o seu conteúdo e passou a controlar a execução das ações

pertinentes ao programa. A maior atenção à saúde preventiva fez com que o programa

privilegiasse o Programa de Saúde da Família. Deste modo, houve uma concentração e

diminuição da procura indevida pelos serviços de alta complexidade em saúde pública

(Cf. Muniz, 2005:187 e 194). A eficiência do serviço de saúde no nível primário

permite encaminhar aos postos de serviços de nível secundário as pessoas que realmente

necessitam de consultas especializadas como: apoio diagnóstico, meios terapêuticos e

maternidade, oftalmologistas, dermatologistas, etc. Nem todos os municípios podem

oferecer serviços ao nível terciário (Cf. Feitosa, 2005:266).

A mudança nos procedimentos que compõem a política municipal de saúde

exigiu um esforço em qualificar os servidores públicos, esclarecer à população sobre as

vantagens do novo modelo e capacitar, especialmente a composição popular do

conselho municipal de saúde em relação à nova proposta de ação política (Cf. Muniz,

2005:196-199 e Feitosa, 2005:262). O novo modelo em assistência à saúde exigiu ainda,

um melhor conhecimento da realidade local. Para tanto, foi necessário um considerável

investimento nos estudos para a montagem de perfis epidemiológicos que apontassem

os problemas a serem enfrentados. A partir deste diagnóstico é que foi elaborado um

programa de saúde e realizada a contratação de profissionais adequados às necessidades

locais (Cf. Medeiros & Mendes, 2005:224-230 e 246).

Nos momentos em que um tema qualquer exige esclarecimentos teóricos e

capacitações específicas, são realizados seminários com a participação popular e

discussão conjunta dos problemas. As plenárias possibilitaram que a população opinasse

sobre as intervenções indicadas pela prefeitura municipal e pela delegação popular e

ainda, indicar outras intervenções. Estes procedimentos ocorriam a cada dois anos. O

fórum de representação popular realizava a finalização do Plano de Obras da cidade. O

controle popular mais sistemático é realizado em Camaragibe, por meio dos conselhos

instituídos com esta finalidade.

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c) A política assistencial

A política assistencial teve uma interface com a política de saúde. A

desnutrição de uma faixa da população da cidade era um sério problema. O governo

municipal aceitou a proposta de aquisição e distribuição de um produto elaborado pela

Universidade Federal de Pernambuco e socorrer a uma população desprovida dos

menores meios de sobrevivência. Foi implantado um projeto piloto no bairro de

Tabatinga e difundido posteriormente conforme a demanda encontrada no município. A

entrevista nº1 aborda o ponto central da sustentação desta política do seguinte modo: “o

projeto piloto vai discutir o problema de desnutrição com Dra. Naide Teodósio, a

Secretaria Municipal de Saúde e o Departamento de Farmácia, produzindo o “Protenol”

(produto feito à base de sangue de boi) para combater a desnutrição”.

d) A política para crianças e adolescentes

A gestão de Paulo Santana foi premiada diversas vezes em razão do teor das

políticas municipais em Camaragibe. O aprimoramento da política voltada às crianças e

adolescentes fez o município atender às necessidades das crianças em idade pré-escolar.

A crise da indústria de tecidos associada à crise fiscal teve um sério impacto na

execução de todas as políticas e quebrou a legitimidade popular do governo exatamente

onde o mesmo havia recebido diversos prêmios. A entrevista nº1 expressa a abrangência

da crise sobre as políticas empreendidas pela gestão. “Foi contratada uma consultoria

para apontar solução e o indicativo foi fechar a maternidade e demitir pessoal, reduzir o

programa de agente comunitário de saúde e um terço do Pessoal de educação e cancelar

o atendimento de crianças com idade inferior a sete anos”.

8.2 - Os conselhos e a (des)ordem social

Duas grandes tradições teóricas ocupam-se dos conselhos no percurso da

história. A mais antiga delas tem em Aristóteles um dos seus destacados expoentes. A

outra, bem mais recente, tem sua expressão mais clara e incisiva em Lênin seguindo as

reflexões de Marx. A primeira destas tradições limita-se à problemática do exercício do

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poder de Estado e da sua funcionalidade em contextos sociais e econômicos

diversificados onde o domínio e a exploração de uma classe social por outra é a

característica inquestionável e reproduzida. A segunda tradição teórica tem suas

atenções voltadas para o deslocamento do poder de sua centralidade estatal para a

dinâmica imediata das forças sociais com o intento de superar o poder de Estado e a

dominação de classe.

Aristóteles propagou o recurso ao conselho como sendo uma instituição

adequada aos Estados que não dispõem de meios suficientes para sustentar um

mecanismo de decisão social e política com expressão representativa da população dos

territórios em que os mesmos Estados exercem o poder. Para ele, “a magistratura mais

popular é um senado ou um conselho geral, em todo o Estado que não tem condições

para pagar o comparecimento às assembléias” (Aristóteles, 1966:217. A política, liv.

VII, cap. I, § 9). Assim, na concepção aristotélica, o conselho não passa de um recurso

apropriado aos Estados em sociedades economicamente frágeis quanto a sustentação de

um aparelho político que comporte uma assembléia permanente de representantes da

sociedade. Trata-se de uma reflexão limitada às possibilidades econômicas de manter

um mecanismo cujo funcionamento depende de considerável quantidade de valores

extorquidos (de frações) da sociedade. Este tipo de reflexão circunscreve os conselhos

no interior do conjunto das instituições estatais.

É em conformidade com esta orientação teórica que são efetuadas grande parte

das reflexões sobre os conselhos que são encarregados de deliberar sobre a execução de

políticas setoriais. Deste modo, os conselhos constituem uma “esfera pública ampliada,

uma vez que é uma extensão do Estado até a sociedade através da representação desta”

(Teixeira, 2000:103). Os limites apontados para estes conselhos são relacionados aos

aspectos funcionais e à natureza constitucional dos mesmos.

As observações críticas relacionadas aos aspectos funcionais centram suas

atenções sobre a capacidade dos conselhos em efetivar as próprias deliberações. Estes

conselhos passam a assumir a implementação de políticas que antes estavam

inteiramente sob a responsabilidade do Estado. Este encargo pode colocar os conselhos

numa ambigüidade funcional. Por um lado, eles precisam exercer a cobrança de

responsabilidade do Estado e a destinação de recursos correspondentes e em quantidade

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suficiente para a execução de determinadas políticas. Por outro lado, eles passam a ser

elemento de legitimação estatal diante da sociedade (Cf. Tonella, 2003:107). Esta crítica

não atinge a essência dos conselhos, mas revela a incapacidade estatal transferida a eles

no contexto do capitalismo. O Estado burguês implementa a sua política econômica de

acordo com recursos tributários provenientes de um sistema elaborado, sustentado e

gerenciado pela burocracia estatal. Mesmo nos países em que a distribuição de renda é

menos dispare há uma impossibilidade, para o capitalismo, de colocar em prática “um

sistema tributário com base no princípio do benefício recebido” (Santos, 2001:71-72).

Por isso, o discurso burocrata desloca o debate sobre tributos arrecadados pelo Estado e

benefícios proporcionados à população para o lado das despesas. É o corte de despesas

que ocupa a pauta de discussão cujos reflexos atingem a própria burocracia quando a

solução gira em torno do Estado mínimo (Cf. Lopreato, 2002:119). Os objetivos

populares chocam-se com os definidos pela burocracia estatal. Por isso, é preciso perder

a ilusão de que administrando bem o Estado poder-se-á obter mudanças condizentes

com os interesses efetivamente populares (Cf. Rodrigues, 1997:67).

A crítica atinge os conselhos mais diretamente quando se trata dos setores

sociais que participam da composição dos mesmos. Se os conselhos se constituem como

o local em que os atores sociais se defrontam com o objetivo de elaborar programas de

ação e opor estratégias com interesses díspares por recursos já delimitados por outra

instância de poder, eles cumprem somente uma função de acomodar os conflitos sociais

(Cf. Reis & Freire, 2003:89).

É com este contorno discursivo que aparece nas referências de participação

popular a proposta de co-gestão como forma de partilha do poder entre o Estado e a

sociedade. A composição do Conselho do Orçamento Participativo que mais assume

efetivamente a co-gestão é a que se observa na cidade Santo André, no Estado de São

Paulo, que possui caráter deliberativo e conta com igual número de representantes da

sociedade e do governo (Cf. Daniel Filho, 2003:163). Mas a proposta de co-gestão, da

forma como está exposta, é problemática quando se observam os segmentos sociais que

tomam parte do conselho. É próprio do poder burguês efetivar “um equilíbrio

determinado que obtém, alternadamente, este ou aquele partido do tabuleiro político”

(Gramsci,1980:29). Se a participação popular reproduz a composição de classes

antagônicas ou há uma prevalência dos representantes de classe com quem o Estado é

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comprometido em suas políticas (Capítulo III), esta co-gestão revela a sua face

impositiva, como é da natureza do poder burguês, que não mais significa do que “o

despotismo ilimitado de uma classe sobre as outras” (Marx, 1978:26).

Entretanto, os conselhos comportam uma potencialidade que não se esgota nos

limites da sociedade burguesa em razão do domínio e exploração de classe que

caracteriza esta sociedade. Apesar das restrições contextuais burguesas os conselhos são

“capazes de gerar interesses ao invés de simplesmente reproduzi-los” (Rolim, 1989:16.

Grifos do original). Gramsci ressalta a potencialidade pedagógica dos conselhos que, ao

procurar satisfazer as necessidades do presente, questiona as limitações impostas pela

sociedade burguesa e contribui para reunir forças sociais contrárias à situação caótica

das sociedades de classes, além de contribuir no desenvolvimento de outra sociedade

conforme as aspirações do proletariado (Cf. Gramsci & Bordiga, 1981:33-34).

Quando os conselhos passam a revelar os interesses substancialmente

populares fica mais claro o posicionamento de classe social nas medidas efetivadas por

eles e o caráter antagônico da administração fica mais transparente (Cf. Genro,

1997b:30). Mas é necessário superar uma participação extremamente localista, pois as

questões abrangentes da vida coletiva não se restringem ao âmbito local, como em

Camaragibe (Capítulo II). A democracia participativa é um momento de aprendizado

popular. A entrevista nº7 testemunha este fato. “Tudo que aprendi até hoje vale para

melhorar a sociedade, e lutamos para conseguir uma sociedade melhor (...). Nós

sabemos de muitas coisas que temos direito, mas a gente vai pedir e eles ficam ali... oh!

Trancando e não dá os nossos direitos. As pessoas entendendo, podem se organizar, ver

seus direitos respeitados”. Assim a democracia participativa “permite às pessoas ter a

possibilidade de decidir o orçamento público e nesse processo ir desnudando o Estado,

aprendendo como ele funciona, como se organiza e, assim, ganhando o controle sobre

ele” (Pont, 1997:47). Foi com intuito deste tipo que Lênin defendeu a transferência de

todo o poder aos sovietes e, com isto, definiu o meio para estilhaçar a redoma protetora

dos mecanismos políticos diante da força dos trabalhadores organizados.

É quando os conselhos forem constituídos de trabalhadores que definem

coletivamente todas as questões, que eles se tornam instrumentos de organização na

busca de uma nova sociedade. Marx sustentava que “o reino da liberdade começa onde

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o trabalho deixa de ser determinado por necessidade e por utilidade exteriormente

imposta; por natureza, situa-se além da esfera da produção mercantil propriamente

dita”. Quando os trabalhadores tomarem para si mesmos a condução das resoluções e

encaminhamento das decisões coletivas é que uma nova sociedade será plenamente

realizada. Esta utopia somente pode se tornar realidade a partir do momento em que os

limites da sociedade capitalista forem definitivamente rompidos. “A liberdade nesse

domínio só pode consistir nisto: o homem social, os produtores associados regularem

racionalmente o intercâmbio material com a natureza, controlam-no coletivamente, sem

deixar que seja a força cega que os domina; efetuam-no com o menor dispêndio de

energias e nas condições mais adequadas e mais condignas com a natureza humana”

(Marx, 1980e:942. O Capital, liv. III, vol. VI , cap. XLVIII).

8.3 – Os conselhos e a (in)sustentabilidade da produção capitalista

A produção capitalista proporciona vantagens demasiadamente significativas à

classe dominante na formação social burguesa. Nesta sociedade, o poder de Estado

garante asa condições e direciona recursos de tal modo que a fração financeira dos

capitalistas possa conceder empréstimos a juros que viabilizam a aquisição e

manutenção de meios de produção. A relação contratualmente regida entre capitalistas e

proletários garante que os trabalhadores adiantem trabalhos aos proprietários dos meios

de produção por uma remuneração monetária posterior (Cf. Marx, 198a:594. O Capital,

liv. I, vol II, cap. XIV).

A competição entre os próprios capitalistas e os conflitos antagônicos entre a

burguesia e proletariado são elementos significativos que compõem e orientam os

desenlaces das crises características da sociedade burguesa. A lógica da produção desta

sociedade objetiva a realização dos valores extorquidos em volumes cada vez mais

concentrados.

O objetivo principal dos capitalistas industriais é o de efetivar uma produção em

que consigam relacionar menores custos com maiores benefícios. Esta relação encontra

limitações na reprodução das condições de sua realização. Estes limites são de três

tipos. O primeiro tipo de limite é o da manutenção dos meios de produção. É necessário

investir parte da mais-valia para garantir a continuidade da obtenção de mercadorias.

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Quando a preocupação é com a (in)sustentabilidade econômica a questão se volta para a

realização da mais-valia extorquida e as análises de risco encontram um terreno fértil e

abarrota as instâncias de assessorias e decisivas do Estado burguês.

O segundo tipo de limite é o da reprodução dom meio ambiente. Os ecossistemas

são capazes de transformar os resíduos resultantes da produção industrial, porém num

ritmo muito mais lento do que a velocidade do processo gerador destes resíduos. Este

limite tem sua relação direta com o ecossistema. A prática de abandonar terras arrasadas

e explorar outras localidades já atingiu os limites toleráveis, a ponto de ser necessário

restringir o uso dos recursos naturais antes que o esgotamento deles se torne uma

realidade irreparável diante dos danos causados à água, ao solo e ao próprio ar. Esta

preocupação obteve sua maior ressonância a partir do ano de 1968, quando foi

publicado o relatório do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade (Cf. Meadows,

et. al. 1973:11, 65 e 130). Como os efeitos ambientais da industrialização não são

perceptivelmente imediatos, os capitalistas resistem diante da implantação das medidas

de controle residuais, pelo fato de acarretarem maiores custos de produção. Neste ponto,

a intervenção do Estado torna-se necessária para normatizar os procedimentos

produtivos.

O terceiro tipo de limite é o da reprodução da força de trabalho. Os capitalistas

podem tentar reduzir os salários ao mínimo que puderem, mas nesta ação encontram a

resistência dos trabalhadores. Esta resistência é funcional ao capitalismo quando fica

restrita à reprodução empregatícia da força de trabalho, e cujos encargos estão sob a

responsabilidade do Estado. Este limite relaciona-se as condições sociais. Quando os

trabalhadores superam o fracionamento a que são submetidos enquanto classe e passam

a concentrar suas atenções num projeto cujas bases econômicas são incompatíveis com

sociedade burguesa, o antagonismo entre estas duas classes sociais resulta em lutas pela

destruição do projeto burguês de sociedade.

Os conselhos populares cujas substancialidades são compostas pelas questões

que envolvem os limites acima expostos colocam-se no campo de questionamento da

ordem social vigente. Com a propagação da crise de realização, a classe trabalhadora é a

que teve valores extorquidos, e depois, perde também os devidos salários. Os

transtornos da degradação ambiental encontram seus mais sérios impactos no

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contingente de trabalhadores. São os trabalhadores que mais sentem os efeitos da

concentração de valores e da propriedade privada dos meios de produção. Todos os três

limites revelam áreas de estrangulamento do projeto social burguês. Eles revelam a

tensão que fará romper o fio que sustenta a espada de Dâmocles e degolar os estratos

sociais que se posicionam destacadamente acima e extorquem os produtores diretos.

Defender um modelo de co-gestão num contexto destes é tentar fazer com que a classe

trabalhadora contribua decisivamente com a gerência dos negócios de uma sociedade,

de cujos resultados ela é impedida de usufruir plenamente. Ainda há a necessidade de

uma organização consistente e duradoura da classe trabalhadora para prover os

conselhos populares de substancialidade e efetividade condizentes com um projeto de

classe que vise atingir a gerência completa das coisas de modo autônomo.

O modelo de gestão da cidade de Camaragibe abarca estas questões de uma

forma original. O conselho de desenvolvimento sustentável recolhe subsídios de três

fóruns intersetoriais. O primeiro destes fóruns responde pelo desenvolvimento

econômico e social. O segundo fórum ocupa-se do desenvolvimento urbano e

ambiental. E, por fim, o terceiro fórum cuida das questões do desenvolvimento sócio-

cultural. Estes três fóruns estão relacionados com os limites da sociedade burguesa. Eles

são subsidiados pelos conselhos setoriais que enfrentam as questões cotidianas e

elaboram problemas para serem discutidos nos respectivos fóruns. Os conselhos

setoriais acompanham a execução das políticas pela burocracia estatal que foram

discutidas e elaboradas pelas conferências e seminários. Este controle social sobre a

burocracia por um conselho substancialmente proletário conduzirá à inutilidade deste

instrumento de dominação e de exploração de classe.

8.4 - O conselho da cidade de Camaragibe

A primeira tentativa de efetivar uma gestão pública com participação em

Camaragibe resultou em fracasso diante da negativa do prefeito na época, apesar de a

participação popular haver sido o recurso discursivo na busca do voto por Arnaldo

Guerra. A gestão posterior, com o prefeito João Lemos implementou a participação

popular na secretaria de saúde, sob a direção de Paulo Santana que, sendo candidato na

eleição posterior, estimulou a efetivação da proposta participativa para a gestão

municipal em sua totalidade.

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Durante o processo eleitoral, no ano de 1996, foi realizado o primeiro fórum da

cidade em que foi possível reunir e sistematizar subsídios para embasar a administração

popular. Uma das deliberações do fórum de 1996 adotou a divisão do território

municipal que era utilizada no planejamento das ações de saúde em cinco regiões

administrativas. Medidas deste teor revelam a preocupação com as diferenças notadas

no território e apontam para um planejamento das ações e desenvolvimento de

programas apropriados para cada problema característico de determinadas frações

territoriais. O fórum definiu também a proporção da delegação regional como sendo a

relação de uma pessoa representante para cada mil habitantes, desconsiderando as

frações inferiores a este parâmetro. A partir do fórum, esta divisão territorial tornou-se

a base de definição das prioridades regionais, cujo conteúdo orientou a elaboração do

programa de governo que foi difundido durante a campanha eleitoral (Cf. Moura,

2005:46).

As conclusões do fórum de 1996 ficaram conhecidas com a denominação de

Pacto de Camaragibe. O candidato Paulo Roberto de Santana se comprometeu

publicamente com a observância do pacto a todo custo. Mas a efetiva administração

popular não pode se resumir a este item de gestão dos negócios públicos. É preciso que

a condução dos negócios públicos seja efetivamente subordinada aos trabalhadores

organizados e com forças sociais suficientes para quebrar os sustentáculos da sociedade

de dominação e de exploração de classe. A participação popular ainda carece de

abrangência suficiente para dobrar sob suas decisões os aparelhos burocráticos de

Estado em níveis superiores ao municipal. Quando o prefeito Paulo Santana realizou

suas peregrinações aos órgãos da administração federal para tratar das questões de

Camaragibe, ele não conseguiu expressar força suficiente para modificar um critério de

distribuição de recursos. A lógica da participação popular ainda não havia se tornado

uma realidade a ser considerada nos níveis superiores da federação brasileira.

Para que a participação popular que está sendo difundida nas cidades seja

nacionalmente influente ainda há um bom caminhão a ser percorrido. Um maior número

de cidade precisa vivenciar e adotar um tipo participação tendendo para a autogestão

sob o controle dos trabalhadores de modo irreversível e com decisões que repercutam

nacionalmente e até mesmo mundialmente. É com abrangência mundial que o controle

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popular poderá quebrar a lógica da produção que gera concentração de riquezas de um

lado e misérias do outro. O quadro a seguir apresenta a composição de cada região

administrativa com o quantitativo da delegação correspondente.

Quadro nº5

Distribuição dos bairros de Camaragibe entre as regiões administrativas e a

quantidade da delegação correspondente a cada região

Relação entre os bairros por região administrativa e a delegação popular REGIÃO LOCALIDADE DELEGAÇÃO

01

Bairro Novo, Carmelitas, Alto Pe. Cícero, Alto do Cemitério, Timbi, Privê Vermont, Viana, Santo Antônio, Córrego do Desastre, Céu Azul, Celeiro, Borrione, Expansão Timbi, Santa Tereza, Bairro dos Estados, Terezópolis, Areinha, Areeiro, Cosme e Damião, Vila Nova da Várzea, Boa Vista, Aldeia de Baixo, Aldeia de Cima, Flamengo, Vila da Fábrica.

50

02

Santa Mônica, São João e São Paulo, Chácara Pedreira, Paulo Afonso, Santana, Estação Nova, João Paulo II, Campo Alegre, Alberto Maia, Santa Maria, Santa Terezinha, N. S. do Carmo.

25

03 Vila da INABI, Nazaré, Primavera, Vale das Pedreiras, São Pedro, e São Paulo.

14

04 Jacaré, Tabatinga, Córrego da Andorinha, Córrego do Burro, Córrego do Paletó, São Jorge, e Ostacil.

18

05 Pau Ferro, Peroba, Oitenta, Chácara Petrópolis, Aldeia, Telebrás, Luzanópolis, Araçá, Cristo Rei, Vera Cruz, e Borralho.

13

TOTAL 61 120 Fonte: Moura, 2005:49.

A região administrativa 01 abarca as iniciativas de providenciar instalações

habitacionais deste a época dos engenhos de açúcar, como foi o caso do Engenho Timbi.

Foi também nas proximidades do mesmo local que o engenheiro Carlos Alberto de

Menezes escolheu para implantar a Fábrica de Tecidos e a Vila da Fábrica. A fábrica

faliu, mas a concentração populacional continuou no mesmo local com poucas

modificações.

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O quadro e o mapa do município de Camaragibe mostram uma concentração

populacional em torno da Vila da Fábrica com destaque para a Região Administrativa

n°1.

Mapa nº2 Divisão do território de Camaragibe em Regiões Administrativas.

Fonte: Prefeitura Municipal de Camaragibe, 2000:8.

A região administrativa 01 concentra a maior quantidade populacional -

resultado da expansão urbana a partir do núcleo original da Vila da Fábrica – e, por isso,

tem maior peso na participação popular. A Lei Orgânica de Camaragibe, que é de 1990,

estabelece no Art. 320 “a participação popular em todos os níveis decisórios de seus

órgãos e entidades da administração direta e indireta” e, ainda, aponta como objetivo

desta participação os seguintes: “Formular políticas e diretrizes da ação pública

municipal global e setorial; Estabelecer estratégias de ação e encaminhamento de

soluções dos problemas municipais”. Quanto ao orçamento público, a mesma lei define

os objetivos de: “Elaborar o plano plurianual, projetos de leis, diretrizes orçamentárias e

orçamento anual; elaborar o plano diretor e planos, programas e projetos setoriais;

fiscalizar e controlar a administração municipal”. As indicações de participação popular

descritas acima apontam para a superação da (des)ordem social burguesa sob condições

de efetivação desta participação, conforme a tipologia apresentada no capítulo anterior.

O modelo de gestão de Camaragibe implantado a partir de 1997 segue esta direção. Se a

implantação do modelo de gestão participativa encontrou grandes resistências na

Câmara Municipal de Vereadores, isto revela que houve a adoção de um texto

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normativo elaborado por uma consultoria avançada sem muitos questionamentos. O

quadro abaixo apresenta a estrutura do modelo.

Quadro nº6

Estrutura do modelo de participação popular de Camaragibe de 1997/2004.

Fonte: Prefeitura Municipal de Camaragibe, 2000:05 A estrutura do modelo de gestão que foi desenvolvido pelo governo petista de

Camaragibe, no período de 1997 até 2004, está embasada em três eixos de sustentação

dos trabalhos. O primeiro destes eixos é o da deliberação; o segundo eixo é o da gestão

setorial e intersetorial; e, o terceiro eixo é o da execução das políticas para o município.

A instância máxima de gestão da política municipal no modelo acima está

confiada ao Conselho de Desenvolvimento Sustentável. Este conselho é a instância

gerenciadora de todas as políticas e, por isso, ele funciona como o conselho da cidade.

A composição deste conselho ainda é problemática. Ainda não há uma significativa

presença de trabalhadores neste mecanismo de decisão. O conselho ainda não dispõe de

um poder definitivo sobre as questões da cidade. Tanto é que a falência da única fábrica

de tecidos instalada no território municipal e a busca de soluções para o problema não

passou pelo Conselho de Desenvolvimento Sustentável. Questões de alta relevância

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para os habitantes de Camaragibe despontam deste fato. Como é que um local tão

atraente para a realização do investimento de capital em 1895 não conseguiu sustenta-

lo? Se houve modificações no mercado nacional e internacional de tecidos a gerência do

empreendimento não soube realizar as devidas adaptações aos novos tempos. De

qualquer modo, o conselho ainda não dispunha de poderes suficientes para controlar o

capital com suas opções de realização dos investimentos e quebrar os mecanismos que

garantem a exploração da mais-valia.

A este conselho se reportam os fóruns de desenvolvimento econômico-social,

urbano e ambiental, e sócio-ambiental, que delineiam a gestão das políticas

intersetoriais do município. As políticas setoriais (saúde, educação, criança e

adolescente, assistência social...) são gerenciadas com a presença indispensável de

conselhos a elas correlatos de acordo com a dinâmica, as exigências e as condições da

administração pública. A entrevista nº1 aponta para o objetivo primordial da gestão

pública: “A gente faz um movimento interno e um movimento externo com as

associações de moradores tentando interagir o governo com a sociedade. Externamente

a gente faz a ação participativa. São nossas idas aos bairros. Todo o governo vai para o

bairro, não para fazer despacho, mas para debater com a população problemas em

pequenas intervenções para a melhoria da qualidade de vida que é o elemento central

do governo”. A deliberação constitui o outro eixo da gestão. As deliberações sobre as

políticas municipais são reservadas às conferências e aos seminários relacionados com

os conselhos de políticas setoriais.

O último eixo é o que comporta a execução das políticas e fica sob a

responsabilidade dos órgãos da burocracia estatal local, organizada num conjunto de

secretarias e uma fundação. Durante o período considerado, estes órgãos eram os

seguintes: SEGOV (Secretaria de Governo), SEPLAN (Secretaria de Planejamento),

SECIMP (Secretaria de Imprensa), SEFIN (Secretaria de Finanças), SECAD (Secretaria

de Administração), PROGEM (Programa de Geração de Emprego e Renda), SESAU

(Secretaria de Saúde), SECED (Secretaria de Educação), SEAS (Secretaria de

Assistência Social), SECOB (Secretaria de Obras), Fundação de Cultura. As instâncias

executivas estão submissas a um conjunto de mecanismos de discussão e de deliberação

em que o controle social é substancialmente colocado. Este controle precisa ser

efetivamente exercido. A falta de controle sobre todo o ciclo orçamentário deixa muita

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margem de decisões aos órgãos da burocracia estatal. O quadro a seguir apresenta as

instâncias com as competências e os atores da gestão participativa de Camaragibe.

Quadro nº7

Relações entre as instâncias de decisão, as competências, e a constituição dos que

tomam as respectivas decisões.

Dinâmica deliberativa e executiva da gestão participativa INSTÂNCIAS COMPETÊNCIAS ATORES

Conferências E seminários.

Delibera sobre a formulação de políticas.

Delegados, representantes da sociedade e dos conselhos objeto da natureza da discussão.

Conselho de desenvolvimento econômico sustentável.

Gestão da cidade. Delibera sobre a execução articulada das políticas.

. Representante maior dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. . 01 representante de cada conselho setorial. . 01 representante governamental da temática que é objeto de decisão.

Conselhos e órgãos similares.

Gestão setorial de políticas.

Conselheiros governamentais e não-governamentais.

Fóruns de desenvolvimento

Gestão intersetorial de políticas.

Representantes de todos os conselhos setoriais e organizações sociais.

Unidades administrativas.

Operacionalização das políticas.

Trabalhadores da administração municipal.

Fonte: Prefeitura Municipal de Camaragibe, 2000:5.

O quadro acima dispõe de uma dinâmica de deliberação e de execução que

relaciona as instâncias de acordo com as competências correspondentes e quem

participa das tomadas de decisões e assumem as tarefas executivas. A dinâmica

deliberativa e executiva da gestão participativa de Camaragibe tende a submeter o poder

de Estado às decisões populares. A dinâmica proposta coloca a operacionalização das

políticas pela burocracia estatal subordinada às gestões das políticas setoriais e

intersetoriais aos respectivos conselhos e fóruns cujas substâncias de gestões centram-se

no Conselho de Desenvolvimento Econômico Sustentável. Mas, a instância máxima de

onde despontam as deliberações está reservada às conferências e aos seminários

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periodicamente realizados. Nesta instância, o poder de decisão está sob a vontade da

delegação popular e de representantes da sociedade e dos conselhos cujo tema é o objeto

do seminário ou da conferência. Esta dinâmica procura submeter as atividades da

burocracia de Estado ao controle das massas populares. Quando isto proporciona um

controle efetivo e permanente da classe trabalhadora sobre o aparelho de Estado há um

poder político socialista (Cf. Saes, 1998a: 24s). Mas, até que ponto esta perspectiva se

tornou realidade em Camaragibe?

A tipologia da participação popular revela que esta expressão comporta a

execução de política de políticas a partir de projetos sociais bastante díspares. A própria

expressão “gestão participativa” foi utilizada pelo governo do Estado do Ceará a partir

do ano de 1995. Porém, no modelo cearense, o conselho de desenvolvimento

sustentável é subordinado ao governo do Estado. A concepção do modelo somente

reformula o discurso burguês tornando-o atraente para os setores ambientalistas e

procura superar o conflito entre um desenvolvimento que busca atender as necessidades

humanas e um desenvolvimento que produz mercadorias para serem levadas ao

mercado internacional (Cf. Küster, 2003:150, 156-158). Assim sendo, a produção local

torna-se refém da lógica da produção capitalista.

É fundamental nesta observação, a natureza da participação popular nas

instâncias de decisão. Houve um propósito e um esforço do governo em tornar a

administração pública bastante transparente. A entrevista nº10 revela a importância

destas instâncias para proporcionar uma postura crítica da população diante das decisões

coletivas. “A capacitação que fizemos na época de Paulo ajudou muito, ensinou a

fiscalizar e ela veio pra ensinar. Com a sabedoria na mão a gente pode fazer uma

sociedade diferente, né? Você sabe os caminhos que deve percorrer”. Um depoimento

registrado por Moura afirma: “A administração trouxe à tona a responsabilidade de cada

cidadão com a sua cidade. Eles aprenderam a cobrar, a fiscalizar e reivindicar seus

direitos. Este foi um crescimento maravilhoso” (Moura, 2005:63). A ação pedagógica

está formalmente indicada, mas ainda falta-lhe a constituição dos conteúdos

relacionados com os desafios pertinentes a um projeto digno da classe trabalhadora.

A estrutura de gestão e a dinâmica de deliberação e de execução desenvolvida em

Camaragibe no período que é objeto deste trabalho apontam para um compromisso com

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a população e revela a presença de uma intenção socialista no interior desta proposição.

Assim, o governo petista foi capaz de realizar grandes avanços diante das

administrações tradicionais, tanto da cidade quanto do Estado de Pernambuco. O

modelo de gestão participativa de Camaragibe acena claramente para um governo

socialista ao submeter a burocracia estatal a um conselho que gerencia decisões

provenientes de conferências e seminários populares. A entrevista nº1 manifesta esta

tendência. “Não acredito no socialismo pela força. Todos os elementos de formação e

de educação populares muito fortes levaram a sociedade a refletir e trazer ao povo a

concepção desse poder que deveria estar estabelecido neles. Que o governo tem mais

uma tarefa de coordenar e executar este sentimento popular”. Trata-se de uma tentativa

de construção de um modelo em que o exercício do poder seja de fato decorrente das

forças populares. Uma gestão popular ainda necessita assumir uma outra tarefa, que é a

de contribuir para a organização dos setores populares relacionados um projeto de

sociedade alternativo à formação social burguesa.

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CONCLUSÃO

A participação popular assumiu tal relevância que passou a fazer parte da

agenda de administrações públicas dos mais diversos matizes ideológicos e políticos. A

contextualização política da exaltação das práticas políticas participativas exige que o

tema seja visto a partir das suas diversas possibilidades. Os tipos de Estado revelam os

limites dos discursos e das práticas participativas e as possibilidades de superação

destes limites conforme o tipo de agentes do processo e os projetos políticos que eles

procuram efetivar.

A participação popular nas decisões que orientam e definem os conteúdos de

políticas de Estado tornou-se objeto de grande freqüência tanto nos discursos governais

quanto nas práticas sociais e políticas. Com isto, o discurso participativo é pronunciado

tanto pelos que procuram preservar e reproduzir uma situação social e política quanto

pelos que se engajam na realização de reformas pontuais do Estado e, ainda, pelo

conjunto de quem atua com o objetivo de constituir uma sociedade sem exploração e

sem dominação de classe.

A referência à participação popular neste conjunto de opções políticas tão

contraditórias revela a existência de lutas sociais e políticas que se expressam com a

mesma designação, porém com conteúdos inconciliáveis. Esta polissemia do termo

participação é fonte de posturas diversificadas que vão da rejeição à aprovação tanto por

parte da direita quanto por setores da esquerda diante das políticas orçamentárias

participativas. Camaragibe apresenta exemplos de discursos nas duas direções. Houve

um prefeito que enquanto candidato recorreu ao discurso participativo para respaldar o

seu nome e legitimar a futura administração, porém, uma vez empossado, preferiu

efetivar uma gestão nos moldes tradicionais. A gestão petista procurou efetivar uma

subordinação da burocracia estatal ao conselho e às decisões de conferências e

seminários populares, mas não conseguiu garantir a continuidade do processo que

sustentou enquanto estava no governo.

Quando ocorreu a crise, o prefeito sentiu-se obrigado a cumprir um pacto para o

que passou a contar somente com as próprias forças. Não havia um partido político com

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um projeto de classe a ser levado adiante. Sem esta organização, o projeto político

assume uma feição unicamente pessoal e que facilmente poderá ser derrotado. As

organizações da classe trabalhadora, especialmente em Camaragibe, ainda necessitam

elaborar as avaliações deste processo para consolidar suas organizações com vistas a um

horizonte ainda utópico, que seja a referência de sustentação das lutas coletivas (Cf.

Marx, 1978:20). A trajetória do Partido dos Trabalhadores deixou suas marcas no

governo da cidade de Camaragibe. Cabe ao partido procurar realizar uma recuperação

de práticas políticas relegadas ao segundo plano e aprimorar sua concepção ideológica e

aprofundar o debate teórico engajado nas lutas dos trabalhadores.

A organização dos trabalhadores e demais setores sociais que participam do

processo decisório é fundamental para uma avaliação que se reporta ao futuro, ou seja, a

uma sociedade que supere os antagonismos de classes do capitalismo. A referência

difusa à sociedade é insuficiente para a efetivação de um governo que seja de fato

socialista e que se torne referência constante no sentimento popular que sofre as

conseqüências do desordenamento social próprio da sociedade burguesa.

A natureza deste sentimento popular ficou carente de elaboração consistente e

ficou desassociado de um projeto da classe trabalhadora para a sociedade de

Camaragibe. Esta deficiência é fator de ambigüidade e de fraqueza na sustentação dos

propósitos de uma transformação social. O Partido dos Trabalhadores - que é um dos

responsáveis pela garantia dos rumos deste processo - vem perdendo suas raízes

populares e vive uma tensão entre os seus objetivos estratégicos e a atuação concreta e

imediata de seus filiados (Cf. Marossi, 2000:10-14). Quando o PT procurou construir

uma alternativa ao socialismo em crise, ele teve como conseqüência uma fraqueza

ideológica diante da constituição de uma nova sociedade, embora procurasse efetivar

uma alternativa prática cuja elaboração teórica enfrentava muitos problemas internos,

inclusive com a convivência de tendências de objetivos antagônicos. Esta situação

partidária é percebida inclusive por pensadores de seus próprios quadros (Cf. Azevedo,

1991, Singer, 2001, e Silva, 2003c). São conflitos internos na tentativa de definir os

rumos das atividades partidárias. As administrações sob a responsabilidade de

personalidades petistas estão sujeitas a esta situação vivida pelo Partido dos

Trabalhadores.

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O ato de fazer o caminho ao caminhar exige, na política, paradas reflexivas para

fazer e refazer os rumos, rever os trajetos para que os possíveis desvios possam ser

retificados. Os elementos de superação do capitalismo que se manifestaram na prática

política da gestão petista de Camaragibe precisam de aprofundamento e de serem

elaborados de uma forma mais consistente política e ideologicamente pelo Partido dos

Trabalhadores, caso este partido queira manter como objetivo fundamental de suas

práticas a constituição de uma sociedade igualitária. Para tanto, a teorização e a prática

da participação popular precisa ser efetivada com uma referência fundamental à utopia

de uma sociedade governada por si mesma. A procura por tornar possível um mundo

que parece impossível à lógica de sustentação de privilégios, ou seja, desenvolver

esforços nas ações voltadas para uma sociedade sem dominação de classe e sem

exploração econômica, exige que a prática política esteja sempre relacionada com uma

teoria revolucionária.

A prática política necessita estar associada a ações pedagógicas que visem tanto

fomentar a organização popular quanto a proporcionar acesso aos instrumentos de

crítica à sociedade atual. Neste sentido, o partido político é fundamental para a

sustentação das práticas políticas das massas (Cf. Freire, 1982:27).

Se o objetivo principal do governo se resume a realizar uma gestão eficaz e

eficiente e com participação criteriosa da sociedade, este governo limita-se a buscar o

possível e estabelecido na ordem, dentro de uma conjuntura que não é imune às crises

do sistema. Diante do volume de premiações, o governo petista de Camaragibe realizou

um bom governo considerando o ponto de vista das instituições responsáveis pela

concessão dos prêmios. Mas, é preciso considerar os atores sociais que são envolvidos

no processo de tomada de decisões. A organização popular como tarefa principal do

partido político que busca superar a exploração da classe trabalhadora é fundamental

neste processo.

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ANEXOS

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ANEXO 1

ADMINISTRAÇÃO PARTICIPATIVA DO MUNICÍPIO DE CAMARAG IBE

REGIMENTO DAS ELEIÇÕES PARA PREENCHIMENTO DO QUADRO DE DELEGADOS (AS) DO CONSELHO DA ADMINISTRAÇÃO PARTICIPATIVA DE CAMARAGIBE. CAPITULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 1º - O processo de escolha de delegados/as para preenchimento do quadro do conselho da administração participativa de Camaragibe reger-se-á pelas disposições deste regimento. Art. 2º - O número de vagas por microrregião administrativa é estabelecido no anexo I deste regimento. PARÁGRAFO ÚNICO - Cada eleitor só poderá votar em 01 (um) único candidato. Art. 3º - Serão considerados eleitos os candidatos mais votados em cada microrregião, ficando na suplência os que obtiverem a segunda maior votação. PARÁGRAFO ÚNICO - Havendo empate entre dois ou mais candidatos, considerar-se-á vencedora/or aquela/e que comprovar: 1º - maior idade entre os candidatos; 2º - Maior tempo de residência na microrregião. Art. 4º - O mandato dos/as delegados/as eleitos/as serão de 2002 a 2005. PARÁGRAFO ÚNICO - Os/As delegados/as eleitos/as não receberão nenhuma remuneração pelas suas atuações. Art. 5º - O mandato atual dos/as delegados/as foi prorrogado até a posse dos novos eleitos. CAPÍTULO II Art. 6º - Serão constituídas 2 (duas) comissões eleitorais para o gerenciamento de todo o processo de eleição. PARÁGRAFO ÚNICO - O processo eleitoral será realizado de forma descentralizada, coordenado pelas comissões eleitorais e obedecendo e obedecendo ao cronograma de atividades estabelecido no anexo 2 deste regimento. Art. 7º - Cada comissão eleitoral será composta de 2 (dois) membros, sendo 1 (um) delegado/a titular da região administrativa e 1 (um) representante governamental. § 1º - Será escolhido em plenária um suplente para cada membro das comissões eleitorais.

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§ 2º Será escolhido dentre os membros da comissão um secretário que registrará todas as decisões e providências, dando-lhes os

devidos encaminhamentos.

§ 3º - O/s representante/s indicado/s será/ao notificado/s de todas as etapas e a sua ausência não impedirá o andamento dos

trabalhos.

Art. 8º - Compete às comissões eleitorais executar todo o processo eleitoral no âmbito de cada uma das cinco (5) regiões administrativas com as seguintes atribuições específicas: I - Planejar todo o processo para a sua região de competência; II - Promover a divulgação do processo eleitoral junto á população;

III - Gerenciar o processo de votação

IV - Realizar a apuração dos votos, encaminhando á coordenação técnica governamental o resultado do pleito para proclamação;

V - Registrar em ata o andamento dos trabalhos, bem como os incidentes, protestos e impugnações.

CAPÍTULO III

DOS VOTANTES

Art. 9º - Poderão votar todos os cidadãos/ãs residentes na microrregião e que contarem pelo menos 16 (dezesseis) anos á data do pleito. PARÁGRAFO ÚNICO - O eleitor deverá apresentar qualquer documento oficial (identidade, profissional ou funcional). CAPITULO IV DOS REQUISITOS PARA PLEITEAR CANDIDATURA Art. 10º - São requisitos para pleitear candidatura: I - Ter a idade superior a 18 (dezoito) anos devidamente comprovada; II - Comprovar a residência no município de pelo menos 3 (três) anos através de declaração de uma entidade da sociedade civil; III - Residir na microrregião que irá representar; IV - Formalizar no período de 12 a 21 de novembro de 2001, pedido de inscrição à coordenação técnica governamental; V - A inscrição será feita pelo próprio candidato/a que deverá apresentar 2 (duas) fotos ¾. X - Que será utilizada na ficha de inscrição e na carteira de delegado;

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VI - Fica estabelecido no anexo III o formulário de inscrição do/a candidato/a a delegado/a. § 1º - Não poderá participar do processo eleitoral aqueles candidatos que já foram excluídos pela comissão de ética do conselho de delegados. §2º - Não poderão ser candidatos aqueles que ocupem cargos comissionados no legislativo ou executivo. §3º - Os casos não caracterizados neste regimento serão apreciados pela comissão eleitoral. CAPITULO V DAS ELEIÇÕES E APURAÇÕES Art.11 - As eleições deverão ocorrer de acordo com a data e local estabelecidos no anexo II, ficando determinado os seguintes horários de funcionamento dos trabalhos:

a) Votação das 19h ás 21 h; b) Apuração dos votos das 21h ás 22h.

Art. 12 - o aporte logístico para a realização dos trabalhos serão fornecidos pela coordenação técnica governamental desde que devidamente solicitados até 5 (cinco) dias antes da eleição. Art. 13 - Encerrados os trabalhos de votação e apuração e lavrada a competente ata, deverá a comissão eleitoral encaminhar para a coordenação técnica governamental o mapa da votação. Art. 14 - Da proclamação do resultado final do pleito, caberá recurso sem efeito suspensivo, no prazo de no máximo 48 (quarenta e oito) horas, contando após a divulgação do resultado. PARÁGRAFO ÚNICO - Os recursos devidamente fundamentados deverão ser interpostos perante a comissão eleitoral, que julgará em 48 (quarenta e oito) horas, a partir do seu recebimento. Art. 15 - As comissões eleitorais deverão suspender, de imediato, toda propaganda irreal, insidiosa, ou manifestadamente contrária aos concorrentes, notificando para tanto o/a candidato/a que a promover. PARÁGRAFO ÚNICO - Os candidatos/as que devidamente notificado, insistir no procedimento, será excluído/a do pleito. Art. 16 - Os recurso interpostos contra a decisão das comissões eleitorais, as impugnações ao resultado geral das eleições e os casos omissos por ventura existentes serão resolvidos pela comissão eleitoral

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Art. 17 - A posse dos eleitos se dará após a conclusão do curso de capacitação sobre o papel do delegado na Administração Participativa. Art. 18 - Este regimento entrará em vigor após a sua aprovação em plenária convocada para esta finalidade.

Camaragibe, 10 de novembro de 2001.

Anexo I

COMPOSIÇÃO DO CONSELHO DE DELEGADOS DA ADMINISTRAÇAO PARTICIPATIVA

MICRORREGIÕES (Bairros) CONSELHO 1A : Bairro Novo, Carmelitas, Alto Pe. Cícero, Alto do Cemitério.

03

1B : Timbi e Jardim Holanda. 02 1C: Viana, Santo Antônio, Córrego do }Desastre. 04 1D: Céu Azul, Celeiro,Borrione, Expansão Timbi, Santa Tereza, Açude Timbi.

09

1E: Bairro dos Estados, Terezópolis, Areinha. 04 1F: Areeiro, Cosme e Damião, Vila Nova da Várzea. 03 1G: Vila da Fábrica, Boa Vista, Aldeia de Baixo, Aldeia de Cima, Baixinha.

04

2A : Santa Mônica 05 2B: Santana e Paulo Afonso. 05 2C: João Paulo II e Campo Alegre. 03 2D: Estação Nova e Assucena. 01 2E: São João e São Paulo e Chácara Pedreira. 01 3A :Vila INABI e Nazaré 03 3B: Primavera. 02 3C: São Pedro e São Paulo. 02 3D: Vale das Pedreiras e Sítio dos Macacos. 05 4A : Tabatinga, Jacaré e Córrego das Andorinhas. 07 4B: São Jorge, Ostracil e Loteamento São Jorge. 02 5A : Vera Cruz, Vila Rica, Telebrás e Araçá. 03 5B: Borralho. 01 TOTAL 69 Anexo II A comissão eleitoral definirá, organizará e coordenará os locais de votação e de apuração da eleição do conselho de administração participativa, em dias e horários previamente anunciados.

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Anexo III CANDIDATOS AO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO PARTICIPATIVA NOME:

RG:

CIC:

ENDEREÇO:

PROFISSÃO:

MICRORREGIÃO:

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ANEXO 2 ROTEIRO DE ENTREVISTAS

1) O PROCESSO ELEITORAL - O Partido e a formulação da alternativa de governo; - O envolvimento partidário na campanha eleitoral (condução da campanha);

- Avaliação da situação de Camaragibe na época; - A campanha eleitoral; - As expectativas e o desenvolvimento da campanha; - O resultado eleitoral. 2) O PRIMEIRO GOVERNO - O modelo de participação (sua construção) e partido; - A participação popular e as políticas municipais; - O território de Camaragibe (desigualdades, características e as conseqüências para a participação popular); - A avaliação do partido sobre o processo de participação popular. 3) O SEGUNDO GOVERNO - Continuidades, diferenças e superações. 4) A PARTICIPAÇÃO POPULAR E A GESTÃO LOCAL - Interferências do partido no governo; - Os rumos dos investimentos; - A condição de ser governo e a qualificação do partido; - A relação dos partidários entre si mesmos; - A relação entre o PT e a população. 5) O GOVERNO E A NOVA SOCIEDADE - A visão do partido sobre as ações do governo; - Mudanças nas intervenções partidárias; - Questionamentos (ou não) do partido ao sistema capitalista; - Elementos que apontam para uma nova sociedade 6) A CÂMARA MUNICIPAL - Os vereadores do partido; - Os vereadores e o novo governo; - Os vereadores a as obras do executivo; - A bancada de situação e de oposição; - As manifestações partidárias; - A representação legislativa.

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ANEXO 3 ENTREVISTAS

ENTREVISTA Nº1 Terminei o curso de medicina em 1981 na Universidade Federal de Pernambuco. Eu já vinha do movimento estudantil filiado ao PT (Partido dos Trabalhadores). Fui filiado logo no nascedouro do PT. Logo que me formei, fui trabalhar e morar na Usina Trapiche como médico generalista, lá em Serinhaem. Na residência fazia medicina comunitária, que é o médico de família hoje. Fiz um projeto e em Vitória de Santo Antão conheci umas pessoas que serão importantes nesta conversa. Uma delas foi Lilia Collier, que era a prestadora de Serviço Social. Já conhecia dona Lilia Collier da fábrica Braspérola, mas na residência médica, onde ela estava alocada agora vim encontrá-la como minha orientadora de serviço social ali na residência de medicina comunitária. Ali também na residência, vim conhecer outra pessoa importante dando aula na residência comunitária que foi Celerino Carricone, que trabalhava na época em Casa Amarela. São duas coisas que vão ser importantes na minha vida. Na época da residência Celerino foi fazer um curso de especialização na Inglaterra de Fitoterapia e o Pessoal do bairro de Casa Amarela (Recife) da FEACA (Federação das Associações de Moradores de Casa Amarela), me convidou para substituir Celerino no projeto, em Casa Amarela, em 1983. Vou trabalhar em Casa Amarela coordenando o projeto junto com duas enfermeiras, Fernanda, Janete e com três agentes de saúde. A experiência do bairro de Casa Amarela vinha da residência e a gente vai trabalhar pautado por Alma-Ata. Isso é importante, por uma visão de futuro e positiva, vinda da União Soviética, em 1978 sobre a importância para o ano 2000 da atenção primaria da saúde como um elemento vinculador da população numa perspectiva que conseguisse os paises do mundo todo integrar e oferecer saúde para todos no ano 2000. E é neste conceito que vou desenvolver minhas atividades lá. A atenção primária de saúde buscando a integralidade buscando a promoção e vigilância às condições danosas à saúde. São dois pilares importantes que davam à saúde. Vivia-se a dificuldade política no Brasil e Casa Amarela fazia parte de um cenário onde o padre Reginaldo tinha uma atuação importante. Alguns padres também como o padre da Macaxeira, Pedro, de Jenipapo onde havia uma relação com Dom Helder no comando desta equipe. E neste cenário fui muito feliz. Eu vinha de uma residência médica pautado por Alma-Ata que é a conferência de saúde na União Soviética. Este cenário da Igreja Católica foi propício para o movimento popular. Em Casa Amarela a gente vai discutir saúde neste conceito amplo; neste conceito ampliado de saúde. Aí tinha minha atividade com dedicação exclusiva que a gente trabalhava em atendimento a oito bairros. Desde o Sky Lab, passando pelo córrego do Zé Grande, Alto Zé Bonifácio, Canal da Macaxeira, Guabiraba, Alto Jenipapo, Alto da Telha, Alto Carroceiro. Em outros bairros de Casa Amarela, formávamos agentes de saúde. Chegamos a formar oitocentos agentes de saúde na época. Os agentes de saúde na época não eram reconhecidos, nem se cogitava a existência deles. A idéia de agentes de saúde era uma idéia de Alma-Ata que se fazia necessário. Como a China tinha seus médicos comunitários, no Brasil tínhamos os agentes de saúde. E a gente vinha formando esses agentes aí. Foi neste cenário que durante cinco anos trabalhei ali formando agentes de saúde. Retomam-se as eleições em 1.984 e Jarbas ganha aquela eleição. Entra na secretaria de saúde Paulo Dantas que é outro elemento que veio somar, médico também pautado por Alma-Ata. Esta integração teve muito embate no governo Jarbas,

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mas teve muita sintonia, mais sintonias que embate. Em Casa Amarela trabalhávamos a promoção da Saúde. O território e ações concretas como prevenção de câncer, aleitamento materno, imunização, fitoterapia que agregava o projeto como um todo, inclusive com as plantas medicinais e ação integral e educação em saúde que era a bandeira da gente. Atuávamos por ruas, bairros, em conjunto com as associações de moradores fortalecendo o movimento popular. O projeto de saúde era financiado pelos bispos do Canadá; Movimento da Paz, de cristandade que era um movimento da Inglaterra e Oxford, também da Inglaterra. Os três financiavam via igreja no Morro da Conceição. Nossas carteiras eram assinadas pelo CEAS (Centro de Estudo e Ação Social). O salário era em média de seis salários mínimos, por tempo integral e dedicação exclusiva. Os agentes da saúde recebiam uma gratificação, para deslocamento e alimentação. Assim a gente trabalhou durante seis anos. Discutíamos o morro e muro de arrimo, saneamento, escola e a implantação de uma unidade de saúde no bairro. Gustavo Krause (PFL: Partido da Frente Liberal) tinha implantado em Casa Amarela e todo o Recife a proposta dos barracões, que era exatamente na perspectiva de esvaziar os movimentos populares. Nós mostrávamos que os barracões eram para distribuir tíquete de leite e que não vinha responder o que a gente queria, que fosse a grande questão da cidadania e das políticas públicas que pudessem consolidar. Em Casa Amarela a proposta era para consolidar uma política através da saúde. Fazíamos a alfabetização de adultos, tínhamos um movimento de barreiras e o movimento de saúde. Esses grupos fundaram a federação de Casa Amarela (FEACA), que trabalhavam dentro dos bairros. Depois de cinco anos faço o concurso para saúde em Olinda e assim começo atuar em Olinda e Casa Amarela. Também comecei o mestrado em nutrição e saúde pública. Na ocasião saio de Casa Amarela e fico em Olinda e fazendo mestrado na Universidade Federal de Pernambuco.

Vieram as eleições de 1988 e o grupo político de Camaragibe ligado a Arnaldo Guerra e a João Lemos e Lilia Collier, que me convidaram à participar da campanha de Arnaldo Guerra. Eu participo da eleição não pelo PT (Partido dos Trabalhadores) que tinha candidato na cidade que era o Padre Antonio, mas fui com o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). João Lemos tinha sido companheiro de residência em Vitória, e na pré-campanha, fui discutir uma possível formação de agentes de saúde no plano de governo. Vencendo as eleições eu sou convidado por Arnaldo Guerra e não pelo Vice-prefeito. O convite que ele fez, foi a mando de Lilia Collier, que era uma pessoa muito amiga da família Guerra que me convida para ser o secretário de saúde. Daí eu peço licencia de Olinda sem ônus para o município para ser secretário de saúde. Chegando a Camaragibe..., minha família tem raízes em Camaragibe. Quando meu pai em 1930 veio em residência para Recife ele veio com 28 primos e só ele que ficou em Recife e os outros ficaram todos lá. Desde a minha infância que visitei Camaragibe com uma relação familiar. Em 1989 venho como secretário de saúde no governo Arnaldo Guerra com o slogan: “O povo elege - o povo governa.” Era uma demanda muito forte para mim. Eu vinha da oitava Conferência de Saúde. Saímos de ônibus para Brasília com 48 agentes de saúde. Foi um marco importantíssimo e é o marco brasileiro da Alma-Ata. Houve um movimento no mundo todo como por ex.: no Canadá em 1986 teve o lançamento do Movimento de Promoção à Saúde e uma série de movimentos internacionais. E no Brasil, o marco que temos ligando o que aconteceu na Rússia em 1978 é a oitava conferência. E traz à gente do movimento de Pernambuco mais força ainda para o embate para plantar ações que garantam uma saúde de qualidade. Aí chego em Camaragibe com a idéia de Alma-Ata e da oitava Conferência. Estes eventos

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concebem as ações de saúde como um dever do Estado, e a Constituição de 1988 assimilam esta nova concepção de saúde. Lilia Collier era há muito tempo gestora local que fazia todo o trabalho junto ao movimento popular, principalmente na questão da cultura e da saúde trabalhando a medicina popular por dentro do SESI (Serviço Social da Indústria). Então, eu vou junto com Lilia por dentro do SESI chamar o movimento popular e a secretaria de saúde de Camaragibe. Então, de janeiro a abril, ficamos fazendo um diagnóstico da rede com funcionários, trabalhadores de saúde e movimento popular e em 20, 21, 22 de abril de 1989 fizemos a primeira Conferencia Municipal de Saúde. Aliás, a primeira Conferência feita no município de Camaragibe que a população teve conhecimento. A conferencia determina que, a máxima dela é a criação do conselho municipal de saúde como marco. E agente vai trabalhar de abril até setembro junto com o movimento popular, tirando representação de grupos de mulheres, das creches, das associações de moradores, conselhos, dos que estão associados a algum grupo local ou do hospital Humberto Maia, da rede privada, do hospital geral de Camaragibe. Tudo isso vai formar uma pré-comissão. Em setembro de 1989 a plenária é um marco para o conselho. Foram necessários seis meses para a construção dele. Daí o conselho é votado com todos os seus elementos. O governo havia apoiado lentamente a criação da conferencia em 1989, em abril. Já em setembro não tinha o mesmo entusiasmo; estava mudando de opinião achando que era uma coisa festiva. Como o conselho era deliberativo isto incomodou muito ao prefeito. Neste momento eu estava enfraquecido no governo. O vice prefeito havia rompido, porque também estava afastado por problemas pessoais e tinha me convidado a me retirar. Mas o grupo que estava com Lilia Collier, lá de Camaragibe, e de fora, nós tínhamos Ligia que estava no governo do Estado, Rosa, Virgínia, Lúcia e Maria da Paz. Era o grupo de assistentes sociais que Lilia tinha colocado dentro da secretaria de saúde que me ajudaram a fazer o trabalho. Na época era o melhor grupo de assistente social disponibilizado. Este núcleo, com o afastamento do vice-prefeito, disse: “Não, você deve continuar como secretário de saúde já que foi Lilia quem o bancou na indicação do cenário local da prefeitura”. O governo por sua vez não aceita o conselho de saúde, e de setembro até Janeiro passamos por um embate muito grande no governo. Tentamos convencer o governo que “O povo elege - o povo governa”. Não podia distanciar do conselho e este era o propósito que ele disse a mim que estaria me chamando. Este é o cenário que em janeiro de 1990 o prefeito não dá posse ao conselho, se recusa e eu tenho que me retirar da secretaria. Como eu tinha passado no concurso para professor em João Pessoa, fui pra lá. Tínhamos saído de uma eleição para Presidente, Lula perde, e nós do PT, estávamos extremamente pra baixo, enfraquecido diante do prefeito com a saída do vice-prefeito. O Lula não tinha ganhado a eleição; então o PTB descarta o PT do governo. Fui morar em João Pessoa como funcionário público, trabalhando na Faculdade Federal da Paraíba. Eu fui morar a 20 km de distância e não tinha tempo de ir à Camaragibe. E este conselho que tinha sido feito neste formato com o movimento popular. Fizemos a conferência e levamos seis meses para criar este conselho. Fizemos várias reuniões para este processo. Por isso o conselho tinha muita força, então ele tentou botar raspão. E em 92 fui convida os pelo vice-prefeito para participar da coordenação da campanha dele como candidato a prefeito. De João Pessoa venho participar da campanha. Saio em busca do movimento popular baseado agora em João Lemos como prefeito e eu como secretario de saúde a trazer os agentes de saúde.

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Ganhamos as eleições em 1992 e a posse em 1993. Inicialmente fiquei como secretário de governo, termino meu mestrado em junho e em julho assumo a secretaria de saúde. Daí, eu fui buscar o vínculo com o departamento de nutrição com a Dra. Naide Teodósio e busquei algumas pessoas no governo de Joaquim Francisco para fazer um trabalho com o movimento popular de resgate e de consolidação. Cria-se os agentes de saúde de Camaragibe. Cria-se o programa de saúde com a Universidade Federal de Pernambuco, levanta-se a estatística e formam-se dez agentes de saúde que no bairro de Tabatinga, o projeto piloto vai discutir o problema de desnutrição com Dra. Naide Teodósio e Dom Helder Câmara e a Secretaria Municipal de Saúde e o Departamento de Farmácia, produzindo o “Protenol” (produto feito à base de sangue de boi) para combater a desnutrição. Este embrião vai apresentar em julho de 1993 o programa de agentes de saúde. Nós também entramos no Programa Nacional de Saúde da Família. Só em 1.994, com um ano de projeto é que a gente inaugura o Programa de Saúde da Família. Camaragibe é o primeiro município a adotar este programa em Pernambuco. No Nordeste é Campina Grande e Quixadá e Pernambuco e mais três cidades no Sul do país. O projeto caminha, a resolução da mortalidade infantil na cidade vai indo muito bem, o combate a desnutrição com Protenol já é um espaço muito grande. Em 1994 com o governo de Miguel Arraes, o Protenol começa a ser produzido no LAFEPE. Isso toma toda Camaragibe para combater a anemia. Isso sai do bairro de Tabatinga, que começou em 1994. O Programa da Família se expande e em 1996 a gente já conta com 17 equipes no PSF (Programa de Saúde da Família). Este movimento de saúde estava para ser de novo abortado. Aí é quando o movimento de saúde faz um apelo para que eu saísse candidato a prefeito. Eu que não tinha sido candidato a nada. Já tinha um candidato bem estabelecido na cidade que era do PSDB (Partido Social Democrata Brasileiro), que era o Chicão, muito bem na campanha. Lapenda também muito bem. Tinha cinco candidatos. Eu era o lanterna do processo. Em abril, saio da secretaria de saúde e saio candidato. E tenho no movimento de saúde uma ponte para essa candidatura. De junho até outubro passo de 3% para 41%. Questão que vai me fazer prefeito. O movimento da saúde e o movimento popular pegam esta bandeira. Desde 1989 estou no movimento de saúde na luta pelo conselho que vai me fazer prefeito. Então a gente trabalha a questão da cidadania. Daí vai trabalhar o pilar da participação popular, do orçamento participativo. O movimento popular lança em 1996 o apelo à administração popular. Isso é feito em debates em caravana nos bairros. Foi uma campanha extremamente forte. E a gente vai conceituando o que vinha a ser esta administração participativa. Com debate com todos os participantes. A campanha não tem medicamentos, bujão de gás, cesta básica. É só um formato diferente de governo. Aí se ganha a eleição e se assume com essa conceituação da gestão participativa. A gestão participativa, a base da saúde, é o elemento com que a gente conta, divide o território e identifica o território com os seus componentes, com políticas inter-setoriais. E com estes componentes a gente chama a cidade para discutir o modelo de gestão, e eleger os primeiros delegados da administração participativa. Da base inicial era um delegado por mil habitantes. Era a mesma coisa que fiz na saúde. A população é estimada em 120 mil e são eleitos 120 delegados que vão discutir com a gente e construir o modelo de gestão participativa. Não trabalhava nenhum secretario separadamente. Era todo mundo junto problematizando os três eixos do governo: cidadanias, participação popular e da consolidação do movimento social junto ao

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governo. E a gente faz um movimento interno e um movimento externo com as associações de moradores tentando interagir o governo com a sociedade. Externamente a gente faz a ação participativa. São nossas idas aos bairros. Todo o governo vai para o bairro, não para fazer despacho, mas para debater com a população problemas em pequenas intervenções para a melhoria da qualidade de vida que é o elemento central do governo. Este eixo externo com o eixo interno vão se consolidar com a criação da secretaria de comunicação social e de ação social e secretaria de governo. Tive o apoio do governo Arraes, da Universidade Federal de Pernambuco, UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Criança e Adolescente) e Fundação ARBINQ, com a proposta de gestão da política voltada para criança e adolescente e a mulher de uma forma geral. Estes elementos e juntando a gente que vai para um grupo muito novo que vai se apropriando do conceito de administração participativa. E dentro dele o modelo de cidade saudável. Eu tinha participado numa conferencia no Canadá e trouxe o modelo da cidade saudável e junto com a promoção da saúde aí eu vou incorporar o conceito de promoção à saúde com o conceito de cidade saudável, que um determina o outro, que vai aprofundando para chegar ao conceito de gestão participativa. Que é o deslocamento de poder na perspectiva de incorporar a sociedade numa decisão do governo A esquerda tinha como tarefa realizar o deslocamento do poder e realizar um governo para a população. Sem intermediário, na perspectiva de reter o poder. Que é um movimento difícil de fazer o secretário, o diretor ir discutir com a população. Para virar participação efetiva, para se evitar trabalhar só para dentro, quais são os pontos da gestão participativa? Evitar que o vereador seja o intermediário das suas questões e das suas conquistas do tipo saneamento, etc. Este deslocamento do poder que é o exercício da administração participativa consolida-se da seguinte forma: Na prefeitura todas as secretarias têm que fazer suas conferencias a cada dois anos em caráter deliberativo junto com seus conselhos setoriais que a gente chamou de conselho da administração participativa que não discutia apenas o orçamento. Discutia principalmente a infra-estrutura urbana. O conselho acabou se qualificando em infra-estrutura urbana. Há uma carência muito grande na cidade e ele discute a pauta do recurso para a infra-estrutura urbana, para a política social de saúde, ficando bem consolidada a política de uma educação de qualidade, a ação social trabalha a política social para os negros, homossexuais, mulheres. Para os excluídos da sociedade, a fundação de cultura faz elemento de ligamento cultural na visão de agregação e cidadania, evento, um calendário cultural para a cidade. A defesa civil vai buscar parceria com o cidadão para cuidar do bairro. Toda esta estrutura vai criando afinidades para ser feito uma ligação intersetorial. Neste contexto de administração participativa, eu buscava um ligamento entre as caixas no formato intersetorial. Foi criando o modelo no qual dentre as conferencias havia o fórum da cidade que agrega toda a prestação de contas e ao mesmo tempo o governo incorpora as demandas populares. O fórum é um congresso da cidade e os conselhos ou quinzenais ou mensais, de acordo com suas necessidades de cada setor. A gente vai disputar a eleição de 2.000 praticamente numa lavagem, numa vitória de 71% com 37 mil votos, a gente amplia. No segundo governo tinha tudo para ter um grande deslanche. Com base no índice de crescimento demográfico do censo de 1991, em 2000, Camaragibe teria uma população de 144 mil habitantes. Em 2000 o IBGE realizou outro censo publicado em 2001 onde Camaragibe esta com uma população de 128 mil habitantes. Nesta confusão o índice caiu de 3.8 para 3.2. Isso representa a diminuição de recursos de R$2.900.000,00 para R$ 2.100.000,00, proveniente do FPM, que usa a população

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residente para definir o montante de participação municipal neste fundo. Outro problema foi a catástrofe da chuva que nunca tinha sido tão volumosa. Soma-se isso ainda a falência da fábrica de tecido em 2002 de Camaragibe, que coloca pessoas no desemprego e reduz a participação do município na cota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Em 2002 começa a atrasar salário, não dá mais para atender as demandas. O movimento de saúde não aceita a redução de serviços oferecidos à população pelo município. O movimento tinha postura de reivindicar e achar que cabia ao prefeito conseguir esses recursos de qualquer forma, principalmente junto ao governo federal, que era um governo aliado e do mesmo partido do prefeito. O que soma negativamente a nível político é Lula porque a população não entende o pacto federativo por isso ela achava que o presidente daria um jeito de devolver para Camaragibe o que o IBGE retirou. Ainda mais que o prefeito era o presidente do PT de Pernambuco. Essa expectativa de eleger Lula ficou frustrada. A melhor votação em porcentual que os candidatos do PT tiveram foi em Camaragibe. Nesta frustração dos eleitores não pode ser respondida pelo prefeito. Precisava ajustar a máquina aos recursos diminuídos e isso significava a demissão do Pessoal o que ia contra o pacto de Camaragibe. Foi contratada uma consultoria para apontar solução e o indicativo foi fechar a maternidade e demitir Pessoal, reduzir o programa de agente comunitário de saúde e um terço do Pessoal de educação e cancelar o atendimento de crianças com idade inferior a sete anos. Não fechar tudo isso e não atender a consultoria foi um erro meu porque o problema foi só se agravando até que os funcionários começaram a fazer greve, que não querem demissão e querem salário em dia. Então, nos dois últimos anos, nós enfrentamos problemas sérios. O ultimo ano então, quando a oposição pega a gente na fragilidade. O movimento popular não tem mais suas demandas atendidas, os funcionários insatisfeitos, o movimento de saúde não via na gente a resposta que se dava antes. O governo municipal chegou investir 23% de sua receita própria em saúde e passou para 18%. Tivemos o desgaste financeiro e o desgaste da vitória nossa a nível federal. No final foi muito difícil, fechando torneiras, principalmente no ano de eleição. Assim foi a queda e o coice. A câmara é reduzida de quinze para onze vereadores. Com isso o PT não elegeu vereadores em 2004. Nossa candidata, que era secretária do governo, que era minha cunhada, por isso um impedimento legal não a deixa ser candidata. Por isso o PT apóia um candidato que tinha sido opositor em 1996, quando estava no PSDB. Mas agora, ele no PSB, aceita o vice do PT. E a população também teve dificuldade em entender como pude me aliar ao antigo adversário. E o prefeito, pelo qual ele ficou secretário e foi eleito, agora era adversário. Aí a confusão do PT e PC do B (Partido Comunista do Brasil) na cidade. O PFL (Partido da Frente Liberal) que nunca tinha tido espaço na cidade, passou a ser uma força ameaçadora. Daí houve um pacto entre PSB, PT, e PC do B para impedir a vitória do PFL. A população faz a leitura de que o nosso grupo deveria voltar ao antigo conjunto de pessoas com João Lemos de 1992. O resultado eleitoral foi até certo ponto bom diante da crise vivida. A transição foi a melhor possível porque agente não perdeu para o PFL. É esse o processo de Camaragibe. Eu tenho uma formação socialista e não abro mão dela não. Só que não acredito no socialismo por força. Acredito no socialismo construído através de um processo pedagógico, do dialogo, do convencimento e da decisão livre das pessoas e é um processo longo. Difícil, mas belo. Não diria que Camaragibe construiu um socialismo. Mas todos os elementos de formação e educação popular muito forte, que levou muito a cidade a refletir e trazer

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ao povo a concepção desse poder que o poder deveria estar estabelecido neles. Que o governo tem mais uma tarefa a coordenar e executar este sentimento popular. Estes elementos a gente conseguiu deixar em Camaragibe. Acho que é uma cidade fértil, para isso. Se pegar a historia da fabrica, através de Carlos Alberto de Menezes pela concepção política bem estabelecida, do bem social, francesa, deixa Camaragibe em campo fértil para este tipo de idéia, que não estava dissociada da cultura local. Quando se estuda Camaragibe desde o nascimento da fabrica em 1899 até os dias atuais, mesmo com a política de bem estar social, mas com o movimento Rerum Novarum, os movimentos dos trabalhadores da fábrica, o sindicato, com tudo isso há um espaço muito fértil para uma construção da possibilidade do socialismo. Então não diremos que fizemos um governo socialista, fizemos um governo de Esquerda, com deslocamento de poder, com foco de que o socialismo é possível em algum momento.

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ENTREVISTA Nº2 O primeiro processo eleitoral foi diferente do que existe enquanto campanha. Em primeiro lugar não teve os vícios das campanhas anteriores com os comitês cheios de gente, militantes oferecendo óculos e outros favores como fotografias. O nosso marcou a diferença sem dar nada, mas mostrando um caminho diferente que começou a dar credibilidade. A ajuda nacional foi quase zero e o próprio partido estadual olhava com descrédito. O ponto básico da campanha foi o envolvimento da comunidade com os agentes ligados a saúde. A base da campanha foi ligada à saúde porque o candidato a prefeito Paulo Santana tinha sido secretário de saúde e também ele tem um perfil de educador popular. Ele foi do PT (Partido dos Trabalhadores) histórico e isso lhe deu um perfil de movimento popular, ele conseguiu implantar o conselho de saúde que foi referencia no Estado de Pernambuco até hoje. Ele foi formado com uma outra prática de base. Na época o prefeito tentou acabar com o conselho de saúde e o mesmo resistiu. No processo eleitoral de Paulo Santana a área de saúde se mobilizou muito na rua, na crença. Nas pesquisas tínhamos uma probabilidade ínfima no inicio da campanha. O candidato na época era do PSBD (Partido Social Democrata brasileiro), o Chicão, ele tinha 42% e Paulo, 3%. Então foi uma campanha do vira-vira. A campanha foi crescendo, fizemos várias reuniões semanais para fazermos dois fóruns. Um foi o fórum do cidadão para fazer a escuta por região para fazermos nosso programa. No comitê eu ficava de forma pedagógica dizendo não aos votos viciados, de pedir favores. Com poucos recursos começamos a crescer. Nós ficávamos direto na rua fazendo porta-porta. O comitê servia praticamente pra guardar material e fazer o mapeamento dos locais estratégicos de visitas. Foi assim que trabalhamos. Nossa aliança era entre o PT e PSB (Partido Socialista Brasileiro), na vice que era uma mulher. Nós fizemos uma "tropa de choque" com os apoiadores junto com o candidato e íamos para a rua em visita porta a porta. O partido estadual não acreditava muito, visto que na época só tínhamos governo petista na cidade de Mirandiba, no sertão. Mas na rua começamos a virar a escolha e ganhamos à prefeitura. Daí veio o peso da responsabilidade. Esta que é a questão. Ter uma prefeitura na região metropolitana sabendo o quanto isso seria importante para outras cidades, mas principalmente para Recife. O olhar era o olhar da capital. A composição da equipe foi através da competência e confiança. Muita gente do partido ficou insatisfeita porque não esteve no governo. Foi uma definição de quem procurou avaliar o compromisso político. Por exemplo, na primeira gestão poucos secretários eram do Partido dos Trabalhadores. Eu tenho apenas oito anos de filiação, eu demorei a me filiar porque eu tenho uma vocação filosófica e não queria ser amarrada e achei que perderia e de fato perde um pouco, mas tudo bem, você tem que passar tudo na vida, mas sempre foi o partido do meu coração. No governo nós não aparelhamos a prefeitura. Fizemos a primeira gestão marcada por um entusiasmo muito forte porque o fato de ter ganhado houve uma sinergia muito boa, no conjunto da equipe. No primeiro governo, algumas pessoas vieram de outras cidades, a grande maioria permaneceu nos cargos onde estavam, até porque, o governo anterior era nosso aliado. Não foi um governo de ruptura. O governo anterior que era João Lemos, que é o atual agora, apoiava Paulo Santana. Então a aliança era entre o PT e o PSB. Por isso a renovação foi muito pouca no cargo de confiança. Na segunda campanha eleitoral eu também fui a coordenadora e continuamos o

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mesmo projeto, mas foi muito melhor porque conseguimos juntar os vereadores a majoritária com a proporcional. Fazíamos reuniões semanais de avaliação de todos os partidos explicando e ver de que forma a majoritária podia contribuir e tudo era feito com muita transparência. Ganhamos com 60% dos votos e foi entre um momento crítico porque nós tínhamos um plano de obra, feito na rua com os conselheiros e quando chegamos no meio do ano não tínhamos executado nem um terço do plano de obra mas mesmo assim a população referendo, acreditando no nosso gerenciamento e também na relação estabelecida com os proporcionais. Porque qualquer atitude era votada com os vereadores. E isso criou um processo de harmonia com eles, tudo que era conseguido para a campanha era partilhado igualitariamente entre eles. A formulação de alternativa de governo é uma marca do partido e fomos trabalhar esta forma diferenciada. Portanto a forma de encaminhamento da campanha eleitoral. Se tivéssemos pegado o modelo da direita não conseguiríamos governar de forma diferenciada. A maneira como a campanha foi tratada já foi sendo a forma pedagógica de marcar nosso governo. O outro candidato foi diminuindo nas pesquisas porque as lideranças começaram a nos respaldar. Mesmo aquelas que vieram para destruir o processo. A vantagem de ter um modelo de gestão participativa é um grande aprendizado porque eles lutam pelo que querem e tínhamos muito o apoio da base puxado pelos os pessoais de saúde que estavam no dia a dia. Pra mim o PSF (Programa de Saúde da Família) é muito poderoso porque o programa da família tem lá o medico de esta o dia inteiro e os agentes de saúde que moram naquela localidade. O espaço da saúde é o espaço participativo de politização. Desde o governo do PSB, Paulo que era o secretário de saúde como já disse, lutou para ter o PSF e já foi à primeira cidade de Pernambuco a ter um PSF. Muita gente que estava com ele na saúde não acreditava no PSF isso foi em 1992. Se o PSF for bem implantado a sua lógica é a pedagógica. A gestão anterior não acreditava no PSF. Ele foi implantado em 1992. A lógica do PSF é uma lógica pedagógica, uma lógica de enraizamento na comunidade, de reuniões periódicas de avaliação, é um roteiro com uma lógica da continuidade que garante a confiança com a comunidade os agentes vão às casas e estabelecem um vínculo e também permite a população reivindicar diretamente e a gente sempre fez a escuta. O fato de proceder à escuta qualifica porque entra no embate com gestão. Isso obriga a equipe se qualificar e se preparar. Na última vez que fui para uma reunião a população estava irada porque estava faltando remédios, mas a gente fazia a escuta. Estas reuniões na segunda gestão ficaram muito rarefeitas o processo porque mudou muito. Os secretários também tiveram problemas principalmente da saúde. Então, esse procedimento começou a diminuir. As reuniões periódicas que mais eu achava interessante acabaram restritas ao programa que era chamado de ação participativa que é um programa que desloca a prefeitura para os bairros. Mas não se fazia o deslocamento só para tarefas físicas, mas, antes de mais nada, era feita a escuta do povo como um termômetro para saber e avaliar as necessidades. Nem todos os secretários tinham o perfil para a escuta e havia o estranhamento pelo novo e nós tínhamos que saber lidar com isso. O ideal seria que todos tivessem um modelo de gestão como esse. Então havia queixas da população. Neste modelo a população invade a prefeitura porque os espaços foram dados para as reuniões. Este modelo participativo para implantá-lo, eu li bibliografias e a proposta era ser de todo o governo, tendo uma coordenação que ficou dividida entre planejamento e governo que não foi uma coisa aleatória, porque normalmente se percebe em gestão pública, o que se dá é que a ação do governo vai para um lado e a do planejamento vai para outro só como um órgão técnico. Por questão de princípio não seguimos o modelo dos governos petistas do sul (Porto Alegre e Santo André). Um dos motivos foi a nossa realidade municipal era diferente e precisávamos fazer contenção de gasto. Criando uma secretaria específica já não envolvia as outras de forma profunda e

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não daria um deslocamento de poder que propiciasse envolvimento dos secretários criando-se assim uma democracia direta e participativa interna para os secretários como um todo. Isso obrigava os secretários a participarem em reuniões de formação e fazer uma leitura do cenário. Para o nosso modelo teve como base na cidade de Lages que foi a primeira cidade que teve uma proposta participativa da sociedade. Na época lá ainda era do MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Eu sei que hoje chamar de orçamento participativo, é a grife do partido. Eu não aceito este nome que parece que a população está decidindo todo o orçamento da prefeitura e na realidade não está. O que se tem é um planejamento participativo e a construção de um plano de obra participativa. As demandas que vem através das conferências que tinham como modelo o da saúde que era um modelo que harmonizava toda a forma participativa. Uma parte disso era o conselho dos delegados e a outra parte era a gestão desse conselho de delegados com os outros conselhos de direitos de forma transparente. As conferências deliberavam tudo o que fazer no biênio sobre as políticas públicas setoriais como cultura, educação, saúde, etc. Por isso nunca foram feitas plenárias temáticas em Camaragibe porque estas sobre estas políticas cabiam às conferências deliberativas a definição. As conferências que aconteciam a cada dois anos e deliberavam para os conselhos se apropriarem das demandas indicadas. O fórum da cidade acontecia todos os anos, e do planejamento coletivo ou de todos os conselheiros mesmo que nem os conselheiros se reúnam junto com os cidadãos comuns para participarem. A escolha dos delegados eram feitas pelos votos diretos. Veja só a gente tinha duas opções: Sair com um modelo próprio já construído pela equipe ou sair com um pré-modelo para negociar com a população. Sabíamos que este caminho ia ser o mais difícil, mas, foi muito mais rentável visto pela visão pedagógica. Este modelo de gestão foi sendo elaborado com a prática, e votado em cada reunião aprovando o modelo do pré-projeto em cada micro região sobre o que pretendia e o que queria. As cinco regiões foram dadas pelo que já existiam as intenções do PSF. Para votar este modelo depois de elaborado os candidatos ao conselho faziam a mobilização para juntar todos numa grande assembléia. Neste novo modelo os delegados passaram de dois para quatro anos para acompanhar toda a gestão. Os delegados são votados pelo povo em cada micro região. Aconteceram muitos embates neste processo. Os presidentes das associações queriam ser delegados natos e não votaram nesta forma de escolha. Todos eram iguais para competir cada semana tinha uma reunião nas microrregiões. A prefeitura dava a infra-estrutura para cada região dependendo da densidade populacional dessa proporcional. Por exemplo: para cada 1.000 habitantes tirava-se um delegado. A região 1 tinha 24.000 habitantes então para ela tirou-se 24 delegados divididos em 7 microrregiões. Essa distribuição de delegados foi votado. Esses delegados são eleitos pela população e eles fazem uma reunião mensal com a sua comunidade para se fazer a indicação das intervenções das infra-estruturas necessárias. No início não era assim não. No primeiro ano que nos fizemos o delegado era referenciado pelo povo, e o delegado é que fazia a indicação da obra e isso gerava um certo imobilismo porque muitos nem voltavam para a base . No ano seguinte fizemos uma plenária que levou quatro horas para mudar esta forma de intervenção porque seria uma perda de poder de alguns. As votações, nós fazíamos nas escolas e a noite porque era uma forma dos jovens participarem do processo junto com o povo. A votação era por região. Em cada região era feita a contagem imediata e a devolução do resultado. As políticas públicas eram todas decididas e deliberadas nas conferências que eram soberanas por isso não eram necessárias plenárias temáticas como aconteceu em Olinda e Recife. Para as intervenções dos planos de obra elas também tinham a mesma periodicidade que as conferências, ou seja, de dois em dois anos. Primeiro para ajustar com o modelo bianual e segundo a gente começou a perceber que uma cidade como Camaragibe com

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pouco recurso mobilizar anualmente este povo para dar uma devolução mínima das ações a gente ia desgastando a energia e a crença. Sendo a cada dois anos tinha condições de negociar a intervenção para o plano de obra. As outras conferencias embora se dando a cada dois anos cada, aconteciam em anos diferentes, sendo que todo o ano havia uma conferência na cidade. A conferência trabalha o macro e os conselhos trabalham o micro. É no macro que se retiram as demandas e delibera as políticas públicas. A cidade ficava em mobilização permanente porque as conferências são intercaladas. Por exemplo, a de saúde, da mulher, criança e adolescentes, educação, cultura. Antes das conferências ocorrem as pré-conferencias nas cinco regiões. Isso também educa o povo para saber dos limites, saber dividir interesses, a conhecer as necessidades de outros espaços e conheceram o território que moram. O momento da conferência é o momento mais rico do modelo porque obriga o embate. A população está querendo votar isso, mas não tem todo o recurso. Então tem que ter uma linha de condução para colocar isso. Se o conselho é deliberativo, o povo vota e quer tudo de melhor para a cidade. Mas daí o poder público não pode estar ausente. O poder público tem que conhecer profundamente as possibilidades dos recursos. Por isso não pode ser contratado ninguém de fora tipo ONG (Organização Não-governamental) para esta condução. Tem que ser os de casa. Conhecedores do conjunto do processo e envolve todas as secretarias. Depois das conferências publicamos os registros das mesmas para distribuir com a população de forma que possam ter memória e cobrar dali a dois anos o que foi feito. A próxima conferência começa com a avaliação da deliberação da primeira conferencia através das prestações de conta sobre o que foi feito e o que ficou na dependência. A diferença entre o nosso processo e o de Olinda é que esta pegou o modelo de Porto Alegre. Enquanto o território de Camaragibe dois terços da população mora em morros e encostas. Isso é um dado forte. Temos a região 1 que é o sítio histórico, chamada a Vila da Fábrica que é o berço da cidade de Camaragibe. É uma região que tem em certo privilégio, quer dizer, as ruas são praticamente calçadas. Era uma vila operária, mas foi totalmente desfigurada, com as reformas das casas. O povo da Fábrica é muito orgulhoso da sua tradição e seu valor histórico. As outras regiões dizem que o povo da Fábrica só quer ser o que não é. Tem estas histórias. É questão de bairrismo. Em Camaragibe tem duas frações da classe média que dividem a cidade entre si. São duas famílias: a família Amazonas e a família Correia de Araújo. O que tem na cidade em terra ou é da família Amazonas ou é da família Araújo. Toda área que está disponível, que é pouca, ou pertence a uma ou outra família. Agora a família Araújo elegeu um vereador para Camaragibe. A família Amazonas tentou, mas não conseguiu embora a família Amazonas seja possuidora de uma influência sobre o povo pobre. Esta família como tem terras, sempre vem tendo embate com o povo que tenta invadir ou área que já é invadida. Aí a família vai negociar, fazer a venda disso aí. Ainda existem muitas áreas que estão em litígio. Uma das áreas em Camaragibe não existia fiscal de tributo. Prefeito de cidade pequena tem medo de cobrar tributo. Mas o povo quando vê resultado, ele paga. A nossa primeira tarefa no governo foi fazer o concurso, que já estava se esgotando o prazo para validá-lo, e fizemos e logo em seguida fomos qualificar os fiscais e arranjamos um espaço para eles se alojarem e tivemos um corpo muito qualificado de fiscais. Fizemos o cadastro da cidade e principalmente de Aldeia que pagava como imposto territorial rural sem ser rural. Colocamos uma lei dizendo que o espaço de Camaragibe era um espaço urbano. Lá hoje estão quase todos cadastrados. Uma das coisas que nos pegou no meio do caminho foi a falência da fábrica de tecidos. A fábrica fechou e os operários ficaram na rua, que não pagam imposto, seiscentos, setecentos e deixamos também de arrecadar o imposto que a fábrica pagava. Isso é outra coisa que nos pegou na segunda gestão. Nós já tínhamos uma receita limitada e pequena. Camaragibe é uma cidade de pequeno comércio

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hoje. As reuniões no começo eram sempre aos sábados definidas por eles mesmos. Quando tinha algum assunto extraordinário nos reuníamos também quartas-feiras. Depois de uns seis meses a gente fechou e ficou definido que os delegados se reuniriam todos os terceiros sábados de cada mês com todos os delegados. Pelo regimento interno deu muito trabalho para aprovar porque a oposição entrou com o propósito de detonar o modelo. Então, pelo regimento eles deveriam também se reunir com suas bases suas sub-regiões. E nós não fazíamos estes acompanhamentos. Então o que acontecia aí. Haviam delegados que se reuniam de fato e havia outros que não se reuniam. Da mesma maneira que a gente abria espaço e este espaço era conjunto com as cinco regiões, a gente fazia no espaço de prefeitura porque era um espaço mais central com auditório e tudo. Nós cedíamos o vale transporte para ida e volta. As reuniões giravam em torno do processo sobre o que a prefeitura já tinha efetuado ou não e as demandas de cada região. Como saúde, educação, canaletas, capinação. As políticas públicas de cada região eram trazidas para o conjunto. Isso dá ao cidadão o conhecimento da cidade como um todo. Cada delegado das microrregiões, uma vez que, era difícil para eles irem de uma região a outra voluntariamente e sentirem as diferenças dentro do município. Numa reunião sempre tem a crítica das demandas que não foram atendidas ou a lentidão do atendimento e as pessoas vendo o todo entendem porque a prioridade para certos sítios mais necessitados. As temáticas numa reunião de delegados são colocadas sempre com muitas críticas porque as demandas não estão sendo atendidas no tempo hábil, então ele fica desgastado enquanto liderança que representa e enquanto liderança a demanda dele não foi atendida ele se fragiliza. Dentro da reunião tem também a relação de poder porque eles disputam entre si na fala. Nós coordenávamos de maneira muito clara e que fosse pedagógica quanto aos procedimentos no que diz o tempo de fala, o tempo de resposta. Porque era assim estas reuniões sempre aconteciam junto com a coordenação do governo. São cinco regiões, cada uma tinha um titular e um suplente. A mesa era coordenada com o governo e o movimento popular. Todos os delegados eram conselheiro e eram eleitos por voto direto. Todos traziam suas demandas, sendo que alguns ainda não haviam discutido nas suas bases. Pelo estatuto tinha uma comissão de ética formada por eles. Pela autogestão deles mesmos, eles teriam que controlar o processo dos envolvimentos comunitários. Porém eles formavam a comissão de ética, mas não tinham a coragem de estabelecer as punições. Por exemplo, três faltas seguidas saíam do papel de estipulada de delegado/conselheiro. Mas eles não tinham a coragem de fazer isso. Dava a entender que eles queriam que o governo que tomasse a frente de forma paternalista e de forma autoritária de excluir os faltosos. Nós devolvíamos para eles a responsabilidade. Quem desistiu mesmo foi o pessoal de aldeia, porque classe média não agüenta reuniões. Os demais permaneceram. Alguns deles se candidataram para delegados na segunda gestão e acompanharam todo o nosso processo. Os fóruns eram anuais e tinham a função de prestar contas e era o espaço aberto para todos os cidadãos comuns e para todos os conselhos. Nosso plano diretor foi construído com a população. O primeiro foi feito no ano de 2000 e o segundo em 2004. Os fóruns eram para as prestações de contas e também havia um eixo temático que a gente trabalhava e planejava com a população para o ano seguinte. Neste Fórum tirávamos os elementos básicos para a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de forma participativa. Antes elaborávamos um pré-modelo que entregávamos á todos os conselhos que devolviam as sugestões para o governo. Depois, a gente sistematizava e reunia internamente também as secretarias para distribuir as demandas de acordo com a intervenção de cada uma e juntar todos, finalmente, no Fórum. Desde 1997 que a nossa LDO foi participativa, para distribuir as políticas publicas dentro da planilha orçamentária. Eu nunca comunguei com a denominação da OP de outros municípios porque a planilha orçamentária é uma peça basicamente técnica. A LDO é,

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por exemplo, o que precisa se comprar para uma casa. A quantidade o que vai definir é o orçamento que se tem. Na LDO ela nunca fugia do que era definido nas conferencias, que eram deliberativas. O conselho de saúde nas respostas deles já tinha com certeza demandas reprimidas da conferencia. Então tudo tinha uma interligação. Era um planejamento participativo dessa maneira sendo que as políticas públicas eram todas integradas neste sentido entre os conselhos todos, referendadas pelos cidadãos comuns e era essa o foco qualitativo desse modelo. A capacitação para os delegados foi considerada muito boa na primeira gestão, foi feita de forma continuada. Na segunda já estávamos sem condições financeiras para bancar entidades vindas de fora, então, eu mesma mantive estes encontros. Porém, sinto que os delegados da primeira gestão foram muito mais capacitados. A freqüência da capacitação era controlada. O delegado quando escolhido ele passava pela primeira capacitação. Se faltasse não poderia passar para o patamar de delegado. Nós fazíamos duas capacitações por ano. O conteúdo da capacitação era sobre direitos humanos, cidadania, formação do estado brasileiro, políticas públicas, a questão técnica do que é um orçamento, o instrumento de um planejamento. Uma coisa que a população incorpora sobre o que é LDO, LOA, PPA, todos os instrumentos são colocados para eles. O plano de obra era estruturado. Os delegados fazem as suas discussões com a população e tiram as demandas. Só que as demandas sempre excedem aquilo que o orçamento pode comportar. Esta demanda é enviada á prefeitura que é organizada por região e marcamos a votação para serem as obras pelo povo em cada microrregião. Daí ia se fazendo um acordo com o recurso que ia chegando. O plano de obra era ficou bi-anual. Então o plano de 2002 ficou para ser executado em 2003, mas passou para 2004 e nós não fizemos praticamente nada desse plano. A maior parte desse plano estava relacionado aos pontos de área de risco, quer dizer, morro e encosta e a verba que a gente tinha, era da reunião OGU vinha de uma emenda coletiva que foi Camaragibe que puxou, propondo que todos os deputados colocassem todas as áreas de risco pegando vários municípios da região metropolitana. Só ficou fora disso aí Olinda e Recife que já tinham um tratamento em outra emenda. Acontece que no ano que meu partido estava no poder esta verba não veio para Camaragibe porque foi direcionada para Recife que nem estava na lista. No processo das gestões tivemos também a secretaria de comunicação que teve uma grande influência na informação das pessoas sobre o nosso trabalho. Fizemos um jornal como se fosse uma comunicação das políticas públicas. Para se trabalhar a cidadania e a própria formação. O nome do jornal era Ponto-a-Ponto. Tínhamos também na rádio comunitária uma hora diária de programa de segunda a sexta feira. A secretaria de comunicação trabalhou colada com a secretaria do governo dando um norte sobre os acontecimentos da cidade em políticas para a população no geral com a comunicação massiva, expandindo os acontecimentos dos fóruns e conselhos. Alem de comunicar estes eventos também era disponibilizado uma parte do jornal para os eventos cotidianos da cidade como as festas, jogos, fotos, aniversários e comunicações no geral. O jornal era semanal, de fácil leitura, tamanho A4, numa tiragem de 10 mil distribuídos de porta em porta. O jornal foi um espaço de formação e informação. Quanto mais se abre espaço para a população popular mais ela reivindica. Mesmo porque existe uma demanda reprimida, porque uma parte da população nunca foi chamada para participar. Os dominantes, com o poder na mão, criaram uma sociedade centralizadora, autoritária na qual, a população trazendo um histórico de dominação, desde a época da escravidão, apresenta dificuldade de se expressar. Quando consegue se soltar assume o espaço adequado.

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A fala das lideranças de Camaragibe é uma fala qualificada. Quando se abre o espaço não só para a capacitação formal, mas, para a informal pelo dia-a-dia da luta que é também uma construção pedagógica, onde se aprende a ouvir, a se expressar dentro de um tempo marcado, a fazer perguntas, o debate, as intervenções que se qualificam, e passam a ter uma visão crítica. Agora, eles não tiveram uma análise sobre o sistema capitalista em que vive. Esta percepção é mais para dentro do partido. Não se consegue falar da sociedade no âmbito da cidade. Esta é uma discussão mais ampliada sobre a conjuntura do país. As pessoas só conseguem fazer intervenções pontuais, imediatas sobre o seu município. Esta concepção de transformar a sociedade é uma concepção de longo prazo que não dá para fazer em sete anos. O que dá para fazer é qualificar melhor as pessoas, trabalhar a educação cidadã, e assim, elas vão se qualificando, mas daí a apontar para uma nova sociedade é você bater em estruturas que é uma transformação que se dá ao nível de continente, ao nível de uma nação. Ao nível local, eu não creio. Quanto aos vereadores, quando as pessoas vão para a rua para votarem numa obra que vai ser executada os vereadores dificilmente vão ter coragem de subir num palanque para dizer que a obra é sua. No máximo vão dizer que fizeram o ofício para o prefeito. Mas, não foi fácil para eles assumirem este processo da ação participativa. O projeto levou quatro meses para ser votado. O povo fazendo pressão e os deles no meio atrapalhando as seções da câmara. Eles aceitaram porque só tinha aquela agenda por isso, eles aceitaram a proposta e tivemos a maioria dos vereadores. Acredito que se o processo for o tradicional e conservador volta tudo de novo. Os vereadores não se ligam em partido, diria que não se movem por uma consciência política. Eles entram no partido que tiver uma calda maior ou por convite por algum deputado ou senador que quer fazer base no município e em troca cuida da sua campanha. A população também vota porque o político é seu amigo, vizinho ou um amigo que mandou votar. Quando entramos a oposição tentou nos eliminar de todas as formas possíveis. Depois quando se cristalizou o nosso governo a oposição se acomodou. Os próprios delegados que estavam do lado deles a partir das capacitações começaram a ter uma aproximação com os nossos propósitos. Na primeira gestão não tivemos nenhum vereador do PT, só para a segunda gestão é que foram eleitos dois vereadores petistas. Porém, na primeira gestão nenhum petista foi eleito vereador. Não houve uma aproximação do partido com o governo, muito pelo contrario, houve um distanciamento. No segundo governo fizemos vereadores. Eu particularmente tive uma relação boa com o partido daqui de Camaragibe.

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ENTREVISTA N°3 Temos a apresentar duas fases distintas da participação do PT (Partido dos Trabalhadores) no contexto das campanhas eleitorais com vistas ao alcance ao poder executivo local. Em 1996, a campanha eleitoral foi permeada por uma frustração marcante dos membros do Partido. O PT, afora o candidato, não possuía nenhum de seus quadros na coordenação da campanha. O PSB (Partido socialista Brasileiro) e o Prefeito, à época, João Lemos, tinham o controle de toda a coordenação e da linha da campanha. Os símbolos e nome do Partido eram ausentes das peças publicitárias, pois, somente cerca de duas semanas da eleição é que apareceram bandeiras e camisas vermelhas e poucas bandeiras do PT; as atividades de campanha eram marcadas pela presença massiva das lideranças aliadas ao governo da época e por trabalhadores da saúde, particularmente do PSF. Estes últimos, coordenados por Cristina Sette, então Secretária de Saúde, faziam a mobilização de rua com a máxima da saúde que deu certo, vez que Paulo Santana era anteriormente o Secretário de Saúde – e que, exitosamente, implantou o Programa Saúde da Família. Dizia-se naquele tempo que o PSF Camaragibe era o ”Real” do candidato a Prefeito de Camaragibe do PT e demais partidos da Frente Popular – em apologia a FHC. A coligação era formada pelo PT, PSB, PCdoB (Partido Comunista do Brasil), PCB (Partido Comunista Brasileiro) e PV Partido Verde). O PT, não há negar, naquele período tinha um pequeno número de filiados, porém, combativo, filiados ligados aos movimentos sociais, à igreja, e dispostos a empunhar num iminente governo, as bandeiras que eram históricas do Partido e de seus anteriores governos municipais, tais como bolsa escola, orçamento participativo, banco do povo. Estas citadas, em especial, não fizeram parte do rol de tópicos do nosso programa de governo. De toda maneira, com a colaboração do Presidente do PT estadual, Jader de Andrade, conseguimos montar um protótipo de programa de governo que foi linha-mestra no documento divulgado para a população. Evidencie-se que tínhamos no Governo, afora o ex-Secretário, um a dois companheiros participando da estrutura formal e um Vereador na Câmara Municipal. Apesar do apoio do Prefeito João Lemos – que só definiu seu posicionamento em favor do candidato do PT em meados de maio/junho de 1995 – havia dificuldades concretas: a avaliação do governo, à época, era regular, Paulo Santana era desconhecido, os recursos em relação ao principal adversário eram escassos. De outro lado, a capacidade estratégica do candidato Paulo Santana fez reunir novos aliados e mostrar para a população quem conduzira o exitoso trabalho na saúde. Demais disto, o carisma da candidata a Vice-Prefeita pelo PSB, Nadegi Queiroz, contribuiu na propagação da candidatura. Em apertada síntese, podemos dizer que o PT foi personagem secundário naquela campanha eleitoral. Perdemos o mandato na Câmara Municipal em detrimento da reeleição de quatro vereadores do PSB – naquele período era obrigatória a verticalização local ou o lançamento individual do Partido. Nossos concorrentes principais: Ilo Jorge pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista) e Chicão pelo PSDB. (Partido Social Democrata Brasileiro) Este último, que era anteriormente do PSB, migrou de partido por perceber que não seria o candidato escolhido da situação e passou a ser o nome das oposições local e estadual. Chicão já era Vereador e isso o ajudava muito, além de que reuniu em torno de si de Jarbas a setores do PFL (Partido da Frente Liberal). A prática assistencialista dominava a sua

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campanha como a doação de sopas em comunidades carentes, tendo sido meridiano o abuso do poder econômico. De toda sorte, Chicão colhia dificuldades de se locomover – literalmente- face ao seu biotipo e isso o atrapalhava nas áreas íngremes. Seu grupo, também, era extremamente fisiológico e a cada dia sugavam o próprio candidato. Chicão apontava com 28% contra 3% de Paulo Santana no início da campanha. A reversão ocorreu do meio para o fim do pleito, de forma que Paulo Santana somou cerca de 20.000 votos ao passo que Chicão somou 16.000 votos, representando cerca de 30% a 27% dos votos válidos. Em suma, a vitória do candidato do PT naquela época não era do Partido ainda, mas foi um golpe nas elites políticas locais. A campanha de 2000 foi montada em outro eixo, o Partido bem ou mal – vez que não contemplava a contento todas as correntes políticas - participava do governo. As lideranças e pessoas do governo, independentemente de tendências políticas, concentravam esforços nas candidaturas a Vereador de Messias e Orlando. Isso trazia unidade na defesa da candidatura de Paulo Santana. Mesmo assim, os reclamos por prioridades aos candidatos a Vereador do PT eram grandes. A coordenação geral ficava a cargo da ex-Secretária de Governo Teca Carlos (PT) com outros companheiros e companheiras do Partido e de outros partidos políticos. Reunia-se semanalmente a coordenação para discutir atividades de campanha. A coligação abarcava PT, PV, PL, PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), PMN (Partido da Mobilização Nacional), PCB, PGT (Partido Geral dos Trabalhadores) e contava com o apoio de setores do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) – partido que acolhia João Lemos à época, o qual já estava dissociado politicamente de Paulo Santana. A ruptura ocorreu em outubro de 1997, quando João Lemos foi para o PMDB. A maior dificuldade foi a financeira e a formatação das alianças eleitorais para os cargos proporcionais. Os principais candidatos da oposição foram: Ilo Jorge (PDT) e Luciano Andrade (PFL). Este último agregou o apoio de Jarbas e manteve uma estrutura de campanha razoável. Porém, contava contra sua candidatura a sua arrogância e destempero. Mas é de se ressalvar que ele foi o principal adversário no primeiro governo do PT com várias denúncias e críticas contra gestão municipal. Empunhou uma bandeira na campanha que surtiu razoável efeito, a de que a cobrança judicial do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) era a mando da Prefeitura e de que a falta de pagamento implicaria na apropriação dos bens de cada residência – para tanto contava, supomos, com alguns oficiais de justiça. Vale dizer que o governo não atravessava um bom momento, os recursos eram escassos e começava a haver um desequilibro na contas municipais. De toda sorte, Paulo Santana teve mais de 60% dos votos, cerca de 38.000 votos. O modelo de participação denominado Administração Participativa – apesar de não constante no Programa de Governo – teve início em 1997. Foram construídos os instrumentos basilares para a evocação das lideranças e demais representantes do povo no processo. Indicamos o dialogo com Teca Carlos, que coordenou o Programa Administração Participativa. O PAP (Programa de Administração Participativa) enfrentou resistências iniciais dos Vereadores do município – da situação e da oposição. Contudo, com o tempo, eles adotaram a estratégia de investir na eleição de delegados ligados politicamente aos mesmos. O PAP enfrentou resistências também de setores do movimento popular que achavam que o modelo secundarizava e abatia as entidades do movimento popular. E, setores do PT, também criticavam o PAP não pelo processo em si, mas pela condução e métodos desenvolvidos na definição de prioridades. De outra parte, os Conselhos Municipais tinham uma vida ativa, principalmente o de saúde, que iniciara em 1989. Esses pólos de participação direta, com todos seus percalços e vícios,

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atendiam a uma nova era no município, de vez e voz das representações populares nas demandas postas à votação. O modelo de Administração Participativa seguia a regionalização adotada para a cidade. Eram 5 regiões segundo suas características físicas, econômicas e populacionais. Indicamos para tanto, a consulta a Eduardo Moura, ex e atual Secretário de Planejamento. As regiões 1, 2, 3 e 4 são marcadas por áreas planas e diversas áreas de morros e encostas, ao passo que a região 5 se denota com características rurais. Essas características se transportavam para o plano das políticas públicas demandadas. A infra-estrutura era e é carro-chefe das demandas populares. A nosso ver, o Governo capacitou a contento os conselheiros e delegados envolvidos no processo de participação direta. O nível de conhecimento cresceu e possibilitou um debate mais qualificado. O Partido não acompanhava as reuniões do PAP e nem as dos Conselhos, seus filiados envolvidos nas respectivas entidades é que acompanhavam e passavam o sentimento das questões para dentro do Partido. No segundo governo, verificamos uma crise de credibilidade do modelo da Administração Participativa, mas especificamente no que tange à votação e consecução das prioridades da execução orçamentária. O desandar na gestão – por fatores como a queda de participação no FPM (Fundo de Participação Municipal), o fechamento da Braspérola, o crescente número de atividades e unidades administrativas que demandavam pessoal, a boa política de pessoal adotada – trouxeram a paralisação de obras e outras demandas da população, levando os delegados a uma baixa participação nas reuniões, visto se sentirem sem representatividade junto à comunidade que representavam. Em outras áreas como nos Conselhos Setoriais começaram a surgir questionamentos quanto ao não cumprimento das deliberações – isto, em meados do segundo biênio. Poucas foram as interferências do Partido no Governo, seja no aspecto positivo, seja no aspecto negativo. Assim digo por entender que os rumos do governo não devem ser decididos pelo Partido, mas, de outra face, o Partido deve ser conselheiro do governo e ajudar a corrigir os rumos. Todos os seminários de avaliação que o PT fez para avaliar e propor ao governo produziram resultados que pouco foram levados em conta na primazia das ações. De outra parte, havia o envolvimento de todos os diretorianos nas avaliações periódicas do governo e, nesses momentos, o PT por seus dirigentes expressava suas posições e críticas. A quase totalidade dos diretorianos participava do governo em várias áreas. Isto resvalava quando algum dirigente levantava alguma crítica de ordem política ao governo. Apesar do alto nível técnico dos secretários e diretores do Poder Executivo, o nível político era baixo. A participação política ficava a mercê de dois ou três que se expressava pelo conjunto ou até às vezes contra o conjunto. Não há duvida, entretanto, que a tomada de poder local trouxe para o PT e seus militantes, um acervo de experiência técnica e política que ficará guardado em nossas mentes e em nossos corações. Ao mesmo tempo, ser governo trouxe à baila a existência de conflitos outrora não existentes, a disputa pelo micro poder, a revelação e o acirramento das tendências do PT, a dificuldade de compor no parlamento com outros partidos da chamada base aliada, que votava, mas não defendia o governo. No segundo mandato, foram eleitos dois vereadores do PT: Orlando e Messias. O PT também cresceu junto à população – mais inserido no movimento social e como ator coadjuvante do governo municipal, que ora penava em tirar o papel do ator principal... Mas, o bônus do PT junto ao governo municipal foi do tamanho do ônus, quando da crise financeira. A ojeriza ao PT em Camaragibe no final de 2004 foi proporcionalmente

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maior que aquela que esteve presente no quadro nacional, atualmente. Não elegemos o sucessor – Chicão pelo PSB, nem reelegemos os dois vereadores, nem elegemos quaisquer outros candidatos. Além disso, há que se registrar que o voto no legislativo municipal ainda não abarca as bandeiras que os candidatos a vereador do PT defendem, diferentemente dos votos dados ao poder executivo – que é o que faz... O PT com raras exceções entendeu a partir do segundo mandato, a dinâmica do governo. Disso, fez base de troca através da ação de alguns filiados. As exigências do PT para com os seus sempre é muito grande. Queríamos a melhor política social, a melhor política para os servidores, a melhor política cultural... Claro que esse nível de exigência não exime o governo das ações políticas equivocadas. Registre-se por oportuno que formulações mais especificas sobre políticas públicas vindas de quadros do PT que não estavam no governo não apareciam, acredito por falta de elaboração. Sem sombra de dúvida, a ocupação de um espaço de poder local contribuiu no limite para a melhoria da qualidade de vida da população, mas longe de dizer que isso significou expectativa de uma nova forma de sociedade. As amarras do aparelho de Estado, a dinâmica de funcionamento da máquina pública e até dos instrumentos postos à disposição para a participação direta do povo não apontam para qualquer nova lógica de alteração social. A relação dos vereadores do PT com o governo foi conflituosa. A lógica de subordinação do legislativo ao executivo é questão que deve ser discutida no seio do PT. O alinhamento programático, por outro lado, não existe. A bancada de sustentação ao governo isolava os vereadores do PT e os confrontava contra o governo. Todavia, esse confronto por vezes foi provocado pela bancada do Partido. Ser vereador de situação foi um aprendizado, muitas vezes pormenorizado tanto pelos Edis quanto pelo executivo. Vale dizer que os projetos de lei apresentados pelos vereadores do PT foram em geral, aprovados e sancionados pelo Prefeito. As polêmicas apareciam quando da disputa de espaço na gestão – somos todos iguais nessa noite, já dizia Ivan Lins – quando da votação de projetos de grande interesse popular e quando das eleições internas do PT – nenhum dos dois vereadores eram alinhados à corrente política do Prefeito. Ou seja, a relação ficou muito adstrita ao embate/debate prefeito x vereadores. Nossa bancada – às vezes, a contragosto, votava com o governo. Em algumas vezes, já no fim do governo, se absteve e saiu para fora do plenário. Os vereadores do PT fomentaram e muito a participação popular na Câmara dos Vereadores e nos fóruns de debate com a população. Mas, contava-se nos dedos os Edis da bancada de apoio que participavam de qualquer manifestação pública (inauguração, festa, fórum, etc.). A oposição no primeiro mandato era desnorteada e limitada a 4 vereadores. No segundo mandato, ela cresceu tanto numericamente quanto na qualidade, ora eram 5, ora 6 ou 7 membros, contando com o Presidente desafeto à gestão e ao PT. Sofremos uma CPI – da Previdência – a derrocada de alguns projetos importantes e um sem número de pedidos de informação para paralisar o governo. A bancada de sustentação era “tímida” e a queda de braço se dava, quando se dava, com a bancada do PT. Não formamos conselho político. Os partidos por outro lado valorizavam, prioritariamente, a repartição de espaços no governo, não forçando a composição do aludido conselho, à exceção do PPS (Partido Popular socialista). O PT tinha um boletim e servia minimamente para a militância como canal de divulgação de ações importantes do governo e também do partido. A estrutura do governo era alvo de questionamentos e tensões. Alguns companheiros e companheiras sobrepujaram a isto e perceberam a linha diferenciada que o governo municipal tinha alavancado a qualidade de vida da população. Parece-nos crer que sempre faltará um pedaço do que se deseja, mas com certeza a relação partido x governo deixou a desejar... O resto viria como conseqüência.

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ENREVISTA Nº4 Para o eleitor o voto legislativo ainda não tem muita credibilidade. Não sabe também qual o papel do legislador e o qual o papel do executivo. A maioria dos eleitores não sabe fazer a diferença. Às vezes se confunde e fica muito difícil a definição do que é justiça, da ética, pela própria disputa no processo eleitoral. Com as figuras corporativistas, clientelitas, para que o eleitor faça esta distinção fica difícil. É um desafio. Para o PT (Partido dos Trabalhadores) marcar a diferença é mais complicado. Hoje por conta do sistema que está colocado aí, os partidos de esquerda estão entrando nesse esquema do clientelismo, de pressão pelo dito, de fazer um favor mais direcionado para garantir o voto. É um trabalho árduo, muito difícil porque as pessoas costumam colocar todos no mesmo saco, todos calçam quarenta. Existe candidato sério. Existe proposta séria e as pessoas precisam estar atentas a isso. Aí busca do voto abre este processo de preparar a campanha, fazer a diferença com criatividade na busca do voto do eleitor. As propostas do PT são surgidas do meio popular como nos conselhos, associações, surgem nos debates da cidade, nos Diretórios Acadêmicos, Centros Sociais e Esportivos, movimento cultural. São propostas que são trabalhadas há muito tempo, são grupos de evangélicos, da igreja católica, com uma participação importante dentro do PT. As propostas foram criadas e debatidas ao longo da existência do PT. Inclusive são construídas na base. Inclusive os governos de direita já adotaram. As alianças eleitorais precisam ser melhor pensada. Hoje a gente esta vivendo uma crise política no governo federal que foi fruto da vontade de ganhar a eleição nacional, mas não basta só a vontade. Foi importante ganhar, mas não pode ser de qualquer jeito. Tem que ganhar bem, com um projeto político sério, limpo. E a gente ganhou. E a gente sabia dessas dificuldades. E a gente do PT tem varias tendências que discordava dessa forma de fazer aliança. Camaragibe também foi assim. Garantir a governabilidade, isso é muito perigoso. Tem gente que acha que para garantir a governabilidade tem que fazer acordos políticos. Acordos de troca. Concessões de cargos, de salários, empresários para garantir a prestação de serviços no governo. Então esse é o grande perigo, o grande erro do PT, adotando essa política. Precisa reformular rediscutir isso aí e espero que seja agora nesta eleição municipal, nacional e estadual, aonde vai se eleger novo Presidente, espero que o presidente que está assumindo pense melhor a questão da aliança. Os candidatos do partido acabam entrando nesta jogada porque pensam que se elegendo há a possibilidade de mudar esta coisa que já existe. Mas lá dentro é muito difícil. O Legislativo, a condução da bancada pelas maiorias é muito difícil chegar lá dentro e mudar todo este processo. Você vai para a tribuna. Você diz isso, vota contra, é muito complicado quando não tem a maioria para fazer as mudanças. Os candidatos e os parlamentares do partido acabam entrando em contradição. É uma coisa muito perigosa a gente bate nesta tecla, mas, muitas vezes a gente não é respeitada. Camaragibe, na ultima eleição, agora deu debate. Na gestão de Paulo Santana, que acabou sendo uma tragédia. Uma administração de quatro anos, uma cidade premiada, prêmio prefeito criança, referencia inclusive para servir de exemplo para João Paulo em Recife, citada na campanha de Lula para presidente da republica, e de repente a gente perdeu feio, pela construção interna provocada pelo campo majoritário que impôs uma candidatura com problema.

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Quando abrimos os olhos não havia mais a possibilidade de inserir o PC do B (Partido comunista do Brasil) no debate para sairmos na vice. Mas nem isso mais foi possível. A arrogância, a prepotência do campo majoritário não permitiu a candidatura que na ultima hora a gente teve que apoiar, veio do PSB (Partido Socialista Brasileiro) com o ex-vereador Chicão. Uma candidatura sem expressão nenhuma. Nem o ânimo dos militantes petistas ela conseguiu empolgar. O PT em camaragibe agora esta passando por uma crise. Os dois vereadores perderam o mandato. E agente agora neste encontro está pensando em dar uma sacudida no partido. A pesar da crise municipal e também a crise nacional, que para gente foi horrível. E aí os candidatos do PT precisam ser mais aguerridos, tentar resgatar estas coisas da seriedade. Do discurso, da pratica de estar inserido neste movimento e a partir daí sua proposta ter crédito. Não adianta alguns candidatos se filiarem ao partido simplesmente para ser candidato. Temos visto prática neste sentido. Não tem prioridade o debate mais. Os candidatos têm que passar por uma formação e estar participando do movimento. O candidato para ter respaldo da sociedade, para ter referência e que possa ter um discurso organizado ele tem que estar inserido no movimento popular. O Legislativo de Camaragibe é muito complicado e parece que a cada ano ele retrocede. A bancada passada era uma bancada que tinha dois vereadores do PT, mas, considerada muito ruim. E agora parece que piorou. É interessante que os partidos não se organizem. Não tem o debate nacionalizado de partido com contra outro partido. E cada um em sua cidade não tem debate, o candidato apóia quem ele quiser. Não existe. O único partido que tem densidade é o PT. Aliança é aliança, mesmo que seja fraco na cidade. Mesmo quebrando certa relação devido às alianças, o Partido dos Trabalhadores permanece coeso. Quando tínhamos a prefeitura de Camaragibe nós fizemos alianças, não alianças eleitorais. Mas na câmara dos vereadores, com partidos de direita, bastava o prefeito liberar os cargos que votavam com a gente. Era um apoio sem fundamento, que em qualquer momento volta para trás. Os vereadores do PT não. Mesmo eles sabendo que aquele projeto ali vai atrapalhar a sua reeleição. Eles aprovam o projeto que é de acordo com a administração petista. A administração enviou projeto de aumento salarial aos funcionários de educação com um porcentual de 2% de aumento. Os servidores e o sindicato queriam quatro ou mais e os vereadores do PT foram na tribuna defender o projeto da administração. Por isso foram vaiados e perderam apoio. Os outros vereadores votam sem fundamento. Eles votam no processo, mas na última hora se alguém por trás oferecer algum benesse, ele volta para trás. O PT não. Vota com o governo mesmo sabendo que aquele projeto ali vai atrapalhar a sua reeleição, sua candidatura. Que acabaram pagando com o mandato pelo apoio que deram ao governo não se reelegendo. O executivo não antecipou o debate com os seus parlamentares. Daí o desastre foi total. Infelizmente os vereadores acabam indo à reboque. Como é o caso do governo federal. A política econômica que não contempla. Existe um bloco de parlamentares que discordam daquilo e não são ouvidos. Eles questionaram que não tem uma agenda na época do ministro Zé Dirceu para sentar com ele, conversar. Os parlamentares do PT eram tratados de forma escusa. Acabaram votando contra. Assim foi Luiza Helena, Baba que votaram contra a reforma do setor público. A história do legislativo tem muito isso. Eles não tendo a prioridade da candidatura do PT. Mas em Camaragibe é muito complicado para fazer o debate. Os vereadores são preocupados com o assistencialismo, com ambulância. Aqueles que botam ambulância conseguem se eleger. Mas este não é o papel do vereador e sim do executivo. Só faz

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debate se for assistencialismo, não discute uma política, um projeto. Os projetos que são apresentados no legislativo são um absurdo. Só fazem requerimentos. Não há nenhum projeto estruturado mais eficaz. Eu considero ainda muito fraco o legislativo em Camaragibe. Os vereadores eleitos hoje eu não conheço o trabalho. Dois vereadores eleitos a pouco surgiram do nada, mas tinham dinheiro para gastar. Eles conseguem ficar conhecidos durante dois ou três meses. Enche a cidade de outdoor; dão sapatos, óculos; festa em comícios; envolve a juventude com salário semanal. A juventude que tem uma carência muito grande. As pessoas que têm trabalhos importantes na cidade, não conseguiram se reeleger. Aí vem a pergunta: o que foi que houve? Os outros tinham uma campanha volumosa, tinham dinheiro para gastar, espero que a reforma política corrija estes defeitos. A campanha a cada ano fica mais cara. Daí só favorece a elite, a burguesia. Na essência com a redução dos vereadores não mudou nada. O dinheiro que era dividido para 15, agora é dividido para 11. E para eleger 11 se torna mais difícil. O candidato popular que vem das bases, faz discussão, quem não apresenta recursos para atos assistencialistas, esse aí vai estar em situação difícil. Na legislatura passada o vereador ganhava três mil, agora ganha quatro mil e quinhentos. Na votação da câmara ainda alguns vereadores conseguem se manter como o mais votado, mas ainda oscila muito. O vereador mais votado agora na eleição passada ele entrou na sobra e agora foi o mais votado. Mas por quê? Fez trabalho assistencialista e conseguiu botar uma ambulância e um ônibus na cidade, nas comunidades para levar criança na escola e fazer passeios.Outros candidatos assistencialistas mudam tanto de partido. Tem um bloco de candidatos ligados ao deputado federal do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), PMN (Partido da Mobilização Nacional). São quatro partidos, PT do B (Partido dos Trabalhadores do Brasil) e PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Quatro vereadores que foram reeleitos são ligados a ele. Ele financia vários candidatos. Ele é o candidato federal mais votado na cidade. O assistencialismo opera em Camaragibe. O vereador que não faz o assistencialismo quando é candidato pela primeira vez, até se elege, mas da segunda. Por isso a maioria faz assistencialismo. A participação popular ainda fica muito aquém do real desejado. Se você consegue que a população, a entidade tenha uma participação melhor, vai entender que o assistencialismo é uma coisa descartável. Não é uma proposta para o coletivo. É uma proposta individual. E o movimento popular tem este papel de alertar, de informar, reunir as pessoas, de cobrar ações que contemple a comunidade, no conjunto das pessoas. Nos conselhos de saúde, moradores, cultura tem este papel inclusive propor a colocação de projetos para a cidade. Procurar os vereadores aliados para forçar a aprovação dos projetos. O papel do movimento popular é ficar cobrando do vereador a votação dos projetos. Caso contrário, o vereador fica pensando no salário, na verba do gabinete e fazer o trabalho assistencial, distribuir a verba para as lideranças, empregar alguns no gabinete, transformar assessoria de dez em vinte ou mais e depois pede para cada um transformar seu voto em mais dez votos. O movimento popular precisa entender melhor o processo para poder cobrar. O ex-vereador Orlando aprovou uma lei muito importante que foi a lei de acessibilidade que contribuiu para o ingresso de pessoas portadoras de deficiência em logradouros, prédio público, todo partido tem a sua proposta. O grande problema é que

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eles distorcem a proposta que foi apresentada na campanha por causa das alianças, das dificuldades que não foram vistas. Com o governo do PT o partido teve alguns conflitos. No primeiro governo foi criada a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do lixo que não deu em nada, mas a empresa saiu de Camaragibe. A oposição também propôs outra CPI contra o governo. Ela foi arquivada porque não teve votos suficientes para sustentar proposta contra Paulo Santana. O PT tinha varias propostas. Fora FMI (Fundo Monetário Internacional), fazer a reforma Agrária, quando estivesse no poder a Reforma Agrária ia andar. Mas quando chegou ao poder ficou acanhado. Os programas sociais não tiveram continuidade. Repetiu a política econômica com os banqueiros. Quem é rico fica mais rico, quem é pobre fica mais pobre. Não mostrou um diferencial pelo qual veio; tem algumas diferenças contra FHC (Fernando Henrique Cardoso), mas não mostrou ainda o seu potencial. Esta é a grande frustração do partido no governo e alem da contradição tem a competição dentro do partido. O partido mesmo estando no governo tinha que continuar a ser partido e cobrar a execução do seu programa, o que não vem acontecendo e cobrar o governo. A proposta do governo já não é a proposta do partido, mas, do conjunto de partidos que faz a aliança. O poder legislativo é talvez o mais importante porque é ele que elabora as leis. Aprova os projetos. Só que no Brasil não tem funcionado desta forma. E não esta sabendo aprovar e nem fiscalizar. É incrível como no município não se consegue fazer isso. Nem o movimento popular consegue acompanhar e fiscalizar a aplicação das leis. Acho que a contribuição que a câmara tem que dar é qualificando melhor os seus parlamentares. A participação popular, o legislativo relacionado com o socialismo, isto eu acho ainda um sonho. O socialismo é uma coisa mais ampla. E a forma como a gente esta discutindo nas câmaras não contempla e não tem muito a ver com o socialismo. Existe uma relação entre o legislativo e a participação popular, mas o socialismo ainda está muito distante. As políticas não são voltadas para a maioria então, o socialismo está muito longe. Não esperava que com a eleição de Lula chegasse ao socialismo, mas que desse alguma contribuição para que daqui uns vinte anos, cinqüenta anos, a gente pudesse chegar lá. Mas da forma como está a gente não vislumbra esta possibilidades. O partido tem que retomar este debate, reformular sua política de aliança, levantar a sua bandeira de luta, refazer sua discussão porque o partido não pode perder o rumo. Esta coisa da participação popular é uma coisa que devíamos estar vislumbrando. O partido está passando por um processo de eleição e espero que a chapa da esquerda ganhe e espero que haja uma rediscussão dessa questão das alianças. Fazer com que esta sociedade volte a participar, tenha orgulho de participar das pautas e das questões do dia-a-dia que é a nossa vida. As tendências existem no partido desde o seu surgimento. O partido surgiu de pensamentos diferentes. Alguns achavam que deveria defender a luta armada, outros não. Que a revolução seria através das idéias. O papel da tendência é formular a política que aquele grupo de pensamento tem, para colocar em debate. Porém, em algumas ocasiões as pessoas fazem disso a disputa para chegar ao poder, para disputar o partido, e tem funcionado às vezes para sacanear com as pessoas, derrubar. Não é esse o papel da tendência. Deveria elaborar tese, fazer o debate político. E a proposta mais importante para a sociedade é a que deve ser acatada pelo partido. A unidade na luta é a grande responsável pelos rumos que o partido tem tomado hoje. De dez anos para cá, o partido começou a discutir a proposta da unidade na luta. Nós precisamos fazer uma mudança radical na direção do PT. Não dá para continuar com o

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partido dirigido por estas pessoas. E infelizmente são pessoas que tem uma historia de luta. O Genuíno, o Zé Dirceu, foram pessoas que participaram da luta armada, da guerrilha e do movimento estudantil. Colocaram a vida em jogo e depois desvirtuaram o rumo do partido. Em Camaragibe conseguimos unir numa chapa, a OM (Organização Marxista), a AE (Articulação de Esquerda) e a DS (Democracia Socialista), mas são três chapas na verdade e a gente espera que a esquerda seja a vencedora desse processo. O nosso candidato é o ex-vereador Orlando.

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ENTREVISTA Nº5 Comecei com trabalho comunitário há vinte e três anos. Fiz vários trabalhos com creches, capacitação com mulheres, até que fui eleita pela primeira vez, nesta ultima eleição. Minha localidade é no Km. 10 de Aldeia. Sempre apoiei candidato para eleição desde a época de Carlos Lapenda. Naquela época eu não sabia o que era política partidária e política social. Não sabia dividir esses trabalhos. Sempre gostei de participar dos movimentos. Continuei esse trabalho e hoje estou assim como vereadora, no meu primeiro mandato pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Antes eu tinha passado pela gestão participativa, pelo conselho de saúde, conselho de políticas sociais e conselho da criança. Fui vice-coordenadora do conselho da criança. Em todos os movimentos eu estava junto. A campanha eleitoral na qual me elegi foi feita da seguinte maneira: Concentrei-me mais na minha comunidade. Desci aqui para baixo, na cidade, poucas vezes porque meu trabalho ficou concentrado em Aldeia, na Região cinco. Vim em alguns comícios aqui em baixo, daí eu me perguntava: O que estou fazendo aqui? O meu trabalho por isso, ficou concentrado em Aldeia. Lá eu ganhei 5.732 votos. Temos uma creche que atende 186 crianças e a associação de Vera Cruz que atende grupo de terceira idade. Então, foi lá mesmo que me empenhei mais. A campanha foi uma campanha boa, sem dinheiro. O pessoal da comunidade falou: Se você apoiar outro a gente não vota. Só votaremos se for você. Isso mostrou nas urnas 12.132 votos. Fiquei em segundo lugar. Tive muito apoio das mulheres, dos jovens e dos homens que brigavam apoiando meu nome. Eu não tinha camisa nem boné. Foi uma campanha pobre, não tinha dinheiro para os grupos de porta a porta. Só no ultimo mês que ganhei dez reais para cada apoiador para comprar água e lanche. Nunca vi tanta gente na minha vida participando da minha caminhada. A minha proposta política era ampliar os trabalhos. Não prometi nada do que eu não podia fazer porque já tinha visto como era um trabalho de vereador. Ele sempre dizia que não podia, não podia, e hoje eu sei. Na minha campanha dizia que não podia fazer nada sozinha, faria sempre junto com a comunidade. Estou fazendo isso através de reuniões mensais. A gente vê a questão de infra-estrutura, fazemos requerimento e encaminho para o Prefeito. Só que até agora nada foi atendido ainda. Então é a criação do meu trabalho. Quando levo o oficio e espero a resposta, o prefeito diz aquela velha estória que o prefeito passado deixou a cidade com debito muito grande e ele está pagando. Ele já começou a investir em algumas coisas. Por exemplo: fizemos uma reunião com ele e ele disse que já investiu em Camaragibe o total de R$640.000,00. Esta restaurando o posto de saúde, CEMEC (Centro Médico de Camaragibe), já começou a limpar algumas ruas mais deterioradas. Está pagando em dia. Assim, para a população de maneira geral, ele alega que não tem dinheiro. Falando do partido, eu vou te dizer uma coisa: eu sou do partido porque a gente tinha que ter um partido, mas eu nunca procurei votar em partido. Eu sempre votei na pessoa. Eu nunca votei assim porque você é do PT (Partido dos Trabalhadores), PTB, não. Sempre voto na proposta da pessoa. Na ação da pessoa. Embora eu não seja muito de partido, eu preciso aprender, a ler mais o que é um partido porque hoje preciso saber né? Mas eu não sei assim a proposta do meu partido. Eu fui porque tinha que ter um partido. Na época da eleição eu visitei todos os partidos, eu tinha uma simpatia pelo PTB, eu

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não tinha nenhum amigo de partido. O deputado Zé Chaves, já foi do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e hoje ele é do PTB. Antes dessa eleição ele já era a pessoa mais próxima da gente na comunidade. Tem o gabinete aberto e sempre atendeu a comunidade e eu ligava pra ele, para a empresa Metropolitana. Essa ligação fez com que eu me aproximasse mais dele e da filha dele, Niedja. E daí sempre votei nele, não pelo partido, assim como votei em Paulo Santana, não pelo PT, mas pelo trabalho como secretario de saúde e pedi voto para ele. Então eu não olho esse lado de Partido, e não entendo. Na época teve as alianças eleitorais, mas não sei dizer quais foram as vantagens e as desvantagens. Sei que o meu partido foi o PTB aliado ao PMN (Partido da Mobilização Nacional), ao PT. Foram vários partidos que se uniram em coligação. É isso que é aliança? Nessa aliança estava eu, Manoel Rodrigues, o Paulo Santana e Bosco. E fez quatro vereadores. Eu confesso que não entendi essa aliança. Só sei que era para se juntar para ficar mais forte e receber uma quantidade de votos dentro desta coligação. O PMN que tirou em primeiro lugar, depois veio eu, pelo PTB e ainda sobraram 32 dos meus votos que passei para outro vereador do PPB, que ajudou a elegê-lo. O pessoal não gostou deste vereador que entrou porque é o quarto mandato dele e ele não faz nada. Se eu tivesse só 12.100 votos, ele não entrava. Como se diz: ele entrou na cauda. Todas as terças-feiras, às 19:00 horas a gente se reúne com todos os vereadores para discutir leis e emendas. A reforma tributária, o prefeito ficou seis meses para elaborar e na ultima hora com urgência, às 6:00 horas da noite ele queria que aprovasse. Daí, um dos vereadores, e eu me senti contemplada, disse: como é que você, Prefeito, levou seis meses para formular e agora quer que a gente aprove sem nem saber o que tem dentro? V.Exª. tem que dar um prazo para a gente saber se o conteúdo pode ser aprovado. Como estou no meu primeiro mandato, tomo muito cuidado porque se errar, o povo vai dizer: foi a vereadora que aprovou! Eu sou a primeira secretaria, tenho que tomar o dobro de cuidado. Como eu fui delegada e conselheira na participação popular, sei de muitas coisas da comunidade, dos fundos dos conselhos. Hoje está bem melhor. Como estou no primeiro mandato, estou com atenção no que é certo e errado. A LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) tinha que ter todo um processo, uma audiência com o publico. Daí eu falei: vamos por o povo na rua! Daí o prefeito falou: cale a boca, entendeu?! Foi um grupo de pessoas na câmara porque eu escalei umas 18 pessoas. Pelo prefeito ia ser em surdina. Mandaram-me parar de chamar as pessoas. Disseram: Não é para chamar ninguém. Daí eu respondi: se é audiência publica, é para o povo saber o que está acontecendo! Isso vai governar a cidade por quatro anos. A população tem que estar sabendo disso aqui. Então, foi uma confusão muito grande porque a audiência publica não aconteceu. Na época de Paulo Santana, mesmo com tudo o que aconteceu, eu como delegada da gestão participava, a gente participou de toda a elaboração da LDO. A gente ficava lá trabalhando junto. Aí ia um delegado representando os outros para entregar, num ato solidário junto com o prefeito, secretario entregar ao presidente da câmara a Lei. Desta vez os delegados nem ficaram sabendo, não houve reunião, não houve nada. Até a audiência publica que deveria ter acontecido não aconteceu. Eu pedi uma parte na câmara e falei de tudo. E o prefeito disse depois: Você está junto com o movimento. Os vereadores nem entraram para me defender. Eu fiquei sozinha. Eles não estão nem ligando. Nem pensam para trabalhar pela cidade. Quando eu vou para a comunidade eu falo tudo o que acontece na câmara dos vereadores, mostrando o papel do vereador e que tudo da prefeitura passa por eles e são

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eles que aprovam. E aprovam tudo sem pestanejar. Eu já sou vista como a diferente. Eu não voto no que acho que está errado. Eu fui eleita para defender a população, em quem votou e quem não votou em mim. Mostro a diferença. Fazer uma câmara diferente. Outra mulher que foi eleita, a Nadje, foi ser secretária de saúde. E tem mais nove homens na câmara. A relação com o prefeito falta mais respeito com os vereadores e mais aproximação, apesar dele me tratar bem. Eu posso ser amiga, mas não faço o que os deputados querem. O partido do prefeito e o meu são da esquerda. O meu é o Partido Trabalhista Brasileiro. Acho que não são muito diferentes porque os dois defendem o trabalhador. Aqui na câmara só não tem o PFL (Partido da Frente Liberal). Para mim a contribuição para uma nova sociedade passa pela Secretaria de Desenvolvimento Social. Tem muitas propostas, mas o que falta nesta cidade é vontade política. E por isso a cidade fica no caos. Eu acho que é muito sonho, mas teria que se tirar essas pessoas do mar de pobreza para uma vida melhor. É aí que eu entro com o meu trabalho, onde a gente ensina a pescar. Melhorar a educação, a saúde para uma vida mais digna. A participação popular e o legislativo têm que buscar emprego, oportunidades para as pessoas. Tem que ter um processo de capacitação e ao mesmo tempo aproveitar as pessoas em trabalho, abrindo alguma coisa que aproveite este potencial humano.

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ENTREVISTA Nº6 Meu pai morreu com 95 anos. Agora ficou minha mãe viúva que está com 82 anos. Minha mãe e meu pai trabalharam na fabrica. Meus tios todos trabalharam. A fundação da fabrica é de 1891. Foram construídas as casas. Meu avô trabalhava na padaria da fabrica. O açude foi construído em 1895. Esta vila tem 114 anos e a cidade tem 23 anos, sua emancipação foi em 1982, o decreto de Lei foi do deputado Maviael Cavalcanti, mas, havia uma disputa política na época com Lapenda. Houve outra Lei de emancipação e ele barrou isso que foi por volta de 1971, mas havia uma disputa entre José Pereira e Lapenda. Foi quando José Pereira e Maviel Cavalcante estavam no governo aconteceu o plebiscito para emancipação de Camaragibe. Quando Maviael estava para sair, no final do seu mandato, Lapenda entrou em Camaragibe mesmo sendo contra a emancipação da cidade. Ficou o filho dele prefeito de Camaragibe e ele Prefeito de São Lourenço. O filho não tinha conhecimento administrativo nenhum, então Camaragibe ficou com um prefeito que nunca quis a emancipação do município. Assim foi o processo político. Camaragibe sempre teve uma identidade independente de São Lourenço da mata porque Camaragibe é totalmente urbana. São Lourenço tem uma área territorial maior do que a de Recife. Camaragibe tinha um engenho que data de 1549 que marca todo o processo da época com a cana de açúcar e o trabalho escravo e um bocado de outras coisas. No museu da Rua do Imperador tem estas documentações. Na igreja de São Lourenço da Mata tem muitas coisas da história de Camaragibe. Meu avô do lado da minha mãe veio de Moreno. Eu participei da campanha de 1989. Houve uma discussão no SESI sobre o conselho de saúde. Era um embrião na época. O vice era João Lemos e o prefeito era Arnaldo Guerra. Depois da campanha para o mandato de 1992 a 1996, quando João Lemos foi eleito prefeito e Paulo Santana foi nomeado secretario de saúde. O conselho de saúde melhorou muito na gestão de Paulo Santana. Ele tem uma experiência muito grande em movimento popular. É lamentável perde-lo. Acho que alguma pessoa tem que voltar à suas raízes porque quando se afasta não é ruim só pra ela, mas, é ruim pra todos, para o movimento e para a própria pessoa. Sei que o poder modifica muito as pessoas. Eu acho que quando a pessoa tem uma vocação não perde totalmente aquilo ali. Ele Fez muitas conquistas. Camaragibe deu um passo muito importante com ele. Na época de Lapenda tinha uma mentalidade que o prefeito centralizava todas as questões. Ninguém sabia quem era os secretários, pois, o próprio prefeito respondia por tudo. A cabeça dele era assim e a cabeça da época era assim. Depois com as mudanças, quando Paulo era secretario de saúde foi um período interessante embora que depois eles se descompatibilizaram, mas, durante o período que Paulo passou no processo este avançou bastante. Na Gestão de Arnaldo Guerra que era o segundo prefeito depois da emancipação de Camaragibe ela deu alguns passos importantes. O movimento popular não avançou na sua essência, mas tomou algumas iniciativas porque o prefeito tinha um conjunto de forças com ele que ajudaram, na gestão de João com Dr. Maia, mas João como prefeito e Paulo na secretaria de saúde, a saúde teve um avanço significativo. Camaragibe tem uma marca diferencial pelo processo de organização. Na primeira gestão de Paulo, Fernando Henrique não foi tão cruel em questão de verba. No governo de Lula fechou a torneira e não deveria. Mas avançou o conselho na prática até porque entendeu-se o poder de participação, a distribuição de tarefa, e não era um governo centralizador. Teve

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muitos avanços no conselho de segurança, da criança, o conselho da saúde que era o mais antigo avançou. O processo eleitoral que antes era feito de forma completamente equivocada, errada, ele deu o sentido que os conselhos têm nos seus segmentos que precisam ser valorizados. Teve discussões e desentendimentos, mas tudo foi pra chegar num caminho. Tinha o seu conselho gestor que indicava seus representantes. Tem o seguimento dos prestadores que são os hospitais conveniados, tem o segmento dos trabalhadores do quadro que trabalham na comunidade, que trabalham nos ambulatórios, dentro da prefeitura que se escolhem dentro da assembléia e tem também os usuários que se escolhem entre si nas assembléias constituídas nos municípios, que não eram feitas antes. Chegava uma pessoa e dizia sou da comunidade tal, mas, não comprovava. Hoje alem de comprovar através de documentos formais se sabe se ele é realmente um líder comunitário e se tem algum trabalho. Quando a gente vai para as conferências estaduais vê a diferença como são montadas. Aqui estamos fazendo a pré-conferência da Saúde. Lá é que escolhemos os delegados para a conferência municipal. Na conferência do conselho de saúde não escolhemos os delegados. Após a conferência é que escolhemos. A posse do conselho é a parte. A eleição dos membros de conselho de saúde se dá posterior à conferência. A assembléia do movimento popular faz todos aqueles trâmites legais. São chamadas as entidades que podem participar, tem o regimento, tem os convites que já indica os documentos atuais necessários para participar. Não há possibilidade de entidade fantasma. Este é uma conceituação do processo de participação das entidades que estão representando um grupo de pessoas de uma localidade e seu segmento representativo e cada um na sua representatividade no conselho paritário. Quando a gente vai participar do conselho estadual em vez de se discutir políticas públicas vão discutir a articulação para ir pra Brasília. Aqui a gente prepara faz uma preparação anterior. Tivemos a posse do conselho no dia 5 e na posse do conselho a gente convida toda a comunidade para participar. O prefeito vem dar a posse. Nesta gestão estamos tentando fazer assim. Claro que a gente ainda se depara com aquelas pessoas que tem aquela mentalidade que pensa que estão no quadro do governo, mas que já estiveram como usuário. Isso é quebra de paridade se quiser ficar dos dois lados. Se amanhã entrar uma discussão está de que lado? Nós trabalhamos muito isso. Agora estamos trabalhando a conferência da cidade que era pra acontecer em abril e não aconteceu. Em junho e não aconteceu. O governo deu um prazo pra isso acontecer. Qual é a nossa proposta? Falamos com Eduardo Moura que é o secretario de governo: Olha da vez passada foi feita de forma equivocada e errada. Dessa vez tem que fazer uma prévia para preparar e discutir os temas. O Estado junta tudo no mesmo pacote e ninguém sabe quem é quem porque não há uma referência das pessoas como acontece nas cidades. Aqui, sabemos da historia tanto do processo como das pessoas. No nordeste já somos fragilizado dentro deste Brasil tão grande que a nacional engole. Por isso precisamos qualificar nosso pessoal. Conseguimos fazer agora em agosto a conferência da cidade. A discussão que tivemos ontem da conferência da cidade, porque não é fácil, ontem começamos de manhã e saímos à noite. Já pensou se fosse fazer o processo eleitoral. O problema da participação e o controle social que as entidades em um referencial que pode tudo, mas não pode tudo. Delas também depende conquistar o espaço dela. Não é apenas a participação em si tem que estudar para saber os direitos e saber o que estou aprendendo ali. E para fazer um controle social tem que saber das informações com transparência. Como vai controlar algo que não se sabe por que alguém não passou a informação. Uma

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pessoa pode ir para uma assembléia e depois perguntar pra ela o que aconteceu? E ela responder não sei. Assim não adianta. Um conselheiro é um formador de opinião. Se a pessoa não entendeu nada desta participação não esta valendo. Tem que se ter compromisso e responsabilidade principalmente com o nordeste que vivemos. Nós somos esmagados quando a gente chega a Brasília ou qualquer canto que for. São Paulo tem uma representação enorme. Rio de Janeiro outra. E são pessoas muito mais intelectuais, muito mais mobilizadas. Mesmo Lula sendo nordestino tem dado um mau exemplo com estes escândalos. Isso é ruim para o movimento. Isso afeta. Eu mesmo me sinto indignado porque estamos numa comunidade pobre onde os jovens estão aí precisando de profissionalização, empregos, o saneamento, a saúde. Não adianta falar que Camaragibe é um modelo se a verba está na mão do governo. Temos que ser valorizados pelo governo estadual e nacional. É necessário que o processo político ande para dar exemplo. Mas qual é o exemplo que estamos vendo? O povo vê na televisão é dinheiro na cueca, na maletinha, na maletona, milhão sendo desviados e a gente não vê retorno. Poderia ser um hospital, uma fábrica, a gente vê os nossos jovens se drogando porque os pais estão desempregados. A gente dá graças a Deus por ter uma família. A família é à base de tudo. Se a família está desestruturada o jovem vai pra rua e em vez de vender feijão vai vender maconha que dá mais dinheiro. Daí vai passar 10 anos e não tem recuperação. A nossa Lei é injusta. Para o bandido pobre que rouba uma galinha tem cadeia. Para o bandido que fragiliza a nação toda nada acontece. Esses bandidos que atacam a gente são frutos destas mazelas a nível nacional. Nós somos as vítimas porque vivemos aqui. Outro dia no fórum o juiz explicou que a gente teria que ser o jurado. Daí manda bater na porta da gente e entrega um mandado de intimação como se a gente também fosse um bandido. Se eu sou intimado a participar é uma imposição e quando chega lá ele diz que é um direito pra mim! Eu preciso analisar o que é direito pra mim. Direito pra mim é se o cara fosse julgado de acordo como deveria ser. O político rico tem num sei quantos advogados pagos. O bandido pobre lascado tem um pé de escada. Prende hoje e amanhã está solto dentro da comunidade e ele se volta conta a gente. E dai? O juiz está na dele, pode mudar de cidade, mas a gente pode mudar? Aí é o júri é quem condena. A Lei é que deve condenar porque tem o advogado de defesa e o advogado de acusação. Porque deve colocar o povo. Porque para colocar o povo devia capacitá-lo antes e não chamar de uma hora pra outra. Eu tenho uma indignação sobre isso. Eu acho que o processo político ainda não esta consolidado no Brasil. A democracia não deveria ser de imposição para participar. Você deveria participar se tiver uma vocação e compromisso com sua cidade e se seu país mandar. Porque a pátria é aquilo que o pessoal do Iraque faz. O Estado Unido não conseguiu controlar eles. Porque é uma nação invadindo a outra. Porque aqui no Brasil já invadiu calado e silenciosamente. Lá, estou torcendo, dou meu apoio àquele povo. Tem mil anos de existência e não se curva diante ao que o americano quer. Não vão se curvar. Todo dia vai morrer toneladas de gente, mas o americano também vai morrer porque ele não é o delegado do mundo. Aqui no Brasil estão invadindo a Amazonas silenciosamente e o governo deixando. A gente não ama a nossa pátria não, porque se a gente amasse, a gente não sairia daqui para americano, porque o pessoal sai daqui pra trabalhar lá limpando o chão, mas não quer trabalhar aqui. A gente não ama o nosso país. Se o político não presta tira! A gente faz uma revolução. A China não fez? A União Soviética não fez? Agora o povo tem que ter a coragem e não ficar submisso a uma outra nação. Olha os Estados Unidos pode ter tanta bomba atômica, fazer tantos testes nuclear pra matar pessoas e vender armas. Agora o Brasil não pode fazer isso. Porque eles condicionam o Brasil ao que eles querem. Mas que pátria nós temos? Que

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soberania nós temos? Agora nós temos que analisar estas coisas aí. Agora eu admiro aquele pessoal de lá do Iraque. Falando do tempo da fábrica disse que Carlos Alberto Meneses, neto do engenheiro que elaborou a concepção e modelo de gestão da Fábrica de Tecido de Camaragibe, não gostava do bispo Dom Hélder Câmara, e tachava Dom Hélder de comunista. Ele desativou a capela no interior da fábrica falando que precisava ampliar o espaço da planta industrial. Ele foi contra a idéia do próprio avô, que era um homem muito católico e idealizador da fábrica. Daí o povo disse que depois disso a fábrica desandou. Por volta de 1986 e 1987 ele se matou. Aí um dia ele chegou à frente da igreja e tinha um quadro de don Helder bem grande. Como ele era muito mandão o quadro desapareceu até hoje. Ele era mandão mesmo. Ele tinha um capataz que fazia tudo o que ele queria. Ele fazia as indenizações de todas as maneiras. Dizia: ou você aceita ou você sai. Esta casa mesmo, foi assim; meu pai fez um acordo sobre a indenização dele. Ele se aposentou em 1978. Por todos os anos de trabalho, meu pai ganhou a casa como indenização. Ou pega ou larga. Meu pai, para ampliar um pouco pediu também o oitão da casa. Se meu pai não tivesse aceitado a gente poderia estar numa casa alugada ou na rua. Carlos Alberto era um opressor mesmo. Outras pessoas tiveram que sair das casas. Ele fazia acordo com quem ele queria. O moço que trabalhava com ele fazia todas as espécies de acordo em nome dele. Todas as casas ali eram da fábrica. A minha tia, ele mandou sair. Mas meu pai era muito reclamão e reclamava os seus direitos. O patrão não gostava dele. Antes, a casa foi oferecida pra minha tia que não aceitou porque achou que de direito era para meu pai. Carlos Alberto aceitou o acordo porque queria se ver livre de pai. Meu pai tinha uma visão e por isso reclamava e contestava. Acho que peguei alguma coisa do meu pai. Aliás, todos nós pagamos quando se rebela por qualquer coisa. Ninguém gosta de ser fiscalizado, ninguém gosta de ser vigiado. Fala-se em controle social, mas qual o gestor que gosta de ser fiscalizado por mais democrático que seja, por mais transparente que diga que é e você descobre que não é, porque muitas articulações e alianças são feitas para ganhar uma eleição. O Brasil enquanto estiver nesse sistema político deteriorado fazendo alianças, quando você diz: eu sou candidato a prefeito de Camaragibe, mas, pra ganhar tem que se aliar a ele, que é a pior coisa que tem, aí é outra tristeza. Aí você tem um programa de governo que tem que dividir com eles. Quem vai ser seu secretário? O prefeito que tem uma mentalidade boa, cabeça boa, mas, fez aliança com as pessoas. Aí tem que dividir o poder. Isso é ruim. Já está acontecendo em Camaragibe as manifestações de bastidores de quem quer ser deputado estadual, federal. Há uma fumaça por cima e um pano por baixo. Isso é ruim. Há briga por isso e pelo poder. A entidade é diferente do estatuto de partido político. Não adianta querer usar a entidade para dizer que faz articulação política porque afunda a entidade. A entidade é política coletiva. O partido é programa de governo que quer chegar ao poder individual. É uma política de supremacia. O cara chega no canto e quer atenção pra ele, o governador quer atenção pra ele, o presidente também. Aí é um bocado de gente babando no homem. O homem fica perdido ali. Às vezes nem sabe o que é certo, ou melhor, pro povo. Por que o povo aprendeu, em vez de ser aquilo que é correto fica puxando o saco. Isso não é democracia correta, porque não se traduz em políticas e de melhorias de condições de vida para a comunidade e não ficar puxando o saquinho do seu A, B ou C. Mas esta sociedade aí é uma hipocrisia. Olha o presidente falou agora na televisão o olho dele estava subindo assim pra cima. Eu acho que ele não foi sincero. É muito difícil pensar que o presidente não sabia daquelas coisas. Ninguém ganha para presidente sem fazer aliança. Ele foi fazer aliança com quem: com Antonio Carlos Magalhães do PFL da

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Bahia, fez aliança com Sarney quem já estava viciado. Raposa velha. O que ele esperava. Botou Jéferson no ninho, um advogado criminal, e depois quis escantear o homem, homem esperto. Os delegados daqui têm a visão curta porque as pessoas não estão preparadas para o processo. Começo explicando pela bíblia: Jesus começou escolhendo a dedo para depois capacitar. Outra coisa, ele falava por parábola, era código. Não era todo mundo que conhecia. A parábola do filho pródigo. Os apóstolos estavam capacitados para isso. Daí Jesus falava no meio de todo mundo em parábola. E perguntavam o que ele quis dizer? Mas os apóstolos sabiam. A igreja evangélica serve para alienar as pessoas. Eu sou a realidade do que eu vivo. Se estou na comunidade estou na realidade dela. E a realidade não é alienação. Tenho que fazer a minha parte. Sou formador de opinião. Nem voto em pastor e nem voto em padre. O pastor da igreja Universal falava na televisão sobre a fazenda Canaã. Que coisa mais bonita! Agora ele esta no poder e cadê? O que vem fazendo? Vivia às 6 horas fazendo aquela reflexão e agora o que ele fez da fazenda Canaã? Primeiro era 120 delegados da administração participativa votado pela comunidade. Em cada região são divididas em micro regiões. A região um tem sete micros regiões. Hoje não temos mais isso de delegados. Pouca gente vai para as reuniões e tem muita gente que não é da comunidade.

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ENTREVISTA N°7 Professora desempregada. Comecei a trabalhar através da associação dos moradores. Comecei a representar como delegada. O presidente da associação que era o irmão Zezito sempre incentivava para eu participar. E foi isso que trouxe a gente. As pessoas que participam de associações elas se sentem estimuladas a trabalharem pela comunidade. Atualmente irmão Zezito é vereador. Na época pela minha participação na reunião é que passei a ser conselheira. Antes de participar eu não tinha interesse. Era professora e dona de casa. Como fiquei desempregada comecei a buscar outra atividade e assim fui para a associação daí participando no movimento comecei a ter interesse. Gosto de dar opinião. Resgata as necessidades da comunidade. Aqui também já teve uma outra gestão com o João. Do Paulo eu gostei só da primeira gestão. Na segunda gestão acabou. O interesse dele então foi muito apagado. Na primeira gestão tinha a gestão participativa, tinha eleição, se aquela rua fosse votada os vereadores tinham que acatar porque ela estava no orçamento já com o dinheiro que ia ser aplicado, mas ficaram muitas ruas para serem calçadas, mas com projeto. Até agora esses políticos que entraram, o prefeito atual, pelo menos a mim ele não deu resposta se este projeto vai ser acatado porque já foi aprovado. Até as pessoas ficam falando: e essa rua, já foi votada e cadê que vai ser calçada? Agora precisa cobrar dele essas mais votadas. Eles alegam é que no começo está sem verba a prefeitura, com muitas dividas, que precisa pagar, para depois realizar essas obras. Os vereadores fazem questão de mostrar que foram eles que fizeram a obra botando na placa. Eu acho que antes no governo passado era a mesma coisa. Bota: Prefeito, fulano de tal, e não colocavam os nomes dos delegados na placa. E faz tempo que eu participo do movimento e o que eu vi foi isso. Na gestão de Paulo Santana havia muitas conferencias antes eu participava de muitas reuniões. Agora tem uma grande diferença. Nós lideres comunitários estamos sentindo necessidade de capacitação, mas o prefeito esta pagando as contas. O vereador que apoiei é do PPS, ele já foi presidente da nossa associação e por isso tem procurado ajudar a nossa comunidade. Ele sempre foi de luta. Antes a comunidade não tinha água, não tinha transporte, era esquecida. Hoje temos essas melhorias e a rua está quase toda calçada. Tudo isso foi com muita luta para o nosso lugar. Na primeira gestão de João Lemos conseguimos água. Com Paulo foi transporte, com Arnaldo Guerra foi o calçamento. A luta foi da comunidade, com muita reivindicação. A gente pedia e tinha que conseguir. O grupo de educação também é forte, mas mesmo eu sendo professora estou desempregada e faço parte do conselho da FUNDEP, que é da educação. A gente está pensando em levantar esse conselho. As pessoas da comunidade não participam dos conselhos de direito como este por falta de condições financeiras, ficam só pela periferia. Moram longe e não tem passagem para freqüentar os ambientes. Também há a falta de interesse porque ninguém quer passar o dia todo em reunião. Para participar tem que estar interessado em alguma coisa. O governo atual faz tudo em cima da hora. A comunicação para este encontro de defesa civil que estou participando também quase não foi feita. Foi mal divulgada. No governo de Paulo Santana, havia mais comunicação dos problemas e dos projetos. Tudo que aprendi até hoje vale para a melhora da sociedade porque lutamos e por isso a gente vai conseguir coisa melhor. Se a gente não reivindicar o poder publico não enxerga os problemas. Isto é feito através da gente e temos que falar para eles escutarem. Se for na parte da obra eles dizem que não tem dinheiro e já prende a possibilidade. O que eles alegam é isso. Eles podem achar que a gente quer entrar na

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área deles. A gente fica tendo verdadeiro direito e reivindicamos para eles colocarem em prática. Nós sabemos de muitas coisas que temos direito, mas a gente vai pedir e eles ficam ali....oh, trancando e não dá os nossos direitos. As pessoas entendendo podem se organizar, ver seus direitos respeitados. No governo que passou, na ultima gestão faltou ação. Parece que o governo ficou acomodado. Como não podia se reeleger mais, por isso relaxou. Deixou a Prefeitura com pagamento atrasado e muita greve. A rua ficou cheia de lixo. Isso prejudicou a saúde das pessoas. Foi horrível. Ele manchou muito a imagem dele.

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ENTREVISTA Nº8 Participo desde 1996 dos movimentos sociais. Antes eu era só mãe de família e dona de casa. Quem me puxou para o movimento foi Eduardo que é o professor do movimento popular. Com a pouca leitura que tenho, mesmo assim não foi difícil participar porque ele ia me explicando todos os passos do conselho de moradores como nas secretarias do governo. Hoje assumi totalmente a parte de direção da entidade. Dividimos bem o trabalho com as outras pessoas na diretoria. Acho-me muito útil porque faço um trabalho social sem ganhar dinheiro. Antes nem imaginava as coisas que sei hoje. As pessoas me reconhecem. Já fui pelo movimento para outros Estados. Aprendi muito com os governos e com o movimento. E repasso para os outros o que sei. Na gestão de Paulo fiz muitas capacitações e aprendi muito em Saúde em movimento sociais. Junto com Eduardo participamos da criação de muitos conselhos de direitos. Quando a gente faz plenária, capacitação, as coisas que não sei eu pergunto e assim a gente cresce. No sábado participei do fórum da cidade. Nesses espaços se abre a boca para falar. Se o governo está bom a gente apóia e se estiver mal a gente aponta outro caminho e na comunidade a gente caminha de igual para igual. E é assim também com o prefeito. Se ele está errado eu não minto nem a pau! O movimento é que me ensinou a ser cidadã do município, do Estado e da Federação. Eu não me envergonho em participar nas representações em outros lugares. Eu vou a fundo. Não é o que o governo quer e a gente balança a cabeça. Marquei uma audiência com o prefeito e ele desmarcou porque vai viajar. Eu já remarquei porque não vou falar com o secretário dele porque não vai resolver meu problema. Nós chegamos em comissão. Quando é assunto da própria associação vem eu e a adjunta. O que queremos agora é um muro de arrimo. Porque nas outras gestões não foi feito e a gente perdeu uma verba para fazer uma creche. Agora estamos marcando esta audiência para pedir o muro de arrimo. Estamos também necessitando de arrumar uma infiltração que esta acontecendo em salas de aulas por causa de uma barreira que ficou minando água. Esta vai ser específica porque quando ele foi prefeito na outra gestão fez uma rua que até hoje esta prejudicando o prédio. Isso beneficiará os moradores como um todo. Este levantamento já estava desde o governo de Paulo Santana. Só que foi dada prioridade para as barreiras que estavam prejudicando as casas. Não foi falta de vontade de Paulo. Fez o que pode, cercando, mas não fez o muro de arrimo. Ainda não sei como está esta gestão. Espero que ele respeite. Já teve duas plenárias. Na primeira foi uma prestação de conta como estava a prefeitura. Então não teve nada a oferecer até agora. Como a gente vai ter no sábado uma reunião eu não sei qual vai ser a proposta dele ou se virá da secretaria de planejamento. Mas na primeira gestão de Paulo foi respeitado isso: a votação dos muros de arrimo, votação de rua que era levantada por região. Ele deu um atendimento suficiente não precisava ficar de galerinha. Na segunda gestão foi pior. Ele perdeu muitas verbas. E foi grande. E a dificuldade foi chegando. Eu não posso dizer por que no fim do governo ficou tanto débito. Eu não tomei conhecimento da verdade e sofremos as conseqüências. Quando vai chegando à política novamente cada um que queira mais. Até agora a equipe que estas lá ninguém tomou conhecimento, está calada, porque até agora ninguém é contra o prefeito.

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Poucos dos vereadores antigos ficaram porque entrou outros novos. Muitos nem tomou conhecimento deste processo de votação de delegado. Nem passou por ele. Tem líder comunitário que hoje é vereador. Este participou do processo como delegado, mas os outros nem conhece. Muitos ficaram contra o prefeito porque eles queriam de um jeito e o prefeito de outro. Agora estão à vontade. A gente não sabe como vai ser ainda. Na época de Paulo a gente sabia de todo o procedimento. Agora a gente não sabe. Hoje estamos participando deste grupo de discussão sobre defesa civil, mas a gente não recebeu nem uma pauta do que é pra ser discutido. Quando chegamos ninguém sabia quem ia formar a mesa. O secretario Luciano está perdido. Até esse momento não apareceu na plenária da Defesa Civil.

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ENTREVISTA Nº9 Falando do meu bairro, nesta rua que moro tem o CEMEC (Centro Médico de Camaragibe) que é um hospital de urgência. A gente não tinha isto aqui. Começou a funcionar no primeiro governo de Paulo Santana. Este hospital foi ótimo para o lugar. Antes, minha família tinha um carro pequeno que socorria as pessoas. Como aqui tem muito caso de infarto e derrame a gente socorria e levava para o hospital que era lá no centro. Teve gente que até morreu no carro do meu filho. No primeiro governo de João Lemos ele tinha colocado ambulância na cidade, mas, não dava conta no atendimento porque não atendia o nosso bairro. Agora com o CEMEC acabou a preocupação. Do lado do hospital tem um ambulatório com uma médica excelente. Os médicos de lá são todos bons. Quando eu comecei a ter uma ligação com as pessoas do bairro eu ia para o posto médico com elas, sempre na área de saúde eu era procurada. Eu receitava chás, aconselhava. Comecei a participar no governo de Lapenda. Eu era clandestina. Levava o pessoal para o hospital, em casa dava café e bolacha, cuidava dos velhos, animava quem estava na depressão. Fazia as pessoas rirem. E assim fui vivendo. Um dia vieram me convidar para participar do clube de mães. Eu fiquei na dúvida. Falei que não queria ser presidente. Indiquei uma amiga. Fiquei na vice.Depois de um tempo a presidente morreu.Foi quando assumi de ser presidente do clube de mães e estou até hoje. Já faz 10 anos. A sede é aqui em casa. Quando entrou Paulo na prefeitura eu já estava no movimento. O prefeito João apresentou Paulo á meu filho que é pastor. Como meu filho tem muita influência no local ele ajudou Paulo a se eleger. Paulo arrumou um cargo para o meu filho na secretaria de educação. Meu filho é bacharel em teologia. Primeiro Paulo quis dar o cargo para minha nora. Mas ela não quis sair do emprego que tinha nos correios. Daí meu filho ficou. No governo de Paulo eu era conselheira da 4ª região. Hoje continuo conselheira agora como da saúde e da educação. Aprendi como conselheira a ver os direitos das pessoas, o que é certo e o que é errado. Até com os traficantes eu aconselho, principalmente os mais jovens. Assim os médicos e enfermeiras trabalham mais sossegados. Paulo era do PT. A primeira gestão dele foi ótima, maravilhosa. Foi construído o CEMEC, não faltava remédio e a secretaria de saúde Dr. Cristina era excelente. A segunda deixou a desejar porque faltava remédio, o pessoal ficou sem receber. Ficou ruim. Mas eu não tenho nada contra. Apesar de que na segunda gestão a carteira do meu filho não foi assinada. Mas para ele foi melhor porque ele investiu mais na igreja como pastor. No governo de Paulo ganhei muita experiência. Tinha a ação participativa. Teve muitas coisas boas que ele fez não se pode negar como muro de arrimo, na saúde. Mas a gente sabe que quase sempre na segunda gestão a coisa fica ruim. Já sabe que é a última mesmo, né! Nunca faz como a primeira. Paulo fazia muitos debates e reuniões. Agora o prefeito atual diz que esta arrumando a casa, botando as coisas no lugar por isso não esta ainda chamando. Mas acredito que fará um bom governo. Ainda está vendo em quem confiar. Mas vamos lutar pelos conselhos porque ele não pode fazer da conta dele. Eu não aceito. Eu mesma já cobrei a reforma do CEMEC e hoje esta sendo reformado. Eu investigo a obra, vejo se o material e de boa qualidade. Quando terminar a reforma o prefeito vai reinaugurar com festa.

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ENTREVISTA Nº10 A região 05 é um pouco abandonada, principalmente as estradas. A gente faz oficio, mas não é atendida e lá é uma calamidade indo para o Km. 13 da região. Para ir à creche onde trabalho, passa muito tempo para chegar lá. A creche abriga gente pobre e rica e paga uma ajuda de custo porque quem paga os professores é o município. Comecei o meu trabalho na comunidade há nove anos. E por trabalhar na creche comecei a fazer parte do movimento, convidada pela diretora da escola. Sou uma pessoa que gosta de participar e através disso aprendi bastante. È assim: tem pessoa que se não tiver um passe, não vai a canto nenhum, dizendo que vai pagar para perder tempo. Querem um passe, uma cesta básica, eu não sou assim; sou mais de aprender. No governo de Paulo Santana, eu era conselheira de ação participativa, conselheira da criança e adolescente e do conselho de educação. Sendo conselheira aprendi a fiscalizar melhor e aprendi a procurar as pessoas certas porque se eu não participasse, não saberia a quem recorrer a quem ia falar, porque a barreira que está na frente é grande. Eu estando de dentro já não tem esta barreira porque eles já sabem que a gente conhece. Aí dizem: Ah, ela já sabe e quando for à reunião, ela vai falar bater, né? O que tem no meu posto de saúde lá, porque agora participo do conselho de saúde também. O que acontece lá, eu trago pra cá. Olha, não tem medico, não estão atendendo bem, as fichas não estão sendo suficientes, aí já tem a quem recorrer né? Eu acho que a barreira é menor. No começo da minha militância, eu já vinha da igreja e gosto de lidar com ser humano. Numa reunião, eu não volto com duvidas, gosto de perguntar e tirar as dúvidas. No governo de Paulo, na gestão dele, a gente tinha mais oportunidade, o movimento era mais incentivado, a gente era mais comunicada sobre os eventos. No governo de Paulo, na gestão dele agente tinha muita oportunidade, a gente tinha mais comunicação. Assim, de tudo você estava de dentro. Se era o foro da cidade, o convite chegava à sua porta. Hoje neste governo é tudo limitado. Você porque você sabe, mas porque esse convite chega não, porque motivação não tem. Estou achando agora durante esses setes meses que esta muito limitado. Por sua vez, por mais que o prefeito atual venha passando aperto, pelo buraco que ficou na prefeitura eu achei que a gente devia ser mais entrosada no assunto, mais respeitada. Por parte da prefeitura é como se a gente se limitasse. Esse movimento não continuasse. Eles não dizem isso, mas no parecer do jeito de lidar com a gente, transparece isso. Mas a gente vai enfrentar e vai participar e continuar. Não vamos enfrentar cara a cara na briga, mas fazendo o movimento valer para crescer. Este crescer para o bem da comunidade. Não é assim crescer para a gente aparecer, não. É para ter uma fonte de informação sobre a sociedade, e cobrar deles através da gente. E do jeito que está indo a gente está sem força na comunidade. A comunidade hoje já não esta querendo participar. Quem vai querer sair da sua casa, largar sua novela para ir à reunião para uma coisa que não dá fruto? Porque a comunidade não acredita mais. O poder não quer dar força. Se tivesse que desistir a gente já tinha feito no final da gestão passada que ficou lá embaixo. Ficou aquela agonia toda no fim do governo anterior. Mas a gente não esqueceu a gente não deixou para lá. Já faz sete meses e a gente está lutando, procurando para ter uma audiência. Amanhã mesmo, à tarde, vamos fazer uma comissão para falar com ele (o prefeito), para melhorar.

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O governo de Paulo na primeira gestão foi bem, e o povo confiou tanto que deu uma segunda chance para ele, apesar de muitas coisas ficarem pela metade, Eu não culpo só ele, porque não foi só ele que trabalhou. Ele trabalhou em conjunto e outra, pode ter coisas que nem passou pela mão dele. Ficou engavetado. Isso acontece. Ele fracassou. Se ele hoje fosse candidato, talvez eu nem votasse pelo caos que ficou. Mas na primeira gestão, não tenho nada a reclamar e durante os três anos desta segunda gestão, ele fez o que tinha que fazer. Não tudo, ne? Porque acho que nenhum faz tudo. A saúde aqui era ótima, ninguém tinha o que reclamar da saúde porque era bem assistida. Não faltava remédio nem medico. Só no final, no ultimo ano que aconteceu. A capacitação que fizemos na época de Paulo, ajudou muito, ensinou a fiscalizar e ela veio para ensinar. Com a sabedora na mão pode ter uma sociedade diferente, ne? Você sabe os caminhos que deve percorrer. Você juntar, unir. Às vezes o movimento só faz brigar e isso não é uma briga constritiva, só faz atrapalhar. Uma briga constritiva é ótima. O limite entre o governo e o movimento é a forma de não dar respostas. O governo dá, por exemplo, 90 dias e a gente não tem resposta. Isso aí já vai esgotando o limite e a gente vai saber por que e a desculpa é que o dinheiro não veio. Isso também aconteceu no governo de Paulo. E isso esgota a gente. Porque a comunidade que votou fica esperando retorno. Na minha comunidade eu e mais dois delegados tínhamos que chamar o povo para uma plenária e nós não fizemos porque a gente não ia fazer o povo de besta, trazer para a rua, prometer calçamento se a gente já sabia que não ia mais acontecer. Isso foi no fim de 2003. Aí a gente não teve eleição na comunidade, mas também a gente não se expôs porque o povo não estava acreditando e a gente não ficou com a cara de tacho. Ainda toda primeira segunda-feira tem reunião na comunidade e repassamos tudo que foi passado nas representatividades. Mas mesmo o povo indo votar e sabendo das coisas, ele só pensa em seu pedaço, mesmo sendo informado. Ele sabe como precisa resolver no seu bairro, na área de saúde e educação e eu sou a porta voz deles no conselho. Eles ficam felizes porque eles também sentem que estão resolvendo. Lá atrás , quando João Lemos foi prefeito pela primeira vez, todos sabem que teve barreira para se aproximar do prefeito, como esta começando agora... porque todos dizem que o secretario dele logo botava aquele obstáculo para ninguém chegar. Eu, como já estou sentindo na pele, já falei para um deles, o Luciano, que já na outra gestão você trabalhava desse jeito para não chegarem a você. Aí ele disse: ah, foi mesmo! Principalmente o povo da creche, eu nem deixava chegar. Para o ano, parece que ele vai sair candidato. Daí ele está maneirando, né? Ele disse: vocês são pau! Eu era assim mesmo. Ele sabe que o povo esta cobrando, por isso ele tem que melhorar. O nome dele é Luciano. Na ultima reunião de agentes, ele fez a maior confusão. Era para todas as pessoas participarem, só que ele não mandou convites. Eu só soube por que vim na prefeitura e avisaram do evento e do convite para a nossa região. Só vim eu mesma de lá. E sem convite, os outros não tiveram direito de vir. Ai ficaram revoltados com isso. É o motivo que digo. A mudança que houve. Na outra gestão a gente participava de todos os movimentos e reuniões. Eu fui para São Luis do Maranhão. Todo lugar que tinha a gente ia representando o movimento e neste governo, pelo que to vendo, ninguém vai para canto nenhum. Vamos ficar limitados nas quatro paredes. E nos já sabemos as diferenças, a gente já participou de outras. E quando a gente conversa com o prefeito é totalmente diferente. Ele é uma pessoa legal, mas os secretários dele, vou te falar! Tem uns que a gente está falando e eles viram as costas. Como é que pode? Imagina se vem uma pessoa da comunidade? E ele sabe que está nesse cargo porque fomos nós quem votamos no prefeito. E a través do ganho do

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prefeito que eles estão assumindo a responsabilidade de ser secretário. Só que quatro anos voam. Nestes dias, teve na conferencia da cidade e a escolha de conselheiros para fazerem um curso. Os conselheiros governistas guardaram as vagas só para eles. Eu disse não! Tem que ter para a comunidade também! Eu sou cidadã e faço parte do conselho e eles falaram: Mas não vai ter carro para levar. E eu disse: mas na linha de ônibus não faltam carro e eu sei onde será feita a capacitação e fui. Terminou que eles, com tanta ganância, nem apareceram na capacitação. Não apareceram em nem um dia e eu fui todos os dias. Parece que eles não queriam que a comunidade participasse para não saber dos seus direitos. Lá vi que nos fundos dos conselhos eles não estão colocando a verba que é da parte da prefeitura.