anatomia do sistema excitocondutor do coração · no “esqueleto cardíaco”2 (figura 1),...

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Anatomia do sistema excitocondutor do coração INTRODUÇÃO E HISTÓRICO O artigo busca entender e abrir maiores discussões sobre o sistema de condução do coração, ou seja, os impulsos elétricos car- díacos aos quais se vem atribuindo outras nomenclaturas, conforme os estudos avan- çam no tempo. Desde o século XVII, os pesquisadores estudam as diversas fibras, o sistema nervoso e a musculatura, e com- param livros, anotações e teorias antigas de vários outros estudiosos na tentativa de compreender a mecânica de tal complexi- dade. Citaremos as principais descobertas dos primeiros trabalhos, os quais ainda nos orientam a respeito dessas atividades responsáveis pelo funcionamento do cora- ção. As figuras mostrarão, com detalhes, as descrições de fibras, ventrículos, arté- rias, ramificações e demais estruturas do coração humano. Será possível perceber a função de cada estrutura anatômica que interliga nodos, feixes e fascículos, por meio de descrições ricas em detalhes de tamanho, função, cor e até mesmo peso dos elementos condutores. A maioria dos pesquisadores designa o conjunto de estruturas responsáveis pela geração e condução dos impulsos elétricos cardíacos como sistema de condução do coração, mas existem aqueles que o intitu- lam sistema excitocondutor do coração 1,2 e, mais recentemente, complexo estimu- lante do coração 3 . Em que pese à importância desse sis- tema na geração e condução dos estímulos cardíacos, pouca ênfase tem sido dada a ele, chegando inclusive a ser questionada a sua existência por alguns autores 2 . Descrições a respeito do sistema de condução do coração começaram a surgir no início do século XVII, em busca de so- luções para algumas controvérsias em tor- no da atividade cardíaca 2 . JBAC – Suplemento – 30 anos 1. Membro Especialista em Estimulação Cardíaca Artificial pelo DECA/SBCCV. Chefe do Serviço de Estimulação Cardíaca da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). 2. Médico Responsável pela Disciplina de Anatomia Humana da UFTM. 3. Médico Residente em Cardiologia pela UFTM. 4. Médico-assistente do Serviço de Marcapassos da UFTM. 5. Médico Intervencionista do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo. 6. Médica com Título de Especialista em Cardiologia pela SBC. E-mails para correspondência: [email protected] - [email protected] CELSO SALGADO DE MELO 1 , ABADIO GONÇALVES CAETANO 2 , LEANDRO HENRIQUE DE CARVALHO 3 , PABLO SOUZA LINHARES 4 , FELIPE AUGUSTO DE OLIVEIRA SOUZA 4 , LEONARDO SELI LLORENTE AGUILERA 5 , GIOVANA RIBEIRO SALGADO DE MELO 6 Acreditava-se que tal atividade era regida pelo sistema nervoso, embora hou- vesse quem postulasse que o comando residia no próprio coração, sobre o qual o sistema nervoso atuaria de forma autô- noma, regulando-o². Nessa época, Lower 4 descreveu a ligação do coração ao nervo vago. No século XVIII, His chegou até mesmo a descrever a condução do impul- so cardíaco como um mistério. Haller 5 , en- tretanto, confirmou a teoria miógena como a responsável pela atividade cardíaca. Em 1839, Purkinje 6 escreveu o primei- ro trabalho consistente sobre o assunto, no qual mencionava a descoberta de uma rede de fibras subendocárdicas de colora- ção pálida que contrastavam com as fibras miocárdicas contráteis e que hoje são co- nhecidas como fibras de Purkinje. Em 1885, Gaskell 7 , um dos defensores da teoria miógena para os impulsos cardía- cos, descreveu a musculatura das câmaras cardíacas como estruturas independentes no “esqueleto cardíaco” 2 (Figura 1), loca- lizada na região por ele denominada anel fibroso, com exceção de algumas fibrilas típicas que unem os átrios e os ventrículos. Chuanqui 2 , em 1972, relatou que em 1853 foi publicado um livro descrevendo os achados de His 8 quanto à conexão mus- cular especial entre átrios e ventrículos, demonstrável no ser humano, derrubando a teoria miógena. Em 1906, vieram a público os traba- lhos de Tawara 9 relatando os seus achados com relação ao nó atrioventricular, que foram imediatamente reconhecidos pelo seu mestre, Aschoff. No ano seguinte, ambos publicaram um trabalho no qual descreveram o nó de Aschoff-Tawara 2,9 (Figuras 2 a 4). Em outubro de 1907, Keith e Flack 10 , valendo-se de achados anteriores, publi- caram um estudo destacando a grande semelhança entre a musculatura do limite sinoauricular e a do nó de Aschoff-Tawa- ra. Embora o nó sinusal tenha sido inicial- mente descrito por Walter Koch 11 , coube a Keith e Flack descreverem todas as suas características, inclusive sua irrigação ar- terial 12 . A partir dessa época, os nós sinoatrial, ou de Keith e Flack, e atrioventricular, ou Figura 1 – Desenho esquemático do esqueleto fibroso cardíaco. Adaptado de: Wolf-Heidegger. Atlas de Anatomia Humana. 5 a ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2000.

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Anatomia do sistema excitocondutor do coração

INTRODUÇÃO E HISTÓRICO

O artigo busca entender e abrir maiores discussões sobre o sistema de condução do coração, ou seja, os impulsos elétricos car-díacos aos quais se vem atribuindo outras nomenclaturas, conforme os estudos avan-çam no tempo. Desde o século XVII, os pesquisadores estudam as diversas fibras, o sistema nervoso e a musculatura, e com-param livros, anotações e teorias antigas de vários outros estudiosos na tentativa de compreender a mecânica de tal complexi-dade. Citaremos as principais descobertas dos primeiros trabalhos, os quais ainda nos orientam a respeito dessas atividades responsáveis pelo funcionamento do cora-ção. As figuras mostrarão, com detalhes, as descrições de fibras, ventrículos, arté-rias, ramificações e demais estruturas do coração humano. Será possível perceber a função de cada estrutura anatômica que interliga nodos, feixes e fascículos, por meio de descrições ricas em detalhes de tamanho, função, cor e até mesmo peso dos elementos condutores.

A maioria dos pesquisadores designa o conjunto de estruturas responsáveis pela geração e condução dos impulsos elétricos cardíacos como sistema de condução do coração, mas existem aqueles que o intitu-lam sistema excitocondutor do coração1,2 e, mais recentemente, complexo estimu-lante do coração3.

Em que pese à importância desse sis-tema na geração e condução dos estímulos cardíacos, pouca ênfase tem sido dada a ele, chegando inclusive a ser questionada a sua existência por alguns autores2.

Descrições a respeito do sistema de condução do coração começaram a surgir no início do século XVII, em busca de so-luções para algumas controvérsias em tor-no da atividade cardíaca2.

JBAC – Suplemento – 30 anos

1. Membro Especialista em Estimulação Cardíaca Artificial pelo DECA/SBCCV. Chefe do Serviço de Estimulação Cardíaca da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).2. Médico Responsável pela Disciplina de Anatomia Humana da UFTM.3. Médico Residente em Cardiologia pela UFTM.4. Médico-assistente do Serviço de Marcapassos da UFTM.5. Médico Intervencionista do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo.6. Médica com Título de Especialista em Cardiologia pela SBC.

E-mails para correspondência: [email protected] - [email protected]

CELSO SALGADO DE MELO1, ABADIO GONÇALVES CAETANO2, LEANDRO HENRIQUE DE CARVALHO3, PABLO SOUZA LINHARES4, FELIPE AUGUSTO DE OLIVEIRA SOUZA4, LEONARDO SELI LLORENTE AGUILERA5,

GIOVANA RIBEIRO SALGADO DE MELO6

Acreditava-se que tal atividade era regida pelo sistema nervoso, embora hou-vesse quem postulasse que o comando residia no próprio coração, sobre o qual o sistema nervoso atuaria de forma autô-noma, regulando-o². Nessa época, Lower4 descreveu a ligação do coração ao nervo vago. No século XVIII, His chegou até mesmo a descrever a condução do impul-so cardíaco como um mistério. Haller5, en-tretanto, confirmou a teoria miógena como a responsável pela atividade cardíaca.

Em 1839, Purkinje6 escreveu o primei-ro trabalho consistente sobre o assunto, no qual mencionava a descoberta de uma rede de fibras subendocárdicas de colora-ção pálida que contrastavam com as fibras miocárdicas contráteis e que hoje são co-nhecidas como fibras de Purkinje.

Em 1885, Gaskell7, um dos defensores da teoria miógena para os impulsos cardía-cos, descreveu a musculatura das câmaras cardíacas como estruturas independentes no “esqueleto cardíaco”2 (Figura 1), loca-lizada na região por ele denominada anel fibroso, com exceção de algumas fibrilas típicas que unem os átrios e os ventrículos.

Chuanqui2, em 1972, relatou que em 1853 foi publicado um livro descrevendo os achados de His8 quanto à conexão mus-cular especial entre átrios e ventrículos, demonstrável no ser humano, derrubando a teoria miógena.

Em 1906, vieram a público os traba-lhos de Tawara9 relatando os seus achados com relação ao nó atrioventricular, que foram imediatamente reconhecidos pelo seu mestre, Aschoff. No ano seguinte, ambos publicaram um trabalho no qual descreveram o nó de Aschoff-Tawara2,9 (Figuras 2 a 4).

Em outubro de 1907, Keith e Flack10, valendo-se de achados anteriores, publi-caram um estudo destacando a grande semelhança entre a musculatura do limite sinoauricular e a do nó de Aschoff-Tawa-ra. Embora o nó sinusal tenha sido inicial-mente descrito por Walter Koch11, coube a Keith e Flack descreverem todas as suas características, inclusive sua irrigação ar-terial12.

A partir dessa época, os nós sinoatrial, ou de Keith e Flack, e atrioventricular, ou

Figura 1 – Desenho esquemático do esqueleto fibroso cardíaco.Adaptado de: Wolf-Heidegger. Atlas de Anatomia Humana. 5a ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2000.

Anatomia do sistema excitocondutor do coração3

firmam serem elas constantes. Por meio de cortes seriados dos átrios, Chuaqui² conseguiu demonstrar a existência de vários ramos saindo do nó sinoatrial em direção ao miocárdio atrial, mas verificou que apenas alguns deles chegavam ao nó de Aschoff-Tawara9 ou atrioventricular.

Em 1963, Thomas e James17 tam-bém comprovaram, por meio do método da pesquisa seriada, a existência de três feixes que partiam do nó sinoatrial e che-gavam ao nó atrioventricular: o fascículo intermédio ou de Wenckebach, o fascí-culo ventral ou anterior (descrito por Ba-chmann em 1907) e o fascículo dorsal ou posterior de Thorel (descrito em 1909 por Thorel e em 1910 por Doerr15, Thomas e James 17 e Schiebler18).

Em 1973, Titus19, e em 1988, Fitz-gerald e Lazzara20, descreveram que so-mente os dois primeiros feixes alcançam a cauda do nó atrioventricular, enquanto o último alcança a sua região intermédia (Figura 6).

Andersson21, em 1953, e Lindner22, em 1954, descreveram a ultraestrutura das fibras internodais. Em 1969, Chua-qui² confirmou a existência destas por meio da dissecação macroscópica dos fascículos de Wenckebach e Bachmann, no Instituto de Doerr.

Referindo-se aos achados de Kent12 de 1893, Titus19 descreveu um feixe aces-sório interligando o átrio e o ventrículo direito, diferente, portanto, dos descritos anteriormente.

Nó sinoatrial

O nó sinoatrial é considerado o “marcapasso cardíaco”2,20, por ser o com-ponente do sistema de condução de maior importância na geração, ritmicidade e frequência dos estímulos cardíacos. De-nominado inicialmente nódulo sinusal, logo após a sua descoberta por Keith e Flack10, passou a ser descrito posterior-mente como nódulo S-A, nódulo do seio, nódulo de Keith e Flack, nó sinoatrial3, nó sinusal e “marcapasso cardíaco”2,20.

Localização e morfologia

O nó sinoatrial é encontrado frequen-temente no subepicárdio anterolateral dos dois terços superiores do sulco ter-minal, mais precisamente no ângulo die-dro cavo-atrial, região resultante da jun-ção da veia cava superior com a parede atrial. Trata-se de um nódulo fusiforme,

Figura 2 – Desenho esquemático do nó atrioventricular, feixe de His e suas relações anatômicas.

Figura 3 – Esquema da anatomia do nó atrioventricular e as divisões do feixe de His. Adaptado de: Latarjet-Ruiz Liard. Anatomia Humana. 2a ed. São Paulo: Panamericana, 1993.

Figura 4 – Fragmento da região membranácea do septo interventricular, porção atrioventricular – localização anatômica do nó atrioventricular e do feixe de His.

de Aschoff-Tawara3, passaram a ser co-nhecidos como responsáveis pela geração dos estímulos cardíacos.

Em 1912, Mall13 descreveu a exis-tência de fibras internodais em numero-sos embriões humanos e mais tarde, em 1958, sua presença foi confirmada em fetos humanos. Nesses casos, de forma incomum, foram encontradas 17 vias in-ternodais14 (Figura 3).

Existem autores que questionam a permanência dessas estruturas em huma-nos adultos, embora se mostrem tão evi-dentes em embriões e fetos humanos15,16. Em 1959, Doerr15 e Lev16 verificaram em seus estudos que havia casos de síndro-me de Wolff-Parkinson-White nos quais essas vias internodais não eram encon-tradas, e que o inverso também era ver-dadeiro. Por outro lado, há os que con-

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achatado, de extremidades afiladas e com uma cauda alongada20, visível macrosco-picamente, constituído essencialmente por fibras musculares cardíacas especia-lizadas. O seu tamanho é proporcional ao do coração que, por sua vez, é proporcio-nal ao sexo, ao tipo físico e à massa cor-poral. Tem em média 15 mm de extensão, variando de 5 a 30 mm. Sua largura situ-a-se em torno de 5 mm e a sua espessura alcança em média 1,5 mm, variando de 1 a 5 mm20.

O nó sinoatrial pode ser também lo-calizado pelo trajeto de sua artéria, man-tendo-se separado do epicárdio por tecido gorduroso20 que pode estar ausente na sua porção superior, fixando-se na sero-sa que o envolve, de onde parte o feixe internodal de Bachmann20. De sua por-ção inferior afilada e alongada partem os demais feixes internodais de Thorel e de Wenckebach18,20.

As fibras musculares especializadas do nó sinoatrial parecem prolongar-se em fibras miocárdicas atriais na sua perife-ria20, de onde partem não só os três feixes internodais já referidos que interligam os nós sinoatrial e atrioventricular20, mas 16 outros feixes que também emergem do nó, mergulhando no miocárdio atrial14 (Figura 5).

As células transicionais13 estão loca-lizadas em maior número na periferia do tecido nodal sinoatrial e são consideradas responsáveis pela despolarização dias-tólica do miocárdio atrial. Envolvem as “células P”, entrando em contato com o miocárdio atrial na periferia do nó. São mais alongadas do que as nodais e pos-suem maior número de miofibrilas no seu

citoplasma. Nelas, as mitocôndrias são mais numerosas, distribuídas uniforme-mente ao longo do citoplasma. O número de miofibrilas no citoplasma é menor nas células transicionais localizadas nas mar-gens do tecido nodal, à semelhança das células do miocárdio atrial. As conexões entre as células transicionais asseme-lham-se às nodais, porém as mais peri-féricas apresentam maior complexidade nas suas uniões, onde são frequentemente encontrados discos intercalares. As célu-las pálidas de Purkinje representam cerca de 5% do parênquima nodal e são con-sideradas artefato de técnica histológica6.

Feixes internodais

Estabelecendo a interligação entre os nós sinoatrial e atrioventricular na condu-ção dos impulsos cardíacos2,16, existem três feixes de fibras musculares especia-lizadas denominadas feixes internodais (Figuras 2 e 4): 1) o fascículo dorsal ou posterior de Thorel, que parte da cauda do nó sinoatrial, percorre longitudinal-mente a crista terminal para cursar a ex-tremidade posterior do septo interatrial, passando posteriormente à fossa oval, entre esta e a desembocadura do seio coronário, para alcançar a extremida-de posterior do nó atrioventricular; 2) o fascículo intermédio ou de Wenckebach, que também nasce na região caudal do nó sinoatrial, desce na porção intermédia do septo interatrial, passando anteriormente à fossa oval para alcançar a porção inter-média do nó atrioventricular, por meio de uma trabécula cárnea atrial; 3) o fascículo ventral ou anterior de Bachmann, que se origina na extremidade anterior ou supe-rior do nó sinoatrial, desce também pelo

septo interatrial, passando anteriormente à fossa oval e ventralmente ao fascículo intermédio, alcança a porção anterior do nó atrioventricular, podendo haver um desvio de algumas de suas fibras antes que alcance o nó.

É descrita ainda a existência de um feixe acessório interligando átrio e ven-trículo direitos, com trajeto diferente dos anteriores. O feixe de Kent12 é composto por pontes miocárdicas inconstantes que se estendem do miocárdio atrial ao ven-tricular, por cima ou por meio dos anéis fibrosos; não apresenta tecido conjuntivo; as fibras de Mahaim (fibras septais), que unem o fascículo atrioventricular (e não seus ramos) ao miocárdio septal; o fascí-culo de Bachmann, que liga o nó sinoa-trial ao teto do átrio esquerdo.

Nó atrioventricular

O nó atrioventricular2 ou de Aschoff e Tawara9 constitui o segundo marcapasso cardíaco, assumindo essa função com 50% a 60% da frequência exercida pelo nó sinoatrial, principalmente quando este, por alguma razão, deixa de coman-dar os batimentos cardíacos. Como já havia descrito Wenckebach2, o estímulo cardíaco sofre um retardo na sua condu-ção na região atrioventricular, local onde são encontrados os demais elementos do sistema de condução, como o nó atrio-ventricular e o seu feixe (Figuras 5 e 6).

Localização e morfologia

O nó atrioventricular, visível macros-copicamente (Figuras 5 e 6), situa-se a 1 mm abaixo do endocárdio20, apoiado no lado direito da porção fibrosa do septo atrioventricular, mais precisamente no triângulo de Koch11,20, cujos limites são (Figura 4): na porção superior, o tendão de Todaro20 descrito em 1885, ou banda sinusal, uma extensão anterior da válvula da veia cava onde é encontrada a desem-bocadura do seio coronário, ou de Tebé-sio, e sua válvula em formato semilunar, e abaixo está a inserção da válvula septal atrioventricular direita ou tricúspide1,20. O seio coronário túrgido salienta-se acima do referido nó1.

O nó atrioventricular é constituído por uma faixa de fibras musculares car-díacas especializadas, possui no mínimo 2 cm23, mais frequentemente de 6 a 7,5 Figura 5 – Terço superior do septo interventricular, porção membranácea do coração humano e

detalhes do nó atrioventricular, feixe de His, seu ramo direito, artéria septal posterior e o ramo do nó atrioventricular.

Anatomia do sistema excitocondutor do coração5

Figura 6 – Terço superior do septo interventricular, porção membranácea do coração bovino – nó atrioventricular, feixe de His, seu ramo direito e artéria septal anterior com seus ramos.

mm de comprimento13, de 2,5 a 3,7 mm de largura23,24 e de 1 a 1,5 mm de espessu-ra1,13,23,24. Essas dimensões são aproxima-das, pois não é possível determinar com exatidão a porção final ou posterior do referido nó24, pois as suas fibras perdem--se na musculatura do septo interatrial (Figuras 2 e 6). Sua extremidade anterior confunde-se com o feixe atrioventricular ou de His, diferenciando-se apenas pela organização das fibras que se apresentam de forma arredondada1,5 com cerca de 2 mm24, chegando a 4 mm de diâmetro23 (Figura 6). O limite anterossuperior do nó atrioventricular pode ser determina-do, ainda, pelo ângulo formado entre a banda sinusal, ou tendão de Todaro, e a linha anterior de fixação da válvula septal atrioventricular direita ou tricúspide20,23.

A região do subendocárdio, onde se localiza o nó atrioventricular, é uma das áreas cardíacas em que menos se encon-tram neurônios do sistema nervoso autô-nomo parassimpático20.

As fibras pós-ganglionares simpáticas são abundantes no tecido nodal (Figura 3), porém com pequena atuação sobre o pe-ríodo refratário do nó, bem como sobre a velocidade de condução dos estímulos que partem do marcapasso, sofrendo um retardo nessa área do sistema de condu-ção do coração. Acredita-se que esse fato ocorra em consequência de fatores tais como redução do diâmetro das fibras no-dais que compõem o nó atrioventricular, mecanismo celular próprio ou, ainda, po-breza e simplicidade das junções entre as células do tecido nodal20.

Figura 7 – Esquema do nó atrioventricular, feixe de His, ramo direito e suas subdivisões.

FEIXE ATRIOVENTRICULAR COM SEUS RAMOS E FIBRAS DE PURKINJE

Em 1893, tratando da conexão mus-cular especializada entre os átrios e ven-trículos no ser humano, His2,8 deu início aos conhecimentos a respeito do feixe atrioventricular e seus ramos, destacando a grande importância desses elementos na condução dos estímulos cardíacos.

Localização, morfologia e trajeto

O feixe atrioventricular, ou de His, é constituído por parte da porção anteros-superior ou ventricular do nó atrioven-tricular20, região denominada penetrante, onde as fibras aglomeram-se, compactan-do-se sob a forma de um feixe de forma triangular. É geralmente achatado, com 1,5 mm de espessura20, triangular20 ou ar-redondado1 com diâmetro de 1,5 a 2 mm, curto, com 3 a 2 cm de comprimento, e estreito, com 2,5 mm de largura, envol-vido por uma bainha de tecido conjunti-vo23,25 (Figuras 2, 3 e 6).

Como uma continuação do nó, o fei-xe atrioventricular está situado no suben-docárdio do terço inferior da face direita do septo atrioventricular, imediatamente acima da inserção da válvula septal da tri-cúspide. Dirige-se posteroanteriormente, descrevendo um trajeto curvo anteroin-ferior, dividindo-se nos ramos direito e esquerdo sobre a região central da porção fibrosa do esqueleto cardíaco, cavalgando a porção muscular do septo interventricu-lar23,25 (Figuras 2, 3 e 7). O ramo direito, como uma continuação do feixe de His, desce no subendocárdio da face direita do septo interventricular, passando pro-fundamente pelo músculo papilar septal da valva tricúspide para, por meio da trabécula septomarginal, alcançar a base do músculo papilar anterior do ventrículo direito (Figuras 3, 6 e 7). Antes, porém, o ramo direito fornece duas outras subdivi-sões, sendo uma para os músculos papila-res septal e posterior da valva tricúspide. O ramo esquerdo, com aproximadamente 2 mm de espessura e 14 mm de largura, ultrapassa a porção membranácea do septo atrioventricular por uma abertura própria para este, situada na altura do espaço compreendido entre as cúspides semilunares aórticas posterior e anterior (Figuras 1 e 2). Alcança o subepicárdio da porção muscular superior esquerda do septo interventricular, onde se divide em dois ramos septais que se dirigem à base dos músculos papilares anterior e poste-rior da valva mitral, além de outros ramos septais (Figuras 2 e 8).

As células de Purkinje estão presen-tes na porção final dos ramos direito e esquerdo do feixe atrioventricular, for-mando uma rede subendocárdica e intra-miocárdica, com exceção de uma área de 10 a 12 mm, adjacente ao vestíbulo aór-tico20. São responsáveis pela distribuição

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ou transdução dos estímulos gerados e conduzidos pelo complexo estimulante do coração até as fibras miocárdicas con-tráteis, com quem estabelecem conexão.

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