análise jurídica da nova lei de organização
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17 de setembro de 2013 14:00 - Atualizado em 18 de setembro de 2013 10:26
Análise Jurídica da Nova Lei de Organizações CriminosasArtigo enviado por Filipe Martins Alves Pereira e Rafael de Vasconcelos Silva.
Artigos de convidados 3782
ANÁLISE JURÍDICA DA NOVA LEI DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
LEI 12.850/13, DE 05 DE AGOSTO DE 2013.
Filipe Martins Alves Pereira. Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá.
2011. Rio de Janeiro. Contato: [email protected].
Rafael de Vasconcelos Silva. Graduando em Direito pela Universidade Estadual da
Paraíba. Formado em Perícias Criminais pela Academia de Polícia do Estado da
Paraíba. 2010. Contato: [email protected]
1. INTRODUÇÃO À ALTERAÇÃO LEGISLATIVA
Publicada no Diário Oficial da União em 05 de agosto de 2013, a Nova Lei das
Organizações Criminosas, Lei 12.850/13, entrou em vigor quarenta e cinco dias
depois, em 19 de setembro do mesmo ano, trazendo consigo uma enorme carga de
mudanças conceituais e, sobretudo, estruturais, no que se refere ao combate ao crime
organizado no Brasil. Como expresso no próprio diploma legal, a Lei se presta a
conceituar a organização criminosa e dispor sobre sua investigação criminal, os meios
de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Além
disso, altera alguns dispositivos do nosso Código Penal, revoga expressamente a Lei
nº 9.034/95 e dá outras providências.
O neófito estatuto, em consequência de suas inovações, abre um imenso leque de
questionamentos acerca dos institutos ali tratados. É o ocorre com a nova
conceituação de organização criminosa, que destoa da antiga definição trazida pela Lei
12.694/12, e que diverge também do conceito trazido pela Convenção de Palermo,
problemática que abordaremos detalhadamente mais adiante. O fim ou não do
descontrole jurisdicional na Ação Controlada também é ponto que já alvitra certa
cautela por parte dos aplicadores e intérpretes do Direito. Seguindo a mesma linha,
outro tópico – que certamente aflorará debates doutrinários – diz respeito aos
procedimentos relativos à Colaboração Premiada, análise esta que trataremos em
tópico específico. Outrossim, sob o ponto de vista do conflito aparente de normas, no
que diz respeito aos crimes de associação para o tráfico, associação criminosa e
organização criminosa, nos prestaremos neste trabalho a esmiuçar as diferenças, por
vezes sutis, entre os diversos institutos. Didaticamente e levantando as principais
matérias trazidas pela Lei 12.850/13, abordamos com amplitude a inovação legislativa
em epígrafe, transformando este projeto num verdadeira manual da temática abordada
para seu leitor.
2. ORIGEM E EVOLUÇÃO DO CRIME ORGANIZADO
A ação criminal organizada remonta séculos passados, sendo reportada, entre outros,
à Inglaterra do Século XVIII com a gangue de Jonathan Wild, líder de um grupo que
tinha como principal objetivo saques, furtos e roubos perpetrados na capital inglesa.
Nos EUA, entre as décadas de 20 e 30, com a Volstead Act, conhecida como Lei
Seca, norma que proibia a fabricação e o consumo de álcool no país, surgia Al Capone
e seus gangsters contrabandeando bebidas alcoólicas, sobretudo do Canadá. Nas
décadas seguintes, o crime organizado teve como escopo os jogos ilegais, a
prostituição e, finalmente, na década de 70, o tráfico ilícito de entorpecentes[1].
Em cada país ou região o crime organizado recebe nomenclatura diferenciada. Na
Itália, costumam chamar de Maffia os grupos que compõem o crimine organizzato. No
oriente, denomina-se Tríadena China; e Yakuza no Japão. Em países como Colômbia
e México são tratados como Cartel. Na Rússia são conhecidos como Bratvas. Em
nosso país, os Comandos (ex. PCC, Comando Vermelho e Terceiro Comando)
dominam grande parte das organizações criminosas nacionais, tendo como pilar de
sustentação o tráfico de drogas. Denominações estas que não excluem, por óbvio,
outras organizações, em especial as formadas pelos “colarinhos brancos”, geralmente
inominadas, mas que representam perigo igual, se não pior, à coletividade e à ordem
jurídica posta.
Nos dias atuais, as organizações criminosas têm demonstrado significativo aumento
de estruturação, organização, capital e grau de influência em órgãos do estado. O
célebre cineasta, escritor e roteirista norte-americano Woody Allen bem resumiu a atual
situação: “O crime organizado na América rende 40 bilhões de dólares. É muito
dinheiro, principalmente quando se considera que a Máfia quase não tem despesas de
escritório”. São, portanto, verdadeiras empresas, atuando de forma globalizada,
refinadamente, aliciando – por vezes – detentores de altas patentes do serviço público,
hierarquizando formalmente as operações, atuando por trás de empresas de fachada
ou até mesmo de companhias fantasmas. Agem em conjunto com o poder público,
sorrateiramente, ou com grupos de criminosos privados, ostensivos e violentos, mas
que, de uma forma ou de outra, tem como objetivo final a obtenção de vantagem
financeira ilícita. São um verdadeiro “câncer” na sociedade.
Temos, pois, uma economia globalizada, um crime organizado e, de outro lado, uma
legislação nacional e internacional essencialmente desestruturada, desatualizada e
falha, que não acompanhou a evolução daqueles segmentos. Hoje, pagamos o preço
desse descaso e temos que verdadeiramente avançar para tentar combater a
criminalidade organizada. Este, sem dúvida, é um dos propósitos da Lei 12.850/13.
3. A TRÍPLICE CONCEITUAÇÃO SOCIOLÓGICA DE FERRAJOLI
O nobre jurista e professor italiano Luigi Ferrajoli apontou, como bem apresenta Luiz
Flávio Gomes[2], três grupos de crime organizado, essencialmente distintos entre si,
que constituem faces de uma mesma moeda, causadores – ainda que de maneiras
distintas – do mesmo mal à coletividade, conforme veremos a seguir.
3.1. Criminalidade organizada estruturada por poderes criminais privados
São os bandos violentos, os chamados grupos agressivos, que contam com
substantivo poderio econômico. É o caso dos Comandos brasileiros (PCC, CV e TC).
Agem formando uma verdadeira empresa exploradora de mão-de-obra local e barata
(células), intimidando a população local com crueldade e demonstrações de poder
bélico. Têm pouca infiltração no poder público. O principal crime cometido, fonte de
sustentação do sistema ilícito, é o tráfico de drogas. Operam paralelamente ao Estado.
3.2. Criminalidade organizada estruturada por poderes econômicos privados
Utiliza-se de grandes empresas para cometer seus ilícitos, prezando, geralmente, pelo
uso da não violência. Essas corporações infiltram-se no aparelho do Estado e investem
mais em corrupção de agentes públicos do que em atos de violência para realizar seus
ilícitos camuflados e ampliar cada vez mais seu poder. Nasce no mundo empresarial e,
aos poucos, vai se incutindo dentro do poder público. Cometem, especialmente, os
crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, fraudes a licitações e crimes contra o meio
ambiente. Podemos citar como atuais exemplos os casos das
empresas Siemens, Alston, Bombardier e CAF. Funcionam transversalmente ao setor
público.
3.3. Criminalidade organizada estruturada por agentes públicos
É o crime de colarinho branco propriamente dito, composta pelas elites, pessoas acima
de qualquer suspeita, detentoras de poder de decisão do setor público. Desviam, com
isso, dinheiro dos cofres públicos em benefício próprio. Praticam, sobretudo, os crimes
de exploração de prestígio, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e corrupção.
Ocorre em casos como o do “Mensalão”, por exemplo. Nascem e agem dentro do
setor público.
4. A EVOLUÇÃO NO CONCEITO LEGISLATIVO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
NO BRASIL
No Brasil, há três grandes marcos conceituais para organizações criminosas. Antes,
ainda em 1995, foi publicada a, hoje já revogada, Lei 9.034 que dispunha sobre a
utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas
por organizações criminosas. No entanto, lamentavelmente, não trazia no bojo do seu
texto a definição legal de organização criminosa, ficando a cargo da doutrina tentar,
sem sucesso, conceituar o instituto. Foram anos sem nenhum respaldo legal, até o
surgimento de um primeiro conceito.
4.1. O conceito da Convenção de Palermo
O ordenamento jurídico brasileiro esteve órfão de uma definição desde a publicação da
Lei 9.034/95 até a entrada em vigor do Decreto nº 5.015 de 2004, que promulgou a
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida
como Convenção de Palermo, adotada em Nova York em novembro de 2000.
Embora tenha sido adotada em solo norte-americano, a Convenção de Palermo detém
essa nomenclatura devido ao fato de que este instrumento internacional e multilateral
teve três de quatro instrumentos assinados na cidade de Palermo, na ilha de Sicília, na
Itália, tendo sido subscrito por 147 países, que se comprometeram a definir e combater
o crime organizado. Na esfera da Organização dos Estados Americanos (OEA), a
Convenção de Palermo foi objeto de Resolução, aprovada na XXX Assembleia Geral,
contando com o apoio do Governo brasileiro.
Preceitua a dita Convenção que Grupo Criminoso Organizado é: “grupo estruturado de
três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o
propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente
Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico
ou outro benefício material”. Define ainda o texto da Convenção que “infração grave”
refere-se aquela que “constitua infração punível com uma pena de privação de
liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior”; e que
“grupo estruturado” diz respeito a “grupo formado de maneira não fortuita para a prática
imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções
formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não
disponha de uma estrutura elaborada”.
Para boa parte da doutrina nacional, este deveria ser então o conceito a ser adotado
pela ordem jurídica brasileira, aplicando-se os dispositivos previstos, sobretudo, na Lei
9.034/95. No entanto, contrariando esse entendimento, decidiu o Supremo Tribunal
Federal, enfrentando o HC nº 96.007/SP, que o conceito trazido pela Convenção não
deveria ser adotado para regular os procedimentos dispostos na Lei 9.034/95.
Asseverou, na ocasião, o Ministro Marco Aurélio que “a definição emprestada de
organização criminosa seria acrescentar à norma penal elementos inexistentes, o que
seria uma intolerável tentativa de substituir o legislador, que não se expressou nesse
sentido”.
Não escapou, também, a adesão deste conceito pelo ordenamento pátrio, das críticas
doutrinárias. Luiz Flávio Gomes logo estampou e enumerou os vícios decorrentes
deste acolhimento: em primeiro lugar, a definição de crime organizado trazida pela
Convenção de Palermo é por demais ampla, genérica, e viola a garantia da
taxatividade, corolário do princípio da legalidade. Em segundo, o conceito apresentado
tem valor para nossas relações com o direito internacional, não com o direito interno.
Por último, as definições preceituadas pelas convenções ou tratados internacionais
jamais valem para reger nossas relações com o Direito penal interno em razão da
exigência do princípio da democracia (ou garantia da lex populi)[3].
4.2. A definição legislativa na Lei 12.694 de 2012
Finalmente, em julho de 2012, surge a primeira conceituação legislativa de
organizações criminosas. Trata-se da Lei 12.694 que dispõe sobre o processo e o
julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por
organizações criminosas. Essencialmente processual, a Lei não se esquivou de
conceituar o tema. Reza o diploma, em seu art. 2º: “Para os efeitos desta Lei,
considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas,
estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer
natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4
(quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”.
Desta forma, notável que o legislador pátrio não adotou o mesmo conceito da
Convenção de Palermo, alvitrando suaves, porém significativas, alterações. Conforme
lição de Rogério Sanches Cunha[4]:
1) Modificou o rol de infrações sobre as quais podem incidir a caracterização de
crime organizado, passando a ser apenas os crimes de pena máxima igual ou superior
a 4 anos ou crimes, qualquer seja a pena, desde que transnacionais. O antigo conceito
englobava qualquer infração penal, crimes ou contravenções, com pena máxima
também igual ou superior a 4 anos e, ainda, as infrações previstas na própria
Convenção.
2) O objetivo do grupo no conceito da Convenção deveria ser a obtenção de
vantagem econômica ou benefício material; enquanto que na Lei 12.694/12 este
objetivo seria a obtenção de vantagem de qualquer natureza, inclusive a não-
econômica.
Imperioso destacar que, embora o novo conceito trazido tenha âmbito de aplicação
definido como “para efeitos desta Lei”, a Doutrina não hesitou ao afirmar que essa
definição não se restringia a esse instituto, abrangendo também os procedimentos
previstos na Lei 9.034/95.
4.3. O novo conceito trazido pela Lei 12.850/13
Preceitua o novo estatuto que: “considera-se organização criminosa a associação de 4
(quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de
tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente,
vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas
máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.
As mudanças conceituais e tipológicas inovadas pela Lei 12.850/13 são evidentes e
substanciais. A saber:
1) O número mínimo de integrantes exigidos na nova compreensão legal passa a
ser de 4 (quatro) pessoas, e não apenas 3 (três) como previa a lei anterior.
2) A nova definição deixa de abranger apenas crimes, passando a tratar sobre
infrações penais, que incluem crimes e contravenções (art. 1º da Lei de Introdução ao
Código Penal). Além disso, abarca infrações punidas com pena máxima superior a 4
(quatro) anos, e não mais as com pena máxima igual ou superior a este patamar.
3) A prática de crimes com pena máxima igual a 4 (quatro) anos, que incluem o furto
simples (art. 155, CP), a receptação (art. 180, CP), a fraude à licitação (art. 90, Lei
8.666/90), restaram afastados da possibilidade de incidirem como crime organizado
pelo novo conceito legal. Embora o contrabando e o descaminho (art. 318, CP) tenham
pena máxima igual a 4 anos, estes são essencialmente transnacionais, razão pelo qual
não estão excluídos na nova conceituação legal.
4) A nova compreensão legal inovou também ao estender o conceito às infrações
penais previstas em Tratados Internacionais quando caracterizadas pela
internacionalidade; e ainda aos grupos terroristas internacionais.
Por fim, oportuno recordar que a Lei 12.850/13 – pela primeira vez – tipificou as
condutas de organização criminosa, transformando-as em crime autônomo, o que
abordaremos mais profundamente em tópico específico.
4.4. Quadro-comparativo: evolução do conceito de organização criminosa
4.5. Aparente coexistência entre os conceitos da Lei 12.694/12 e da Lei 12.850/13
A Lei 12.694/12, que disciplina o julgamento colegiado em primeiro grau, conceitua
organização criminosa. Igualmente, a Lei 12.850/13 também traz uma definição, fato
este que impulsionou parte da doutrina a se posicionar pela existência, hoje, de dois
conceitos de organização criminosa coexistindo na ordem jurídica nacional.
Neste sentido, Rômulo de Andrade Moreira[5], defende que: “esta nova definição de
organização criminosa difere, ainda que sutilmente, da primeira (prevista na Lei nº.
12.694/2012) em três aspectos, todos grifados por nós, o que nos leva a afirmar que
hoje temos duas definições para organização criminosa: a primeira que permite ao Juiz
decidir pela formação de um órgão colegiado de primeiro grau e a segunda (Lei nº.
12.850/2013) que exige uma decisão monocrática. Ademais, o primeiro conceito
contenta-se com a associação de três ou mais pessoas, aplicando-se apenas aos
crimes (e não às contravenções penais), além de abranger os delitos com pena
máxima igual ou superior a quatro anos. A segunda exige a associação de quatro ou
mais pessoas (e não três) e a pena deve ser superior a quatro anos (não igual).
Ademais, a nova lei é bem mais gravosa para o agente, como veremos a seguir; logo,
a distinção existe e deve ser observada”.
Em sentido contrário, ensina o ilustre professor-doutor Cezar Roberto
Bitencourt[6] que: “admitir-se a existência de “dois tipos de organização criminosa”
constituiria grave ameaça à segurança jurídica, além de uma discriminação
injustificada, propiciando tratamento diferenciado incompatível com um Estado
Democrático de Direito, na persecução dos casos que envolvam organizações
criminosas. Levando em consideração, por outro lado, o disposto no §1º do art. 2º da
Lei de introdução as normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942), lei posterior
revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível
ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Nesses termos,
pode-se afirmar, com absoluta segurança, que o § 1º do art. 1º da Lei 12.850/2013
revogou, a partir de sua vigência, o art. 2º da Lei 12.694/2012, na medida em que
regula inteiramente, e sem ressalvas, o conceito de organização criminosa, ao passo
que a lei anterior, o definia tão somente para os seus efeitos, ou seja, “para os efeitos
desta lei”. Ademais, a lei posterior disciplina o instituto organização criminosa, de forma
mais abrangente, completa e para todos os efeitos”.
Seguindo o posicionamento de Bitencourt, sem nenhum demérito aos argumentos
contrários expostos, entendemos que a conceituação trazida pela Lei 12.694/12, e
somente ela, em seu art. 2º, foi tacitamente revogada pelo §1º do art. 1º da Lei
12.850/13.
5. O CRIME AUTÔNOMO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
De forma inédita o legislador brasileiro resolveu por tipificar autonomamente as
condutas caracterizadoras do crime de Organização Criminosa. Prescreve o art. 2º da
Lei 12.850/13: “Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por
interposta pessoa, organização criminosa: Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos,
e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais
praticadas”.
5.1. Classificação jurídica do delito
O delito em epígrafe constitui crime permanente, isto é, sua consumação se protrai no
tempo. Além do mais, esta permanência é necessária, visto que para sua configuração
exige-se que o organismo seja estruturalmente ordenado e caracterizado pela divisão
de tarefas, sendo necessária, portanto, certa permanência de existência e
funcionamento. Ademais, trata-se de crime formal, que se consuma com a simples
associação de pessoas, independentemente da consumação dos crimes que
motivaram a formação da organização. É crime comum (que pode ser praticado por
qualquer pessoa); plurissubjetivo (de concurso obrigatório de no mínimo quatro
pessoas) e; de condutas paralelas (mútuo auxílio dos agentes). O bem jurídico tutelado
é a paz pública e o sujeito passivo é a coletividade. Afora isso, é delito comissivo,
doloso, de ação penal pública incondicionada, de perigo comum abstrato,
unissubsistente. Tem como verbos-núcleos ‘promover’, ‘constituir’, ‘financiar’ ou
‘integrar’, constituindo tipo misto alternativo.
5.2. Conflitos aparentes entre normas penais
Com a irrupção de um novo crime em nossa legislação, necessária se torna a
reanálise do ordenamento jurídico-penal pátrio, a fim de estabelecer os limites de
aplicação da novatio legis incriminadora, conforme, por evidente, a taxatividade penal
imposta, mas também tendo como parâmetro os outros delitos que vigoram no país,
elucidando os eventuais aparentes conflitos de normas.
Nesse diapasão, destacam-se os fatos que possam compor, por subsunção, os crimes
de associação criminosa (novo art. 288 do CP – vide tópico 6), associação para o
tráfico (art. 35, Lei 11.343/06), associação para o genocídio (art. 2º, Lei 2.882/56) e
constituição de milícia privada (art. 288-A, CP) em conflito, ilusório, com o crime de
organização criminosa do art. 2º da Lei 12.850/13.
Destarte, vejamos a análise caso a caso:
5.2.1. Associação Criminosa vs. Organização Criminosa: não se confundem. O
primeiro requer a participação de no mínimo 3 (três) pessoas, enquanto que neste o
número mínimo de integrantes deverá ser 4 (quatro). A finalidade da associação
criminosa é especificamente cometer crimes; enquanto que na organização criminosa
o objetivo é obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, tendo
como caminho a prática de infrações penais graves. Com efeito, caso uma associação,
visando obtenção de vantagem, composta de quatro ou mais pessoas, pratique crimes
que tenham pena máxima superior a 4 anos cometerá o delito previsto na Lei 12.850;
se, no entanto, faltar qualquer desses requisitos, ou seja: se o crimes cometidos
tiverem pena máxima igual ou inferior a quatro anos; se o grupo for composto por
menos de quatro sujeitos ou se o objetivo não for a obtenção de vantagem, estaremos
diante, em tese, de um crime de Associação Criminosa. Por fim, válida a lembrança de
que não basta para a caracterização da Organização Criminosa a junção de um grupo
criminoso, tendo este que ser estruturado e caracterizado pela divisão interna de
tarefas. Logo, o art. 288 do Código Penal é mais genérico e, portanto, subsidiário.
5.2.2. Constituição de Milícia Privada vs. Organização Criminosa: não há maiores
embaraços aqui. Nesse contexto, bem explica o professor Adel El Tasse[7]: “elemento
de distinção importante é a necessidade de observância, em relação à “Constituição de
Milícia Privada”, de que não é qualquer reunião de pessoas que dá margem a esta
tipificação, mas apenas a que atende ao dado específico de constituir-se numa reunião
de pessoas que promova a formação de organização paramilitar, milícia particular,
grupo ou esquadrão”. Assim, como a Constituição de Milícia Privada é especializada,
age como requisito negativo para configuração do crime de Organização Criminosa,
isto é, para este restar configurado se faz necessário que o grupo não tenha
característica paramilitar; nem atue como milícia ou esquadrão.
5.2.3. Associação para o Tráfico vs. Organização Criminosa: reside aqui, sob
nossa ótica, uma distinção que requer maior cautela para correta tipificação no caso
prático. Essa análise prudente detém como base a seguinte dicotomia: caso a
organização criminosa pratique o crime de tráfico de drogas, estaremos diante de uma
associação para o tráfico (art. 35, Lei 11.343/06); se a organização criminosa, porém,
pratica vários crimes, entre eles o de tráfico de drogas, então entendemos que fica
caracterizado o crime do art. 2º da Lei 12.850/13, afastando-se a incidência da
associação para o tráfico. Defendemos, assim, que não cabe aqui o concurso de
crimes, sob pena de bis in idem. Com efeito, temos uma pluralidade de normas que
engloba o mesmo conjunto de fatos, que protege o mesmo bem jurídico (paz pública) e
tem os mesmos sujeitos passivos (a coletividade), razão pela qual só haverá uma
norma incriminadora aplicável aos fatos. Resta saber como os Tribunais superiores se
posicionarão a respeito desta temática, porquanto, caso seja enquadrada a conduta
como organização criminosa, o agente terá restrições significativas, a saber:
submissão aos meios de prova da Lei 12.850; sujeição ao RDD (LEP, art. 52, §4º);
realização do interrogatório por videoconferência (CPP, art. 185, §2º, I); impossibilidade
do tráfico privilegiado de drogas (Lei 11343, art. 33, §4º). Por fim, imprescindível saber
que a associação para o tráfico requer, para sua caracterização, um número mínimo
de duas pessoas; enquanto que a organização criminosa necessita de quatro.
5.2.4. Associação para o Genocídio vs. Organização Criminosa: entendemos que
se aplicam aqui as mesmas regras expostas no tópico anterior.
5.3. Quadros-comparativos: principais diferenças entre os crimes
1) Associação Criminosa (art. 288, CP) vs. Associação para o Tráfico (art. 35, Lei
11.343/06) vs. Associação para o Genocídio (art. 2º, lei 2.882/56):
2) Número mínimo de integrantes para caracterização do delito:
3) Abrangência de infrações e nível de especialidade das condutas de cada delito:
6. ALTERAÇÕES NO CÓDIGO PENAL
6.1. Fim do crime de Quadrilha ou Bando (art. 288, CP)
O artigo 288 do nosso Diploma Penal que possuía a seguinte redação: “(Quadrilha ou
bando) Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de
cometer crimes: Pena – reclusão, de um a três anos”, passou a vigorar, a partir de 19
de setembro de 2013, com o seguinte texto: “(Associação Criminosa) Associarem-se 3
(três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena – reclusão, de 1
(um) a 3 (três) anos”. Importante destacar que, embora não tenha havido alteração,
a priori, na pena imposta (1 a 3 anos), ocorreu modificação no número mínimo de
integrantes, que passou de 4 (quatro) para 3 (três). Nasce então um novo tipo penal:
associação criminosa.
Principal alteração, no entanto, ocorre no parágrafo primeiro do art. 288, que agrava a
pena prevista no caput. Vejamos. No texto revogado constava que “A pena aplica-se
em dobro, se a quadrilha ou bando é armado”; com a alteração, preceitua o texto novo
que: “A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a
participação de criança ou adolescente”. Em análise, nota-se que a agravante que
poderia gerar uma pena máxima de até 6 (seis) anos (o dobro do máximo), agora só
poderá originar pena máxima de 4 anos e 6 meses (pena máxima mais metade), razão
pela qual estamos diante de uma norma penal in mellius, que retroagirá, portanto, para
beneficiar os agentes que cometeram tal delito com incidência da agravante de “uso de
armas” antes da entrada em vigor da Lei 12.850/13. Entretanto, por outro lado, temos
uma inovação normativa in pejus, no que se refere à agravante de “participação de
criança ou adolescente”, que não alcançará, portanto, os fatos ocorridos antes de 19
de setembro de 2013.
6.2. Quadro-comparativo: revogado crime de Quadrilha/Bando vs. Associação
Criminosa
6.3. Agravamento da pena no crime de Falso Testemunho ou Falsa Perícia (art.
342, CP)
A pena para o crime de Falso Testemunho ou Falsa Perícia, passou de 1 (um) a 3
(três) anos para 2 (dois) a 4 (quatro) anos. Em consequência disso, afasta-se a
possibilidade de uma propositura de suspensão condicional do processo por parte do
Ministério Público que demanda pena mínima igual ou inferior a um ano (art. 89, Lei
9.099/90).
7. DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES
7.1. História e Conceito
Trata-se de instrumento investigativo com origem ligada ao período do Absolutismo
Francês e conhecido mundialmente como Undercover Operations. A infiltração de
agentes afigura-se como método de investigação em que membro da polícia judiciária
se infiltra na organização criminosa participando da trama organizativa, utilizando-se de
uma identidade falsa, concedida pelo Estado, e que possui como finalidade detectar a
comissão de delitos e informar sobre suas atividades às autoridades competentes.
Tudo isso com o escopo primordial de obter provas da prática de crimes e proceder à
detenção de seus autores[8].
No Direito Comparado, a infiltração de agentes é meio investigativo e de prova
encontrado em quase todos os países do mundo, à exceção de Luxemburgo[9], ainda
que em alguns ordenamentos esta figura não esteja positivada. O instituto emerge no
Direito Brasileiro a partir da Lei 10.217/01, que alterou a atualmente revogada e tão
criticada Lei 9.034/95. No que concerne às críticas, uníssona doutrina questionava a
falta de regulamentação da infiltração de agentes, que, por via de consequência,
tornava inexequível a aplicação do instituto em termos práticos. Nesse diapasão, como
um avanço legislativo, eis que surge a Lei 12.850/2013, revogando a Lei 9.034/95 e
regulamentando o procedimento da infiltração de agentes, de modo a tornar palpável e
exequível o procedimento que outrora era apenas uma falácia jurídica.
Conforme Marcelo Batlouni sustenta: “As vantagens que podem advir da infiltração de
agentes são de suma importância para a persecução penal, desvendando: fatos
criminosos não esclarecidos,modus operandi da organização, nome dos “cabeças”,
“testas de ferro”, bens, plano de execução do crime, agentes públicos envolvidos,
nomes de empresas e outros mecanismos utilizados para lavagem do dinheiro”[10].
Destarte, o ordenamento jurídico brasileiro passa a dispor de um mecanismo de
grande efetividade probatória que auxiliará a Polícia Judiciária e o Ministério Público a
alcançar os fins coligidos pela norma constitucional e processual penal.
7.2. A aplicação da medida de infiltração de agentes
A novel lei expõe que a investigação através da infiltração de agentes deverá ser
representada pelo Delegado de Polícia ou requerida pelo Ministério Público, após
manifestação técnica do Delegado de Polícia quando solicitada no curso de inquérito
policial, será precedida motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus
limites. Infere-se do texto que há uma nova atribuição da autoridade policial, qual seja,
de se manifestar quanto à infiltração de agentes. Parece-nos que o legislador
reconhece a autoridade policial como capacitada para emitir parecer técnico e logístico
a respeito da viabilidade da infiltração de agentes. Esta manifestação prévia,
inegavelmente, tem natureza jurídica de ato administrativo e, por certo, não vincula a
opinião do Ministério Público e nem mesmo do Juiz, possuindo caráter meramente
informativo para fins de ulterior decisão do parquet e do magistrado.
Convém notar que a Lei 12.850/13 compatibiliza-se com o entendimento sufragado
pela Súmula Vinculante 14, pois, segundo expressa previsão legal, o pedido e a
autorização judicial referente à infiltração de agentes serão sigilosos, de modo a
garantir a higidez probatória e a segurança do agente policial. Destarte, sob a
inteligência da referida jurisprudência constitucional, nem mesmo o advogado do
suposto autor do delito poderá ter acesso ao pedido ou autorização da infiltração de
agentes, uma vez que o conhecimento da diligência não só fulminaria a colheita
probatória como também seria uma “sentença de morte” ao policial infiltrado.
Ademais, a Lei 12.850/13 condiciona a infiltração de agentes à existência de indícios
da infração de Organização Criminosa, hoje crime autônomo, além de dispor que a
medida somente será admitida se a prova não puder ser produzida por outros meios
disponíveis. Nesse sentido, depreende-se que a infiltração de agentes, em razão do
alto grau de periculosidade proporcionado ao agente policial, bem como da incerteza
do sucesso probatório, deve ser aplicada como ultima ratio probatória, ou seja,
somente aplicada se demonstrado que os outros meios de prova são inviáveis à
persecução penal, inclusive no que tange à interceptação telefônica estatuída na Lei
9.296/96. A análise de necessidade da medida deve ser pautada no Princípio
Constitucional da Proporcionalidade, hipótese em que será averiguado se o meio é
adequado a atingir o fim pretendido (adequação); se o meio é o menos gravoso para
atingir determinado fim (necessidade); e se os benefícios proporcionados por aquele
meio superam os prejuízos acarretados através do meio adotado (Proporcionalidade
em sentido estrito).
Ato contínuo, é de bom alvitre ressaltar que a análise da proporcionalidade para fins de
adoção do procedimento de infiltração de agentes é trilateral, visto que o Juiz poderá
fazê-la quando do momento da autorização, o Ministério Público através da oitiva
prévia e, a partir da inovação legislativa, o Delegado de Polícia, em seu parecer
técnico, deverá ponderar a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito da medida.
No Brasil, o agente infiltrado é sempre um policial, enquanto que em outros países, a
atribuição recai em um funcionário público ou mesmo um particular. Oportuno lembrar
que a antiga lei permitia o procedimento de infiltração por agentes da polícia e de
inteligência, fato que se alterou com a inovação legislativa, permitindo apenas o
procedimento por intermédio de agentes da polícia. Parece-nos que a revogação
ratifica a tese de incompatibilidade de atribuição dos membros da ABIN diante do
procedimento investigativo em questão. Ademais, imperioso lembrar ao intérprete que
somente policiais dos órgãos repressivos de Segurança Pública podem atuar como
agentes infiltrados, o que, por via de consequência, afasta a possibilidade de um
policial militar ser inserido em um programa de infiltração.
Outrossim, a Lei 12.850/13 inovou ao apresentar um limitador temporal de 6 (seis)
meses para fins de duração da infiltração, podendo ser renovado, desde que
comprovada a sua necessidade. Entendemos, com fulcro na inteligência interpretativa
do Supremo Tribunal Federal sobre a renovação do prazo das interceptações
telefônicas – Lei 9.296/96 -, que não há qualquer vedação quanto à multiplicidade de
renovações do prazo da infiltração, desde que comprovada sua necessidade.
7.3. Da segurança jurídica e pessoal do agente infiltrado
Quanto à atuação do infiltrado, o novel diploma legal é explícito ao afirmar que o
agente atua albergado por excludente de culpabilidade fundamentada na
inexigibilidade de conduta diversa. Nessa seara, vale lembrar que parcela da doutrina
não admitia que o agente infiltrado cometesse qualquer crime, pois inexistiria
excludente ao seu favor. Destarte, esse posicionamento normativo é deveras
importante para findar com a grande divergência doutrinária sobre o tema e,
principalmente, proporcionar maior segurança jurídica aos agentes que atuarão
infiltrados.
Entrementes, não obstante haja permissivo legal à atuação do agente infiltrado, sua
atuação deve ser proporcional à finalidade da investigação, não sendo afastada sua
responsabilidade diante de excessos praticados. Ademais, havendo indícios seguros
de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada mediante
requisição do Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia, dando-se imediata
ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.
Corroborando com a maior proteção ao agente infiltrado, a Lei 12.850/13 dispõe que a
participação no procedimento é voluntária e também pode ser interrompida a critério do
agente, sendo direito seu ter sua identidade alterada, ter seu nome, sua qualificação,
sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a
investigação e o processo criminal e não ter sua identidade revelada, nem ser
fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por
escrito.
Consoante noção cedida, conforme bem observa MORAES, a tarefa de infiltração de
agentes exige um bom aparato técnico e, do agente policial, uma boa preparação
psicológica. Por óbvio, não poderá o Estado, simplesmente, prever uma espécie de
medida extraordinária como essa, cuja realização jamais se verificará sem a atuação
direta e decisiva do seu agente, e abandoná-lo à própria sorte, sem o
acompanhamento correto e sem maiores recursos. Tanto para conseguir se infiltrar
quanto para permanecer na organização tempo suficiente para a produção da prova,
precisará o agente da ajuda de uma equipe especializada nesse tipo de trabalho, no
que concerne ao material a ser empregado na operação e também à preparação
pessoal do infiltrado[11].
8. DA AÇÃO CONTROLADA
8.1. O novo conceito legal de Ação Controlada
A própria Lei 12.850/13 conceitua a Ação Controlada: “art. 8º – Consiste a ação
controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada
por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e
acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à
formação de provas e obtenção de informações”.
A principal alteração da conceituação legal reside na inclusão dos órgãos
administrativos como legitimados para realizar a Ação Controlada, conhecida pela
Doutrina também como Flagrante Postergado ou Diferido. Desta forma, incluiu o novel
estatuto os agentes integrantes da Agência Brasileira de Inteligência, fiscais das
receitas federais e estaduais, entre outros. Não é mais, por conseguinte, ato exclusivo
das instituições policiais.
8.2. O fim da Ação Controlada Descontrolada
Não obstante a recenticidade da Lei 12.850/13, o fim ou não da chamada Ação
Controlada Descontrolada (nome dado pela Doutrina) trata-se de uma das questões
mais controversas ocasionadas pelo novo Diploma. A Lei anterior (Lei 9.034/95) já
tratava do instituto da Ação Controlada, porém, apenas timidamente o conceituava,
razão pela qual a Doutrina afirmava de forma uníssona que para sua aplicação não se
fazia necessária uma autorização judicial. Desta forma, o flagrante postergado aplicado
às Organizações Criminosas, ao contrário do que ocorria na Lei 11.343/06 (Lei de
Drogas), era descontrolado, desprovido de limitação jurisdicional, ficando a cargo da
Autoridade Policial realizar a operação e só posteriormente comunicar o fato ao
Magistrado.
Com efeito, o §1º do art. 8º da nova Lei, alterando esse cenário, trouxe o seguinte
texto: “O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente
comunicado ao Juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e
comunicará ao Ministério Público” (grifos nossos). Destarte, antes de agir o Delegado
de Polícia deverá, agora, comunicar sua pretensão e os motivos que ensejaram essa
escolha no caso concreto, justificando, portanto, o diferimento do flagrante ao órgão
jurisdicional competente.
De acordo com o texto legal, o Magistrado, conforme o caso, estabelecerá os limites
da ação, podendo inclusive, no nosso entendimento, recusá-la, caso entenda que não
exista necessidade da postergação ou não haja proporcionalidade da medida. Com
isso, questiona-se: não poderia o Magistrado desautorizar a Ação Controlada? Não
dependeria o Delegado de Polícia, portanto, de uma autorização, ainda que tácita, do
Juiz? São esses os questionamentos que já causam furor na Doutrina.
Há quem defenda que, embora a Lei traga o vocábulo “comunicação”, na verdade o
legislador referiu-se a uma espécie de “autorização”, de “controle” jurisdicional,
seguindo a mesma linha da Lei de Drogas de 2006. Assim, o Delegado, ao comunicar
e justificar seu anseio ao Juiz, dependeria de uma concordância deste, que pode limitar
a ação parcialmente ou em seu todo.
Para Rogério Sanches, contudo, não há necessidade de uma autorização judicial:
“Questão tormentosa se refere à necessidade de prévio mandado judicial para que
seja autorizado o retardamento da ação. A revogada Lei nº 9.034/95 (lei das
organizações criminosas), quando tratava singelamente da matéria em seu art. 2º, inc.
II, não exigia a prévia autorização judicial. Era o entendimento da jurisprudência. Já a
lei de drogas (Lei nº 11.343/2006), como se depreende do teor do caput de seu art. 53,
é expressa ao exigir o mandado judicial para a diligência”[12]. Adiante, explica o ilustre
professor que quando a Lei 12.850/13 exige autorização judicial nas diligências, como
ocorre na Infiltração de Agentes, ela traz expressamente esta obrigatoriedade.
Sem dúvida, será um dos temas que gerará debates na Doutrina e nos Tribunais
Superiores dentro de breve. Na nossa ótica, seja qual for a corrente adotada, estamos
diante do fim da Ação Descontrolada, como consequência da obrigatoriedade de
comunicação prévia e da possibilidade de limitação pelo Juiz.
9. DA COLABORAÇÃO PREMIADA
9.1. Introdução
O instituto da delação premiada foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro no ano
de 1990, quando da edição da Lei Federal nº 8.072, a chamada Lei dos Crimes
Hediondos. Trata-se de instrumento de política criminal importado do Direito Italiano
que tem por objetivo precípuo combater o pacto do silêncio absoluto que predomina
diante das organizações criminosas.
Preliminarmente, impende assinalar que, apesar de ser um eficaz instrumento à
persecução penal, o procedimento carecia de regulamentação que garantisse o devido
processo legal e, principalmente, a segurança jurídica e pessoal ao delator. Por
oportuno, com o advento da Lei 12.850/13, a medida foi precisamente regulamentada,
adquirindo contornos normativos claros, de modo a garantir maior eficácia e
exequibilidade.
Nas palavras do emérito Guilherme de Souza Nucci: “A delação premiada significa a
possibilidade de se reduzir a pena do criminoso que entregar o(s) comparsa(s). É o
‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em
face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da
forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um
de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e
proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade”[13].
9.2. Análise comparativa da Delação Premiada no Ordenamento Jurídico
Brasileiro
A novel lei não apenas proporciona uma grande evolução ao combate das
organizações criminosas, como também revoluciona ao alterar o nomen juris da
medida para Colaboração Premiada. No ordenamento jurídico brasileiro, o instrumento
é conhecido como Delação Premiada e não é exclusivo ao combate das organizações
criminosas, permeando diversos dispositivos legais, dentre os quais: Código Penal
(arts. e 159, §4º, e 288, p.u.), Lei do Crime Organizado – nº 9.034/05 (art. 6º), Lei dos
Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional – nº 7.492/86 (art. 25, §2º), Lei dos
Crimes de Lavagem de Capitais – nº 9.613/88 (art. 1º, §5º), Lei dos Crimes contra a
Ordem Tributária e Econômica – nº 8.137/90 (art. 16, p.u.), Lei de Proteção a vítimas e
testemunhas – nº 9.807/99 (art. 14), Nova Lei de Drogas – nº 11.343/06 (art. 41), e,
mais recentemente, na Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
– nº 12.529/2011 (art. 86). Nesse sentido, em caráter didático, colacionaremos cada
hipótese para melhor análise:
A) Lei 7.492/86 (Crimes Financeiros): “Art. 25. São penalmente responsáveis, nos
termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim
considerados os diretores, gerentes (Vetado). §1º Equiparam-se aos administradores
de instituição financeira (Vetado) o interventor, o liquidante ou o síndico. §2º Nos
crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou
partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial
toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços”.
B) Lei 8.072/90 (Crimes Hediondos): “Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a
pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos,
prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.
Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou
quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois
terços”.
C) Lei 8.137/90 (Crimes Tributários): “Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a
iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito
informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os
elementos de convicção. Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos
em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão
espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua
pena reduzida de um a dois terços”.
D) Lei 9.269/96 (Altera o §4º do art. 159 do CPB): “(Extorsão mediante sequestro)
Art. 159 – Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer
vantagem, como condição ou preço do resgate: (…) §4° Se o crime é cometido em
concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do
seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”.
E) Lei 9.613/98 (Lavagem de Capitais e ativos): “Art.1. (…) §5º A pena poderá ser
reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto,
facultando-se ao Juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena
restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com
as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações
penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens,
direitos ou valores objeto do crime”.
F) Lei 11.343/06 (Tráfico ilícito de entorpecentes): “Art. 41. O indiciado ou acusado
que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na
identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou
parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a
dois terços”.
G) Lei 9.807/99 (Proteção a testemunhas e réus colaboradores): “(CAPÍTULO II DA
PROTEÇÃO AOS RÉUS COLABORADORES) Art. 13. Poderá o Juiz, de ofício ou a
requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da
punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e
voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa
colaboração tenha resultado: I – a identificação dos demais co-autores ou partícipes da
ação criminosa; II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III
– a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do
perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza,
circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso”; “Art. 14. O indiciado
ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo
criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização
da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de
condenação, terá pena reduzida de um a dois terços”.
H) Lei 9.034/95 (Antiga Lei de Organização Criminosa): “Art. 6º Nos crimes
praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços,
quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações
penais e sua autoria”.
9.3. Colaboração Premiada na Nova Lei de Organizações Criminosas
O mecanismo de colaboração premiada estatuído na Lei 12.850/13 apresenta grandes
alterações ao que era previsto na revogada Lei 9.034/05, trazendo requisitos objetivos
e subjetivos à concessão do benefício processual. Quanto aos requisitos objetivos, a
lei expõe que a delação deve resultar em: I – a identificação dos demais coautores e
partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II – a
revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III
– a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização
criminosa; IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações
penais praticadas pela organização criminosa; V – a localização de eventual vítima
com a sua integridade física preservada. Ademais, o Ministério Público poderá deixar
de oferecer denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa ou for
o primeiro a prestar efetiva colaboração, desde que alcançados os resultados objetivos
retro citados. Imperioso destacar que não estamos diante de requisitos cumulativos, ou
seja, basta que a delação atinja um dos resultados previstos na norma para fins de
aplicabilidade do instituto.
Quanto aos requisitos subjetivos, a lei explicita que, em qualquer caso, a concessão do
benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as
circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da
colaboração. Nessa seara, em seu brilhante artigo sobre a novel lei, Eugênio Pacelli
posiciona-se com louvor: “No particular, o legislador brasileiro parece ter um fetiche
com a personalidade do agente! Ora, não há tecnologia ou ciência suficientemente
desenvolvida, ou cujo conhecimento técnico seja seguro quanto aos vários e possíveis
diagnósticos acerca da personalidade de quem quer que seja! Certamente não se trata
de questão jurídica, o que, já por aí, tornaria o Juiz refém de laudos médicos,
psicológicos ou psiquiatras”[14].
No que concerne à natureza jurídica da colaboração premiada, a nova lei se reveste de
causas de diminuição e substituição de pena e perdão judicial, como se vê: “Art. 4º O
Juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3
(dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos
daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o
processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes
resultados”.
O Princípio da Irretroatividade da norma penal é previsto no artigo 5º, inciso XL, da
Constituição Federal, contudo, com uma importante ressalva: “a lei penal não
retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Em termos comparativos, pode-se constatar
que a L. 12.850/13 apresenta-se como lex mellius, ou seja, norma que apresenta
contornos mais benéficos ao réu ao prever a possibilidade de aplicação de perdão
judicial. Assim, o novel diploma legal poderá retroagir a crimes ocorridos no passado –
Teoria da Atividade – a fim de perquirir o Direito Subjetivo Constitucional do réu em ter
aplicada a norma mais favorável, ainda que superveniente, seguindo o Princípio da
Extratividade da norma penal.
Nesse contexto, o ilustre Eugênio Pacelli aduz que estamos diante de norma mais
favorável e que deve ser estendida às demais hipóteses de delação premiada
previstas em nosso ordenamento jurídico. Conquanto o brilhantismo do referido autor,
à luz do Princípio da Especialidade e Princípio da Reserva Legal, entendemos que as
consequências jurídicas da novel colaboração premiada somente são aplicáveis às
organizações criminosas, respeitando a especificidade das demais previsões do
instituto.
Outro ponto relevante da alteração é a exigência da colaboração voluntária, ao revés
do que era requerido pela antiga norma, que exigia colaboração espontânea. Como se
sabe, são conceitos díspares, situação em que colaboração espontânea é aquela que
não pode sofrer qualquer influência externa, partindo de motivação interna do agente;
enquanto a voluntária aceita influências externas. Destarte, acertadamente veio a
inovação legislativa, pois, segundo a antiga lei, mero aconselhamento por parte de
terceiros seria suficiente para refutar a concessão da benesse processual.
Em caráter revolucionário, permite-se a suspensão do prazo para oferecimento da
denúncia e da prescrição por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até
que sejam cumpridas as medidas de colaboração. Parece-nos que o legislador, nesse
ponto, entende a complexidade de investigações envolvendo organizações criminosas
e proporciona uma ampliação dos direitos do Estado a fim de garantir maior eficácia da
persecução penal.
Ademais, a L. 12.850/13 traz o que chamamos de “Colaboração Posterior”, hipótese
em que, se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a
metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos
objetivos. Como se vê, o instituto da colaboração tem cabimento em sede de inquérito
policial, fase processual e de execução da pena. Todavia, para concessão do
benefício, o réu deverá apresentar condições subjetivas positivas, pois a lei somente
traz exceção ao requisito objetivo.
9.4. Do requerimento e representação da medida de colaboração premiada
No que tange ao requerimento e representação da medida, considerando a relevância
da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o Delegado de
Polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público,
poderão requerer ou representar ao Juiz pela concessão de perdão judicial ao
colaborador. Havendo discordância entre a opinio juris do Ministério Público e a
convicção do Magistrado, aplica-se o Princípio da Devolução, de modo que a
divergência deverá ser encaminhada para o Procurador Geral de Justiça para fins de
aplicação do que dispõe o art. 28 do Código de Processo Penal. Por óbvio, não se
aplica o referido procedimento quando a divergência ocorre entre a autoridade policial
e o Ministério Público, hipótese em que o juiz deverá analisar a concessão da medida
representada pelo Delegado de Polícia, mesmo que o Ministério Público seja
desfavorável.
O dispositivo retro citado ratifica a independência técnico-jurídica da autoridade policial
preconizada na Lei 12.830/13, situação em que a decisão sobre o cabimento da
medida será realizada posteriormente pelo juiz. Sobre essa temática, é de grande
relevância para a sociedade que não deixemos brigas institucionais – como a que
houve com a PEC 37 – deturparem a hermenêutica que deve ser extraída do novo
diploma legal, pois uma persecução penal hígida e eficaz exige a cooperação do
Ministério Público em ampla simbiose com a Polícia Judiciária.
Convém notar que a norma torna o Juiz equidistante ao acordo de colaboração
premiada a fim de preservar a imparcialidade. Assim, infere-se que o Juiz não poderá
participar da formalização do acordo, sendo responsável apenas pela sua
homologação, desde que preenchidos os requisitos da Lei.
Não obstante a norma seja recente, já há vozes na doutrina assinalando a
inconstitucionalidade do dispositivo sob alegação de que o diploma está concedendo
capacidade postulatória ao Delegado de Polícia. Data maxima venia, a tese não
merece prosperar. A nova norma tão somente concede à autoridade policial a
possibilidade de realizar o acordo e representar pela concessão da colaboração
premiada que, a posteriori será avaliada pelo Juiz. Essa exegese parte da
interpretação lógico-sistemática de todo ordenamento jurídico, pautando-se na
capacidade que o Delegado possui em representar pelas demais medidas cautelares
do ordenamento jurídico. Ademais, no Brasil, ao contrário de alguns países europeus,
o Delegado de Polícia não atua sob delegação do Ministério Público, possuindo, assim,
autonomia técnico-jurídica para atuar, com discricionariedade, na persecução penal
pré-processual.
Outrossim, por amor incondicional ao debate, importante colacionar a tese de
inconstitucionalidade da representação do Delegado de Polícia quanto ao pedido de
concessão da delação premiada emitida pelo emérito Eugênio Pacelli: “A Constituição
da República comete à polícia, inquinada de judiciária, funções exclusivamente
investigatórias (art. 144, §1º, IV, e §4º). E, mais, remete e comete ao Ministério Público
a defesa da ordem jurídica (art. 127) e a promoção privativa da ação penal (art. 129, I).
Ora, a atribuição privativa da ação penal pública significa a titularidade acerca do juízo
de valoração jurídico-penal dos fatos que tenham ou possam ter qualificação criminal.
Não se trata, evidentemente, e apenas, da simples capacidade para agir, no sentido de
poder ajuizar a ação penal, mas, muito além, decidir acerca do caráter criminoso do
fato e da viabilidade de sua persecução em juízo (exame das condições da ação
penal). Em uma palavra: é o Ministério Público e somente ele a parte ativa no
processo penal de natureza pública (ações públicas). E o que fez a Lei 12.850/13?
Dispôs que o Delegado de Polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação
do Ministério Público, poderá representar ao Juiz pela concessão de perdão judicial ao
colaborador (art. 4º, §2º)!!! Naturalmente, o mesmo dispositivo defere semelhante
capacidade e legitimidade também ao Ministério Público! O desatino não poderia ir tão
longe…”[15].
Respeitosamente, a medida pleiteada pela autoridade policial possui inequívoca
natureza investigativa, compatibilizando-se com a exegese do art. 144, §1º, IV, e §4º
da Constituição Federal. Nesse diapasão, a colaboração proporcionará ao Delegado
diligenciar com maior precisão através das informações adquiridas pelo delator e,
principalmente, culminará em eficaz colheita probatória e grande instrumento formador
da justa causa. Ademais, a tese retro citada não encontra amparo legal e conceitual,
visto que o Ministério Público – órgão de controle externo das atividades investigativas
– poderá se manifestar acerca da representação da autoridade policial. Assim, em
consonância com a sistemática processual, pode-se constatar que a titularidade da
ação penal do Ministério Público não fora, de forma alguma, suprimida pelo novel
diploma normativo. Se assim o fosse, a autoridade policial careceria da legitimidade em
representar por todas as demais medidas cautelares disciplinadas em nosso
ordenamento jurídico.
Dando continuidade ao tema, o pedido de homologação do acordo será sigilosamente
distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e
o seu objeto. Convém notar que a Lei 12.850/13 compatibiliza-se com o entendimento
sufragado pela Súmula Vinculante 14, pois, segundo expressa previsão legal, o pedido
de concessão da colaboração criminosa será sigiloso, de modo a garantir a higidez
probatória. Destarte, sob a inteligência da referida jurisprudência constitucional, nem
mesmo o advogado do suposto autor do crime poderá ter acesso ao referido pedido,
uma vez que o conhecimento do acordo pode não só prejudicar a colheita probatória
como colocar em risco a integridade do delator.
O acesso aos autos será restrito ao Juiz, ao Ministério Público e ao Delegado de
Polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao
defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que
digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de
autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.
O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a
denúncia, observados os direitos do colaborador em: I – usufruir das medidas de
proteção previstas na legislação específica; II – ter nome, qualificação, imagem e
demais informações pessoais preservados; III – ser conduzido, em juízo,
separadamente dos demais coautores e partícipes; IV – participar das audiências sem
contato visual com os outros acusados; V – não ter sua identidade revelada pelos
meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização
por escrito; VI – cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus
ou condenados.
9.5. O acordo de colaboração
Realizado o acordo, o respectivo termo, acompanhado das declarações do
colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao Juiz para homologação, o
qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo, para este
fim, sigilosamente, ouvir o colaborador na presença de seu defensor. Caso a proposta
não atenda aos requisitos legais, o Juiz poderá recusar homologação à proposta ou
adequá-la ao caso concreto. Não se pode olvidar que o colaborador assina o termo de
cooperação antes de iniciar a colaboração e, supervenientemente, no momento da
sentença, o Juiz apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia processual.
O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter: I – o
relato da colaboração e seus possíveis resultados; II – as condições da proposta do
Ministério Público ou do Delegado de Polícia; III – a declaração de aceitação do
colaborador e de seu defensor; IV – as assinaturas do representante do Ministério
Público ou do Delegado de Polícia, do colaborador e de seu defensor; V – a
especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando
necessário. Por conseguinte, as informações pormenorizadas da colaboração serão
dirigidas diretamente ao Juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48
(quarenta e oito) horas.
Outrossim, a norma prevê a possibilidade de retratação do acordo de colaboração,
hipótese em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não
poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor. Trata-se de exegese do nemo
tenetur se detegere, tutelando o direito do réu em quedar-se inerte, de modo a não
produzir provas contra si mesmo. In casu, enquanto em colaboração, o delator está
protegido por estar comungando com o interesse estatal, de modo que as provas
produzidas não poderão ser utilizadas em seu desfavor se decidir não mais cooperar.
Nada mais justo, pois, mesmo que opte por cessar a medida colaborativa, há grande
possibilidade do agente já ter auxiliado de forma satisfatória em termos de diligência ou
mesmo em âmbito processual, para fins de formação da convicção do Juiz quanto a
todo o complexo estrutural da organização criminosa.
Corroborando com a sistemática constitucional, em todos os atos de negociação,
confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por
defensor. Assim, nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença
de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a
verdade.
Quanto à validade probatória da colaboração premiada, a lei é clara e afirma que
nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas
declarações de agente colaborador. Como se vê, a própria norma mitiga de certa
forma o valor processual da colaboração premiada, sendo necessário que ela esteja
colimada com demais aparatos probatórios para fins de ulterior condenação.
10. DO ACESSO A REGISTROS, DADOS CADASTRAIS, DOCUMENTOS E
INFORMAÇÕES
O legislador, em ato digno de aplausos, sob a égide da novel Lei 12.850/13, dispõe
que o Delegado de Polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de
autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem
exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça
Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e
administradoras de cartão de crédito.
Conforme se nota, há flagrante ampliação de poderes da autoridade policial, visto que
o novo diploma permite a representação por dados cadastrais do investigado sem a
necessidade de autorização judicial. Indubitavelmente, trata-se de um avanço
legislativo que proporcionará maior agilidade investigativa e, por conseguinte, maior
probabilidade de sucesso na persecução penal.
Entrementes, antes que os garantistas hiperbólicos monoculares digam que a medida
afronta o Direito de Intimidade tutelado no art. 5º, X da Constituição Federal, faz-se
imperioso ressaltar que a medida não se imiscui no íntimo do ser humano, sendo
direcionada apenas para garantir maior agilidade à persecução penal. Nesse sentido,
até o maior crítico da novel Lei de Organizações Criminosas, o ilustre Eugênio Pacelli,
se posiciona: “É que não se cuida de acesso aos dados de movimentação financeira,
nem àqueles relativos aos valores eventualmente depositados à titularidade do
investigado, e, tampouco, ao montante de gastos efetuados com o sistema de telefonia
ou de administração de crédito. O que a lei autoriza é que tais instituições informem o
nome, estado civil, filiação e endereço da pessoa. Há, portanto, redução sensível
quanto ao conteúdo de privacidade a ser acessado, ainda que se reconheça, como o
fazemos, que a medida ostenta dimensão mais alargada da privacidade e da
intimidade do investigado. Por isso, sustentamos a validade constitucional da medida”.
Para fins do exposto, as empresas de transporte possibilitarão, pelo prazo de 5 (cinco)
anos, acesso direto e permanente do Juiz, do Ministério Público ou do Delegado de
Polícia aos bancos de dados de reservas e registro de viagens. Ademais, as
concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, à
disposição das autoridades mencionadas, registros de identificação dos números dos
terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e
locais.
Convém salientar que, não obstante ser recente a alteração normativa, parcela da
doutrina já se posiciona quanto à extensão deste método investigativo às infrações de
outra natureza. Contudo, entendemos que a autoridade policial somente poderá
diligenciar diretamente quanto ao acesso a registros, dados cadastrais, documentos e
informações diante de crime de organização criminosa, fulcro no Princípio da Reserva
Legal.
11. REVOGAÇÃO FORMAL DA VEDAÇÃO À LIBERDADE PROVISÓRIA E AO
CUMPRIMENTO OBRIGATÓRIO DA PENA EM REGIME INICIAL FECHADO
A vedação à liberdade provisória e o cumprimento obrigatório de pena em regime
inicial fechado fazem parte de uma grande celeuma doutrinária e jurisprudencial. Fato
é que a antiga Lei 9.034/95, em seu berço normativo, previa tanto a referida vedação
quanto a pena ser cumprida em regime inicial, obrigatoriamente, fechado. Sobre estas
temáticas, o STF já se pronunciou insurgindo-se e afirmando que legislador retirara do
judiciário o poder de aplicar a proporcionalidade ao caso concreto, criou restrição
fundamentada na gravidade abstrata do crime e, também, afrontou asperamente o
princípio da individualização da pena. Nesse sentido, importante destacar que o STF
realizou controle difuso de constitucionalidade posicionando-se pela
inconstitucionalidade dos referidos dispositivos sob a égide dos fundamentos retro
citados e, principalmente, por haver grave ofensa ao Princípio da Presunção de
Inocência previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal[16].
Corroborando com o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal, a novel
Lei de Organizações Criminosas, sabiamente, revogou os dispositivos em comento de
modo a compatibilizar o ordenamento jurídico com toda a sistemática constitucional.
Por oportuno, convém socorrermo-nos ao diálogo das fontes para concluir que
estamos diante do famoso fenômeno da Constitucionalização do Direito, de modo que
os princípios e valores constitucionais devem permear os demais ramos do direito,
devendo a eles se compatibilizarem. A constitucionalização do direito acarreta uma
releitura de todas as normas do ordenamento jurídico a partir desses princípios e
valores constitucionais.
12. OBSERVAÇÕES FINAIS
Consoante noção cedida, constata-se significativa evolução normativa a partir da
edição da Lei 12.850/13, de modo a propiciar aos organismos de persecução penal
grandes mecanismos de investigação, quais sejam: I – colaboração premiada; II –
captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; III – ação
controlada; IV – acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados
cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações
eleitorais ou comerciais; V – interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas,
nos termos da legislação específica; VI – afastamento dos sigilos financeiro, bancário e
fiscal, nos termos da legislação específica; VII – infiltração, por policiais, em atividade
de investigação, na forma do art. 11; VIII – cooperação entre instituições e órgãos
federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de
interesse da investigação ou da instrução criminal. De toda sorte, muito mais
importante do que disponibilizar os meios investigativos, está a regulamentação do
procedimento de tais métodos diligenciais, proporcionando exequibilidade aos fins
propostos pela norma e, principalmente, tornando palpável o que outrora era uma
utopia jurídica.
Insta observar que a nova norma altera os termos de duração razoável do processo,
expondo que a instrução criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual não
poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis em
até igual período, por decisão fundamentada, devidamente motivada pela
complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu. Nos termos da
legislação revogada, tínhamos o prazo de 81 dias para o réu preso e 120 dias para o
réu solto, o que, de fato, configura novatio legis in pejus. Assim, atualmente, há uma
tendência ampliativa temporal no que tange à carcerização do réu.
Ademais, percebe-se a congruência entre a Lei de Organizações Criminosas e a
Jurisprudência Constitucional representada pela Súmula Vinculante nº. 14, justificada
pela novel diretriz normativa no sentido de que o sigilo da investigação poderá ser
decretado pela autoridade judicial competente, para garantia da celeridade e da
eficácia das diligências investigatórias, assegurando-se ao defensor, no interesse do
representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício
do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os
referentes às diligências em andamento. Nesse sentido, é de opinião inequívoca que o
advogado faz jus ao acesso do conteúdo formador da justa causa, porém, em caráter
relativo, uma vez que, em prol da higidez probatória, pode lhe ser vedado o acesso às
diligências em curso.
Frise-se, porém, que não há opiniões e interpretações inequívocas em termos
jurídicos, apresentando-se todo exposto como uma fonte da análise de transição entre
diplomas legais, em especial no que tange às Organizações Criminosas, ressaltando
que devemos realizar um trabalho hermenêutico imparcial, sem que eventuais “egos”
institucionais afastem o Direito do que é almejado pela sociedade em termos de
Justiça.
Por fim, resta comprovada, em consonância com o examinado no presente trabalho, a
magnitude da nova Lei Federal nº 12.850. As minúcias dos diversos institutos
preceituados na Lei foram aqui abordadas como forma de contextualizar o estudante
do Direito com as consequências jurídicas desta inovação legislativa. Por óbvio, os
desenrolares fáticos ainda são fonte de penumbra, por força da prematuridade da
norma. Esperamos, todavia, que haja uma real aplicabilidade dos institutos
apresentados, porquanto estamos – todos nós – cansados de letras mortas de lei,
saturados de fugas ilegítimas por brechas legais e fadigados dos erros propositais e
das verdades questionáveis. O fato é que só o tempo será capaz de revelar a real
eficácia e efetividade da nossa nova Lei de Organizações Criminosas.
19 de setembro de 2013.
[1] VICTORIA, Artur. Artigo “Criminalidade Organizada – Origem e Evolução”,
disponível em https://sites.google.com/site/ arturvictoriaartigoseensaios/Home. Acesso
em 10 de setembro de 2013.
[2] GOMES, Luiz Flávio. Artigo “Criminalidade Econômica Organizada”, disponível em
http://atualidadesdodireito.com.br/ lfg/2013/08/29/criminalidade-economica-organizada.
Acesso em 10 de setembro de 2013.
[3] GOMES, Luiz Flávio. Definição de crime organizado e a Convenção de Palermo.
Disponível em: http://www.lfg.com.br. Acesso em 09 de setembro de 2013.
[4] CUNHA, Rogério Sanches. LEI 12.694/12: breves comentários. Disponível em
http://atualidadesdodireito.com.br/ rogeriosanches/2012/07/28/lei-12-69412-breves-
comentarios-2/. Acesso em 11 de setembro de 2013.
[5] MOREIRA, Rômulo Andrade. A nova lei de organização criminosa – Lei Nº.
12.850/2013, 1ª ed., Porto Alegre, Ed. Lex Magister, 2013, p. 30-1 (no prelo).
[6] BITENCOURT, Cezar Roberto. Primeiras Reflexões sobre Organização Criminosa
– Anotações à Lei 12.850/13. Disponível em
http://atualidadesdodireito.com.br/cezarbitencourt/2013/09/05/primeiras-reflexoes-
sobre-organizacao-criminosa/. Acessado em 09 de setembro de 2013.
[7] TASSE, Adel El. Nova Lei do Crime Organizado. Disponível em:
http://atualidadesdodireito.com.br/adeleltasse/2013/ 08/22/nova-lei-de-crime-
organizado/. Acesso em 10 de setembro de 2013.
[8] PEREIRA, Flávio Cardoso. A Investigação Criminal Realizada por Agentes
Infiltrados. R2 Direito, fev. 2008. Disponível em:
http://www.r2learning.com.br/_site/artigos/curso_oab_concurso_artigo_979_A
%5Finvestigacao%5Fcriminal%5Fr ealizada%5Fpor%5Fagentes%5Finfi. Acesso em:
10 set. 2013, f. 1-14.
[9] ONETO, Isabel. O agente infiltrado – contributo para a compreensão do regime
jurídico das acções encobertas. Coimbra: Coimbra editora, 2005. p 19; 96.
[10] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado – aspectos gerais e
mecanismos legais. São Paulo. Atlas: 2007, p. 54.
[11] MORAES, Henrique Viana Bandeira. Da figura do agente infiltrado nas
organizações criminosas. In:Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012.
Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_
leitura&artigo_id=12582>. Acesso em set 2013.
[12] CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado –
Comentários à nova lei sobre crime organizado (Lei n. 12.850/13). 1ª ed. Salvador:
Editora Juspodivm, 2013.
[13] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial.
3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 716.
[14] PACELLI, Eugenio. Curso de processo penal – 17a. edição – Comentários ao
CPP – 5a. edição – Lei 12.850/13. Disponível em: http://euge
niopacelli.com.br/atualizacoes/curso-de-processo-penal-17a-edicao-comentarios-ao-
cpp-5a-edicao-lei-12-85013-2/#%2 1. Acesso em: 14 de setembro de 2013.
[15] PACELLI, Eugenio. Curso de processo penal – 17a. edição – Comentários ao
CPP – 5a. edição – Lei 12.850/13. Disponível em: http://euge
niopacelli.com.br/atualizacoes/curso-de-processo-penal-17a-edicao-comentarios-ao-
cpp-5a-edicao-lei-12-85013-2/#%2 1. Acesso em: 14 de setembro de 2013.
[16] STF; HC 82.959 e HC 104.339.