analise do discurso- apostila

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Disciplina Análise do Discurso Coordenador da Disciplina Prof. Nelson Barros da Costa 5ª Edição

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Page 1: Analise Do Discurso- Apostila

Disciplina

Análise do Discurso

Coordenador da Disciplina

Prof. Nelson Barros da Costa

5ª Edição

Page 2: Analise Do Discurso- Apostila

Copyright © 2010. Todos os direitos reservados desta edição ao Instituto UFC Virtual. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, dos autores.

Créditos desta disciplina

Coordenação

Coordenador UAB Prof. Mauro Pequeno

Coordenador Adjunto UAB Prof. Henrique Pequeno

Coordenador do Curso Prof. Claudete Lima

Coordenador de Tutoria

Prof.ª Pollyanne Bicalho Ribeiro

Coordenador da Disciplina Prof. Nelson Barros da Costa

Conteúdo

Autor da Disciplina Prof. Nelson Barros da Costa

Setor TecnologiasDigitais - STD

Coordenador do Setor Prof. Henrique Sergio Lima Pequeno

Centro de Produção I - (Material Didático)

Gerente: Nídia Maria Barone

Subgerente: Paulo André Lima / José André Loureiro

Transição Didática Dayse Martins Pereira Elen Cristina Bezerra Elicélia Lima Gomes Enoe Cristina Amorim Fátima Silva Souza Hellen Paula Pereira José Adriano Oliveira Karla Colares Kamille de Oliveira Viviane Sá de Lima

Formatação Camilo Cavalcante Cícero Giovany Elília Rocha Emerson Mendes Oliveira Francisco Ribeiro Givanildo Pereira Sued de Deus Publicação João Ciro Saraiva

Design, Impressão e 3D André Lima Vieira Eduardo Ferreira Gleilson dos Santos Iranilson Pereira Luiz Fernando Soares Marllon Lima Onofre Paiva

Gerentes

Audiovisual: Andrea Pinheiro

Desenvolvimento: Wellington Wagner Sarmento

Suporte: Paulo de Tarso Cavalcante

Page 3: Analise Do Discurso- Apostila

Sumário Aula 01: Caracterização Inicial da Análise do Discurso ....................................................................... 01 Introdução ............................................................................................................................................... 01 Tópico 01: O que é a Análise do Discurso ............................................................................................. 03 Tópico 02: "Análise do Discurso": O que nos diz o Título da Disciplina.............................................. 08 Tópico 03: Discurso: Uma Palavra, Dois Conceitos .............................................................................. 15 Aula 02: Contexto e Discurso ................................................................................................................... 21 Tópico 01: Contexto: Uma Palavra, Múltiplos Sentidos........................................................................ 21 Tópico 02: Materialidade Linguística E Contexto ................................................................................. 25 Tópico 03: O ethos ................................................................................................................................. 31 Tópico 04: Da Cena de Enunciação ....................................................................................................... 37 Aula 03: Contexto Interdiscursivo........................................................................................................... 44 Tópico 01: Polifonia e dialogismo ......................................................................................................... 44 Tópico 02: Intertextualidade, Interdiscursividade e Metadiscursividade ............................................... 51 Aula 04: Reflexões Discursivas sobre o Ensino do Português ............................................................... 68 Tópico 01: O Ensino da Língua enquanto Prática Discursiva ............................................................... 68 Tópico 02: Uma Visão Discursiva do Ensino da Língua ....................................................................... 75

Page 4: Analise Do Discurso- Apostila

INTRODUÇÃO

A Análise do Discurso foi fundada nos anos sessenta do século passado,

década que ficou na história por concentrar acontecimentos de grande

relevância para a Humanidade e que levaram a transformações políticas e

comportamentais decisivas no mundo ocidental.

É na década de 60 que se dá o auge da chamada “guerra fria”, tensão

gerada pela disputa de hegemonia entre dois grandes blocos mundiais de

poder. (os países organizados em torno da OTAN e aqueles pertencentes ao

Pacto de Varsóvia) Também nesse período eclode uma série de movimentos

de categorias que se sentiam marginalizadas ou oprimidas na sociedade da

época. Na França, por exemplo, no mês de maio de 1968, ano de fundação da

AD, os estudantes confrontaram a polícia criando barricadas e verdadeiras

trincheiras de guerra nas ruas de Paris.

Todo um status quo cultural e social foi questionado: o excessivo

disciplinamento das crianças em escolas francesas; o lugar inferior da

mulher diante do pai, do marido, dos filhos homens; o preconceito e a

discriminação dos homossexuais, diagnosticados pelos médicos como

doentes, etc. Alguns anos antes, as colônias francesas na África lutavam

contra a dominação encontrando grande apoio e simpatia nesses

movimentos. Esses movimentos se aliaram também aos sindicatos operários

e intelectuais promovendo grandes manifestações e propagando ideias

libertárias em todo o Ocidente que inauguraram novas maneiras de pensar

as liberdades civis democráticas, os direitos das minorias, a igualdade entre

homens e mulheres; brancos e negros; heterossexuais e homossexuais;

velhos, jovens e crianças.

PARADA OBRIGATÓRIA

Sendo assim, nesse momento histórico, a Análise do Discurso nasce

sob o signo da polêmica. A ideia original é que ela pudesse servir como um

instrumento político capaz de desmascarar as estratégias de manipulação

ocultas por trás dos textos.

Acreditando que a linguagem encobria interesses e ideologias

inconfessáveis, a AD é proposta como recurso metodológico capaz de por a

nu tais interesses e ideologias. Com o tempo, ao se distanciar dessa época de

grande acirramento ideológico, a AD supera esse finalismo para se tornar,

sem perder seu caráter crítico, uma reflexão sobre a discursividade e a

linguagem que pode, dependendo da perspectiva, se apoiar em uma

ferramenta metodológica de leitura textual mais ou menos rigorosamente

formulada.

A história de como a disciplina evoluiu de uma posição que tinha essa

meta de modo mais unificado, nos anos 60, para se multiplicar, nos dias de

hoje, em uma série de propostas diferentes, dentre as quais a que

ANÁLISE DODISCURSO

AULA 01: CARACTERIZAÇÃO INICIAL DA ANÁLISE DO DISCURSO

1

Page 5: Analise Do Discurso- Apostila

apresentamos aqui, está contada em muitos textos, aos quais remetemos o

leitor:

LEITURA COMPLEMENTAR

COSTA, Nelson Barros da. “O primado da prática: uma quarta época

para a Análise do Discurso” In: COSTA, Nelson Barros da (org.).

PRÁTICAS DISCURSIVAS: EXERCÍCIOS ANALÍTICOS. p. 17-48. Campinas:

Pontes, 2005.

MUSSALIN, Fernanda. “A Análise do discurso”. In MUSSALIN, F.;

BENTES, Anna Christina. INTRODUÇÃO À LINGÜÍSTICA 2 – DOMÍNIOS

E FRONTEIRAS. p. 101-142. São Paulo: Cortez, 2001.

PÊCHEUX, Michel. “A Análise de Discurso: três épocas (1983)”. In:

GADET, F.; HAK, T. (orgs.). POR UMA ANÁLISE AUTOMÁTICA DO

DISCURSO - UMA INTRODUÇÃO À OBRA DEMICHEL PÊCHEUX. p. : 311-

319. Campinas: Ed. da Unicamp, 1990.

POSSENTI, S. APRESENTAÇÃO DA ANÁLISE DO DISCURSO. São

José do Rio Preto: Glota, 1990.

OLHANDO DE PERTO

Partiremos, portanto, de uma perspectiva mais contemporânea da

Análise do Discurso, advertindo o aluno/leitor de que se trata de uma

dentre muitas outras abordagens que podem ser encontradas no atual

quadro acadêmico brasileiro e mundial.

FÓRUM 01

Já encontra-se aberto o Fórum 01, onde você pode discutir com o

tutor os conteúdos gerais da disciplina.

Responsável: Professor Nelson Barros da Costa

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

2

Page 6: Analise Do Discurso- Apostila

TÓPICO 01: O QUE É A ANÁLISE DO DISCURSO

MULTIMÍDIA

Ligue o som do seu computador!

OBS.: Alguns recursos de multimídia utilizados em nossas aulas,

como vídeos legendados e animações, requerem a instalação da versão

mais atualizada do programa Adobe Flash Player©. Para baixar a versão

mais recente do programa Adobe Flash Player, clique aqui! [1]

Utilizaremos, para nos aproximarmos de uma definição da Análise do

Discurso, de princípios e procedimentos da própria disciplina:

a. Como qualquer outra disciplina, ela será encarada como um discurso, ou seja, um dizer e uma ação sobre o real. Numa palavra: uma prática. Não se pretende uma verdade sobre a realidade discursiva, mas uma interpretação desta realidade sob óculos peculiares. Por outro lado, esta realidade, tal como a realidade não-discursiva, não é um mundo estável, estanque e imune à própria discursividade produzida pela Análise do Discurso.

b. Partindo do princípio de que o advento de qualquer discurso só existe se posicionando em um campo já habitado, procuraremos indicar em que a disciplina se aproxima e se diferencia de outras conforme suas diversas dimensões.

c. Supondo que os títulos das disciplinas não são nem inteiramente transparentes ao objeto das mesmas nem rótulos inocentes e alheios a seus modos de dizer e fazer, iremos submeter a expressão Análise do Discurso a uma análise discursiva.

• As múltiplas dimensões da Análise do Discurso e sua relação com

disciplinas concorrentes

Podemos dizer que a Análise do Discurso tem múltiplas dimensões. De

um lado trata-se de uma disciplina que se dedica a um modo de leitura de

textos. Nesse sentido, ela se filia a uma linhagem de disciplinas que

historicamente vêm se dedicando a essa prática, como a Hermenêutica, a

Filologia e a Teoria Literária.

Hermenêutica: (do grego “ermēneutikē”), trata-se de disciplina que

tem por fim a interpretação correta e objetiva de textos religiosos ou

filosóficos, especialmente das Sagradas Escrituras. Hermes, deus

grego da comunicação e do entendimento humano, é o patrono da

hermenêutica.

A FILOLOGIA (do grego antigo Φιλολογία, “amor ao estudo, à

instrução”) – disciplina que estuda a língua, a literatura e a cultura de

ANÁLISE DODISCURSO

AULA 01: CARACTERIZAÇÃO INICIAL DA ANÁLISE DO DISCURSO

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Page 7: Analise Do Discurso- Apostila

um povo numa perspectiva histórica a partir de documentos escritos.

Por vezes, o termo pode também denominar o estudo científico da

história de uma língua ou família linguística, porém esse estudo é mais

apropriadamente chamado hoje de Linguística Histórica. Assim, os

filólogos propriamente ditos se dedicam ao estudo material e crítico dos

textos. São ramos da filologia a Ecdótica (arte de descobrir e corrigir os

erros de um documento escrito, preparando-lhe uma edição em que se

procura estabelecer o texto perfeito), a Crítica Textual (estudo dos

textos antigos e da sua preservação ou corrupção ao longo do tempo), a

Crítica Genética (investiga a gênese da obra literária através do estudo

dos mecanismos de produção e caminhos seguidos pelo escritor na

preparação dos originais de sua(s) edição(ões)), Paleografia (estuda

textos manuscritos antigos e medievais; estuda também a origem, a

forma e a evolução da escrita) e a Epigrafia (estuda as inscrições

antigas, ou epígrafos, gravados em material sólido visando decifrar,

interpretar e classificar as inscrições.

Teoria Literária: Disciplina que tem como objeto o texto literário,

que vai ser estudado ao nível das suas propriedades, da sua ligação com

outros textos similares, do papel do autor e do gênero. A Teoria

Literária ou Teoria da Literatura trabalha em conjunto com a História

da Literatura tentando integrar os diversos textos numa corrente

literária. Enquanto ciência, deve produzir conceitos, hipóteses

explicativas, métodos e instrumentos de análise que vão lhe permitir

obter um conhecimento profundo sobre uma obra, tendo em conta o

gênero, a corrente e a linguagem literária em que se insere.

Quanto à Hermenêutica, entendida como disciplina preocupada com a

leitura “correta” dos textos ou com o estabelecimento da melhor

interpretação de um texto, a distância se dá pelo fato de AD não pretender a

busca do Sentido, isto é, a revelação do verdadeiro sentido de um texto. Ao

contrário, a Análise do Discurso pretende liberar os múltiplos sentidos de

um texto porque segundo seus princípios, conforme veremos adiante, todo

texto é sempre legível de múltiplas formas. Embora a AD pretenda, sim,

efetuar uma interpretação de textos, interpretação que se pretende rigorosa,

na medida em que amparada em sua materialidade, esta não se pretende o

desvelamento do Sentido do texto. Um ponto crucial, portanto, marca o

distanciamento entre as duas disciplinas: uma vez que não considera o texto

como uma unidade fechada, mas sempre aberta a múltiplas interpretações, a

AD está sempre atenta à possibilidade de que o sentido pode ser sempre

outro.

VERSÃO TEXTUAL

Como qualquer disciplina do campo da cientificidade, a AD deve

rejeitar uma leitura normativa, se recusando a tentar responder

questões como "qual a melhor maneira de se descobrir o que

realmente este texto quis dizer?", "como atingir o real sentido de um

4

Page 8: Analise Do Discurso- Apostila

texto?", etc. Interessa para a AD o que de fato foi dito, os múltiplos

sentidos liberados, o como foi dito...

Quanto à Filologia, podemos dizer que não se trata para a AD de ler o

texto com o pretexto de estabelecer ou compreender seu contexto cultural.

Isso pressuporia uma visão do contexto de um texto como uma moldura,

numa relação de exterioridade, como se o contexto de um texto fosse uma

realidade constante, muda, indiferente e pré-existente ao texto. Veremos

que, para a AD, todo texto supõe seu contexto. Ele tem sempre marcas desse

contexto e nele interfere diretamente.

VERSÃO TEXTUAL

Embora muitos analistas estabeleçam objetivos diversos para a

análise e, de algum modo, um certo finalismo tenha marcado a própria

origem da disciplina, a AD deve rejeitar a ideia de pretexto, pois esta

supõe uma secundarização da análise em função de fins ou objetos

supostamente mais nobres.

À Teoria Literária a AD deve bastante...

Esta disciplina tem grande influência nas práticas de leitura e

interpretação de textos em ambiente escolar, sendo praticamente, hoje em

dia, no Brasil, a responsável quase isolada pelas práticas analíticas voltadas

para o texto e para o discurso com as quais os usuários leigos da língua têm

contato durante a infância e a adolescência. O estudo dos textos literários

historicamente desenvolveu importantes conceitos hoje apropriados pela

Análise do Discurso, como gênero, intertextualidade e posicionamento. É

clara, no entanto, a diferença entre as duas disciplinas em diversos aspectos.

Em primeiro lugar, a apreensão da AD pretende-se muito mais abrangente,

podendo inclusive tomar o próprio discurso da Teoria Literária e seu objeto

como objetos de análise. No entanto, e este é o segundo lugar, a abordagem

discursiva, mesmo a de textos literários, não será estética. Ou seja, sem

pretender substituir e sem que o aspecto estético seja negligenciado, o texto

literário não será examinado com o objetivo de apreender sua literariedade,

não será julgado em suas qualidades artísticas através de conceitos como

“belo” ou “bom gosto”, mas como uma enunciação (como tantas outras) que

funciona ligada a uma instituição discursiva específica.

Por outro lado, a Análise do Discurso é uma disciplina preocupada com

a formulação de uma teoria geral da linguagem, uma vez que a prática de

leitura que realiza pressupõe um modo de conceber o processo que tornou

possíveis os textos de que se ocupa.

E aí, por esse aspecto, a Análise do Discurso é também uma teoria do

discurso, o que a aproxima das disciplinas científicas voltadas para a

compreensão teórica da linguagem, como a Linguística (Linguística: Setor

das Ciências Humanas cujo objetivo é descrever e explicar cientificamente as

línguas naturais humanas, tanto do ponto de vista dos sistemas subjacentes

(mentais ou sociais) quanto do ponto de vista dos processos históricos que

5

Page 9: Analise Do Discurso- Apostila

conduzem à mudança desses sistemas. Pode também investigar os processos

de aprendizagem, produção, processamento e transposição material e

variação social da linguagem verbal humana.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Semi%C3%B3tica)) e a Semiótica (Semiótica:

(do grego semeiotiké ou “a arte dos sinais”) - ciência geral dos signos, estuda

os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, isto é, sistemas de

significação. Ocupa-se do estudo do processo de significação ou

representação, na natureza e na cultura, do conceito ou da ideia. Mais

abrangente que a Linguística, a qual se restringe ao estudo dos signos

linguísticos, ou seja, do sistema sígnico da linguagem verbal, esta ciência tem

por objeto qualquer sistema sígnico.(http://pt.wikipedia.org/wiki/Semi%

C3%B3tica)) . Sem entrar na questão do modo como compreendem a

linguagem e o discurso, podemos afirmar que a AD comunga com esses

campos de saber no sentido não abrir mão de princípios universais de

cientificidade tais como a busca da universalidade, a validação prática de

suas descobertas, crenças e criações, a investigação metódica, etc.

Diferentemente dessas disciplinas, porém, na medida em que a AD pretende,

mais do que propor modelos de análise, verificar os condicionamentos sócio-

históricos da produção linguística concreta, ou ainda, investigar os nexos que

condicionam as formas linguísticas, ela esclarece e contribui para a

emancipação crítica do falante-ouvinte. Além do mais, a AD não separa o

produto do processo de produção. Para ela, a exterioridade é constitutiva do

texto, isto é, o falante (escritor), o ouvinte (leitor) e o contexto social e

histórico no qual estão inseridos, bem como as próprias formulações

linguísticas fixadas na memória discursiva, são levados em conta na sua

prática. Dessa forma, ela procura evitar tanto o distanciamento presente nas

ciências, quanto o pragmatismo inerente ao senso comum, procurando

descrever, explicitar e problematizar a discursividade. Diante desta, o

procedimento da AD é, portanto, de reflexão crítica, pois procura

problematizar continuamente as evidências e explicitar seu caráter político-

ideológico (ORLANDI, 1987). Note-se que a AD não se pretende colocar

como uma alternativa para a Linguística e a Semiótica - ciências positivas

que pretendem descrever e explicar a linguagem verbal humana, mas como

proposta crítica que pretende problematizar as formas de reflexão

estabelecidas (ORLANDI, op. cit.).

Um aspecto importante dessa diferença entre a Análise do Discurso e as

outras perspectivas elencadas diz respeito à forma de encarar o objeto

linguagem. A AD olha seu objeto como parte da totalidade social e histórica,

procurando articular aquilo que a olho nu aparece como desarticulado: a

linguagem, a história, a sociedade, os sujeitos. Daí o caráter interdisciplinar

da Análise do Discurso que não hesita em buscar de outras áreas do saber

elementos para tentar compreender a linguagem.

De outra parte, consideramos que a Análise do Discurso se aproxima do

saber filosófico acerca da linguagem. Naturalmente que essa aproximação

tem grande relação com o fato de serem filósofos alguns de seus precursores

como Mikhail Bakhtin, Louis Althusser e Michel Foucault, além de ser

filósofo seu próprio fundador oficial, Michel Pêcheux. Mas seria redutor

creditar unicamente a esse fato, certamente relevante, a “aura” filosófica da

6

Page 10: Analise Do Discurso- Apostila

Análise do Discurso. Pensamos que isso tem a ver com uma postura

reflexiva, crítica e de não-neutralidade, a nosso ver irredutível, diante de seu

objeto e do mundo. Diante, por exemplo, da descoberta de estratégias de

manipulação do leitor/ouvinte ou de mascaramento de determinados

mecanismos de poder, o analista não pode deixar de se posicionar e de

denunciar. Mas não apenas isso. Além dessa dimensão ética, pensamos que

outra herança do discurso filosófico incorporado pela AD compõe um

aspecto de seu instrumental metodológico baseado na reflexão sobre seu

objeto em oposição a uma linguagem meramente descritiva, que se

pretenderia transparente, reflexo do real. Mais do que desvendar a realidade

discursiva, o discurso da Análise do Discurso pretende problematizá-la. Essa

problematização passa por um uso da linguagem que problematiza ela

própria a linguagem comum das ciências positivas da linguagem. Daí o uso

de metáforas, alegorias, aparentes paradoxos, construções inusitadas, de um

código de linguagem aberto à visita da subjetividade, mas sempre preso ao

rigor e avesso à especulação.

QUADRO COM SÍNTESE

FONTES DAS IMAGENS

1. http://www.adobe.com/products/flashplayer/2. http://www.adobe.com/go/getflashplayer3. http://www.adobe.com/go/getflashplayer

Responsável: Professor Nelson Barros da Costa

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

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Page 11: Analise Do Discurso- Apostila

TÓPICO 02: "ANÁLISE DO DISCURSO": O QUE NOS DIZ O TÍTULO DA DISCIPLINA

Fonte [1]

Michel Pêcheux - (1938-1983): uma

das figuras mais importantes da

Análise do Discurso.

A denominação “Análise do Discurso” dá poucas pistas para uma

compreensão mais precisa dos objetivos da disciplina, diferentemente de

outras e de outros segmentos do campo de saber da Linguística:

OBSERVAÇÃO

Como se pode perceber, mesmo que não se tenha uma visão completa

do que tratam as disciplinas acima, seus títulos dão alguma ideia de seus

assuntos. Sabe-se, a partir do título Psicolinguística, por exemplo, que ela

relaciona de alguma maneira “mente” e “linguagem”. E o que se sabe da

Análise do Discurso a partir de seu título? Pouca coisa!

Diante da palavra “análise”, pode-se perguntar: que tipo de análise?

Linguística? Estética? Crítica? Ideológica? Independente do sentido que se

possa atribuir à palavra “análise”, antecedendo a palavra “discurso”, o leitor

pode supor que exista um objeto passível de análise: o “discurso”, do mesmo

modo que outros objetos, como a sintaxe, a morfologia e a fonologia. Porém,

em nenhuma dessas “análises” o objeto toma a forma substantiva

definitivada (A <strong>definitivação</strong> é a utilização de uma

expressão seguida de artigo definido. Este recurso dá à expressão um caráter

de informação já conhecida.) como em “análise do discurso”. Não são

conhecidas as expressões “análise do sintagma”, “análise do fonema” ou

“análise do morfema” enquanto títulos de disciplinas ou setor de disciplinas.

Noutras palavras, a expressão “análise do discurso” não se enquadra

com sucesso no paradigma abaixo:

“Análise fonológica” = análise da fonologia de uma língua

“Análise morfológica” = análise da morfologia de uma língua

“Análise sintática” = análise da sintaxe de uma língua

“Análise do discurso” = análise do discurso de uma língua” ?

Assim, a expressão “análise do discurso” é obscura no tocante a dizer o

que realmente a disciplina consiste nos limites do que um título pode dizer

do que consiste uma disciplina.

ANÁLISE DODISCURSO

AULA 01: CARACTERIZAÇÃO INICIAL DA ANÁLISE DO DISCURSO

8

Page 12: Analise Do Discurso- Apostila

Isso se agrava pelo fato de que, diferentemente dos termos “fonologia”,

“morfologia” e “sintaxe”, que são mais técnicos, o termo “discurso” é

saturado nos seguintes sentidos:

A) PELO SENSO COMUM: RETÓRICA, PALAVRAS VAZIAS, FALA EM SITUAÇÃO SOLENE

Estes sentidos NÃO são, naturalmente, os do termo “discurso” que está

no título de nossa disciplina, embora eles devam ser considerados pela

Análise do Discurso, uma vez que fazem parte, como qualquer palavra da

língua, de um campo de produção de sentido, nesse caso, o que se tem

chamado discurso do cotidiano.

B) PELO SENTIDO DICIONARIZADO:HOUAISS: VERBETE DISCURSO

N substantivo masculino

1 mensagem oral, ger. solene e prolongada, que um orador profere

perante uma assistência

Ex.: d. De posse, de despedida, de formatura etc.

2 rubrica: literatura.

Peça de oratória ger. para ser proferida em público, ou escrita como

se fosse para esse fim; sermão, oração

Ex.: Rui Barbosa ficou famoso por seus discursos.

3 série de enunciados significativos que expressam formalmente a

maneira de pensar e de agir e/ou as circunstâncias identificadas com um

certo assunto, meio ou grupo

Ex.:

4 rubrica: literatura. Diacronismo: obsoleto. Texto em que se trata

com profundidade algum assunto; estudo, tratado, dissertação

Ex.: o professor aconselhou a leitura do discurso do método, de

Descartes

5 rubrica: filosofia.

Raciocínio que se realiza por meio de movimento seqüencial que vai

de uma formulação conceitual a outra, segundo um encadeamento lógico

e ordenado

obs.: p. opos. A intuição

6 derivação: por metonímia.

A exposição do raciocínio assim conduzido; pensamento discursivo

7 rubrica: lingüística.

9

Page 13: Analise Do Discurso- Apostila

A língua em ação, tal como é realizada pelo falante [para muitos

lingüistas, a palavra discurso é sinônimo de fala e figura em igualdade de

sentido na dicotomia língua/discurso.

obs.: cf. fala

8 rubrica: lingüística.

Segmento contínuo de fala maior do que uma sentença

obs.: cf. Análise de discurso

9 rubrica: lingüística.

Enunciado oral ou escrito que supõe, numa situação de comunicação,

um locutor e um interlocutor

10 rubrica: lingüística.

Reprodução que alguém faz das palavras atribuídas a outra pessoa

Obs.: cf. discurso direto, discurso indireto, discurso indireto livre

Como se pode ver, o verbete do dicionário (tomamos HOUAISS (2001),

mas o mesmo vale para qualquer outro dicionário) já reflete a multiplicidade

de sentidos do termo, ao mesmo tempo em que opera uma seleção e uma

fixação, cujos critérios não são explicitados, desses sentidos. Em que medida

poderemos indicar o dicionário como um auxiliar na compreensão da

expressão “análise do discurso” tal como queremos explicitar aqui? Em

nenhuma medida, como esperamos que se torne claro aqui.

Deixando de lado os sentidos do senso comum, da literatura, da filosofia

e da psicanálise, colocados em primeiro plano pelo dicionário em questão,

mas que podemos descartar, consideremos aqueles que foram reservados

pelos 4 últimos verbetes para a Linguística, sendo que em um deles a

expressão “análise do discurso” entra como exemplo de emprego do termo.

Fonte [2]Ilustração do livro “Curso de Linguística Geral”, de Ferdinand de Saussure

O primeiro deles, de número 7, assimila o conceito a fala, opondo-o a

língua, evocando a célebre dicotomia saussureana. Evidentemente, discurso

não se confunde com fala. Se Análise do Discurso equivalesse a análise da

fala, no sentido que Saussure dá a esse termo, aquela não passaria de um

dispositivo técnico de análise da materialidade dos sons. Isso porque, para

Saussure, a fala é o mecanismo psicofísico de execução da língua. Em suma,

conforme a 7ª definição de Houaiss para discurso, a Análise do Discurso

seria o mesmo que análise fonética, o que absolutamente não bate com a

realidade (os próprios foneticistas não se diriam praticando análise do

discurso).

10

Page 14: Analise Do Discurso- Apostila

Ferdinand de Saussure (1857-1913)

Na oitava definição, temos a consideração do discurso, mais uma vez,

como objeto relacionado à fala. Ele é identificado como “maior do que a

sentença”. Vale ainda dizer que esse sentido do dicionário, que inclusive dá

como exemplo o nome de nossa disciplina, advém certamente do que é

considerada a primeira utilização da expressão “análise do discurso”:

“Discourse analysis” (em português “Análise do discurso” ou “Análise de

discurso”) foi o título de um artigo do linguista norte-americano Zellig

Sabbetai Harris, publicado no número 28 da revista Language, em 1952,

traduzido para o francês e publicado no número 13 da revista francesa

Langage, em 1969, apenas um ano após a fundação oficial da Análise do

Discurso francesa. Visando aplicar a descrição sintática da frase ao texto,

Harris considera discurso o conjunto articulado de sentenças. Assim, para

Harris, do mesmo modo que, na frase, a análise sintática procede verificando

as regras de articulação entre os elementos constituintes (nomes, verbos,

preposições, artigos, etc.), a análise do discurso deveria proceder verificando

as regras de articulação entre as frases em um texto. Desse modo, o discurso

é definido como um conglomerado de frases articuladas e, portanto, como

diz o dicionário, maior do que a sentença. De fato, o discurso como realidade

empírica tem natureza diferente da sentença. Porém não em relação ao

tamanho, mas à sua própria condição de existência. Enquanto que o discurso

é uma realização concreta de uma interação entre sujeitos, a sentença é a

realização de uma estrutura linguística. Nesse sentido, o discurso pode ser

menor (ex.: “bom, eu... ”) ou maior (ex.: um romance), não sendo, portanto,

o tamanho que os diferencia. Voltaremos mais adiante a essa questão. Para

aprofundar essa discussão sugerimos o artigo “Zellig Harris: 50 anos depois”,

de Carlos Alberto Faraco Zellig Harris: 50 anos depois [3], de Carlos Alberto

Faraco.

Passemos à definição de número 10, para depois nos voltarmos para a 9.

O sentido 10 aponta para um uso muito específico da palavra discurso:

“discurso direto, discurso indireto, discurso indireto livre”. A rigor, trata-se

de esquemas de reportação (Ação de trazer em um enunciado fragmento de

um enunciado supostamente de outro. Deriva: “reportar” e “reportado”.) , de

enunciados ou de recortes de enunciados. Ou seja, fórmulas usadas para o

encaixamento de trechos da enunciação alheia. São fartamente conhecidos

não apenas por ser procedimento comum na enunciação, mas também por

serem muito trabalhados na escola. Embora seja um fenômeno

importantíssimo para a AD, como veremos na aula 03, não é esse o sentido

de discurso tomado pela AD, uma vez que será preferível tomar como

discurso o enunciado reportador, não o reportado nem o esquema da

reportação. Ainda mais se considerarmos que o “discurso” no discurso é

sempre modificado de alguma maneira, nunca se conservando tal qual ele

11

Page 15: Analise Do Discurso- Apostila

aconteceu, diferentemente do que a expressão “discurso direto” sugere. Em

poucas palavras, podemos dizer que o discurso reportado não é de fato um

discurso no sentido privilegiado pela AD.

Por fim, analisemos a definição 9: “enunciado oral ou escrito que supõe,

numa situação de comunicação, um locutor e um interlocutor”. É a que mais

se aproxima de um dos sentidos preferenciais de discurso que a AD se utiliza,

ainda que incompleto. Ela é criticável nos seguintes aspectos:

ASPECTO 1

a) define discurso utilizando a palavra “enunciado”, sem definir a

própria palavra “enunciado”;

ASPECTO 2

b) adota o conceito de “comunicação” de modo acrítico. Veremos que a

AD manifesta reservas a esse conceito;

ASPECTO 3

c) na prática, é redutor falar-se apenas em “um locutor e um

interlocutor”. A interlocução é sempre múltipla e sempre co-enunciativa.

Ou seja, há sempre muitas “vozes”, muitos sujeitos “falando” em qualquer

enunciado, ao mesmo tempo em que, na maioria das vezes, a enunciação

sempre envolve mais de um enunciador, que co-enunciam junto com o

enunciador.

C) PELA LINGUÍSTICA: DISCURSO = TEXTO

Nas últimas décadas, a Linguística tem se dedicado cada vez mais aos

estudos da interação linguística. Trata-se de um grande avanço, porque, no

início da disciplina, a proposta era o estudo das formas, funções e regras do

sistema linguístico. A partir da proposta de Ferdinand de Saussure, os

linguistas europeus e americanos de grande parte do século 20 tomaram

como encargo sobretudo a descrição dos sistemas linguísticos analisando

sua estrutura fonológica, morfológica e sintática, considerando apenas

esses níveis passíveis de sistematização. Os sistemas linguísticos que

possibilitam a comunicação eram estudados independente dos usuários e

do contexto de uso, seguindo a máxima de Saussure que recomendava que

a Linguística deveria ter “como único e verdadeiro objeto a língua em si

mesma e por si mesma”. No entanto, aproximadamente a partir da metade

do século vinte, influenciada por estudos de outras áreas das ciências

humanas e da filosofia, essa proposta estruturalista vai gradativamente se

abrir não apenas para a consideração do uso linguístico, mas também para

a análise de unidades que não se restringem ao campo da sintaxe. Começa

um interesse maior pela semântica (A <strong>semântica</strong> (do

grego σημαντικός, derivado de sema, sinal) refere-se ao estudo do

significado, em todos os sentidos do termo. A semântica opõe-se com

frequência à sintaxe, caso em que a primeira se ocupa do que algo significa,

enquanto a segunda se debruça sobre as estruturas ou padrões formais do

modo como esse algo é expresso.) , pela pragmática

(<strong>Pragmática:</strong> Ramo da Linguística que se interessa

pelas relações entre os signos e os usuários considerando a influência sobre

12

Page 16: Analise Do Discurso- Apostila

aqueles do contexto situacional, da cultura dos falantes e das regras

sociais.) , pela conversação, pela enunciação e pelo texto.

Fonte [4]

A Análise do Discurso, campo desde o início já interdisciplinar, que se

desenvolve independentemente da Linguística, vai tanto receber influências

como influenciar tais estudos. Não discutiremos no curto espaço desse curso

essa influência mútua. Queremos apenas chamar atenção para o uso que

muitos dos ramos pós-estruturalistas da Linguística têm feito da expressão

“discurso” e de como esse uso se distancia do principal sentido de discurso

trabalhado pela AD. Tanto a chamada Teoria da Enunciação (Teoria da

Enunciação: Perspectiva, atribuída a Émile Benveniste, voltada para a

análise dos mecanismos formais que possibilitam o uso da língua pelos

sujeitos.) , quanto a Pragmática (Pragmática: Ramo da Linguística que se

interessa pelas relações entre os signos e os usuários considerando a

influência sobre aqueles do contexto situacional, da cultura dos falantes e

das regras sociais.) , bem como a Análise da Conversação (Análise da

Conversação: Ramo da Linguística que pretende descrever e analisar como

as regras da fala são estrutural e socialmente (co)construídas no decorrer da

interação face-à-face.) , foram muito influenciadas por uma concepção de

discurso explicitada por Émile Benveniste , quando ele opõe enunciados

ancorados na situação de enunciação (“discurso”) e enunciados recortados

de sua situação de enunciação (“história” ou “narrativa”). Nos primeiros,

próprios das situações de conversação, há a clara manifestação dos

elementos de subjetividade seja dos agentes da enunciação (como “eu”,

“mim”, “comigo” - e derivados: “tu”, “te”, “contigo” -, formas verbais

correlativas, etc.), seja dos elementos temporais e espaciais que tomam por

referência esses agentes partir da enunciação do “eu” (“agora”, “hoje”,

“ontem”, “aqui”, “lá”, “acolá”, etc.). O não-discurso seria, para Benveniste,

formado por aqueles enunciados em que tais marcas estão ausentes, como no

caso dos textos científicos, narrativos, historiográficos, etc.

Embora esses estudos sejam preciosos para a AD, eles não contemplam

o seu objeto em sua integridade, pois não dão conta nem da discursividade

como um todo, que não se resume às trocas verbais situacionais, nem dão

conta do sentido mais amplo do discurso, isto é, das ordens ou campos

discursivos que são o contexto em que se dá qualquer tipo de troca verbal.

No caso da Linguística Textual, que, por conta de reformulações

recentes, tem sido chamada também de “Linguística de Texto”, a

problemática do uso do conceito de discurso se dá de modo diferente. É

interessante notar o caminho inverso que essa disciplina seguiu em relação

ao daquelas elencadas acima. Isso porque ela parte da noção de texto (termo

fortemente habitado pela ideia da escrita) para tentar extrapolá-la para os

13

Page 17: Analise Do Discurso- Apostila

enunciados não-escritos. No entanto, há uma forte tendência entre os

adeptos dessa disciplina em assimilarem a noção de texto a discurso, o que

se dá em detrimento do sentido de discurso como instância mais ampla de

produção simbólica, dentro da qual os textos adquirem sentido. A

denominação “gênero textual” substituindo a de “gênero do discurso”, tal

como propusera Bakhtin, é um exemplo dessa elisão da dimensão do

discurso, inaceitável para a AD.

Logo:

O fato de estarem combinadas as palavras “análise” e “discurso”, pela locução gramatical “do”, não implica que o sentido de “análise do discurso” seja igual à soma sintático-semântica de tais termos (“análise do discurso é uma disciplina que tem por objetivo analisar o objeto discurso”);

O sentido dos termos da expressão “análise do discurso” não pode ser compreendido sem a verificação do que na prática é a análise do discurso;

Assim, “análise”, “do” e “discurso”, têm seus sentidos “reciclados” pelo novo contexto pragmático que o simples uso combinado desses termos adquire em determinado momento histórico;

Em síntese, os conceitos expressos pelos termos em questão não são dados previamente, mas construídos por uma prática científica situada histórico e socialmente.

É preciso que se diga, aliás, antes de começar qualquer discussão, que a

análise do discurso é dilacerada por uma grande variedade de perspectivas.

Algumas vão até divergir quanto ao título da própria disciplina. Umas vão

preferir análise DO discurso, outras análise DE discurso, outras análise DE

discursoS e outras ainda análise CRÍTICA DO discurso ou análise DO discurso

CRÍTICA. O fato de termos analisado apenas a primeira denominação já

indica nossa opção por uma dessas perspectivas. Mas mesmo aqueles que

concordam com essa denominação se dividem em variadas linhas conforme

alguns critérios. Devido à exiguidade de tempo, não exploraremos essa

questão, limitando-nos a explicitar nossa concepção.

FONTES DAS IMAGENS

1. http://www.ple.uem.br/geduem/img/pecheux.jpg2. http://www.infoamerica.org/teoria_imagenes/saussure_a.gif3. http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/letras/article/viewFile/2889/23714. http://www.arbredor.com/vmchk/cours-de-linguistique-generale

Responsável: Professor Nelson Barros da Costa

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

14

Page 18: Analise Do Discurso- Apostila

TÓPICO 03: DISCURSO: UMA PALAVRA, DOIS CONCEITOS

Agora vejamos o que é o discurso a partir da ótica da Análise do

Discurso ou, pelo menos, do que seria a ótica da Análise do Discurso sob a

nossa ótica. No discurso científico tradicional, é normal a preocupação com a

univocidade dos termos técnicos. No entanto, em AD, podemos identificar

pelo menos dois importantes conceitos de discurso. O primeiro está

relacionado à noção de acontecimento e enunciado. Vejamos:

ACONTECIMENTO

Trata-se de um evento de interação simbólica.

ENUNCIADO

Algo dito (não necessariamente através da oralidade) por um sujeito

concreto em um momento histórico concreto, em oposição ao conceito

abstrato de frase.

Conforme Maingueneau (2001), mais do que um objeto diferenciado,

trata-se do resultado de um modo novo de conceber a linguagem. Por essa

perspectiva, o discurso nunca se repete, porque são sempre diferentes as

condições de sua produção. Assim, tomemos os enunciados “eu só quero é

ser feliz” abaixo:

Fonte [1]

Eu só quero é ser feliz,

Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é.

E poder me orgulhar,

E ter a consciência que o pobre tem seu lugar.

(...)

ANÁLISE DO DISCURSO

AULA 01: CARACTERIZAÇÃO INICIAL DA ANÁLISE DO DISCURSO

15

Page 19: Analise Do Discurso- Apostila

(“Rap da Felicidade”, Julinho Rasta/Kátia - veja o clip:

http://www.youtube.com/watch?v=MXU4Ph9zZWQ [2]

Veja o leitor que, do ponto de vista gramatical, trata-se da mesma frase,

pois em ambos os casos a estrutura é exatamente a mesma. No entanto, do

ponto de vista discursivo, trata-se de dois enunciados ou discursos

diferentes. O primeiro se encontra em um blog, encabeçando um texto que

enquadra uma foto. A sua veiculação se deu através da Internet, de modo

escrito. O ambiente em que ele está é colorido e as letras da expressão têm

cor diferente do restante do texto. Ao passo que o outro, embora esteja

apresentado por escrito aqui, tem veiculação oral, na forma melódica de uma

canção, e encabeça uma estrofe que se repete várias vezes no que se costuma

chamar de “refrão”.

DÚVIDA

O aluno poderia questionar: os exemplos em questão não são

adequados, pois não são enunciados autônomos, sendo na verdade parte

de enunciados maiores. Porém, pode-se retrucar: existem realmente

enunciados autônomos? É possível encontrar expressões que não sejam

partes de um contexto, partes de enunciados maiores?

Se alguém pronunciasse essa expressão (“Eu só quero é ser feliz”) para

um interlocutor certamente seria no contexto de uma conversa (um

enunciado maior); dificilmente ele a diria isolada e, mesmo se dissesse, esse

dizer seria em resposta a algo que ele ouviu, a alguém, por exemplo, que,

anteriormente tivesse censurado suas atitudes egocêntricas. Mas mesmo se

pensarmos em enunciados supostamente autônomos, aos quais

reconhecêssemos uma autoria, como uma poesia, por exemplo, devemos nos

perguntar se esse tipo de texto não está sempre inserido em um contexto

enunciativo mais amplo (livro de poemas, livro didático, recital, etc.).

OBSERVAÇÃO

Desse modo, já temos uma boa característica do discurso: sua

indissociabilidade do contexto. Qualquer enunciado é inseparável do

contexto graças ao qual ele existe. Daí que, como todo contexto é único e

irrepetível, os discursos nunca se repetem. O discurso é, portanto, um

acontecimento e, enquanto tal, é sempre único e sempre histórico, no

sentido de que é sempre marcado pelo contexto histórico.

Nesse sentido, que temos chamado de específico, “discurso” é o

mesmo que “enunciado” . O termo “texto” também pode ser usado com o

mesmo sentido. Porém a palavra “texto” tende a ser empregada mais

quando se trata de enunciados acabados, fixados e mais suscetíveis de

circulação e armazenamento. Assim, dificilmente se fala em texto quando

se trata de enunciados proferidos em uma conversação. Ao contrário, pode

-se chamar indiferentemente de discurso, enunciado ou texto exemplares

de um poema, de um romance, de uma receita de bolo, de uma notícia de

jornal, etc. Seja como for, tenhamos claro que tais conceitos têm em

comum o fato de serem objetos empíricos da Análise do Discurso. Isto

16

Page 20: Analise Do Discurso- Apostila

significa que é sobre estes objetos, que têm realidade material, concreta,

que o analista se debruçará.

O fato de nunca se repetirem não impede que os discursos componham

tipos. O caso do enunciado “Eu só quero é ser feliz”, que ocorre no segundo

exemplo, podemos tanto relacioná-lo a outros que têm o mesmo modo de

veiculação (como outras canções populares ou outros raps). Ou seja, os

discursos se enquadram em gêneros, importante categoria tipológica da qual

voltaremos a falar mais adiante. Por outro lado, podemos associar o

enunciado em questão a outros tantos enunciados que tematizam a

felicidade do indivíduo, como o que segue abaixo, também retirado de um

blog:

Fonte [3]

Ou como esse que segue abaixo, na capa de um livro de auto-ajuda:

Fonte [4]

Ou ainda, como o que se vê nos dois panfletos abaixo:

17

Page 21: Analise Do Discurso- Apostila

Fonte [5]

Apesar da diferença em termos gramaticais, um analista do discurso não

pode ignorar que os enunciados “Eu só quero ser feliz” (do blog e da canção),

“Eu quero ser feliz” (do blog e do livro de auto-ajuda), “Você feliz da vida” e

“A felicidade sempre chega quando menos se espera” (estes últimos, dos

panfletos publicitários) fazem parte do que poderíamos chamar de discurso

sobre (ou da) felicidade individual. Não pode ignorar também que o

acontecimento desses enunciados pressupõe um momento histórico que

propicia não só que eles ocorram da forma como ocorrem, mas também que

eles possam falar na idéia de felicidade individual e mesmo na própria idéia

de indivíduo, algo certamente indizível na Idade Média, uma vez que nesse

estágio da Humanidade conceitos como os de indivíduo, de felicidade

individual, pelo menos tal como concebemos hoje, mereciam quase nenhuma

importância.

OLHANDO DE PERTO

Em suma, o analista deve tanto investigar como determinado

enunciado muda de sentido conforme o contexto apesar de conservar a

estrutura (polissemia), quanto compreender como o sentido pode

permanecer apesar da variação da estrutura em diferentes contextos

(paráfrase).

Porém o que queremos que você perceba é que já estamos trabalhando

com outro sentido de discurso. Quando remetemos diversos discursos (no

sentido específico) a uma instância anônima que, digamos assim, os

“dispersa” em diferentes gêneros e na “boca” de diferentes enunciadores,

estamos propondo que cada um desses discursos é manifestação material de

um DISCURSO, ou do que Michel Foucault chamou de formação discursiva.

Este sentido “ampliado” de discurso não é estranho ao senso comum. Ele

aparece quando falamos em “discurso político” ou “discurso religioso”.

Porém é mais comum pensarmos nesse sentido ligado a um sistema

institucional que produziria um tipo determinado de discurso. É o que se dá

quando falamos de “discurso religioso”, por exemplo. Pressupõe-se, quando

se utiliza essa expressão, que uma dada instituição (a Igreja Católica, a Igreja

18

Page 22: Analise Do Discurso- Apostila

Evangélica, etc.) gera a partir de um centro uma série indefinida de discursos

que iremos qualificar genérica (discurso religioso) ou especificamente

(discurso católico). No entanto, embora reconheça a existência e o papel

dessas instâncias, a AD pensa o discurso como uma dispersão. Isso significa

que o DISCURSO não se concentra em um lugar ou lugares específicos na

sociedade, produzindo a partir daí seus efeitos sob seu controle. Também

esse sentido de dispersão está em certo uso comum da palavra: quando, na

linguagem cotidiana, falamos em “discurso machista” ou “racista”, por

exemplo, não pensamos em uma instância tal como pensamos quando

falamos em “discurso religioso”. Assim, o “discurso racista” pode estar

presente na novela, na conversação familiar, no parlamento, na escola, em

qualquer lugar. Mas a AD não deve se contentar com essas imagens de

discurso do senso comum (sejam ligadas a uma instância central (político,

pedagógico, etc,), sejam ligadas a um tipo de ideologia abstrata (conservador,

nacionalista, etc.)), mas vai examinar como os discursos se constroem (se

materializam) se atualizando historicamente, interagindo e influenciando-se

reciprocamente, e, sobretudo, mediando as relações inter-humanas e

condicionando a visão que temos do mundo.

Fonte [6]MICHEL FOUCAULT - (1926 — 1984) - FILÓSOFO E PROFESSOR DO COLLÈGE DE FRANCE.

EXERCEU GRANDE INFLUÊNCIA SOBRE A ANÁLISE DO DISCURSO.

RESUMO: DOIS SENTIDOS DA PALAVRA DISCURSO

FÓRUM 02

Em que sentido utilizamos a palavra discurso no cotidiano? Em que

esses sentidos se aproximam e se distanciam do uso em Análise do

Discurso?

FONTES DAS IMAGENS

1. http://srtawill.blogspot.com/2008_08_05_archive.html2. http://www.youtube.com/watch?v=MXU4Ph9zZWQ3. http://www.angelamoura.hpg.ig.com.br/mensagem/eu_quero_ser_feliz.htm

19

Page 23: Analise Do Discurso- Apostila

4. http://www.marisacajado.com/capa%20eu%20quero%20ser%20feliz%

20livro.jpg

5. http://3.bp.blogspot.com/_2PbB4SG2L-

4/Rpj0CTD3njI/AAAAAAAAAIw/BUXM-lHj_qs/s1600-

h/ODONTOCARD_FELICIDADE_PANFLETO+verso.jpg

6. http://www.skjstudio.com/franck/images/Foucault.jpg

Responsável: Professor Nelson Barros da Costa

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

20

Page 24: Analise Do Discurso- Apostila

TÓPICO 01: CONTEXTO: UMA PALAVRA, MÚLTIPLOS SENTIDOS

Se consultarmos o livro Termos-chave da Análise do Discurso

(MAINGUENEAU, 2000), veremos que seu primeiro verbete, que trata

justamente da Análise do Discurso, assim a define:

Disciplina que, em vez de proceder a uma análise linguística do texto em si ou a

análise sociológica ou psicológica de seu 'contexto', visa a articular sua

enunciação sobre um certo lugar social. Ela está, portanto, em relação com os

gêneros de discurso trabalhados nos setores do espaço social (um café, uma

escola, uma loja...) ou nos campos discursivos (político, científico...)

(p. 13, grifos do autor)

Observemos que, conforme a definição, tem-se a preocupação em definir

a AD como uma disciplina que objetiva estudar a relação entre texto e

contexto, este referido pelas expressões “lugar social”, “espaço social” e

“campos discursivos”. Ela não abre mão de ter como objeto a matéria verbal,

uma vez que se debruça primordialmente sobre enunciados ou textos, o que

a situa institucionalmente no campo da Linguística; mas também se recusa

em situar-se apenas no nível puramente linguístico-textual, o que, de certo

modo, a distancia de tal campo.

Os 3 sentidos elencados por Maingueneau são apenas alguns dos

sentidos da palavra “contexto”. Uma aula proferida por um professor, por

exemplo, tem necessariamente múltiplos contextos: este pode ser a sala de

aula enquanto espaço físico (as paredes, o quadro, os móveis, os aparelhos

elétricos, a porta, etc.), a sala de aula enquanto lugar social (o professor, os

alunos, um eventual estagiário ou ouvinte), a instituição (pode tratar-se de

uma escola de 1º ou 2º grau, pública ou privada, de uma universidade

pública ou privada, de um curso de graduação ou pós-graduação), o campo

discursivo (o chamado “discurso pedagógico”), o contexto da nacionalidade

(trata-se de uma instituição brasileira, a língua usada é o português, os

assuntos são pertinentes à sociedade e à cultura brasileira), a conjuntura

sócio-histórica (dá-se em um momento de economia liberal, onde o Brasil é

governado por uma presidente de um partido de esquerda em uma economia

mundial em estágio avançado de globalização); etc.

Pode-se pensar, ainda, num contexto menos óbvio, que é o chamado

contexto ideológico: se pensarmos que uma aula só se dá porque em nossa

sociedade se acredita que existe algo chamado de “conhecimento” ou

“saber” que tem um valor e que precisa ser disseminado por aqueles que o

detêm entre aqueles que não o detêm; se admitirmos que, desde crianças,

em nossa sociedade, somos convencidos a ir pra escola sob a promessa de

que o saber que lá vamos adquirir nos servirá pelo resto da vida e que sem

ele estaremos “perdidos”, incapazes de “sobreviver” na “civilização”, ou

ANÁLISE DODISCURSO

AULA 02: CONTEXTO E DISCURSO

21

Page 25: Analise Do Discurso- Apostila

que não conseguiremos obter a “cidadania” e seremos como cegos por falta

da “luz” dos números, das letras e dos “conhecimentos gerais”, e que sem

isso não haveria aulas, temos que levar em consideração que este evento

discursivo é tornado possível em um contexto ideológico.

Outra dimensão contextual pouco óbvia, mas nem por isso menos

importante, é a dimensão interdiscursiva. Uma aula é um discurso que se

relaciona com outros discursos. Não apenas porque uma aula dada por um

professor pressupõe uma orientação para um público ouvinte concreto,

que são os alunos; mas também porque é preciso sempre pensar que uma

aula nunca é um evento isolado: a ela se seguiu uma aula e a ela se

seguirão outras. Pode-se pensar na aula como um exemplar de uma

linhagem histórica de eventos discursivos semelhantes que vieram se

transformando no tempo até se aproximar do modelo atual. Por outro

lado, o que se chama aula é uma enunciação derivada de outras, talvez de

um antigo modelo de diálogo familiar, onde um único interlocutor de um

grupo tinha o poder de fala e de distribuição da fala, seja para permiti-la,

seja para exigi-la. Podemos pensar ainda que o que o professor fala em sala

de aula se apoia e adquire legitimidade a partir de um outro discurso, o

discurso científico. É ele que, na nossa sociedade, produz enunciados com

poder de crença suficiente para dar suporte ao discurso pedagógico, que o

comenta e o retextualiza para disseminá-lo na instituição escolar se

nutrindo de seu prestígio e o reforçando.

PARADA OBRIGATÓRIA

Por fim, nessa questão do contexto interdiscursivo, vale à pena

mencionar o fato de que é comum o professor em sua aula trazer a

manifestação de outros discursos. Por exemplo, se se trata de uma aula de

literatura, certamente irão ser convocados textos literários o mais

diversos, bem como textos de críticos literários e de biógrafos.

Merece destaque também, pelo pouco que tem sido levado em conta na

história da própria Análise do Discurso, o que podemos chamar de contexto

posicional ou posicionamento. Conforme Maingueneau,

O posicionamento corresponde à posição que um locutor ocupa em um campo

de discussão, os valores que ele defende (consciente ou inconscientemente) e que

caracterizam reciprocamente sua identidade social e ideológica. Esses valores

podem ser organizados em sistemas de pensamento (doutrinas) ou podem ser

simplesmente organizados em normas de comportamento social que são mais

ou menos conscientemente adotadas pelos sujeitos sociais e que os caracterizam

identitariamente. Pode-se falar, portanto, em posicionamento também para o

discurso político, midiático, escolar... p.392)

Também a teoria literária já há muito tempo trabalha com a ideia de

posicionamento. Mas trata-se de um conceito que pode, assim como os de

gênero e ethos (cf. mais adiante), ser expandido para o conjunto da

discursividade. Embora os posicionamentos sejam mais claramente

22

Page 26: Analise Do Discurso- Apostila

observáveis em discursos estritamente institucionais como a Literatura, a

Ciência e a Religião, também nos discursos não institucionais como a Mídia e

a Pedagogia eles existem. Para prosseguir no caso anteriormente tratado, o

da sala de aula, perceba-se que há diferentes posicionamentos em relação a

que tipo de aula um professor deve dar. Há aqueles que pensam que uma

aula deve ser não diretiva, com grande liberdade na relação entre os alunos e

entre professor e alunos. Mas há também aqueles que julgam que uma

tradição pedagógica deve ser mantida: o professor deve impor sua “moral”

diante dos alunos, que devem se comportar de acordo com regras rigorosas.

Cada um desses posicionamentos deve implicar até mesmo um ordenamento

dos móveis da sala de aula e a posição física dos alunos de modos

diferenciados.

Fonte [1] Fonte [2]

OLHANDO DE PERTO

Como dar conta dessa dimensão contextual assim tão ampla e

múltipla? É impossível dar conta do discurso em todas essas dimensões de

uma só vez. Por isso, o analista do discurso é forçado a fazer recortes e, ao

mesmo tempo, admitir a existência e indissociabilidade entre o discurso e

todas essas dimensões contextuais. Em princípio, não há razão para

quaisquer uma delas ser privilegiada ou negligenciada. O que vem

acontecendo é que uns focalizam os aspectos mais imediatos e outros os

mais mediatos. Pode ser desconcertante uma perspectiva científica admitir

que, por mais abrangente que será seu trabalho analítico, ela irá

forçosamente deixar na sombra uma boa gama de aspectos. No entanto, é

melhor assim do que se propor ilusoriamente uma totalidade inalcançável

ou pretender que a dimensão explorada dispensa as outras,

negligenciando sua importância e jogando-as para debaixo do tapete da

ciência.

Este curso consistirá em introduzir questões relativas à articulação da

materialidade linguística em relação com algumas dessas dimensões

contextuais, deixando ao leitor a questão de quais recortes fazer. Apesar de

estarem imbricadas, propomos separá-las do seguinte modo:

Contexto físico (ambiente, midium e suporte)

Situação social (papéis sociais dos interlocutores)

Contexto institucional

23

Page 27: Analise Do Discurso- Apostila

Comunidade discursiva

Formação/ordem discursiva

Posicionamento

Formação ideológica

Contexto histórico

Contexto interdiscursivo

FONTES DAS IMAGENS

1. http://jarbacunha.files.wordpress.com/2008/06/nossa-sala-de-aula.jpg2. http://1.bp.blogspot.com/-nhsYvl5sqXs/Tck6piILSEI/AAAAAAAABd8/R9s3FHhNOKQ/s320/sala-de-aula_.jpg

Responsável: Professor Nelson Barros da Costa

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

24

Page 28: Analise Do Discurso- Apostila

TÓPICO 02: MATERIALIDADE LINGUÍSTICA E CONTEXTO

OS GÊNEROS DO DISCURSO

Na interface linguística do discurso, temos que atentar que um

enunciado, se considerado do ponto de vista do acontecimento de que ele

consiste, se materializa de diferentes formas conforme o contexto discursivo.

Um dos aspectos mais importantes dessa materialidade, que foi evidenciado

pelo pensador russo Mikhail Bakhtin, é o dos gêneros do discurso. Dimensão

desde sempre negligenciada em função da priorização histórica de uma ou

outra família de gêneros (Teoria Literária, Retórica ou Gramática Descritiva)

ou da sequer colocação dessa realidade na reflexão sobre a língua

(Gerativismo), ela é ressaltada pelo autor russo, que a resgata do domínio

estrito da arte e do lugar secundário a ele relegado pelas perspectivas

formalistas, para expandi-la ao todo das relações sociais, vinculando-a às

situações interativas das múltiplas esferas da comunicação social (da

discursividade espontânea do cotidiano àquela dos sistemas complexos da

ciência, da arte, da filosofia, etc.).

A retórica é a técnica ou arte de convencer o interlocutor através da

oratória, ou outros meios de comunicação. Classicamente, o discurso no

qual se aplica a retórica é verbal, mas há também — e com muita

relevância — o discurso escrito e o discurso visual. Em verdade, a

oratória é um dos meios pelos quais se manifesta a retórica, mas não o

único. Pois, certamente, pode-se afirmar que há retórica na música

("Para não dizer que não falei da Flores", de Geraldo Vandré: retórica

musical contra a ditadura), na pintura (O quadro "Guernica", de

Picasso: retórica contra o fascismo e a guerra) e, obviamente, na

publicidade. Logo, a retórica, enquanto método de persuasão, pode se

manifestar por todo e qualquer meio de comunicação. A retórica

aristotélica, de certa forma herdeira daquela de Sócrates, procura fazer

o interlocutor convencer-se de que o emissor está correcto, através de

seu próprio raciocínio. Retórica não visa distinguir o que é verdadeiro

ou certo mas sim fazer com que o próprio receptor da mensagem

chegue sozinho à conclusão de que a ideia implícita no discurso

representa o verdadeiro ou o certo. A retórica era parte de uma das "três

artes liberais" ou "trivium" ensinadas nas faculdades da Idade Média

(as outras duas corresponderiam à dialética e gramática).

(adaptado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Ret%C3%B3rica [1]

A GRAMÁTICA DESCRITIVA é uma gramática que se propõe a

descrever as regras de como uma língua é realmente falada, a despeito

do que a gramática normativa prescreve como "correto". É a gramática

que norteia o trabalho dos lingüistas que pretendem descrever a língua

tal como é falada. As gramáticas descritivas estão ligadas a uma

determinada comunidade linguística e reúnem as formas gramaticais

ANÁLISE DODISCURSO

AULA 02: CONTEXTO E DISCURSO

25

Page 29: Analise Do Discurso- Apostila

aceitas por estas comunidades. Como a língua sofre mudanças, muito

do que é prescrito na gramática normativa já não é mais usado pelos

falantes de uma língua. A gramática descritiva não tem o objetivo de

apontar erros, mas sim identificar todas as formas de expressão

existentes e verificar quando e por quem são produzidas.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Gram%C3%A1tica_descritiva [2]

Conforme Bakhtin (1997), os gêneros são tipos de enunciados

relativamente estáveis sempre relacionados a uma esfera de atividade

humana. Quanto mais complexa for uma sociedade, mais diversificada será

essa esfera e, consequentemente, maior a profusão de gêneros em uso, de

modo que o estudo dos gêneros utilizados muito pode nos dizer sobre o

funcionamento de uma sociedade em seus aspectos econômico, cultural e

intelectual. Essa estreita imbricação com as relações sociais dá ao gênero

uma natureza histórica, uma vez que qualquer mudança nessas relações

conduzirá a uma modificação dos gêneros a elas articulados. Daí a relativa

estabilidade dos gêneros que é também, por dedução lógica, uma relativa

instabilidade. Instabilidade que faz também com que os gêneros reflitam de

modo sensível as mínimas mudanças na formação social.

VERSÃO TEXTUAL

Para Bakhtin, os gêneros remetem a conjuntos de enunciados que,

vinculados estreitamente a uma atividade social, têm em comum uma

construção composicional, um estilo e um conteúdo temático. Noutras

palavras, gênero são artefatos a um só tempo formais e conteudísticos,

assumindo sempre uma feição própria capaz de ser projetada e

identificada cognitivamente pelos usuários. Essas características

praticamente tornam possível a comunicação, pois seria

tremendamente oneroso termos de, a cada situação comunicativa,

inventar dispositivos comunicacionais novos.

Vejamos cada um desses componentes, só separáveis para efeito

didático:

Conteúdo

Construção composicional

Estilo

DOS CONTEÚDOS:

Os conteúdos são o objeto dizível através do gênero.

CLIQUE AQUI PARA VER O CASO DA RECEITA

26

Page 30: Analise Do Discurso- Apostila

Fonte [4]

Dizemos DIZÍVEL porque, em princípio, o gênero não se confunde com o

enunciado concreto, já que se trata de uma classe de enunciados. Sendo

assim, podemos afirmar que o conteúdo de um gênero é um campo de

possibilidades ou de preferências. O gênero receita culinária, por exemplo,

tem como conteúdo preferencial a elaboração de pratos e secundariamente a

preparação de bebidas. Raramente esse conteúdo será diferente. No entanto,

veja o exemplo abaixo, retirado do endereço Receitas de produtos de limpeza

ecológicos [5]:

CLIQUE AQUI

O exemplo mostra que o conteúdo temático de um gênero como

receita pode ter uma certa variabilidade, podendo chegar às raias da

metáfora, como quando usamos ou ouvimos/lemos expressões do tipo:

“receita para segurar marido” ou “receita da felicidade”.

27

Page 31: Analise Do Discurso- Apostila

Mas essa variabilidade depende do tipo de gênero. Há gêneros

extremamente abertos a uma variedade enorme de conteúdos. Os gêneros

literários, por exemplo, podem, em princípio, tratar de qualquer assunto. No

caso desses gêneros, outras variáveis como o posicionamento do autor,

conceito que comentamos na aula 01, vão determinar que assuntos serão

preferenciais. Por outro lado, há outros que praticamente só admitem um

tipo de conteúdo, como a lista telefônica, o mandato de busca e apreensão, o

boletim meteorológico e a bula de remédio. Esses gêneros são tão ligados a

seus conteúdos que têm sua denominação inseparável dos mesmos.

VERSÃO TEXTUAL

Aliás, essa relação do gênero com o conteúdo põe problemas

importantes para sua caracterização. Por exemplo: as cartas de amor

formam um gênero à parte? Ou a carta íntima é um gênero aberto,

podendo eventualmente tratar de amor? Tomando um dos casos

citados acima: a lista telefônica é um gênero à parte, ou a lista é um

gênero e a lista telefônica é apenas um dos usos desse gênero?

CONSTRUÇÃO COMPOSICIONAL

As configurações de determinadas partes de um texto, bem como a

presença de determinadas estruturas sintático-textuais (também chamadas

“sequências discursivas” ou “tipos de discurso”), podem aparecer em muitos

outros. Essa recorrência, conjuntamente com outros aspectos abordados

aqui, contribuem para que consideremos que esses textos são espécies de um

mesmo gênero. A receita de produtos de limpeza ecológicos que vimos acima

será identificada como uma receita (mesmo se não contivesse o nome

“receita”) apesar do conteúdo um tanto discrepante das expectativas que

temos quanto ao conteúdo de uma receita, devido justamente a sua

construção composicional, qual seja, a enumeração de elementos

(ingredientes) dispostos em frases nominais encabeçadas sempre por um

numeral (quantidade). Muitas vezes essas frases são constituídas por uma

medida em forma de metonímia (X colher(es) de Y, X xícara(s) de Y, etc.).

Após essa lista, segue-se um texto, muitas vezes “corrido”, com estruturas

frasais compostas quase sempre por verbos no imperativo ou no infinitivo.

Não há descrições extensas ou argumentações. O texto estabelece uma

sequência de ações bem precisas que se desenrolam temporalmente no mais

das vezes repletas de referências aos elementos listados antes e à suposta

realidade resultante da ação do leitor. O aluno deve ter notado, nesta rápida

descrição dos aspectos composicionais do gênero receita a presença de

expressões como “muitas vezes”, “quase sempre” e “no mais das vezes”. O

uso dessas expressões torna-se forçoso justamente devido à relativa

estabilidade do gênero que, decorrente de seu caráter histórico, lhe

proporciona uma plasticidade que torna inevitável uma descrição

aproximativa.

São estruturas responsáveis pela organização interna do enunciado

seja ele oral ou escrito. A tipologia de sequências discursivas mais

comum é a que as classifica como narrativas, descritivas,

28

Page 32: Analise Do Discurso- Apostila

argumentativas, injuntivas e conversacionais. Dificilmente aparecem

sozinhas em um enunciado. Assim, um mesmo enunciado geralmente

estrutura-se com base em uma ou mais de uma sequência discursiva.

Entretanto, geralmente, uma delas é predominante.

Metonímia é a substituição de um nome por outro devido haver

entre eles alguma relação de sentido. As relações mais comuns são

causa/efeito (“o álcool foi a sua desgraça”, parte/todo (“um rebanho de

12 cabeças de gado”), continente/conteúdo (“pediu o prato mais caro”),

instrumento/finalidade (“ele é um bom garfo”), etc. No caso das

receitas, por exemplo, quando se fala numa receita culinária em “colher

de sopa” a relação se dá entre o objeto e seu tamanho ou sua

capacidade.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO

Sugerimos que você imagine que tem um blog destinado a publicar

receitas de comidas populares pouco conhecidas. Escreva um e-mail a

alguém que não conhece o gênero receita culinária, mas que sabe cozinhar

muito bem uma comida que você provou e gostou muito, explicando como

elaborar uma receita a ser publicada no blog.

DO ESTILO

Do exposto, conclui-se que os gêneros não são moldes previamente

acabados conforme os quais os falantes viriam modelar seus enunciados. Ao

contrário, os gêneros são estreitamente ligados à enunciação concreta e,

enquanto tal, sujeitos a se adaptar ao uso dos falantes. Podemos mesmo

dizer que este é justamente o fator que dá a relativa es(ins)tabilidade ao

gênero. As marcas singulares que os falantes dão ao gênero é o que se chama

ESTILO. Há gêneros extremamente dóceis às singularidades de seus

usuários. É o caso dos gêneros literários. Não seria exagero afirmar que se

trata de gêneros concebidos especialmente para pôr em relevo a

singularidade de seu usuário, o que não significa dizer que estejam

totalmente infensos aos constrangimentos institucionais, sociais, históricos,

etc. Outros gêneros são assaz resistentes à manifestação da individualidade

dos usuários. Os gêneros usados na burocracia (ofícios, requerimentos,

declarações, etc.) e em muitas outras situações de trabalho como nos

hospitais (prontuário, laudo médico, etc.) e no comércio (balancete, nota

fiscal, etc.) são bons exemplos.

CLIQUE AQUI, LEIA A RECEITA E IDENTIFIQUE ELEMENTOS ESTILÍSTICOS

BOLO LUIZ FELIPE DA BELA

3 xícaras de açúcar

1 vidro pequeno de leite de coco e a mesma medida de leite de

vaca

4 ovos inteiros

29

Page 33: Analise Do Discurso- Apostila

5 colheres de sopa de queijo parmesão (aquele que vc compra de

saquinho mesmo)

5 colheres de sopa de farinha

1 colher de sopa de manteiga

Bata tudo no liquidificador. Unte uma forma de furo no meio

generosamente com manteiga e farinha de trigo. Bote pra assar em

fogo forte e deixe esfriar com a porta do forno entreaberta.

ps: Eu deletei a calda (por motivos preguiçoides & calóricos) e não

senti falta. A não ser que vc seja mais doceira do que eu muuuuito.

Faça um café.

Coma um pedaço.

Agora responda: Não dá uma felicidade imediata?

Fonte do texto: Bela Caleidoscópica [7]

A descrição dos diversos gêneros textuais tem-se constituído em um

ramo à parte dos estudos do discurso e da Linguística Textual. Para a Análise

do Discurso, no entanto, a realidade genérica é apenas uma das dimensões

da materialidade discursiva: uma descrição em si e por si mesma dessa

realidade é insatisfatória. Para a AD, é necessário pensar nas implicações do

que Maingueneau chama de “investimento genérico” e “cena genérica”

pensados no âmbito de uma prática discursiva, conceitos que abordaremos

mais adiante.

FÓRUM 03

O que são os gêneros do discurso? Qual a importância dos gêneros do

discurso na nossa vida cotidiana?

FONTES DAS IMAGENS

1. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ret%C3%B3rica2. http://pt.wikipedia.org/wiki/Gram%C3%A1tica_descritiva3. http://www.adobe.com/go/getflashplayer4. http://tudogostoso.uol.com.br/receita/1075-coquetel-de-frutas-sem-alcool.html5. http://www.ipemabrasil.org.br/receita.htm6. http://www.adobe.com/go/getflashplayer7. http://belacaleidoscopica.blogspot.com/2006/10/luiz-felipe-o-bolo.html

Responsável: Professor Nelson Barros da Costa

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

30

Page 34: Analise Do Discurso- Apostila

TÓPICO 03: O ETHOS

Observe a figura abaixo:

Trata-se evidentemente da figura de um macaco. No entanto, não é

apenas isso. Trata-se da imagem de um macaco professor. Dizemos isso não

apenas porque há um giz em sua mão e por trás dele um quadro verde

escrito. Se esse macaco estivesse sem roupa, curvado, pulando e brincando

com o giz, não o identificaríamos com um professor. O que acontece é que

identificamos nesse macaco uma postura professoral, caracterizada não

apenas por sua roupa, mas pela forma de segurar o giz, de olhar para frente,

de empostar o tronco, de colocar a mão no bolso. Reconhecemos essa

postura pelo fato de termos tido em nossa experiência discursiva contato

direto ou indireto com indivíduos que assumiram essa postura nas instâncias

pedagógicas da nossa sociedade. Toda sociedade constrói um repertório de

posturas como essa que aprendemos formal ou informalmente e que fica

armazenado na memória coletiva. Um habitante de uma sociedade em que

não existe a figura do professor certamente não reconhecerá no macaco a

postura professoral, identificando, no máximo, o aspecto humano de sua

postura devido a suas roupas e o fato de estar de pé.

Trata-se do fenômeno do ETHOS, que desde a antiguidade já começa a

ser estudado. Já então se percebe a estreita ligação com a postura corporal e

a linguagem verbal. O ethos era, para Aristóteles, a imagem que um orador

deveria mostrar juntamente com o conteúdo de suas palavras. Ao dizer

palavras que se pretendam sinceras, não basta ao orador dizer expressões

como “nunca fui tão sincero em toda minha vida” ou “falando sinceramente”,

etc. Ele deve sobretudo se mostrar sincero. Maingueneau (1989), que

atualiza o conceito aristotélico, considera o ethos um importante aspecto da

materialidade linguística. O autor ressalta que, sendo todo texto uma

“enunciação estendida a um co-enunciador”, ele implica uma VOCALIDADE

de base, um TOM de uma voz que atesta o que é dito, o ethos. Assim como na

oratória é necessário não apenas dizer-se, mas também e principalmente

MOSTRAR-SE não só com o tom da voz, mas também com gestos, jeitos de

corpo, modo de vestir, todo enunciado se apresenta necessariamente como

vinculado a uma corporalidade que lhe confere legitimidade. Qualquer texto,

para ser consistente, precisa constituir-se como corpo: um jeito (do texto, do

ANÁLISE DODISCURSO

AULA 02: CONTEXTO E DISCURSO

31

Page 35: Analise Do Discurso- Apostila

autor, das vozes citadas, dos elementos referidos ou personagens) de habitar

os espaços sociais.

Tal representação, por sua vez, baseia-se no imaginário social de um

lugar e de uma época acerca do corpo. Assim, por exemplo, um texto

religioso está, no mais das vezes, associado um tom profético e de

autoridade, com suas maneiras características de dizer e de gesticular.

Igualmente, as receitas culinárias estão muitas vezes associadas a um ethos

de sabedoria e domínio de uma técnica artesanal, de um saber ancestral

acerca do sabor, do cozimento e da mistura dos alimentos, etc., onde a

certeza da eficácia prevalece e origina um tom de segurança com que as

instruções são transmitidas; e assim por diante.

OLHANDO DE PERTO

É preciso lembrar que o ethos é uma categoria social. Ele não se

confunde com o estilo, pois não diz respeito a uma individualidade, mas ao

que Dominique Maingueneau (2008) denomina de MUNDO ÉTICO. Nesse

sentido ele não se confunde com o estilo, dado que não se refere a uma

imagem singular de um indivíduo, mas se relaciona a uma maneira social

de ser:

... o ethos implica uma maneira de se mover no espaço social, uma disciplina

tácita do corpo apreendida através de um comportamento. O destinatário a

identifica apoiando-se num conjunto difuso de representações sociais

avaliadas positiva ou negativamente, em estereótipos que a enunciação

contribui para confrontar ou transformar: o velho sábio, o jovem executivo

dinâmico, a mocinha romântica…(p. 18)

OBSERVAÇÃO

Cabe observar ainda que o fenômeno do ethos suscita, conforme

Maingueneau (1995), a dimensão ANALÓGICA da comunicação, como

aquela dimensão da enunciação em que, ao se dizer algo, imita-se esse

algo no movimento mesmo da enunciação. Ao dizermos algo gentil, o

dizemos gentilmente e os discursos mais elaborados não fazem senão

efetuar um processo semelhante em nível muito mais complexo.

Para entender melhor o ethos é mister comparar dois textos sobre um

mesmo tema e identificar como os autores, através da escrita, tentam

simular de diferentes modos o corpo falante baseando-se em um esquema

ético (gestualidade, tom de voz, postura corporal, etc.):

TEXTO 01: O QUE É A FÉ

FÉ SIGNIFICA ...

Agora observe: a fé é o firme fundamento – a certeza – das coisas que

se esperam (Hb 11:1). Portanto, a fé vem primeiro, antes de possuirmos o

que desejamos.

32

Page 36: Analise Do Discurso- Apostila

Uma vez que tenha recebido e tomado posse do que deseja, você não

mais tem esperança de recebê-lo. Entretanto, mesmo antes de receber,

você já o tem em essência; e esta essência, que é substância – a certeza de

que você chegará a possuí-lo – chama-se FÉ!

Então, repetindo, fé é a evidência ou a prova – "a prova das coisas que

se não vêem". A fé antecede o recebimento tangível daquilo que se pede. E

fé é a prova – a evidência – de que você o possuirá, antes mesmo que o

veja! É a prova de coisas ainda não vistas. Você não possui, não vê, não

sente – contudo a fé é para você a evidência dele e a prova de que você

receberá o que pediu. E qual é esta prova – esta evidência? Será o

recebimento específico da resposta, quando você vê, ouve ou sente que

recebeu? Não!

O que vemos, o que sentimos, não é uma evidência verdadeira. Possuir

a coisa pedida, vê-la, não é fé. A fé precede a posse, porque FÉ significa

confiança – certeza de que possuiremos o que pedimos.

A mente humana, naturalmente, pode receber conhecimento somente

por meio dos cinco sentidos. Estes são os únicos canais capazes de

transmitir conhecimento à mente humana por processos naturais, a saber:

a visão, a audição, o olfato, o paladar e o tato.

Mas isso não é fé. Fé é um assunto espiritual, e nada tem a ver com os

cinco sentidos, que são físicos.

A oração é assunto espiritual. Deus é espírito! E quando Lhe pedimos,

por exemplo, a cura, temos efetivamente a evidência de que as nossas

orações foram ouvidas e de que Deus as responderá da maneira que haverá

de ser a melhor para nós – mas essa evidência não é algo que se pode ver,

sentir ou ouvir – não é uma evidência física – mas antes um testemunho

espiritual de FÉ. Fé é a nossa evidência.

Certo homem se expressou muito bem neste sentido: "Fé é a certeza

de que as coisas que Deus disse em sua Palavra são verdadeiras: e que

Deus agirá conforme ao que disse em sua Palavra. Esta certeza, esta

dependência da Palavra de Deus, esta confiança, é fé!" E esta é uma

definição bíblica verdadeira. Esta obra de Deus tem sido edificada pela

prática da fé!

http://www.ofundobiblico.org/?page_id=74 [1]

NDOP.: TRECHOS DESTACADOS PELO AUTOR.

TEXTO 02: A FÉ

Fé (do Latim fides, fidelidade e do Grego pistia) é a firme opinião de

que algo é verdade, sem qualquer tipo de prova ou critério objetivo de

verificação, pela absoluta confiança que depositamos nesta idéia ou fonte

de transmissão. A fé acompanha absoluta abstinência à dúvida pelo

antagonismo inerente à natureza destes fenômenos psicológicos e lógica

conceitual. Ou seja, é impossível duvidar e ter fé ao mesmo tempo. A

expressão se relaciona semanticamente com os verbos crer, acreditar,

confiar e apostar, embora estes três últimos não necessariamente

33

Page 37: Analise Do Discurso- Apostila

exprimam o sentimento de fé, posto que podem embutir dúvida parcial

como reconhecimento de um possível engano. A relação da fé com os

outros verbos, consiste em nutrir um sentimento de afeição, ou até mesmo

amor, por uma hipótese a qual se acredita, ou confia, ou aposta ser

verdade.[2] Portanto se uma pessoa acredita, confia ou aposta em algo, não

significa necessariamente que ela tenha fé. Diante dessas considerações,

embora não se observe oposição entre crença e racionalidade, como muitos

parecem pensar, deve-se atentar para o fato de que tal oposição é real no

caso da fé, principalmente no que diz respeito às suas implicações no

processo de aquisição de conhecimento, que pode ser resumidas à oposição

direta à dúvida e ao importante papel que essa última desempenha na

aprendizagem. É possível nutrir um sentimento de fé em relação a um

pessoa, um objeto inanimado, uma ideologia, um pensamento filosófico,

um sistema qualquer, um conjunto de regras, um paradigma popular social

e historicamente instituído, uma base de propostas ou dogmas de uma

determinada religião. Tal sentimento não se sustenta em evidências,

provas ou entendimento racional (ainda que este último critério seja

amplamente discutido dentro da epistemologia e possa se refletir em

sofismos ou falácias que o justifiquem de modo ilusório) e, portanto,

alegações baseadas em fé não são reconhecidas pela comunidade científica

como parâmetro legítimo de reconhecimento ou avaliação da verdade de

um postulado. É geralmente associada a experiências pessoais e herança

cultural podendo ser compartilhada com outros através de relatos,

principalmente (mas não exclusivamente) no contexto religioso, e usada

frequentemente como justificativa para a própria crença em que se tem fé,

o que caracteriza raciocínio circular. A fé se manifesta de várias maneiras e

pode estar vinculada a questões emocionais (tais como reconforto em

momentos de aflição desprovidos de sinais de futura melhora,

relacionando-se com esperança) e a motivos considerados moralmente

nobres ou estritamente pessoais e egoístas. Pode estar direcionada a

alguma razão específica (que a justifique) ou mesmo existir sem razão

definida. E, como mencionado anteriormente, também não carece

absolutamente de qualquer tipo de argumento racional.

http://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9 [2]

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO

Leia em voz alta e expressivamente esses textos. Faz sentido ler os

dois da mesma forma, com o mesmo tom de voz? Descreva as diferenças

que você encontrou. Que elementos da escrita orientaram cada leitura?

O conceito de ethos é utilizado não apenas nos estudos linguísticos, mas

também em vários campos das ciências humanas, como a Antropologia e a

Sociologia, que destacam diferentes aspectos da noção aristotélica. Mas a

questão do ethos, tal como a do gênero, não interessa em si mesma para a

AD. Em primeiro lugar, interessa o ethos discursivo, isto é, aquele que se

materializa na enunciação verbal que naturalmente vem sempre

acompanhada de uma materialidade não-verbal. Há uma tendência muito

forte nos analistas principiantes de buscarem o ethos nas imagens que,

34

Page 38: Analise Do Discurso- Apostila

sobretudo em um mundo superimagético como o que vivemos hoje, tendem

cada vez mais a acompanhar os textos escritos. Porém, o avanço no resgate

do conceito clássico está justamente em captar o ethos nas linguagens oral e

escrita, não apenas nos discursos de persuasão e convencimento no sentido

estrito, como era o caso dos estudos clássicos, nem apenas nas imagens que

acompanham os textos escritos, tentação à qual incorrem os analistas

iniciantes, mas em toda e qualquer situação discursiva. E não apenas o ethos

discursivo em si mesmo, mas sua articulação com o contexto em suas

diferentes dimensões (ordem discursiva, lugares sociais, o posicionamento

sócio-discursivo, a correlação de forças na interação face-à-face, as relações

interdiscursivas, etc.). No caso da receita, por exemplo, a disposição em lista

dos ingredientes, a especificação das quantidades e unidades de medida, a

presença de verbos no imperativo ou infinitivo, a separação/contraste entre

uma lista e um texto “corrido”, tudo isso é inseparável do ethos inscrito em

tal gênero, que, como vimos, encarna uma espécie de lógica artesanal acerca

da transformação dos alimentos. Para finalizar esta sessão, vejamos o texto

abaixo:

Extraído da Revista NET – Tecnologia Cabo – Fortaleza / CE, março, 2007.

Textos do gênero publicitário como estes são geralmente multimodais,

ou seja, envolvem mais de uma modalidade semiótica (simbólica). Portanto,

ele conjuga uma pluralidade de ethé (plural de ethos). Mas examinemos

apenas o que se traduz pelo texto escrito central intitulado “Promoção Net

Satisfação Automática”. Observe que o texto mostra uma

35

Page 39: Analise Do Discurso- Apostila

corporalidade/vocalidade muito ligada à imagem dos apresentadores de

videomarketing, sempre dispostos a apresentar de modo dinâmico a

praticidade do produto que estão vendendo. A sucessão de frases que vão

acrescentando benefícios constrói uma enunciação que fala diretamente ao

leitor através do pronome você e dos pontos de exclamação estabelecendo

um apelo que se pretende irresistível como o conteúdo que está sendo

vendido. Também em par com esse produto, que é apresentado como

proporcionador de “satisfação automática”, está a estruturação das frases em

dualidades de causa e consequência mediadas por conectivos sumários de

modo a simular automatismo, senão vejamos:

COM ANET é ASSIM

Você assina e Só tem alegria ~

______________ além

de

Levar até a sua casa a

melhor programação...

Você solicita seu

pagamento em débito

automático

e Ganha 1 ponto

adicional (...) na hora

Solicitou , Ganhou

______________ e Você ainda concorre

a um Cruzeiro...

é só Responder: Por

quê a NET me dá

satisfação automática?

, _______________

Visite o nosso site e Participe!

Esperamos que você tenha compreendido que o ethos é inseparável do

“conteúdo” que se pretende transmitir. Se é a “satisfação automática” que

está sendo vendida, o jeito de vender esse produto se apresenta simulando

eticamente um automatismo que pretende satisfazer o leitor.

FÓRUM 04

A importância do ethos na interação verbal. Os campos discursivos e a

maneira corporal de dizer. O que diferencia o ethos do estilo individual?

FONTES DAS IMAGENS

1. http://www.ofundobiblico.org/?page_id=742. http://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9

Responsável: Professor Nelson Barros da Costa

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

36

Page 40: Analise Do Discurso- Apostila

TÓPICO 04: DA CENA DE ENUNCIAÇÃO

Desde muito tempo, os estudiosos da linguagem humana já preconizam

o caráter representacional da linguagem humana. Os antigos gregos

propunham que o objeto da representação linguística era simultaneamente o

mundo (a realidade, o cosmos) e o pensamento. Haveria uma relação

reflexiva (de reflexo) entre esses três elementos (pensamento, linguagem e

mundo), do seguinte modo: os dois primeiros refletiriam o último, que pré-

existiria àqueles. A mente e a linguagem seriam, então, espelhos da natureza.

Nossa tarefa seria apenas extrair as “informações” contidas no mundo

através da cognição e da língua. Essa concepção, denominada de

representacionismo, pretende então que o mundo existe independentemente

de nossa experiência, seja linguística, seja cognitiva.

VERSÃO TEXTUAL

No que tange à linguagem, esta seria uma imagem do mundo em

sua estrutura. A chamada Gramática Tradicional, que herdamos dos

antigos gregos, está eivada dessa concepção. A própria ideia de separar

as categorias gramaticais (“partes do discurso”) em, dentre outras,

substantivos (palavras que nomeiam os seres), adjetivos (palavras que

modificam os substantivos, atribuindo-lhes um estado, qualidade ou

característica) e verbos (palavras que expressam processos, ação,

estado, mudança de estado e fenômenos da natureza), é uma

separação que toma como critério uma relação especular entre língua e

mundo: uma categoria gramatical para cada aspecto da realidade.

Mas será que essa é a principal função da linguagem? A AD faz parte de

uma série de perspectivas do âmbito das ciências humanas e da filosofia que

contesta a concepção representacionista da linguagem. Elas preferem pensar

que a linguagem participa ativamente do mundo que pretende representar. A

linguagem não apenas medeia nossa relação com o mundo, mas também tem

por função agir sobre esse próprio mundo. Podemos não perceber, mas a

cada vez que falamos modificamos o mundo. Se existe representação na

linguagem, o fato é que a representação que a enunciação opera é inseparável

dessa ação sobre o mundo, incluindo nele o sujeito o qual ela pretende

atingir.

OLHANDO DE PERTO

É preciso ficar claro, portanto, que a ideia da linguagem como ação

não invalida aquela segundo a qual a enunciação representa o mundo,

desde que se entenda a representação como estando a serviço da ação

sobre o mundo. Por outro lado, se de algum modo a linguagem representa

o mundo, este não é um mundo estanque, acabado e pré-existente à

própria linguagem. Não é a representação de uma ordem harmônica e

dotada de sentido em si mesma. Trata-se de uma realidade à qual ela dá

ANÁLISE DODISCURSO

AULA 02: CONTEXTO E DISCURSO

37

Page 41: Analise Do Discurso- Apostila

sentido e da qual ela faz parte e modifica. A linguagem, enfim, representa

uma realidade interferida por ela própria, sofrendo, ao mesmo tempo,

interferência dessa realidade.

Maingueneau traduz essa ideia de representação na de encenação. Em

primeiro lugar, o autor (2001) afirma que a enunciação supõe 3 cenas:

A cena englobante, que confere estatuto pragmático ao discurso, integrando-o em um tipo: publicitário, administrativo, filosófico.

A cena genérica, aquela relacionada ao gênero ou subgênero de discurso no qual a enunciação está investida: o editorial, o sermão, a receita culinária, a consulta médica.

A cenografia, a cena construída pelo próprio texto.

VERSÃO TEXTUAL

Pode-se perceber que as cenas não são senão representações de

alguns dos contextos que vimos anteriormente. Temos, assim, que o

contexto da enunciação se inscreve na própria enunciação através de

sua encenação.

Antes de prosseguir vendo como se dá a encenação complexa que toda

enunciação pressupõe, é preciso lembrar que uma cena enunciativa supõe

sempre funções enunciativas. Veja o aluno que a ideia de cenário e de cena se

utiliza de uma metáfora do sentido que tais palavras têm na dramaturgia.

Pensando nesse sentido, percebemos que uma cena típica do teatro envolve

personagens que dialogam num espaço que nos remete a outro espaço, tudo

isso se desenrolando em uma temporalidade que, igualmente, nos remete a

outra. Essa remissão só faz sentido na nossa cultura, que criou e

institucionalizou uma forma de enunciar, chamada “teatro”, e que nós

chamaremos de “discurso dramático”, que supõe todo um aparato para que

ele possa funcionar e ser legitimado como um tipo especial de enunciação

(que inclusive leve as pessoas a se demorar assistindo e, por vezes,

participar, e pagar para isso). Assim, na cena teatral a que você poderá

assistir através do link Sete Gatinhos (Bibelot e Aurora) [3] percebem-se

várias cenas interligadas. O espaço-tempo dramático (cena genérica), posto

em ação pelos atores (Flavio Barollo e Bibi Cavalcante) e o público, é tornado

possível pelo espaço-tempo imaginado pelo dramaturgo (no caso, Nelson

Rodrigues), diretor (Francisco de Assis) e outros – cena englobante. Tudo

isso se materializa, pelo menos no recorte apresentado, graças à conversação

entre os personagens Bibelot e Aurora (cenografia). A ideia de cena

enunciativa é, como se pode ver, uma extrapolação desse sentido

dramatúrgico. Assim como o gênero saiu de um uso restrito à literatura, a

ideia de cena sai da dramaturgia para ser percebida em qualquer evento

enunciativo seja oral, seja escrito; seja verbal ou não.

Como dissemos acima, qualquer uma das cenas que um evento

comunicativo pressupõe implica papéis enunciativos, ou seja: alguém que

“fala”, que chamaremos de enunciador, alguém a quem é dirigida a

38

Page 42: Analise Do Discurso- Apostila

enunciação, mas que não é mero receptor, mas um sujeito em função do qual

existe a enunciação, daí ser denominado co-enunciador, e também um

espaço de enunciação, a topografia, e um tempo, a cronografia da

enunciação. Nem sempre é fácil identificar esses elementos, pois muitas

vezes eles são estrategicamente omitidos.

Examinando a questão sob outro ângulo, podemos dizer, com

Maingueneau (2001), que um texto nos interpela em três planos diferentes.

Vejamos como isso acontece em uma canção como a que segue.

CLIQUE AQUI PARA VER A LETRA DA CANÇÃO

Bilhete – (Ivan Lins - Vitor Martins)

Quebrei o teu prato,

Tranquei o meu quarto,

Bebi teu licor.

Arrumei a sala,

Já fiz tua mala,

Pus no corredor.

Eu limpei minha vida,

Te tirei do meu corpo,

Te tirei das entranhas,

Fiz um tipo de aborto

E por fim nosso caso acabou,

Está morto.

Jogue a cópia da chave

Por debaixo da porta

Que é pra não ter motivo

De pensar numa volta.

Fique junto dos teus,

Boa sorte, adeus.

DESAFIO

É importante que você assista ao vídeo em que o cantor e compositor

da canção Ivan Lins a executa:

Bilhete - Ivan Lins / Vitor Martins [4]

Do começo ao fim, a canção nos interpela através das formas dêiticas de

pessoa presentes em toda a canção: um eu se dirige a um tu encenando

transmissão de um comunicado dramático e peremptório de um final de

relacionamento decidido unilateralmente. Nos breves minutos em que a

canção se desenrola, somos convidados a contemplar e “participar” dessa

cena representada em forma de bilhete pondo-nos ora no lugar do co-

enunciador (“tu”), caso apenas a ouçamos, ora no lugar do enunciador, caso

a cantemos também. Trata-se aí da cenografia, estreitamente ligada a um

ethos de mulher (Embora não seja explicitado de que se trata de um eu

39

Page 43: Analise Do Discurso- Apostila

feminino, expressões como “arrumei a sala”, “te tirei das entranhas”, “fiz um

tipo de aborto” nos induzem a caracterizar o enunciador como uma voz

feminina.) magoada e resoluta. Provisoriamente, envolvidos por essa

cenografia, esquecemos que quem “fala” tudo isso é um homem,

melodicamente, isto é, se utilizando cada vogal em uma frequência e uma

duração específicas formando curvas entonacionais ascendentes ou

descendentes e um padrão rítmico também específicos, de modo que essa

especificidade torna essa “fala” repetível. O que a cenografia nos fez esquecer

foi que ela só foi possível graças a essa outra cena, que é a cena genérica. É

ela que nos interpela na condição de ouvintes ou mesmo de “intérpretes”, se

nos pusermos a cantarolar a canção. Embora a cenografia, enquanto cena

efetivamente textualizada, seja a cena que nos “fisga” e conduz nosso

imaginário a um micro-universo das brigas conjugais que nos leva a pôr de

lado momentaneamente a cena genérica, esta é não meramente o seu

suporte: ela legitima a cenografia e é legitimada por ela.

Designam o conjunto de palavras ou expressões que têm como

função “apontar” para o contexto situacional. Deste modo, essas

palavras ou expressões, ao serem utilizadas num discurso, adquirem

um novo significado, uma vez que o seu referente depende do contexto.

Por outras palavras, a dêixis pode ser definida como o conjunto de

processos lingüísticos que permitem inscrever no enunciado as marcas

da sua enunciação, que é única e irrepetível. Assim, assinalam o sujeito

que enuncia (enunciador), o sujeito a quem se dirige (co-enunciador), o

tempo e o espaço da enunciação. O sujeito da enunciação/enunciador é

o ponto central a partir do qual se estabelecem todas as coordenadas do

contexto: eu é aquele que diz eu no momento em que fala; tu é a pessoa

a quem o eu se dirige; agora é o momento em que o eu fala; aqui é o

lugar em que o eu se encontra; isto é um objeto que se encontra perto

do eu, os tempos verbais indicam um tempo anterior, simultâneo ou

posterior ao momento da enunciação (ex.: escrevi, escrevo, escreverei).

Com efeito, é o sistema de coordenadas referenciais (EU/TU—AQUI—

AGORA) da enunciação que possibilita a atribuição de sentidos

referenciais. (Adaptado de

http://apoioptg.blogspot.com/2007/06/deixis.html)

O alongamento das vogais, o ritmo lento (blues), bem como o tom

sussurrado da voz do cantor, dentre outros elementos que estão presentes

graças ao fato de se darem no contexto do gênero canção, contribuem para

sustentar a cenografia melancólica que, por sua vez, dá sentido ao estilo

desse gênero. Mas tal dispositivo composto por essa imbricação gênero-

cenografia nos interpela em outra cena: a cena pragmática configurada pelo

que temos chamado de prática discursiva literomusical. Nessa cena habitam

os compositores Ivan Lins e Vitor Martins, personas midiáticas de grande

importância na instituição “MPB”.

40

Page 44: Analise Do Discurso- Apostila

Ivan Lins [5] Vitor Martins [6]

OLHANDO DE PERTO

Curiosamente, no jargão da música popular, utiliza-se a própria

palavra “cena” para designar esse universo. Veja os links abaixo:

Cena Musical Independente [7]

TV Brasil/Cena musical [8]

Ao vermos o vídeo, nos pomos diretamente em contato com essa cena

englobante, pois vemos o compositor em um palco, sentado ao teclado,

cercado de músicos e tocando para um auditório que o aplaude no final.

PARADA OBRIGATÓRIA

ATENÇÃO: a cena englobante não é esse contexto empírico e

situacional em si mesmo, mas o discurso que possibilita esse contexto e

que esse contexto evoca. Trata-se do mundo discursivo da música popular,

que institui autoria, obras, competências; legitima enunciadores

consagrados, modos de enunciação e de recepção; prestigia ou não

gêneros e temáticas, timbres e dicções; funda tradições e elabora uma

memória; valida suas próprias cenas ou se apóia em outras já validadas,

etc, como qualquer discurso institucional.

Aliás, acabamos de tocar em um assunto que merece um pouco mais de

atenção: as cenas validadas. Assim, como os diversos artefatos discursivos

com os quais lidamos cotidianamente se consolidam, se estabelecendo na

memória coletiva, como acontece com os gêneros, o ethos e as próprias

estruturas linguísticas, também as cenas enunciativas podem se “cristalizar”

e servir para facilitar certas estratégias discursivas.

CLIQUE AQUI PARA VER UM TEXTO

AÍ GALERA!

Jogadores de futebol podem ser vítimas de estereotipação. Por

exemplo, você pode imaginar um jogador de futebol dizendo

“estereotipação”? E, no entanto, por que não?

- Aí campeão. Uma palavrinha pra galera.

- Minha saudação aos aficionados do clube e aos demais

esportistas, aqui presentes ou no recesso de seus lares.

- Como é?

41

Page 45: Analise Do Discurso- Apostila

- Aí, galera!

- Quais são as instruções do técnico?

- Nosso treinador vaticinou que, com um trabalho de contenção

coordenada, com energia otimizada, na zona de preparação,

aumentam as probabilidades de, recuperado o esférico,

concatenarmos um contragolpe agudo com parcimônia de meios e

extrema objetividade, valendo-nos da desestruturação momentânea do

sistema oposto, surpreendido pela reversão inesperada do fluxo da

ação.

- Ahn?

- É pra dividir no meio e ir pra cima pegá eles sem calça.

- Certo. Você quer dizer mais alguma coisa?

- Posso dirigir uma mensagem de caráter sentimental, algo banal,

talvez mesmo previsível e piegas, a uma pessoa à qual sou ligado por

razões, inclusive, genéticas?

- Pode.

- Uma saudação para a minha progenitora.

- Como é??

- Alô, mamãe!

- Estou vendo que você é um, um...

- Um jogador que confunde o entrevistador, pois não corresponde

à expectativa de que o atleta seja um ser algo primitivo com

dificuldade de expressão e assim sabota a estereotipação?

- Estereoquê?

- Um chato?

- Isso.

(Luis Fernando Veríssimo. Correio Brasiliense, 2004)

O texto acima tem por objeto e ao mesmo tempo satiriza a cena validada

entrevista com jogador de futebol. Como se pode notar, pelo exemplo, as

cenas validadas não necessariamente são cenas marcadas positivamente na

memória coletiva.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO

Considerando que se trata de uma crônica humorística, analise o texto

de Veríssimo acima do ponto de vista das cenas envolvidas.

FONTES DAS IMAGENS

1. http://www.adobe.com/go/getflashplayer

42

Page 46: Analise Do Discurso- Apostila

2. http://www.adobe.com/go/getflashplayer3. http://www.youtube.com/watch?v=PLyjKhcFPJI4. http://www.youtube.com/watch?v=mCkQMFam_GI5. http://www.jazz.com/assets/2008/5/28/ivan_linsAG330.JPG 6. http://3.bp.blogspot.com/_Zfgcvsyuh8E/SOI61FUOYpI/AAAAAAAACMY/mDzVK3mCjS8/s400/DSC_5232VM.JPG7. http://www.cultura.sp.gov.br/StaticFiles/CenaMusical/index2.html8. http://tvbrasil.org.br/cenamusical/

Responsável: Professor Nelson Barros da Costa

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

43

Page 47: Analise Do Discurso- Apostila

TÓPICO 01: POLIFONIA E DIALOGISMO

Fonte [1]

1ª CONCEPÇÃO:

Formalista: enfatizava a dimensão estrutural da linguagem, as regras

imanentes situadas no plano social. Tratava-se justamente das ideias

defendidas pelos estruturalistas e pelos formalistas russos, que tiveram

Ferdinand de Saussure e Vladimir Propp, respectivamente, como seus

principais mentores.

2ª CONCEPÇÃO:

Subjetivismo idealista: dava ênfase ao aspecto subjetivo da linguagem

e da literatura, concebendo-as uma emanação do gosto pessoal, da criação

individual.

Devemos os conceitos de dialogismo e polifonia a Mikhail Bakhtin. Este

autor, nascido em 17/11/1895, viveu uma parte da sua vida sob o antigo

regime czarista da Rússia pré-revolucionária do fim do século XIX e início do

século XX e a outra parte (a maior) sob o regime socialista ditatorial fundado

por Vladimir Ilich Lênin em 1917 da União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas (URSS). Estudou História e Filologia na Universidade de São

Petersburgo e empreendeu profundas pesquisas teóricas sobre literatura,

filologia, filosofia alemã e arte. Logo após a Revolução Soviética, que apoiou

participando intensamente da efervescência intelectual que se seguiu a ela,

reuniu em torno de si um grupo de intelectuais de várias áreas do

conhecimento (linguistas, poetas, músicos, filósofos, etc.) que foi depois

intitulado “Círculo de Bakhtin”. Com a implantação do stalinismo no regime

soviético, foi perseguido, chegando a publicar em seu nome, apesar da fértil

produção, apenas dois livros: “Problemas da Poética de Dostoievski” e “A

Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto da obra de

François Rabelais”. Mais tarde descobriu-se que vários membros do seu

grupo, como Volochínov e Medvedev, assinaram textos de sua autoria.

Embora haja uma grande polêmica sobre isso, trata-se de estratégia

plenamente compreensível, tendo em vista a grande repressão sofrida por

Bakhtin, que chegou a ser preso e sofrer exílio interno no Cazaquistão.

Bakhtin morreu aos 80 anos de idade, em Moscou, no ano de 1975.

O DIALOGISMO

As ideias do Círculo se opuseram a duas concepções extremas a cerca da

língua e da literatura.

A perspectiva bakhitiniana contesta os dois extremos, concebendo a

linguagem como um fenômeno de natureza essencialmente interativa. Ou

seja, a essência da linguagem não está nem no sistema que se impõe ao

falante nem na criação individual, mas na interação entre os sujeitos que

estabelece os elementos sistemáticos e assistemáticos da língua. É nisto que

consiste o DIALOGISMO.

ANÁLISE DO DISCURSO

AULA 03: CONTEXTO INTERDISCURSIVO

44

Page 48: Analise Do Discurso- Apostila

OLHANDO DE PERTO

Para Bakhtin, todo enunciado, toda forma de expressão é

essencialmente dialógica. Mas o que é “dialógico”? Há uma forte tendência

a ligarmos a palavra “dialógico” a diálogo, ou seja, a interação síncrona

(que se dá num mesmo contexto de tempo) oral ou escrita entre duas

pessoas. Mas “dialógico” não se refere apenas a esse tipo de interação.

Para Bakhtin, afirmar a dialogicidade de todo e qualquer enunciado é, de

certo modo, dizer que uma propriedade essencial do diálogo é na verdade

essencial também da enunciação em geral. E essa propriedade é a

presença da alteridade, do outro. E essa alteridade se dá na medida em

que todo enunciado responde a outro já dito e antecipa outro ainda não

dito. Nas palavras de Bakhtin (Volochínov):

Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita é uma resposta a

alguma coisa e é construída como tal. Toda inscrição prolonga aquelas que a

precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da

compreensão, antecipa-as”. (In Bakhtin (Volochínov), 1988, p. 98)

Fonte [2]

Por isso, mesmo em um texto escrito, em que o autor escreve para si

mesmo (um diário íntimo, por exemplo) pressupõe-se a existência de um

outro, ainda que esse outro, seja, no fundo, imaginário, uma projeção. Veja

abaixo o poema “Elevação”, do poeta francês Charles Baudelaire (lê-se,

aportuguesadamente: “bôdelér”)

CLIQUE AQUI PARA LER O POEMA ELEVAÇÃO

Por entre os pantanais, os vales orvalhados,

As montanhas, os bosques, as nuvens, os mares,

Para além do ígneo sol e do éter que há nos ares

Para além dos confins dos tetos estrelados,

Flutuas, meu espírito, ágil peregrino,

E, como um nadador que nas águas afunda,

Sulcas alegremente a imensidão profunda

Como um lascivo e fluido gozo masculino.

Vai mais, vai mais além do lodo repelente,

Vai te purificar onde o ar se faz mais fino,

E bebe, qual licor translúcido e divino,

O puro fogo que enche o espaço transparente.

Depois do tédio e dos desgostos e das penas

Que gravam com seu peso a vida dolorosa,

Feliz daquele a quem uma asa vigorosa

Pode lançar às várzeas claras e serenas;

45

Page 49: Analise Do Discurso- Apostila

Aquele que, ao pensar, qual pássaro veloz,

De manhã rumo aos céus liberto se distende,

Que paira sobre a vida e sem esforço entende

A linguagem da flor e das coisas sem voz!

(Tradução: Ivan Junqueira)

OBSERVAÇÃO

Observe que o poema acima constitui explicitamente uma alteridade

que é o próprio “espírito” do poeta (tratado por “tu”). No entanto, podem-

se inferir outros “tu” a quem o poeta se dirige e polemiza. O mais evidente

é o próprio leitor, interlocutor onipresente em todo texto escrito. Mas há,

na verdade, uma alteridade difusa por todo o poema. Tomemos apenas seu

final. O poeta exalta seu espírito por compreender “sem esforço” “a

linguagem da flor e das coisas mudas”. Pode-se captar nessas palavras

uma polêmica com uma ideologia materialista ou cientificista (quem sabe

até da própria Linguística, que já dá os primeiros passos no século XIX,

período em que viveu Baudelaire), que atribuiria a capacidade da

linguagem apenas aos seres humanos.

Podemos dizer então que o diálogo é o tipo de interação verbal em que

mais claramente se percebe a dialogicidade, porque o outro está

explicitamente presente, de modo que a enunciação é construída a dois. No

entanto, todas as outras modalidades de interação são co-construídas. Não

haveria, na verdade, enunciação se não houvesse alteridade.

Mas por que alguns tipos de interação são explicitamente dialógicos e

outros parecem não se dirigir a ninguém, como o texto abaixo?

“Um dos principais fatores, que tem conduzido para a corrida

generalizada à globalização, tem sido o fenômeno das privatizações, um

pouco por toda a parte. A privatização das empresas públicas, por um lado,

e a desregulamentação (reduzindo ou desmantelando os monopólios), por

outro, tem contribuído para o aumento da fluidez dos mercados e da

concorrência.

A liberdade de trocas tornou-se num fenômeno de moda e levou à

constituição de zonas de total liberdade econômica, como é o exemplo da

criação do mercado único entre os Estados Unidos e o Canadá, desde 1988,

e do mercado único europeu, desde 1993. É também nesta linha que se

insere a assinatura de acordos de livre-troca entre o Brasil e a Argentina e

a Austrália e a Nova Zelândia.

Neste novo contexto, a ideologia da economia de mercado encontra-se

numa fase de expansão e assiste-se à internacionalização dos mercados e

da concorrência que se acelera, por um lado, sob o efeito cumulativo de

fatores favoráveis e, por outro, do próprio tempo”.

“Causas e Efeitos da Globalização na Economia” in: LIMA, Fábio

Uchoa de. Ambiente Econômico Global.

46

Page 50: Analise Do Discurso- Apostila

http://www.scribd.com/doc/6939549/AEG1Cad1Globalizacaoimpresso

[3]

A resposta pode estar justamente no discurso. Não no conceito

específico, uma vez que, neste sentido, o próprio enunciado se trata de um

discurso. Referimo-nos ao sentido ampliado. O texto acima emana do

discurso científico e é sabido que esta instância discursiva pretende que seus

enunciados se constituam como um espelho do real, isto é, que reflitam o

mais fielmente possível o mundo natural ou social/humano. Trata-se de um

modelo de enunciação em que o que foi enunciado sobre o mundo, no caso a

economia globalizada, não deve depender de um “eu”, de um tempo ou de

um espaço. O que foi dito É... independentemente de quem disse, de quando

se disse e de onde foi dito. Trata-se, no entanto, de uma estratégia, pois se

sabe muito bem hoje o quanto é relativo o que se diz sobre o mundo, seja de

qual discurso esse dizer provém.

Fonte [4]

A POLIFONIA

Eis outro conceito da teoria bakhtiniana que exerceu grande influência

na Análise do Discurso dos anos 80, a chamada 3a época. Nos escritos do

Círculo de Bakhtin, a polifonia denomina a pluralidade de vozes em

equilíbrio presente na obra de alguns autores, notadamente Dostoiévski,

romancista russo que viveu no século XIX. Diferentemente de outros

autores, que organizam na obra literária todos os pontos de vista nela

expressos sob a ótica do narrador, aquele autor russo distribui os diversos

pontos de vista sobre o tema do romance de forma equipolente entre os

personagens, não colocando o narrador ou o herói como monopolizador ou

detentor do ângulo privilegiado a partir do qual é avaliado o ponto de vista

dos demais personagens. O conceito de polifonia é uma metáfora cunhada da

teoria musical (como foi dito acima, do Círculo, faziam parte músicos). Em

música, polifonia se opõe à organização homofônica das vozes melódicas. É

fácil entender a polifonia na música. Imagine uma banda qualquer, como

Legião Urbana ou Cidade Negra. Normalmente quando executam uma

canção, os vocalistas de tais bandas desenvolvem uma melodia e os demais

instrumentistas ou vocalistas também, cada um a sua. Porém, a melodia do

vocalista (pensemo-lo como um instrumentista como os outros)

normalmente apoiada em uma letra, tem um estatuto principal em relação às

demais melodias, que existem apenas para servir de contexto, de pano de

fundo para essa melodia principal: é o que se chama de acompanhamento ou

base.

OLHANDO DE PERTO

Nesse caso, não se trata de uma relação polifônica a que existe entre

tais melodias, pois há como que uma hierarquia entre tais fios melódicos.

No entanto, quando se põem a solar simultaneamente alguns

instrumentos, como a guitarra e os metais, entre estes se estabelece uma

relação polifônica. Mesmo assim, na música popular, quando isso

acontece, sempre se dá sobre a base de outros instrumentos como o violão

e o teclado. O grau máximo de polifonia, ou a polifonia plena se daria se

cada instrumento melódico (o que exclui a bateria e a percussão,

47

Page 51: Analise Do Discurso- Apostila

instrumentos não-melódicos) executasse uma melodia diferente ao mesmo

tempo e em consonância com o todo. Isso raramente ocorre na música

popular, mas é comum na música erudita e teve em Johan Sebastian Bach

o seu grande mestre.

MULTIMÍDIA

Ouça a música polifônica de J. S. Bach

(http://www.youtube.com/watch?v=cH_C3Yt3NBI&feature=related [5])

e repare que cada instrumento desenvolve uma melodia diferente que por

vezes se aproxima e se distancia da melodia dos demais compondo um

conjunto harmonioso. Saiba mais sobre a polifonia na música em Polifonia

[6].

Aplicando o conceito musical à linguagem verbal, Bakhtin vai localizar a

polifonia em dois planos: no plano artístico, apontando Dostoiévski como o

grande inventor do romance polifônico, como foi dito acima; no plano

utópico, vislumbrando como um ideal social a ser alcançado o respeito à

liberdade de expressão de pontos de vista, sejam eles quais forem, em total

desierarquização.

Em Análise do Discurso, o uso do conceito de polifonia tende a perder

tanto o foco artístico quanto o caráter utópico para tentar dar conta da

flagrante dispersão da subjetividade enunciativa nos diversos tipos de texto.

Vejamos o caso do “ventriloquismo”: se, por exemplo, sou assessor de um

político que me encarrega de escrever os seus discursos, terei que escrever

em primeira pessoa (eu) sem que necessariamente esse «eu» se reporte a

mim como pessoa física ou cidadão. No entanto, mesmo que eu não me

responsabilize pelo que está ali dito, não há como negar que há a minha voz

naquelas palavras: ainda que apresentem pontos de vista que pretendam ser

do outro, são o ponto de vista do outro sob o meu ponto de vista. Outro

exemplo é o caso do discurso citado. Na frase “ele disse muito bem: o povo

de quem fui escravo não será mais escravo de ninguém” (letra da canção “Ele

disse”, de Edgar Ferreira), há pelo menos duas vozes: uma responsável pelo

enunciado inteiro e outra pelo enunciado reportado, atribuído a “ele”. Há, aí

também, uma ambivalência de pontos de vista, pois a expressão citada

representa o ponto de vista de quem foi citado e o ponto de vista de quem

cita. O primeiro é marcado pela forma como foi inserido no enunciado do

sujeito citante inclusive em rima com o restante do enunciado. Pode-se ainda

pensar numa outra voz, emanada do discurso da História Oficial, que

recortou o enunciado reportado da Carta Testamento [7], de Getúlio Vargas,

que tem sido citado e recitado em detrimento de outros trechos da mesma

carta com determinados propósitos.

Antes de passarmos adiante, vejamos mais dois exemplos, ambos

mencionados por Oswald Ducrot (DUCROT, 1987), linguista da enunciação

responsável pela primeira utilização “não-bakhtiniana” do conceito de

polifonia:

48

Page 52: Analise Do Discurso- Apostila

Fonte [8]

“PEDRO NÃO É INTELIGENTE”

Tipo de enunciado denominado por Ducrot (linguista francês, professor

da École des Hautes Études en Sciences Sociales, criador da Teoria da

Argumentação, a luz da qual releu o conceito bakhtiniano de polifonia.) de

“negação polêmica”, ele pressupõe duas vozes em tensão: uma (não

necessariamente realizada por um discurso efetivo) afirma a inteligência de

Pedro, outra a nega.

O outro exemplo é a ironia. Para Ducrot, ela põe em cena duas figuras

enunciativas: uma responsável pelas palavras enunciadas, mas não pelo

ponto de vista que elas expressam. Trata-se da voz do que ele chama de

locutor. Este enuncia palavras que expressam um ponto de vista em total

oposição ao seu e que, portanto, deve ser atribuído à voz de outra figura

discursiva que ele denomina enunciador.

Tomemos o exemplo abaixo, fornecido por Ducrot (op. cit., p. 198):

“Vocês vêm, Pedro não veio me ver”

Para que o enunciado acima seja considerado irônico, é necessário

imaginar o seguinte contexto: Paula, que falou essa frase, havia, no dia

anterior, advertido a seus amigos que Pedro viria vê-la, mas eles se

recusaram em acreditar. No dia seguinte, Pedro veio e Paula pôde,

mostrando-lhes Pedro efetivamente presente, lhes dizer a frase de modo

irônico. Ao produzir essa enunciação irônica, Paula assumiu a

responsabilidade por ela enquanto locutor – é a ela que o me designa –

apresentando-a como a expressão de um ponto de vista absurdo, porém

imputa essa absurdidade ao enunciador, ou seja, seus amigos, na presença

destes e do próprio Pedro, o que dota ironia de bastante agressividade.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO

Leia e escute com atenção a canção Mulheres de Atenas [9], de Chico

Buarque. Baseado(a) no texto presente no endereço.

A vida em família na Antiguidade Clássica [10]e no texto A mulher

sábia é submissa. (Visite a aula online para realizar download deste

arquivo.)

Analise a letra procurando realizar o que está sendo solicitado nos

itens abaixo:

a) tente localizar as duas principais vozes apresentadas pelo autor

(pergunte-se: quem fala aqui? De onde provém esse enunciado?);

b) você diria que o autor de “Mulheres de Atenas” concorda com a

autora de “A mulher sábia é submissa”? Justifique à luz do conceito de

polifonia.

FONTES DAS IMAGENS

1. http://www.isfp.co.uk/images/mikhail_bakhtin.jpg

49

Page 53: Analise Do Discurso- Apostila

2. http://www.fotosimagenes.org/imagenes/baudelaire-6-thumb.jpg3. http://www.scribd.com/doc/6939549/AEG1Cad1Globalizacaoimpresso4. http://4.bp.blogspot.com/-tIjltce_pL8/USuiU9rauAI/AAAAAAAASK8/kjI9r8MDgps/s1600/Vasily+Grigoryevich+Perov%2526%25E3%2582%25AB%25E3%2582%25A4-13.jpg 5. http://www.youtube.com/watch?v=cH_C3Yt3NBI&feature=related6. http://pt.wikipedia.org/wiki/Polifonia7. http://www.culturatura.com.br/dochist/Carta%20Testamento%20-%20Getlio%20Vargas.pdf 8. http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/img/832364_not_fot.jpg9. http://www.youtube.com/watch?v=094GnJWIrCw&feature=related10. http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=405

Responsável: Professor Nelson Barros da Costa

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

50

Page 54: Analise Do Discurso- Apostila

TÓPICO 02: INTERTEXTUALIDADE, INTERDISCURSIVIDADE E METADISCURSIVIDADE

A ideia do interdiscurso propõe, no âmbito da análise da articulação

entre discurso e contexto, a investigação de relações específicas seja entre

textos ou enunciados (relações intertextuais – texto # texto), seja entre

discursos (no sentido ampliado - relações interdiscursivas – texto #

discurso), seja entre o sujeito e seu próprio discurso (no sentido específico -

relações metadiscursivas). Discutamos um pouco cada uma delas.

DA INTERTEXTUALIDADE

VERSÃO TEXTUAL

O problema do intertexto

Uma outra realidade fundamental da relação entre o discurso e

seu contexto interdiscursivo é a chamada intertextualidade.

Curiosamente o termo nasce significando mais ou menos o mesmo que

dialogismo. Porque foi essa a palavra que Julia Kristeva, introdutora

das ideias de Bakhtin no Ocidente com sua obra “Séméiotiké -

Recherches pour une sémanalyse”, utilizou para traduzir o termo

russo. Desse modo, para Kristeva, a intertextualidade é essencialmente

uma permutação de textos. Para ela, o texto é uma combinatória, o

lugar de reciclagem de fragmentos de textos: construir um novo texto é

partir sempre de textos já construídos, que são decompostos, negados,

retomados. A construção de um texto é, portanto, um processo, uma

dinâmica intertextual. Mas a intertextualidade de todo texto não

provém apenas do fato de que este eventualmente contém elementos

emprestados, imitados ou deformados. Qualquer texto, o processo

mesmo de produção textual é um trabalho de resdistribuição,

desconstrução, disseminação de textos anteriores. O texto, então, é um

conjunto inextricável de traços dificilmente recuperáveis, muitas vezes

inconscientes, de enunciados anteriores ou contemporâneos.

Embora tenha pretendido usar o termo “intertextualidade” como

sinônimo de “dialogismo”, podemos constatar que a posição de Kristeva se

distancia do conceito bakhtiniano e parece se colocar mais próxima na

perspectiva do que a analista do discurso francesa Jacqueline Authier-Revuz

denomina de heterogeneidade constitutiva, que nos diz da propriedade

essencial de todo texto ser sempre saturado pela alteridade. Para Authier-

Revuz, tudo que utilizamos em textos que julgamos nossos é sempre “de

segunda mão” pois, sejam as palavras, sejam estruturas, sejam gêneros, etc.,

trata-se de objetos que já foram utilizados por outros, marcados, portanto,

pela voz de outrem. O objeto “intertexto” é, por esse ângulo, um objeto

disperso; resulta inútil sua identificação e classificação, uma vez que, num

texto, ele está em toda parte.

ANÁLISE DODISCURSO

AULA 03: CONTEXTO INTERDISCURSIVO

51

Page 55: Analise Do Discurso- Apostila

Uma orientação diferente é a de Gérard Genette, que estabelece sua

concepção de intertextualidade no seu “Palimpsestes” (GENETTE, 1989).

Para esse autor, a intertextualidade é apenas um das formas de relação entre

textos definidoras da instituição literária às quais cada texto singular

pretende adesão. Para Genette, o objeto de uma teoria do texto literário não

seriam os textos em sua singularidade, mas tudo aquilo que situa o texto no

contexto de sua relação explícita ou implícita com outros textos, em uma

palavra, a transtextualidade. Esta, então, incluiria cinco tipos de relações:

ARQUITEXTUALIDADE

a) A ARQUITEXTUALIDADE é a relação que um texto contrai com o

gênero de discurso no qual ele pretende se enquadrar. Assim, fazer um

soneto é desde já contrair uma relação com outros textos do mesmo

gênero;

PARATEXTUALIDADE

b) A PARATEXTUALIDADE é a relação de um texto com o seu

paratexto (prefácio, advertência, ilustrações etc.). Dificilmente um texto,

sobretudo se ele é escrito, aparece isolado. Ele é quase sempre

acompanhado por textos apostos que o contextualizam;

METATEXTUALIDADE

c) A METATEXTUALIDADE é a relação estabelecida quando um texto

comenta outro, sem necessariamente citá-lo ou nomeá-lo. Trata-se da

relação crítica, analítica, interpretativa;

HIPERTEXTUALIDADE

d) A HIPERTEXTUALIDADE é a relação de derivação entre um

determinado texto (hipotexto) e um outro (hipertexto), que é construído a

partir dele. É o caso da paródia e do pastiche;

INTERTEXTUALIDADE

e) A INTERTEXTUALIDADE é a presença mais ou menos explícita de

um texto no interior de um outro. Entram aí a citação, o plágio, a alusão.

Desse modo, Genette coloca a intertextualidade em um quadro bastante

restritivo, dando conta apenas das relações estritamente objetivas de

pertinência entre textos. Pelo seu caráter restrito, trata-se, então, de uma

concepção de natureza oposta à de Julia Kristeva, portanto, merecedora de

ponderação por parte de Nathalie Piégay-Gros (PIÉGAY-GROS, 1996):

Para ser pertinente à análise, com efeito, a noção (de intertextualidade) não

deve ser nem objeto de uma extensão excessiva - todo traço de heterogeneidade

seria uma marca intertextual - nem de uma restrição abusiva - apenas

importariam as formas explícitas, que seria necessário examinar

independentemente de toda referência ao autor e à História. (p. 41)

A autora propõe uma abordagem dos fenômenos intertextuais enquanto

“estratégias de escrita deliberada”, em meio à heterogeneidade generalizada

de todo discurso, concepção inseparável da consideração dos “efeitos de

52

Page 56: Analise Do Discurso- Apostila

sentido” resultantes dessas estratégias. Ou seja, citar o outro, dependendo da

forma como é feita, produz efeitos no real e, muitas vezes, deliberados. Daí a

necessidade apontada pela autora de se investigar e sistematizar as formas

de inserção do discurso alheio no discurso de um enunciador.

Comentaremos a proposta classificatória de Piegay-Gros, por nós modificada

visto julgarmos que ela privilegia textos literários. Em seguida, nos

utilizaremos da proposta da autora para pensar outros fenômenos relativos

ao interdiscurso: a interdiscursividade e a metadiscursividade.

AS RELAÇÕES INTERTEXTUAIS

Como se pode notar pelo esquema, distinguem-se dois grandes tipos de

relações intertextuais: aquelas fundadas sobre uma relação de CO-

PRESENÇA entre dois ou mais textos e as que são fundadas sobre uma

relação de RETEXTUALIZAÇÃO de um ou vários textos a partir de um texto-

matriz, podendo ser, cada uma delas, explícita (marcada por um código

tipográfico ou por menção) ou implícita (cabendo ao leitor sua recuperação).

1) As relações de co-presença englobam a citação (direta, indireta ou

indireta livre), ), o plágio, a referência e a alusão.

a) A citação é a mais emblemática das relações intertextuais. É quando

se torna mais clara a inserção de um texto em outro. Em textos escritos, um

sistema de sinais tipográficos (aspas, itálico etc.) materializa essa

heterogeneidade. Na oralidade, a entonação e os chamados verbos dicendi

(dizer, afirmar, falar, declarar, etc.) ajudam nessa demarcação. Pode cumprir

diversas funções, dentre as quais, a autoridade, o ornamento etc.

Vejamos alguns exemplos:

53

Page 57: Analise Do Discurso- Apostila

EXEMPLO 1

Ex.: a1) citação direta:

APAGA O FOGO, MANÉ (Adoniran Barbosa)

Inês saiu dizendo que ia

comprar pavio pro lampião

pode me esperar, mané

que eu já volto já

acendi o fogão botei água pra esquentar

e fui pro portão só pra ver inês chegar

anoiteceu e ela não voltou

fui pra rua feito louco

pra saber o que aconteceu

Procurei na central,

Procurei no hospital e no xadrez

andei a cidade inteira e não encontrei inês

voltei pra casa triste demais

o que inês me fez não se faz

pois no chão bem perto do fogão

encontrei um papel escrito assim

pode apagar o fogo, mané

que eu não volto mais

(para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=GDiXiGtPFP4 [2])

54

Page 58: Analise Do Discurso- Apostila

EXEMPLO 2

Ex2.: a2) citação indireta:

Miséria no Japão

Composição: Pedro Luiz

Somos tios da pobreza social

Somos todos pára-brisas do futuro nacional

Eu sou tio, ela é tia

O pavio tá aceso, aqui é quente

País é quente

O mundo é quente

E quem te DISSE que miséria é só aqui?

Quem foi que disse que a miséria não ri?

Quem tá PENSANDO

que não se chora miséria no Japão?

Quem tá FALANDO que não existem tesouros na favela

A vida é bela

Tá tudo estranho

É tudo caro

Mundo é tamanho

Paraíso, pára-raios, capital

Parabólicas, pirâmides, trem-bala

Coisa e tal

Lá faz frio, cá é noite

Os açoites nos navios são história

Mas não é glória

Memória triste

E quem resiste faz a raça evoluir

Mas ainda existe guerra

Querendo fazer o mundo ruir

Não tem medida o amor em certos casos

O ódio atinge generais, soldados rasos

(para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=wttoOxnyBnI [3])

55

Page 59: Analise Do Discurso- Apostila

EXEMPLO 3

Ex3.: a3) citação indireta livre

COM A PERNA NO MUNDO (LUIZ GONZAGA JR.)

Acreditava na vida na alegria de ser

nas coisas do coração

nas mãos um muito fazer

Sentava bem lá no alto

pivete olhando a cidade

sentindo o cheiro do asfalto

desceu por necessidade

Ô Dina! Teu menino desceu o São Carlos

pegou um sonho e partiu

Pensava que era um guerreiro

com terras e gentes a conquistar

Havia um fogo em seus olhos

um fogo de não se apagar

Diz lá pra Dina que eu volto

Que seu guri não fugiu

Só quis saber como é

Qual é

Perna no mundo sumiu

E hoje

Depois de tantas batalhas

A lama dos sapatos

É a medalha

Que ele tem pra mostrar

O passado, meu irmão,

É um pé no chão e um sabiá

Presente

É a porta aberta

E futuro é o que virá

Mas, e daí, ê ô ê ê á

O moleque acabou de chegar, ê mãe

ô ê ê á

Nessa cama é que eu quero sonhar,

ê ô ê ê á

Eu vou me embora...

Amanhã bato a perna no mundo,

E lá vou eu...

ê ô ê ê á

É que o mundo é que é meu lugar

(para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=PtE48yc_AO0 [4])

56

Page 60: Analise Do Discurso- Apostila

OBSERVAÇÃO

Na canção que está na aba 3, observe as vozes que emergem no

discurso do narrador sem nenhuma marca citacional: a de vermelha pode

ser atribuída talvez a um vizinha de “Dina”, mãe do menino protagonista

da história; a de azul, ao próprio menino.

b) A referência, do mesmo modo que a citação, remete o leitor a um

outro texto, sem, porém, convocar as palavras deste. Nesse caso, podem ser

evocados títulos, personagens, lugares, épocas, etc., pertencentes a outros

textos.

c) Como no plágio, na alusão não é explicitada a retomada intertextual,

mas, diferente dele e do mesmo modo que na referência, não há a

convocação literal das palavras do outro. A alusão elabora um jogo de

sugestão ao leitor, solicitando sua memória e inteligência, sem romper a

continuidade do texto (op. cit.: p. 52). Assim, para que a alusão faça efeito, é

necessário que o leitor relacione o que o autor disse efetivamente com o que

ele deixou de dizer diretamente. Em outras palavras, o leitor deve recuperar

o texto aludido por meio dos poucos índices que o autor lhe põe à disposição.

Tais índices são, na maior parte das vezes, palavras, mas podem aparecer

como um formato textual, uma entonação, um estilo.

PRA NINGUÉM

(Caetano Veloso)

Nana cantando "Nesse mesmo lugar”

Tim Maia cantando "Arrastão“

Bethânia cantando "A primeira manhã"

Djavan cantando "Drão“

Chico cantando "Exaltação à Mangueira"

Paulinho, "Sonho de um carnaval"

Gal cantando "Candeias"

E Elis "Como nossos pais”

Elba cantando “De volta pro aconchego”...

(Para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=8zoai8MJR14 [5])

LIVROS

Composição: Caetano Veloso

Tropeçavas nos astros desastrada

Quase não tínhamos livros em casa

E a cidade não tinha livraria

Mas os livros que em nossa vida entraram

São como a radiação de um corpo negro

Apontando pra a expansão do Universo

Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso

(E, sem dúvida, sobretudo o verso)

É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada

Sem saber que a ventura e a desventura

57

Page 61: Analise Do Discurso- Apostila

Dessa estrada que vai do nada ao nada

São livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objetos transcendentes

Mas podemos amá-los do amor táctil

Que votamos aos maços de cigarro

Domá-los, cultivá-los em aquários,

Em estantes, gaiolas, em fogueiras

Ou lançá-los pra fora das janelas

(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)

Ou o que é muito pior por odiarmo-los

Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas

E de mais confusão as prateleiras.

Tropeçavas nos astros desastrada

Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas

(PARA VER/OUVIR: HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?

V=AKPOZZLSRSM [6])

COMO 2 E 2

Composição:Caetano Veloso

Quando você me ouvir cantar,

Venha, não creia, eu não corro perigo

Digo, não digo, não ligo, deixo no ar

Eu sigo apenas porque eu gosto de cantar

Tudo vai mal, tudo

Tudo é igual quando eu canto e sou mudo

Mas eu não minto, não minto

Estou longe e perto

Sinto alegrias tristezas e brinco

Meu amor,

Tudo em volta está deserto, tudo certo

Tudo certo como dois e dois são cinco

Quando você me ouvir chorar,

Tente, não cante, não conte comigo

Falo, não calo, não falo, deixo sangrar

Algumas lágrimas bastam pra consolar

Tudo vai mal, tudo

Tudo mudou, não me iludo e contudo

A mesma porta sem trinco, o mesmo teto

E a mesma lua a furar nosso zinco

Meu amor,

Tudo em volta está deserto, tudo certo

Tudo certo como dois e dois são cinco

Cinco.

(Para ver/ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=yjhOVaG21oA [7])

58

Page 62: Analise Do Discurso- Apostila

CHÃO DE ESTRELAS

Composição: Sílvio Caldas / Orestes Barbosa

Minha vida era um palco iluminado

Eu vivia vestido de dourado

Palhaço das perdidas ilusões

Cheio dos guizos falsos da alegria

Andei cantando a minha fantasia

Entre as palmas febris dos corações

Meu barracão no morro do Salgueiro

Tinha o cantar alegre de um viveiro

Foste a sonoridade que acabou

E hoje, quando do sol, a claridade

Forra o meu barracão, sinto saudade

Da mulher pomba-rola que voou

Nossas roupas comuns dependuradas

Na corda, qual bandeiras agitadas

Pareciam estranho festival!

Festa dos nossos trapos coloridos

A mostrar que nos morros mal vestidos

É sempre feriado nacional

A porta do barraco era sem trinco

Mas a lua, furando o nosso zinco

Salpicava de estrelas nosso chão

Tu pisavas os astros, distraída,

Sem saber que a ventura desta vida

É a cabrocha, o luar e o violão

(Para Ouvir/ver: http://www.youtube.com/watch?v=Li5SWL5tISE [8])

c) Já o plágio é uma espécie de citação não marcada. Um texto plagia

outro quando apresenta uma passagem deste, sem indicar que isto foi feito.

A ideia de plágio levanta a questão da normatização social da

intertextualidade: a forma e o grau da presença de um texto em outro estão

sujeitos a uma regulação jurídica e moral. Assim, o plágio é condenado

socialmente e será considerado tanto mais censurável e punível, tanto maior

e mais literal for o trecho convocado (PIEGAY-GROS, op. cit.: p. 50). Por

conta desse caráter polêmico, não daremos exemplos aqui. Sugerimos a

leitura das seguintes reportagens:

Plágio? "Águas de Março" teria sido inspirada em folclore [9]

Ideias roubadas [10]

2) As RELAÇÕES DE RETEXTUALIZAÇÃO, de sua parte, supõem uma

intimidade maior e mais integral entre dois textos. Trata-se da

transformação que um texto sofre total ou parcialmente para consubstanciar

-se em outro. Cada cultura elabora seus esquemas de retextualização. Os

mais conhecidos são a tradução, o pastiche, a estilização, o resumo, a

resenha, a recriação, a paródia, o comentário, a escrituração, a oralização,

etc. Vejamos um exemplo do discurso literomusical:

59

Page 63: Analise Do Discurso- Apostila

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO

Descreva as alterações feitas em cada um dos textos-fonte que

resultaram no texto da canção “Até amanhã”, de Belchior, e analise os

possíveis propósitos do autor.

DA INTERDISCURSIVIDADE

AS RELAÇÕES INTERDISCURSIVAS

Em oposição às relações intertextuais, as relações interdiscursivas, como

o próprio nome indica, consistem nas relações da enunciação com o

interdiscurso, isto é, com o exterior discursivo. Note-se que aqui o sentido de

“discurso” é ampliado, pois se refere ao discurso enquanto sistemas

discursivos anônimos (modos de dizer, gêneros, regras, fórmulas, ethé, etc.)

que circulam na sociedade e constroem uma memória. A interdiscursividade

é, assim, a convocação de, ou o “dar a ouvir”, elementos que fazem parte de

sistemas linguageiros co-relacionados a práticas sociais externas ao discurso

do qual emana uma dada enunciação.

60

Page 64: Analise Do Discurso- Apostila

Assim, quando um texto faz uso de expressões populares, quando utiliza

termos habitados por outras esferas, registros discursivos e até mesmo

linguísticos, ou ainda quando se reporta a ethé, gestos e esquemas

discursivos de outras práticas discursivas, temos RELAÇÕES

INTERDISCURSIVAS ou INTERDISCURSIVIDADE.

Podemos incluir, então, como interdiscursivos mecanismos semelhantes

às relações textuais, com a diferença que o objeto da interdiscursividade não

é o texto, mas os elementos arrolados no início do parágrafo anterior. O

esquema das relações interdiscursivas assume uma configuração mais

simples dada a própria feição pouco formatada dos objetos interdiscursivos.

Nesse esquema, os conceitos de Maingueneau de “captação” e “subversão”

são utilizados. Para o autor (MAINGUENEAU, 1998), a CAPTAÇÃO acontece

quando um locutor, pretendendo beneficiar-se da autoridade do enunciado

de outro, incorpora em diversos aspectos a estrutura deste e mostra que o

faz. Assim, aquele que usa da CAPTAÇÃO revela sua atitude interdiscursiva

com o objetivo de marcar sua filiação a determinado estilo, escola ou

doutrina estética. Na SUBVERSÃO, por sua vez, o locutor pretende

desqualificar outro discurso legitimando, em contrapartida, seu próprio

texto e discurso.

Os dois conceitos estão ligados também à ideia de

“validação” (MAINGUENEAU, 1998) e

“legitimação” (MAINGUENEAU/CHARAUDEAU, 2004), conceitos que

dizem respeito a elementos lingüístico-discursivos já instalados na memória

coletiva, seja negativa seja positivamente. Assim, podemos, portanto, obter o

seguinte esquema, das relações interdiscursivas:

OBJETO DE

INTERDISCURSIVIDADE

RELAÇÕES

INTERDISCURSIVAS

Captação cenas validadas;

etos;

palavras (lexical);

códigos de linguagem;Subversão

Temos assim os seguintes casos:

61

Page 65: Analise Do Discurso- Apostila

CAPTAÇÃO INTERDISCURSIVA

a) captação interdiscursiva: um texto pode representar cenografias,

gêneros, gestos, ethé validados pertencentes a outras práticas discursivas.

Podemos citar como exemplo certos poemas de caráter religioso cuja

cenografia se apóia em cenários referentes aos episódios bíblicos. Pode

também mimetizar o etos de outros discursos para legitimar seu discurso.

É o caso de um professor que, ao dar a sua aula, imita a postura do

cientista.

Fonte [11]Cena validada bíblica: Cristo reúne os seguidores e profere o “Sermão da Montanha”

SUBVERSÃO INTERDISCURSIVA

b) subversão interdiscursiva: textos podem incorporar parodicamente

etos, cenários validados, códigos de linguagem etc. de outras formações

discursivas para subvertê-los, legitimando-se por oposição. Um texto

literário pode atacar o discurso religioso através de personagens

apresentados como religiosos, mas praticando atos anti-religiosos.

EXEMPLO

Veja o exemplo da canção Paixão e Fé [12], de Milton Nascimento e

Fernando Brant, que, ao criticar uma cena religiosa, mimetiza aspectos do

discurso religioso (cf. o coro, os instrumentos e a própria melodia da

canção). Configura-se nessa canção a interdiscursividade entre o discurso

literomusical e o discurso religioso..

DA METADISCURSIVIDADE

AS RELAÇÕES METADISCURSIVAS

É importante distinguir claramente a metadiscursividade da

intertextualidade e da interdiscursividade. Se na primeira, o locutor pretende

tomar um Outro enquanto sujeito enunciador singular, autor de um texto,

mesmo que esse autor não tenha identificação assegurada ou seja hipotético;

e na segunda, ele toma um outro indefinido, disperso na “atmosfera

discursiva” que envolve as enunciações em geral e as formas discursivas

(ethos, gêneros, gestos, etc.); na metadiscursividade, o locutor toma a si

mesmo como outro, pois “a heterogeneidade enunciativa não está ligada

unicamente à presença de sujeitos diversos em um mesmo enunciado; ela

também pode resultar da construção pelo locutor de níveis distintos no

interior de seu próprio discurso” (MAINGUENEAU, 1989, p. 93).

Authier-Revuz (1990) considera que a metadiscursividade se concretiza

através de gestos metalinguísticos que se dão em fórmulas como: “a palavra

X...”, “o termo Y...”, “a expressão Z...”, “o adjetivo W...” etc. e também através

62

Page 66: Analise Do Discurso- Apostila

do que a autora denomina modalização autonímica em que o locutor

suspende a obviedade ou transparência de determinada palavra ou expressão

de seu discurso, ao tomá-la como objeto. Em poucas palavras, ele usa e

menciona o signo ao mesmo tempo, tal como no exemplo abaixo:

É um marginal, como se diz hoje em dia.

Em que a palavra marginal é utilizada ao mesmo tempo como um falar

sobre o mundo (marginal = “indivíduo à margem da sociedade”) e sobre o

signo marginal. Além desse desdobramento, há também o remeter-se a uma

outra fonte enunciativa em relação à qual o discurso pretende afirmar sua

identidade e unidade. Neste último caso, essa alteridade pode ser

representada por:

UMA OUTRA LÍNGUA

“Al dente, como dizem os italianos”.

UM OUTRO REGISTRO DISCURSIVO

Familiar, vulgar etc.: “para usar uma palavra dos jovens de hoje em

dia...”.

UM OUTRO DISCURSO

Técnico, político, marxista etc.: “...'significante', no sentido que a

linguística estrutural confere ao termo...”).

UMA OUTRA MODALIDADE DE SIGNIFICAÇÃO DA PALAVRA

Recorrendo-se explicitamente a um exterior linguístico ou a um outro

universo discursivo (no primeiro caso, o da língua como lugar de

polissemia, homonímia, metáfora etc. - “X, sem trocadilho” ou “X, para

usar de um eufemismo...”; e no segundo caso, o da palavra já habitada

historicamente por um ou mais discursos: “uma contradição, no sentido

materialista do termo”).

UMA OUTRA PALAVRA

Potencial ou explícita denotativa de reserva (“X, se se puder chamar

isso de X...”), hesitação ou retificação (X, ou melhor, Y), confirmação (X,

essa é a palavra exata...) etc.

UM OUTRO FALANTE

(“como diria Marx...”, ) ou o interlocutor suscetível de não

compreender ou de não aceitar expressões tidas como óbvias (“...X, com o

perdão da palavra...”, “se você quiser, X”, “X, se você me entende”)

(AUTHIER-REVUZ, 1990).

Em um sentido mais amplo, o METADISCURSO consiste, como o nome

indica, no processo segundo o qual o discurso de um locutor tem como

objeto seu próprio discurso, constituindo a si mesmo como alteridade, ou seu

próprio discurso como outro. Assim a metadiscursividade deve ser

interpretada como uma consciência de si de uma prática discursiva. Não se

trata do gesto de o enunciador falar apenas de sua própria enunciação, mas

de referir-se a sua prática discursiva, legitimando as condições enunciativas

que possibilitam seu falar.

63

Page 67: Analise Do Discurso- Apostila

Nesse sentido, vale distinguir dois gestos metadiscursivos. Um, que

poderíamos denominar METADISCURSIVIDADE ENUNCIATIVA, é aquele em

que o locutor volta-se para seu próprio enunciado, reformulando,

assinalando uma dada parte dele, manifestando insatisfação com ela, etc. O

outro é aquele em que o locutor se refere ao discurso do qual faz parte sua

enunciação, o qual podemos denominar METADISCURSIVIDADE

PROPRIAMENTE DITA. Vejamos os dois casos nessa canção abaixo:

CLIQUE AQUI PARA VISUALIZAR A CANÇÃO APENAS UM RAPAZ LATINO-AMERICANO, DE BELCHIOR:

APENAS UM RAPAZ LATINO-AMERICANO

Composição: BELCHIOR

Eu sou apenas um rapaz

Latino-Americano

Sem dinheiro no banco (REFRÃO)

Sem parentes importantes

E vindo do interior...

Mas trago, de cabeça

Uma canção do rádio

Em que um antigo

Compositor baiano

Me dizia

Tudo é divino

Tudo é maravilhoso...(2x) (Aqui o locutor se refere ao discurso

literomusical, campo discursivo em que atua, configurando uma

metadiscursividade propriamente dita)

Tenho ouvido muitos discos

Conversado com pessoas

Caminhado meu caminho

Papo, som, dentro da noite

E não tenho um amigo sequer

Que ainda acredite nisso

Não, tudo muda!

E com toda razão...

(REFRÃO)

Mas sei

Que tudo é proibido

Aliás, eu queria dizer

Que tudo é permitido

Até beijar você

No escuro do cinema

Quando ninguém nos vê...(2x) (Nesse caso, o locutor se refere ao

64

Page 68: Analise Do Discurso- Apostila

próprio texto da canção, mais especificamente à palavra “permitido”,

configurando uma metadiscursividade enunciativa. )

Não me peça que eu lhe faça

Uma canção como se deve

Correta, branca, suave

Muito limpa, muito leve

Sons, palavras, são navalhas

E eu não posso cantar como convém

Sem querer ferir ninguém...

Mas não se preocupe meu amigo

Com os horrores que eu lhe digo

Isso é somente uma canção

A vida realmente é diferente

Quer dizer!

A vida é muito pior...

E eu sou apenas um rapaz

Latino-Americano

Sem dinheiro no banco

Por favor

Não saque a arma no "saloon"

Eu sou apenas o cantor... (Aqui trata-se também de

metadiscursividade enunciativa, pois o locutor se refere ao próprio

texto da canção, no entanto não a palavras específicas, mas ao gênero

de seu enunciado.)

Mas se depois de cantar (Aqui trata-se também de

metadiscursividade enunciativa, pois o locutor se refere ao próprio

texto da canção, no entanto não a palavras específicas, mas ao gênero

de seu enunciado.)

Você ainda quiser me atirar

Mate-me logo!

À tarde, às três

Que à noite

Tenho um compromisso

E não posso faltar

Por causa de vocês...(2x)

(REFRÃO)

Mas sei que nada é divino

Nada, nada é maravilhoso

Nada, nada é sagrado

65

Page 69: Analise Do Discurso- Apostila

Nada, nada é misterioso, não...

Na na na na na na na na...

(Para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=mLhpvrhFrWY

[13])

OLHANDO DE PERTO

O texto de Belchior é repleto de intertextualidade com outros textos

da Música Popular Brasileira. Caso lhe interesse, seria um trabalho

bastante agradável pesquisar os trechos de textos incorporados e as

operações feitas sobre esses textos pela canção.

RESUMO DA AULA 3

DIALOGISMO

POLIFONIA

INTERTEXTUALIDADE (RELAÇÃO ENTRE TEXTOS)

RELAÇÕES INTERDISCURSIVAS(RELAÇÃO ENTRE TEXTO E EXTERIORIDADE

DISCURSIVA)

RELAÇÕES METADISCURSIVAS

FÓRUM 05

66

Page 70: Analise Do Discurso- Apostila

Nossas palavras e as palavras dos outros. A questão da autoria: temos

direitos sobre as nossas palavras? Quando devemos citar e quando não

devemos citar? O papel das instâncias discursivas (escola, ciência, Direito)

na relação intertextual.

FONTES DAS IMAGENS

1. http://www.adobe.com/go/getflashplayer2. http://www.youtube.com/watch?v=GDiXiGtPFP43. http://www.youtube.com/watch?v=wttoOxnyBnI4. http://www.youtube.com/watch?v=PtE48yc_AO05. http://www.youtube.com/watch?v=8rkl3JR0y6o6. http://www.youtube.com/watch?v=AkPozzLSrsM7. http://www.youtube.com/watch?v=yjhOVaG21oA8. http://www.youtube.com/watch?v=Li5SWL5tISE9. http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u13819.shtml10. http://www.secom.unb.br/unbagencia/ag0706-27.htm11. http://www.ceallankardec.org.br/jesus%20pregando.jpg12. http://letras.mus.br/milton-nascimento/405855/13. http://www.youtube.com/watch?v=mLhpvrhFrWY

Responsável: Professor Nelson Barros da Costa

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

67

Page 71: Analise Do Discurso- Apostila

TÓPICO 01: O ENSINO DA LÍNGUA ENQUANTO PRÁTICA DISCURSIVA

VERSÃO TEXTUAL

Pela ótica discursiva, o professor de português ou estudante de

letras é sobretudo alguém que escolheu se envolver com uma atividade

que consiste em lidar com um paradoxo: tomar distância crítica de

algo que constitui a materialidade de sua própria consciência e de suas

relações com o mundo social: a linguagem (Genouvrier e Peytard,

1974).

Isso porque , diferentemente de quem lida com geografia ou

matemática, que tem bem claro que seu objeto de estudo não

necessariamente lhe afeta de modo tão visceral, o estudante ou profissional

de letras é falante da língua que supõe estar dominando ou manipulando

para o ensino.

Sendo ele próprio falante dessa língua, está sujeito aos mesmos desafios

cuja superação deve propor aos alunos, estes também já falantes da língua.

Tais desafios, por sua vez, só podem ser propostos através da linguagem, daí

que esta, quando se lida com o ensino da língua materna, é ao mesmo tempo:

1. Materialidade da consciência de quem ocupa a função de professor;

2. Objeto sobre o qual se pretende refletir e que se deseja aperfeiçoar nos alunos;

3. Meio de transmissão e execução desses propósitos;

4. Materialidade da consciência de quem ocupa a função de aluno.

E como o uso da linguagem ultrapassa os limites da escola, quem se

matricula em um curso de letras está, portanto, querendo ou não, se

inscrevendo num percurso de situações discursivas que vão lhe exigir

posicionamentos que dirão respeito a sua própria vida extra-escolar e dos

quais não poderá fugir. Tais situações podem ser abordadas em dois planos

em íntima associação.

O DISCURSO DA SALA DE AULA

ANÁLISE DO DISCURSO

AULA 04: REFLEXÕES DISCURSIVAS SOBRE O ENSINO DO PORTUGUÊS

68

Page 72: Analise Do Discurso- Apostila

Fonte [2]

No plano da própria natureza discursiva da situação interlocutiva mais

comum no âmbito escolar, a sala de aula, o professor mantém sua inserção

num tipo de interação linguística muito particular situada no âmbito de uma

ordem discursiva (Foucault, 2001) com características muito bem definidas

em nossa sociedade:

VERSÃO TEXTUAL DO FLASH

1. Primeiramente, a situação se constitui como um espaço onde a

autoridade de usar a palavra é institucionalmente concedida a um

único interlocutor – o professor. Em contraponto, aos demais

interlocutores a tomada da palavra é ora negada, ora facultada, ora

solicitada, ora exigida.

2. Em segundo lugar, a sala de aula é o lugar em que um dos

interlocutores está investido do poder de apresentar os objetos

discursivos (regras, frases, textos, poesias, diálogos, etc.), que deverão

ser utilizados pelos demais de forma determinada de antemão, e de

autorizar ou determinar o modo de recepção e interpretação desses

mesmos objetos.

3. Em terceiro lugar, em contradição com o poder e a autoridade

anteriormente aludidos, a fala desse interlocutor, que é o professor, é

restringida pela própria instituição que o autoriza a se comportar

como tal. Isto é, o professor não tem em sala de aula a liberdade de

falar qualquer coisa e de utilizar de qualquer forma o seu discurso.

Apenas determinadas palavras podem e devem ser ditas, outras só

podem ser ditas em ocasiões muito especiais e outras ainda não devem

ser ditas em absoluto.

O discurso pedagógico a ser assumido pelo estudante de letras, futuro

professor de português, é, portanto, atravessado por contradições internas e

se modifica historicamente. A situação de sala de aula é um incontestável

jogo de poder e enquanto tal supõe uma negociação entre os agentes em

questão. Os alunos aceitam tacitamente o papel do professor de disciplinador

da fala e lhe conferem esse poder conforme seja esse o seu interesse (um dos

quais pode ser o de não serem punidos, ou o de tirar boas notas, ou o de

apenas ouvir o que o professor tem a falar). O professor aceita esse papel

embora finja que ele não lhe foi concedido e pode agir na ilusão de que é

absoluto.

Quanto à historicidade, é notório que as contradições no espaço escolar

são contingentes às condições sociais de produção de diferentes épocas e

lugares. Outrora autoritária, atualmente a interação linguística entre alunos

e professor em sala de aula, influenciada por fatores extraescolares diversos,

caminha para uma situação mais equilibrada ao menos em relação à questão

da democratização da tomada da palavra.

Assista ao vídeo abaixo e veja uma representação da ação discursiva de

um professor em sala de aula.

69

Page 73: Analise Do Discurso- Apostila

http://www.youtube.com/v/-hoKDT1ksN4&hl=pt_BR&fs=1&

Vídeo 1 - O filme A Sociedade dos Poetas Mortos apresenta a história de um professor que, no

final dos anos 50, tenta subverter os ditames de uma escola ultra-conservadora dos Estados

Unidos.

Em casos extremos a situação pode se inverter: é quando os alunos

adquirem mais poder de palavra do que o professor, o que pode por em crise

a situação discursiva e conduzir à casos de violência e humilhação em que o

professor é a vítima.

LEITURA COMPLEMENTAR

Confira uma reportagem sobre a questão da violência na escola:

Violência é assunto da escola, sim! [3]

No caso específico do professor de português, também as ciências da

linguagem, como veremos adiante, têm questionado a adequação do tipo de

objeto linguístico atualmente usado em sala de aula, pondo, ela também, em

cheque a autoridade do professor como aquele que sabe a língua e interferido

em sua prática. No entanto, essa intervenção, como também veremos, vem

justamente no sentido de tornar o trabalho com a língua mais eficaz e

produtivo, dado que o ensino tradicional, baseado no discurso normativista

da gramática, tem levado os alunos ao estranhamento da linguagem, como se

não se tratasse de algo que, como vimos, está intimamente ligado à própria

subjetividade de cada um. Essa eficácia pode ajudar a tornar o trabalho

educativo no campo da linguagem num momento prazeroso de construção

do conhecimento para ambas as partes envolvidas na interação escolar.

Fonte [4]

O DISCURSO NA SALA DE AULA

Se no plano da interação pedagógica, o estudante de letras e o professor

se inscrevem na memória discursiva das relações dialógicas professor-aluno,

cabendo a eles, em sua experiência cotidiana como aluno/professor,

posicionarem-se na correlação de forças inerente a essa interação, a questão

da POSTURA FRENTE À LINGUAGEM que balizará a interação dialógica em

sala de aula nos remete a diversos lugares teóricos.

Nesse tópico, veremos as duas posturas mais comuns para, no tópico

seguinte, apresentar a postura mais coerente com os preceitos da Análise do

Discurso.

A POSTURA TRADICIONAL (NORMATIVA)

Fonte

A maneira mais tradicional é a de pensar a linguagem como um

patrimônio, ou seja, como um conjunto de formas e normas passadas de

geração em geração, pelo qual é preciso zelar para que não se corrompa, se

desgaste ou se degenere. É essa concepção a que fundamenta a chamada

GRAMÁTICA TRADICIONAL ou GRAMÁTICA NORMATIVA e, é preciso dizer,

é ainda dominante nos meios educacionais de nosso país. Esta concepção,

tão enraizada no senso comum, baseia-se em velhos pressupostos.

Em primeiro lugar, na ideia de que existe uma língua pura. Esta língua

estaria concretizada nos dicionários, que discriminariam as palavras que são

“regionais”, “chulas”, “vulgares”, etc., e as que seriam realmente

70

Page 74: Analise Do Discurso- Apostila

pertencentes à Língua; e principalmente nas gramáticas e nos livros

didáticos que determinariam o que pode e deve ser falado em vários aspectos

da linguagem (fonético, morfológico, sintático, etc.). A gramática, por esse

ponto de vista, seria uma instância disciplinadora do comportamento

linguístico da sociedade.

Aliás, esse é outro pressuposto dessa concepção: a de que é possível

manter uma língua imune às mudanças históricas, que é possível

salvaguardar a língua do poder subversivo dos usuários, especialmente os

das novas gerações.

Como se pode perceber, trata-se muito mais do que uma mera forma de

conceber a linguagem. Consiste mesmo em um projeto linguístico-social. Há,

portanto, não somente ideias pressupostas nessa concepção. Há

principalmente, metas subjacentes. Uma delas é a homogeneização dos

comportamentos linguísticos. Essa concepção é inimiga das variações, das

mudanças, das diferenças. Outra é a tentativa de fazer de cada falante um

policial de sua língua. Um policial de seu próprio comportamento linguístico

e do comportamento dos outros.

Hoje em dia, no Brasil, essa forma de encarar a linguagem conta com

mais um meio de veiculação: trata-se dos meios de comunicação de massa

(rádio, televisão, jornal). Vem com um visual modernoso, jovial, e se traveste

de “serviço de utilidade pública”; apresenta-se também mais tolerante para

com os chamados “erros”, admitindo uma esfera de uso em que eles podem

ser “cometidos”; faz apelo aos jovens, principalmente os de classe média e

alta, ilustrando suas explicações com canções dos astros da MPB e

solicitando a opinião de personalidades da música e de outros meios

artísticos e intelectuais. Enxergamos no prof. Pasquali Cipro Neto, a figura

mais representativa dessa “nova gramática”.

MULTIMÍDIA

Pausa lúdica:

http://www.youtube.com/v/s5MCZ8BB_Ts&hl=pt_BR&fs=1

A VISÃO DA LINGUAGEM COMO UM SISTEMA E SUAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

A língua seria como um jogo de

xadrez: para jogar (usar), é necessário

o conhecimento das regras e das

funções de cada peça. - Fonte [5]

A língua está, segundo este ponto de vista, na consciência social dos

falantes que, através da FALA, a põem em prática individualmente. Assim,

desaparece a ideia de que alguns falantes detêm o saber da língua (os

escritores, os intelectuais, os gramáticos, etc.) e outros, não. Segundo essa

perspectiva, todos os falantes sabem a língua e nenhum a sabe

completamente, pois a língua está no todo social.

OLHANDO DE PERTO

Mas o que os falantes sabem exatamente?

71

Page 75: Analise Do Discurso- Apostila

Sabem quais são as unidades fonológicas e morfológicas de sua

língua, sabem o valor de cada uma delas e como combiná-las e,

principalmente, unir essas formas em blocos sintáticos para usá-las

comunicativamente com os outros falantes.

Por essa perspectiva todas as línguas e dialetos, sejam eles falados pelos

povos de cultura mais sofisticada ou pelas tribos mais rudimentares; pelas

camadas socialmente favorecidas da sociedade ou pelas camadas populares

do campo ou da cidade, todos eles são subsistemas de um sistema geral que

lhes dá unidade e, enquanto tal, têm o mesmo grau de complexidade e de

capacidade de cumprir sua função comunicativa.

Entenda-se então que os critérios que determinarão o que é certo ou o

que é errado são bem diferentes dos critérios utilizados pela gramática

tradicional. Um primeiro seria o da comunicação, isto é, só é errado o que

não cumpre o efeito essencial de qualquer ato de fala: a comunicação. Um

segundo critério seria o de adequação, ou seja, todas as formas de falar são

corretas e legítimas desde que adequadas ao contexto social no qual elas são

realizadas.

APÓS ESSE BREVE RESUMO DESSA PERSPECTIVA, ENUMEREMOS ALGUMAS

IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS DA CONCEPÇÃO SISTÊMICA DE LINGUAGEM (CLIQUEAQUI PARA LER).

1. Uma primeira observação é que, se todos sabemos falar uma

língua já na idade de entrarmos na escola, o ensino da teoria

gramatical é redundante para o desenvolvimento dessa aptidão;

2. Falar supõe o domínio de regras. É claro, são regras

internalizadas, mas que as usamos sem a mínima necessidade de ter

consciência delas. Essas regras contemplam todos os aspectos da

língua falada: fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos e

pragmáticos, aspectos, aliás, infinitamente mais ricos do que qualquer

gramática normativa pode contemplar;

3. Se, por um lado, a criança, ao entrar na escola, já conhece

implicitamente a sua língua, por outro, ela não sabe ainda se utilizar

de outros meios de expressão linguística, sendo o principal deles a

escrita. Caberia, portanto, à escola o desenvolvimento do uso da

escrita, não só o que se chama de alfabetização, mas o ensino da

produção e da compreensão de todas as variedades de texto.

4. Se é verdade que a criança em idade de ingressar na escola já

tem aptidão suficiente para um bom desempenho comunicativo, é

também verdade que esse desempenho pode ser melhorado, mas não

através do ensino da teoria gramatical. Saber definir um substantivo,

um sujeito ou uma oração subordinada completiva nominal é bem

menos importante do que saber usá-los. A psicolinguística [6] afirma

que é possível saber usar algo sem a necessidade de saber

conscientemente uma teoria desse algo, assim como muito de nós

sabemos dirigir um automóvel ignorando quase completamente como

ele funciona.

72

Page 76: Analise Do Discurso- Apostila

5. Quanto à questão dos dialetos, a ideia de que todos são

funcionais e legítimos implica que a forma de falar do aluno,

especialmente o das classes populares, deve ser respeitada, mas que é

papel da escola torná-lo bidialetal (isto é,dominar, além do seu, o

dialeto de prestígio na sociedade). Aliás, não só isso, mas torná-lo apto

a se comunicar nas mais variadas formas de linguagem conforme as

exigências do contexto. Então, não só o aluno deve dominar além de

seu dialeto, o dialeto padrão na sociedade, mas também deve ele saber

usar a linguagem para os mais diversos fins.

Evidentemente, a Linguística conta com uma variedade muito grande de

tendências, incorporando aspectos colocados de lado em seus primórdios

como, por exemplo, a função pragmática da linguagem e as realidades do

sentido, do texto e da enunciação. São exemplos o Funcionalismo, a

Sociolinguística, a Semântica, dentre outros. No entanto, tais perspectivas

ainda resistem em abordar dimensões mais amplas como as do discurso e do

contexto social, dimensões que são essenciais quando se tem por tarefa

ensinar a língua.

Embora o conhecimento trazido pela perspectiva científica da linguagem

seja fundamental para um bom ensino, uma postura estritamente técnica

diante da língua pode levar a uma prática que é indiferente aos problemas

práticos que o cotidiano constantemente impõe no uso da língua. Embora

seja essencial, para se falar comunicativamente uma língua, o domínio de

suas regras de funcionamento, é certo que não é possível falar sem conhecer

as regras sociais de interação verbal e não-verbal. E isso deve ser ensinado

em sala de aula.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO

Antes de passar para o próximo tópico, em que apresentaremos uma

visão discursiva do ensino da língua materna, assista, no link abaixo, um

trecho do filme “Entre os muros da escola”: Entre os muros da escola [7] e

resuma as posições em conflito (do professor e dos alunos) a cerca do

objeto de ensino em questão: o imperfeito do indicativo.

FÓRUM 06

O que fazer para que os alunos passem a gostar das aulas de

português?

É comum crianças e adolescentes detestarem “aula de português”.

Segundo Luft (1995), isso se dá porque os professores de português

procuram o método mais difícil para o ensino, aquele através de regras

gramaticais – que tanto aterrorizam os alunos, que saem das aulas com a

sensação de que nada sabem sobre o idioma.

FONTES DAS IMAGENS

1. http://www.adobe.com/go/getflashplayer

73

Page 77: Analise Do Discurso- Apostila

2. http://3.bp.blogspot.com/_Di90QOa2Prc/SpGSab8qVaI/AAAAAAAALcI/ZxKSmuCu1q8/S1600-R/deadpoets.jpg3. http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/violencia-nas-escolas-426392.shtml4. http://www.influx.com.br/imgblog/image/grammar.jpg5. http://2.bp.blogspot.com/_EtsyjekJFqk/Rz1zQSntc1I/AAAAAAAAAO0/-9mxyghmdmU/s1600-h/logo_xadrez.jpg6. http://pt.wikipedia.org/wiki/Psicolinguística7. http://www.youtube.com/watch?v=vhqJ3iTi-pQ

Responsável: Professor Nelson Barros da Costa

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

74

Page 78: Analise Do Discurso- Apostila

TÓPICO 02: UMA VISÃO DISCURSIVA DO ENSINO DA LÍNGUA

PRESCRITIVA

Indica como se deve usar corretamente a língua.

METALINGUÍSTICA

Onde se tecem considerações sobre a língua e se definem categorias

classificatórias das unidades componentes das palavras e das frases.

VERSÃO TEXTUAL

É importante ver que as duas concepções resumidas no tópico

anterior, apesar das profundas divergências em relação a uma série de

aspectos, devem ter o seu lugar no ensino da língua portuguesa.

O PAPEL DA GRAMÁTICA NORMATIVA.

A gramática normativa deve perder o lugar de destaque que sempre teve

nas salas de aula de português, mas não deve ser descartada definitivamente

do ensino escolar. Perceba o aluno que os compêndios de gramática

normativa geralmente se compõem de duas dimensões:

Temas como concordância, regência, colocação pronominal, conjugação

verbal, dentre outros, são prescritivos porque indicam como usar a língua

utilizando por modelo uma variedade linguística prestigiada na sociedade

por motivos socioeconômicos. Essa dimensão normativa do ensino

certamente tem sua razão de ser num ensino discursivamente orientado. Os

alunos precisam ser conscientizados de que existe, na sociedade, um capital

linguístico socialmente valorizado, nas palavras de Bourdieu (1987). Faz

parte desse capital o emprego dessas regras que, portanto, devem ser

dominadas pelo aluno, ficando bem claro que não tornam seu falar

intrinsecamente melhor do que o falar popular ou próprio de regiões

situadas na periferia dos grandes centros urbanos. Como bem já mostraram

os estudos sociolinguísticos, não há línguas ou dialetos melhores, mais

bonitos ou mais corretos do que outros do ponto de vista de seus sistemas

linguísticos.

Por outro lado, a dimensão metalinguística da gramática normativa

também pode ser aproveitada. Afinal, termos como “substantivo”, “adjetivo”,

“verbo”, “pronome”, bem como “frase”, “oração”, etc., bem ou mal, já se

incorporaram ao léxico da linguagem comum e é necessário que o aluno

saiba do que se trata. No entanto, do ponto de vista teórico, as análises e

definições são francamente insatisfatórias como têm mostrado

abundantemente diversas teorias linguísticas.

ANÁLISE DODISCURSO

AULA 04: REFLEXÕES DISCURSIVAS SOBRE O ENSINO DO PORTUGUÊS

75

Page 79: Analise Do Discurso- Apostila

DICAS

Saiba mais sobre esses temas lendo os livros:

Fonte: SOARES, Magda. Linguagem

e escola: uma perspectiva social.

São Paulo: Ática, 1986.

Fonte: MACAMBIRA, José Rebouças. A

estrutura morfo-sintática do

português: aplicação do

estruturalismo linguístico. 2. ed. São

Paulo, Pioneira, 1974.

O PAPEL DA LINGUÍSTICA SISTÊMICA

Já a linguística científica deve fundamentar os saberes do professor em

relação à dimensão estrutural da linguagem. Essa dimensão compõe o

chamado “núcleo duro” da materialidade linguística.

Trata-se da formação técnica indispensável para o profissional de letras.

Seria ingenuidade pensar que uma consciência discursiva da linguagem

dispensa o profissional de letras desse conhecimento, pois toda a

discursividade funciona sobre essa base material da linguagem. No entanto,

duas advertências cabem aqui:

PRIMEIRA

Diferentemente do que é prática comum no ensino normativamente

orientado, em que os conteúdos metalinguísticos são objetos de ensino, os

conhecimentos obtidos pela linguística moderna não devem entrar

diretamente como “matéria de aula”. Não se trata de, por exemplo, em sala

de aula, substituir “sujeito” por “sintagma nominal” e ensinar aos alunos o

que é um “sintagma nominal”. Trata-se de exercitar o uso linguístico quer a

partir de modelos estruturais, quer a partir da observação de fatos reais de

língua. Em suma, a linguística deve alicerçar o trabalho pedagógico na

medida em que instrumentaliza o professor no conhecimento da estrutura

da língua para que ele, conhecendo-a, possa trabalhar o aprendizado de

estruturas não conhecidas, seja porque não são próprias da variedade

linguística do aluno, seja porque pertencem a outro registro de língua (da

escrita, por exemplo);

SEGUNDA

76

Page 80: Analise Do Discurso- Apostila

Saber falar uma língua materna é um conhecimento implícito, não

consciente, isto é, sabemos usar a língua mas não sabemos dizer como

fazemos isso. Aliás, trata-se de um saber que dispensa essa consciência. É

perfeitamente possível falar uma língua sem jamais ter estudado

formalmente a mesma, sem saber o nome ou as funções das unidades

(“verbo”, “morfema”, “frase”, “sujeito”, “predicado”, etc.). Os professores

que guiam seu ensino de língua pela gramática normativa partem da falsa

premissa de que explicitar uma estrutura (Suj + Verbo + Objeto direto) ou

definir uma classe de palavra (“verbo é uma palavra que exprime uma

ação”) fará com que os alunos aprendam a utilizar (melhor) a estrutura ou

o objeto da definição. Ao contrário, o ensino de estruturas não deve ser

metalinguístico, mas EPILINGUÍSTICO, isto é, não o que parte do FALAR

SOBRE A LINGUAGEM, mas do t RABALHO SOBRE A LINGUAGEM,

transformando estruturas, construindo expressões a partir de modelos,

experimentando novas estruturas, modificando sentidos de frases

alterando sua estrutura, etc.

DICAS

Saiba mais sobre o assunto lendo os Parâmetros Curriculares

Nacionais – Língua Portuguesa:

Fonte [2]

Clique aqui para baixar os PCNs para o seu computador:

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf [3].

O PAPEL DAS DISCIPLINAS DISCURSIVAS

Falaremos agora do papel de um terceiro modo de conceber a linguagem

que é o discursivo. Já no início do século passado, uma percepção discursiva

da linguagem começa a se contrapor à concepção fundada por Saussure

através justamente dos trabalhos de Mikhail Bakhtin. Conforme temos visto,

para a Análise do Discurso uma língua não pode ser reduzida a mero sistema

formal indiferente às interações sociais concretas. Assim procedendo,

transformamos a linguagem em mero objeto, distanciado dos falantes e a

eles imposto. Encará-la como um sistema de signos abstratos que se

sobrepõe aos indivíduos seja socialmente (como afirma Saussure), seja em

forma de uma estrutura mental (como afirma Chomsky [4]), significa ao

mesmo tempo minimizar o poder da subjetividade e ignorar a dimensão

sócio-interativa da linguagem.

77

Page 81: Analise Do Discurso- Apostila

OLHANDO DE PERTO

Para a Análise do Discurso, a linguagem está imbricada nas relações

sociais na medida em que acompanha os indivíduos em seus mínimos

atos, nas mais variadas relações que eles contraem cotidianamente e que

constituem sua subjetividade, sua própria consciência.

A visão da linguagem como sistema de signos não dá conta da

natureza complexa do fenômeno linguístico.

Assim, por exemplo, os signos, embora arbitrários do ponto de vista

da relação entre significante e significado, não são arbitrários em relação

aos propósitos dos indivíduos e aos efeitos que estes obtêm ao usá-los.

Com efeito, quando se observa a linguagem do ponto de vista do

discurso, o fenômeno linguístico assume novas dimensões. Percebe-se, por

esse ângulo, por exemplo, o caráter ideológico. As palavras estão carregadas

de valor, umas mais, outras menos, mas todas elas carregam em si, quando

em uso, marcas dos julgamentos pessoais dos que as usam, e estes

julgamentos não são puramente individuais, mas determinados pela

conotação social e histórica que elas assimilaram. Uma palavra seria como

uma arma: em qualquer posição que esteja está sempre apontando para uma

determinada direção.

Há, porém, contextos em que esta ou aquelas palavras devem ou podem

ser ditas. Trata-se do que Michel Foucault (1995) denominou de formações

discursivas. Haveria, portanto, formações discursivas no contexto político,

no contexto jurídico, no contexto acadêmico, e também no contexto escolar.

As formações discursivas são espaços no âmbito de uma área social,

econômica, geográfica ou linguística de uma sociedade e época que definem

as regras anônimas e históricas das condições de exercício da função

enunciativa. Elas não são estanques, se interpenetrando constantemente

devido às práticas discursivas dos indivíduos, que inserem seu falar em

diversas formações discursivas e levam elementos discursivos de uma para

outra. Por outro lado, as formações discursivas impõem que os falantes

inscritos formatem seu falar em gêneros do discurso (cf. Tópico 2, Aula 2). O

discurso pedagógico, por exemplo, supõe gêneros tais como a aula, o livro

didático, a redação ou trabalho escolar e o individuo que dele pretenda

participar deve aprender a usá-los e incorporar os papéis que eles exigem. No

caso do ensino superior, aliás, tais gêneros são ao mesmo tempo o

instrumento e o objeto de trabalho de tal prática discursiva.

As formações discursivas também não são estanques do ponto de vista

de que são determinadas historicamente, isto é, estão em constante

mudança, que não é “evolução”, mas resultado da interação dialética entre o

falante e o contexto social, o que foi denominado por Michel Pêcheux (1990)

de condições de produção do discurso. A historicidade do fenômeno

linguístico, entenda-se bem, não está aqui relacionada ao aspecto meramente

físico, superficial, das palavras, mas com a própria dinâmica das relações

78

Page 82: Analise Do Discurso- Apostila

sociais. Ora, enquanto fenômeno inerentemente social, a linguagem reflete e

refrata as disputas sociais. O valor ideológico dos signos, por exemplo, são

sempre disputados nas formações discursivas em que eles acontecem.

VERSÃO TEXTUAL

Em síntese, na perspectiva discursiva, a linguagem é focalizada

como uma prática social intrinsecamente relacionada com todas as

demais práticas sociais. Talvez a única que acompanha todas as

atividades humanas seja como trocas lingüísticas concretas, seja como

materialidade do pensamento.

No tocante ao ensino, se o professor reconhece que a situação

discursiva que ele enfrenta e constrói cotidianamente é uma relação de

poder, ele tem melhores condições de trabalhar para equilibrar as

correlações de força dentro da sala de aula. Perceberá que a escola tem

de ser útil ao aluno e essa utilidade deve ser calcada sobre a própria

utilidade da linguagem na vida extra-escolar.

Antes de prosseguir assista a mais um trecho de “Entre os muros da

escola”. Verifique que a relação professor aluno ultrapassa a simples

transmissão de conhecimento entre quem detém e quem não detém o saber:

http://www.youtube.com/v/ltyRqP3h-eA&hl=pt_BR&fs=1&

Os alunos do extrato fílmico que você acabou de ver demonstram

surpreendente capacidade de argumentação. Embora em desvantagem por

ocupar uma posição hierárquica inferior, Khoumbá se vale das palavras para

resistir à autoridade do professor e fazer prevalecer seu desejo de não querer

ler. É claro, trata-se de uma ficção. Muitas vezes, no entanto, quando essa

capacidade argumentativa ocorre de fato, o professor tende a encará-la com

antipatia. Mas é preciso ver que deve caber à escola justamente simular

situações interativas que desenvolvam o poder argumentativo, persuasivo,

retórico, etc., a fim de fomentar habilidades multidiscursivas necessárias ao

dia-a-dia.

QUANTOS DE NÓS NÃO NOS EXPRESSAMOS GRAMATICALMENTE COM PERFEIÇÃO, MAS SOMOS FRANCAMENTE DESAJEITADOS EM CERTAS SITUAÇÕES DISCURSIVAS?

Compreendendo que os signos linguísticos têm o seu valor e

interpretação definidos respectivamente pelo seu uso e pelo julgamento

social da comunidade discursiva, e tendo consciência de que um texto nunca

tem uma só leitura, o professor não abusará da autoridade de determinar

uma leitura única e unilateral de um texto. Esta deve ser consensual e cabe a

ele, no máximo, tentar convencer os alunos da justeza de sua leitura.

Entendendo que todo texto é produzido para obter determinados fins,

compreenderá que não cabe às aulas de português apenas o estudo dos nexos

linguístico de frases ou textos, mas TAMBÉM a pesquisa dos propósitos

explícitos e implícitos do autor através das estratégias discursivas utilizadas.

79

Page 83: Analise Do Discurso- Apostila

Veja no video abaixo como o RAPPER Gabriel O Pensador retrata, do

ponto de vista dos alunos, o que estes pensam da escola atual:

http://www.youtube.com/embed/BD4MMZJWpYU

No caso do ensino da escrita, esse profissional deverá atinar que muitas

vezes a habilidade para discorrer sobre determinado assunto é questão de

saber as regras da prática discursiva em questão. O discurso científico, por

exemplo, exige muitas vezes a omissão das marcas enunciativas de primeira

e segunda pessoas, o emprego de tempos verbais específicos, mecanismos

próprios de referências a outros textos, etc.

A consciência resultante de uma ótica discursiva torna o profissional de

Letras apto a discutir as questões sociais que envolvem a linguagem, porque

estas só são possíveis de serem formulada enquanto questões graças ao

discurso.

Vejamos, por exemplo, o caso dos recentes avanços da tele-

informatização da sociedade contemporânea. Caso nos atenhamos à

dimensão meramente linguístico-gramatical da linguagem, esse assunto não

nos interessa. Afinal, na comunicação através da Internet, o sistema da

língua permanece invariável, mudando apenas o “meio de transmissão” e o

“modo de execução”.

Fonte [6]

Do ponto de vista discursivo, ao contrário, muita coisa muda na

linguagem quando nos dispomos a exercer a interação linguística através

desses meios. Em primeiro lugar, novos gêneros discursivos são criados e

consequentemente novas competências, que transcendem o simples domínio

do código linguístico, são exigidas. Tais gêneros, impensáveis até pouco

tempo atrás, tornam possível:

A comunicação escrita em tempo real (é o caso do chat);

A possibilidade de um retorno quase imediato de uma composição epistolar (é o caso do e-mail);

A discussão por escrito em que se pode ler separadamente e solitariamente a intervenção de cada membro do grupo (fórum ou grupo de discussão), tudo isso podendo ser feito simultaneamente.

Uma aula a que os alunos podem “assistir” a quilômetros de distância do lugar de produção, ler e reler a aula, fazer e entregar as tarefas, tudo sem sair de casa.

80

Page 84: Analise Do Discurso- Apostila

Os diálogos se virtualizam, isto é, perdem a corporalidade que têm

normalmente na fala face-à-face e mesmo na conversação telefônica, de

modo que eu posso conversar com alguém horas sem que ela tenha acesso a

minha configuração física, à minha aparência, a meu estado de espírito

denunciado por minha voz, meu rosto, minha compleição corporal.

Fonte [7]

Por outro lado, uma vez que a Internet conjugou a transmissão de dados

verbais com a comunicação através de imagens em movimento ou não, ela

inventou uma nova forma de leitura. Ela criou uma leitura

MULTISSEMIÓTICA (REFERE-SE AO QUE CONJUGA DIFERENTES FORMAS

DE LINGUAGEM: ESCRITA, ORAL, PICTÓRICA (IMAGEM), CINESTÉSICA

(IMAGEM EM MOVIMENTO), ETC.) , em que, ao mesmo tempo em que se lê,

se vê a imagem relacionada em movimento e, se quisermos, podemos escutar

essa mesma mensagem lida por um locutor. Por outro lado, diferentemente

da televisão, que nos enquadra em um sistema de passividade, que não

possibilita interatividade, podemos, se quisermos, interferir na notícia,

questionar o jornalista e verificar, sem sair do lugar, outras versões do

acontecimento. Podemos ainda enviar a notícia para amigos, especialistas,

para um grupo de discussão, confrontá-la cuidadosamente com outras fontes

de informação. Além disso, a notícia deixa de ser estanque na medida em que

ocorre uma desmaterialização de seu suporte. Ou seja, não há mais o papel

que imobiliza a notícia e que a faz durar 24 horas. Pela Internet é como se

lêssemos um jornal que se atualiza a cada momento acompanhando a

evolução dos acontecimentos.

Ser capaz de pensar sobre questões como essas deve ser parte da

competência do professor e ser igualmente objeto de trabalho e ensino em

sala de aula.

Uma visão discursiva da realidade da linguagem, ao levar em conta

fatores vitais como a subjetividade, a história e a heterogeneidade, a ordem

social, a VIDA DA LÍNGUA, como diz Bakhtin, torna o lidar com a mesma um

fazer que não se restringe à órbita do instrumental. Ou seja, ensinar a língua

não deve se restringir a adestrar o aluno na manipulação das estruturas

gramaticais, como se ensina um trabalhador a manejar uma máquina ou

uma ferramenta. Doutro modo, um ensino assentado numa perspectiva

81

Page 85: Analise Do Discurso- Apostila

discursiva deverá tornar o aluno capaz de opinar sobre as questões

linguageiras, mundanas e prosaicas do cotidiano discursivo, como os

estrangeirismos, as gírias, os preconceitos linguísticos, os deslizes

semânticos das autoridades, a nova feição midiática da gramática

tradicional, a reforma ortográfica, o português das novelas, o racismo verbal,

as manipulações discursivas efetuadas pelos meios de comunicação, a

política linguística para os índios, o problema do letramento e da

alfabetização, problemas de interpretação das leis, etc., questões que

envolvem a linguagem e que precisam ser pensadas como fatos da

discursividade.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO

Elaborar em equipe de no máximo 3 alunos uma aula de 50 minutos

sobre uma das três atividades discursivas abaixo:

- postar num grupo do Facebook um texto explicando qual a diferença

entre as tecnologias de transmissão de dados bluetooth e wi-fi;

- publicar num blog um texto de utilidade pública explicando as

vantagens e desvantagens do livro digital em relação ao livro comum;

- responder, em uma lista de discussão, a seguinte pergunta: alguém

sabe me explicar as vantagens da tecnologia blue ray em relação ao DVD?

Obs.: as atividades devem solicitar que os alunos pesquisem

previamente sobre os assuntos em questão, inclusive sobre os mecanismos

midiáticos implicados.

FÓRUM

ERRO DE PORTUGUÊS NÃO EXISTE! [8] - escritor e linguista

denuncia o preconceito linguístico e considera absurdo dizer que os

brasileiros não sabem português:

Leia no link acima entrevista com o linguista Marcos Bagno,

publicada na Revista Educação, n. 26, e discuta com o tutor e seus colegas

o tema “erro de português”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Finalizamos assim nosso curso, lembrando que se tratou apenas de

uma introdução à disciplina em que, para cada tópico abordado, abre-se

um universo imenso de estudos e pesquisas que o aluno pode desbravar. A

Análise do Discurso é uma disciplina nova entre os estudos da linguagem,

portanto, ainda com uma enorme quantidade de problemas a resolver.

Mas o campo está aberto e não faz sentido negá-lo por questões

corporativas, metodológicas ou de purismo científico. Esperamos que o

aluno tenha ficado motivado a se aprofundar cada vez mais no fascinante

mundo da discursividade.

82

Page 86: Analise Do Discurso- Apostila

REFERÊNCIAS

AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. “Heterogeneidade(s) enunciativa(s)”.

Trad. de Celene M. Cruz e João Wanderley Geraldi. In: CADERNOS DE

ESTUDOS LINGÜÍSTICOS 19, p. 25-42, jun./dez. 1990.

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ESTÉTICA DA

CRIAÇÃO VERBAL. 2a. ed. São Paulo : Martins Fontes, 1997.

“Heterogeneidade(s) enunciativa(s)” in CADERNOS DE ESTUDOS

LINGÜÍSTICOS 19 AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. UNICAMP. São

Paulo, 1990.

BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHÍNOV). MARXISMO E FILOSOFIA DA

LINGUAGEM. Hucitec. São Paulo, 1988.

BENVENISTE, Émile. “O homem na língua”, in PROBLEMAS DE

LINGÜÍSTICA GERAL. Pontes/Unicamp, Campinas, 1988.

BORDIEU, Pierre. A ECONOMIA DAS TROCAS SIMBÓLICAS.

Perspectiva. Perspectiva, 1987.

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Responsável: Professor Nelson Barros da Costa

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

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