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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS - CFCH

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA PPGPSI CURSO DE MESTRADO

    AS ARTIMANHAS DO DISCURSO: A CONSTRUO DISCURSIVA DA IDENTIDADE RELIGIOSA NO JORNAL FOLHA UNIVERSAL

    Francisco Barbosa de Oliveira

    Orientador: Prof. Dr. Pedro de Oliveira Filho

  • Francisco Barbosa de Oliveira

    AS ARTIMANHAS DO DISCURSO: a construo discursiva da identidade

    religiosa no jornal folha universal.

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Psicologia da Universidade Federal de

    Pernambuco, como requisito parcial para a obteno

    do grau de Mestre em Psicologia.

    Orientador: Prof. Dr. Pedro de Oliveira Filho

    RECIFE

    2011

  • Catalogao na fonte

    Bibliotecria Maria do Carmo de Paiva CRB-4 1291

    O48a Oliveira, Francisco Barbosa de.

    As artimanhas do discurso : a construo discursiva da identidade religiosa no jornal folha universal / Francisco Barbosa de Oliveira. Recife: O autor, 2011.

    148 folhas : il. ; 30 cm.

    Orientador : Prof. Dr. Pedro de Oliveira Filho.

    Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Ps-Graduao em Psicologia, 2011.

    Inclui bibliografia.

    1. Psicologia. 2. Psicologia social. 3. Discurso. 4. Igreja Universal do Reino de Deus. I. Oliveira Filho, Pedro (Orientador). II. Titulo.

    150 CDD (22.ed.) UFPE (CFCH2011-66)

  • A todos os fiis que praticam sua f e constroem, fabricam e forjam suas identidades.

  • AGRADECIMENTOS

    Esta parte do trabalho acabou ficando por ltimo, acredito que por ser um momento de reflexo de tantas histrias, de tantos momentos, e por certo de tantas vidas que se entrecruzaram com a minha ao longo de uma longa caminhada at aqui. Ento vou tentar traar os agradecimentos em ordem cronolgica. A Deus, pela graa de conceder-me chegar to longe, contrariando o sistema. A minha me Dona Severina, que com a garra de uma simples mulher do campo e perdida numa metrpole com trs crianas, soube nos dar os devidos ensinamentos para a vida. A meu pai Sebastio Pedro de Oliveira (in memorian), que tenho certeza gostaria muito de ter presenciado este momento. A meus irmos Hosana, Ticiano, Wilson e Thiago que de alguma forma que eu ainda no descobri contriburam para este trabalho. A minhas professoras da Escola Municipal Monsenhor Viana, Aliete, Nadilza, Ivaldina, Eliane e Juliana (essa iria talvez falar que as palmadas que me deu, serviram). A meus professores da Escola Estadual de Beberibe, Mirele, Jadna, Elias Jordo, Elias, Ricardo, Ftima e Marinalva e Marlene. A minha querida e amada Eliane Mota de Carvalho (Tia Ane), com quem aprendi grandes questes sobre a vida, sobre a grandeza dos valores e o mais importante, que no existem obstculos para os que buscam seus sonhos. Aos amigos da Associao dos Trapeiros de Emas Recife, instituio onde aprendi muito do que sei e do que sou. Especialmente a Luis Tenderine, por ter trazido a Recife esta proposta, a Luciano Moura pela confiana e amizade, a Ronaldo Medeiros pelos anos de trabalho juntos e companheirismo, a Humberto, Cleidson, Adriano, Amancio, Tiago Joo e Juliana, devo muito a vocs. Aos amigos da Escola de Educadores Sociais e de IPSIA, Sandra, Jlia e especialmente a Rosrio, pelas conversas divertidas sobre Foucault, literatura e outras artes. A meus amigos mais prximos desde a infncia na escola, Isabel, Cristiane (obrigado pelas tamancadas foram necessrias), e a Elaine.

    A meu amigo Leandro, pelas longas conversas e discusses que foram fundamentais para meu ingresso no mestrado (desde as muitas reflexes sobre Teologia, Literatura e Filosofia). A Carlos, Ian e Jeferson companheiros de estudos vocs so responsveis pelo meu desejo de conhecer mais o mundo.

  • A Tia Nenm, por ter sido pea fundamental na minha deciso de ingressar no ensino superior.

    A Simone, Nathalie, Amlia e Dona Rosa (a senhora me faz sentir-me muito inteligente), pelas longas conversas sobre muitas teorias e assuntos afins. A meus amigos de turma da graduao, Romel, Silvnia, Roberta, Etiene, Luiza e Cris pelos bons momentos compartilhados. A meus professores da Universidade Estadual do Vale do Acara, Cristiano, Marinalva, Maria do Carmo e Xanda, que me auxiliaram na caminhada de aprendizagem. A meus companheiros e professores da especializao em Psicologia na Educao do CE UFPE, Eudes, Renata e Mrcia vivemos bons momentos. A meus companheiros do Mestrado em Psicologia (Turma 2009) e do grupo de pesquisa GEPCOL, pelo incentivo, amizade e apoio. Em especial a Simone (compartilhamos muitas angstias juntos), Isaac, Halline, Viviane, Fernanda, Lcia e Luciana (com quem compartilhei muitas angstias e sorrisos via msn). Ao Professor, Pedro de Oliveira Filho, meu orientador, que me auxiliou a conduzir este trabalho, me guiando pelo campo da cincia. O meu muito obrigado. A todos os docentes do Programa de Ps-Graduao em Psicologia da UFPE. Em especial a Benedito Medrado, pela fascinante compreenso e apoio a nossas pesquisas. A Alda e a Joo, pelo apoio com toda a sorte de burocracia necessria para o bom andamento do curso. Obrigado pela pacincia. Aos Professores, Lus Felipe e Drance Elias pelas contribuies importantes durante a banca de qualificao. Ao Prof. Durval Muniz de Albuquerque Jnior, pela forma como costura sentidos em seus poemas acadmicos, e que de alguma forma me fascinaram. A professora Emlia Lins, pelos bons momentos durante o estgio a docncia. Obrigado pelo carinho. A minha namorada, Wilma Carla pelos bons momentos juntos, fundamentais para que no somente escrevesse com a razo, mas tambm com o corao. A todos os meus alunos da UVA, UFRPE e EMAS. Vocs foram muito importantes para as muitas reflexes de minha pesquisa. A todos os companheiros da Juventude Operria Catlica JOC. A CAPES, pelo apoio financeiro que viabilizou a realizao deste trabalho.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1: Do lixo ao luxo..................................................................................................... 80

    Figura 2: Triplicou o Patrimnio......................................................................................... 81

    Figura 3: Corrente dos 70 I ................................................................................................. 86

    Figura 4: Corrente dos 70 II ................................................................................................ 87

    Figura 5: Corrente dos 70 III ............................................................................................... 87

    Figura 6: Libertao do Mal ................................................................................................ 94

    Figura 7: Misso pelo Mundo.............................................................................................. 102

    Figura 8: Nos Quatro Cantos da Terra ................................................................................ 104

    Figura 9: Receitas para Vitria............................................................................................ 106

    Figura 10: As Catedrais I..................................................................................................... 109

    Figura 11: As Catedrais II ................................................................................................... 109

    Figura 12: Discurso da Solidariedade.................................................................................. 111

    Figura 13: A Ao Social .................................................................................................... 113

    Figura 14: A Solidariedade.................................................................................................. 114

    Figura 15: Ao Social no Chile ......................................................................................... 114

    Figura 16: Cronologia do Sofrimento.................................................................................. 122

    Figura 17: Marcas da Maldade ............................................................................................ 122

    Figura 18: Raio X do Mal.................................................................................................... 123

    Figura 19: Voc Viu? ......................................................................................................... 126

    Figura 20: As Armadilhas do Ch I..................................................................................... 127

    Figura 21: As Armadilhas do Ch II ................................................................................... 130

  • SUMRIO

    INTRODUO .................................................................................................................... 12

    1. A EXPLOSO DO MOVIMENTO PENTECOSTAL E NEOPENTECOSTAL NO BRASIL ................................................................................... 18

    1.1 O Crescimento do Campo Religioso Brasileiro e o Espetculo da F .......................... 22 1.2 Made in Brazil: a Igreja Universal do Reino de Deus um Fenmeno Puramente

    Nacional ....................................................................................................................... 26

    1.3 Espaos Miditicos e Disputa de Poder: o Mercado Religioso Brasileiro e os Usos e Abusos dos Meios de Comunicao de Massa............................................................. 27

    2. A PERSPECTIVA DISCURSIVA NA PSICOLOGIA SOCIAL......................................... 29

    2.1 A Noo do Discurso e sua Diversidade ....................................................................... 35 2.2 A Perspectiva Retrica na Psicologia Social ................................................................. 36 2.3 A Contribuio da Retrica para se Pensar os Processos de Categorizao e

    Particularizao na Psicologia Social ........................................................................... 40

    2.4 A Organizao Retrica do Discurso e o seu Objeto .................................................... 43 2.5 Os Repertrios Interpretativos....................................................................................... 44 2.6 A Questo da Variabilidade do Discurso ...................................................................... 45

    3. A IDENTIDADE EM QUESTO: COMPREENDENDO O FENMENO ATRAVS DA PSICOLOGIA SOCIAL ........................................................................... 46

    3.1 As Contribuies de George Herbert Mead para a Construo do Conceito de Identidade ..................................................................................................................... 49 3.2 As Contribuies dos Estudos de Henri Tajfel: a Teoria da Identidade Social............. 50 3.3 As Contribuies da Perspectiva Discursiva em Torno do Conceito de Identidade ..... 53 3.4 A Identidade na Mdia: uma Questo Contempornea.................................................. 54

    4. O MTODO .................................................................................................................... 59 4.1 A Folha Universal.......................................................................................................... 59 4.2 As Aproximaes e Tenses com o Campo .................................................................. 61 4.3 A Anlise ....................................................................................................................... 64

  • 5. DEFININDO E DESCREVENDO O SUJEITO IURDIANO............................................. 69

    5.1 As Conquistas e a Manifestao da F ................................................................... 71 5.2 A Busca Espiritual e a Experincia com Deus........................................................... 87 5.3 As Correntes, a F e a Cura ................................................................................ 91 5.4 A Libertao do Mal .................................................................................................. 97

    6. O DISCURSO COMO LUGAR DE POSICIONAMENTO: CARTOGRAFANDO A IDENTIDADE DA IURD ............................................................................................102

    6.1 Nos Quatro Cantos da Terra: uma Misso pelo Mundo........................................103 6.2 As Catedrais como Espao Mgico ..............................................................................113 6.3 Reconhecimento, Ao Social e a Solidariedade ................................................ 117

    7. DEFININDO E POSICIONANDO O OUTRO .............................................................. 123

    7.1 As Marcas da Maldade............................................................................................ 124 7.2 As Armadilhas do Ch ............................................................................................ 134 7.3 O Silncio Estridente do Discurso.............................................................................. 138

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 140

    REFERNCIAS................................................................................................................. 146

  • RESUMO

    Desde o final da dcada de 1970 o campo religioso brasileiro tem sofrido grandes mudanas com o crescimento do pentecostalismo e o surgimento do movimento neopentecostal. Esse movimento de expanso se intensificou no incio dos anos de 1990 tendo como sua principal expoente a Igreja Universal do Reino de Deus IURD. O destaque e interesse de pesquisadores do campo das cincias sociais especialmente entre a Sociologia, Cincias da Religio e Antropologia pela IURD, tem se dado pela forma como esta instituio tem imprimido uma nova dinmica no campo religioso, produzindo e reproduzindo sentidos que possibilitam o estabelecimento de novas relaes dos sujeitos com suas crenas, valores e com o mundo. Neste sentido o principal destaque dessa nova forma de se relacionar com as crenas e com a f que a IURD vem construindo ao longo dos seus mais de trinta anos, apoiando-se numa proposta evangelstica baseada na teologia da prosperidade e num discurso carregado de sentidos de que a prosperidade e as bnos de Deus devem ser conquistadas aqui na terra (o que contraria as posturas do pentecostalismo clssico), sem dvida a utilizao das mdias na propagao de seu discurso, principalmente a mdia impressa. Neste sentido, nosso objetivo aqui entender como os discursos produzidos pelo Jornal Folha Universal principal meio de comunicao impressa da IURD tem produzido, termos, definies e descries que constroem e mobilizam sentidos sobre a identidade religiosa dos fieis da prpria igreja e como descrevem e posicionam outros grupos religiosos. Para efetivar esse objetivo, coletamos e utilizamos treze exemplares do jornal que composto por trinta e duas pginas e correspondem a trs meses de publicao do semanrio, sendo estes os meses de Janeiro, Fevereiro e Maro de 2010. Na anlise dos dados utilizamos a Psicologia Social Discursiva, cuja nfase dada na funo, variabilidade e efeitos do discurso, e que apresentam como principais representantes os tericos Jonathan Potter, Margaret Wetherell, Michael Billig e Derek Edwards. Identificamos durante a anlise que prevalece o uso de termos e descries sobre a identidade do sujeito iurdiano que enfatizam uma relao deste com a igreja, como principal meio pelo qual o sujeito conseguir adquirir as conquistas financeiras, espirituais, amorrosas e familiares. Quando o jornal descreve e posiciona a instituio IURD em seu discurso prevalece o uso de descries que colocam a igreja numa posio de destaque frente a outros grupos religiosos, estas expresses apontam a igreja como uma instituio de prestgio e sucesso no cenrio religioso nacional e internacional. Ainda so anexados descries que identificam a igreja como estando em constante crescimento e avano. As narrativas tambm deixam evidentes no discurso do jornal (um discurso que busca evitar posices explcitas, que evidenciam velhos entraves religiosos, doutrinrios e teolgicos, ou seja, uma forma no direta de posicionar o outro) a forma como a IURD busca posicionar outros grupos religiosos. Expresses como magia negra, maldade, dor e crueldade so organizadas retoricamente para produzir categorizaes negativas contra as religies de matriz-afro, ou seja, ao passo que o jornal produz descries e narrativas sobre fatos jornalsticos, o mesmo fabrica veres da realidade que objetivam desacreditar outros discuros de segmentos e instituies religiosas diversas, promovendo assim uma certa disputa no que chamamos de mercado religioso.

    Palavras-chave: Discurso, Identidade, Psicologia Social Discursiva, Folha Universal, Igreja Universal do Reino de Deus

  • ABSTRACT

    Since the late 70's the Brazilian religious field has undergone major changes with the growth of Pentecostalism and the rise of neo-Pentecostal movement. This movement of expansion has intensified in early 1990 having as its principal exponent of the Universal Church Kingdom of God - UCKG. The focus and interest of researchers in the field of social sciences especially with the Sociology, Anthropology of Religion and Science by UCKG, has been given for how this institution has printed a new dynamic in the religious field, producing and reproducing meanings that allow the establishment of new relationships with the subjects' beliefs, values and the world. In this sense the main highlight of this new way of relating to beliefs and faith that the UCKG has been building over its more than thirty years, relying on a proposal based on the theology of evangelism and prosperity in a speech laden with directions that the prosperity and blessings of God are to be won here on earth (which contradicts the postures of classical Pentecostalism) is undoubtedly the use of media in spreading his speech, especially the print media. In this sense, our goal here is to understand how discourses produced by the newspaper Folha Universal primary means of communication has produced printed UCKG, terms, definitions and descriptions that build and mobilize meanings about the religious identity of the faithful of the church itself and how to describe and position other religious groups. To accomplish this goal, we collect and use thirteen copies of the newspaper which is composed of thirty-four pages and the corresponding three months of publication of the weekly, which are the months of January, February and March 2010. In the data analysis used the Discursive Social Psychology, whose emphasis is on function, variability and effects of discourse, and which have as main representatives theorists Jonathan Potter, Margaret Wetherell, Michael Billig and Derek Edwards. Identified during the analysis that the predominant use of terms and descriptions about the subject's identity iurdiano that emphasize a relationship with the church as the primary means by which the subject will be able to acquire the financial achievements, spiritual, Amorites and family. When the paper describes and positions the institution UCKG prevails in his speech the use of descriptions that put the church in a prominent position compared to other religious groups, these expressions point to the church as an institution of prestige and success in national and international religious scene. Also attached are descriptions that identify the church as being in constant growth and advancement. The stories also make clear in the speech of the newspaper (a discourse that seeks to avoid explicit positions, which show old obstacles religious, doctrinal and theological, that is, a non-direct positioning the other) how the UCKG other religious groups seek to position . Expressions like black magic, evil, pain and cruelty are rhetorically organized to produce negative categorizations against the religions of african-matrix, ie, while the newspaper produces descriptions and accounts of journalistic facts, it makes Vercoe reality that aim to discredit other controversial speech segments and various religious institutions, thus fostering a degree of contention in what we call the religious market.

    Keywords: Discourse, Identity, Discursive Social Psychology, Folha Universal, Universal Church of the Kingdom of God

  • 12

    INTRODUO

    Nosso objetivo neste trabalho analisar as construes discursivas e retricas sobre a

    identidade religiosa da Igreja Universal do Reino de Deus - IURD e de seus fiis, veiculadas

    pelo Jornal Folha Universal, um dos instrumentos miditicos da igreja, e, sem dvida o maior

    deles. Desta forma nosso interesse est voltado especificamente em identificar e analisar,

    termos, definies, descries, argumentaes, artifcios retricos e teorias sobre a identidade

    presentes nos textos do jornal.

    Para a construo deste trabalho analisamos 13 exemplares do jornal Folha Universal,

    correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro e Maro de 2010. O jornal pertence Igreja

    Universal do Reino de Deus IURD, e gerenciado pela Universal Produes, empresa

    responsvel pela publicao de todos os instrumentos miditicos da igreja, como livros,

    jornais e revistas.

    A presente pesquisa estrutura-se como uma investigao de carter qualitativo e

    documental e que tem por base terico-metodolgica a perspectiva da Psicologia Social

    Discursiva. Esta abordagem teve inicialmente como seus principais percussores os psiclogos

    Jonathan Potter e Margareth Wetherel (1992), e busca enfatizar o importante papel exercido

    pela linguagem na construo das mais variadas realidades sociais, assim sendo, nossa

    pesquisa se insere na perspectiva dos estudos do discurso.

    Desta forma, a linguagem no entendida apenas como um simples instrumento de

    comunicao, mas sim como um importante elemento que interfere nos processos sociais e

    atravs da qual os sujeitos interagem se relacionam pensam e constroem o mundo ao seu

    redor. Assim sendo a linguagem considerada como uma prtica social e situa-se num

  • 13

    contexto social, histrico e ideolgico especfico, portanto o sentido do discurso est

    intimamente ligado ao seu lugar de enunciao, ou seja, ao seu contexto.

    Compreendemos que a identidade religiosa um fenmeno social e que se constri

    atravs de redes discursivas (VELSO et al, 2009). Desta forma, utilizaremos durante todo o

    trabalho os termos construo e fabricao. Ao utilizarmos estes termos estamos nos

    referindo idia de que nossos discursos sobre objetos, sujeitos, grupos sociais e sobre o

    mundo so manufaturados de recursos lingsticos (Ibdem).

    Percebemos nos ltimos anos um grande crescimento dos seguimentos religiosos

    protestantes neopentecostais no cenrio religioso brasileiro. Este grande movimento vem se

    intensificando fortemente desde o final da dcada de setenta, chegando a um grande nvel de

    complexificao na dcada de 1990, conforme nos apresentam diferentes pesquisas

    (FRESTON, 1995, FERNANDES, 1994; 1998, MARIZ e MACHADO, 1998).

    O crescimento neopentecostal vem produzindo relevantes modificaes no campo

    religioso brasileiro, merecendo uma anlise mais sistemtica que investigar os processos de

    fortalecimento institucional de algumas organizaes religiosas, e o modo como, estas

    fabricam e do visibilidade e suas identidades (MARIZ e MACHADO, 1998).

    Segundo dados do Atlas da Filiao Religiosa e Indicadores Sociais (JACOB, 2003)

    que dividiu a populao em quatro grandes grupos, catlicos, evanglicos de misso,

    evanglicos pentecostais e sem religio, embora 74% da populao se declarem ou se

    classifique como catlica, o ritmo de crescimento do nmero de catlicos est em queda, se

    levarmos em considerao o crescimento da populao. As projees indicam que o nmero

    de catlicos deve cair para 65%. Na contramo destes dados aparecem os evanglicos que

    tiveram seu crescimento acentuado e passaram de 6% para 10,6% considerando os dados

    entre 1991 e 2000. Ainda sobre os dados do Censo do IBGE (2000) 15,5% de evanglicos

  • 14

    representam um contingente de aproximadamente 26 milhes de adeptos, e desses

    aproximadamente 10,43% so pentecostais.

    Refletindo sobre o tema identidade religiosa e igreja universal

    De acordo com a reviso da literatura feita sobre a temtica da identidade religiosa da

    IURD observamos a predominncia de pesquisas nos campos da Sociologia, Lingstica,

    Cincias da Religio e Antropologia.

    Utilizando como fonte de busca de referncias o Banco de Teses e Dissertaes da

    CAPES (Coordenao de Pessoal de Nvel Superior) depois de efetuada a busca, atravs do

    termo/categoria, Igreja Universal do Reino de Deus, encontramos 128 dissertaes de

    mestrado cadastradas de 1991 a 2009, se especificarmos a busca introduzindo o termo

    Psicologia, somente 8 trabalhos aparecem e dentre estes apenas 3 esto dentro da rea de

    conhecimento da Psicologia e foram produzidos entre o mesmo perodo, so eles: (RIOS,

    2007; SANTOS, 2006; PENTEAN, 2004 ).

    No entanto se anexarmos o termo identidade na busca juntamente com os termos

    anteriores encontraremos 19 pesquisas relacionadas ao tema, e so elas: (SANTOS, 2006;

    OLIVA, 2001; RUBIM, 1991; CARMO, 2001; BANDINI, 2003; SAQUETTO, 2007;

    SILVA, 2000; FABRE, 2000; JUNIOR, 2006; MNEGO, 2009; MODES, 2007;

    GONALVES, 2009; RIBEIRO, 2002; OLIVEIRA, 2006; SILVA, 2009; NETO, 2009;

    MUNIZ, 2000; FERRAZ, 2001; ALMEIDA, 2007). J se buscarmos o mesmo termo para

    teses de doutorado encontramos apenas 40 trabalhos realizados no perodo de 1996 a 2009

    relacionados com a Igreja Universal do Reino de Deus e destes apenas 4 esto associados a

  • 15

    temtica da identidade, inexistindo trabalhos relacionados a Psicologia e ou Psicologia

    Social.

    Diferentemente desses trabalhos que colocaram como seus objetos de pesquisa os

    comportamentos, relaes, imagens e sentidos, estamos interessados em nossa pesquisa em

    compreender os emaranhados discursivos que permeiam as relaes sociais cotidianas e que

    acabam por construir o mundo. E atravs deste olhar que pretendemos ver os discursos

    presente nos textos do Jornal Folha Universal.

    Neste sentido o discurso compreendido como prtica social. Essa nfase no discurso

    como uma prtica social, tem sua fundamentao nos escritos de Wetherell e Potter (1992, p.

    90). Segundo Oliveira Filho, vai existir duas consequncias principais para a aplicao do discurso

    como prtica, social e so elas:

    Em primeiro lugar, o sentido de um discurso (de um texto ou de uma fala) no derivado de seu significado ou de sua organizao, considerados em termos abstratos: o sentido de um discurso derivado de seu uso em determinadas situaes. Em segundo lugar, o entendimento do discurso como prtica social impede a tentativa de derivar discursos de algum conjunto de materiais, procurando observar como tais discursos trabalham juntos, e contra outros discursos, em termos abstratos, como na abordagem foucaldiana do discurso (OLIVEIRA FILHO, 2003, p. 97.).

    Desta forma, o sentido do discurso ser fabricado pelas suas condies de produo

    dentro da prtica social. No entanto buscaremos analisar o discurso religioso produzido pelo

    jornal Folha Universal, a partir das intervenes propostas por este discurso na vida cotidiana

    dos adeptos da IURD. Sendo assim buscaremos compreender assim como Wetherell e Potter

    as funes dos discursos, suas estratgias de dominao e como grupos especficos da

    sociedade (em nosso trabalho a IURD) defendem discursivamente seus interesses.

    Para a abordagem da Psicologia Social Discursiva, se rejeita a ateno dada pelos

    psiclogos cognitivistas que explicam os fenmenos apenas a partir de elementos mentais. No

  • 16

    entanto para Potter (1996), devemos analisar como elementos psicolgicos so apresentados

    nos discursos cotidianos e como estes discursos influenciam a construo da vida social.

    Evidentemente se faz necessrio ressaltar que os psiclogos scios no desprezam os

    aspectos subjetivos presente nas relaes humanas. No entanto buscam analis-las no as

    separando do mundo externo, considerando estas como pertencentes as interaes discursivas.

    (EDWARDS, 2006)

    Nesta perspectiva o estudo do discurso proposto pela Psicologia Social Discursiva se

    apresenta como sendo de fundamental importncia para a busca do entendimento e

    compreenso das relaes scias que se estabelecem discursivamente nas prticas cotidianas

    bem como para o alcance dos objetivos desta pesquisa. Sendo assim o pesquisador deve estar

    empenhado em observar dentro das interaes dos sujeitos as prticas discursivas que se

    estabelecem nestas relaes. (POTTER & EDWARDS, 2001)

    Os tericos da Psicologia Social Discursiva entendem o discurso como construdo e

    construtivo e buscam investigar como a linguagem utilizada nas prticas discursivas

    cotidianas dos indivduos, a fim de produzir verses do mundo (GILL, 2003).

    Dos captulos da dissertao

    No primeiro captulo, A exploso do movimento Pentecostal e Neopentecostal

    no Brasil, fazemos uma reviso da literatura que trata do tema sobre a insero dos

    movimentos Pentecostal e Neopentecostal no pas bem como estes movimentos religiosos

    cresceram de forma grandiosa em meio as vrias prticas religiosas existentes em nossa

  • 17

    cultura. Tambm buscamos mapear o percurso de formao da Igreja Universal do Reino de

    Deus IURD.

    No segundo captulo, A perspectiva discursiva na psicologia social,

    introduzimos as discusses sobre a abordagem terico-metodolgica na qual estruturamos

    nossa discusso sobre os sentidos, signos e significados trazidos pelo jornal Folha Universal

    que contribuem para a fabricao da identidade social dos sujeitos e grupos. Nesta parte

    buscamos ainda mostrar os fundamentos e principais conceitos trazidos pela Psicologia Social

    Discursiva.

    O captulo terceiro, A identidade em questo: compreendendo o fenmeno

    atravs da Psicologia Social, tratamos de abordar algumas teorias e conceitos sobre a

    constituio da identidade social dos sujeitos e grupos sociais. Buscamos discutir como estas

    teorias e conceitos elaborados por alguns tericos e tambm apresentamos as contribuies

    trazidas pela abordagem discursiva da Psicologia Social e por ultimo discutimos a influncia

    dos recursos miditicos no processo de fabricao da identidade.

    O captulo quarto, O Mtodo, apresenta o caminho metodolgico escolhido por

    ns, no sentido de viabilizar a execuo da pesquisa e o tratamento dos dados colhidos

    durante a anlise. Nesta parte caracterizamos o jornal, objeto de nossa anlise alm de

    aclararmos os procedimentos analticos que adotamos durante a anlise propriamente

    dita.

    O quinto captulo, Definindo e descrevendo o sujeito iurdiano, o primeiro

    captulo analtico, onde discutimos com base no material de anlise as definies,

    descries, termos e sentidos sobre a identidade religiosa construdos pelo jornal Folha

  • 18

    Universal. Nesta parte apresentamos com base nos textos do jornal, as categorias

    elaboradas para descrever o sujeito/fiel da igreja.

    O sexto captulo, O discurso como lugar de posicionamento: cartografando a

    identidade da IURD, nosso interesse nesta parte da anlise est em identificar como

    so organizados discursiva e retoricamente os discursos, no sentido de construir e

    posicionar a identidade religiosa da IURD.

    O stimo e ltimo captulo da anlise, Definindo e posicionando o outro,

    tratamos acerca das construes discursivas elaboradas pelo jornal sobre outros grupos

    religiosos. Compreendemos que ao se posicionar no discurso enquanto grupo religioso a

    IURD acaba por categorizar negativamente outros grupos, numa busca incessante pela

    captao de fiis e pela hegemonia no campo religioso nacional.

    E, por fim, apresentamos nossas Consideraes finais.

    1. A EXPLOSO DO MOVIMENTO PENTECOSTAL E NEOPENTECOSTAL NO BRASIL

    Neste captulo buscamos apresentar em linhas gerais os caminhos e percursos do

    movimento pentecostal e neopentecostal no Brasil, bem como, estes movimentos ganharam

    proporo e passaram a ser alvo de vrias pesquisas no campo das cincias sociais.

    Tendo como base o protestantismo o movimento pentecostal surgiu nos Estados

    Unidos em 1901, no entanto, desde ento tem tomado um direcionamento prprio. Os

    pentecostais acreditam que os dons do esprito continuam a se manifestar em nossos dias.

  • 19

    Segundo este grupo so elementos importantes para o exerccio da prtica crist a glossolalia1

    (o dom de falar em lnguas desconhecidas), e ainda o dom da cura e o da profecia. Estes ainda

    so orientados para uma vida regrada evitando os hbitos mundanos, ou seja, os seguidores

    destes grupos religiosos devem se diferenciar dos que no pertencem ao grupo, os que so do

    mundo, no utilizando as mesmas roupas, no ouvindo as mesmas msicas e principalmente

    no convivendo com eles (SIEPIERSKI, 2001).

    Segundo Silveira (2007), assim que comeam a se expandir no pas os pentecostais

    passam tambm a serem identificados como crentes, mesmo no sendo nem teologicamente

    nem doutrinariamente iguais aos ditos tradicionais, que derivaram do movimento da reforma,

    como por exemplo, as igrejas Luteranas, Batistas Tradicionais, Adventistas, Presbiterianas e

    Episcopais. Assim os tradicionais passam a assumir a nomenclatura de Evanglicos, pois

    desta forma estariam demarcando o lugar dos novos crentes como no pertencentes a suas

    tradies, costumes e, sobretudo a seu conjunto de crenas.

    O pentecostalismo inicia suas atividades no Brasil em 1910, no mesmo ano iria ser

    fundada a Congregao Crist no Brasil na cidade de So Paulo. Logo depois outras igrejas

    pertencentes ao mesmo seguimento desembarcam em nossa terra, como a Assemblia de

    Deus, Igreja do Evangelho Quadrangular, Igreja Pentecostal Deus Amor e Igreja Pentecostal

    o Brasil para Cristo.

    Assim como os pentecostais, mais visivelmente com uma fora de expanso e de

    aquisio de seguidores bem maior, surge no Brasil o movimento neopentecostal, na segunda

    metade da dcada de 1970. Produto genuinamente brasileiro esse novo modo de adorar a

    Deus, aparece com uma fora avassaladora e com um crescimento impressionante. Esta

    1 Ver, OLIVEIRA JUNIOR, Antnio Wellington de. Lnguas de anjos: sobre glossolalia religiosa. Dissertao

    de Mestrado. PUC. So Paulo, 1997.

  • 20

    corrente vem apregoando a Teologia da Prosperidade, doutrina cuja nfase dada na busca

    por conquistas e resultados financeiros, obtendo para isso o favorecimento divino para a

    completude da vida material (CAMPOS, 1997 p. 363), o que de certo modo contrrio as

    idias pentecostais. Dentro desta perspectiva surgem igrejas como a Universal do Reino de

    Deus, Comunidade Evanglica Sara Nossa Terra, Igreja Internacional da Graa de Deus e a

    Igreja Apostlica Renascer em Cristo. Segundo as crenas e doutrina das igrejas

    neopentecostais questes como a salvao, enchimento do esprito ficam em segundo

    plano e abrem espao para a vitria financeira e a batalha espiritual.

    Segundo Mariano (2004, p. 123), o fenmeno pentecostal no Brasil, se apresenta em

    trs movimentos distintos. No primeiro que o autor chama de pentecostalismo clssico e que

    abrange as igrejas, Assemblia de Deus, fundada em 1911 e a Congregao Crist no Brasil,

    fundada em 1910. O segundo no aparece com uma nomenclatura de consenso entre os

    tericos, contudo, desenvolvido pelas seguintes instituies religiosas, Igreja do Evangelho

    Quadrangular, fundada em 1953, O Brasil para Cristo, fundada em 1955, Deus Amor,

    fundada em 1962 e a Misso Nacional Casa da Beno, fundada em 1964. O terceiro e ltimo

    movimento caracterizado como neo-pentecostalismo, e traz consigo igrejas como a

    Comunidade Evanglica Sara Nossa Terra, fundada em 1976, Igreja Universal do Reino de

    Deus, fundada em 1977, Igreja Internacional da Graa de Deus, fundada em, 1980 e Renascer

    em Cristo, fundada em 1986.

    Se buscarmos aplicar comparaes de cunho teolgico entre estes trs movimentos,

    teremos, segundo Campos (1997, p. 16), apenas dois grupos, pentecostais e neopentecostais.

    Sendo assim as demarcaes teolgicas, mas evidentes nestes dois grupos apresentados por

    Campos sero as seguintes: os pentecostais, vo dar uma nfase muito grande ao batismo do

    Esprito Santo, que confirmado pela glossolalia e as curas divinas, enquanto os

  • 21

    neopentecostais do nfase s batalhas espirituais contra o diabo, alm de defenderem a

    Teologia da Prosperidade e de no colocarem como prioridade a prtica de alguns rituais

    tradicionais como os da busca pelos dons do esprito santo, a santificao do corpo e a busca

    pelo conhecimento da bblia, comumente praticados pelos pentecostais e tradicionais

    (SIEPIERSKI, 2001).

    No entanto nos parece ser um fator importante de se destacar que estes seguimentos religiosos

    neopentecostais tem se expandido grandiosamente em terrenos populares, conforme nos

    apontam as pesquisas de ROLIM (1985) e CORTEN (1996). Da mesma forma aponta os

    dados do ltimo Censo do IBGE (2000), que confirma a expanso, pluralismo e

    fracionamento destes vrios seguimentos (PIERUCCI, 2004, p. 15), que formam nosso atual

    cenrio religioso. Os dados sugerem ainda que exista uma maior participao de negros,

    pardos, mulheres e que estas adeses se do em meios urbanos.

    Estes dados apontam para um movimento que acontece dentro desses grupos

    religiosos onde, estes novos adeptos trazem consigo experincias de outras prticas de culto

    como do catolicismo, e das religies de matriz-afro alm da influncia dinmica que o cenrio

    urbano e globalizado apresenta, oferecendo a estas pessoas frmulas e mtodos que prometem

    a felicidade e soluo para os mais variados problemas sociais e espirituais.

    Camura em pesquisa realizada em 2006, analisando os dados colhidos pelo Censo do

    IBGE com a assessoria do ISER (Instituto de Estudos da Religio) sobre as adeses a

    movimentos religiosos, diagnstica uma diversificao muito grande de adeses a vrias

    religies, ou seja, um movimento de pluralizao religiosa que vem acontecendo em nosso

    pas, e que vai deixando a velha hegemonia catlica aos poucos para trs e apontando para um

    futuro bem prximo onde, se pode crer ou no crer, ser ou no ser, e o mais importante onde

    se pode estar bem e encontrar o sagrado da sua forma.

  • 22

    Respondendo pergunta: qual sua religio?, chegou-se a trinta e cinco mil (35.000) respostas diferentes. O trabalho de anlise, crtica e classificao desses dados pelo IBGE com a consultoria do Iser logrou eliminar repeties e erros de denominao para se chegar 500 respostas, que devidamente reagrupados e enxutas redundaram numa tipologia de cento e quarenta e quatro (144) classificaes de diferentes religies do Brasil, incluindo os sem religio e os de religio determinada. (CAMURA, 2006, p.37)

    Essas novas configuraes do cenrio religioso brasileiro que tem se dado nas ultimas

    dcadas, principalmente com o crescimento visvel do movimento pentecostal e

    neopentecostal, tem produzido novas construes acerca das concepes sobre poltica,

    famlia, sexualidade e, sobretudo construes discursivas acerca da identidade religiosa/crist.

    Alguns autores tratam e problematizam essas novas formas de configurao do exerccio da

    religio, abordando especialmente o desenvolvimento da Igreja Universal do Reino de Deus

    (MARIANO, 1995; OLIVA, 1997; GIUMBELLI, 2002; BIRMAN, 1996, 1997, 1999;

    GOMES, 2004; ORO, 1993, 2001, 2005, 2006; OLIVEIRA, 2009).

    Segundo Almeida (2004), os movimentos neopentecostais tem tido uma habilidade

    muito grande de assumir, compor e resignificar elementos e smbolos de outras religies o que

    possivelmente garantiu sua grande expanso, e aceitao nas camadas populares brasileiras.

    1.1. O crescimento do campo religioso brasileiro e o espetculo da f

    notvel o destaque e visibilidade que tem tomado o campo religioso brasileiro nestas

    ultimas dcadas. Com o surgimento do movimento pentecostal e neopentecostal, este campo

    sofreu um alargamento vertiginoso, e que visivelmente tem chamado a ateno de vrios

    pesquisadores e estudiosos das religies. Este movimento de deslocao de afiliaes

    religiosas quase nos passa despercebido, se no fosse o olhar aguado de estudiosos como

  • 23

    Jacob (2003), Antoniazzi (2003), Camura (2006), Mendona (2006) e tambm da amostra do

    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE (2000). Utilizando-se de seu ltimo

    censo, podemos observar os novos caminhos e arranjos que estes movimentos tomaram frente

    os vrios acontecimentos e mudanas, nos campos da poltica, tecnologia, cincia e,

    sobretudo, da comunicao.

    Segundo esta nova conjuntura um novo modelo de empreendimento religioso se

    tornou estratgico em nossos dias, visto o grande crescimento do consumo de produtos de

    entretenimento produzidos pelos veculos de comunicao de massa, tendo ai um especial

    destaque para a TV e internet. Estas novas formas de pregar o evangelho se atrelando a

    veculos de comunicao de massa, como jornais, revistas, rdios, emissoras de televiso e

    mais recentemente a internet, tem se tornado uma prtica comum, assim como nos aponta em

    sua pesquisa Bonffati (2000).

    ...crescem a olhos vistos o nmero de templos e de denominaes. Seus membros j no se escondem mais, seus templos esto por todas as partes, em lugares destacados, onde outrora eram antigos e amplos cinemas e casas de espetculos ou ento so simplesmente construdos em pouqussimo tempo. Eles esto nas ruas realizando passeatas e anunciando Jesus Cristo, em diversos locais pblicos ou em ginsios e estdios lotados. Mesmo assim, se evitarmos e tentarmos ignorar sua presena eles aparecem em nossas casas em programas de rdios ou de tvs. Esto no dia-a-dia do cenrio brasileiro e em atividades no necessariamente religiosas, competindo com xito neste mundo externo. Esto na cultura, na poltica, nas favelas, na mdia, no mundo virtual da internet com pginas pessoais e institucionais, nas empresas, nos presdios, nos bairros centrais, nos distantes e nos marginalizados (BONFFATI, 2000).

    Neste contexto, impressionante o modo como se ampliam e se desenvolvem os

    projetos de investimentos das igrejas neopentecostais em veculos miditicos, tendo se

    destacado as igrejas, Universal do Reino de Deus IURD, Igreja Internacional da Graa de

    Deus IGD, Igreja Mundial do Poder de Deus IMPD e a Igreja Renascer em Cristo IRC,

    neste sentido apontam as pesquisas de (PATRIOTA, 2003, 2008. FIGUEIREDO, 2007 e

  • 24

    CRUZ, 2009). No entanto nenhuma delas se compara ao projeto de comunicao da IURD,

    que em seus mais de trinta anos de fundao j detm uma estrutura de comunicao

    impressionante, aglomerado empresas como a gravadora, Line Records, Editora Grfica

    Universal, Editora Universal Produes, Editora Ediminas S/A, emissoras de rdio e televiso

    como a Rede Record, Rede Aleluia, Rede Mulher e jornais como Hoje em Dia e a Folha

    Universal que atualmente se apresenta como o jornal de maior tiragem semanal da Amrica

    Latina com mais de dois milhes e setecentos mil exemplares por tiragem2, tendo

    ultrapassado jornais de grande porte como a Folha de So Paulo e O Estado de So Paulo.

    Com esta vasta estrutura de comunicao a IURD vem se tornando a mais poderosa e

    representativa instituio religiosa neopentecostal deste pas e possivelmente da Amrica

    Latina, estando atualmente presente em mais de 1703 pases do mundo e possuindo mais de 8

    milhes4 de adeptos s no Brasil. Passando a ser alvo de constantes acusaes e denncias

    sobre suas formas de arrecadar dinheiro e de movimentar as ofertas e dzimos dos fieis.

    A espetacularizao da f tem sido uma das formas com que a IURD entre outras

    igrejas vem apresentando os seus produtos religiosos. Investindo na propagao de seu iderio

    em pblicos menos favorecidos socialmente a Igreja Universal do Reino de Deus busca

    produzir bens de consumo que atendam de forma direta a esse pblico, dando-lhes o que

    precisam para que conquistem o sucesso e para que recebam de Deus as bnos sem

    medida. Mrio Justino ex. pastor da igreja escreve em seu livro Nos Bastidores do reino: a

    histria secreta da Igreja Universal, como so ministrados os rituais dos cultos da IURD.

    2 Informao veiculada pelo portal Arca Universal, que aponta a BDO Trevisan Auditores, como tendo sido a

    empresa responsvel pela auditoria em toda a linha de produo dos jornais nas instalaes da Ediminas Editora responsvel pela confeco dos mesmos. Disponvel em http://folha.arcauniversal.com.br, acessado em 10/11/2009. 3 Informao divulgada pelo jornal Folha Universal em 20 de Setembro de 2009, na sua edio de n 911.

    Disponvel em http://folha.arcauniversal.com.br/integra. Acessado em 18/12/2009. 4 Informao divulgada pelo jornal Folha Online em 20/08/2009. Disponvel em

    http://www.folha.uol.com.br/folha. Acessado em 23/07/2009.

  • 25

    Os cultos eram feitos com gritos frenticos dos apresentadores e a participao ativa da platia. Esse espetculo espiritual dividido em duas partes e chega ao clmax quando so realizados os exorcismos. Nesse momento, pessoas aos gritos comearam a rolar pelo cho e jogar para cima os bancos da igreja. Algumas chegam a entrar em E a luta corporal com os pastores e obreiros [...] Geralmente entrevistvamos os endemoniados e, para mostrar ao respeitvel pblico que tnhamos poder sobre ele, fazamos com que as pessoas andassem de joelhos ao redor da igreja, ou batessem a cabea nos nossos ps, ou latissem ou ainda que imitassem galinhas, porcos e outros animais. Isso dependia da imaginao de cada pastor (JUSTINO, 2002: p.41).

    Entretanto comum vermos pessoas buscando produtos religiosos que atendam as

    suas necessidades, e para isso percorrem vrias instituies religiosas, a fim de encontrar o

    remdio para as dores e mazelas de suas vidas, esta busca incessante pelo bem estar religioso

    tem se intensificado por conta das condies duras que a modernidade e o neoliberalismo,

    atrelados ao processo de globalizao vm desenvolvendo em nossa sociedade. Desta forma,

    este pluralismo se apresenta como sendo um pluralismo religioso de mercado (OLIVEIRA,

    2009). Ainda sobre este aspecto nos explica Berger:

    Situao pluralista , acima de tudo, uma situao de mercado. Nela, as instituies religiosas tornam-se agncias de mercado e as tradies religiosas tornam-se bens de consumo. E, de qualquer forma, grande parte da atividade religiosa nessa situao vem a ser dominada pela lgica da economia de mercado (BERGER, 1985: p.149).

    Assim nos deparamos hoje, com situaes onde a f no mais est atrelada a crenas e

    tradies religiosas, que tem como nico objetivo a salvao e redeno dos pecados, mas

    sim, com uma lgica do consumo, onde o fiel o consumidor e est pronto para ser

    apresentado a novos produtos e novos servios, que lhes possibilitem estabelecer uma espcie

    de relao de troca com o divino, onde os fiis, ou seja, aqueles que fazem seus sacrifcios

    podem cobrar uma resposta de Deus. Assim sendo fica evidente a relao de clientelismo que

    se estabelece entre Deus e seus servos.

  • 26

    Neste cenrio que se apresenta como sendo duradouro o poder do movimento de

    espetacularizao parece crescer desenfreadamente tendo como seu carro chefe a soluo

    imediata dos problemas, doenas e toda sorte de mazelas que venham a atormentar as pessoas.

    Evidentemente que fundada no movimento da Teologia da Prosperidade esse discurso ganha

    fora quando tenta atrelar vitria espiritual a conquistas financeiras de todo tipo, e desta forma

    os que no conseguem atingir vitrias, ou seja, conseguir receber de Deus o ouro e a prata

    so vistos como sem f.

    1.2. Made in Brazil: a Igreja Universal do Reino de Deus um fenmeno puramente

    nacional

    A histria da IURD por vezes se soma com a de seu fundador o Bispo Edir Macedo,

    que se utilizando de uma lgica administrativa e empresarial competente o bispo conseguiu

    transformar uma pequena congregao do subrbio do Rio em uma slida estrutura

    administrativa que vem crescendo ano aps ano, e ao longo desses mais de trinta anos de

    existncia, a IURD hoje ocupar o lugar de maior e mais rico grupo religioso neopentecostal

    do Brasil. Tendo comeado seus primeiros cultos em um coreto no bairro do Mier no Rio de

    Janeiro e tendo logo aps alguns anos j dado o prenuncio do que estaria por vir, com seu

    projeto de implantao de templos e catedrais, por todo o Brasil e pelo mundo, a IURD j na

    dcada de oitenta iniciava a sua internacionalizao pelo mundo a fora, chegando aos Estados

    Unidos pas onde tem at hoje templos e que j disputam freqentadores com as igrejas

    tradicionais daquele pas (FIGUEIREDO, 2007).

  • 27

    Envolvida em uma vasta malha de ramificaes empreendedoras, a IURD apresenta a

    cada dia novas aes para expandir seus negcios, e, segundo a revista Veja5, pode ser

    considerada uma empresa transnacional da f, chegando a arrecadar anualmente trs bilhes

    de reais entre dzimos e lucros das empresas ligadas a ela. Este projeto ganha cada vez mais

    fora quando encontra terrenos onde o nvel cultural e de instruo das pessoas mais baixo,

    e o nmero de pessoas em situao de pobreza maior (FIGUEIREDO, 2007).

    Focando suas foras nas classes menos favorecidas da populao, a IURD agrega a

    seus templos e catedrais, quase sempre instalados em subrbios e regies perifricas, vrios

    servios, um exemplo o Templo da Glria do Novo Israel, construdo na zona norte do

    Estado do Rio de Janeiro, o maior templo da Amrica Latina em rea construda, cerca de

    45.000 mil metros quadrados, e agrega museu, praa de alimentao, livrarias, escolinhas

    infantis, cyber caf, alm de possuir estdios para transmisso de rdio e televiso (GUEDES

    JR. 2005).

    1.3. Espaos miditicos e disputa de poder: o mercado religioso brasileiro e os

    usos e abusos dos meios de comunicao de massa

    A luta por espao no mercado religioso colocou os vrios movimentos pentecostais e

    neopentecostais numa corrida para garantir seu espao, sua voz, no novo mundo globalizado e

    altamente movido pelos meios de comunicao, principalmente pela televiso. Assim no

    basta somente ter o melhor produto, tem que saber comunicar, anunciar bem seus servios,

    desta forma comeam a surgir vrios programas de tv administrados por igrejas, na busca pela

    5 Revista Veja de 20 de julho, de 2005, p.92

  • 28

    fidelizao de seus clientes. Neste aspecto se destacam os investimentos da IURD em

    comunicao. Conforme dados do jornal Folha de So Paulo a IURD e seus pastores e bispos

    j so donos atualmente de 23 emissoras de televiso e 406 emissoras de rdio em todo o pas,

    e ainda contam com mais 36 rdios que so arrendadas pela Rede Aleluia, ou seja, atualmente

    a IURD controla a maior fatia de concesses de televiso e rdio do Brasil.

    No entanto o crescimento expressivo do uso de programas no rdio e na TV e, mas

    atualmente na internet, incentivados pela lgica de mercado e pelo show bussines, que se

    desenvolvem atravs da indstria do entretenimento, nos leva a um aumento gigantesco e at

    abusivo do uso dos meios de comunicao por estes seguimentos religiosos no sentido de

    promover suas idias e buscar fiis.

    Estes grupos tm disputado entre si pelo domnio dos meios de comunicao e pelas

    concesses de rdio e televiso, espaos onde estes grupos constroem e propagam seus

    discursos. Nos ltimos anos este tipo de mecanismo religioso tem tido um aumento

    significativo em sua oferta, disponveis em qualquer horrio e at mesmo em pacotes de tv a

    cabo, como fez a Igreja Renascer em Cristo que detm um canal na TV fechada, no estado do

    Rio de Janeiro.

    Outro fator importante de se destacar sobre a questo do aumento do uso de veculos

    de comunicao por grupos religiosos sem dvida a posio poltica laica que tem adotado o

    governo brasileiro, que deixou de ser um estado catlico para assumir uma postura plural,

    fruto tambm do aumento da representatividade poltica de vrios grupos religiosos no

    congresso e senado federal facilitando o acesso a concesses de rdio e TV por parte destes

    grupos (MARIANO, 2003).

    6 Informao divulgada pelo jornal Folha Online em 15/12/2007. Disponvel em

    http://www1.folha.uol.com.br/folha. Acessado em: 10/01/2010.

  • 29

    Se tratando de mdia impressa e televisiva, nenhum outro grupo religioso to

    poderoso quanto a IURD, detentora da Rede Record, atualmente a segunda maior emissora de

    tv aberta do pas e tambm dona da Folha Universal, que neste trabalho o foco de nossa

    investigao. Utilizando-se destes instrumentos de comunicao a IURD sai na frente na

    disputa por novos fieis e pela manuteno do seu discurso religioso. Essa disputa por espao

    tem tomado cada vez mais proporo a ponto de existir quase que declaradamente uma guerra

    entre as Oganizaes Globo forte grupo de comunicao do pas e a IURD/RECORD. Esta

    disputa pelo controle da comunicao no pais tem estado as claras nas manchetes de jornais e

    telejornais de todo o pas desde que a Rede Record, comeou a ameaar o controle do

    monoplio da comunicao exercido pelas Organizaes Globo desde a poca da ditadura

    militar, perodo em que a Rede Globo conseguiu potencializar seus empreendimentos.

    Este processo de disputa pelo poder miditico principalmente televisivo, justificou os

    grandes investimentos que a IURD tem realizado nestes ltimos anos com compra de horrios

    na grade de programao de algumas emissoras de televiso para transmisso, de deus

    programas, investimentos que segundo matria veiculada pela revista Veja chegam a quase, 1

    bilho7 de reais em trs anos. Este expressivo investimento em comunicao demonstra a

    grande preocupao que esta instituio tem em manter atual e sempre presente o seu

    discurso, sua pregao envolvidos em um conjunto retoricamente organizado de verdades

    sobre o que se deve e o que no se deve fazer acerca da postura crist neopentecostal, ou seja,

    este discurso promovido pela IURD pretende de maneira implcita constituir, forjar, delinear o

    sujeito iurdiano aos moldes dos interesses da prpria igreja, assim este sujeito deve ter sua

    identidade fabricada e reafirmada por e nestes espaos.

    7 Notcia veiculada pela revista Veja, em 15/08/09. Disponvel em: http://g1.globo.com/Noticias/Brasil.

    Acessado em: 23/11/09.

  • 30

    2. A PERSPECTIVA DISCURSIVA NA PSICOLOGIA SOCIAL

    Neste captulo pretendemos apresentar os antecedentes histricos da perspectiva

    discursivamente orientada da Psicologia, bem como, algumas contribuies que a tornaram

    um caminho de anlise importante na Psicologia Social.

    A proposta apresentada pela Psicologia Discursiva de desenvolver um mtodo que

    prestasse ateno na construo social, e, mais diretamente, na construo discursiva dos

    processos psicolgicos e sociais acabou por colocar em evidncia argumentos e recursos que

    proporcionaram uma fonte de discusso e reflexo sobre o modo de como se compreender a

    prtica psicolgica e a produo de conhecimento (IIGUEZ, 2005).

    Seja por sua proposta transdisciplinar ou pela multiplicidade do conceito de discurso,

    ou pelas vrias formas de abordagem metodolgica ou ainda pelo seu carter renovador, a

    Perspectiva Discursiva tem se tornado uma eficiente ferramenta de trabalho nos ltimos anos

    nas pesquisas em cincias sociais.

    Buscando identificar os antecedentes histricos da Perspectiva Discursiva devemos

    evidenciar as contribuies de Wittgenstein e as suas reflexes desenvolvidas em torno do

    conceito de jogos de linguagem8 como importante contributo para o que se convencionou

    chamar de Giro Lingstico (IBAEZ, 2003). No nos interessa neste trabalho apresentar

    de forma detalhada os autores e desdobramentos tericos que ocorreram neste movimento, no

    entanto indispensvel evidenciar o rompimento com a tradio cartesiana em que a

    linguagem se apresenta como um simples veculo para expressar nossas idias.

    8 Para uma maior compreenso sobre o conceito de Jogos de Linguagem ver. WITTGENSTEIN, Ludwig.

    Investigaes Filosficas. Traduo Jos Carlos Bruni. So Paulo: Nova Cultural, 1989. (Coleo os pensadores)

  • 31

    Ela [a linguagem] a prpria condio do nosso pensamento e, para entender esse ltimo, temos que nos concentrar nas caractersticas da linguagem em vez de contemplar o suposto mundo interior de nossas idias. Nosso conhecimento no se radica nas idias que dele fazemos; ele se abriga, sim, nos enunciados que a linguagem nos permite construir para representar o mundo (BAEZ, 2004, p. 33).

    Na perspectiva discursiva a linguagem passa a ter um papel central nas cincias scias,

    compreendendo-se que grande parte das aes humanas so lingsticas (IIGUEZ, 2005).

    Outra importante contribuio foi a do filsofo John Austin com sua teoria dos atos de

    fala. Segundo Austin (1962) a lngua no teria somente a funo de descrever a realidade, mas

    tambm de produzir aes, ou seja, para este autor a linguagem uma prtica social, e esta

    considerao se faz necessria para a compreenso da interao humana (IIGUEZ, 2005).

    Enquanto Wittgenstein tinha a linguagem fragmentada em um grande nmero de diversos jogos de linguagem que de certa forma desafiavam uma caracterizao precisa e ampla, a meta de Austin era especificamente dar uma explicao ampla, sistemtica dessa linguagem ativa9 (POTTER, 2001, p. 43).

    Outra tradio importante que influenciou a Perspectiva Discursiva em Psicologia

    Social foi sem duvida a Etnometodologia. Esta perspectiva sociolgica desenvolvida por

    Harold Garfinkel (1967) se tornou importante pela relevncia que atribui aos processos que

    do sentido vida cotidiana, e assim sendo apresenta a linguagem como sendo uma dimenso

    fundamental de tais prticas.

    O ponto de vista etnometodolgico leva em conta o carter intencional dos agentes

    sociais e a sua reflexividade, desta forma os sujeitos que participam do processo de interao

    esto conscientes das regras que devem seguir, assim sendo estes sujeitos podem ao passo que

    9 No original ingls: Whereas Wittgenstein has language fragmented into a huge number of diverse language

    games that are likely to defy a precise overall characterization, Austin's aim was specifically to give an overall, systematic account of this active language.

  • 32

    constroem essas regras, reconstru-las e transform-las (ANTAKI & IGUEZ, 1996;

    IGUEZ, 1997; IGUEZ & ANTAKI, 1998).

    Para a Etnometodologia a indexicalidade exerce uma importncia fundamental, e a

    propriedade segundo a qual, as aes obtm significados diversificados em contextos

    especficos e possibilitam uma complementao compreenso de dois aspectos importantes,

    o primeiro o de ver as regras sociais como algo flexvel e em constante construo, e por

    outro lado a possibilidade de ver como o significado elaborado e compartilhado dentro do

    processo de interao e em cada contexto (GARAY; IIGUEZ; MARTINEZ, 2005).

    Tanto a Anlise do Discurso quanto a Perspectiva Discursiva contaram com a

    influncia importante da lingstica estrutural e da idia de arbitrariedade do signo lingstico

    assim como foi estabelecida por Ferdinand de Saussure (1916).

    Como no h nenhuma relao necessria entre o significante e o significado, o significado construdo a partir de um sistema de oposies e diferenas. No entanto, a semiologia atribuiu uma importncia grande a estrutura da linguagem, em detrimento da utilizao efectiva, que um ponto de separao da Anlise do Discurso e da Perspectiva Discursiva em Psicologia Social10 (GARAY; IIGUEZ; MARTINEZ, 2005 p. 108).

    Segundo Potter e Wetherell (1987) a proposta semiolgica de Saussure vai apresentar

    a questo da arbitrariedade do signo. Atravs deste princpio evidencia-se a distino entre o

    significado e o significante e a juno destes que estabelece o que Saussure chamou de

    signo lingstico. Esta reflexo apoia-se na proposta de que nem a natureza do significante,

    nem a do significado, nem a relao existente entre elas fixa, esttica ou determinada.

    10 No original espanhol: Dado que no existe una relacin necesaria entre el significante y el significado, el

    significado se construye a partir de un sistema de oposiciones y diferencias. Sin embargo, la Semiologa concede demasiada importancia a la estructura del lenguaje, en perjuicio de su uso real, lo que constituye un punto de separacin respecto al Anlisis del discurso y a la Perspectiva Discursiva en Psicologa Social.

  • 33

    Segundo Figueiredo (2010), o argumento mais controverso que significados e conceitos

    so por si s arbitrrios. Dessa forma o significado ser arbitrrio ao prprio referente, assim

    tambm a cultura agrega significado ao mundo de forma arbitrria.

    Assim sendo a linguagem no poder ser identificada com um simples processo de

    nomeao, no qual se utiliza uma lista de palavras que identificam um objeto que ela nomeia,

    mas dever sim ser identificada como dependente de um sistema de relaes que se estabelece

    em cada contexto cultural especfico (FIGUEIREDO, 2010).

    Tambm se deve mencionar a influncia da hermenutica desenvolvida por Hans-

    Georg Gadamer (1975) e a nfase que este dava ao ser-no-mundo. Segundo Gadamer

    (1975) a linguagem no simplesmente um instrumento de que o ser humano dotado, mais

    sim um fundamento que estes utilizam para se relacionar com o mundo.

    Ou seja, a lngua no tem existncia independente do mundo que fala atravs dela. Pelo contrrio, o mundo mundo enquanto se transforma em tal atravs da linguagem, ou o que o mesmo, a linguagem passa a existir na medida em que constri o mundo. Nesse sentido, entende-se que a origem humana dos meios de linguagem, simultaneamente, a lingisticidade original do "ser-no-mundo" das pessoas: o mundo est lingisticamente constitudo e, inseparavelmente, a linguagem implica constituir o mundo11 (GARAY; IIGUEZ; MARTINEZ, 2005).

    Por ltimo temos a influncia da anlise realizada por Michel Foucault (1966, 1969,

    1970) sobre o papel do discurso na construo de objetos como a loucura e a sexualidade,

    alm de propor uma anlise das condies de possibilidades destes discursos e suas prticas

    (GARAY; IIGUEZ; MARTINEZ, 2005).

    11 No original espanhol: Es decir, el lenguaje no posee una existencia autnoma frente al mundo que

    hablara a travs de l. Por el contrario, el mundo es mundo en cuanto se convierte en tal a travs del lenguaje; o lo que es lo mismo, el lenguaje adquiere existncia en la medida en que construye el mundo. En este sentido, debe entenderse que el origen humano del lenguaje significa, simultneamente, la lingisticidad originaria del estar-en-el-mundo de las personas: el mundo est constituido lingsticamente e, inseparablemente, el lenguaje implica constituir el mundo.

  • 34

    Assim para Foucault, um discurso se apresenta como sendo mais que uma simples fala

    e muito mais que um conjunto de declaraes, para o autor o discurso uma prtica, e como

    qualquer outra prtica social pode acabar por definir suas condies de produo. Segundo

    Garay (2005) a partir dos estudos de Foucault (1969) que se comea a utilizar o conceito de

    prticas discursivas. Estas prticas so entendidas como sendo um conjunto de regras que se

    constituem em um processo histrico e em uma dada poca e em grupos especficos e que vo

    definir as condies que tornam possvel a funo enunciativa.

    Foucault no nega que os discursos sejam formados por signos, contudo no acredita

    que estes somente se sirvam dos signos para revelar coisas, ou seja, os discursos fazem bem

    mais que utilizar signos, assim tarefa da anlise ser a de tomar os discursos como prticas,

    que vo formar sistematicamente os objetos de que falam, no os percebendo como um mero

    conjunto de signos que representam uma determinada realidade (FOUCAULT, 1966).

    Ainda segundo Garay et al (2005), devemos destacar alguns trabalhos mais recentes

    que foram de fundamental importncia para a efetivao da Psicologia Discursiva. A primeira

    obra a de Charles Antaki (1981), The Psychology of ordinary explanations of social

    behavior, onde existem vrias perspectivas de investigao das explicaes cotidianas.

    Tambm merece um destaque especial o estudo desenvolvido por Jonathan Potter e Margaret

    Wetherell (1987) Discourse and Social Psychology, que prope uma reviso de alguns temas

    clssicos da Psicologia Social tais como as atitudes e as representaes sociais e

    reconhecido como o trabalho de base da Psicologia Discursiva.

    O trabalho de Potter e Wetherell, conforme nos mostram Garay; Iiguez; Martinez

    (2005) fornece uma concretizao metodolgica dos princpios socioconstrucionistas. Ainda

    em se tratando de trabalhos mais recentes, devemos destacar as importantes contribuies da

  • 35

    obra de Michael Billig, Arguing and Thinking (Billig, 1987), que representa uma das

    contribuies mais importantes entre as novas formas de se entender os processos

    psicolgicos.

    2.1 A noo de discurso e sua diversidade

    Nesta parte nos propomos a esclarecer algumas questes sobre a noo de discurso

    que pretendemos desenvolver e a partir da qual analisaremos os dados da presente pesquisa.

    Esta distino se faz necessrio devido diversidade de compreenses que se tem sobre este

    termo dentro de diferentes tradies dificultando assim uma compreenso nica acerca do

    conceito de discurso. Muitos pesquisadores tm utilizado o termo discurso de diferentes

    formas. Alguns utilizam o termo para designar todas as formas de falar e escrever (GILBERT

    & MULKAY, 1984).

    O termo Discurso e Anlise do Discurso tm sido cada vez mais intensamente

    utilizados pela literatura psicolgica e em particular pela Psicologia Social. Isto significa que,

    de acordo com compreenso terica, teremos definies e significados diversos (BURR, 1995

    apud NOGUEIRA, 2001). Desta forma, devido ao grande nmero de compreenses tericas

    existentes, no fcil sistematizar um modelo nico que d conta de tantas compreenses e

    definies sobre Discurso e Anlise do Discurso.

    Segundo Potter e Wetherell (1987) ao se falar em Anlise do Discurso e sua definio

    o que se encontra uma amontoado de terminologias, este fato se d pela quantidade de

    trabalhos e definies que comeam a surgir em vrias reas da cincia como a psicologia a

  • 36

    sociologia, a lingstica, a antropologia, a histria, os estudos literrios, filosficos, e da

    comunicao.

    Desta forma, no vai existir uma definio que englobe todas estas prticas em Anlise

    do Discurso em um s modelo terico, visto que as suas orientaes vo tanto de propostas

    ligadas ao campo da lingstica at propostas de cunho psicossociolgico, assim sendo

    nenhuma dessas perspectivas pretende e nem conseguiria ser absolutamente nica

    (NOGUEIRA, 2001).

    Segundo Willig, (1999) o termo discurso no vai se aplicar unicamente a linguagem,

    mas sim a qualquer padro de significado, quer seja ele visual ou espacial e assim sendo pode-

    se referir a textos visuais, como os da televiso, cinema e etc. Tambm pode se referir a textos

    fsicos, como cidades, jardins, corpos e etc. No entanto as propostas de Anlise do Discurso

    mais estudadas e atravs da qual se desenvolve um maior nmero de pesquisadas a que se

    utiliza de textos escritos, como, jornais, documentos oficiais, cartas, entrevistas, revistas e etc.

    2.2 A perspectiva retrica na Psicologia Social

    Os estudos da retrica12 tiveram sua origem na Grcia antiga, com os filsofos

    Aristteles, Ccero e principalmente Protgoras. Obras como A Retrica de Aristteles e os

    12 Segundo o Dicionrio de Anlise do discurso (2008), o termo, retrica exposto como sendo: A cincia

    terica e aplicada do exerccio pblico da fala, proferida diante de um auditrio dubidativo, na presena de um contraditor. Por meio de seu discurso, o orador se esfora para impor suas representaes, suas formulaes e para orientar uma ao. A retrica foi definida pelos tericos da antiguidade e foi desenvolvida at a poca contempornea por um paradigma de pesquisa autnomo.

  • 37

    Institutos da Oratria de Quintiliano alm de instruir o debatedor em como bem

    administrar uma discusso, analisam a natureza da argumentao (BILLIG, 2008).

    A contradio ser colocada por Plato como elemento essencial da retrica, e esta,

    ser definida por Grgias13 como o poder de convencer, graas ao discurso, [...] em no

    importa em qual reunio de cidados (452b-453b). Scrates14 vai apresentar retrica como

    a contrafao de uma parte da poltica (463-d). Aristteles15 vai entender a retrica como

    uma cincia que vai ser direcionada para o particular, e comenta: Admita-mos, portanto, que

    a retrica a faculdade de descobrir, especulativamente, aquilo que, em cada caso,

    apropriado para persuadir (Retrica, 1, 2, 25). Segundo Charaudeau & Maingueneau (2008)

    a prtica retrica ir normalizar tanto o processo de produo do discurso quanto seu produto.

    E este por sua vez ir apresentar cinco etapas:

    Inveno: etapa cognitiva da pesquisa metdica de argumentos, guiada pela tcnica das questes tpicas (inventar no tomado no sentido moderno de criar, mas no sentido de encontrar, descobrir). Somente so retidos os melhores argumentos, em funo do caso e das circunstncias de enunciao. Disposio: etapa de planificao textual, que organiza a sucesso dos argumentos e das partes do discurso. Essas duas primeiras etapas so de ordem lingstico-cognitiva. Elocuo: colocao do discurso em palavras e frases. O discurso toma forma em uma lngua e em um estilo. Memorizao do discurso: como a inveno, ela coloca em jogo fatores cognitivos. Ao oratria: momento da performance, da entrega, da espetacularizao do discurso (p. 434).

    Segundo esta compreenso aps a finalizao deste processo tem-se o produto

    acabado, isto , o discurso assim como foi enunciado. Ainda seguindo esta compreenso o

    discurso retrico busca agradar utilizando-se da imagem de si mesmo projetada no discurso,

    informar e convencer utilizando para isso a prpria lgica da sua argumentao, e

    comover (CHARADEAU & MAINGUENEAU, 2008).

    13 Citado por. Dicionrio de Anlise do Discurso, 2008, p. 433

    14 Citado por. Dicionrio de Anlise do Discurso, 2008, p. 433

    15 Citado por. Dicionrio de Anlise do Discurso, 2008, p. 433

  • 38

    Da Grcia antiga at final do sculo XIX, a retrica tem sido no apenas um elemento de

    estudo acadmico. Esperava-se que as pessoas que dispunham de um bom nvel educacional

    tivessem uma instruo mnima em retrica ou na arte de falar bem em pblico (BILLIG,

    2008).

    Na compreenso de Billig a vertente pragmtica da retrica era completamente

    baseada em premissas psicolgicas e que alguns antigos professores de retrica explicavam

    que para ter sucesso como orador deveria se ter um bom conhecimento em psicologia, ou seja,

    ter uma viso psicolgica, essas habilidades deveriam entrar em vigor para estudar os

    pensamentos e sentimentos do pblico (BILLIG, 2008 p. 110). Ainda segundo o autor

    provvel que os oradores antigos utilizassem tcnicas de persuaso e seus conhecimentos

    psicolgicos como formas psicoterpicas, no sentido de buscar seduzir/persuadir a plateia a

    acreditar em sua orao ou seja, em seu discurso.

    Esse olhar para a psicologia como instrumento da retrica no se restringe somente a

    antiguidade, retricos posteriores em seus estudos tais como Edward Manwaring em sua obra

    Institutes of learning (1737) e John Mason em An essay on elocution (1748), tambm

    recomendavam o estudo de questes psicolgicas (BILLIG, 2008 p. 111).

    Segundo o filsofo Aristteles os tericos da retrica devem estar preocupados em

    estudar como a persuaso possvel em cada contexto de interao em que ela aparece, ainda

    segundo ele o objetivo acadmico da retrica seria o de desvendar os caminhos para a

    persuaso disponveis em cada caso onde ela ocorre (ARISTTELES, 1355b apud BILLIG,

    2008 p. 111).

    A fim de descobrir os meios disponveis de persuaso o terico da retrica precisa possuir o tipo de conhecimento que hoje em dia classificado como psicologia social O retrico deve saber algo sobre os princpios segundo os quais atitudes so mantidas ou mudadas, como o pblico resiste a

  • 39

    sugestes ou as aceita, como indivduos que desejam ter um impacto devem se apresentar em pblico, etc. (BILLIG, 2008 p. 111).

    Nesta perspectiva Rom Harr argumenta que os psiclogos sociais devem construir

    um modelo terico bsico do pensamento do homem como um ser retrico:

    Um modelo assim deve comear como um modelo analtico, isto , devemos considerar a fala e a ao em um ser humano como persuasiva, como expressiva, e como sendo usada com o objetivo de conseguir que outros vejam os eventos sob a luz que o orador, retrico, propagandista, etc. quer que eles sejam vistos (HARR, 1980).

    Este olhar para a retrica como uma ferramenta til no sentido de compreender os

    fenmenos estudados pela psicologia social apresentado por Billig em sua obra

    Argumentando e pensando: uma abordagem retrica psicologia social16. Segundo Billig

    (2008) esta obra antiquaria, pois aborda questes no significativas para muitos

    psiclogos modernos. Para muitos psiclogos a questo da retrica um assunto pouco

    familiar, pois suas obras e sua histria acabam por passar despercebidas aos seus estudos.

    Em Argumentando e pensando Billig, vai propor uma releitura dos tericos da

    retrica antiga por parte dos psiclogos sociais modernos, e chama para si mesmo a

    responsabilidade de atuar como representante de vendas e divulgar a retrica como arte

    antiga e respeitada e de interesse para a psicologia atual (BILLIG, 2008).

    Na perspectiva da psicologia social discursivamente e retoricamente orientada vai

    existir uma diferena marcante entre esta e a abordagem cognitivista que a questo da

    variabilidade do discurso. Para Billig (1995), a abordagem cognitivista acaba por

    16 No original ingls. Arguing and thinking: a rhetorical approach to social psychology.

  • 40

    descontextualizar os discursos dos indivduos e relacionando estes discursos a estruturas

    internas que determinam respostas fixas, estveis.

    2.3 A contribuio da retrica para se pensar os processos de categorizao e

    particularizao em Psicologia Social

    Para Billig (2008) devemos considerar a retrica como um instrumento para se pensar

    o processo de categorizao, pois, segundo ele h uma tendncia na psicologia social

    cognitiva de ignorar o contexto retrico das categorias e, com isso, de subestimar at que

    ponto a seleo de categorias pode ser uma questo controversa (p. 211)

    Segundo esta noo os psiclogos parecem rejeitar a questo da seleo das categorias

    partindo do pressuposto de que a mesma acontece de forma automtica. Para esses psiclogos

    a seleo de categorias um processo bastante simples, pois geralmente a seleo apropriada

    j seria evidente para o sujeito (BILLIG, 2008).

    A psicloga Eleanor Rosch, representante da psicologia cognitivista, vai argumentar

    que detemos hierarquias de categorias no sentido de que um objeto pode ser categorizado em

    nveis diversos de generalidade, e nessas hierarquias esto s categorias bsicas e que so

    selecionadas em preferncia a outras. Ainda segundo esta autora a escolha das categorias

    bsicas ser determinada por fatores perceptuais e no por fatores lingsticos e estticos.

    Rosch vai apresentar um exemplo da categoria cadeira que vai existir em um nvel mais

    bsico que a categoria mvel ou poltrona e desta forma ela vai ser usada

    preferencialmente a outras categorias menos bsicas (ROSCH et al., 1976, p 383 apud

    BILLIG, 2008).

  • 41

    Nessa argumentao, vemos como a autora invalida a possibilidade de que categorias

    como as que foram citadas estejam sujeitas a controvrsias, ou seja, sejam influenciadas pelo

    uso da retrica no contexto das interaes discursivas cotidianas.

    Billig (2008) vai nos apresentar uma metfora do pensador burocrata, para argumentar que

    este processo de categorizao que desconsidera a contradio e ambigidade retrica dos

    contextos em que so produzidas as categorias produzido por uma perspectiva terica que

    assemelha os seres humanos a burocratas que obedecem e seguem regras precisas e que nunca

    as questionam (BILLIG, 2008, p. 212). Esta discusso sobre a contradio existente na

    seleo de categorias que feita pelo sujeito , apresentada pelo autor como sendo uma

    questo de essncia e que sem o auxlio e uso da ferramenta da retrica passar

    despercebida aos olhos de muitos psiclogos.

    Ainda argumentando sobre o uso retrico de categorias, Billig (2008) em

    argumentando e pensando nos d um exemplo claro em que aponta um contexto de

    interao discursiva poltica em que o cerne da questo a introduo de tropas americanas

    em Granada, no sentido de depor o governo local e, a justificao de tal ato pelo ento

    presidente Reagan (BILLIG, 2008).

    Naquele contexto, segundo Billig, nos mostra que o presidente Reagan utilizou uma

    estratgia retrica para separar uma invaso especfica de outras invases assim a

    essncia da questo estaria em associ-la a uma descrio alternativa mais suave. Ou seja, est

    no era uma invaso comum e sim uma misso de resgate e assim se tornava muito

    diferente da categoria invaso, para o autor a fora retrica da linguagem tamanha que a

    escolha dos termos j pressupe uma posio (BILLIG, 2008).

  • 42

    Neste exemplo o uso preciso de argumentos retricos proporcionou a descoberta de

    caractersticas especiais, particulares e possibilitaram ao sujeito se livrar de uma

    categorizao prejudicial. Segue outro exemplo trazido pelo autor:

    Recentemente, o ministro da fazenda britnico argumentava ao parlamento que a introduo de salrios baixos iria reduzir o desemprego. Ele foi questionado com base em dados que mostravam que as reas com ndices mais altos de desemprego eram as que tinham salrios mais baixos. Respondeu ele: Isso em virtude de fatores especiais que afetam as indstrias naquelas reas (Guardian, 02/11/1984). As estratgias do caso especial tinham sido citadas: as excees regra geral precisam ser explicadas satisfatoriamente com ajuda de sua excepcionalidade essencial (BILLIG, 2008 p. 221).

    Atravs deste exemplo Billig vai propor que a retrica constantemente utilizada para

    promover contradies no contexto do discurso e persuadir os ouvintes a acreditarem na

    argumentao proposta, assim as particularidades so acionadas no sentido de transferir a

    essncia de um conjunto de valores sociais at outro, ocorrendo assim a particularizao.

    Na perspectiva retoricamente orientada da Psicologia Social, utilizada por Michael

    Billig, a nfase ser dada na organizao retrica do discurso. Essa compreenso antiquaria

    de fazer psicologia apresentada pelo autor trouxe importantes contribuies para se pensar

    vrios fenmenos sociais estudados pela Psicologia Social, tais como a categorizao, os

    papeis e as atitudes. Incorporada por outros pesquisadores atuais como J. Potter, M. Wetherell

    e D. Edwards, esta noo retoricamente orientada de perceber os fenmenos discursivos a luz

    de reflexes de pensadores retricos antigos tem provocado relevantes modificaes no

    cenrio das cincias sociais.

    M. Billig, tambm nos apresenta em sua argumentao uma abordagem inovadora s

    vrias questes sociopsicolgicas da atualidade. Os estudos de Billig sobre a retrica apontam

  • 43

    para um nvel de compreenso dos fenmenos discursivos at ento deixado de lado pela

    psicologia e pelos psiclogos e enfatiza a grande importncia terica da retrica na

    compreenso e trabalho com os fenmenos sociais abordados pela psicologia moderna.

    2.4 A organizao retrica do discurso e seu objeto

    Compreendemos por organizao retrica17 do discurso a estrutura argumentativa de

    um texto. M. Billig (2008) quem mais tem desenvolvido na psicologia social o uso das

    possibilidades analticas da retrica. Para ele a argumentao e a retrica so a prpria

    essncia linguagem.

    O contexto do discurso deve ser o primeiro ponto a ser levado em considerao ao se embarcar em uma anlise retrica, seja ao escolher um discurso oral, uma imagem ou um documento escrito, u