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Capa

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AnaisIII Simpósio

em Práticas Interpretativas

UFRJ

2016

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ISBN 978-85-65537-13-1

AnaisIII Simpósio

em Práticas Interpretativas

UFRJ

2016PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA (PPGM)

Programa de Pós-Graduação Profissional em Música da UFRJ (PROMUS)ESCOLA DE MÚSICA DA UFRJ

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Créditos

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROReitor: Roberto Leher Vice-reitora: Denise Fernandes Lopez NascimentoPró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa: Leila Rodrigues da SilvaPró-Reitor de Graduação: Eduardo Gonçalves SerraPró-Reitora de Extensão: Maria Mello de Malta

CENTRO DE LETRAS E ARTESDecana: Flora de Paoli Faria

ESCOLA DE MÚSICADiretora: Maria José Chevitarese Vice-diretora: Andrea AdourDiretor Adjunto de Graduação: David Alves Diretor Adjunto do Setor Artístico: Marcelo Jardim Diretor Adjunto dos Cursos de Extensão: Ronal Silveira Coordenador do Curso de Licenciatura: Andrea AdourCoordenador do Programa de Pós-graduação em Música: Pauxy Gentil-NunesCoordenador do Programa de Pós-Graduação Profissional em Música: Aloysio Fagerlande

Edição: Aloysio FagerlandeProjeto gráfico editoração e tratamento de imagens: Francisco ConteCapa: Fernanda Esteves

SECRETARIA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA (PPGM)Beth Villela e Valeria PennaSECRETARIA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROFISSIONAL EM MÚSICA (PROMUS)Marta LisbôaSETOR DE COMUNICAÇÃO DA ESCOLA DE MÚSICAFabríca Medeiros, Fernanda Estevam, Francisco Conte e Meri Toledo FragaSETOR ARTÍSTICOFrancisca Marques, Jandia Backx, Rosimaldo Martina, Paula Buscácio e Suely Franco

Endereço para correspondência: Secretaia de Pós-graduação da Escola de Música da UFRJEdifício Ventura Corporate TowersAv. República do Chile, 33021o andar, Torre LesteCentro - Rio de Janeiro, RJBrasilCEP: 20.031-170Tel.: 55 21 2262-8742E-mails: [email protected] e [email protected]

REALIZAÇÃO APOIO INSTITUCIONAL

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Sumário

Apresentação 9

Recitais conferência

Ricardo VieiraOs princípios da música universal de Hermeto Pascoal como processo composicional de corpo presente num duo de harmônica e 7 cordas

13

Miguel GarciaPeças e arranjos para violão e acordeom

15

Daniela MesquitaKindertotenlieder: alguns aspectos de uma abordagem interpretativa

17

Jorge Ignacio Mathias A influência da cultura africana na música vocal do Brasil e Estados Unidos da América

19

Wesley GuedesA interação cênica no repertório clarinetístico: performance e análise crítica

21

Thiago Vieira Pereira A música de câmara brasileira para trompete e os desafios da otimização da performance

23

Philip Michael DoyleA trompa na obra de Heitor Villa-Lobos: excertos orquestrais e camerísti-cos – Os Choros

25

Paulo César Botelho de SouzaChoros originais para violão solo: João Pernambuco, Canhoto, Garoto e Dilermando Reis

27

Jeferson Luiz da Silva SouzaIniciação ao estudo da improvisação na música popular brasileira sob a orientação de Leandro Braga aplicada ao fagote

29

Felipe Clark PortinhoRitmos brasileiros no contrabaixo: o choro de Pixinguinha e Radamés

31

Mateus CeccatoSonata Op. 21 para Violoncelo e Piano, de Henrique Oswald: considerações interpretativas para a construção da performance

33

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Artigos

Daniel SeralePercussão teatral: conceito, abordagens e notação através de exemplos de obras de Mauricio Kagel

37

Samanta Adriele Neiva dos SantosEdição musical: conceitos e reflexões

45

Gladson Leone Rosa e Miriam GrosmanAvaliação: conceitos e possibilidades

53

Aleyson Mariano Scopel e Ana Paula da Matta M. Avvad Harmonia peregrina na obra para piano de Almeida Prado: estudo de caso na Nebulosa Planetária NGC3195 das Cartas Celestes XV

63

Flavio Leite CorreiaLiberdade na arte: três encontros com a ópera contemporânea brasileira

71

Eduardo Lucas da Silva e Maria José ChevitareseListagem de softwares de editoração de partituras

79

Janaina Botelho Perotto O Nonetto e as palhetas duplas na música de câmara de Villa-Lobos antes de Paris.

87

Sergio Vitor RibeiroO primeiro movimento da Sonatina Dodecafônica para dois violões de Marcos Alan, sob a ótica Tripartite (Nattiez): análise indutiva

97

Joab MunizProjetos sociais em música: uma revisão de literatura

107

Renata Ribeiro Athayde e Ana Paula da Matta Machado Avvad Sonata para violino e piano op. 36, de Henrique Oswald: uma edição práti-ca do segundo movimento da parte de violino

117

Raquel Santos Carneiro Quatro Peças Brasileiras – Maroca - para quarteto de fagotes (1983) de Francisco Mignone: proposta de edição crítica

129

Fabrício Malaquias AlvesSeverino Gazzelloni e a revalorização da flauta na Itália do século XX: a Gazzelloni-Musik

139

Fernando PereiraConceitos técnicos da escola germânica de violino do século XIX

149

Erika Suellen Machado Gama e Ana Paula da Matta M. AvvadA interpretação pianística do poema Einklang, de Nicolaus Lenau, em Alberto Nepomuceno

159

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 9

III Simpósio em Práticas Interpretativas

A REALIZAÇÃO do III Simpósio em Práticas Interpretativas UFRJ visa dar continui-dade ao processo de criação de parâmetros norteadores para uma melhor inserção das práticas interpretativas nos cursos de pós-graduação em música, através de um evento que explore diversos formatos de apresentação de resultados de investiga-ções – acadêmicas, artísticas e processuais –, fortalecendo e consolidando seu papel dentro dos programas de pós-graduação em música.

Dezembro de 2016Professor Dr. Pauxy Gentil-Nunes, coordenador do PPGM

Professor Dr. Aloysio Fagerlande, coordenador do PROMUS

Comissão OrganizadoraProfessor Dr. Pauxy Gentil-NunesProfessora Dra. Midori MaeshiroProfessora Dra. Ana Paula da Matta Machado AvvadProfessor Dr. Aloysio Fagerlande

Comissão de PareceristasProfessor Dr. Luis Carlos Justi (UNIRIO)Professor Dr. Lucas Robatto (UFBA)Professora Dra. Miriam Grosman (UFRJ)Professor Dr. Paulo Sá (UFRJ)Professora Dra. Ana Paula da Matta Machado Avvad (UFRJ)Professora Dra. Midori Maeshiro (UFRJ)

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Recitais Conferência

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 13

Os princípios da música universal de Hermeto Pascoal como processo

composicional de corpo presente num duo de harmônica e 7 cordas

O NOSSO trabalho tem como objetivo apresentar a relação estabelecida entre alguns princípios da música universal proposto por Hermeto Pascoal e o processo composicio-nal e interpretativo de três peças para duo de harmônica e violão de 7 cordas. Além disso, visamos explanar sobre como o processo ocorre segundo o método de corpo pre-

sente. Metodologicamente, fazemos alusão ao primei-ro (a harmonia é a mãe da música, o ritmo é o pai e a melodia ou o tema é o filho), terceiro (bom gosto não se aprende na escola), décimo--quarto (a prática é quem manda) e décimo-quinto (é preciso usar a teoria a favor

da música). De fato, tudo acontece no momento em que nos encontramos enquanto duo de harmônica e violão de 7 cordas. O repertório proposto para apreciarmos as ideias aci-ma citadas é composto por três peças autorais intituladas de Marco, Taieira e Estrella So-litaria, escolhidas pelo fato destas se apoiarem no terceiro princípio da música \ universal de Hermeto. Todo e qualquer elemento da teoria e estruturação musical foi resultado da prática, corroborando com Borém e Araújo, em que favorecendo a prática, e não a teoria, na sua rotina musical, Hermeto alcançou um nível criativo em que a improvisação tornou-se muito próxima da composição

Ricardo VieiraUFS – [email protected]

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 15

Peças e arranjos para violão e acordeom

O PRESENTE trabalho apresentará três arranjos e quatro peças compostas para duo de violão e acordeom. Embora esta formação seja importante na tradição cultural brasileira, utilizada por músicos renomados como Dominguinhos, Yamandu Costa, Raphael Rabello, Chiquinho do Acordeom, ainda é pequeno o repertório para esta instrumentação. As

peças estão sendo compos-tas buscando influência no universo dos ritmos popu-lares brasileiros, retraba-lhados em uma linguagem contemporânea, onde estão presentes, por exemplo, téc-nicas não ortodoxas e influ-ências provenientes de ou-tras linguagens musicais. A

divulgação das obras e a ampliação da literatura para o duo são os principais objetivos do projeto. Aqui serão destacadas as referências utilizadas nas composições e nos arranjos, os procedimentos do processo de composição e a metodologia adotada para alcançar os resultados propostos.

Miguel GarciaUFRJ – [email protected]

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 17

OS KINDERTOTENLIEDER de Gustav Mahler (1860-1911) são um ciclo de cinco canções sobre textos de Friedrich Rückert (1788-1866), escolhidos da coletânea de poemas de título homônimo, poemas estes concebidos como uma elaboração do luto vivido pelo escritor em consequência da perda de dois de seus filhos. Mahler, que também havia

perdido vários de seus ir-mãos quando jovem, trata da superação da morte, musicando exclusivamen-te, dentre estes textos, os que discorrem a respeito de temas sobre a luz. Este trabalho pretende abordar alguns aspectos relativos ao texto literário de Rückert,

que serviram de fundamentação para a construção de uma linha interpretativa da obra supracitada, na qual, assim como fez o compositor, o foco se concentra na compreensão e declamação adequada do texto.

Daniela MesquitaUFRJ – [email protected]

Kindertotenlieder: alguns aspectos de uma abordagem interpretativa

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 19

A influência da cultura africana na música vocal do Brasil e Estados Unidos da

América

SE A MÚSICA é a expressão da cultura de um povo, nada mais lógico do que se utilizar dela para melhor compreender a formação cultural de um país. Este recital/conferência propõe um resgate das origens da influência africana na música vocal do Brasil e dos Estados Unidos da América, através de um repertório calcado tanto em canções exe-

cutadas pelos próprios es-cravos, quanto em músicas escritas por compositores interessados em ilustrar as condições de vida do negro nas colônias, mostrando que os fatores que inspiram a produção musical e seu con-texto histórico estão sempre interligados, passando por

questões sociais, políticas, econômicas, culturais e religiosas. E o entendimento destas questões é vital para o aprimoramento das práticas interpretativas no processo de de-senvolvimento artístico do músico. Este trabalho justifica-se por explicitar a necessidade da pesquisa aplicada na busca de uma melhor e mais completa formação profissional do intérprete. Além disso, por dar a devida importância às raízes africanas, que deram origem e influenciaram diversos estilos, como por exemplo o samba, o maracatu, o blues e o jazz, e que muito contribuíram para a história da música, tanto no campo erudito, quanto no popular.

Jorge Ignacio MathiasUFRJ- [email protected]

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 21

A interação cênica no repertório clarinetístico: performance e análise crítica

Weslley GuedesUFRJ – [email protected]

O PRESENTE trabalho aborda uma proposta de apresentação de um repertório cla-rinetístico, no qual elementos gestuais e cênicos são atrelados às demandas artísticas contidas em obras criteriosamente selecionadas. O objetivo central da pesquisa reside na realização de um recital camerístico, com duas obras, After you, Mr. Gershwin de Béla

Kovács e o Concerto para Clarineta e Piano op. 116 de Ernst Widmer, obras nas quais abarcam os elementos supracitados, originalmente concebidos (música e ges-tual/cena) por cada compo-sitor. A utilização de referen-ciais teóricos e audiovisuais está sendo de grande impor-

tância para esta investigação em andamento. Vislumbra-se, com o transcorrer da presen-te pesquisa, não apenas validar a relevância do repertório abordado, bem como a real perspectiva de desenvolvimento artístico encerrada em sua realização, face ao rigoroso domínio sobre aspectos relativos à emissão do som, a técnicas expandidas e à comunica-ção artística demandada neste contexto.

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 23

A música de câmara brasileira para trompete e os desafios da otimização da performance

A PRODUÇÃO musical brasileira para trompete remonta ao século XIX, impulsionada, so-bretudo, por Henrique Alves de Mesquita, exímio trompetista. Desde então, o trompete vem ganhando um repertório cada vez mais extenso e significativo. Nota-se, entretanto, que tal produção ainda se revela diminuta quando comparada ao catálogo de outros instrumen-

tos de sopro, por exemplo. Soma-se a isso a escassez de registros fonográficos, edi-ções e veiculação da produ-ção existente. O projeto aqui apresentado abarca uma ampla pesquisa que culmina no registro, em CD, de um representativo repertório ca-merístico, englobando distin-

tas linguagens e formações. Para o presente trabalho selecionamos uma obra de Mesquita, além de composições de Oswaldo Lacerda e Raul do Vale, trabalhos os quais farão parte do registro supracitado. Além da busca por valorização e divulgação do trompete e seu reper-tório, o presente projeto visa destacar a importância do desenvolvimento de ferramentas cognitivas efetivamente voltadas à otimização de performance.

Thiago Vieira PereiraUFRJ – [email protected]

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 25

O OBJETIVO principal deste trabalho é apresentar resultados parciais de minha pes-quisa sobre excertos orquestrais e camerísticos para trompa de Heitor Villa-Lobos. O resultado final será um método em que apresentarei trechos selecionados de obras do compositor, acompanhado de comentários críticos e sugestões interpretativas. Estes

serão baseados em minha experiência profissional de mais de trinta anos como camerista e primeiro trom-pista das principais orques-tras cariocas. Com isto, pre-tenderei desenvolver uma ferramenta que auxilie o aluno de trompa na sua pre-paração para audições nas

orquestras sinfônicas, além de fornecer informações que possam ser úteis a diversos outros perfis de trompistas interessados nesse repertório. Para este recital-conferência apresentarei excertos da série dos Choros, composta na década de 1920: Choros n. 3, Choros n. 4 e Choros n. 6, com as respectivas questões interpretativas.

Philip Michael DoyleUFRJ – [email protected]

A trompa na obra de Heitor Villa-Lobos: excertos orquestrais e camerísticos – Os

Choros

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 27

Choros originais para violão solo – João Pernambuco, Canhoto, Garoto e Dilermando

Reis

O PRESENTE trabalho é um recorte de uma pesquisa em andamento que tem por ob-jetivo a organização e desenvolvimento de um método de violão brasileiro, evidenciando nossos violonistas compositores e suas raízes culturas. Nosso estudo histórico, sistemáti-co e analítico da trajetória do violão na música brasileira, e sua relação com os períodos e

gêneros musicais, apontam como pioneiros e funda-mentais para a constituição de um repertório popular solista: João Pernambuco; Canhoto; Garoto e Diler-mando Reis. Eles ampliaram os limites do instrumento possibilitando a assimilação de um novo repertório, ex-

pandindo seus conhecimentos para além dos paradigmas tradicionais. Apesar da estreita relação entre violão e choro, choros originais para violão solo não representam os pilares do gênero.

Paulo César Botelho de Souza UFRJ – [email protected]

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 29

O FAGOTE é um instrumento naturalmente usado para a música de concerto, raramen-te utilizado na música popular brasileira. Toda a educação superior para o instrumento é voltada para a carreira orquestral, música de câmara e solista, ligadas a música de con-certo. Uma das principais ferramentas para a atuação do músico popular é sua capa-

cidade de improvisar. Este trabalho tem como objetivo apresentar a iniciação ao estudo da improvisação na música popular brasileira, demonstrando possibilida-des e meios de aprendizado da improvisação, através de métodos criados pelo pia-nista e compositor Leandro

Braga. Todos os exemplos apresentados serão desenvolvidos a partir de composições do próprio Leandro Braga.

Jeferson Luiz da Silva SouzaUFRJ – [email protected]

Iniciação ao estudo da improvisação na música popular brasileira sob a orientação

de Leandro Braga aplicada ao fagote

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 31

Felipe Clark PortinhoUFRJ – [email protected]

Ritmos brasileiros no contrabaixo: o choro de Pixinguinha e Radamés

O PRESENTE trabalho propõe demonstrar como dois grandes vetores do choro escre-viam para o contraponto grave, os compositores Alfredo da Rocha Vianna Filho, conheci-do como Pixinguinha, e Radamés Gnattali. Com suas obras podemos “descongelar” a for-ma de tocar dos anos 1920/30, e que foi largamente difundida e copiada pelos chorões

no século XX. Pixinguinha escrevia para oficleide ou tuba, e Radamés já escrevia para o contrabaixo desde os anos de 1930, quando ficou à frente da Rádio Mayrink Veiga e Rádio Nacional.

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 33

Sonata Op. 21 para Violoncelo e Piano, e Henrique Oswald: considerações

interpretativas para a construção da performance

O PRESENTE trabalho tem como objetivo a elaboração das sugestões técnico-interpre-tativas relacionadas a fatores como caráter, fraseado, dinâmica e sonoridade da parte do violoncelo, a partir da análise dos principais procedimentos estruturais, utilizados por Henrique Oswald (1852-1931) em sua Sonata Op. 21, para violoncelo e piano. Oswald é

um dos principais composi-tores do período romântico brasileiro e boa parte de sua obra foi dedicada à música de câmara. Por ter vivido grande parte de sua vida na Itália, faz-se necessário com-preender a sua vasta produ-ção musical sob uma pers-pectiva europeia, da qual

sofreu influência direta de sua cultura musical, tornando-se compreensível, dessa forma, a escassez de marcas de brasilidade em suas composições. Composta provavelmente em 1897, em Florença, a Sonata Op. 21 possui três movimentos contrastantes: Allegro Agitato, Romanza, e Molto Allegro. Baseado em Lester e Rink (1995), observaremos de que modo a análise dos elementos estruturais referenciados irá elucidar as escolhas in-terpretativas fundamentais para a construção da performance.

Mateus Ceccato UFRJ – [email protected]

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Artigos

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Anais do III Simpósio de Práticas Interpretativas 37

Percussão teatral: conceito, abordagens e notação através de exemplos de obras de

Mauricio Kagel

Resumo: O texto aqui apresentado é o resultado parcial de uma pesquisa em andamen-to, cujo objeto de estudo é a obra de Mauricio Kagel na percussão teatral, com foco nas peças para um percussionista. O presente trabalho apresenta e define o termo no contexto do teatro instrumental, expõe as diversas abordagens utilizadas por Kagel para combinar os aspectos visuais e acústicos da performance numa ação conjunta acústico--visual, e como isso é logrado através do uso de diferentes tipos de notação. Finalmente são analisados os desafios e consequências que este repertório, fora dos padrões tradi-cionais de concerto, traz para o intérprete e para o público.Palavras-chave: Percussão teatral. Mauricio Kagel. Teatro instrumental. Performance.

Percussion theater: concept, approaches and notation through the example of works by Mauricio KagelAbstract: The text presented here is a partial result of a research in progress, which ob-ject of study is the work of Mauricio Kagel on percussion theater, focusing on the pieces for one percussionist. The present work introduces and defines the term in the context of instrumental theater, exposes the different approaches used by Kagel to combine the visual and acoustic aspects of performance in a joint acoustic-visual action, and how this is achieved through the use of different types of notation. Finally, we analyze the chal-lenges and consequences that this repertoire, outside of traditional concert standards, brings to the interpreter and the audience.Key-words: Percussion theater. Mauricio Kagel. Instrumental theater. Performance.

O termo

Percussão teatral é um termo utilizado para reunir o conjunto de obras para percussão que comportam, em sua performance, o emprego de elementos teatrais. Peças deste tipo existem, na música de concerto, há mais de cinquenta anos, ainda que na época não fossem catalogadas sob esse nome. Um exemplo é Pas de cinq, para cinco atores ou percussionstas, composta por Mauricio Kagel em 1965. Outras peças seminais do gênero foram compostas na década seguinte para o Trio le Cercle,

Daniel Serale UFRJ – [email protected]

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grupo francês de intérpretes11 que conseguiu consolidar um repertório no qual se destacam: Dressur (1976), também de Kagel; Toucher (1978) e Corporel (1985), de Vinko Globokar; e Le corps à corps (1978) e Le guetteurs du som (1981), de Georges Aperghis. Nos Estados Unidos, o compositor mais citado nos trabalhos sobre per-cussão teatral é Stuart Saunders Smith, com obras como Songs I-IX (1980), Tunnels (1982) e ... And points North (1990). No Brasil podemos mencionar as peças de Tim Rescala para conjunto, Bravo! (1989) e A dois (1992); e as peças para um per-cussionista22 Cenas sugestivas (1985) de Carlos Kater, Canção simples de tambor (1990) de Carlos Stasi, Le cru et le cuit (1994) de Jorge Antunes, e Sonhos (2007) de Arthur Rinaldi.

Olhando retrospectivamente, a existência do repertório antecede ao termo. A expressão percussão teatral é relativamente nova. No âmbito acadêmico, esta ca-tegoria apareceu em um artigo de Steven SCHICK de 1995 como “percussão como teatro” (percussion as theater). Em 2012, Julie STROM titula sua tese doutoral The-ater Percussion, e começa dizendo que este é um gênero “ainda sem nome”. No mesmo ano, a expressão aparece em sua forma atual e mais usada no DVD Salve a Percussão Teatral (Save Percussion Theater), da percussionsita Aiyun Huang, que inclui algumas das peças mencionadas no parágrafo anterior. Fixando o termo, a editora Cambridge acaba de publicar, dentro da sua coleção Companions, um livro dedicado à percussão, com um capítulo da própria HUANG (2016) titulado Percus-são teatral: o drama da performance.

Em um contexto coloquial, porém, o termo foi utilizado previamente, e apa-rece no jornal The New York Times, em uma matéria sobre o show do percussionista David Van Tieghem em 1987. Na ocasião, o artista manifestou: “Eu chamo o que faço de percussão teatral, ou algo parecido. Tenho um par de mesas cheias de instrumen-tos de percussão, brinquedos e acessórios. Uso algumas fitas pré-gravadas, algo de movimento e algumas coisas engraçadas também.” (PARELES, 1987).

O conceito e o contexto

Som e ação. As dimensões acústica e visual encontram-se ligadas na obra musical por relações de causa e efeito. Visão e audição são, de fato, o centro das artes performáticas. Os dois “sentidos públicos” - como os descrevera John Cage - se

1 Formado por Willy Coquillat, Jean-Pierre Drouet e Gaston Sylvestre.2 Objeto de estudo da minha dissertação de Mestrado Performance no Teatro Instrumen-

tal: o repertório brasileiro para um percussionista. Rio de Janeiro, 2010. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

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combinam para criar um evento simultâneo e compartilhado por todos (Fetterman, apud. pittenger, 2010:2). Neste sentido a música, além de som, é gesto, ação e te-atro. A utilização consciente dos elementos visuais na composição da música de concerto deu origem ao denominado teatro instrumental. E, como aponta Kaylie DUNSTAN (2015), a percussão teatral repousa, histórica e conceitualmente, na prá-tica do teatro instrumental.

Esta expressão foi proposta pelo compositor Mauricio Kagel, num artigo de 196333, com o intuito de estabelecer uma diferenciação entre as noções de teatro musical, por um lado, e teatro instrumental, pelo outro. Segundo o autor, o teatro musical está baseado nas características da ação cantada herdeira da ópera, en-tanto que no teatro instrumental, é o instrumentista quem tem uma participação teatral. Aqui o compositor trabalha com outros materiais além do som, e aplica seu pensamento musical ao pensamento cênico teatral. Luz, movimento e palavras são articulados da maneira similar às notas, os timbres e os tempos. Na introdução da partitura de sua peça Pas de cinq, Kagel anotava: “... as acepções que podem ser encontradas no dicionário sob o termo ‘composição’ (compor: ‘juntar várias coisas para construir uma’) devem ser aceitas e conscientizadas tanto quanto a definição estrita de composição musical.” (2011:116, grifo do autor). De forma análoga, o in-térprete adquire um papel que vai além da mera execução instrumental e estende suas habilidades através da incorporação de movimento corporal, gestualidade, tex-to, ou uma combinação deles.

O palco, o espaço de apresentação é, na música e no teatro, basicamente o mesmo. Mas o músico, a diferença do ator, se caracteriza por ter uma atitude realis-ta frente ao público e uma relação concreta respeito ao material com que trabalha. No teatro instrumental não se geram ilusões, não se descreve, não se narra uma história. O aspecto teatral e gestual devém dos movimentos próprios da execução instrumental. Portanto, não se trata de forçar ao músico a se fazer de ator, mas de estimular suas habilidades expressivas a fim de alcançar uma interpretação marcada por sua individualidade. As ações do intérprete combinam o sonoro e o visual, e confrontam o tempo das ações teatrais com o das musicais. Isso permite alcançar “complexidades gestuais absolutamente únicas” (Kagel, 1983:128), desenvolvendo simultaneamente várias dramaturgias que não se produziriam a partir só do teatro ou só da música.

3 Qu’est-ce que le thèâtre instrumental? Publicado em francês em 1983 no livro Tam-tam. Monologues et dialogues sur la musique, traduzido do original em alemão de 1975 re-unindo vários textos do autor.

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Abordagens

Como demonstra Björn HEILE (2006), as duas primeiras peças de Kagel no teatro instrumental, Sonant e Sur scène, ambas compostas em 1960, exploram a relação dos aspectos visuais e acústicos partindo de princípios opostos. Em Sonant, a música resulta das técnicas envolvidas na execução instrumental. Kagel utiliza as ações físicas sobre os instrumentos e compõe com elas. Desta forma, gestos e mo-vimentos ficam ao descoberto, transformando a execução instrumental em ações teatrais. Em Sur scène, pelo contrario, a performance musical é apresentada em um contexto quase teatral. Situações que comunmente fazem parte do ritual de concerto estão aqui prefixadas e compostas conscientemente. Assim, a percepção da performance é alterada. Ou seja, se os músicos estão simplesmente tocando ou fazendo-como-se tocassem, não se sabe ao certo. Apagam-se as diferenças entre performance musical e teatral, se diluem as distinções entre escuta “semântica” e “estética” (HEILE, 2006:39) e a obra pode ser percebida e experimentada combinan-do ou alternando ambos os sentidos.

Além das diferenças que possa haver entre estas duas abordagens, o que têm em comum é a não distinção entre performance musical e ação teatral. A ênfase reside na percepção corporal e holística da experiência de concerto.

O percussionista Ross KARRE (2009) refere-se às diferentes formas de rela-ção entre o visual e o sonoro na obra musical, a partir do que denomina Caminho de Motivação (Motivation Path). De modo semelhante, e referindo-se também à obra de Kagel, reconhece dois caminhos utilizados com maior frequencia: Um é Som-a-ção-drama, onde o principal motivo para executar determinada ação é o resultado sonoro, sendo o movimento e a ação dramática consequências da primeira (como em Sonant). Outro, Drama-ação-som, onde o desenrolar de uma ação principalmen-te teatral é o motivo para uma ação que terá consequências sonoras (como em Sur scène). Mas, em obras posteriores, Kagel também apresenta de forma inovadora, Ação-som-drama ou Ação-drama-som, onde as instruções e motivações para o in-térprete são claras, mas cujo resultado é percebido pelo público de forma diversa, frequentemente “ambígua e absurda” (KARRE, 2009:8).

Estes diversos Caminhos de Motivação, continuando com o vocabulário de Karre, manifestam-se de forma paradigmática na obra Staatstheatre, de 1970. Re-sultado de uma década de constante desenvolvimento e teste de ideias teatrais, vários autores concordam em afirmar que esta “antítese da grande ópera” (Heile, 2006:57) representa o ápice do trabalho músico-teatral de Kagel. Com o subtítulo de música cênica, Staatstheater se desenvolve em uma série de ações independentes

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e simultâneas, executadas em ordem arbitraria. E o único meio pelo qual as ações cênico-musicais são compostas – no sentido de ‘juntar várias coisas para construir uma’ - e transmitidas aos intérpretes, é a notação da partitura musical. A mesma consta de mais de 350 ações específicas, descritas detalhadamente combinando no-tação tradicional, desenhos e texto.

Notação

A notação tradicional da música ocidental é, em sua raiz, descritiva. Ela indi-ca o resultado sonoro desejado através da coordenação de variáveis independentes, não os meios para alcançá-lo. A liberdade da interpretação está na execução técnica, nas ações para alcançar esse resultado. A evolução das técnicas instrumentais, como modo de padronizar a produção de som, tem sido recíproca à evolução da notação. A notação musical é, portanto, a codificação simbólica dessas técnicas padronizadas. A alternativa é uma notação prescritiva, na qual se aplica o sentido inverso, ou seja, a liberdade está no resultado sonoro, não nas ações.

Em Staatstheatre, Kagel combina na partitura elementos descritivos e pres-critivos para criar ações complexas. Como expõe Christofer Fisher-Lochhead (2011), cada uma dessas ações é determinada por quatro elementos:

• notação musical (simbólica, descritiva).• instruções textuais (simbólica, prescritiva).• representação gráfica (imagem, descritiva).• epigrama.

Através da coordenação destes tipos qualitativamente diferentes de nota-ção, é alcançada uma interação entre determinação e indeterminação. Ao construir a indeterminação nas próprias ações, Kagel garante uma execução espontânea que contribui para a imediatez do gesto, o sentimento de presença em vez de represen-tação. No Ex.1, tomado de uma das nove seções que integram Staatstheater, de-nominada Spielplan, música intrumental em ação, podemos reconhecer os quatro tipos de notação: o gráfico, representando um lavatório com mesinha, bacia, jarra e copo; a notação musical, com os símbolos de modos de execução; as instruções textuais; e o epigrama, neste caso, Pilatus.

O texto de cada ação consiste em instruções simples e práticas para sua exe-cução. Não se faz menção a referenciais ou simbolismos extramusicais. O único lugar que tal referência é feita é no epigrama, o qual consiste em uma palavra ou frase curta que sugere as ressonâncias simbólicas da ação. “O fato de cada ação compor-

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tar um epigrama combinado com as sugestões de Kagel sobre a junção das ações, indica que ele foi motivado por (ou pelo menos ciente de) suas possíveis conotações extramusicais” (FISHER-LOCHHEAD,2011:6).

Neste contexto, é interessante destacar também o que Falk HÜBNER (2010) propõe como “abordagem reducionista”. Realmente, no teatro instrumental o in-térprete é desafiado a se tornar mais consciente da fisicalidade do próprio corpo e do espaço de encenação. Também a lidar com situações que extrapolam a execu-ção instrumental tradicional. Por tais razões é frequente dar ao teatro instrumental um tratamento expansivo, ou seja, o intérprete torna-se também ator, cantor ou bailarino. Sem deixar de ser certo, isto não se aplica à totalidade dos casos, e pode desencorajar a certos músicos a abordar este tipo de repertório. Em contraposição, como visto nos exemplos prévios, na abordagem reducionista o intérprete não é exigido a adquirir novas habilidades, pelo contrário. Ao ser impossibilitado de usar os instrumentos específicos da sua profissão, e recontextualizar ações simples ou mesmo cotidianas, o músico se defronta com outro tipo de problemas. O público o vê não desempenhando as tarefas habituais (nem para um, nem para o outro). Con-cordando com HÜBNER, as abordagens expansiva e redutiva, são conceitos de tra-balho cênico “capazes de transformar aos músicos em intérpretes teatrais, embora que com estratégias, processos de trabalho e resultados artísticos completamente diferentes” (2010:68-9).

Ex.1. Staatstheater, Spielplan: Pilatus.

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O pensamento cênico e as ideias manifestas em Staatstheater continuaram presentes em futuras peças do autor. Especificamente, no caso da percussão tea-tral, a peça Semikolon, ação com bombo, de 1999, possui as mesmas características. Uma ação direta, curta, cujos componentes cênicos, acústicos e visuais, estão com-postos numa partitura que combina diferentes tipos de notação.

Semikolon é simplesmente, como indica seu subtítulo, uma ação com bom-bo de aproximadamente dois minutos, que pode ser realizada no inicio ou no inter-valo de um concerto. A partitura, de uma página, é basicamente a descrição desta ação: O intérprete no palco, sentado na posição de loto sobre uma almofada frente a um bombo. Do lado, sobre outra almofada, uma grande baqueta. O intérprete aguarda imóvel com os olhos fechados até o público se acomodar em seus lugares. Em seguida, ainda com os olhos fechados, toma a baqueta e a levanta lentamen-te. Prepara o golpe, mas, surpreendentemente, não toca o bombo e a baqueta cai sobre a almofada, produzindo um som abafado. Imediatamente o intérprete abre os olhos e fica estático. Nesse instante se escuta o toque de um bombo, o qual foi gravado previamente, sendo reproduzido por alto-falantes ocultos para o público. Longa pausa. Relaxamento.

Considerações finais

Os exemplos expostos neste trabalho mostraram que não é raro ver, em obras de percussão teatral, e de teatro instrumental em geral, um músico no palco que não está tocando música em um sentido tradicional; embora esteja se comuni-cando de um modo e com um código musical. Surgem comumente, então, questio-namentos do tipo: É um músico quem faz isso? É isso música? O que é realmente um músico? Perguntas que estão além do escopo deste trabalho. O interesse aqui é refletir e analisar as diversas possibilidades de abordar a interpretação de uma obra, a fim de construir uma performance capaz despertar no público esses mesmos questionamentos. Ou seja, conseguir que o público esteja envolvido durante a per-formance ativamente, de modo reflexivo.

A percussão teatral demanda um equilíbrio entre ver e ouvir. Este engaja-mento de múltiplos níveis de percepção impele no espectador uma passagem do papel passivo de apenas assistir à função ativa de refletir. Peças como Semikolon demonstram que a reflexão pode ser causada pelo estranhamento, pelo absurdo, pela ironia ou pelo humor, de modo que não exista um rechaço inicial por parte do público, mas apenas um distanciamento crítico com os padrões conhecidos. A relação com o público se estende em subjetividades, já não é só o que acontece no palco, mas como é percebido o que está acontecendo. Os desafios que enfrenta o

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intérprete na performance, trasladam-se, por meio da presença e a imediatez da ação, aos espectadores, instigando suas expectativas e padrões de reconhecimento. Desta forma, na percussão teatral o público se envolve no ato criativo e forma parte da experiência.

Referências

DUNSTAN, Kaylie. Percussion and theatrical techniques: an investigation into per-cussion theatre repertoire and its presence in Australian classical music. Dis-sertação (Mestrado em Música) - Universidade de Sidney, Austrália, 2015.

FISHER-LOCHHEAD, C. Mauricio Kagel’s Staatstheater. 2011. Disponível em <http://www.cflmusic.com/wpcontent/uploads/2011/09/Staatstheater.pdf> Aces-so em: 11 nov. 2016

GRIFFITHS, Paul. Modern music and after: directions since 1945. 2.ed. Londres: Ox-ford University Press, 1995.

HEILE, Björn. The music of Mauricio Kagel. Aldershot: Ashgate, 2006.HUANG, A. Percussion theater: the drama of performance. In: Hartenberger, Russell.

The Cambridge companion to Percussion. Cambridge: Cambridge University Press, 2016.

______SAVE PERCUSSION THEATRE. Aiyun Huang e Brian Brandt. DVD (128 min). Nova York, Mode Records: 2012.

HÜBNER, F. Entering the stage – Musicians as performers in contemporary music theater. New sound. Belgrado, 36/II p 63-74, 2010.

KAGEL, Mauricio. Tam-tam: monologues et dialogues sur la musique. Paris: Christian Bourgois, 1983.

______ Palimpsestos. Tradução de Carla Imbrogno. Buenos Aires: Caja negra, 2011.______Spielplan. In: Staatsthetaer. Viena: Universal, 1971. Partitura.KARRE, Ross P. The media frame: the theory and practice of integrating a variety of

production protocol in modern experimental temporal art. Tese (Doutorado em música). Universidade da California, San Diego, 2009.

PARELES, Jon. Perfecting Percussion Theater. The New York Times. Nova York, 29 jul. 1987, Artes.

PITTENGER, Elise. Visible Music: instrumental music theatre. Montreal. Tese (Douto-rado em música). Escola de música Schulich, departamento de performance, Universidade McGill, Montreal, 2010.

SCHICK, Steven. Multiple percussion. In: Beck, John H. (Ed.). Encyclopedia of percus-sion. New York: Garland, 1995, p.257-263.

STROM, Julie. Theater percussion: developing a twenty-first-century genre through the connection of visual, dramatic and percussive arts. Tese (Doutorado em artes) - Universidade de North Colorado, Greeley, Estados Unidos, 2012

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Edição musical: conceitos e reflexões

Samanta Adriele Neiva dos SantosUFRJ – [email protected]

Resumo: Apesar do importante papel desenvolvido pela prática editorial, são escassas as reflexões metodológicas que permeiam seus fundamentos e aplicações. Nesse sen-tido, o presente trabalho presta-se como auxílio na divulgação dessa temática, apre-sentando um panorama de discussões já realizadas e alguns conceitos desenvolvidos a partir dos princípios de edição musical à luz de importantes musicólogos como Carlos Alberto Figueiredo (2000) e James Grier (2008), propiciando a circulação de informa-ções e despertando maior interesse envolvendo essa temática.Palavras-chave: Edição musical. Música brasileira. Carlos Alberto Figueiredo. James Grier.

Music Editing ConsiderationsAbstract: Despite the important role played by editorial practice,the methodological reflections that permeate its foundations and applications are scarce. In this sense, the present work lends itself as an aid in the diffusion of this theme, presenting a panorama of discussions held and some concepts developed from the principles of musical editing in the light of important musicologists like Carlos Alberto Figueiredo (2000) and James Grier (2008), thus facilitating the circulation of information, thus raising greater interest in this issue.Key-words: Music edicion. Brasilian music. Carlos Alberto Figueiredo. James Grier.

Introdução

O tema edição musical é de grande importância para o meio musical, so-bretudo no Brasil, onde as publicações pertinentes a esse assunto são limitados, além de pouco disseminados as técnicas e conceitos desenvolvidos pelos estudos musicológicos que abordam este tema em nível internacional. Apesar de possuir uma grande riqueza em obras musicais, boa parte do material produzido por com-positores nacionais segue longe do alcance de músicos intérpretes, estudiosos e pesquisadores, que muitas vezes devido à dificuldade de acesso à obra, à falta de divulgação, ou a precariedade do material encontrado, permanecem inéditos ou são deixados de lado de programas de recitais e concertos.

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Geralmente estas obras ainda manuscritas, são guardadas em bibliotecas públicas bem como em coleções particulares, dessa forma acabam sendo divulgadas apenas através dos manuscritos do próprio compositor, ou ainda por cópias caseiras e não autorizadas. Na maioria das vezes, os materiais encontrados estão em más condições de uso, possivelmente contêm erros provenientes de diversos fatores, ou não tiveram uma edição cuidadosa, com alguma credibilidade devido à falta de critérios definidos para a escrita da partitura. A esse respeito, Fiorini destaca que:

Após uma música ser composta, não basta apenas que tenha qualidade e seja executada por quem a encomendou para que se torne conhecida e passe a ser requisitada por vários intérpretes. Ao contrário, excelentes obras são com-pletamente esquecidas ou mesmo desconhecidas. [...] qualquer peça deve apresentar-se da forma mais inteligível e direta possível para que possa atrair o intérprete, ou seja, uma partitura editada com a devida clareza que permita seu entendimento e a realização de tudo o que foi planejado e desejado pelo compositor, sem erros ou anotações confusas (FIORINI, 2011, p.18).

Há iniciativas para a publicação de partituras no Brasil, como exemplos pode-mos citar, a Academia Brasileira de Música, localizada na cidade do Rio de Janeiro, e trabalha para a preservação da memória nacional, além da Editora Criadores do Brasil da Osesp, em São Paulo, que tem como objetivo, promover a recuperação e posterior-mente a publicação do repertório musical brasileiro. Nesse sentido, Bortolossi destaca que ainda assim, tais iniciativas não contemplam a abrangência necessária para a tarefa:

[...] há uma evidente necessidade na realização de estudos e revisões críticas destes repertórios, o que viabilizará, por bem, uma melhor compreensão de sua abrangência e possibilitará aos poucos sua divulgação, consolidando-se como objeto de estudos musicológicos e também como repertório viável para execução em concertos (BORTOLOSSI, 2007, p. 12).

Edição Musical

No intuito de compreender melhor esse assunto, utilizaremos como prin-cipais referenciais teóricos James Grier, autor do livro La Edición Crítica de música: historia, método y práctica (2008), que trata dos princípios da edição musical, ana-lisando a história da prática editorial, além de propor um modelo teórico para uma metodologia crítica. Apresenta ainda as diversas atividades inerentes à edição mu-sical, incluindo as tarefas do editor, a natureza das fontes musicais e as abordagens adotadas pelo autor para executar várias edições musicais e críticas de edições feitas por outros especialistas.

Utilizaremos também a Tese de Doutorado de Carlos Alberto Figueiredo, in-titulada Editar José Maurício Nunes Garcia (2000). O trabalho discorre sobre os dife-

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rentes tipos de edição e algumas das dificuldades do processo editorial, tais como: problemas de datação dos manuscritos, localização de manuscritos desaparecidos, determinação da autenticidade, divergências e ambiguidades das fontes, além de apresentar os principais procedimentos metodológicos utilizados para solucionar tais problemas: crítica das variantes, crítica textual, crítica genética e crítica da re-cepção.

Entendamos primeiramente o que é uma edição musical. Inicialmente, bus-camos o conceito de edição no The New Grove Dictionary of Music and Musicians, definindo como “a arte de prepara-la para a publicação, especialmente música com-posta por alguém diferente do editor1” (BÉHAGE, 1980, p. 839). Para estabelecer o conceito de edição, Figueiredo conjuga duas definições do termo editar. A primeira sugerida por Larousse de Poche (1954) sugere que o resultado do ato de editar é um “conjunto de exemplares de um livro impresso a partir da mesma composição tipográfica” (apud FIGUEIREDO, 2000, p.80). A segunda é encontrada no Webster Dictionary, que define edição como “revisar e preparar para uma publicação” (apud FIGUEIREDO, 2000, p. 80). A partir da apresentação desses dois conceitos, o autor afirma que “uma edição resulta num texto, fruto da pesquisa e da reflexão em torno das fontes que o transmitem e que seria o exemplar para a impressão” (FIGUEIRE-DO, 2000, p. 80).

Já o musicólogo James Grier aponta que editar “consiste de uma série de escolhas, instruídas, informadas criticamente; em resumo, o ato de interpretação. Editar, além disso, consiste da interação entre a autoridade do compositor e a auto-ridade do editor2” (GRIER, 2008, p. 12). Corroborando o seu pensamento, Grier nos traz ainda o conceito de edição proposto pelo importante teórico Philip Brett:

A edição é principalmente um ato crítico. Além disso, (como a análise musi-cal) começa a partir de suposições baseadas criticamente, e percepções que normalmente não são confirmadas. Se estes pressupostos deveriam ser di-tos abertamente, se começou a reconhecer e permitir a legítimas diferenças na orientação editorial, e se deixou de usar a palavra “definitivo” em relação a qualquer texto editado, então boa parte da polêmica em torno de edição pode desaparecer 3 (apud GRIER, 2008, p. 13).

1 ...the art of preparing it for publication, especially music composed by someone other than the editor.

2 ...consiste en una serie de decisiones fundamentadas, críticas e informadas; en resumen, en el acto critico de la interpretación. Editar, además consiste en la interacción entre la autoría del compositor y la autoría del editor.

3 ...la edición es fundamentalmente un acto crítico. Además, (como el análisis musical) es un acto que parte de suposiciones fundamentadas criticamente y de percepciones que por lo general ne se reconocen. Si estas suposiciones se especificaran abiertamente, si comenzáramos a reconocer y a permitir las legítimas diferencias en la orientação edito-

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A partir das reflexões expostas acima, podemos dizer que o ato de editar tem como finalidade a publicação, é trazer ao público a reflexão desenvolvida a par-tir das fontes para uma determinada obra e é, consequentemente, o resultado de uma pesquisa.

Grier propõe quatro princípios fundamentais para expor a sua concepção editorial, sendo cada um, consequência do seu antecessor:

1. A edição é critica por natureza. 2. Crítica, incluindo a edição, é baseada em pesquisa histórica. 3. Edição envolve a avaliação crítica do importe semiótico do texto musical;

essa avaliação também é uma investigação histórica. 4. O árbitro final na avaliação crítica do texto musical é a concepção do estilo

musical do editor; essa concepção, também está embasada em uma com-preensão histórica da obra 4 (GRIER, 2008, p. 16).

Hazan (2004) discute detalhadamente cada um desses princípios propostos por Grier em seu artigo nominado Afinal o que é uma edição crítica? Uma reflexão sobre aspectos da obra “The Critical Editing of Music” e sua Relevância para a Edição da Música Sacra Brasileira dos Séculos XVIII e XIX, cujo objetivo é traçar uma defini-ção empírica motivado pela seguinte questão: “afinal, o que é uma edição crítica em música?” (HAZAN, 2004, p. 165)

Caminhos Editoriais

Figueiredo (2014) afirma que dois tipos de itens “devem ou podem” fazer parte de uma obra musical: “um essencial e vários acessórios”. O autor explica que “o essencial é, naturalmente o texto musical, razão de ser da edição de uma obra musical”, já os acessórios “são os apêndices e anexos, trazendo maior ou menor es-clarecimento sobre o texto musical, das circunstâncias em torno dele e da pesquisa para estabelecê-lo” (FIGUEIREDO, 2014, p. 48). Nesse contexto, tanto as característi-cas finais do texto editado quanto a quantidade e tipos de itens acessórios, irá variar de acordo com o tipo de edição pretendida e dos meios disponíveis para executá-la.

Ao definir o estabelecimento de um texto musical (essencial), Figueiredo

rial, y si dejáramos de usar la palabra “definitivo” en relación a cualquier texto editado, entonces la polémica que rodea a la edición podría desaparecer.

4 1. la edición es crítica por naturaleza. 2. La crítica, incluyendo la edición, se basa em in-vestigación histórica. 3. La edición involucra la evaluación critíca del significado semióti-co del texto musical; esta evaluación es también una investigación histórica. 4. El árbitro final en la evaluación crítica de texto musical es la Idea del estilo musical del proprio editor; esta Idea también se arraiga en una compresión histórica de la obra.

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sugere seis perguntas interdependentes, baseadas nos desdobramentos propostos pelo teórico Badura-Skoda (1995):

1. Quantas e que tipos de fonte deverão ser utilizados para o estabelecimen-to da edição?

2. O que está fixado na fonte?3. Deve-se investigar e registrar a intenção de escrita do compositor?4. Deve-se investigar e registrar a intenção sonora do compositor subjacente

àquilo que está fixado na fonte?5. De que maneira poderiam ter escrito o compositor ou o copista seus tex-

tos, para serem entendidos universalmente nos dias de hoje?6. Qual a destinação da edição? (FIGUEIREDO, 2014, p. 48-52)

O autor destaca que essas perguntas podem auxiliar a decisão do editor no momento do estabelecimento de um texto, e podem ser utilizadas como um “guia seguro para análises de edições já realizadas”. Posteriormente, Figueiredo trata das partes acessórias de uma edição, elencando alguns itens, porém, há sempre a pos-sibilidade evidente de que outros itens possam ser acrescidos a esta lista. A parte acessória proposta pelo autor inclui nota introdutória, indicações para a prática, es-tudo sobre o texto literário, fac-símile, material para a execução, redução para piano e aspectos técnicos da editoração (FIGUEIREDO, 2014, p. 55-56).

Grier destaca que cada obra musical é repleta de particularidades criadas através de uma combinação única de circunstâncias culturais, sociais e históricas, sendo assim, cada obra, cada fonte e cada edição deverá ser tratada como um caso especial. A esse respeito, o autor conclui que “diferentes repertórios musicais re-querem diferentes métodos editoriais, ou mesmo que cada edição exige uma abor-dagem única1” (GRIER, 2008, p. 25). Grier também propõe a formulação de um gru-po de perguntas, que constituem um marco de referência para uma metodologia editorial e um ponto de partida para cada projeto.

1. Qual é a natureza e a situação histórica das fontes de trabalho?2. Como relacionam entre si? 3. A partir da evidência das fontes, que conclusões podem ser alcançadas

sobre a natureza e a situação histórica da obra?4. Como determinar estas evidencias e conclusões nas decisões editoriais

tomadas durante a preparação do texto editado?5. Qual é a maneira mais eficaz de apresentar o texto editado? 5 (GRIER, 2008, p. 14)

5 1. ¿Cuál es la naturaleza y la situación histórica de las fuentes de trabajo? 2. ¿Cómo se relacionam la una con la outra? 3. A partir de la evidencia de las fuentes, ¿qué con-clusiones pueden alcanzarse sobre la naturaleza y la situación histórica de la obra? 4. ¿Cómo determinan dichas evidencias y conclusiones las decisiones editoriales tomadas

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Porém, o autor destaca que não existe uma regra, para cada projeto edito-rial as perguntas seriam diferentes, estamos tratando de uma questão crítica para a teoria da música clássica ocidental. Grier afirma que “a criação de uma questão realmente crítica requer não apenas formular essas perguntas, mas também algum tipo de discurso crítico proposto na resposta 6” (GRIER, 2008, p. 26). Sendo assim, o reconhecimento de que a edição é um ato crítico leva diretamente ao entendimento que diferentes editores produzirão diferentes edições de uma mesma obra (GRIER, 2008, p. 14).

Após refletir os conceitos propostos por James Grier, o pesquisador Marcelo Campos Hazan (2004) apresenta os passos necessários para a elaboração de uma edição crítica:

Localizar e identificar as fontes primárias, estabelecer o parentesco entre elas, recompor o contexto histórico em que foram produzidas e consumidas, determinar o texto musical com base em uma sólida concepção de estilo, e, finalmente apresentar um produto final no qual o raciocínio e as interferên-cias do editor transpareçam de modo inequívoco ao usuário (HAZAN, 2004, p. 173-174).

Hazan destaca ainda que apesar de muitas edições serem elaboradas cri-ticamente, geralmente o último passo na elaboração de uma edição – “apresentar um produto final no qual o raciocínio e as interferências do editor transpareçam de modo inequívoco ao usuário” – é ignorado, pois os editores ainda pecam por não explicitarem ao usuário os caminhos e as ideias utilizadas no desenvolvimento e construção o texto (HAZAN, 2004, p. 174).

Tipologias de edição musical

James Grier destaca que esse campo do estudo da edição musical tem re-cebido mais atenção do que os outros campos nos escritos musicológicos. O au-tor aponta que uma explicação para a riqueza desta tradição seria a tendência dos musicólogos a optarem por um tipo de edição específico, tentando representar de forma concreta a relação entre a fonte e o texto editado. Como consequência são in-troduzidos varias ideias nos mecanismos utilizados ao descrever esta relação. E uma segunda explicação é que diferentes repertórios exigem modos de representações diferentes (GRIER, 2008, p. 125).

durante la elaboración del texto editado? 5. ¿Cuál es el modo más eficaz de presentar el texto editado?

6 La creacion de una edición realmente crítica requiere no solo la formulación dichas pre-guntas, sino también algún tipo de discurso crítico propuesto a modo de respuesta.

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Santos (2014) relaciona onze diferentes tipologias possíveis de edições musicais, apresentadas por três importantes teóricos da área: Feder, Figueiredo, e Grier. George Feder propõe oito tipos de edições – fac-símile, diplomática, diplomá-tico-interpretativa, crítica, histórico crítica, científica-prática, Urtext, e uma edição fundada na história da tradição. Carlos Alberto Figueiredo estabelece sete tipos de edição musical – fac-similar, diplomática, crítica, Urtext, prática, genética e aberta –, já o musicólogo James Grier propõe apenas quatro tipos de edição - fac-símile, di-plomática, crítica e interpretativa. A esse respeito, Figueiredo (2014), nos traz ainda as tipologias propostas pelo musicólogo Caraci Vela (1995), totalizando cinco tipos – prática, diplomática, Urtex, fac-similar e crítica (apud FIGUEIREDO, 2014, p. 57).

Segundo Santos (2014), os tipos de edição listados por tais musicólogos muitas vezes não são claramente diferenciáveis. Existem muitas similaridades elen-cadas com diferentes nomes e apresentadas com mais ou menos detalhes, como por exemplo, a “edição diplomático-interpretativa” proposta por George Feder e a “edição prática”, proposta por Figueiredo. Isso ocorre porque os autores adotam diferentes critérios na definição das tipologias, como destacado por Santos:

Grier se preocupa somente com o modo de elaboração da edição para definir um tipo de edição, dessa forma, acaba sendo mais claro e objetivo que os outros dois autores. Claro que o modo de elaboração depende da finalida-de, mas o foco de Grier é na forma de elaboração, e não na aplicação ou na apresentação. Já Feder, ao se preocupar com o modo de elaboração, finalida-de e apresentação, acaba criando tipologias confusas, pois se trata de níveis diferentes; temos como exemplo a edição “diplomático-interpretativa” onde Feder diz ser uma edição diplomática endereçada para o performer, ou seja, se preocupou não só com a feitura da edição, mas também com consumidor final, o performer (SANTOS, 2014, p. 40).

Podemos dizer que as edições musicais são feitas basicamente para fins mu-sicológicos ou fins performáticos. Vale ressaltar que não existe um tipo de edição melhor que outro o que interfere é a finalidade e ou funcionalidade a qual a ela será destinada, ou seja, um mesmo conjunto de fontes pode ser objeto de pesquisa de diferentes tipos de edição.

Considerações Finais

A bibliografia na qual a pesquisa se apoia, e os conhecimentos adquiridos através do estudo da mesma, demonstraram o quão complexo pode ser a área que engloba o trabalho editorial. Foi possível traçar uma reflexão sobre as teorias e me-todologias editoriais adotadas pelos principais referências teóricos utilizados, os musicólogos Carlos Alberto Figueiredo e James Grier.

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Sendo o texto o produto final de qualquer edição, a tarefa do editor consiste na fixação e apresentação de um texto que represente a sua concepção da obra, de-terminada por um exame crítico embasados no conhecimento histórico e estilístico das fontes. Nesse contexto, dizemos que o editor atua como mediador entre o com-positor e o público e faz a conexão entre a escrita do compositor a compreensão do intérprete. Cabe a ele, através da sua sensibilidade, autoridade e capacidade crítica, avaliar e decidir quais serão as fontes que melhor transmitirão a obra.

O trabalho de edição além de propor ao texto uma diagramação mais limpa, sem eventuais divergências ou anotações confusas, permite o seu entendimento e a realização do que foi proposto pelo compositor, além de se tornar mais atrativa e difundida. Por fim, espera-se que esta pesquisa também possa servir de sugestão e estimulo para futuras abordagens no tocante à edição em música.

Referências

BÉHAGUE, Gerard. Editing. In: The New Grove Dictionary of Music and Musicians. London: Macmillan, 1980.

BORTOLOSSI, Daniel Santos. As Sinfonias Concertantes atribuídas a Manuel José Go-mes – levantamento de fontes e edição de partituras. Dissertação (Mestra-do - Musicologia) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.

FIGUEIREDO, Carlos Alberto. Editar José Maurício Nunes Garcia. Tese Doutorado. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2000.

______. Música sacra e religiosa brasileira dos séculos VXIII e XIX: teorias e práticas editoriais. 1º Ed. 2014.

FIORINI, Carlos Fernando.“Sinfonia dos Orixás” de Almeida Prado: um estudo sobre sua execução através de uma nova edição, crítica e revisada. Tese (doutora-do) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.Campinas, SP, 2004.

GRIER, James. La edición crítica de música: historia, método y práctica. Ediciones. Tradução: Andrea Giráldez. Akal, S.A. 2008.

HAZAN, Marcelo Campos. Afinal o que é uma edição crítica? Uma reflexão sobre as-pectos da obra “The Critical Editing of Music” e sua Relevância para a Edição da Música Sacra Brasileira dos Séculos XVIII e XIX. In: I Colóquio Brasileiro de Arquivologia e Edição Musical. 2004.

SANTOS, Samanta Adriele Neiva. Edição crítica do “Concerto para Flauta e Orques-tra” de Edmundo Villani-Côrtes. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 2014.

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Avaliação: conceitos e possibilidades

Gladson Leone RosaUFRJ – [email protected]

Miriam GrosmanUFRJ – [email protected]

Resumo: O presente artigo apresenta conceitos e modalidades avaliativas com base em referenciais teóricos de Philippe Perrenoud e Ilza Martins Sant’Anna. Propõe-se nesse trabalho uma reflexão sobre as possibilidades didático/educativas do processo avalia-tivo em alunos dos cursos de bacharelado em música. De acordo com a investigação, diferentes modalidades de avaliação podem ser relevantes para o desenvolvimento do aluno:a avaliação diagnóstica, que identifica as características do avaliando em primeira instância, a avaliação formativa, que em uma segunda etapa é integrada ao processo educativo, e a avaliação somativa, aplicada ao final do processo. Como complemen-to,são sugeridos instrumentos pedagógico-avaliativos que podem ser utilizados nas citadas modalidades.Palavras-chave: Avaliação. Processos pedagógico-avaliativos. Modalidades de avalia-ção.

Evaluation: concepts and possibilitiesAbstract: This article presents concepts and evaluation modalities based on the the-oretical references of Philippe Perrenoud and Ilza Martins Sant’Anna. It is proposed in this work a reflection on the didactic / educational possibilities of the evaluation pro-cess in students of the baccalaureate courses in music. According to the research, dif-ferent evaluation modalities may be relevant to student development: the diagnostic evaluation, which identifies the characteristics of the first evaluation, the formative assessment, which in a second stage is integrated into the educational process, and the Somatic evaluation, applied at the end of the process. As a complement, pedagogical-e-valuative tools are suggested that can be used in the mentioned modalities.Key-words: Evaluation. Pedagogical-evaluative processes. Evaluation methods

Introdução

Com o objetivo principal de refletir, discutir e propor procedimentos avalia-tivos da performance musical em estudantes universitários, investigamos o pensa-mento de conceituados pedagogos como referenciais para a pesquisa, como Phili-ppe Perrenoud e Ilza Martins Sant’Anna. Destacamos neste trabalho diversas formas de avaliação que podem ser aplicadas com o intuito de fornecer ferramentas para o

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desenvolvimento musical do estudante.

O ato de avaliar vem sendo analisado principalmente nas áreas pedagógica e psicológica, com conceitos, métodos e funções colocados em discussão, como de-corrência da falta de um entendimento mais consistente sobre a questão. Ao hierar-quizar, basicamente tratamos a avaliação como fator comparativo entre alunos mas, frequentemente, não contemplamos de forma adequada uma avaliação baseada no desenvolvimento apresentado pelo estudante durante o processo de ensino/apren-dizagem.

Perrenoud (1999, p.9) observa que a compreensão e aplicação adequadas de processos avaliativos devem ser consideradas relevantes dentro de uma ótica que visa a excelência na formação do indivíduo. Além de proporcionar diretrizes que facilitam o percurso da aprendizagem, determinam referências relevantes para o discernimento do estudante:

Avaliar é – cedo ou tarde – criar hierarquias de excelência, em função das quais se decidirão a progressão no curso seguido [...] a orientação para diversos tipos de estudo, a certificação antes da entrada no mercado de trabalho.... Avaliar é também privilegiar um modo de estar em aula e no mundo, valorizar formas e normas de excelência, definir um aluno modelo, aplicado e dócil para uns, imaginativo e autônomo para outros... (PERRENOUD, 1999, p.9).

De acordo com Encone et al. (1975), a ideia de avaliar tem sido tratada como uma forma de medir, dar valor a algo que pressupõe visão e caráter classificatório. No entanto, pode também ser utilizada de forma pedagógica, diagnosticando e for-necendo controle, auxiliando no processo ensino-aprendizagem e proporcionando meios para correções das falhas e esclarecimentos das dúvidas.

Sant’Anna (1995, p.16) “[...] afirma que “avaliar não é rotular alguma coisa e muito menos alguém! Avaliar é atribuir um valor!”. Sendo assim, podemos con-cluir que qualquer forma avaliativa utilizada para discriminar e/ou rotular pode ser considerada inadequada, perdendo, dessa forma, sua principal função que deveria ser a de desenvolver o indivíduo avaliado, direcionando-o para novas aquisições ou modificações.

A mesma autora enfatiza a necessidade de se observar mais analiticamente o processo evolutivo de aprendizagem Numa perspectiva mais abrangente, institui-ções, professores e alunos seriam responsáveis pela construção do conhecimento e deveriam estar envolvidos conjuntamente na tarefa educativa, conforme podemos verificar na sua afirmativa: “Um processo pelo qual se procura identificar, aferir, in-vestigar e analisar as modificações do comportamento e rendimento do aluno, do

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educador, do sistema, confirmando se a construção do conhecimento se processou, seja este teórico (mental) ou prático (SANT’ANNA, 1998, p.29).

Posição semelhante é reiterada por José Carlos Libâneo enfatizando que a supervalorização da nota, especialmente quando não é acompanhada de análise da performance, deve ser evitada por não contribuir efetivamente para o desenvol-vimento técnico-artístico do aluno. A cultura de valores e quantificação das ações são fatores que podem contribuir para a tendência de avaliar através apenas de atribuição de notas.

A avaliação é uma tarefa complexa que não se resume a realização de provas e atribuição de notas. A mensuração apenas proporciona dados que devem ser submetidos a uma apreciação qualitativa. A avaliação, assim, cumpre funções pedagógico-didáticas, de diagnóstico e de controle em relação às quais se re-correm a instrumentos de verificação do rendimento escolar (LIBÂNEO,1994, apud OLIVEIRA; APARECIDA; SOUZA, 2008, p. 4).

A opinião de Pedro Demo enriquece a visão do processo avaliativo, conside-rando-o também como um processo de planejamento, através de reflexão dos obje-tivos a serem alcançados, e sempre de acordo com as necessidades das instituições e das práticas em diferentes áreas:

Refletir é também avaliar, e avaliar é também planejar, estabelecer objetivos, etc. Daí os critérios de avaliação que condicionam seus resultados estejam sem-pre subordinados a finalidades e objetivos previamente estabelecidos para qual-quer prática, seja ela educativa, social, política ou outra. (1999, p. 1)

Modalidades de avaliação

Entendemos que a classificação e conhecimento de diferentes modalidades de avaliação, bem como sua aplicação, devam ser compreendidas para que possa-mos obter resultados mais eficazes. De acordo com Bloom (apud SANT’ANNA, 1995), podemos considerar várias modalidades de avaliação:

Fig. 1 – Modalidades da avaliação

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1. Avaliação diagnóstica

Esta modalidade tem como função identificar o nível, os problemas e as ca-racterísticas do avaliado em uma primeira instância, podendo ser utilizada como identificadora de pré-requisitos para os cursos de bacharelado em música. A utili-zação de entrevistas, formulários e uma prova para o início do processo seriam as ferramentas básicas para o diagnóstico.

Segundo Blaya (2007, apud OLIVEIRA, 2008, p. 5):

Avaliação diagnóstica tem dois objetivos básicos: identificar as competências do aluno e adequar o aluno num grupo ou nível de aprendizagem. No entan-to, os dados fornecidos pela avaliação diagnóstica não devem ser tomados como um ‘rótulo’ que se cola sempre ao aluno, mas sim como um conjunto de indicações a partir do qual o aluno possa conseguir um processo de aprendi-zagem. (OLIVEIRA, 2008, p. 5).

Fundamental no processo de ensino-aprendizagem, a avaliação diagnóstica deve ser realizada nos primeiros contatos do professor com o aluno e sua função básica seria identificar o perfil do estudante para traçar metas na orientação. Neste momento, a sensibilidade e experiência do avaliador são essenciais para identificar as possibilidades e potenciais de candidatos aos cursos de bacharelado em música. No entanto, convém observar que, não raramente, as habilidades básicas exigidas em uma determinada seleção podem estar encobertas por diferentes razões, o que pode dificultar ou limitar essa primeira etapa avaliativa.

De acordo com Perrenoud (1999, p. 11-12),

[...] a avaliação diagnóstica está a serviço da seleção, hierarquizando e classifi-cando os alunos de acordo com exigências preestabelecidas ou comparativas entre o nível dos alunos, tendo como referência principal o próprio professor, podendo ainda utilizar outras, criando o que ele trará como hierarquias de excelência’, onde ‘os examinadores criam variações que se referem mais à es-cala e ao princípio da classificação do que às variações significativas entre os conhecimentos’. (PERRENOUD, 1999, p. 11 e 12).

Este momento possibilita ao professor/avaliador mapear a atuação do alu-no que pretende ingressar no curso de bacharelado em música. O diagnóstico des-te candidato poderá ser mais preciso se complementado por entrevista, análise de suas experiências, vivência e expectativas quanto ao curso pretendido.

2. Avaliação formativa

Como uma segunda etapa da avaliação, já integrada ao processo educativo,

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tem como funções principais a observação, compreensão e assimilação do conteú-do ministrado. É o momento para corrigir, alterar ou manter o método utilizado no processo de ensino-aprendizagem. Os instrumentos auxiliares podem ser variados, mas o essencial será manter o foco na avaliação do rendimento e sua relação com os métodos utilizados.

De acordo com Blaya (2007, apud OLIVEIRA; APARECIDA; SOUZA, 2008 p. 5):

...(É) a forma de avaliação em que a preocupação central reside em coletar dados para reorientação do processo de ensino-aprendizagem. Trata-se de uma ‘bússola orientadora’ do processo de ensino-aprendizagem. A avaliação formativa não deve assim exprimir-se através de uma nota, mas sim por meio de comentários.

A avaliação formativa deve acontecer durante todo o processo, do contrário não seria possível mudar as estratégias de ensino para uma orientação mais eficien-te do estudante. Analisando seu desempenho junto ao professor e à instituição de ensino, investiga-se soluções apropriadas para seus problemas.

Perrenoud (1999, p.15) defende esta forma de avaliação como a mais im-portante em todo o processo, propondo-a através de uma analogia com a área da saúde:

Nenhum médico se preocupa em classificar seus pacientes, do menos do-ente ao mais gravemente atingido. Nem mesmo pensa em lhes administrar um tratamento coletivo. Esforça-se para determinar, para cada um deles, um diagnóstico individualizado, estabelecendo uma ação terapêutica sob medida.[...]Avaliação formativa deve, pois, forjar seus próprios instrumentos, que vão do teste criterioso, descrevendo de modo analítico um nível de aquisição ou de domínio, à observação in loco dos métodos de trabalho, dos procedimentos, dos processos intelectuais no aluno.” (PERRENOUD, 1999, p.15).

Entendemos que esse seria o momento, por exemplo, para adequar o pro-grama ao aluno, fazer correções e/ou alterações pedagógicas e metodológicas. Quando aplicada de forma criteriosa, esta avaliação pode apontar possibilidades de novos rumos na metodologia de ensino, ao mesmo tempo que permite à instituição maior flexibilidade do processo avaliativo.

3. Avaliação somativa

Concebida para ser aplicada ao final do processo, a avaliação somativa tem por objetivo apresentar um resultado final transparente e definido que servirá de base para uma futura orientação.

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Esta modalidade requer objetivos claros com parâmetros bem definidos, podendo-se utilizar diferentes recursos, ficando a critério do avaliador aqueles que melhor traduziriam o desempenho geral do aluno desde o início do processo. Não é tarefa simples, pois é necessário uma visão de maior alcance para que se obtenha um resultado representativo do processo.

De acordo com Gil (2006, p. 248),

...é uma avaliação pontual, que geralmente ocorre no final do curso, de uma disciplina, ou de uma unidade de ensino, visando determinar o alcance dos objetivos previamente estabelecidos. Visa elaborar um balanço somatório de uma ou várias sequências de um trabalho de formação e pode ser realizada num processo cumulativo, quando esse balanço final leva em consideração vários balanços parciais.

Geralmente utilizada para mensurar e classificar, este procedimento tor-na-se uma oportunidade para revisão e compreensão do conteúdo ministrado, as-sociado ao mapa feito na avaliação diagnóstica e às adequações da avaliação for-mativa. Conclui-se o processo com a avaliação somativa e o fornecimento de um feedback1 que prepara os envolvidos para o próximo ciclo.

Instrumentos utilizados nas diferentes etapas avaliativas

As formas avaliativas são recursos possíveis de serem utilizados que, de acordo com Sant’anna (1995, p. 87), possuem “[...] função primordial no contexto avaliativo e devem ser planejadas as suas utilizações no contexto pedagógico-ava-liativo”.

Com uma adequada interpretação dos resultados nas etapas apresentadas pelo autor, podemos obter um perfil mais completo do aluno, através dos seguintes procedimentos:

a) Conselho de classe: “instrumento que visa traçar o perfil de cada aluno e do grupo” (SANT’ANNA, 1995, p. 87) em um momento em que todos os envolvidos no processo de ensino se reúnem para melhor planejar o melhor caminho pedagó-gico para o aluno ou turma.

b) Pré-teste: “teste aplicado para averiguar pré-requisitos para aquisição de

1 Palavra de origem inglesa que podemos traduzir como realimento ou comentário. No entanto, em nosso país utilizamos o termo em sua forma original (feedback), cujo signifi-cado seria o ato de realimentar o processo avaliativo, geralmente utilizado em diversas áreas do conhecimento.

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novos conhecimentos” (SANT’ANNA, 1995, p. 87). Pode, ainda, definir novos cami-nhos metodológicos ou formatos a serem seguidos, servindo de amostragem para o teste final. Podemos considerá-lo muito útil na avaliação formativa.

c) Autoavaliação: “instrumento capaz de conduzir o aluno a uma modalida-de de autoconhecimento que se põe em prática a vida inteira” (SANT’ANNA, 1995, p. 87). É sempre uma excelente oportunidade para a consolidação das aquisições relevantes e reflexão sobre as lacunas a serem preenchidas. Geralmente adotada ao fim do processo na avaliação somativa, pode ser um momento apropriado para o feedback.

d) Avaliação cooperativa: “instrumento que oportuniza uma avaliação com-preensiva, onde cada um contribui com os dados que possui, para conhecimento in-dividual e grupal” (SANT’ANNA, 1995, p. 87). Procedimento útil no reconhecimento das lacunas e oportunidade para apresentar soluções, mudanças de direcionamento e necessidades para alcançar os objetivos traçados. Seria o ato de olhar o avaliado de forma crítica, porém, nunca preconceituosa, ou seja, com parâmetros preesta-belecidos que rotulem o estudante. Deve funcionar como instrumento de coleta de dados, sendo, portanto, uma boa opção na avaliação diagnóstica.

Contemplarmo-nos do mesmo modo pelo qual os outros nos veem é uma das mais confortadoras dádivas. E não menos importante é o dom de vermos os outros, tal como eles mesmos se encaram.[...]Inquirição: Se desejarmos saber como as pessoas se sentem – qual sua experi-ência interior, o que lembraram como são suas emoções e seus motivos, quais as razões para agir como o fazem – por que não perguntar a elas? (SANT’AN-NA, 1995, p. 87).

e) Inquirição: podemos utilizá-la como uma conversa franca em todo pro-cesso avaliativo. No entanto, caso ocorra no final (avaliação somativa), serve como oportunidade para fornecer o feedback.

f) Relatório: “constitui o registro de dados que expressam a comunicação dos resultados de planejamentos concretizados” (SANT’ANNA, 1995, p. 87). São adequados para gerar histórico de atividades e metas alcançadas, fornecendo um feedback para a instituição. Os dados diversificados, ao serem cruzados, fornecerão maior legitimidade ao processo avaliativo, dentro de um processo global.

Geralmente esta etapa da avaliação, o relatório, deve ser gerado a partir da prova avaliada por banca examinadora, onde o aluno apresenta o programa exigido e os professores lhe atribuem um conceito ou nota.

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Feedback

Como realimentador do processo, deve ser aplicado ao fim de cada ciclo, fornecendo ao aluno, ao professor e à instituição, condições do aprendizado e justi-ficativas das didáticas escolhidas.

Feedback é importante para todos nós. É a base de todas as relações inter-pessoais. É o que determina como as pessoas pensam, como se sentem, como reagem aos outros e, em grande parte, é o que determina como as pessoas encaram suas responsabilidades no dia-a-dia (WILLIAMS, 2005, p. 19).

De suma importância para o aluno, este procedimento fornece material de análise crítica onde aparecem os resultados, não apenas em números ou concei-tos, mas em forma de relações com os objetivos traçados e os alcançados, falhas e lacunas observadas. Fundamentalmente, o que fazer para melhorar? Tem sido pouco compreendido e utilizado no âmbito musical; no entanto, poderia diminuir a sensação de subjetividade na avaliação da performance, deixando de apresentar apenas breves comentários, para apresentar comentários mais claros e objetivos. Ao observar os resultados no passado, o estudante terá oportunidade de prever o desempenho futuro, com novas perspectivas no aprimoramento da sua arte.

Considerações finais

O processo avaliativo tem início no momento em que um indivíduo observa o outro e analisa suas atividades. Na performance musical de um estudante de mú-sica, podemos avaliar, principalmente, o domínio técnico, estilístico, a criatividade e a adequação do repertório exigido. No entanto, essa avaliação pode se tornar uma ferramenta didática com possibilidades para aprimoramento do estudante conside-rado em desenvolvimento. É nesse aspecto que vemos o professor/avaliador como um verdadeiro educador e não apenas um transmissor de conhecimento.

Quando o processo avaliativo ocorre com intuito pedagógico, fornece di-versas possibilidades para as etapas posteriores, possíveis revisões nos processos didáticos e metodológicos do professor, assim como adequações da instituição à realidade da comunidade acadêmica. A conscientização da relevância do processo avaliativo permite novas condições favoráveis de trabalho, tanto para o professor como para o aluno.

Este trabalho apresenta um resultado parcial do projeto proposto ao PRO-MUS – UFRJ, intitulado ‘O processo avaliativo do aluno de bacharelado em instru-mentos de metais na Faculdade de Música do Espírito Santo (FAMES)”.

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Referências

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Harmonia peregrina na obra para piano de Almeida Prado: estudo de caso na Nebulosa Planetária NGC3195 das Cartas Celestes XV

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo o estudo do movimento Nebulosa Pla-netária NGC3195, das Cartas Celestes XV (2009) para piano, escritas por Almeida Prado (1943-2010). Compostas por 18 obras, das quais 15 para piano, as Cartas Celestes são consideradas pelo próprio compositor uma de suas obras mais importantes. O trabalho apresenta um estudo da construção do movimento em questão, que emprega sobretudo a técnica da harmonia peregrina, termo proposto pelo compositor para designar o uso de tonalidades livres, e assemelha-se à forma empregada em seus Noturnos para piano. Apresenta ainda algumas considerações para a execução pianística, buscando compreen-der o discurso musical e levantar soluções técnico-interpretativas.Palavras-chave: Cartas Celestes. Almeida Prado. Piano. Práticas Interpretativas.

Pilgrim harmony in the works for piano by Almeida Prado: a case study of the Nebulo-sa Planetária NGC3195 from Cartas Celestes XVAbstract: The present article targets the study of the movement Nebulosa Planetária NGC3195, from the work Cartas Celestes XV (2009) for piano written by Almeida Prado (1943-2010). A cycle of 18 works, of which 15 for piano, Cartas Celestes is considered by the composer one of his most important works. The article presents a study of the cons-truction of the movement, which makes use of the technique called pilgrim harmony, a term used by the composer to designate the use of free tonality, and resembles the form used in his Nocturnes for piano. It also considers the interpretation of the piece at the piano, aiming at comprehending the musical discourse and providing technical-in-terpretive solutions.Key-words: Evaluation. Cartas Celestes. Almeida Prado. Piano. Interpretive practice.

Almeida Prado

José Antônio de Almeida Prado (1943-2010) é considerado um dos mais importantes compositores brasileiros, tendo deixado um legado composicional que ultrapassa 600 composições. O compositor atravessou diferentes fases estéticas e costumava dividir sua produção artística em períodos, enfatizando, porém, que são interdependentes e passíveis de serem reagrupados diferentemente. Hideraldo Grosso (1997, p. 191) estabelece a divisão em sete fases: Fase da Infância (1952-

Aleyson Mariano ScopelUFRJ – [email protected]

Ana Paula da Matta Machado AvvadUFRJ – [email protected]

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1959); Fase do Nacionalismo (1960-1965); Fase Autodidata ou Atonal-livre (1965-1969); Fase de estudos na Europa com Boulanger e Messiaen (1969-1973); Fase da Ecologia, Astronomia, Fauna e Flora (1973-1983); Fase do Pós-modernismo ou Mís-tico-religiosa (1983-1993); e Fase Tonal-livre (1993-2010).

Na fase de estudos na Europa, Almeida Prado frequentou, em Paris, as classes de Nádia Boulanger (1887-1979) e Olivier Messiaen (1908-1992). Boulanger e Messia-en representavam, para os que buscavam aperfeiçoamento na França, o melhor de dois universos contrastantes: “a primeira era considerada formalista de feição acadêmica; o segundo, mais afeito às práticas não-ortodoxas, sem contar que houvera sido o mestre dos compositores de Darmstadt, como Stockhausen e Boulez.” (SALLES, 2005, p. 187).

A vasta produção de Almeida Prado abordou diferentes temáticas. Merecem destaque a temática ecológica, inspirada pela fauna e flora, e a astronômica, que mostra seu olhar sobre o céu do Brasil e inspirou a série de Cartas Celestes.

Inseridas entre as obras mais importantes de sua carreira, as Cartas Celestes são um ciclo de dezoito obras, das quais quinze para piano solo. Resultantes de fe-cundos períodos e, em suas palavras, “responsáveis para um novo posicionamento [...] diante da utilidade da minha música” (PRADO, 1985: 2), nelas, Prado empregou de todas as formas imagináveis a exploração dos timbres e ressonâncias do piano. Sua maior inovação foi o uso do transtonalismo, procedimento nem tonal nem ato-nal adotado pelo compositor no qual sons são organizados por ressonâncias.

Cartas Celestes XV

Compostas em 2009, as Cartas Celestes XV fazem parte do seu último perí-odo composicional, cuja característica principal é a total liberdade, realizando uma síntese de todos os períodos anteriores, adicionando material tonal livre e de mul-tiplicidade de texturas e timbres. As Cartas Celestes XV: O Universo em expansão têm como tema central a formação e a expansão do universo e são divididas em seis movimentos: A Estrela GRB090423, Nebulosa do Esquimó, Constelação de Pictoris (Pintor) & Planeta Extra-Solar, Constelação da Ave do Paraíso (Avis Indica), Nebulosa Planetária NGC3195 e Vento Solar. O presente trabalho é focado no penúltimo mo-vimento Nebulosa Planetária NGC3195.

Nebulosa Planetária NGC3195

Identifica-se durante o movimento dois elementos contrastantes: a utilização da harmonia peregrina, utilizada como acompanhamento, e a melodia atonal. Esses

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elementos alternam-se em altura. A harmonia peregrina foi um termo proposto por Al-meida Prado para fazer referência à sua forma de tratar o uso do sistema tonal de ma-neira livre, principalmente no seu último período composicional. Ele explica o termo:

Eu seria um [compositor de linguagem] tonal livre e que eu chamo de harmo-nia peregrina, que é uma harmonia em que eu estando, por exemplo, em dó maior, para sol maior, para Si maior, para fá menor, para ré maior, para Mi menor, para solb e dó. Quer dizer, eu não penso em dominante, tônica clichê, posso fazer dominante abaixada em solb ir para dó maior. Então eu chamo de harmonia peregrina, que ela vai andando, mas ela começa e termina em dó, ou em qualquer outro tom. O tonal livre não obedece nem mesmo esse sentido do peregrino, ele pode começar como um cluster e terminar em Mi maior. Ele é bem livre mesmo. (PRADO apud COSTA, 1998, p.195).

O material harmônico peregrino no movimento Nebulosa Planetária NGC3195 inicia-se em quiálteras de cinco no compasso 1. A partir do compasso 2 até o compasso 5, seção que tem indicação de repetição, tem-se a seguinte sequên-cia em movimento descendente pelo teclado: Sol menor em estado fundamental, Si menor em primeira inversão, Dó menor em estado fundamental, Lá Maior em estado

Fig 1 – A. Prado, Cartas Celestes XV, NGC3195, compassos 1-5

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fundamental, Fá Maior em estado fundamental, Ré Maior em estado fundamental, Ré maior com sétima em primeira inversão repetidos três vezes, seguidos, em mo-vimento ascendente pelo teclado, por Sol Maior em estado fundamental, Si Maior em estado fundamental, Dó menor em estado fundamental, Lá Maior em segunda inversão, Fá menor em primeira inversão, Dó menor em posição fundamental, Mi Maior com sétima em posição fundamental, e voltando ao Sol menor em estado fun-damental.

Nota-se, a partir do segundo acorde, que cada um possui com o anterior ao menos uma nota com a distância de um semitom inferior ou superior, e em alguns casos duas ou três. Alguns acordes apresentam também notas em comum. Com ex-ceção de dois acordes de quatro sons, o restante alterna-se entre tríades maiores ou menores.

A harmonia peregrina já havia sido utilizada em vários outros momentos das Cartas Celestes XV. Um exemplo claro é no princípio do segundo movimento, a `“Nebulosa do Esquimó”, que abre com uma sequência de acordes tonais que não são resolvidos dentro dos moldes da harmonia funcional.

Tem-se nessa sequência, conforme a Figura 2 indica, os acordes de Si me-nor passando pelo de Ré M com sétima, porém omitindo o quinto grau Lá natural (temos apenas Ré, Fá e Dó), concluindo com o terceiro acorde na modalidade menor de Sol.

Observa-se, na primeira página da Nebulosa NGC3195, que a harmonia pe-regrina acumula, e isso pela primeira vez em toda a obra, as funções de base harmô-nica e timbrística, ou cor e fluidez rítmica.

A polaridade Sol que abre o movimento foi utilizada no final do movimento precedente. Denominado “Ave do Paraíso”, este movimento termina com duas oita-vas na nota Sol em uníssono, conforme o exemplo abaixo:

Fig 2 – A. Prado, Cartas Celestes XV, Nebulosa do esquimó, compassos 4-5.

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Criando portanto um elo de ligação entre os movimentos, essa polaridade é explorada no início da NGC3195, uma vez que o primeiro acorde que ressoa é o de Sol menor na mão esquerda. Tal nebulosa, denominada Constelação de Camaleão, situa-se numa Constelação vizinha à Ave do Paraíso, o que consideramos outra refe-rência ao movimento anterior. É possível uma incidência interpretativa da ideia do som-cor. Atribuindo a cada acorde uma cor diferente, faz-se uma livre associação desse caleidoscópio com a característica do animal que dá nome à Constelação – uma vez que essa espécie de lagarto tem a habilidade de mudar de cor.

A melodia atonal da mão direita percorre todos os doze sons da escala cro-mática, priorizando linhas cromáticas e intervalos de 4a e 5a, com sons que muitas vezes formam semitons com os sons dos acordes simultâneos da mão esquerda, mudando portanto sua sonoridade e ressonância através desses elementos invaso-res, um dos responsáveis também pelo caráter “misterioso” indicado pelo compo-sitor. Por isso, a execução da primeira página deverá ser aqui, como em toda obra, sensível às cores e timbres que o piano oferece através da dissonância criada pela melodia da mão direita com o acompanhamento.

Nos compassos 6-7, os acordes tonais descendentes são ouvidos em blocos repetidos na mão direita, apoiados na nota Dó em oitavas na mão esquerda:

Fig 3 – A. Prado, Cartas Celestes XV, Ave do Paraíso, compassos 25-26.

Fig 4 – A. Prado, Cartas Celestes XV, NGC3195, compassos 6-7.

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No compasso 8 (Figura 5), a melodia atonal é apresentada na mão direi-ta em oitavas, com o acompanhamento dos acordes ascendentes em quiálteras de sete. Nota-se aqui uma alteração no quarto grupo, através da adição do acorde de Fá menor nas últimas quatro notas da quiáltera:

Esse compasso serve como transição para o novo andamento no compasso 9, que tem a indicação de “mais rápido, eloquente!”. A insistência na nota Dó migra, nos compassos 9-11 (Figura 6), para Ré, Fá e Mi, com arpejos de Sol menor, Dó me-

Fig 5 – A. Prado, Cartas Celestes XV, NGC3195, compasso 8.

Fig 6 – A. Prado, Cartas Celestes XV, NGC3195, compassos 9-11.

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nor, Fá Maior e Fá menor. Já a mão direita cria no extremo agudo uma figura ostinato de sete sons, composta pelo acorde de Sol menor e a tríade descendente Mi5 – si5 – Fá4 natural, que estão separadas por dois intervalos de 4a justa.

O movimento é concluído de maneira calma ainda com o Fá em oitavas na mão esquerda e com alguns dos acordes outrora ouvidos em direção ascendente de maneira descendente, repousando no acorde de Fá menor, criando um semitom com o Fá.

Observam-se duas seções externas calmas do movimento, com uma seção gradativamente agitada contrastante, remetendo a um Noturno de forma ABA’ divi-dido da seguinte forma: Seção A– Compassos 1-7; Seção B – Compassos 8-11; Seção A’ – 12-17.

Prado escreveu 14 Noturnos para piano entre 1985 e 1991. Costa (2011) nota, em sua edição crítica, que eles reúnem diversas técnicas composicionais, al-guns com a forma ABA fieldiana mais definida que outros. De particular interesse comparativo é o Noturno n. 12, sobre o qual diz o compositor:

Este aqui [noturno 12] quando eu fiz, é como se eu tivesse compondo uma nova carta celeste, como se isso aqui fosse uma galáxia, não uma constelação, mas uma galáxia... mas virou noturno. O noturno 12 é muito multifacetado. (PRADO apud COSTA, 2011, p. 134, grifo nosso).

Nesse e em outros noturnos, Costa mostra que é recorrente seções em osti-nato de acordes ou arpejos, sustentando a melodia. O Noturno n. 12 traz a indicação “Como estrelas” e, no corpo da obra, utiliza as seguintes indicações mais específicas para ilustrar o caráter da estrela de cada passagem: “como suaves cintilações no céu noturno”, “luminoso”, “como uma constelação”, “como uma nebulosa”, “como uma galáxia” e “como um canto sideral”.

Convém citar uma passagem de Prado, ao falar sobre a interpretação de sua obra, que descreve um universo emocional bastante adequado à NGC 3195: “Sem-pre emocional! Logicamente lírica. O intérprete tem que ter um emocional violento, um grande lirismo, essa coisa da respiração interrompida, para poder passar pra quem ouve. Ou então é inútil.” (PRADO apud MOREIRA, 2004, p. 76).

Considerações Finais

As observações analíticas, nomeadamente a técnica da harmonia peregrina empregada na primeira seção do movimento em questão e uso do tonal livre aliados à melodia atonal, bem como a observação da estrutura do movimento (forma No-

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turno), levaram à sugestões técnico-interpretativas apresentadas no decorrer deste trabalho que contribuíram para a construção da performance, dando ao intérprete um conhecimento mais amplo das possibilidades do instrumento e de seus timbres, contribuindo para a concepção mais íntima da obra e uma execução sólida e bem estruturada.

Referências

COSTA, Régis Gomide. Os Momentos de Almeida Prado: Laboratório de Experimento Composicionais. 1998. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

COSTA, Thiago de Freitas Câmara. A edição crítica e revisada dos Noturnos para pia-no de Almeida Prado. 2011. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, São Paulo.

GROSSO, Hideraldo. Os Prelúdios para piano de Almeida Prado: Fundamentos para uma interpretação. 1997. Dissertação (Mestrado em Música) – Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

MOREIRA, Adriana Lopes da Cunha. Flashes de Almeida Prado por ele mesmo. Opus – Revista da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música. Rio de Janeiro, ano X, n. 10, dezembro, p. 73-80, 2004.

SALLES, Paulo de Tarso. Aberturas e impasses: O pós modernismo na música e seus reflexos no Brasil – 1970-1980. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2005.

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Liberdade na arte: três encontros com a ópera contemporânea brasileira

Flavio Leite CorreiaUFRJ – [email protected]

Resumo: O presente artigo tem como objetivo traçar um paralelo entre três personagens de óperas brasileiras contemporâneas e suas relações com a busca do sentimento de liberdade. Através de um estudo de caso específico das óperas O Menino e a Liberdade, com música de Ronaldo Miranda e libreto de Jorge Coli, O Perigo da Arte, com música e libreto de Tim Rescala e A Estranha com música de Vagner Cunha e libreto de Antônio Rocco analisar como cada uma das obras tratou musicalmente, vocalmente e no próprio texto a relação entre as personagens escritas para a vocalidade de tenor; Rapaz, Fulano e Casemiro, respectivamente, com seus caminhos internos rumo à libertação de suas reali-dades opressoras, jornada essa comum a esses três protagonistas.Palavras-chave: Música. Ópera brasileira contemporânea. Voz.

Freedom in art: three meettings with brazilian contemporary óperaAbstract: This paper has as objective making a paralel between three characters from brazilian contemporary operas and their relations in their process searching for free-dom. Analysing the operas O Menino e a Liberdade, with music from Ronaldo Miranda and text from Jorge Coli, O Perigo da Arte, with text and music from Tim Rescala and A Estranha with music from Vagner Cunha and text from Antônio Rocco discusses how each one treated musicaly, textualy and vocaly the relations between this three major tenor rolls; Rapaz, Fulano and Casemiro, respectively, and their inner ways through the freedom from their opressive realities.Key-words: Music. Brazilian contemporary opera. Voice.

O Menino e a Liberdade – personagem O Rapaz.

A ópera em um ato O Menino e a Liberdade foi estreada no Theatro São Pedro de São Paulo no dia 1º de novembro de 2013 após ter sido encomendada pelo teatro ao compositor Ronaldo Miranda, tratando-se, portanto, de uma obra comissionada. O libretista foi Jorge Coli que adaptou a crônica de mesmo nome do poeta Paulo Bonfim, transformando-a em texto a ser musicado.

A história passa-se em São Paulo na década de 1950. Um menino entra em um taxi lotação acompanhado de sua mãe e, lendo a placa de “LIVRE” do taxímetro,

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pergunta a ela o que é ser livre. O questionamento da criança gera instantanea-mente em cada um dos passageiros do taxi lotação a mesma indagação. Cada um dos outros cinco ocupantes do veículo expõe em grandes cenas individuais, como se fossem grandes monólogos internos encenados nos seus pensamentos o que o conceito de liberdade significaria para cada um. O segundo a expressar-se em um monólogo é justamente o Rapaz, personagem escrito para o registro de tenor. A narrativa de sua grande cena inicia-se com uma introdução orquestral com textura musical de grande tensão por meio de dissonâncias e cromatismos sobrepostos. Caio Senna (2007, p.5) define textura musical como “a percepção imaginária de um espaço sonoro, em constante mutação, formado pelas alturas envolvidas na trama e individuado por elementos diversos, tais como agógica, dinâmica e timbre.” A ten-são continua presente na primeira parte da ária com a repetição de um cromatismo descendente na orquestra, onde o personagem descreve a rotina de seu dia a dia de pressões no trabalho e vida pessoal, ao relatar que ao chegar em casa continuará a ser questionado por seus pais quanto à sua vida pessoal. Quando virá o casamento, quando virão os netos são alguns dos questionamentos reproduzidos pelo Rapaz num clima crescente de tensão, ilustrados musicalmente pelo compositor por uma gama de texturas musicais sobrepostas na orquestração que culminarão na acusa-ção feita pelos pais dele ser o culpado de continuar solteiro pelo fato de ser muito exigente. Numa gradual mudança de cor, tempo e timbre na orquestração, esta-belece-se uma instantânea calma. Sobre timbre na música do século XX, Roberto Victorio nos diz:

Nesta fase da escrita musical ( séc. XX), podemos perceber o elo delimi-tante na fronteira do fazer e do notar música, em uma diluição progres-siva do percurso linear, enquanto intenção melódica, distanciamento da preocupação harmônica, como veio condutor de tensões e distensões e a conseqüente focalizarão em outro elemento musical que sempre existiu, porém relegado à uma “natural” finalização/resultado sonoro das junções e particularidades do processo de amálgama e distinção sonora: o timbre.(VICTORIO, 2003, p.2)

Inicia-se a segunda parte da ária com uma expansiva e expressiva frase lírica onde o Rapaz confessa seu amor por Sérgio, sintetizando toda a sua angústia prévia na confissão de seu amor homossexual escondido e reprimido pela sociedade de então. Seu sonho de liberdade seria poder realizar sem culpa este amor romântico com seu objeto de desejo. O compositor enfatiza o êxtase amoroso da personagem e paralela libertação das amarras de se ver obrigado a esconder seu amor em uma frase ascendente ao registro agudo de tenor, onde a personagem revela “…Pegar com afeto na mão dele quando der vontade, em qualquer lugar. Ah! Como eu queria amar o Sérgio sem culpa.”

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Fica muito clara a intenção do compositor em exaltar a liberdade de senti-mentos com uma expansiva escrita na zona aguda da voz, contrariando o peso da culpa e opressão expressadas no extremo grave do registro vocal, e traçando uma relação muito profunda entre texto e música, uma constante em toda a obra. A ópe-ra encerra-se com uma grande discussão entre todos os personagens a respeito dos conceitos filosóficos de liberdade.

O Perigo da Arte - personagem Fulano

A ópera em um ato O Perigo da Arte com libreto e música de Tim Rescala teve sua estreia brasileira no dia 20 de dezembro de 2014 na Sala Cecília Meireles no Rio de Janeiro. Após ter sido encomendada ao compositor pelo Ciclo de Ópera Contemporânea de Buenos Aires e estreada na capital argentina no ano anterior, a versão brasileira foi dentro da programação de reinauguração da Sala Cecília Meire-les, no Rio de Janeiro.

A história gira em torno do jovem artista plástico Fulano, oriundo de uma comunidade carente e violenta, que surge como um talento promissor das artes plásticas, realizando trabalhos desconcertantes, sobretudo performances, utilizan-do os materiais mais improváveis. Sob a influência de sua namorada e maior incen-tivadora, Valquíria, vinte anos mais velha do que ele, vão à casa de Felipe Tricano, ex-marido de Valquíria e maior crítico de arte do país, com o intuito de apresentar o artista ao crítico e pedir sua ajuda para alavancar a carreira de Fulano. Ao longo do jantar, o artista é apresentado ao submundo da atividade artística profissional, onde favores, críticas compradas e trocas das mais diversas são fatores que determi-nam o sucesso ou fracasso de uma carreira. Fulano sente-se ultrajado e tem que ser contido por Valquíria para não avançar sobre Felipe a cada novidade exposta pelo anfitrião. Ela pergunta então qual seria o preço para que o crítico colocasse sua influ-ência no mundo da arte em favor de Fulano. Diante das lagostas servidas por Felipe e da constante humilhação do dono da casa ao artista, sucedem-se três propostas por parte de Felipe. A primeira seria a revisão da pensão de sua ex-mulher, negada no momento por Valquíria. A segunda seria a troca de favores sexuais de Fulano em troca do apoio, também imediatamente negada por Valquíria. Fulano já não exibe mais a rebeldia que demonstrou quando lá chegou. Estava quase catatônico, não só por não saber se comportar à mesa, mas, principalmente, por estar assistindo a um negócio tendo como produto a sua obra, razão da sua vida e a desilusão que todas aquelas informações lhe causavam. Felipe então propõe sua última alternativa, um acordo financeiro em que ele ficaria com um percentual de 80% para ele e 20% para o artista.

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Um pequeno silêncio se faz na mesa. Valquíria questiona Fulano sobre a pro-posta. Sem voltar seu rosto para Valquíria, Fulano, apenas pergunta a Felipe como é que se prepara aquela comida tão diferente. Tricano responde que uma lagosta bem preparada deve ser cozida viva. Viva?, pergunta Fulano, surpreso. Sim, viva, responde Tricano. Depois de mais um novo silêncio, sem olhar para os dois, Fulano diz apenas: – Vocês dois agora terão a oportunidade de participar do meu último trabalho como artista plástico. A minha maior obra, o meu trabalho mais radical, que não poderá ser comparado a nenhum outro. Ninguém jamais ousará copiar este meu trabalho e ninguém jamais dirá que ele se parece com qualquer outro. O que se segue então é uma verdadeira carnificina. Fulano, até o momento o artista que tentava se encaixar nas regras vigentes para se inserir no mercado da arte e na so-ciedade como um todo, rompe com tudo e segue apenas seu instinto, matando bar-baramente Felipe e Valquíria, suicidando-se em seguida, libertando-se das amarras impostas pela idéia do mercado da arte.

A música de Rescala apresenta nesta obra os estilos propostos por Boudewi-jn Bucknix de música pós-moderna, a saber:

1) a poliestilística; 2)a “música narrativa” na qual “tudo prossegue com lógi-ca e continuamente, e mesmo assim não se sabe no que vai dar”; 3) a mú-sica momentânea que tem uma “natureza sonora sempre muito agradável, e cujas mudanças apenas tentam manter o estado atingido”; 4) a música múltipla - aglomerados inapreensíveis. (BUCKINX, 1998, p.62 e 63).

Basicamente atonal, remetendo à uma grande tensão em quase a totalidade da obra e ritmicamente muito elaborada, a partitura de Rescala é profundamente complexa do ponto de vista de escrita musical. O discurso musical segue sem inter-rupções; não há árias, duetos, ou números fechados, apenas pequenos interlúdios orquestrais separando a espacialidade das cenas.

A música do personagem Fulano é sempre a mais exaltada, a mais nervosa, de características completamente opostas a dos outros dois personagens. Sugerin-do o caráter de Fulano, que está sempre a um passo do descontrole, sua escrita apresenta grandes saltos ascendentes e descendentes aparentemente desconexos, mas profundamente ligados à coloquialidade de seu texo, fazendo uso inclusive de expressões e palavras de baixo calão, diferenciando-o por completo da verve cínica e contida dos outros dois personagens. Sobre o peso desta relação entre texto e música na música contemporânea, o compositor Luciano Berio (apud HERR, 2007, p.122) nos diz:

a verdadeira meta não seria todavia nem opor, nem mesclar dois sistemas expressivos distintos, mas sim criar uma relação de continuidade entre os

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mesmos, possibilitando a passagem de um para o outro sem que isto seja notório, sem que se tornem manifestas as diferenças entre uma conduta do tipo lógico-semântico (aquela que se adota em meio a uma mensagem falada) e uma conduta perceptiva de tipo musical, isto é, transcendente e oposta à precedente, seja no plano do conteúdo, seja no plano sonoro. (BE-RIO apud HERR 2007, p.122)

A opressão que toda a situação exposta ao artista no jantar de que o mer-cado da arte no qual ele quer se inserir não tem nada a ver com a sua visão ideali-zada e ingênua vai fazendo com que a música fique também cada vez mais densa, culminando no momento em que ele se liberta de toda aquela situação matando os outros dois e cometendo suicídio como seu último “ato artístico”.

A Estranha - personagem Casemiro

A ópera em um ato A Estranha de Vagner Cunha com libreto de Antônio Rocco é uma obra comissionada pelo produtor e diretor cênico norte americano Robert Driver. Ainda inédita, mas em fase de pré-produção e registro já podem ser anotadas algumas informações acerca da composição. Os personagens são a Mãe, mezzo soprano, Casemiro, tenor, a Estranha, soprano e Cachorrão, barítono.

A ação passa-se em São Paulo nos dias atuais e tem como pano de fundo um apartamento em frente ao viaduto “Minhocão”, onde vivem Casemiro, um homem solteiro por volta dos quarenta anos e um grande retrato de sua mãe, já falecida, que interage com o filho exercendo sobre ele uma total dominação emocional. Na noite do aniversário de Casemiro, onde ele comemora solitariamente com a mãe, com quem tem uma relação de amor e ódio, acontece um acidente no Minhocão e a festa é interrompida pela queda dentro do apartamento de uma jovem moça desacordada. Desde então Casemiro transfere sua total atenção e afeto à moça des-conhecida, resultando em uma revolta por parte da mãe, acostumada a ter a totali-dade das atenções do filho. Quando a moça finalmente acorda, relata que sofreu um acidente durante uma fuga da polícia com seu namorado, o traficante Cachorrão. Casemiro e a moça apaixonam-se à primeira vista, e o rapaz muda completamente de atitude depois deste sentimento. Antes tímido e retraído, agora corajoso e des-temido ao livrar-se da dominação materna e do traficante Cachorrão que vem ao apartamento atrás da moça que está envolvida em um assalto à banco, coincidente-mente, o mesmo banco onde Casemiro trabalha. Uma trama de ação desenvolve-se entre os quatro com um desenrolar surpreendente.

O compositor adota uma escrita tonal, com ritmos e métrica tradicionais e a estrutura da obra lembra a de um musical por intercalar diálogos falados entre

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os números claramente distinguíveis. São várias árias, duetos, tercetos e quartetos intermeados por diálogos falados. A ópera começa com uma grande introdução de orquestra simulando uma tempestade que emenda com a primeira ária da mãe, la-mentando-se da vida dentro daquele quadro, da chuva incessante e da ausência do filho. Casemiro chega e os dois começam um diálogo a respeito de seu aniversário em um tempo de valsa tragicômica. Casemiro lamenta-se posteriormente em uma ária de escrita lírica o fato de sua mãe sequer o ter cumprimentado pelo aniversário. A escrita culmina nos xingamentos do personagem à sua mãe com saltos à zona aguda da voz de tenor exatamente nas palavras “inútil” e “incompetente”. A partir da chegada da estranha à cena, muda a escrita musical para Casemiro, que começa a cantar frases mais líricas e temas mais inimistas revelando o impacto emocional causado pela presença da personagem do soprano. A obra tem dezesseis cenas mu-sicadas, terminando com um grande conjunto onde cantam todos os personagens.

Casemiro liberta-se do domínio desta figura materna através do amor que surge pela personagem da Estranha, mudando sua maneira de encarar os desafios de sua vida e sua própria visão de mundo.

Considerações Finais

Rapaz, Fulano e Casemiro, uma comparação

O ponto de convergência entre estes três personagens contemporâneos da ópera brasileira é a sua busca pela liberdade. Em suas diferentes esferas e universos textuais, musicais e vocais, os três percorrem ao longo de cada uma de sua ópera de origem um caminho diverso rumo à libertação.

No que se refere ao texto cada uma das obras segue um caráter distinto até em decorrência de suas situações de criação. Em O Menino e a Liberdade, Jorge Coli baseou-se na pequena crônica de Paulo Bonfim para criar o libreto. Aumentou-a, criou mais personagens e conflitos, entre eles o Rapaz, não existente como perso-nagem na crônica original. Coli usa no texto a forma culta da lîngua, até pelo fato da história passar-se nos anos 50, período histórico onde a norma culta da língua era o padrão. Sobre a adaptação de textos já existentes para um libreto, o próprio compositor Ronaldo Miranda nos esclarece:

Transpor uma obra de arte de um gênero para outro não é tarefa fácil. E, quase sempre, quem se arrisca a fazer uma adaptação arrisca-se a ser alvo de críticas e a ter o seu trabalho comparado (e diminuído) em relação ao ori-ginal abordado. No entanto, se efetivamente a maioria das adaptações são inferiores aos seus originais, há também honrosas exceções, mormente no

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gênero lírico, onde encontramos transposições que podem ser consideradas artisticamente equivalentes à matriz adaptada ou, até mesmo, superiores, em casos de flagrante desnível do romance ou da peça de teatro original. (MIRANDA, 2012, p. 97)

Já em O Perigo da Arte é o oposto. Rescala, responsável também pelo libreto da ópera, utiliza um português coloquial e, especificamente, no que se refere ao personagem Fulano, um português inculto, cheio de expressões coloquiais, gírias e expressões de baixo calão. Fulano é um personagem advindo de uma comunidade pobre e violenta e o libretista faz uso dessa linguagem até para caracterizar melhor o personagem e distanciá-lo socialmente ainda mais dos outros dois personagens da ópera. Em A Estranha, o texto segue o texto da peça teatral de mesmo nome de Antonio Rocco, também fazendo uso de uma linguagem absolutamente coloquial. A história passa-se na atualidade e é também recheado de expressões e gírias dos dias de hoje, muitas também de carater ofensivo e inculto. Há uma clara mudança no modo de falar de Casemiro quando refere-se à sua mãe, usando palavrões e xingamentos quando não está em sua presença. A medida que a história avança e há a clara evolução do personagem rumo à sua libertação daquela situação caseira opressora, sua maneira de expressar-se também muda e passa a falar palavrões também na presença de sua mãe.

Quanto ao carater de abordagem vocal os três personagens diferem-se substancialmente. Na obra de Miranda, o Rapaz possui uma escrita basicamente lírica, sugerindo ao intérprete o uso da tradicional técnica de canto culto ocidental, pois a própria condução das frases o pede, além da história situar-se na década de 1950, tempo dos grandes cantores de rádio no Brasil em que se cantava em portu-guês de maneira empostada.

Em A Estranha, a vocalidade do personagem Casemiro ainda está em pro-cesso de construção, pois a obra ainda não foi estreada. Caminha-se na direção de uma vocalidade ambígua, que em momentos fará uso dos recursos técnicos do can-to lírico e em outros momentos estará mais próxima do belting e à fala.

Em O perigo da arte a abordagem vocal é outra. Sugerida pela própria vio-lência da música e carater do personagem Fulano o estilo de produção vocal é muito mais próximo do que se chama de voz contemporânea. Sobre a escolha das técnicas a serem usadas na produção do canto, Martha Herr nos explica:

Se o conteúdo é que vai estabelecer as técnicas empregadas, a primeira ta-refa do músico seria a escolha das técnicas a serem utilizadas na criação da performance, apartir do entendimento dos elementos estilísticos utilizados pelo compositor e dos seus desdobramentos. (HERR, 2007, p.14)

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Já sobre a voz contemporânea, Susie Becker nos esclarece:

A voz contemporânea vem de um corpo que se quer livre e pleno, que reco-nhece suas imperfeições, contradições, seus ruídos, sua naturalidade, que admite sua dimensão erótica, sua agressividade. Somente com essa mudan-ça do entendimento ontológico do corpo que vai ocorrendo ao longo do sé-culo XX é que se pode imaginar outras formas possíveis de experimentação vocal. (BECKER, 2008, p.40).

O caminho percorrido pelo Rapaz em direção à vivência aberta de sua ho-mossexualidade; a obra de arte final de Fulano, matando seus algozes e cometendo suicídio, e a libertação de Casemiro da dominação do espírito dominador da Mãe traçam um paralelo entre esses três personagens independentes na produção ope-rística brasileira contemporânea que dialogam entre si no sentimento de busca de liberdade.

Referências:

BECKER, Susie. A voz contemporânea. Dissertação (Mestrado em Artes). Departa-mento de Música. Universidade de São Paulo, Escola de Comunicação e Ar-tes. São Paulo 2008.

BUCKINX, Boudewij. O pequeno pomo ou a História da Música do Pós-Modernismo. Ateliê Editorial. São Paulo, 1998.

HERR, Martha. Vozes em Conversa: a performance como produção em arte e ciên-cia. Tese (Livre Docência). Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista. São Paulo, 2007

MIRANDA, Ronaldo. Uma visão atual da ópera no Brasil: procedimentos cênicos--musicais. In: VOLPE, Maria Alice (org) Atualidade da ópera. Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2012.

SENNA, Caio. Textura Musical: Forma e Metáfora. Tese (Doutorado em Música). Pro-grama de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2007.

VICTORIO, Roberto. Timbre e Espaço- Tempo Musical. Territórios e Fronteiras – Re-vista do Mestrado em História da Universidade Federal do Mato Grosso, nº4, vol. 1. Mato Grosso, 2003.

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Listagem de softwares de editoração de partituras

Resumo: Com o intuito de reconhecer os inúmeros softwares de notação musical, efe-tuou-se, por meio da rede mundial de computadores, um levantamento dos principais programas dedicados a criação e difusão de partituras. Foram catalogados 39 softwares, dos quais quantificamos 9 compatíveis com o sistema operacional linux, 34 com win-dows, 25 com MacOS e 08 para tablets. Traçamos os programas comercializados e gratui-tos, além de apontarmos os dez softwares mais utilizados e suas qualidades.Palavras-chave: Softwares. Editoração. Partitura.

List of music publishing softwareAbstract: In order to provide knowledge of the most relevant music notation softwares, a survey was carried out on the world-wide web. Thirty software were found, of which nine were compatible with the Linux operating system, thirty-four with Windows and twenty-five with MacOS. A list of the programs was drawn up, indicating the commer-cials and the free ones, as well as their main technical qualities.Key-words: Software. Publishing. Score.

Introdução

Este trabalho é o recorte de uma pesquisa em andamento pelo PROMUS--UFRJ que visa a criação de um guia de editoração de partituras. O texto que segue pretende apresentar os principais softwares de editoração de partitura, bem como sua compatibilidade. Buscamos, panoramicamente, explorar os mais utilizados.

A editoração de partituras, no processo de construção do conhecimento musical, é de grande relevância para o performer, sendo mesmo considerada o prin-cipal elo entre a intenção do compositor e a execução do músico. Contudo, as inicia-tivas que se dedicam a esse mote de pesquisa ainda são escassas.

O crescimento exponencial das ferramentas de criação e difusão de parti-turas, disponíveis na rede, tem favorecido a edição de manuscritos autógrafos das

Eduardo Lucas da Silva UFRJ – [email protected]

Maria José ChevitareseUFRJ – [email protected]

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obras de compositores brasileiros. Entretanto, o desconhecimento das teorias e mé-todos editoriais tem contribuído com surgimento de inúmeros equívocos. Preten-demos, com esse artigo, contribuir com os profissionais que atuam nesse campo, e também com os demais profissionais da música, levando ao conhecimento desses uma lista com os softwares mais utilizados, a fim de que auxiliem na melhor compre-ensão e apresentação editorial das obras.

Visando minimizar essa problemática e disponibilizar referenciais tecnoló-gicos acerca da editoração, o presente trabalho apresenta um mapeamento e uma catalogação preliminar de softwares de editoração relacionados diretamente à prá-tica músical.

Materiais e Procedimentos Metodológicos

O levantamento de dados foi realizado, prioritariamente, por processamen-tos via internet. Posteriormente, ramificamos as buscas para sítios eletrônicos das empresas responsáveis pela criação dos softwares de notação, além de blogs, fóruns e comunidades que se dedicam a essa área.

Utilizamos a seguintes palavras-chave para a elaboração da lista: edição de partituras, softwares de edição de partituras, editores de partituras, programas de partituras, editoração musical, partituração, scorewriter, notation software, nota-tion program e aplicativos de partituras. No total foram catalogados 39 softwares, alguns disponíveis gratuitamente outros pagos. Acreditamos ter alcançado um nú-mero expressivo de sofwares, apesar de ressaltar que, seguramente, alguns não fo-ram incluídos.

Na elaboração do artigo, fez-se necessária a definição de dois termos utiliza-dos frequentemente de maneira equivocada, que são edição e editoração. A pesqui-sadora Ygayara apresenta claramente as definições dos dois termos:

A edição musical é o trabalho de preparação para publicação, e diz respeito às escolhas feitas na apresentação desse material, principalmente quando se trata do trabalho de uma outra pessoa que não o compositor. (YGAYARA, 2010).

A edição musical é o trabalho de preparação para publicação, ou seja, ele-mentos relacionados à apresentação gráfica do material, margem, layout, espaça-mento, fonte e, no caso de uma edição musicológica, esses elementos vão muito além das questões estéticas. É necessário um vasto estudo das fontes disponíveis ou escolhidas para a pesquisa. As escolhas do editor são de fundamental importância.

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Já sobre a editoração, Ygayara discorre:

Editoração é o trabalho de preparação técnica de originais. Chama-se edi-toração eletrônica o conjunto de atividades ou processos de montagem e apresentação gráfica, realizados por meio de programas e equipamentos computacionais. (YGAYARA, 2010)

A editoração é a utilização de programas e equipamentos computacionais.

Resultados e Discussões

Com o levantamento geral, identificamos e catalogamos 39 softwares com-patíveis com os três principais sistemas operacionais (Linux, MacOS, Windows) e versões para tablets, desenvolvidos por empresas, distribuídos gratuitamente ou comercializados.

Podemos observar, no gráfico 1, um total de 39 softwares, sendo 9 compatí-veis com o linux, 34 com windows, 25 com MacOS e 08 para tablets.

Um dos primeiros softwares de editoração de partituras foi o finale em 1988. Em seguinda , em 1993 surge o sibelius. O conjunto de dados apresentados evidencia um número significativo de programas, demonstrando um crescimento e sedimentação da prática de editorial mediado por programas.

Gráfico 1 – Softwares distribuídos entre os sistemas operacionais

O gráfico 2 demonstra a distribuição dos softwares comercializados e os gra-tuitos. Podemos destacar uma preponderância dos programas comercializados. Os

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softwares pagos somam um total de 51% e os gratuitos somam 49% do total. Apesar da pequena diferença, é válido ressaltar que os softwares pagos apresentam maior rigor e densidade comparada aos gratuitos.

Gráfico 2 – Distribuição geral dos softwares comercializados e gratuitos.

Entretanto, não intentamos trazer à tona julgamentos de valores e sim um percentual de produções bibliográficas generalizadas.

Apresentamos, no gráfico 3, um ranking com os dez melhores softwares de notação musical, essa classificação foi elaborado por Knoder (2015) disponível no site http://www.toptenreviews.com/. Listaremos a seguir alguns dos parâmetros adotados para a classificação: recursos musicais, input/output, recursos de edição, suporte técnico, notação para percussão, nomeclatura dos acordes, diagramas dos acordes para violão e tabulação para o violão. Ele ainda apresenta uma estimativa dos valores para cada um dos softwares.

Alguns dos programas pesquisados oferecem ferramentas interessantes, como o caso do musescores. Sua interface é intuitiva e colaborativa, o usuário é convidado a fazer um cadastro e posteriormente incentivado a compartillhar suas criações musicais pelo site do programa, podendo ter feedback do demais usuários.

Outra ferramenta útil, contudo comercializada, é o smartmusic desenvol-vida pela empresa makemusic, também desenvolvedora do finale. O smartmusic é um software educacional com compatibilidade direta com o finale. Nele o professor compartilha as lições com os alunos através do software, instalado em computado-res ou em tablets. Após o recebimento da lição, o aluno poderá tocar com o acom-panhamento do metrônomo do próprio programa, que também possui um sistema

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de recepção do som. Caso o aluno erre determinada nota, o programa acusará e apresentará a posição da nota para o aluno, em seu instrumento. Simultaneamente o programa envia os dados do estudo para o professor.

Considerações finais

A partir do exposto no presente texto, nota-se um crescimento significativo no desenvolvimento de softwares relacionados à criação de partituras nas últimas décadas. É visível o aumento no número de softwares compatíveis com diversos sistemas operacionais, em consonância com a demanda da área e, com efeito, ampliando o campo de atuação e difusão do material notacional. Além disso, ob-serva-se que as atualizações das ferramentas são constantes e estão associadas às exigências dos usuários.

Mesmo com esse avanço e oferta de programas, muitos músicos desconhe-cem as funções básicas dos programas, o que impacta diretamente nas produções editoriais brasileiras. O mapeamento e, posteriormente, a criação do guia para edi-toração de partituras que será disponibilizado em formato de sítio eletrônico, contri-buirá de forma a apontar e sanar as dúvidas inerentes a esse segmento.

Outro fator evidenciado é o surgimento de ferramentas tecnológicas criadas para facilitar o processo de ensino-aprendizagem, como o caso do smartmusic. A

Gráfico 3 – Ranking dos dez melhores softwares, segundo o site www.toptenreviews.com/.

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disponibilização desse trabalho também é de suma importância, pois possibilita aos estudantes e pesquisadores, acesso a softwares seguros e eficientes.

Referências

CASTAGNA, Paulo. Dualidades nas propostas editoriais da música brasileira. Per musi,. N.18, p7-16,2008.

FIGUEIREDO, Carlos Alberto. Música sacra e religiosa dos séculos XVIII e XIX: teorias e práticas editoriais. Edição 1. Rio de Janeiro: Ed. Do autor, 2014.

FONSECA, Felipe. Edição ou editoração? 2015. Disponível em <http://entrenotas.mus.br/>. 10/08/2016.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 2. ed. SP: Atlas, 1991. GOULD, Elaine. Behind Bars: the definitive guide to music notation. Faber Music Li-

mited, 2011.IGAYARA-SOUSA, Susana. Alguns aspectos sobre a edição de música. 2010. Disponí-

vel em <palcosepaginas.blogspot.com>. 10/08/2016.KNODER, Jonathan. Softwares de notação musical: os 10 melhores. 2015. Disponível

em http://www.toptenreviews.com/software/home/best-music-notation-sof-tware/. 09/10/2016.

Listagem dos softwares e sítios pesquisados na internet

1. abcexplorer – http://www.abcnotation.com/ [acessado 07/06/2012]2. Aria Maestosa – http://ariamaestosa.sourceforge.net/ [acessado 07/06/2012]3. Capella – http://www.capella-software.com/ [acessado 07/06/2012]4. Crescendo – http://www.nch.com.au/notation/ [acessado 07/06/2012]5. Denemo – http://www.denemo.org/ [acessado 07/06/2012]6. Dorico – https://www.steinberg.net [acessado 07/06/2012]7. EasyABC – http://www.nilsliberg.se/ksp/easyabc/ [acessado 07/06/2012]8. Encore – http://www.gvox-encore.at/ [acessado 07/06/2012]9. Finale – https://www.finalemusic.com/ [acessado 07/06/2012]10. Forte – http://www.fortenotation.com/ [acessado 07/06/2012]11. Frescobaldi – https://github.com/wbsoft/frescobaldi [acessado 07/06/2012]12. Gregorio – http://home.gna.org/gregorio/ [acessado 07/06/2012]13. Guitar Pro – https://www.guitar-pro.com [acessado 07/06/2012]14. Igor Engraver – http://noteheads.se/Welcome.html [acessado 07/06/2012]15. Impro-Visor– https://www.cs.hmc.edu/~keller/jazz/improvisor/ [acessado

07/06/2012]16. LilyPond – http://lilypond.org/ [acessado 07/06/2012]17. Logic Pro – http://www.apple.com/br/logic--pro/ [acessado 07/06/2012]

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18. MagicScore – http://www.musicaleditor.com/ [acessado 07/10/2012]19. Mozart – http://www.mozart.co.uk/ [acessado 07/06/2012]20. Mus2 – https://www.mus2.com.tr/en/ [acessado 07/06/2012]21. MusEdit – http://musedit.software.informer.com/4.0/ [acessado 07/06/2012]22. MuseScore – https://musescore.org/ [acessado 07/06/2012]23. MusicEase – http://www.musicease.com/ [acessado 07/06/2012]24. MusicTime Deluxe – http://www.passportmusic.com/ [acessado 07/06/2012]25. Musink – http://musink.net/ [acessado 07/06/2012]26. MusiXTeX – http://icking-music-archive.org/software/htdocs/ [acessado 07/06/2012]27. Noteflight – https://www.noteflight.com/ [acessado 07/06/2012]28. NoteWorthy Composer – https://noteworthycomposer.com/ [acessado 07/06/2012]29. Notion – http://www.presonus.com/products/Notation-Software [acessado

07/06/2012]30. Overture plus – https://sonicscores.com/overture/ [acessado 07/06/2012]31. Philip’s Music Scribe – http://people.ds.cam.ac.uk/ [acessado 07/06/2012]32. Rosegarden – http://www.rosegardenmusic.com/ [acessado 07/06/2012]33. ScoreCloud Studio – http://scorecloud.com/ [acessado 07/10/2012]34. Sibelius – http://www.avid.com/ [acessado 07/10/2012]35. SmartScore Pro – http://www.musitek.com/ [acessado 03/09/2012]36. Staffpad – https://www.staffpad.net/ [acessado 07/10/2012]37. Stave’n’Tabs – http://staventabs.com/ [acessado 07/10/2012]38. Symphonypro – http://symphonypro.net/ [acessado 05/10/2012]39. Tuxguitar – http://tuxguitar.herac.com.ar/ [acessado 07/10/2012]40. Toptenreviews – http://www.toptenreviews.com/software/home/best-music-no-

tation-software/ [acessado 07/06/2012]

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O Nonetto e as palhetas duplas na música de câmara de Villa-Lobos antes de Paris

Janaina Botelho PerottoUFRJ – [email protected]

Resumo: O presente artigo tem como objetivo abordar diferentes questões técnicas e interpretativas referentes ao Nonetto, de Villa-Lobos, no contexto de sua produção ca-merística anterior a seu primeiro contato com a cidade de Paris, a partir de 1923. Com ênfase nas partes de palhetas duplas, a autora comenta as importantes contribuições de Villa-Lobos para a renovação da linguagem composicional para esses instrumentos na música brasileira de concerto e a importância desses aspectos para a interpretação deste repertório.Palavras-chave: Villa-Lobos. Música brasileira. Música de câmara. Interpretação.

The “Nonetto” and the double reeds in the chamber music of Villa-Lobos before ParisAbstract: The development of the present paper was intended to approach techni-cal and musical issues concerning Heitor Villa-Lobos’s “Nonetto”, in the context of this composer’s chamber music prior to his first contact with the city of Paris, in 1923. Focused on the double reeds, the author comments the important contribu-tions by Villa-Lobos to renewing the compositional language for these instruments in Brazilian concert music and the importance of these aspects when interpreting this repertoire.Key-words: Villa-Lobos. Brazilian music. Chamber music. Interpretation.

Introdução

Segundo Eurico Nogueira França, a melhor maneira de observar a evolução do compositor Heitor Villa-Lobos e a solidificação de sua personalidade musical é através da sua obra camerística (França, 1976). Nela, podemos observar claramente as influências estilísticas e os caminhos percorridos em direção a seu estilo próprio.

Esta parte da criação musical de Villa-Lobos se divide em algumas fases, não muito difíceis de serem identificadas, e sua trajetória como compositor se ini-cia logo no início do século XX. As obras deste primeiro período – que vai de 1899 a 1912 – são consideradas como de aprendizado e bastante artesanais (Nóbrega,

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1973:24). É a partir da década de 1910, quando temos os primeiros registros de execuções públicas de suas peças, que Villa-Lobos realmente começaria a despontar como compositor, transitando entre diferentes orientações estéticas até atingir sua maturidade (Guérios, 2003:103).

Analisando as primeiras peças produzidas por Villa-Lobos durante aquela década e os elementos estéticos do qual fazia uso, é possível constatar que o com-positor ainda não ousava chocar o meio musical no qual estava inserido. As forma-ções instrumentais inusitadas e, sobretudo, os elementos do folclore e da música popular do Brasil – que tanto viriam a caracterizar sua obra futuramente – ainda não eram apreciados entre as classes dominantes e pelos influentes críticos de música, ainda voltados para as antigas tradições europeias.

Apesar de estas alusões à música popular e ao folclore brasileiro ainda se-rem vistas com reserva nos círculos dominantes, um anseio por novas sonoridades e possibilidades criativas começava a brotar, não apenas em círculos sociais intelec-tualizados e mais a par das correntes estéticas que agitavam a Europa, mas também no meio acadêmico musical brasileiro. As palavras de Alberto Nepomuceno para a Revista Teatral, em 1917, nos mostram um pouco desta busca dos compositores brasileiros por sua identidade nacional.

As notas características da música popular brasileira são as indicativas das suas origens étnicas indígena, africana e peninsular; são fatores de impor-tância o mouro e o cigano. Infelizmente a parte musical nos estudos do fol-clore brasileiro não foi estudada. Esses elementos ainda não estão incor-porados ao patrimônio artístico dos nossos compositores. Será por culpa da nossa educação musical europeia refinada, que impede a aproximação do artista flor da civilização – e da alma singela e simples dos sertanejos [...] ou será por não ter aparecido ainda um gênio musical imbuído de sen-timentos regionalistas que, segregando-se de toda influência estrangeira, consiga criar uma música brasileira [...] sincera, simples, mística [...], tenaz e humanamente sofredora, como o são a alma e o povo do sertão.” (apud Corrêa do Lago, 2010, p.45)

No ano em que Nepomuceno concedeu esta entrevista, chegava ao Brasil outro importante nome para a evolução desta possibilidade de incorporação da ri-queza folclórica à composição musical erudita: o compositor francês Darius Milhaud (1892-1974).

Formado pelo Conservatório de Paris e aluno particular de Vincent D’Indy, Milhaud chegou ao Rio de Janeiro em novembro de 1917, na missão diplomática de Paul Claudel, que se estenderia até o final de 1918. Neste período, o então jovem compositor, que viria a fazer parte do Grupo dos Seis, conviveu intensamente com

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músicos brasileiros, observando e absorvendo com entusiasmo a cultura brasileira, além de promover concertos e artistas de destaque no cenário internacional (Corrêa do Lago, 2010: 69).

Milhaud manteve contato com os compositores cariocas desde a geração de Nepomuceno e Braga até Luciano Gallet (1893-1931) e Villa-Lobos, mas o círculo que frequentava com maior assiduidade e com quem desenvolveu um relaciona-mento mais estreito, era formado pelo professor e pianista Godofredo Leão Veloso (1859-1926), sua filha, Nininha Veloso Guerra (1895-1921) e seu genro, Oswaldo Guerra (1892-1980).

A importância destes personagens na cidade do Rio de Janeiro, nos anos que antecederam a Semana de 22, reside no fato de terem criado um ativo núcleo musical voltado para a difusão de repertório pouco convencional (tanto estrangei-ro quanto brasileiro), e o fomento de novas ideias musicais. Através de concertos e leituras, as práticas de Debussy, D’Indy, Milhaud, Ravel, Eric Satie (1866-1925) e Charles Koechlin (1867-1950), se tornavam familiares entre os músicos e composi-tores que frequentavam este grupo, apesar de muitas daquelas obras serem ainda desconhecidas pelo grande público.

Ainda é difícil precisar detalhes do contato de Villa-Lobos com o círculo Velo-so-Guerra neste período. Porém, algumas evidências podem ajudar a esclarecer os pontos considerados vagos a respeito de sua formação e das influências estilísticas que sofreu – e que marcaram fortemente o início de suas tentativas modernas e nacionalistas. Em seu livro Presença de Villa-Lobos, Ademar Nóbrega afirma que foi o professor Leão Veloso quem forneceu ao compositor um exemplar do Cours de Composition Musicale, de Vincent D’Indy, a quem sempre atribuiu grande importân-cia em sua concepção musical (Corrêa do Lago, 2010:80).

O primeiro contato do compositor com a capital francesa se deu em 1923 e influenciaria dramaticamente sua escrita musical no tocante à harmonia, à concep-ção rítmica e à motivação temática. No entanto, algumas peças anteriores a este período já apontam uma inclinação para estas tendências e são importantes para melhor compreendermos os passos desta evolução nos procedimentos composicio-nais de Villa-Lobos (Guérios, 2003).

Apesar de pouco numerosas, cada peça deste período apresenta o desenvol-vimento de, pelo menos, uma das características que serão plenamente incorporadas à escrita villalobiana: instrumentações não usuais, o emprego de elementos rítmicos e melódicos oriundos da música popular brasileira, o uso sistemático de polirritmias

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e superposições de acordes. São elas: Sexteto Místico, Trio e Nonetto, compostas em 1917, 1921, 1923, respectivamente. Este artigo propõe um olhar sobre o Nonetto, por reunir vários dos elementos marcantes nesta fase transitória na linguagem desse compositor brasileiro, que são importantes para a construção de uma interpretação para instrumentistas de palhetas duplas e demais intérpretes do conjunto.

Nonetto – Impressão rápida de todo o Brasil

Escrito entre o Rio de Janeiro e Paris nos anos de 1923 e 1924, o Nonetto é considerado por críticos e musicólogos como um dos mais impressionantes traba-lhos para formação camerística da autoria de Villa-Lobos (Corbin, 2006:41).

A peça se destaca pela especial combinação de instrumentos (característica já observada em seu Sexteto Místico): um conjunto de sopros formado por flauta, oboé, clarineta, fagote e saxofone se unem a uma harpa, piano, celesta, coro misto e percussão – esta última consistindo de um grande elenco de instrumentos típicos do Brasil. A formação dos sopros remete à tradicional formação de quinteto de sopros, apenas com o saxofone no lugar da trompa.

Estreada com grande sucesso em Paris, no ano em que foi concluída, a peça se propõe a retratar em sons todo o território brasileiro e seus diferentes elementos culturais. Nela parecem estar representados o choro, o baião, o batuque, as culturas indígena e africana, além de aspectos da natureza brasileira retratados através de uma enorme gama de coloridos e texturas.

Composta de um único movimento dividido em sessões, a peça é repleta de combinações rítmicas e harmônicas ousadas e pouco comuns na música brasi-leira até então. O recurso do ritmo como elemento composicional foi redescoberto e novamente valorizado por compositores do início do século XX e, nesta peça, é explorado através de polirritmias raras e constantes deslocamentos de compasso e acentuação. Estes elementos se tornariam características marcantes da música de Villa-Lobos (Fagerlande, 2010).

No que diz respeito à escrita para palhetas duplas, o Nonetto apresenta o oboé e o fagote atuando tanto na forma de melodias alusivas ao choro, quanto em efeitos sonoros pouco convencionais para a técnica usual, como já observado em seu Trio, escrito em 1921, segundo o catálogo do Museu Villa-Lobos.

É válido destacar que, ao explorar os aspectos rítmicos desta maneira parti-cular, o compositor proporciona aos instrumentistas a oportunidade de desenvolver

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possibilidades sonoras além daquelas consideradas tradicionais até então. No caso dos instrumentos de palhetas, a questão das diferentes possibilidades de “ataque”, ou emissão das notas, exigidas de acordo com as minuciosas articulações escritas por Villa-Lobos, também é digna de atenção especial. É provável que sua experiência como violoncelista tenha influenciado o emprego de notações pouco usuais para instrumentos de sopro (Justi, 1996:91).

O Nonetto tem início com um solo de saxofone, totalmente descoberto, em motivo claramente inspirado no choro; aqui representado na convenção do solo me-lódico, sincopado e dentro de figurações rítmicas características do gênero. A passa-gem de saxofone é permeada com breves intervenções dos demais instrumentos de sopro, em trinados, ostinati e glissandi. Esta sequência se encerra com a entrada do fagote, em desenho semelhante ao solista inicial da peça.

Figura 1 - Nonetto – solo de saxofone, c. 1 e 2.

O tratamento dado às madeiras se assemelha à linguagem já observada no Trio, para oboé, clarineta e fagote. Villa-Lobos explora as regiões extremas dos ins-trumentos, articulações ágeis em ritmos tipicamente brasileiros, e acentuações e dinâmicas de impacto. Estes efeitos são alternados com momentos de caráter mais expressivo e seresteiro.

A figura abaixo demonstra este tipo de escrita, onde o oboé é explorado re-

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petidamente em sua nota mais grave, Si bemol, aliada a uma indicação de dinâmica forte e sucessivos acentos.

Figura 2 - Nonetto - c. 17 a 20.

E, logo em seguida, assume uma linha melódica de caráter contrastante, exigindo do intérprete um tipo de sonoridade completamente diferente.

Figura 3 - Nonetto - Solo de oboé, c. 28 a 32.

A sonoridade das madeiras tende a ser encoberta nos momentos onde coro e percussão estão presentes em toda sua intensidade. Mas, nem por isto, a escrita para estes instrumentos deixa de ser cuidadosamente elaborada. Villa-Lobos inova

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completamente ao solicitar a realização de um destes efeitos de forma especial, através de técnica fora dos padrões na música brasileira conhecida até então. Ao clarinetista, é indicado que retire a boquilha e assopre a clarineta como uma trompa ou, caso não consiga executar sua linha melódica daquela maneira, que cante as notas na altura correta como num mirliton1.

O espírito festivo retorna no número 40, com o ostinato em semicolcheias novamente na voz do oboé, a síncope no fagote e o ritmo marcado pelo reco-reco.

Em nova entrada solista do conjunto de sopros, na seção intitulada Plus vite, Villa-Lobos trabalha intensamente com articulações e acentuações, observadas nas vozes do fagote e do oboé.

A peça se encerra com grande solo do coro em curtas palavras alusivas aos idiomas africanos, repetidas ciclicamente. As madeiras estarão em repouso, a não ser por breves intervenções de efeitos, até o início do tutti final, onde múltiplos efeitos se encontram em dinâmica extrema.

Considerações finais

Um olhar especificamente direcionado para a escrita de Villa-Lobos para palhetas duplas no período que antecedeu sua primeira experiência europeia de-monstra seu conhecimento, mesmo que intuitivo, sobre as possibilidades destes

1 Termo genérico, de origem francesa, para designar instrumentos de sopro em que o som pode ser produzido pela fala ou pelo canto, através de uma membrana ou película vibratória. O tipo mais frequente de mirliton combina esta membrana com um corpo cilíndrico ou cônico, para melhor projeção do som.

Figura 4 - Nonetto - c. 309 a 313.

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Figura 5 - Nonetto - c. c. 363 a 368.

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Figura 6 - Nonetto - c. 381 a 385.

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instrumentos. Um olhar ainda mais atento revela os inúmeros desafios e, conse-quentemente, as contribuições para a ampliação dos limites de suas técnicas con-vencionais – essenciais para traduzir as ideias musicais de Villa-Lobos. O compositor ousa ao explorar o oboé e o fagote em novo potencial, situando-os corajosamente na estética modernista brasileira.

A autora acredita que o conhecimento dos gêneros populares e a observa-ção dos elementos composicionais que, gradualmente, se somaram a sua escrita são importantes para uma performance deste repertório que vise transmitir o ímpeto criativo e renovador do então jovem compositor brasileiro.

Referências

CORBIN Dwayne Vincent. The Three Wind/Choral Works of Heitor Villa-Lobos: Qua-tuor, Nonetto, and Choros nº 3. Tese de Doutorado. University of Cincinnati, EUA, 2006.

FAGERLANDE Aloysio Moraes Rego. Trio (1921) para oboé, clarineta e fagote, de Heitor Villa-Lobos: Uma abordagem interpretativa. Opus, Goiânia, v. 16, n. 1, p. 70-98, jun. 2010.

FRANÇA, Eurico Nogueira. A Evolução de Villa-Lobos na música de câmara. Rio de Janeiro: MEC, 1978.

GUÉRIOS, Paulo Renato. Heitor Villa-Lobos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.JUSTI, Luis Carlos. O TRIO (1921) de Villa-Lobos para oboé, clarineta e fagote: Revi-

são da partitura com vistas a um estudo da interpretação. Dissertação de Mestrado. UNIRIO, Brasil, 1996.

LAGO, Manuel Aranha Corrêa do. O Círculo Veloso-Guerra e Darius Milhaud no Brasil – Modernismo musical no Rio de Janeiro antes da Semana. Rio de Janeiro: Reler, 2010.

NÓBREGA, Adhemar. Os Choros de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC, 1973.VILLA-LOBOS, Heitor. Nonetto. Paris: Max Eschig.VILLA-LOBOS, Museu. Villa-Lobos: sua obra. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos, 1989.

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O primeiro movimento da Sonatina Dodecafônica para dois violões de Marcos Alan, sob a ótica Tripartite (Nattiez): análise

indutiva

Sergio Vitor RibeiroUFRJ – [email protected]

Resumo: O presente artigo é fruto de uma pesquisa que está sendo desenvolvida no PPGM/UFRJ, onde analisamos, sob a ótica tripartite de Molino/Nattiez (1975), obras do compositor Marcos Alan (1956-1973), a fim de explicitar seus procedimentos poéticos e suas principais influências. A Semiologia Musical Tripartite sugere seis momentos analí-ticos possíveis: a) Imanente ou análise do nível neutro; b) Poiética indutiva; c) Estésica indutiva; d) Poiética externa; e) Estésica externa; f) Comunicação musical. Neste primeiro relatório, passamos pela metade do processo descrito acima, ou seja, pelas famílias de análise “a)”, “b)” e “c)”, evidenciando as práticas criativas de Marcos Alan e levantando hipóteses sobre como sua música será percebida, através do resultado parcial da análise do primeiro movimento da Sonatina Dodecafônica para dois violões.Palavras-chave: Semiologia musical. Dodecafonismo. Marcos Alan. Violão.

The first moviment of Sonatina Dodecafônica for two guitars by Marcos Alan, from the perspective Tripartite (Nattiez, 1975): the inductive analysesAbstract: This article is the result of a research that is being developed in the PPGM/UFRJ, in which we analyze, from the tripartite viewpoint of Molino / Nattiez (1975), works by composer Marcos Alan (1956-1973), in order to explain his poetic procedures and his main influences. The Musical Semiology suggests six possible analytical mo-ments: a) Immanent or analysis of the neutral level; b) Inductive poietic; c) Inductive aesthetic; d) External poietic; e) External esthetics; f) Musical communication. In this first report, we pass through half of the process described above, that is, the analysis families “a)”, “b)” and “c)”, in order to highlight the creative practices of Marcos Alan and to raise hypotheses about how his Music may be perceived. Thus, we present the partial result of the analysis of the first movement of the Sonatina Dodecafônica for two guitars.Key-words: Musical Semiology. Twelve-tone technique. Marcos Alan. Guitar.

Introdução

Com este artigo, iniciamos uma série de análises dedicadas à música do compositor e violonista Marcos Alan (1956-1973). Direcionados pela Semiologia Tri-partite de J. J. Nattiez (1975), abordaremos diferentes aspectos de sua obra, a fim de explicitar seus procedimentos poéticos e suas principais influências, para que

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assim possamos compreendê-la. Obviamente, seria inviável uma análise minuciosa de todas as composições de Alan. Por isso, elencaremos peças das diferentes fases criativas do compositor apontadas por José (2015:143-144), em que encontramos linguagens composicionais diversas.

Resumidamente, a teoria analítica de Jean-Jacques Nattiez (1975; 1987) está baseada no modelo semiológico tripartite de Jean Molino (1975), que vê uma forma simbólica por três prismas: a dimensão poiética, a dimensão estésica e o nível neutro, abandonando o antigo modelo clássico de comunicação, no qual o receptor é um ser passivo. Segundo Nattiez, a semiologia

é o estudo da especificidade do funcionamento das formas simbólicas, isto é, a análise da organização material de seus signos (a análise do nível neutro) e dos fenômenos de remissão provocados por esses signos: essas remissões se repartem entre o polo poiético e o polo estésico. A análise do nível neutro descreve formas e estruturas mais ou menos regulares [...]; as análises poi-éticas e estésicas descrevem e interpretam processos. (NATTIEZ, 2002: 16).

Trazendo esta ideia para o universo musical, temos: a partitura como o nível neutro – ou imanente, como prefere Nattiez –; o processo de composição como o nível poiético; a interpretação e percepção da obra como o nível estésico. Nesta perspectiva, não há necessariamente uma transmissão de informações do emissor para o receptor, pois “o poiético não tem vocação para se comunicar” (MOLINO apud NATTIEZ, 1990:17) e “a percepção é, aqui, um processo ativo de reconstrução de mensagem” (NATTIEZ:1990:54).

Partindo destes três níveis assumidos pela semiologia de Molino, Nattiez classifica seis diferentes famílias de análise musical possíveis: a) Imanente ou aná-lise do nível neutro: é a análise que aponta a configuração imanente da obra sem observar a pertinência poiética ou estésica daquilo que foi discernido; b) Poiética indutiva: é a análise que busca extrair da partitura (nível neutro) conclusões acerca do processo composicional; c) Estésica indutiva: quando o analista aponta aquilo que hipoteticamente será ouvido pelo ouvinte; d) Poiética externa: é a análise que busca informações externas a partitura (esboços, cartas, cadernos de estudo, etc) para auxiliar a análise da configuração da obra; e) Estésica externa: inversamente, parte-se dos depoimentos dos ouvintes para tentar saber como a obra foi percebida; e f) Comunicação musical: aqui o analista considera a análise imanente tão relevante quanto as análises poiética e estésica. Observe, na figura abaixo, o processo deta-lhado por Nattiez (Fig.1)

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Neste artigo, passaremos pela metade do processo descrito acima, ou seja, pelas famílias de análise “a)”, “b)” e “c)”, a fim de evidenciar as práticas criativas de Marcos Alan1 e levantar hipóteses sobre como sua música será percebida. Para isso, apresentaremos o resultado parcial da análise do primeiro movimento da Sonatina Dodecafônica para dois violões2.

Análise

1- O Nível neutro, ou imanente

O primeiro movimento da Sonatina de Marcos Alan pode ser dividido em quatro seções. A primeira abrange os compassos 1-8 e é caracterizada pela utiliza-ção de quatro formas da matriz dodecafônica da principal série da obra, como vere-mos em tópico posterior, e pela textura predominantemente monofônica, em que partes da linha melódica são apresentadas alternadamente em ambos os violões. A segunda seção, scherzando, abrange os compassos 9-34 e é caracterizada pela utilização de três novas séries dodecafônica e suas respectivas formas retrógradas, e ainda pela textura mais densa do que a encontrada na seção anterior, com aparições frequentes de acordes em ambos os instrumentos. A terceira seção, compassos 35-41, é a repetição variada da primeira. A quarta e última seção, compassos 42-47,

1 Por se tratar da abordagem dos níveis neutro e poiético e estésico indutivos da obra, não apresentaremos informações a respeito da biografia do compositor, algo que faremos quando da análise poiética externa.

2 A obra, ainda inédita, será estreada pelo Duo Dístico (do qual o autor do artigo é inte-grante) em dezembro de 2016.

Figura 1. Esquema analítico apresentado por Nattiez (2002).

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volta a apresentar a mesma textura da segunda seção, mas com a apresentação de três novas séries. Finalmente, os dois últimos compassos, 48-49, classificados aqui como ‘coda’ apresentam a escala cromática em quase toda a extensão do violão, do Mi1 ao .

2- Poiética e estésica indutivas

Nesta subseção, optamos por misturar os comentários referentes às duas famílias de análises indutivas, pois na visão do próprio Nattiez, não seria possível a separação entre a percepção e a semântica durante uma audição (2005: 37). Assim, se em algum momento deduzirmos que o compositor teve a intenção de criar um contraste rítmico, por exemplo, seremos levados a avaliar se tal contraste será ou não percebido pelo ouvinte. Em suma, nossas observações serão direcionadas a três aspectos: células, hemíolas e séries.

Para a identificação das células encontradas na peça, observamos suas con-figurações rítmicas, seus contornos melódicos e suas articulações. A primeira célula, logo no primeiro compasso, é caracterizada por uma figuração rítmica de três semi-colcheias, apresentando variações no contorno melódico no decorrer da peça. Por isso, as identificaremos com a letra ‘A’ mais o segmento de contorno3 apresentado em cada uma de suas variações. São elas: A<012>; A<120>, A<021>, A<210>, A<2> e A<102> (Fig.2). A segunda célula, que chamamos de célula ‘B’ (Fig.2), é ritmicamen-te contrastante à primeira, pois nesta ouvimos naturalmente um acento métrico a cada três notas, enquanto na segunda célula o acento é percebido a cada duas no-tas, ou seja, ambas as células, se superpostas, caracterizariam uma hemíola. Como veremos, esta relação é recorrente e por isso uma das características mais marcan-tes da peça. A terceira célula, identificada com a letra ‘C’, é quase uma variação da célula B, já que a unidade de tempo continua sendo ternária, mas agora sem a repetição de notas (Fig.2).

3 “O fundamento básico da teoria dos contornos é a abstração dos parâmetros, que, a partir da relativização dos valores absolutos, permite o uso de uma notação numérica que expressa a organização hierárquica dos elementos constituintes do contorno. Tal notação consiste na ordenação dos elementos do menor (ou mais simples) notado como zero até n-1, no qual n é o número total de elementos diferentes no contorno. Um con-torno < 1 2 0 >, por exemplo, demonstra uma estrutura musical que se inicia no valor intermediário, segue ao maior e conclui no menor, o que pode ser aplicado a diferentes parâmetros musicais” (MOREIRA, 2016:100). Para mais informações sobre Contorno Melódico ver Friedman (1985) e Morris (1987).

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Figura 2. Células A, B e C da Sonatina Dodecafônica de Marcos Alan.

E, finalmente, as duas últimas células, ‘D’ e ‘E’, são tricordes que diferem apenas na configuração rítmica. Enquanto uma é formada por três acordes em col-cheias, a outra é formada por quatro acordes em colcheias pontuadas (Fig.3). Ob-serve que estas células se superpostas também caracterizariam uma hemíola, assim como na relação entre as células ‘A’ e ‘B’.

Figura 3. Células D e E da Sonatina Dodecafônica de Marcos Alan.

Durante todo o primeiro movimento da Sonatina Dodecafônica, Marcos Alan explora a dualidade entre as unidades de tempo binária e ternária. Mas como não há definição de fórmulas de compasso na peça, tal dualidade é percebida graças ao emprego de diferentes recursos pelo compositor, como a articulação das notas, a distribuição melódica entre os intérpretes, o contorno melódico, além das mudan-ças nas figuras rítmicas. Veja no exemplo abaixo (Fig.4):

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Note no exemplo de distribuição acima, que a forma como Alan divide o ma-terial melódico entre os intérpretes pode levar o ouvinte a sentir o pulso de três em três notas, pois cada entrada origina um acento natural, gerando uma unidade de tempo binária (considerando-se a semínima pontuada como a unidade de tempo, sempre). Mas observe que, logo em seguida, o compositor altera o contorno da me-lodia, repetindo as notas Sol, Lá Sol, Lá e Fá no segundo violão, levando o ouvinte a perceber um acento a cada duas notas, gerando uma unidade de tempo ternária.

Em seguida, faremos algumas observações referentes à técnica serial em-pregada por Marcos Alan. A série geradora4 da peça é formada por dois tricordes da classe de conjuntos [012], seguidos de dois tricordes da classe de conjuntos [014]. Consequentemente, os dois hexacordes da série se complementam, pois pertencem à mesma classe de conjunto [012345]. Veja, abaixo (Fig.5):

4 Tal série é utilizada também no terceiro movimento da obra.

Figura 4. Recursos geradores da dualidade “pulso binário ← → pulso terná-rio” na Sonatina Dodecafônica de Marcos Alan.

Figura 5. Classes de conjuntos encontradas na série geradora da Sonatina. Dodecafônica de Marcos Alan.

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Alan, inclusive, inicia a obra apresentando o primeiro hexacorde da série em sua forma normal, ou seja, em sequência cromática. Como mencionado em tópico anterior, na primeira seção, encontramos quatro formas da série geradora: OB (B 0 1 2 3 4 5 9 8 A 7 6) e sua forma retrógrada RB; R5 (0 1 4 2 3 B A 9 8 7 6 5); e IB (B A 9 8 7 6 5 1 2 0 3 4).

A figura abaixo apresenta a estrutura da série original invertida utilizada pelo compositor no início da segunda seção. Note que a série mantem a mesma estrutura da forma original (Fig.6).

Figura 6. Classes de conjuntos encontradas na inversão da série geradora na Sonatina Dodecafônica de Marcos Alan.

Ademais, o mais importante para o desenvolvimento da obra é a organiza-ção de seus tricordes. No exemplo abaixo (Fig.7), observe que as classes de notas mais graves de cada acorde (B 8 2 4) fazem parte do primeiro tetracorde da nova série apresentada no compasso seguinte, a qual identificamos como iiOB5 . As notas medianas dos tricordes em IB (A 7 1 0) formam o segundo tetracorde da série iiOB, enquanto as notas mais agudas dos tricordes IB (9 6 5 3) formam o tetracorde final da nova série.

5 Os números romanos que antecedem a representação das séries têm a função de infor-ma a ordem de aparição dentro da peça. Por exemplo: iiOB é a segunda série geradora apresentada na peça, enquanto a forma iiRB é sua forma retrógrada. O mesmo serve para as séries iiiO9, ivO4, vO3, viO0 e viiO0, que aparecem mais a frente.

Figura 7. Criação da nova série iiOB a partir dos tricordes da série IB.

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A série iiOB não tem relação estrutural com as séries anteriores. A única expli-cação para sua aparição na peça é mesmo o fato de ter sido gerada a partir da organi-zação vertical dos tricordes de IB, como vimos acima. E o compositor procede da mes-ma maneira em outros trechos. Cinco novas séries foram apresentadas por Marcos Alan, utilizando-se do mesmo recurso. A partir da série IB, o compositor cria a terceira série original iiiO9 (9 6 5 3 A 7 1 0 B 8 2 4) (Fig.8). De sua forma retrógrada, iiiR9 (4 2 8 B 0 1 7 A 3 5 6 9), o compositor gera a quarta série original, ivO4 (4 B 7 5 2 1 A 6 8 0 3 9). Da mesma maneira, de ivR4 (9 3 0 8 6 A 1 2 5 7 B 3), Alan cria a quinta e a sexta séries da peça, vO3 (3 A 2 4 9 6 5 B 0 8 1 7) e viO0 (0 8 1 7 9 6 5 B 3 A 2 4). E, enfim, da série vO3, Alan extrai a sétima série original da obra, viiO0 (0 7 5 A 8 9 B 2 1 6 3 4).

Figura 8. Mais um exemplo da geração de novas séries por Alan. Aqui, o compositor cria a série iiiO9 a partir dos tricordes da série IB.

Finalizando, Alan apresenta a escala cromática – lembrando a forma como iniciou a obra – por quase toda a extensão do violão (do Mi1 ao S. No entanto, interpretamos este conteúdo como sendo os primeiros hexacordes de duas séries encontradas na matriz dodecafônica da série inicial, as séries AO (A B 0 1 2 3 4 8 7 9 6 5) e O4 (4 5 6 7 8 9 A 2 1 3 0 B) (Fig.9). A peça encerra na nota tocada pelo primeiro violão, enquanto o tricorde (4 B 7) é realizado pelo segundo violão, conse-quentemente, formando o tetracorde (4 7 A B) – um Mi menor tocado em cima de um S (Fig.9) – que não tem qualquer relação com a série geradora da peça. Ade-mais, o referido tricorde pertence à quarta série original, ivO4.

Figura 9. Hexacordes encontrados na ‘Coda’ da Sonatina Dodecafônica de Marcos Alan.

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Considerações finais

Como antecipamos no início do artigo, restringimos a análise apenas aos níveis imanente, poiético e estésico indutivos. Com isso, demos o primeiro passo para o entendimento da poética de Marcos Alan, apontando, principalmente, suas maneiras de trabalhar com a textura rítmica e com a técnica serial. Continuaremos a pesquisa aplicando esta abordagem analítica em outras obras selecionadas, bus-cando adquirir informações suficientes para que possamos criar relações entre os processos criativos recorrentes em suas obras, dando inicio, então, a análise poiética externa.

Referências

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Projetos sociais em música: uma revisão de literatura

Joab MunizUFRJ – [email protected]

Resumo: Este fenômeno mundial conhecido como Projeto Social em Música, tem cha-mado a atenção por sua eficácia, e seu poder transformador tendo mudado para melhor a vida de muitas pessoas. Este artigo busca através de uma revisão de literatura, dar um panorama geral sobe este tipo de atividade, focando em pesquisar o potencial inclusivo da música, avaliando o que realmente vem a ser a inclusão, fazendo uma reflexão sobre formas de execução desse tipo de trabalho, discorrendo sobre alguns dos projetos que mais se destacam no Brasil, para através deles encontrarmos melhores possibilidades para resultados promissores.Palavras-chave: Música. Projetos Sociais. Inclusão Social.

Social Project in music: a literature reviewAbstract: This worldwide phenomenon known as Social Project in Music, has drawn attention for its effectiveness, by getting a transforming power that has changed for the better the lives of many people, so this article search through a literature review, give an overview up this type of activity, focusing on researching the inclusive po-tential of music, evaluating what really comes to inclusion, making a reflection on what would be the ideal implementation of this type of work and discussing some of the projects that best out in Brazil, through them to find better opportunities for promising results.Key-words: Music, Social Projects, Social Inclusion.

Introdução

Este artigo aborda assuntos relacionados a projetos de inclusão social com música através de uma revisão de literatura, pois considera relevante o fato de que existe um movimento crescente deste tipo de atividade no Brasil e no mundo. “Em todo o mundo crescem em número e importância as iniciativas de integração social por meio de instrumentos de orquestra para crianças e jovens”. (FISCHER, 2012, p. 14).

A música possui um poder transformador capaz de mudar o rumo de crian-

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ças, adolescentes e jovens que por muitas vezes, pela falta de oportunidade e por não sentirem-se capazes de alcançar algo melhor, optam por seguir passos, que muitas vezes os levam a criminalidade, tráfico de drogas, entre outras atividades depreciativas. Segundo Ventura, (2012) a música clássica está mudando o destino de milhares de jovens carentes país afora.

Por motivos como estes considera-se importante pensar sobre este tipo de trabalho, entendendo o seu funcionamento, buscando assim aperfeiçoamentos nestes processos.

A inclusão social potencializada através música

Segundo Moreira (2006), um dos grandes desafios do Brasil é a inclusão social, pois no desenrolar de sua história, pela desproporcional distribuição de ter-ras, ele teve desde o início uma desigualdade social.

O tema “inclusão social” tem sido bastante veiculado e discutido pelos mais amplos e diversos setores sociais e especialmente midiáticos (Ribeiro, 2012). Sendo assim é importante avaliarmos algumas definições sobre este assunto.

Conforme Pacievitch (2012), inclusão social é uma expressão abrangente, utilizada em situações diferentes, ela refere-se a variadas questões sociais. De forma geral, esta expressão é utilizada referindo-se à inserção de pessoas com algum tipo de déficit às escolas e ao mercado de trabalho, como também a quem é considerado excluso, que não tem as mesmas oportunidades dentro da sociedade, por razões como: condições sócio- econômicas, gênero, raça, falta de acesso a tecnologias.

Para Kushano e Almeida, a inclusão social é vista como sendo o método mais elaborado da coexistência de indivíduos, taxados como diferentes, com os outros integrantes da sociedade, tidos como hipoteticamente iguais (KUSHANO; ALMEIDA, 2008).

Entendendo o sentido da expressão “inclusão social”, sob o ponto de vista dos pesquisadores citados, podemos agora avaliar especificamente como a música é capaz de potencializar todo este processo inclusivo.

A arte musical tem conquistado um espaço muito importante em todo o mundo não somente como algo cultural, mas também como uma eficiente ferra-menta utilizada para proporcionar a todos os que são alcançados por estes projetos a oportunidade de identificarem-se como parte integradora da sociedade onde vi-vem, sentindo-se valorizados pela mesma e tendo seus sonhos e objetivos amplia-

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dos e alcançados através deste impulso proporcionado pela música.

A atividade artística alimenta o desejo de uma vida melhor, a cultura e todas as suas manifestações são revolucionárias, transformando a sociedade, as relações e os sentimentos humanos (RIBEIRO, 2012).

Segundo Candé (2001), as conexões da música com aspectos sociais sempre foram marcantes e, frequentemente era inconcebível desagregá-la destes.

Ilari (2003) afirma que as ações de educação musical, especialmente no que se refere às crianças, são de grande relevância no estímulo à afetividade e sociali-zação.

Professores dentro destes projetos normalmente são chamados de educa-dores, eles são orientados a priorizar o lado humano da formação do aluno. E neste sentido, vemos a declaração de pessoas que desempenham papéis importantes nes-te tipo de trabalho como José de Campos, diretor educacional da Associação Amigos do Projeto Guri, o qual declara: “não olhamos apenas para a mão do aluno, olhamos para o aluno por inteiro”, (FISCHER, 2012, p. 48), o objetivo vai além da formação de artistas, a música neste caso é utilizada como ferramenta para potencializar muitas características positivas que um cidadão deve possuir e desta forma busca-se incluí--lo no meio social onde vive.

Segundo Reis et al Howard Gardner, (2012), a música deve ser considera-da um elemento essencial na formação do indivíduo desde sua infância, uma vez que pode facilitar a integração e a inclusão da criança na sociedade, pois por vários motivos, como deficiência física, desigualdade econômica, auto-estima baixa, per-sonalidade, forma de convívio familiar, entre outros, muitas vezes torna-se difícil a integração social de crianças e jovens, porém o envolvimento com a arte musical, quando bem direcionado pode trabalhar isto com muita eficiência. Por exemplo, uma criança com auto-estima baixa, costuma ficar em silêncio por considerar que sua capacidade é inferior aos dos colegas, e por este motivo, prefere permanecer isolada por entender que este isolamento a protegerá de expor a sua “inferioridade” diante dos que a cercam, contudo, ao aprender um instrumento e começar a ganhar confiança apresentando-se primeiramente a um pequeno público e depois a muitas pessoas, o fato de esta ser aplaudida em suas apresentações, desenvolve nela um processo de transformação elevando sua auto-estima e consequentemente tornan-do-a mais comunicativa e fazendo-a sentir-se parte integrante e atuante no meio so-cial onde vive. A música possui o poder de transformar a identidade, de construir a cidadania, de incentivar a capacidade de análise, de propiciar noções de ordenação,

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de desenvolver a autonomia, de trabalhar a atuação em equipe, de formar valores e de aguçar a sensibilidade entre outras possibilidades.

Trabalhando a inclusão social sem perder a essência do fazer musical

Pesquisas realizadas por autores como Penna (2006) e Kater (2004) alertam, um cuidado que se deve ter ao desenvolver atividades sociais com música, é a co-erência para que nenhum dos aspectos, tanto o social quanto o artístico, deixe de explorar suas potencialidades.

É importante que haja coesão ao trabalhar as funcionalidades sociais da arte musical para que não se corra o risco de cair em uma “visão redentora da arte e da música”(PENNA, 2006, p. 38).

Kater (2004) aponta que esta não seja desprestigiada, pois existem situa-ções em ela é utilizada parcialmente em sua capacidade formadora por excelência e, ao contrario disso, é meramente empregada com o objetivo de promover o lazer.

De acordo com Penna; Barros; Mello, (2012) as aplicabilidades contextua-listas ou os argumentos extrínsecos, direcionados para o desenvolvimento humano e a inclusão social, não se mantém sem o aprimoramento verdadeiro de habilidades e temáticas propriamente musicais, sem a prática da música com um bom direcio-namento pedagógico.

Neste sentido é que trabalham os projetos de maior sucesso, que além de promover a inclusão social, ainda proporcionam uma formação de excelente quali-dade aos seus alunos, neste foco diz Ribeiro (2012), de tal modo, os projetos sociais em música podem ser considerados com um importante veículo sócio-educativo quando desenvolvidos de forma significativa e contextualizada com a realidade so-cial de seu público, visto que têm alcançado relevantes resultados musicais e socio-culturais junto aos indivíduos envolvidos.

Projetos Sociais em Música no Brasil

Ao conhecer um pouco sobre os projetos sociais existentes, é possível cons-tatar que os de maior sucesso, são os que combinam bem uma ótima educação musical com um excelente processo inclusivo. O trabalho social com música clássica mais famoso internacionalmente é o El Sistema da Venezuela, iniciado pelo maes-tro José Antônio Abreu, este já alcançou grandes resultados e ainda hoje serve de exemplo para muitas iniciativas desta natureza espalhadas pelo mundo, inclusive no

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Brasil (FISCHER 2012).

Um importante projeto, criado com o apoio do governo do Estado de São Paulo, o Projeto Guri, apresenta um número muito expressivo com mais de 51 mil alunos espalhados por todo o estado, sendo considerado o maior programa socio-cultural brasileiro. Desde 1995 as aulas são desenvolvidas no turno inverso da escola onde são oferecidos cursos de teoria musical, canto coral, instrumentos de cordas, madeiras sopro e percussão entre outros. Esta iniciativa tem como objetivo promo-ver a educação musical e a prática coletiva de música com excelência, focando no desenvolvimento humano de gerações em formação (RIBEIRO, 2012).

O Estado do Rio de Janeiro possui o maior número de projetos sociais em música com cerca de 19 iniciativas espalhadas nos lugares de maior pobreza. Esta idéia atualmente está disseminada nas cidades de Petrópolis e Piraí, Ji-Paraná, em Rondônia com mais de mil alunos. Apesar de o Rio estar à frente na quantidade de projetos, os maiores estão em São Paulo e são eles o Projeto Guri e o Instituto Bac-carelli (Sinfônica Heliópolis) (FISCHER, 2012).

Outro projeto de grande destaque é o Neojiba, o qual tem sua filosofia total-mente baseada no El Sistema e visa alcançar os mesmos resultados deste, buscando a transformação de jovens através da cooperação, multiplicação e profissionalização dentro da música (POLINI, 2012). Sendo assim O Neojiba é um programa que pro-porciona gratuitamente a todos os integrantes, sem distinção social, instrumentos musicais para a prática orquestral, material pedagógico, ensino de prática e teoria musical ministrado por profissionais qualificados, auxílio transporte e lanche, além de uma bolsa auxílio. (NEOJIBÁ, 2012).

Todo este fenômeno tem atraído a atenção de muitos profissionais da mú-sica, como é o caso de Heloisa Fisher que desenvolveu em seu anuário de 2012 um dossiê com o nome de “Cidadania Sinfônica”, onde a musicista destacou 92 projetos de integração social através da música orquestral em diferentes lugares do Brasil (FISCHER, 2012).

Dentro deste dossiê Fischer destaca muitos aspectos importantes, como o grande impacto econômico proporcionado por estes projetos, criando um novo mercado de trabalho em muitos lugares onde já estão consolidados. Ao fazer uma compra de instrumentos musicais no valor de um milhão de reais o projeto Guri de Santa Marcelina fez com que a Yamaha ocupasse três fábricas na construção dos mesmos. Isto despertou um grande interesse do próprio presidente desta empre-sa japonesa, que veio ao Brasil para ver de perto este novo fenômeno da música

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clássica no Brasil. Além da movimentação do mercado na compra de instrumen-tos, vários alunos tornam-se monitores nestes projetos, com uma bolsa mensal de estudos que em média proporciona a estes valores mensais a partir de R$100,00 (cem reais) podendo alcançar R$ 1.250,00 (mil duzentos e cinqüenta reais). Já os professores tem sua remuneração de R$ 600,00 (seiscentos reais) a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), outros tipos de empregos diretos e indiretos também são gerados nestes projetos, o que beneficia a economia da sociedade em geral (FISCHER, 2012).

Outro aspecto relevante, é o perfil dos profissionais que trabalham neste tipo de projeto. O gestor deve ter uma visão clara em relação ao trabalho como um todo, ele precisa pensar em todas as etapas, início, meio e fim, como também conhecer a máquina estatal e ainda ter ótimas relações com as esferas política, em-presarial e sociedade civil (PENNA, 2012). Igualmente importante é a escolha da equipe de trabalho. A escolha da equipe deve ser feita com cuidado e sem pressa” diz Ricardo Castro do NEOJIBA. O professor precisa ter paixão pelo ser humano e compreender que, além do instrumento, ali está uma pessoa. Toda a equipe deve ter acima de qualquer coisa o amor pela obra social a ser realizada (FISCHER 2012).

Projetos Sociais em música e o Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais: contex-tualização histórica no território brasileiro.

A grande maioria dos projetos sociais em música trabalha com o sistema de ensino coletivo de instrumentos musicais, por isso é muito útil uma contextualização que aborde historicamente o surgimento desta metodologia no Brasil.

Martin (2012) faz uma contextualização histórica de projetos que mesmo não tendo em seus títulos a palavra inclusão social, desenvolveram um papel his-toricamente importante neste sentido no Brasil. No período colonial já aconteciam trabalhos com ensino coletivo de instrumentos musicais o que movimentava so-cialmente vários grupos envolvidos. Outros acontecimentos importantes neste pro-cesso foram, a abertura dos portos no século XIX, momento em que o acesso a instrumentos e partituras foi grandemente ampliado e, o surgimento dos primeiros movimentos de cantos e danças, os quais marcaram o início dos choros e modi-nhas. As primeiras manifestações musicais coletivas não sistematizadas, através da chamada modinha seresteira somada a linguagem dos poetas românticos, unidas a sonoridade dos choros, também impulsionaram a criação de projetos sociais mu-sicais. Com chegada do compositor Villa-Lobos, ouve um movimento muito forte através do Canto Orfeônico, mobilizando um enorme número de participantes que interagiam de forma sociocultural através do canto coral.

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Com o apoio financeiro federal durante o governo de Getúlio Vargas, esta ação chegou a mobilizar de uma só vez um coral de trinta mil crianças fazendo mú-sica em conjunto, algo muito significativo que inspira diretores musicais ainda hoje em vários projetos sociais com música. Porém, quando a era Vargas chegou ao fim, foi inevitável o enfraquecimento do Canto Orfeônico e foram surgindo outras ini-ciativas. Já no final de década de 1950 o músico José Coelho de Almeida, organizou bandas de música com filhos de operários no interior de algumas fábricas no Estado de São Paulo. Em 1975 o musicista Alberto Jaffé implantou um projeto de ensino coletivo de cordas na cidade de Fortaleza, CE através do Serviço Social da Indústria SESI. No ano de 1978 a Fundação Nacional da Arte criou os Centros de Ensino Cole-tivo de Cordas, (MARTIN, 2012).

De acordo com Fischer (2012), as décadas de 1990-2000 marcaram um forte início de trabalhos intitulados “Projetos Sociais em Música” com enfoque em prática de orquestra e ensino coletivo de instrumentos musicais. Alguns projetos já haviam começado anteriormente nos anos de 1970 com menos intensidade, como é o caso do trabalho desenvolvido por Nicolau Martins de Oliveira em Volta Redonda (RJ). Porém foi a partir dos anos 1990 que estas iniciativas começaram a surgir com muita força no Brasil.

Considerações finais

Todo este crescente movimento possui uma grade relevância especialmente em nosso contexto brasileiro, onde as diferenças sócio-econômicas são muito acen-tuadas, este levantamento bibliográfico proporcionou uma visão panorâmica sobre as intenções demonstradas na execução destas iniciativas socioculturais. Foi possí-vel enxergar que este tipo de trabalho está espalhado por muitos lugares diferentes de nosso país e que isto deve-se às grandes diferenças sociais que surgiram no Brasil desde o período colonial nas primeiras distribuições de terras.

Também avaliamos a capacidade que a música possui de transformar e pro-mover a inclusão sendo bem direcionada (POLINI, 2012). Este ainda nos abre os olhos para haja um equilíbrio na metodologia destes projetos, para que tanto a in-clusão quanto a arte musical sejam desenvolvidos em sua plenitude.

Chegando as considerações que encerram este artigo, fica a aspiração de que mais pesquisas neste sentido sejam realizadas e que a música, através de seus colaboradores, tanto os que ensinam, compõem, regem, cantam, executam ins-trumentos, quanto os patrocinadores, possam através desta proporcionar a exis-tência de uma geração mais sensível, criativa, disciplinada, que saiba trabalhar em

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equipe e que sejam seres humanos capazes tornar a sociedade onde vivem um lugar melhor.

Referências

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Sonata para violino e piano op. 36, de Henrique Oswald: uma edição prática do segundo movimento da parte de violino

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo principal realizar uma edição práti-ca do segundo movimento da Sonata Op. 36 (1908), para violino e piano, de Henrique Oswald (1852-1931). Para a elaboração da presente edição, foi utilizada uma cópia do manuscrito autógrafo do acervo particular do professor Doutor Eduardo Monteiro como referência principal. Henrique Oswald foi um dos princiapis compositores do período ro-mântico brasileiro e boa parte de sua obra foi dedicada à música de câmara. Por ter vivido grande parte de sua vida na Itália, faz-se necessário compreender a sua vasta produção musical sob uma ótica europeia, da qual sofreu influência direta de sua cultura musical, tornando-se compreensível, dessa forma, a escassez de marcas de brasilidade em suas produções. A Sonata Op. 36 foi idealizada em 1904, no Rio de Janeiro e finalizada em Florença, em 1908. Nela, são abordadas questões referentes ao segundo movimento, com a elaboração de uma breve análise harmônico-morfológica. Em seguida, foram feitas sugestões técnico-interpretativas relacionadas às arcadas e aos dedilhados da parte de violino, baseadas nas vivências musicais da pesquisadora, fundamentando-se na literatu-ra do pedagogo Ivan Galamian (2013). Por fim, foi produzida uma edição prática, apoiada em Figueiredo (2000), com todas as sugestões técnicas introduzidas na parte de violino, a qual servirá de base para a sua execução musical. .Palavras-chave: Música. Sonata. Henrique Oswald. Edição prática. Violino

Sonata for violin and piano op.36 by Henrique Oswald: a practical edition of the se-cond movement of the violin part.Abstract: The present work aims to realize a practical edition of the second movement of Sonata Op.36 (1908), for violin and piano, by Henrique Oswald (1852-1931). For this, a copy of the autograph manuscript of Professor Doctor Eduardo Monteiro’s private col-lection was used as the main reference. Henrique Oswald was one of the main compo-sers of the Brazilian Romantic period and much of his work was dedicated to chamber music. Having lived a large part of his life in Italy, it is necessary to understand his vast musical production from a European point of view, from which he was directly influen-ced by his musical culture, making it understandable, in this way, the lack of Brazilian marks in his works. The Sonata Op. 36 was conceived in 1904, in Rio de Janeiro, and finished in Florence in 1908. In it, questions are approached referring to the second movement, with the elaboration of a brief harmonic-morphological analysis. Then, technical-interpretative suggestions related to the arcades and fingerings of the violin part were based on the researcher’s musical experiences, supported on pedagogue Ivan Galamian’s literature (2013). Finally, a practical edition was produced, based on Figuei-

Renata Ribeiro AthaydeUFRJ – [email protected]

Ana Paula da Matta Machado Avvad UFRJ – [email protected]

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redo (2000), with all the technical suggestions introduced in the violin’s score, which will serve as the basis for its musical performance.Key-words: Sonata. Henrique Oswald. Practical edition. Violin.

Introdução

Nascido no Rio de Janeiro, em 1852, filho de pais europeus e músicos, Hen-rique Oswald teve uma formação europeizada que sempre foi estimulada pelos pais. Passou a infância em São Paulo, tendo se iniciado musicalmente com sua mãe. Pos-teriormente, foi aluno do francês Gabriel Giraudon, conceituado professor da épo-ca. Passou a adolescência e grande parte da vida adulta morando na Itália, na cidade de Florença, onde se aprimorou e terminou a sua formação musical. No período em que morou na Itália, foi aluno do renomado pianista Giuseppe Buonamici, que havia retornado da Alemanha. Após ter passado pela experiência dos ensinamentos do grande maestro, compositor e pianista romântico alemão Hans von Bülow (1830-1894), e de ter permanecido cinco anos em Munique, atuando como professor de uma classe superior de piano no Conservatório, Oswald passou a seguir os ideais ar-tísticos do grupo Liszt - Hans von Bülow, não adquirindo afeições pela música italiana em voga na segunda metade do século XIX, como a ópera.

Durante o tempo em que esteve longe do Brasil, produziu grande parte de suas obras. Para Azevedo, estas representavam “(…) um romantismo “parnasiano”, sem as efusões delirantes do período áureo, sem o pessimismo sombrio, sem o teci-do musical sobrecarregado dos mestres alemães” (AZEVEDO, 1956, pág.125).

Oswald uniu a escola romântica e a moderna, das quais detinha o seu conhe-cimento e boa execução, e boa parte de sua obra foi dedicada à música de câmara. Por toda sua vivência e educação musical, faz-se necessário compreender a obra de Oswald sob uma perspectiva europeia, da qual sofre influência direta de sua cultura musical e, dessa forma, torna-se compreensível a escassez de traços nítidos de brasilidade em suas composições. Suas produções estão contextualizadas no momento estético euro-peu que antecipa a dissolução da música tonal, com a passagem do ultra-romantismo wagneriano para o Impressionismo de Debussy (1862-1918) (MARTINS, 1995).

Segundo Monteiro (2011), tendo em vista o contexto histórico em que vi-veu, entre 1880 e fins do século XIX, recebeu influência do modelo germânico, gran-de expoente na produção instrumental relacionado à Schumann (1810-1856) e a Mendelssohn (1809-1847). Passou a ter uma maior influência francesa na virada do século XIX para o século XX, com composições de harmonia sutil e refinada, que fazem alusão à estética francesa vigente na época de Debussy.

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Sonata Op. 36, para violino e piano

De acordo com a divisão estabelecida por Monteiro (2000), a obra é parte integrante da produção da terceira fase da música de câmara com piano de Oswald, que vai de 1904 a 1926. Foi idealizada em 1904, em meio à solidão em que o compo-sitor se encontrava no Rio de Janeiro, longe da família, que vivia na Itália e finalizada em Florença, em 14 de fevereiro de 1908, em um período de passagem pela cidade (MONTEIRO, 2000). É composta de quatro movimentos, intitulados: I - Allegro mo-derato, II - Alegretto molto moderato, III - Andante molto expressivo e IV- Allegro con fuoco, com uma duração aproximada de 22: 26.

Em relação à Sonata op. 36, Monteiro (2000) comenta que:

Pode ser considerada a primeira obra onde a influência francesa é nitidamen-te preponderante sobre a alemã. Seu primeiro manuscrito, onde só figura o movimento inicial, é datado de 1904, sendo o completo de 1908 (MO NTEIRO, 2000, p. 424).

Martins (1995) também explana sobre a abordagem semelhante a várias tendências estilísticas francesas, nitidamente evidenciadas nesta obra, como: “vir-tuosismo de Saint-Säens, alguns atributos encontráveis nas linguagens musicais de César Franck e Gabriel Fauré (…)” (MARTINS, 1995, p. 86). Monteiro (2006) corrobo-ra com essa afirmação, ao dizer que a sonata “poderia eventualmente ser tomada por uma peça de Fauré ou César Franck” (MONTEIRO, 2006, p. 71).

Monteiro (2000) ainda diz que essa influência francesa determinante pode ser explicada tanto pelo desenvolvimento da música francesa no mundo ocidental, com início no fim do século XIX, sendo fonte de inspiração para vários compositores da época, como também por eventos significativos na vida de Oswald. Reforçando ainda a semelhança ao estilo francês encontrado nesta obra, Monteiro (2000) fala do aparecimento permanente de “acordes com notas ajuntadas e de quinta aumen-tada, que remetem a uma harmonia de forte influência debussysta” (MONTEIRO, 2000, p. 427).

Apesar da predominância do estilo francês, Monteiro (2000) comenta sobre a existência de um formalismo típico da escola germânica nas últimas obras exten-sas do compositor, com “resquícios de um tipo de expressão mendelssohniana ou schumanniana que povoa as composições iniciais de Oswald” (MONTEIRO, 2000, p. 426), os quais estão frequentemente presentes em suas grandes obras, inclusive na própria Sonata op. 36.

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Edição Prática

No presente trabalho, é realizada uma edição prática do segundo movimen-to da Sonata Op.36, baseada em Figueiredo (2000), que apresenta uma aplicação mais interpretativa, com interesse voltado para a realização sonora, com o intuito de incluir elementos para a utilização prática do texto musical, seja para seu estudo ou sua execução. Segundo o musicólogo Régis Duprat:

A ênfase principal das Edições Práticas está no aspecto da realização sonora, trazendo sinais de vários tipos de dinâmica, de articulação, de fraseado – que têm a intenção de conduzir o executante que a utiliza (DUPRAT apud FIGUEIREDO, 2000, p. 80).

Portanto, tem-se a finalidade de facilitar a sua execução e, de acordo com Figueiredo (2000), sem haver a necessidade de esclarecer o grau de interferência do editor nos textos musicais, ou de explicitar os critérios editoriais.

1 - Segundo movimento: Allegretto molto moderato

O segundo movimento da sonata, que se inicia em Allegretto molto modera-to, correspondendo à seção A, apresenta-se, basicamente, em spiccato, o qual será mantido, conservando-se o texto original do autor.

Galamian (2013) comenta que: “neste tipo de execução, o arco é baixado, vindo do ar e abandona a corda novamente depois de cada nota. Ao fazer isso, o arco descreve um movimento semelhante a uma curva” (GALAMIAN, 2013, p.75).

As arcadas sugeridas no trecho da seção A, que vai do c. 1-16 (Ex 1.), co-meçam para baixo sempre no início dos membros das frases. Da mesma forma, é proposto que se retome o arco para se tocar para baixo no começo do c. 8, seguindo assim um padrão em que todos os arcos se iniciem para baixo nos compassos deste trecho, de modo que os acentos solicitados pelo compositor também sejam tocados para baixo e o spiccato seja realizado de maneira mais simplificada.

Em relação aos dedilhados, começa na primeira posição, que vai ser mantida até mudar para a quarta no c.14. Do c. 7-10, é preferível que se toque na primeira posição por apresentar uma sonoridade mais interessante dentro de um leggiero, caráter leve e delicado, indicado pelo compositor, ao invés da segunda posição, que parece mais séria e acadêmica, não se encaixando tão bem neste caso.

No c.15, há a opção de continuar na quarta posição, havendo pequenas tro-cas de cordas, ou a opção de não mudar de corda, mas mudar de posição, indo para

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segunda com o segundo dedo na nota Lá do primeiro tempo, voltando para a quarta no Dó do segundo tempo.

Ex.1: Oswald, H. Sonata op. 36 para violino e piano, 2º movimento, c. 1-16

No trecho do c.18-24 (Ex.2), são enfatizados os dedilhados em blocos, que mantêm a posição fixa em cada compasso. As arcadas originais são mantidas, com exceção do c. 23, onde se sugerem dois arcos para cima nas duas primeiras notas para que o trilo da nota seguinte caia para baixo, assim como os demais trinados desta passagem.

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Deve-se ressaltar que todo o tema b é repleto de trinados. Também chama-do de trilo, de acordo com Galamian:

Deve ser suave na execução, os dedos possuindo uma sensação de articula-ção relaxada, e o dedo que trina deve manter-se muito perto da corda (…) é necessário dar-se conta de que o levantamento do dedo no trinado é tão importante quanto a sua queda. De fato, o trilo não se inicia até que o dedo saia da corda (GALAMIAN, 2013, p.30).

Ex. 3: Oswald, H. Sonata op. 36 para violino e piano, 2º movimento, c. 26-31

Ex.2: Oswald, H. Sonata op. 36 para violino e piano, 2º movimento, c. 18-24

Do c. 26-31 (Ex.3), as arcadas do início de cada compasso sempre começam para baixo, mantendo um padrão da arcada.

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No c. 32-38 (Ex.4), sugere-se que as duas primeiras colcheias de cada com-passo sejam tocadas para cima dentro do spiccato indicado pelo compositor. A re-comendação de dedilhado nesta passagem enfatiza a posição fixa, com os dedos presos nos intervalos de quinta, dando preferência ao uso do terceiro dedo ao invés do quarto, sempre que possível.

Ex. 4: Oswald, H. Sonata op. 36 para violino e piano, 2º movimento, c. 32-38

Ex.5: Oswald, H. Sonata op. 36 para violino e piano, 2º movimento, c. 56

No decorrer da maior parte do trio, Più moderato (quasi andante), que co-meça no c. 56 (Ex.5), recomenda-se o uso de ligaduras de duas em duas colcheias, embasando a indicação de legatissimo presente no manuscrito.

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Apenas nos dois últimos compassos do trio, c. 94-95 (Ex.6), que se propõe a ligadura entre quatro colcheias, momento em que o tempo fica mais rápido. Essa escolha se baseia na indicação de stringendo do compositor, sugerindo que o trecho musical passe do tempo mais lento ao mais rápido através do aumento gradual da velocidade, preparando para a volta ao leggiero do Allegretto molto moderato, tam-bém indicado pelo autor.

Ex.6: Oswald, H. Sonata op. 36 para violino e piano, 2º movimento, c. 94-95

Ex.7: Oswald, H. Sonata op. 36 para violino e piano, 2º movimento, c. 57-58

Com relação aos dedilhados, embora a maior parte do trio seja tocada na quarta posição, ressaltam-se as mudanças de posição por semitons com a utilização do mesmo dedo, c. 57-58 (Ex.7). Embora esta prática em notas consecutivas não seja recomendada, em passagens lentas, como a referida, é possível, desde que a nitidez do som não seja prejudicada. Além disso, esta mudança em semitom também mantém os dedos na mesma corda, o que dá uniformidade na cor e não promove a troca de corda.

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No c.61, que está na quarta posição, é usada uma extensão com o quarto dedo no Fá natural, mantendo-se na quinta posição com o terceiro dedo no Mi na-tural, retornando à quarta posição com o quarto dedo no Lá no começo do c. 62 (Ex. 8). Esse tipo de extensão vem seguido por um reajuste da mão, que se adequa a uma nova posição. Em relação a isso, Galamian comenta que:

Tais extensões serão sempre apresentadas a despeito do fato de que elas poderiam muito bem ser substituídas por uma mudança de posição. As ex-tensões nesse caso são preferidas porque contribuem para o funcionamen-to técnico mais fácil e para um melhor efeito musical (com a eliminação de deslizamentos através de uma correspondente articulação mais clara da passagem) (GALAMIAN, 2013, p.33).

Ex. 8: Oswald, H. Sonata op. 36 para violino e piano, 2º movimento, c. 61-62

No c. 71, após vir de uma quarta posição com o Mi e Si tocados com o dedo preso no intervalo de quinta, faz-se uma extensão com o terceiro dedo, que é esticado até o Lá na corda Lá, também com o dedo na quinta para tocar o Mi logo em seguida, com o ajuste da mão para a quinta posição. No c. 72, o Mi natural é tocado com o quarto dedo, e é empregada uma extensão para trás, ou contração, do primeiro dedo no Lá, também com o posterior ajuste da mão para a terceira posição, que será mantida no Dó seguinte (Ex.9).

O emprego dos dedos presos no intervalo de quinta é recomendado por ser mais funcional no que se refere à técnica do instrumento, permitindo que o trecho tenha uma sonoridade mais uniforme, sem oscilações, e sem que se ouçam as pas-sagens dos dedos de uma corda para outra.

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No c. 74, sugere-se a utilização da meia posição no primeiro tempo, para impedir o uso do mesmo dedo nas duas notas, que provocaria um deslizamento de sonoridade indesejável.

EEx. 9: Oswald, H. Sonata op. 36 para violino e piano, 2º movimento, c. 71-72

Ex. 10: Oswald, H. Sonata op. 36 para violino e piano, 2º movimento, c. 74

Considerações Finais

Os resultados da pesquisa possibilitaram a elaboração da presente edição prática, através do levantamento das diversas questões técnico-interpretativas, as quais apontaram algumas sugestões no que diz respeito à arcada e ao dedilhado, bem como do fraseado musical da parte do violino.

A finalidade desta edição prática é fornecer ao intérprete um maior número

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de subsídios para a construção da performance, dando-lhe, assim, um conhecimen-to que permita a elaboração de uma concepção mais íntima da obra, além de possi-bilitar uma execução sólida e bem estruturada.

O fato de este trabalho tratar de uma sonata de Henrique Oswald também trouxe à tona a importância deste compositor e de sua obra de câmara, ainda pouco valorizados na literatura musical, levando em consideração a qualidade artística de suas composições. Espera-se, portanto, que a elaboração da presente edição con-tribua para execução e disseminação do repertório romântico brasileiro e sua maior inserção no campo das práticas interpretativas.

Referências

AZEVEDO, Luiz Heitor Corrêa de. 150 Anos de Música no Brasil (1800-1950). Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1956.

CASTAGNA, P. Dualidades nas propostas editoriais de música antiga brasileira. Revis-ta Per Musi, Belo Horizonte, n.18, p.7-16, 2008.

FIGUEIREDO, Carlos Alberto. Editar José Maurício Nunes Garcia. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Fe-deral do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), 2000.

GALAMIAN, Ivan. Principles of violin playing and teaching. Courier Corporation: Uni-ted States, 2013.

MARTINS, José Eduardo. Henrique Oswald, músico de uma saga Romântica. Tese de Doutorado. São Paulo, USP, EDUSP, 1995.

MONTEIRO, Eduardo Henrique Soares. Henrique Oswald (18521931) un composi-teur brésilien au-delà du nationalisme músical. L’exemple de sa musique de chambre avec piano. Thèse de Doctorat, Paris, Université de Paris IV-Sor-bonne, 2000.

_______. Henrique Oswald e os Românticos Brasileiros: Em Busca do tempo perdi-do. Textos do Brasil, Brasília, p. 68 - 71, 10 abr. 2006.

Gravações

VIOLIN MUSIC IN BRAZIL. Heitor Villa-Lobos (Compositor), Edino Krieger (Composi-tor), Henrique Oswald (Compositor), Ronaldo Miranda (Compositor). Cláudio Cruz (Intérprete, violino). Nahim Marun (Intérprete, piano). Gênova, Itália: Dynamic, 2001. Compact Disc.HENRIQUE OSWALD. Henrique Oswald (Compositor). Elisa Fukuda (Intérprete, violi-no). Antonio Del Claro (violoncelo). José Eduardo Martins (Intérprete, piano). Rio de Janeiro: PRO-MEMUS/ Funarte, 1988. Gravação digital.

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Quatro Peças Brasileiras – Maroca - para quarteto de fagotes (1983) de Francisco

Mignone: proposta de edição crítica

Raquel Santos CarneiroUFMG/UFRJ – [email protected]

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo principal a apresentação dos resultados finais de uma pesquisa, sobre questões editoriais de uma das Quatro Peças Brasileiras - Maroca (1930) de Francisco Mignone, em transcrição do próprio autor para quarteto de fagotes (1983). Ele consiste na estruturação de um arcabouço teórico, apresentando o aparato e comentários críticos, visando à elaboração de uma Edição Crítica. A metodo-logia utilizada foi baseada nos conceitos desenvolvidos por Figueiredo (2000), para os aspectos editoriais, e McGill (2007) para aspectos idiomáticos do fagote.Palavras-chave: Francisco Mignone. Fagote. Práticas interpretativas. Edição .

Quatro Peças Brasileiras - Maroca - for bassoon quartet (1983) from Francisco Migno-ne: critical edition proposal Abstract: The aim of the present work is to demonstrate final results of the research about editorial issues of Quatro Peças Brasileiras - Maroca (1930) by Francisco Migno-ne, in the author’s own transcription for bassoon quartet (1983). It consists of struc-turing a theoretical framework, showing some critical apparatus and commentary, in order to develop a critical edition based on Figueiredo (2014), and McGill (2007) for idiomatic aspects for the bassoon.Key-words: Francisco Mignone. Bassoon. Performance Practice. Edition. Francisco Mig-none. Bassoon. Performance Practice. Edition.

Introdução

Francisco Mignone foi um dos compositores do século XX que mais escreveu para conjuntos específicos de fagote – solos, duos, trio e quartetos (KOENIGSBECK, 1994), e não podemos deixar de mencionar a importância de Noel Devos, o intérpre-te virtuoso a quem o compositor dedicou todo esse repertório. Nascido em Calais, França, e desde 1952 radicado no Brasil, Devos foi um entusiasta da música brasileira, sempre estimulando os compositores a escreverem obras para fagote.

Na década de 1980, Mignone retoma a veia nacionalista, incorporando ele-mentos estruturantes e/ou de performance da música popular brasileira em suas

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composições - ritmos sincopados, deslocamentos do tempo, articulação, harmonia, dentre outros. Com mais de oitenta anos de idade, realizou uma série de transcrições de obras para piano da sua juventude para quarteto de fagotes, como é o caso das Quatro Peças Brasileiras.

A peça Quatro Peças Brasileiras- Maroca, Maxixando, Nazareth e Toada, foi composta para piano em 1930, e transcrita para quarteto de fagotes, pelo próprio compositor, no ano de 1983. Segundo Mignone, “(...) são pecinhas que lembram mui-tíssimo Chico Bororó” 1 (MIGNONE apud KIEFER, 1983, p.52). A obra foi dedicada ao Quarteto Airton Barbosa, oriundo do Quarteto de Fagotes da UFRJ, composto pelo professor Noël Devos, Antônio Bruno, Aloysio Fagerlande e Ricardo Rapoport, em dezembro de 1983.

Esta pesquisa pretende apresentar parte dos resultados finais do processo de elaboração de uma Edição Crítica, do primeiro movimento- Maroca2.

Edição Crítica

A “Edição Crítica” tem como diretriz principal a aproximação das intenções do compositor. Seu objetivo, segundo Grier, é “transmitir o texto que melhor representa a evidência histórica das fontes” (GRIER, 1996, p. 136)3. É uma edição musicológica aseada em mais de um referencial da obra a ser editada. Para tal, os procedimentos metodológicos adotados são balizados, sobremaneira, pela Crítica Textual ou Crítica da Tradição. Neste contexto, a Crítica Textual4 é caracterizada como um método que pretende estabelecer a forma original de um texto (DADELSEN apud FIGUEIREDO, 2000, p. 27), conservando as indicações do compositor, de extrema importância vis-to serem um fator determinante para sua realização. Em nossa pesquisa utilizamos os preceitos da Crítica Textual na construção de nossa edição. A edição crítica deve conter, ainda, possíveis comentários para a prática musical, incluindo possibilidades

1 Chico Bororó foi pseudônimo utilizado por Francisco Mignone para compor música pop-ular em início de carreira.

2 Todos os manuscritos originais das obras para conjunto de fagotes pertencem ao acervo pessoal do Professor Noël Devos, e foram digitalizados pelos padrões internacionais de acervos manuscritos pela equipe da Biblioteca Alberto Nepomuceno em 2012, e fazem parte do acervo do Centro de Estudos dos Instrumentos de Sopro Prof. Noël Devos, da EM-UFRJ.

3 Transmitir el texto que mejor representa la evidencia histórica de las fuentes (GRIER, 1996, p.136).

4 A Crítica Textual moderna apresenta-se, no século XIX, pelas edições críticas do filólogo Karl Lachmann (1793-1851). Lachmann desenvolveu o “Método Lachmanniano”, basea-do nos procedimentos usados pelos editores alexandrinos (QUEIROZ, 1997, p. 83), o que deu à Crítica Textual um cunho científico.

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interpretativas identificadas nas fontes (FIGUEIREDO, 2000, p. 77). É necessário um profundo estudo e entendimento da obra. São edições que evidenciam as anotações, os critérios e interferências dos editores (CASTAGNA, 2008, p. 10).

Neste trabalho, apresentaremos alguns dos itens adotados por Figueiredo (2014) para uma Edição Crítica:

a) recenseamento: na pesquisa editorial, é necessário que haja coleta, avalia-ção, identificação, classificação e organização das fontes.

Estas ocorreram da seguinte maneira:

• FONTE A – Manuscrito autógrafo da partitura (1983);5 • FONTE B – Manuscrito autógrafo das partes avulsas (1983);6 • FONTE C – Gravação feita pelo quarteto de fagotes Airton Barbosa (1985); 7

• FONTE D – Partitura impressa, original para piano (1930);8 • PE – Proposta de Edição (2015).

Neste processo, separamos os equívocos, manchas, notas trocadas, corre-ções posteriores e qualquer fator que dificultasse ou deixasse ambígua a leitura das partes. Quanto às fontes estudadas, é importante ressaltar que sua classificação e organização, no recenseamento, conservam uma hierarquia cronológica. (FIGUEI-REDO, 2000). Entretanto, nesta pesquisa, consideramos como referências principais as FONTES A e B, correspondentes as fontes originais para quarteto de fagotes, de 1983. Desta forma, ao tomarmos decisões editoriais relativas às divergências entre as FONTES A e B, fizemos uso das FONTES C e D. Por meio de análise da gravação, além de um estudo minucioso da parte de piano, confirmamos as possíveis incon-gruências entre as FONTES A e B.

b) aparato crítico e comentário crítico: nessa etapa, apresentaremos as de-rivações das fontes, os erros presentes nos referenciais utilizados e as justificativas das intervenções editoriais – que constituem o aparato crítico – e o comentário sobre cada intervenção, em que nos apoiamos em três parâmetros, articulação, erros de notação (notas erradas, divergências de ritmo e erros de escrita em geral) e dinâmica.

5 Integra o acervo do Centro de Estudos dos Instrumentos de Sopro Prof. Noël Devos, da EM-UFRJ.

6 Integra o acervo do Centro de Estudos dos Instrumentos de Sopro Prof. Noël Devos, da EM-UFRJ.

7 Integra o acervo do Centro de Estudos dos Instrumentos de Sopro Prof. Noël Devos, da EM-UFRJ.

8 Edição Ricordi.Brasileira, 1930.

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Maroca – 1º movimento

Articulação

Nas ilustrações abaixo, percebemos, na FONTE A, a existência de um sinal de respiração entre as notas Si sustenido e Dó sustenido na voz do segundo fagote. Em contraposição, na FONTE B, há uma ligadura entre estas mesmas notas.

Ex.: 1 – Mignone, F. Maroca, FONTE A, 2º fgt., c. 8: Presença do sinal de respiração.

Ex.: 2 – Mignone, F. Maroca, FONTE B, 2º fgt., c.8: Falta o sinal de respiração e utilização de ligadura.

Ex.: 3 – Mignone, F. Maroca, PE., 2º fg t., c. 8: Presença do sinal de respiração.

COMENTÁRIO: Optamos por inserir um sinal de respiração na voz do segun-do fagote, pois se trata de um final de frase. As escolhas interpretativas contidas na FONTE C nortearam a edição deste trecho, prevalecendo as indicações presentes na FONTE A.

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Erros de notação

Na FONTE A, a armadura de clave encontra-se rasurada, causando dúvidas quanto ao tom e desconforto no fluxo da leitura.

Ex.: 4– Mignone, F. Maroca, FONTE A; 1º, 2º, 3º e 4º fagotes: Rasuras na armadura de clave I mov.

Ex.: 5– Mignone, F. Maroca, FONTE B, 1º fgt.: Armadura de clave rasurada.

Ex.: 6– Mignone, F. Maroca, Armadura de clave correta original..

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COMENTÁRIO: Em nossa PE corrigimos a armadura de clave. Mesmo a FON-TE D nos mostrando que o número de acidentes era 3, optamos por grafar 4 susteni-dos, pois o tom do movimento é Dó sustenido menor.

A próxima figura ilustra a mudança de claves (de Fá para Dó) na FONTE A, na parte do segundo fagote. Entretanto, na FONTE B não existe a indicação de mudança, o que modificaria a tessitura melódica do trecho.

Ex.: 7- Mignone, F. Maroca, PE: Armadura de clave corrigida.

Ex.: 8– Mignone, F. Maroca, FONTE A, 2º fgt., c.31: Clave de Dó.

Ex.: 9 – Mignone, F. Maroca, FONTE B, 2º fgt., c.31-34: Clave de Fá, equivocada.

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COMENTÁRIO: Neste trecho concluímos, por meio de análise da gravação, e da FONTE D, que correto é o grafado na FONTE A.

Dinâmica

Na figura que segue, a dinâmica se diferencia entre as FONTES A e B. Na FONTE A, está expresso um sinal de diminuendo, acrescido de um pp; na FONTE B, essa indicação não aparece.

Ex.: 10 - Mignone, F. Maroca, FONTE D mesma linha melódica da FONTE A.

Ex.: 11– Mignone, F. Maroca, PE, 2º fgt., c.31: Clave de Dó.

Ex.: 12 – Mignone, F. Maroca, FONTE A, 1º fgt., c. 36: Dinâmica pp.

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COMENTÁRIO: Neste trecho, modificamos a dinâmica, de pp para mf. Nos compassos anteriores, o primeiro fagote executa uma linha melódica no registro agudo. Subitamente, há uma transição para o registro grave do instrumento (Dó sustenido 1), com a dinâmica piano9. Tecnicamente, este é um procedimento que exige boa técnica no instrumentista, pois é preciso ter um bom ataque. O ataque da nota requer uma corrente de ar mais rápida e mais concentrada, (McGILL 2007, p. 180) para não falhar devido a mudança de tessitura (aguda para extrema grave). O intérprete tendo uma dinâmica mais confortável auxilia na execução do trecho e no ataque corroborando na questão idiomática do instrumento. Essa mudança de dinâ-

9 Segundo o fagotista Arthur Weisberg, para se ter um bom êxito numa dinâmica mais piano, é necessário ter uma boa qualidade de ar . Outro fator é a abertura da palheta ele demonstra que quanto maior a abertura da palheta, mais difícil é de se conseguir um bom pianíssimo. Portanto “um fff, requerem uma grande quantidade de ar, um mf menos, e ppp quase nenhum” (WEISBERG, 1993, p. 5 – 6).

Ex.: 13– Mignone, F. Maroca, FONTE B, 1º fgt., c. 36: Dinâmica em pp.

Ex.: 14 – Mignone, F. Maroca, FONTE D: Dinâmica mp.

Ex.: 15 – Mignone, F. Maroca, PE, 1º fgt., c. 36: Dinâmica modificada de pp para mf e mp

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mica também valoriza a tônica (Dó sustenido) que é a nota fundamental do acorde e a tessitura proposta por Mignone, na FONTE D.

Considerações Finais

Este trabalho abordou uma obra transcrita para quarteto de fagotes pelo próprio autor, com uma grande riqueza no que diz respeito à diversidade de articula-ções, tratamento do ritmo, além da questão idiomática dos fagotes. A metodologia adotada privilegiou o estudo minucioso das fontes utilizadas, em que foram iden-tificados equívocos que pudessem deixar confusa ou ambígua a leitura das partes, fazendo parte do processo da edição crítica.

Na primeira peça -Maroca-, aqui abordada, corrigimos notas trocadas entre as fontes, rasuras, claves equivocadas e sugerimos mudanças de dinâmicas ao final do movimento. A obra transcorre com uma linha melódica delicada e sentimental, em que as vozes dialogam entre si, deixando em evidência a linha solista executada sempre pelo primeiro fagote. Mignone foi um excelente orquestrador, demonstrado no entrelaçamento entre as vozes, com os solos apresentados sempre em primeiro plano, mesmo sendo executados apenas por um fagote. Apesar da transcrição ter sido realizada pelo próprio autor, notamos que diversas questões idiomáticas do fagote ainda apresentavam problemas.

Neste sentido, este trabalho, através de uma edição crítica, apresentou al-ternativas baseadas em parâmetros idiomáticos do instrumento, tais como articu-lação, respiração, tessitura e dinâmica, propondo uma reflexão acerca da questão editorial, de forma panorâmica, tendo como objetivo principal o aprimoramento das condições de performance.

Referências

CASTAGNA, P. Dualidades nas propostas editoriais de música antiga brasileira. Per Musi, Belo Horizonte, n. 18, 2008.

FIGUEIREDO, C. A. Editar José Maurício Nunes Garcia. Rio de Janeiro, 2000. Progra-ma de Pós Graduação em Música Doutorado em Música – Centro de Letras e Artes, UNIRIO.

GRIER, J. La Edición crítica de música: história, método y prática. Madrid: Ediciones Akal, 2008.

KIEFER, B. Mignone: Vida e obra, Editora Movimento, Porto Alegre, 1983.MARIZ, V. Francisco Mignone: O homem e obra. Rio de Janeiro: Funarte: UERJ, 1997. MCGILL, D. Sound in motion: A performer´s guide to greater musical expression.

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Bloomington: Indiana University Press, 2007.MIGNONE, F.: A parte do anjo: autocrítica de um cinqüentenário. São Paulo: Man-

gione, 1947.______ Quatro Peças Brasileiras. Rio de Janeiro, Ricordi Brasileira, 1930, partitura

impressa, piano.______ Quatro Peças Brasileiras. Rio de Janeiro, 1983, Partitura Manuscrito, quar-

teto de fagotes.______ Quatro Peças Brasileiras. Rio de Janeiro, 1983, Partes manuscritas, quarteto

de fagotes.KOENIGSBECK, B. Basson Bibliography - Bibliographie du Basson - Fagott Bibliogra-

phie. Monteux: Musica Rara, 1994.QUEIROZ, R.C. Edição crítica de um soneto de Arthur Salles. Veneza: Sintientibus,

Feira de Santana, n.17, 1997.WEISBERG, A. The art of wind playing. Minneapolis: SATCO, 1993.

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Severino Gazzelloni e a revalorização da flauta na Itália do século XX: a Gazzelloni-

Musik

Fabrício Malaquias AlvesConservatorio Giuseppe Verdi – [email protected]

Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar o processo que culminou na criação da Gazzelloni-Musik – um amplo grupo de peças para flauta compostas durante o século XX e dedicadas ao flautista italiano Severino Gazzelloni. Dentre os passos metodológicos, foi realizada uma pesquisa histórica e bibliográfica acerca da organologia da flauta, e, principalmente uma revisão sobre o papel dos intérpretes e docentes na difusão deste instrumento, com especial atenção ao flautista Severino Gazzelloni, grande responsável não só pela revalorização da flauta na Itália durante o vigésimo século mas também pela influência que exerceu na elaboração do repertório flautístico de vanguarda.Palavras-chave: Flauta. Música contemporânea. Compositores italianos. Severino Ga-zelloni.

Severino Gazzelloni and the appreciation of the flute in Italy across the 20th century: the Gazzelloni-MusikAbstract: The aim of this work is to analyze the process that culminated in the creation of Gazzelloni-Musik – a large group of flute pieces composed during the 20th century and dedicated to the italian flutist Severino Gazzelloni. Here we made a historical and bibliographic research about the organology of the flute and the roles of the performers and teachers on the diffusion of this instrument. Special attention was given to the flu-tist Severino Gazzelloni, responsible not only for the revaluation of the flute in Italy during the 20th century, but also for his influence in the elaboration of the avant-garde flute repertoire.Key-words: Flute. Contemporary music. Italian composers. Severino Gazzelloni.

Introdução

O século XX assistiu ao florescer de um amplo repertório destinado à flauta solista. Este fenômeno parece ter se tornado possível somente depois de um longo processo permeado por oscilações no que tange à utilizaçao da flauta nas várias formações instrumentais. No século XIX, por exemplo, a flauta foi relegada a um segundo plano em relação a outros instrumentos musicais e não gozou de grande

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interesse por parte dos compositores mais importantes1. Este fato, ao que parece, está ligado à ausência de um instrumento único, standard, à diferença do violino que já naquele século possuía um modelo estável. O século XIX é considerado “o século no qual a flauta sofreu as maiores transformações organológicas que criaram verdadeiras correntes de pensamento e escolas executivas nacionais geralmente contrastantes entre si” (PETRUCCI, 2006: 7. Tradução nossa).

Diversos modelos de flauta coexistiam durante o período romântico e, não obstante seja amplo o repertório flautístico do século XIX, este é composto, princi-palmente, por peças escritas por compositores flautistas como os italianos Raffaello Galli (1824-1889), Giuseppe Gariboldi (1830-1905) e o dinamarquês Carl Joachim Andersen (1847-1909) e que, muitas vezes, também construíam o próprio instru-mento, como é o caso do alemão Theobald Boehm (1794-1881)2 e do italiano Giulio Briccialdi (1818-1881)3. Depois da ampla difusão do modelo proposto por Theobald Boehm entre os flautistas, e de sua aceitação como modelo padrão, a flauta come-çou a gozar de maior popularidade tornando-se, até mesmo, protagonista de uma transformação na linguagem musical e de uma evolução em direção ao modernismo novecentista. Galante (2003) inicia seu ensaio “A flauta no século XIX”4, citando dois eventos ligados à vida musical francesa, mais precisamente parisiense, que pode-riam assinalar o início do “Século XX flautístico”. Segundo este autor, 1893 é um pe-ríodo importante neste sentido porque é nesse ano que Paul Taffanel 5, fundador da moderna escola francesa de flauta, é nomeado professor no Conservatório Superior de Paris (GALANTE, 2003: 183. Tradução nossa). O outro evento citado por Galante é consenso entre os estudiosos da história da música e aponta aquele que seria o início da música moderna: a primeira execução, em 1894, do Prèlude à l’après-midis d’un faune, de Debussy (1862-1918). “Se a música moderna teve um ponto de par-tida preciso, podemos identificá-lo nesta melodia para flauta que abre o Prèlude à l’après-midis d’un faune de Debussy (…)”, afirma Griffthis (1987). Galante acrescenta que:

1 Neste caso, consideramos o papel da flauta enquanto instrumento solista ou em casos em que esta se sobressai no orgânico orquestral.

2 É atribuída a Boehm a criação da flauta moderna, projeto realizado por ele em diversas etapas. O modelo de 1847 com corpo cilíndrico e cabeça cônico-parabólica, substancial-mente corresponde à flauta de concerto empregada nos dias de hoje.

3 Em 1849, Briccialdi acrescentou uma chave acima da chave de Si para o polegar esquer-do como uma alternativa mais fácil para a posição do Si bemol.

4 Il flauto nel Novecento.5 Claude-Paul Taffanel (1844-1908) Flautista, regente e professor francês, considerado o

fundador da Escola francesa de Flauta que se tornaria, mais tarde, um modelo para a composição e interpretação da flauta durante o fim do século XIX e início do século XX.

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A importância simbólica do Prèlude à l’après-midis d’un faune de Claude De-bussy para o início do século XX e para a flauta consiste em levar metaforica-mente em cena a flauta como nova protagonista capaz de emergir, enquan-to instrumento concertante e não obstante a tessitura geralmente grave, [impor-se] também sobre uma orquestra de dimensões tardo-românticas (somente a quase contemporânea Quarta Sinfonia de Brahms prevê um solo tão grave para flauta.6 (GALANTE, 2003: 184. Tradução nossa)

Petrucci (2006), ao contrário, utiliza uma linguagem mais poética para recriar tal acontecimento:

Aberta a gaiola dourada do pintassilgo por eleição, a languida cantora de melopeias, a flauta encontrou a si mesma naquele papel orquestral que tan-to preocupava os autores do passado. Primeiro com o Prèlude à l’après-midi d’un faune de 1894, de Claude Debussy e, mais tarde, definitivamente, com Daphnis et Chloé, de Maurice Ravel, de 1911, foram consagrados os elemen-tos estilísticos timbrísticos agradáveis ao manifesto das novas possibilida-des7. (PETRUCCI, 2006: 10. Tradução nossa)

Num sentido mais amplo, o Prèlude anuncia a era moderna porque libera a música do sistema de tonalidades maior e menor, retirando das tensões harmônicas o seu caráter imperativo sobre a composição (GRIFFTHIS, 1987:7). No caso da flauta, o novo instrumento Boehm, metálico, cilíndrico, ofereceu aos compositores timbre e possibilidades técnicas afins à nova estética musical: na música moderna e, prin-

6 L’importanza simbolica del Prèlude à l’après-midis d’un faune di Claude Debussy per l’inizio del Novecento flautistico consiste invece nel portare metaforicamente sulla scena il flauto come nuovo protagonista capace di emergere, in quanto strumento concertante e nonostante la tessitura spesso grave, anche su un’orchestra di dimensioni tardo-ro-mantiche (solo la quasi contemporanea Quarta Sinfonia di Brahms prevede un solo flau-tistico così basso). (GALANTE, 2003: 184)

7 Dischiusa la gabbia dorata del cardellino per elezione o di languido cantante di melopée il flauto trovò se stesso proprio in quel ruolo orchestrale che tanto impensieriva gli autori del passato. Prima con il Prèlude àl’après-midi d’un faune del 1894 di Claude Debussy e poi, definitivamente, con Daphnis et Chloé di Maurice Ravel, del 1911, vennero sanciti gli stilemi timbrici congeniali al manifesto delle nuove possibilità. (PETRUCCI, 2006: 10)

Fig. 1: Inicio do Prèlude àl’après-midi d’un faune de Claude Debussy

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cipalmente naquela produzida no pós-guerra, a intensidade será um elemento cada vez mais desfrutado pelos compositores – os sons muito amplificados ou muito re-duzidos atingem o extremo das possibilidades oferecidas pelos instrumentos. Tam-bém o timbre será um dos parâmetros mais explorados entre os autores modernos como elemento expressivo e através das diversas combinações dos instrumentos, bem como a ênfase na oposição e sobreposição de sons musicais e ruído.

A flauta na Itália

Se a redescoberta da flauta, juntamente ao florescimento da música mo-derna, aconteceu na França, no início do século XX, foi necessário mais tempo para a reafirmação do instrumento na península itálica. Com respeito ao repertório, a literatura para flauta produzida na Itália no mesmo período ainda olha para trás. Os programas de estudo, na época adotados pelos conservatórios, estabeleciam, com pouquíssimas exceções, somente estudos técnicos, oitocentistas, como os de Hugues, Andersen, Koehler, Galli e Briccialdi, ainda adotados nos conservatórios ita-lianos e em grande parte das instituições estrangeiras. Galante (2003), citando um catálogo da empresa Rampone, organizado em torno de 1920, conta que grande era o número de instrumentos produzidos, em diversos modelos e, curiosamente, havia um prevalecimento dos antigos sistemas sobre o novo sistema idealizado por Bo-ehm (em prata, com chaves abertas, Si bemol de Briccialdi e Sol sustenido fechado), ainda que este novo modelo já gozasse de ampla difusão (GALANTE, 2003: 204). Pe-trucci, em seu ensaio introdutório ao tratado de Boehm, confirma que tenha havido certa resistência à aceitação da flauta Boehm na Itália, ainda que cite uma legião de flautistas que participaram da propagação do novo instrumento e atribua a Briccial-di a grande contribuição para a sua difusão.

Giuseppe Rabboni (1800-1856), o Conde Luigi Martini-Porti (1803-1886), Francesco Pizzi (1808-1871), Cesare Ciardi (1818-1877), Vincenzo de Michelis (1825-1891), Luigi Hugues (1836-1913), Francesco Rossi (1848-1911), Ernesto Kohler (1849-1907) perma-neceram fiéis ao antigo sistema. Outros, ao contrário, como Filippo Franceschini (1841-1916), Antonio Zamperoni (1844-1909), Italo Piazza (1860-após 1947), professores nos Reali Conservatori di musica e Licei musicali onde tinha sido adotada a flauta Boehm, a impuseram a seus alunos, mesmo continuando a tocar flautas do sistema antigo. Ou-tros, mais tarde, e entre os mais ilustres, como Emanuele Krakamp (1813-1883), Filip-po Savini (1814-1893), Giuseppe Gariboldi (1833-1905), Alberto Roberti (1833-1908), Vittorio Beniamino (1833-1912), Emilio Gillone (1852-1925), Paolo Cristoferetti (1857-1936), Filiberto Peri (1864-após 1940), não só a ensinaram, mas a adotaram e difundi-ram-na por toda parte.8 (PETRUCCI, 2006: 15. Tradução nossa)

8 Giuseppe Rabboni (1800-1856), il Conte Luigi Martini-Porti (1803-1886), Francesco Pizzi (1808-1871), Cesare Ciardi (1818-1877), Vincenzo de Michelis (1825-1891), Luigi Hugues (1836-1913), Francesco Rossi (1848-1911), Ernesto Kohler (1849-1907) rimasero fedeli al

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Entre os flautistas italianos mais influentes do início do século XX, Galante cita Leonardo de Lorenzo (1875-1962), Filippo Franceschini (1841-1918), Abelardo Albisi (1872-1938), Alberto Veggetti (1874-1948) e Arrigo Tassinari (1889-1988). Este último teria exercido grande influência sobre as novas gerações e manifestado pre-dileção por uma escola puramente italiana. Em todo caso, o autor é categórico ao afirmar que o grande renascimento da flauta na Itália se deve graças ao aluno mais célebre de Tassinari, o flautista Severino Gazzelloni que mais tarde viria a influenciar fortemente também a literatura de vanguarda para flauta produzida naquela penín-sula e no exterior (GALANTE 2003: 204-206).

A Gazzelloni-Musik

O flautista Severino Gazzelloni, nascido em 1919 na localidade de Rocca-secca, se diplomou em Roma, no ano de 1942. Gazzelloni iniciou gradualmente a obter reputação em virtude da sua formidável mestria técnica no instrumento, e é considerado pioneiro da redescoberta da flauta na Itália da época moderna. Sua carreira solista, porém, se viu ligada à execução e divulgação da música contempo-rânea da qual era um grande apaixonado. De 1952 a 1964 ele foi docente de flauta nos FerienkursefurNeueMusik, organizados pelo musicólogo Wolfgang Steinecke, a partir de 1946, em Darmstadt.

O interesse de Gazzelloni pela música de vanguarda teve início antes dos Ferienkurse, em 1947, através de um convite do compositor Mario Peregallo que, na época organizava uma turnê do Pierrot Lunaire de Arnold Shoenberg. O compositor ofereceu a parte de flauta a Gazzelloni que depois deste primeiro contato teria se tornado assíduo executante da nova música.

Durante os Ferienkurse, Gazzelloni teve contato e estabeleceu relações com muitos compositores e estudiosos da nova música, entre os quais Pierre Boulez, Lu-ciano Berio, Karlheinz Stockhausen, Luigi Nono, Franco Donatoni, Sylvano Bussotti, Olivier Messiaen e John Cage. Naqueles anos, Gazzelloni era um dos poucos instru-mentistas a dedicar-se verdadeiramente à música de vanguarda, e isto suscitou inte-

vecchio sistema. Altri invece, come Filippo Franceschini (1841-1916), Antonio Zamperoni (1844-1909), Italo Piazza (1860-dopo il 1947), insegnanti nei Reali Conservatori di musica e Licei musicali dove era stato adottato il flauto Bohm, lo imposero ai loro allievi, pur con-tinuando a suonare flauti del sistema antico. Altri, poi, e fra i più illustri, come Emanuele Krakamp (1813-1883), Filippo Savini (1814-1893), Giuseppe Gariboldi (1833-1905, Al-berto Roberti (1833-1908), Vittorio Beniamino (1833-1912), Emilio Gillone (1852-1925), Paolo Cristoferetti (1857-1936), Filiberto Peri (1864-dopo il 1940), non solo lo insegnaro-no, ma lo adottarono e lo diffusero ovunque. (PETRUCCI, 2006: 15)

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resse por parte de muitos compositores sobre o instrumentista que, além de virtu-oso em seu instrumento, era muito disponível e aberto a colaborar com os autores. Depois da experiência de Darmstadt, ele se tornou um dos maiores intérpretes da NeueMusik e o máximo da música de vanguarda para flauta, mesmo tendo continu-ado a executar o repertório tradicional para esse instrumento. Da colaboração entre o flautista e os diversos autores nasceram centenas de peças a ele dedicadas. As peças foram escritas principalmente nos anos sessenta e setenta do século XX, e a primeira execução contava, quase sempre, com o homenageado à flauta.

Em 1958, Luciano Berio (1925-2003) dedicou ao flautista a sua Sequenza I para flauta solo que poderia ser considerada uma das peças mais importantes da-quela que ficou conhecida como Gazzelloni-Musik, ou seja, toda a enorme quanti-dade de peças inspiradas ou dedicadas à flauta de Gazzelloni (GALANTE 2006: 213). Sobre a primeira página da Sequenza, no alto, se lê a afetuosa dedicatória “a Severì”. Nesta peça, ouve-se a tentativa por parte do compositor de confiar à flauta um alar-gamento dos processos seriais com variações contínuas de elementos de base e uma máxima exploração das possibilidades do instrumento. A flauta solista expõe no início uma série de sons cujos fragmentos melódicos serão por toda a peça, sub-metidos a livres transformações; esses se derramam como desenhos pontilhistas sobre todas as outras partes e resultam num andamento de agregações improvi-satórias, quase flutuantes; o resultado se coloca, assim, sobre um plano de séria coerência que leva quase a evocações do estilo ornamental barroco.

Entre as tantas peças que Bruno Maderna (1920-1973) dedicou a Gazzello-ni, devemos citar Honeyreves. Escrita em 1961, a composição é uma calorosa home-nagem de Maderna ao amigo flautista. O título da peça é um anagrama do nome Severino elaborado a partir da fusão das palavras honey, do inglês e rêves, do fran-cês, ou seja: sonhos de mel. Nesta peça, a flauta surge dentro de um desenho de arabescos virtuosísticos alternado por notas longas e por uma sucessão de sons har-mônicos misteriosos e ornamentados por trinados. O instrumento é usado de ma-neira inovadora, através do desfrutamento de todas as suas possibilidades técnicas e sonoras. Em certos momentos, a refração do som é levada à beira da audibilidade. A cantabilidade do instrumento-arquétipo, sempre presente nas obras de Maderna,

Fig. 2: Início da Sequenza I per flauto solo de Luciano Berio.

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resulta fragmentada e as ideias se alternam entre os dois instrumentos (flauta e piano) que dialogam entre si. Bruno Maderna dedicou a Gazzelloni algumas de suas peças mais importantes como a Grande Aulodia, composta em 1979.

Fig. 3. Início de Honeyreves de Bruno Maderna, parte da flauta.

Também o compositor milanês Bruno Bettinelli (1913-2004) aprendeu atra-vés da flauta de Gazzelloni e a ele dedicou o seu Studio da Concerto per flauto solo, de 1977. Nesta peça, como é típico da poética de Bettinelli, nota-se uma escrita muito rigorosa, seca, onde as combinações rítmicas possuem uma importância fun-damental. Percebe-se no Studio da Concerto, o pensamento de Bettinelli que se insi-nua cada vez mais no espaço atonal através de tensões cromáticas, uma profunda e cuidadosa pesquisa tímbrica e fragmentos melódicos de grande cantabilidade e elo-quência. A construção rítmica é rigorosíssima, se expressa com clara insistência em tercinas, quartinas e quintinas. É necessário lembrar que Bettinelli sempre foi muito interessado pela música antiga e condividia com a Generazione dell’Ottanta9 o ideal de música instrumental pura, uma concepção musical contrária ao melodrama oito-centista. Bettinelli, além disso, foi responsável pela revisão e transcrição de músicas de Corelli, Nardi, Sammartini e uma série de laudas que remontam ao século XIII.

É realmente extensa a lista de peças que levam o nome de Gazzelloni como homenageado. Somente para se ter uma ideia: na Itália, Camillo Togni para ele com-pôs a Sonata (1953) e a Fantasia Concertante (1958); Giorgio Federico Ghedini, a Sonata da Concerto (1958); Sylvano Bussotti, Couple per flauto e pianoforte (1958); Aldo Clementi, Ideogrammi n. 2 (1959); Goffredo Petrassi, Souffle (1970) além do Concerto per flauto e orchestra (1960). Entre as peças vindas de compositores es-trangeiros se podem citar Flotenstuckneunphasig (1959) de Ernest Krenek; Polypho-nie I per flauto contralto (1962) de Jacques Guyonnet; Condicionado (1963) e Reci-proco (1963) de Luis de Pablo; Rhymes for Gazzelloni (1965) de Yori-AkiMatsudaira; e Tre pezzi per flauto e pianoforte (1970) de AndrasSzollosy.

9 “Músicos nascidos em torno de 1880: principalmente Franco Alfano, Ottorino Respighi, Ildebrando Pizzetti, Gian Francesco Malipiero e alfredo Casella”. (MILA, “La generazione dell´ottanta”. Cf. http://www.rodoni.ch/malipiero/milagenerazione80.html, consultado em 03 de outubro de 2016. Tradução nossa.

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Considerações finais

Se durante o período romântico competiu aos docentes e flautistas compo-sitores eleger e defender gradualmente um modelo de instrumento que pudesse satisfazer as constantes demandas advindas das mudanças na estética e na tecnolo-gia musicais ocorridas naquele século, parece mais claro que, embora as mudanças organológicas sofridas pela flauta no período supracitado tenham tido o alemão Theobald Boehm como protagonista, coube justamente aos flautistas italianos di-fundí-las em maior escala. E seguindo essa linha histórica percebe-se que foi preci-samente um italiano, já no século XX, a saber, Severino Gazzelloni, a oferecer aos no-vos compositores empenhados na música de vanguarda, a parceria necessária para a divulgação e as experimentações, típicas da música do novo século. A intensidade e a importância destas parcerias acabaram por cunhar o termo Gazzelloni-Musik – a música para Gazzelloni, como apontado por Galante (2003: 213).

“A história deverá um dia estabelecer quanto se deve à flauta extraordinária de Gazzelloni, daquela singular tendência à simplicidade monódica, mani-festada por compositores sempre acusados de cerebralismo e mestres, na realidade, das mais abstrusas complicações (…) (MILA 1976:19. Tradução nossa)”10 .

O vasto número de peças que trazem o nome de Gazzelloni como homena-geado testemunham quanta influência um intérprete possa ter sobre os composito-res e, no caso especifico deste flautista, sobre toda uma geração de autores empe-nhados na elaboração de uma nova música.

Referências

BOHM, THEOBALD, Il flauto dei suoi aspetti, tecnici e artistici. Trad. de Giuseppe Esposito. Milano, Falaut Edizioni Musicali, 2006.

GALANTE, EMILIO, Il flauto nel Novecento, In: LAZZARI, GIANNI, Il Flauto traverso: storia, tecnica, acustica. Torino, Edt. Torino 2003.

GRIFFTHIS, PAUL, A música moderna: uma historia concisa e ilustrada de Debussy a Boulez. Trad. de Silvio Augusto Merhy. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1987.

LAZZARI, GIANNI, Il Flauto traverso: storia, tecnica, acustica. Torino, Edt. Torino, 2003.

10 La storia dovrà stabilire un giorno quanta si debba, al flauto straordinario di Gazzelloni, di quella singolare tendenza alla semplicità monodica, manifestata da compositori sempre tacciati di cerebralismo e maestri, in verità, delle più astruse complicazioni (…). (MILA 1976:19)

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MILA, MASSIMO, Maderna musicista europeo. Torino, Einaudi, 1976.PETRUCCI, GIAN-LUCA, Saggio introduttivo, In: BOHM, THEOBALD, Il flauto dei suoi

aspetti, tecnici e artistici. Trad. de Giuseppe Esposito. Milano, Falaut Edizioni Musicali, 2006.

SABLICH, SERGIO, Il Novecento: dalla “generazione dell’80” a oggi, in ROSA, ASOR (Org.) Letteratura italiana, vol. VI, Teatro, musica, tradizione dei classici. To-rino, Einaudi, 1986. pp. 411-437.

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Conceitos técnicos da escola germânica de violino do século XIX

Fernando PereiraUFRJ – [email protected]

Resumo: O presente artigo pesquisa os princípios posturais e mecânicos da técnica de mão esquerda na prática do violino, estabelecidos em dois tratados de procedência germânica. O Violinschule, de Spohr e o Violinschule, de Moser e Joachim. Em seguida é realizada uma análise comparativa que aponta os aspectos convergentes e divergentes a fim de compreender esse período do desenvolvimento da técnica do instrumento e o grau de unidade da tradição germânica de violino. Este trabalho constitui uma das etapas que precede a posterior investigação do elo que a técnica violinística contempo-rânea possui com o seu desenvolvimento histórico e com as Escolas de violino.Palavras-chave: Violino. Escola germânica. Conceitos técnicos. Performance.

Technical concepts of the 19th Century german violin schoolAbstract: This article searches the posture principles and mechanics of the technique of the left hand in the practice of the violin, established in two treaties of germanic origin. The Violinshule of Spohr, and The Violinshule of Moser and Joachim. It is then carried out a comparative analysis that identifies the convergent and divergent as-pects, in order to understand this period in the development of the technique of the instrument and the degree of unity of the germanic violin tradition. This work is one of the stages preceding the further investigation of the link that the contemporary violinistic technique has with its historical development and with the schools of violin.Key-words: Violin. Germanic school. Technical concepts. Performance.

Introdução

Para alguns estudiosos da evolução da performance musical, o legado dos principais violinistas germânicos do século XIX não trouxe conceitos técnicos signi-ficativamente originais, a ponto de merecer a alcunha de Escola. Em recente artigo, Clive Brown (2013) distingue a supremacia da Escola Francesa das correntes que a sucederam, como a Germânica e a Franco-Belga, o que o leva a questionar o próprio conceito de Escola como definidora de características específicas da prática instru-mental de um grupo de violinistas de determinada região:

Enquanto a ‘’Escola Viotti/Paris/França’’ era reconhecida por ter dominado

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por décadas o mundo da performance dos instrumentos de cordas no iní-cio do século dezenove, a Escola Franco-Belga, entendida geralmente como implantada através da atuação artística e pedagógica de Charles de Bériot (1802-1870), era considerada como uma extensão da primeira e, de certa forma, por estar em oposição a uma Escola Germânica menos claramente definida (deve-se compreender que ao longo desse artigo a palavra ‘’escola’’ é utilizada como um termo histórico mais do que como um conceito concre-to). (BROWN, 2013: p.1. Tradução nossa) 1.

De fato, os violinistas germânicos mais atuantes na primeira metade do sé-culo XIX, Louis Spohr (1784-1859) e Joseph Boehm (1795-1876), podem ser conside-rados como sucessores da Escola Francesa de Pierre Baillot (1771-1842), Rodolphe Kreutzer (1766-1831) e Pierre Rode (1774-1830). Tal argumentação baseia-se no fato de que Rode foi professor de Boehm e exerceu forte influência sobre Spohr, como demonstrado em seus relatos2. É provável ainda que a contestação relativa à legitimidade de uma Escola Germânica de violino tenha uma explicação geopolítica. No período que compreende a atuação artística e pedagógica de Spohr e Boehm, a Alemanha não era unificada3 e, consequentemente, não havia uma instituição musi-cal que representasse um polo centralizador equivalente ao Conservatório de Paris, como comprova o subtítulo do método que será estudado em seguida, de autoria de Louis Spohr: “Dedicado aos Conservatórios da Europa”.

No entanto, no âmbito de uma pesquisa que busca compreender os concei-tos da técnica violinística contemporânea e sua relação com o desenvolvimento da prática do instrumento, a ausência desse fator institucional - que por certo contribui para a consolidação de um legado e valida a própria ideia de Escola - não retira as possibilidades de análise das características da técnica violinística germânica des-se período, pois outros dois fatores demonstram sua vitalidade e importância: o primeiro reside no fato de que as atividades pedagógicas de Spohr e Boehm se es-tenderam pelas demais gerações. Dentre os mais eminentes estão Ferdinand David (1810-1873), aluno de Spohr, e Joachim (1831-1907), aluno de David e Boehm. O segundo e principal fator advém de que a linha evolutiva, Spohr – David – Joachim, traz concretas possibilidades de investigação e análise, pois os três violinistas escre-

1 ‘’Whereas the ‘Viotti/Paris/French school’ was seen to have dominated the world of string playing for several decades at the beginning of the nineteenth century, the Fran-co-Belgian school, generally regarded as having its roots in the playing and teaching of Charles de Bériot (1802-70), was perceived to exist alongside and, to some extent, in op-position to a less clearly defined German school (it should be understood that through-out this article the word ‘school’ is used as an historical term rather than a substantial concept ‘’).

2 Ver SPOHR, Louis. Autobiography . 1865. Londres: Reeves & Turner, 1878.3 Ocorrida no ano de 1871, Boehm vivenciou a Alemanha unificada apenas nos seus últi-

mos anos de vida.

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veram obras sobre a prática do instrumento, sendo as mais detalhadas o supracita-do Violinschule (1832), de Spohr, e o Violinschule (1905), escrito conjuntamente por Joachim e Andreas Moser (1859-1925).

Essas duas fontes formam a base da presente análise sobre o pensamento da técnica violinística germânica a partir do século XIX para uma posterior compa-ração com os elementos que compõem o conceito contemporâneo. O recorte entre os tratados do século XVIII e do século XIX se justifica pelo fato de que nesse período consolidam-se alterações no formato do violino e do arco, que incidem diretamente sobre mecanismos técnicos fundamentais na performance do instrumento, resul-tando na usual distinção entre violino barroco e violino moderno. Assim, apesar das evidentes contribuições ao desenvolvimento da técnica violinística, os tratados es-critos no século anterior, como o célebre Versuch einer grundlichen violinschule 4de Leopold Mozart, não estão aqui considerados, pois uma pesquisa analítica e com-parativa com a técnica contemporânea tornar-se-ia menos esclarecedora devido às modificações morfológicas no violino como o alongamento do braço, o aumento da altura do cavalete, e a acentuação da curvatura do espelho e do cavalete. No arco, a alteração foi ainda mais significativa, pois esse atingiu um formato quase inverso aos modelos precedentes. O chamado Arco Tourte, desenvolvido por François-Xavier Tourte (1747-1835), feito com a madeira pau-brasil, aperfeiçoou o formato côncavo de sua curvatura, alterou o seu peso e o seu equilíbrio. Essas características resul-taram em uma maior capacidade de produção sonora e na ampliação dos recursos técnicos para diferentes arcadas e golpes de arco.

Nos tratados que fundamentam a presente pesquisa os autores definem os princípios da técnica do instrumento nos textos introdutórios aos exercícios, evo-cando também características estilísticas de violinistas e compositores, além de discorrer informalmente sobre o pensamento e a prática de músicos passados e contemporâneos. Cada autor traz ainda singulares nomenclaturas e formatos dos tópicos apresentados. Assim, para viabilizar a análise comparativa, foi preciso sele-cionar e dispor uniformemente apenas os pontos específicos a serem trabalhados. São eles:

• Sobre a colocação do violino junto ao corpo.• Sobre os posicionamentos e mecanismos de funcionamento da mão es-

querda.

4 Mozart, L. (1756). Versuch einer grundlichen violinschule. Augsburg, Austria.

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Os Tratados

O Violinschule, de Louis Spohr é dividido em três partes. A primeira se subdivide em sete seções, contendo aspectos relacionados à manufatura do ins-trumento. A segunda parte se subdivide em treze seções, contendo exercícios e determinações relacionadas à postura e aos mecanismos de execução, de onde extrairemos os elementos e orientações que se enquadram nos tópicos acima. A terceira parte se subdivide em cinco seções relativas aos aspectos estilísticos na performance.

Sobre a colocação do violino junto ao corpo

• A borda inferior do fundo do violino é posicionada na clavícula esquerda.• A borda inferior do fundo do violino é mantida firmemente pela pressão

do queixo sobre a queixeira – situada sobre o estandarte.• O ombro esquerdo é levemente avançado para o suporte do fundo do

violino, acarretando em uma inclinação do instrumento para a direita de um ângulo de 25 a 30 graus.

Sobre o posicionamento e os mecanismos de funcionamento da mão esquerda

• O braço do violino é mantido levemente acima da primeira articulação do dedo polegar e na terceira articulação dedo indicador, porém de forma suficientemente firme, a fim de impedi-lo de afundar-se na cavidade entre o polegar e o dedo.

• A parte mais baixa da mão, que corresponde ao dedo mínimo, é posicio-nada o mais próximo possível do espelho, para que esse dedo menor pos-sa, assim como os outros, cair sobre as cordas em uma posição curvada.

• O centro da mão e o punho devem manter uma distância da parte inferior do braço do violino.

• O cotovelo esquerdo é direcionado para dentro até chegar ao meio do violino, mas não deve encostar-se ao corpo.

A segunda obra de considerável relevância da Escola Germânica, igual-mente intitulada Violinschule (1905), foi escrita conjuntamente por Joseph Joa-chim e seu aluno Andreas Moser, que possuía uma vasta experiência na pedagogia de iniciação ao instrumento. Os dois primeiros volumes são escritos por Moser e o terceiro volume, composto de excertos de obras musicais em forma de exercícios, foi realizado por Joachim. No prefácio, Joachim assegura que todas as conside-rações sobre a técnica instrumental do primeiro volume, escrito por Moser, cuja

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notoriedade como concertista era significativamente menor do que de seu tutor, foram debatidas e confirmadas conjuntamente.

Moser e Joachim estavam certamente conscientes da importância da reali-zação de uma obra didática de grande porte para a perpetuação de seus conceitos técnicos, como demonstra o texto final do Método:

F. Geminiani (1680-1762), discípulo de Corelli, em sua obra ‘’A Arte de tocar violino’’, Londres 1740, foi o primeiro a orientar o posicionamento do instrumento embai-xo do queixo e do lado esquerdo do estandarte. Leopold Mozart (1719-1787) nos apresentou em sua ‘’Escola Fundamental de Violino’’ (Ausburg 1756), a primeira tentativa de um sistema de instrução musical aplicada ao violino. B. Campagnoli (1751-1827) nos ofereceu em seu ‘’Novo Método de Tocar Violino’’, as regras apren-didas na escola do celebrado Nardini. Os pontos de vista de Viotti, Rode e Kreutzer são principalmente refletidos no ‘’Méthode de Violon adoté par le Conservatoire’’ de Baillot e sua obra posterior ‘’L’Art du Violon’’. O ‘’Violinschule’’ (Vienna 1832) de L. Spohr é um monumento infelizmente acompanhado por poucos iniciantes. A co-nexão entre o toque de estilo clássico e o virtuosismo moderno é encontrada nas es-colas de violino de Charles de Bériot e D. Alard 5. (MOSER, JOACHIM, 1905: p. 199).

Sobre a colocação do violino junto ao corpo.

• A parte do violino à esquerda do estandarte deve ficar embaixo do queixo a fim de que a cabeça mantenha sua posição reta, possibilitando o olhar ao longo do espelho.

• O violino deve ser mantido em posição horizontal, na direção do pé es-querdo.

• O instrumento deve ficar inclinado para o lado de dentro, formando um ângulo de 45 graus.

• O uso da queixeira (feita por Becker ou por Darbey) não é recomendado. • É necessária a posição horizontal do violino, alcançada através do uso da

almofada ou queixeira.

5 F. Geminiani (1680-1762), a pupil of Corelli, in his work ‘’The Art of Playing the Violin’’, London 1740 , was the first to give the direction that the instrument should be placed under the chin on the left side of the tail-piece. Leopold Mozart (1719-1787) gave us, in his ‘’Fundamental Violin-School’’ (Ausburg 1756), the first attempt at a system of mu-sical instruction as applied to the violin. B. Campagnoli (1751-1827) delivered to us in his ‘’Nouvelle Méthode du Jeu de Violon’’, the rules wich he had learned in the school of the celebrated Nardini. The views held by Viotti, Rode, and Kreutzer are principally reflected in Baillot’s ‘’Méthode de Violon adoptée par le Conservatoire’’ and in his later work ‘’L’art du Violon’’. L. Spohr’s ‘’Violinschule’’ (Vienna 1832) is a monument which unfortunately is little suited for beginners. The connecting link between the classical style of playing and that of the modern virtuoso, is found in the violin-schools of Charles de Bériot and D. Alard.

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Sobre o posicionamento e os mecanismos de funcionamento da mão esquerda

• O braço do violino deve estar levemente posicionado entre o dedo polegar e o dedo indicador, e sob nenhuma condição o braço do violino deve encostar a pele que une o dedo polegar e o dedo indicador. Ao contrário, um espaço deve ser mantido, a ponto de um lápis poder passar confortavelmente.

• O braço do violino deve manter-se na articulação mais elevada do dedo polegar.

• O dedo polegar deve se situar em frente ao dedo indicador. • Se o dedo indicador estiver em uma posição adequada ao se tocar o pri-

meiro intervalo de tom, ao levantar-se novamente, sua parte posterior não deve ir além da pestana.

• Os dedos devem pousar perpendicularmente sobre as cordas e se elevar na mesma direção.

• Como o dedo mínimo é menor do que os demais, é necessário posicionar o cotovelo abaixo do violino, para que a parte mais espessa da palma da mão possa se aproximar do espelho até que a ação perpendicular dos dedos seja alcançada.

• Deve-se evitar uma posição encolhida da mão, na qual os dedos conver-gem em direção à palma.

• Os dedos devem se comportar como pequenos martelos, prontos para cair sobre as cordas.

• A mão deve se manter absolutamente imóvel, acionando-se apenas atra-vés das raízes e das articulações dos dedos.

• Em uma correta posição sobre as cordas, o caimento dos dedos não deve incorrer em uma pressão exagerada da mão ou em uma pressão do dedo polegar sobre a lateral do braço do violino.

• Os dedos não devem se esfregar uns contra os outros ao cair ou ao se er-guer sobre o espelho e não devem impedir os livres movimentos de cada um. Inversamente, eles devem ser treinados para se moverem da forma mais independente possível.

• A velocidade se intensificará através de uma elevação adequada. Por exemplo, se o dedo indicador estiver sobre a corda, a elevação do segun-do dedo deve ser de dois centímetros, a do dedo médio de três centíme-tros e a do dedo mínimo de aproximadamente cinco ou seis centímetros.

• O resultado de uma posição correta do braço esquerdo e dos dedos sobre o espelho é a parte externa da mão em uma linha contínua com o ante-braço. Contudo, na primeira posição, a mão não deve estar voltada nem para dentro nem para fora.

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Análise comparativa

A comparação dos preceitos técnicos dos dois tratados acima descritos completa-se por informações contidas nos textos. Assim visualizaremos os aspectos convergentes, bem como compreenderemos certas questões ainda em via de de-senvolvimento naquele período.

Sobre a colocação do violino junto ao corpo

De imediato, revela-se o caminho para a consolidação do fim do posicio-namento do violino à direita do estandarte, além da concordância sobre uma leve inclinação do violino.

Observamos ainda que o ponto nevrálgico desse item reside na eficácia da utilização da queixeira. Em seu método, Spohr atribui a criação do utensílio para si e o apresenta como um elemento inovador e indispensável para a estabilização do violino diante do número crescente de trocas de posição exigidas pelo reportório da época. Por outro lado, observamos que o Violinschule de Moser traz uma série de contradições relativas ao assunto. O autor desaconselha veementemente o uso da queixeira, trazendo ainda informações contraditórias quanto à sua criação quando atribui inicialmente o utensílio a dois outros violinistas, Becker e Darbey, para em se-guida referir-se à Spohr: ‘’A tentativa de Spohr de colocar a queixeira no meio do vio-lino, acima do estandarte, não deve ser considerada, pois, em nossos dias, ninguém mais sustenta o violino nessa posição’’(MOSER, 1905: p. 18). Surpreendentemente, no subitem final, que no Método está intitulado como A mão esquerda e o funcio-namento dos dedos no espelho, Moser preconiza o uso de uma almofada ou uma queixeira como facilitadores da posição horizontal do violino. Assim, entendemos que Spohr, ainda que não tenha sido o real inventor da queixeira, contribuiu para um aspecto imprescindível na técnica moderna – a estabilização do violino. No entanto, os relatos de Moser transparecem a fragilidade do conhecimento e a dificuldade de aceitação do utensílio ao longo do século.

Sobre o posicionamento e os mecanismos de funcionamento da mão esquerda

Nesse item, a expressiva diferença na quantidade de informações indica o significativo desenvolvimento da técnica de mão esquerda ao longo das sete dé-cadas que separam os dois métodos. Primeiramente notamos que as orientações de Spohr são referendadas no método de Moser e Joachim, o que demonstra uma sólida concepção sobre a colocação do braço do violino ¬¬- entre os dedos polegar e o indicador - e um entendimento mútuo de que o cotovelo esquerdo deve posi-

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cionar-se embaixo do violino para que a palma da mão se aproxime do espelho e permita uma ação do dedo mínimo equivalente à dos demais dedos.

Acreditamos ainda que Moser e Joachim tomam como ponto de partida os preceitos de Sphor sobre o posicionamento da mão esquerda - cujas quatro orien-tações são praticamente reescritas - e desenvolvem seus mecanismos de funcio-namento6 introduzindo noções de dosagem de pressão, relação entre velocidade e elevação, e independência dos dedos. Enfim, noções condizentes com um ideal de virtuosismo característico das últimas décadas do século XIX.

Considerações finais

A técnica violinística contemporânea caracteriza-se pela excelência. Não se-ria incorreto afirmar que a prática do violino - bem a de diversos instrumentos da música erudita ocidental - vive um momento de prosperidade. Diante dessa riqueza artística, perde-se por vezes a dimensão de que tal realidade é o resultado de um acúmulo de experimentações e informações ao longo dos dois últimos séculos. Atra-vés da análise das fontes bibliográficas sobre a técnica violinística do século XIX, é possível compreender o desenvolvimento de questões técnicas ou estilísticas, onde se configuram árvores genealógicas dos mais influentes violinistas. Nessa configura-ção incluiu-se uma divisão geográfica e respeitaram-se apropriações institucionais, principalmente a partir do século XIX, com a consolidação de instituições de ensino musical na Europa Ocidental e do próprio conceito de nação. Assim como no campo das Belas Artes, afirmou-se para a prática do violino o conceito de Escola, que busca definir características técnicas e estilísticas dos principais núcleos de atuação artísti-ca e pedagógica. Porém, a discussão sobre as limitações de tal setorização mediante a extensa rede de influências ao longo da história e mediante o ato artístico em si, não invalida uma pesquisa aprofundada sobre a evolução de conceitos na aborda-gem da prática do instrumento e de questões técnicas específicas.

Nesse trabalho, através da análise dos tratados de Spohr e Moser/Joachim, foi possível traçar uma linha evolutiva de aspectos específicos da técnica de mão es-querda germânica ao longo do século XIX. A mesma metodologia pode ser aplicada para estabelecer a evolução da concepção da prática do instrumento e de aspectos técnicos até os dias de hoje, através da inclusão de referências bibliográficas do sé-culo XX, como as obras de Leopold Auer (1845-1930), Carl Flesch (1873-1944) e Ivan Galamian (1903-1981). Pois, para que as características da técnica contemporânea

6 No método de Moser e Joachim a seção é intitulada A mão esquerda e o funcionamento dos dedos no espelho..

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do instrumento sejam compreendidas, é necessário inseri-las em uma perspectiva histórica, revelando continuidades ou rupturas dos elementos constituídos. E é esse saber que garantirá a qualidade da pedagogia e da performance musical das próxi-mas gerações de violinistas.

Referências:

BROWN, C. The decline of the 19th-century German school of violin playing. Leeds: Chase.leeds.ac.uk, 2013. Disponível em: http://chase.leeds.ac.uk/article/the--decline-of-the-19th-century-german-school-of-violin-playing-clive-brown/

MOSER, A; JOACHIM, Joseph. Violineschule. Berlin: N. Simrock, 1905.SPOHR, L. Violineschule. Vienna: Haslinger, 1832.______ Autobiography . 1865. Londres: Reeves & Turner, 1878.

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A interpretação pianística do poema Einklang, de Nicolaus Lenau, em Alberto

Nepomuceno

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo principal o estudo das questões da in-terpretação pianística na canção Einklang, do ciclo Cinco Poemas de Nicolaus Lenau, de Alberto Nepomuceno, servindo de base para a preparação da sua performance. Partindo da premissa da compreensão do poema, serão observados os aspectos técnicos descritos ou não na partitura, baseadas em Lindo (1916), na qual o piano não atua somente como um simples instrumento acompanhador, mas como um elemento ativo para a realização da poética musical. As principais conclusões apontaram algumas possibilidades para o acompanhamento ao piano no que diz respeito à articulação, dinâmica e variedade tim-brística.Palavras-chave: Romantismo brasileiro. Alberto Nepomuceno. Lied. Interpretação pianística. Performance.

The pianistic interpretation of Einklang’s poem, by Nicolaus Lenau, in Albeto Nepo-mucenoAbstract: The present work has as main objective the study of the questions of the pianística interpretation in the song Einklang, of the cycle Five Poems of Nicolaus Le-nau, of Alberto Nepomuceno, serving as base for the preparation of its performance. Starting from the premise of understanding the poem, will be observed the technical aspects described or not in the score, based on Lindo (1916), in which the piano acts not only as a simple accompanying instrument, but as an active element for musical poetry. The main conclusions pointed out some possibilities for piano accompaniment in relation to articulation, dynamics and timbristic variety.Key-words: Brazilian romanticism. Alberto Nepomuceno. Lied. Pianistic interpretation. Performance.

Introdução

Numa época em que vigorava na Europa diversos conceitos de nacionalismo e técnicas composicionais diferentes das que eram feitas no Brasil, Alberto Nepo-muceno (1864-1920) inspirou-se nas novidades apresentadas a ele em seu meio social e se manteve aberto às tendências modernas. Como nos aponta Vidal (2014), a vida artística do compositor caminhou focada numa escrita romântica inovadora

Erika Suellen Machado GamaUFRJ – [email protected]

Ana Paula da Matta Machado Avvad UFRJ – [email protected]

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para a música brasileira do século XIX e início do século XX. Consequentemente, foi diversas vezes afrontado e, como também nos apresenta Pereira (2007), foi um músico que marcou a história musical e educacional brasileira durante processo de transição que o país enfrentava no seu quadro político-social.

Segundo os catálogos de obras da Biblioteca Nacional (1964), do Sérgio Alvim Corrêa (1996) e do Dante Pignatari (2009), o compositor cearense escreveu cerca de 13 obras camerísticas e mais de 70 canções de câmara, escritas em idiomas como latim, francês, italiano, sueco, alemão e português. Pensando no seu contexto histórico, essa variedade em suas composições já geraria algum desconforto aos ouvidos acostumados com as técnicas do bel-canto italiano. Porém, maior ainda foi o desconforto de tornar obrigatório o estudo de uma peça em português nas aulas de canto e introduzir o ensino da harmonia representada por Wagner e Liszt no Instituto Nacional de Música.1

Seguindo as ideias europeias marcadas pelo Romantismo, Nepomuceno defendeu a prática do canto em língua nacional e ainda levou aos salões eruditos temas brasileiros em suas composições, como a Alvorada na Serra e composições com textos de poetas brasileiros, como A jangada. Porém, a aceitação do canto em idioma nacional e do uso de elementos de caráter popular no meio erudito só acon-tecerá mais tarde, no início do século XX, com a “campanha vigorosa pelo canto em português” do compositor Alberto Nepomuceno (MARIZ, 2002, p. 58). Dessa forma, o compositor cearense, junto com Alexandre Levy (1864-1892), ganhou a alcunha na musicologia brasileira de precursor do nacionalismo musical brasileiro, abrindo os caminhos para futuras gerações de compositores que trabalhariam com diversos materiais folclóricos e populares.

Além da linha composicional nacionalista, ele nos deixou várias canções ins-piradas em poetas internacionais, como é o caso do ciclo Cinco Poemas de Nicolaus Lenau (Fünf Gedichte von Nicolaus Lenau für eine Singstimme). Estes cinco lieder foram compostos por volta de 1894, em Paris, e é a obra onde “mais claramente se revelam o conhecimento e a utilização de alguns conceitos wagnerianos básicos” (VIDAL, 2016, p. 378). São canções onde o compositor explora ricamente o acom-panhamento pianístico com diversas questões técnicas e interpretativas, unindo-o aos poemas de Lenau.

Nicolaus Lenau (1802-1850) foi um poeta austríaco do século XIX que re-

1 Antigo Conservatório de Música, o Instituto Nacional de Música foi criado pelo Decreto N. 143, após a Proclamação da República, tendo como primeiro diretor o compositor Leopoldo Miguez (1850-1902).

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presentou o pessimismo presente na literatura alemã em sua escrita, como pode-mos perceber nos textos utilizados por Nepomuceno. Escolhemos analisar a inter-pretação pianística da canção Einklang, partindo da premissa da compreensão dos poemas considerando aspectos técnicos descritos ou não na partitura e da análise morfológica descrita no quadro abaixo. Como num lied alemão, o piano não deve atuar como um simples instrumento acompanhador, mas como um elemento ativo para a realização poética da música.

Análise Morfológica

Forma Binária

Introduçãoc. 1- 7

Ac. 8- 16

bc. 17- 27

c. 1- 7 descreve as doze ba-daladas do sino, harmoniza-dos sem um encadeamento tonal

a: c. 8 – 13 frase únicaampliada por repetição variadac. 8 – 11 frase únicac. 11 – 13 repetição variada da frase

ligação: 14 – 16 com imita-ção melódica e rítmica dos elementos da voz

b: c. 17 – 23 frase únicacom elementos rítmicos de a

codeta: c. 24 – 27 com tra-dicional encadeamento I-V-I (tônica-dominante- tônica)

Einklang (Uníssono)

A primeira canção do ciclo de Nepomuceno é a mais curta das cinco, po-rém repleta de complexidade harmônica e riqueza melódica. Seus versos dizem2:

Um Mitternachtent sand dies Lied, Zwölfmalerklang das Glokkenerz, Und zwölf mal Antwortgab mein Herz, Im dumpfen Strophensang, Dem dumpfen Glokkenklang

(À meia-noite surgiu esta canção,) (Doze vezes soou o sino,) (E doze respostas ressoou meu imo,)(Em canto soturno,)(Ao som bronze-surdo.)

Einklang não nos deixa evidente a sua tonalidade, apresentando desde o seu segundo compasso alterações que não condizem com a armadura ou com o

2 Tradução extraída do projeto de edição das canções de Alberto Nepomuceno, realizado por Dante Pignatari (2004).

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suposto centro tonal Mi que é evidenciado no baixo pela mão esquerda (ver exem-plo 2). Baseando-se numa análise harmônico-morfológica, percebemos como esta composição é embasada numa harmonização flutuante e se aproxima dos conceitos de dissolução tonal trabalhados por Wagner. Reafirmamos esse pensamento ao ob-servar o uso frequente de acordes alterados, utilizando inclusive o acorde de Tristão, de Tristan und Isolde nos compassos 17, 18 e 19 ao piano. Fica difícil afirmar se a melodia e a harmonia estão inseridas numa mesma escala, uma vez que apresentam estruturas diferentes durante a peça, com características isoladas uma da outra.

Ex. 1: Nepomuceno, Alberto. Cinco Poemas de Nicolaus Lenau, 1ª canção, notas do acompanhamento pianístico, c. 17-19

No início, a canção possui a indicação Sehr Langsam (muito lentamente) além da expressão wie eine Glocke (como um relógio) para o piano. É importante que o pianista saiba o conteúdo do texto do cantor para criar nos compassos 1 ao 7 um clima que se aproxime com a poesia que começa a ser apresentada no compas-so 8. Nos 7 compassos de introdução, a mão esquerda simula o badalar do sino de um relógio, onde o pianista “deve ter muito cuidado para manter o tempo estável”3 (LINDO, 1916, p. 41) preparando a entrada do cantor.

3 the accompanist must be very careful to keep the time steady (Livre tradução da autora).

Ex. 2: Nepomuceno, Alberto. Cinco Poemas de Nicolaus Lenau, 1ª canção, c. 1-7

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A dinâmica da mão esquerda deve permanecer em piano neste trecho, en-quanto a mão direita faz o sforzando no acorde de longa duração, que resultará em um decrescendo natural descrito na partitura pelo compositor. Nesse início, o pedal de sustain não se faz necessário, aproveitando para gerar mais facilmente o silêncio das pausas. Diferente dos 4 primeiros compassos, o 5º compasso da introdução co-meça piano e vai crescendo gradualmente na mão esquerda, que simula o badalar do sino, já que há notas longas na mão direita. A partir do compasso 5, o pedal é necessário para prolongar o som dos acordes arpejados, ajudando também a deixar uma sonoridade mais densa à dinâmica crescendo.

No 8º compasso, o cantor começa a discorrer sobre as batidas do relógio que foram ouvidas na introdução, declamando o verso Um Mitternachtent stand dies Lied, zwölf maler klang das Glökkenerz, que diz sobre a canção que surgiu à meia-noite, horário que soou o sino doze vezes. Observamos a importância do pia-nista acompanhador ter a “capacidade de criar a atmosfera certa”4 (LINDO, 1916, p 33), variando a qualidade de seu toque para obter a sonoridade desejada, de acordo com a poesia.

Pela primeira e única vez, o piano apresenta uma sequência melódica que se assemelha a linha do canto. Isso acontece do compasso 14 ao 16, onde são utili-zadas relações intervalares muito semelhantes e praticamente a mesma escrita rít-mica, relembrando o que fora ouvido. Constitui-se de uma pequena linha melódica na qual Vidal (2014) menciona que se refere a um verso do poema que foi omitido e que o compositor escreveu para o piano interpretar de forma declamatória.

4 the ability to create the right atmosphere (Livre tradução da autora).

Ex. 3: Nepomuceno, Alberto. Cinco Poemas de Nicolaus Lenau, 1ª canção, c. 8-10

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Há um crescendo que chega ao forte no compasso 16 e, como no início da introdução, há um decrescendo natural do acorde de longa duração para o próximo acorde que deve ser tocado em piano. A partir daí, no compasso 17, o canto retorna crescendo falando sobre seu íntimo até chegar no compasso 19.

Ex. 4: Nepomuceno, Alberto. Cinco Poemas de Nicolaus Lenau, 1ª canção, c. 14-16

O pianista precisa estar atento para atacar o seu acorde sforzando de acor-do a intensidade trabalhada pela voz. Talvez o acorde nem precise ser tão forte, já que o canto estará praticamente soando sozinho desde o compasso anterior, onde o piano apenas sustenta o acorde atacado no 17º compasso. É um detalhe a ser obser-vado que fará diferença no resultado sonoro, pois se o pianista não estiver sensível ao canto, o acorde do compasso 19 poderá ser atacado totalmente fora do contex-to musical apresentado neste pequeno trecho (ver exemplo 4). “Definitivamente, a parte do piano deve ser muito subserviente à parte da voz”5 (LINDO, 1916, p 33).

5 The piano-part must be very definitely subservient to the voice-part (Livre tradução da autora).

Ex. 5: Nepomuceno, Alberto. Cinco Poemas de Nicolaus Lenau, 1ª canção, c. 17-19

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No compasso 20, o allargando pedido nas duas sequências de notas repeti-das para a linha da voz auxilia na interpretação do texto que indica um momento de canto melancólico que é expressado ao som das badaladas do relógio. O allargando resulta no largo do compasso 22, onde o pianista mais uma vez deve se manter atento ao andamento que está sendo desenvolvido para, assim, levar até o último compasso.

Ex. 6: Nepomuceno, Alberto. Cinco Poemas de Nicolaus Lenau, 1ª canção, c. 20

Ex. 7: Nepomuceno, Alberto. Cinco Poemas de Nicolaus Lenau, 1ª canção, c. 21-23

O piano segue sozinho nos quatro últimos compassos numa cadência per-feita de I-V-I, único momento da música que isso acontece, sendo o penúltimo com-passo um acorde appoggiatura onde o ré e o fá sustenido resolvem no mi (tônica). Como ele está invertido na mão direita, as notas appoggiaturas reforçam a solução na tônica e requerem uma expressividade. É aconselhável que o último acorde, que acaba valendo 8 tempos, fique soando até o fim, para concluir de uma forma mais próxima a realidade da nossa lembrança auditiva de um soar de sino até surgir o silêncio.

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Einklang é a canção do ciclo que “mais se aproxima da fala, em organização intervalar e região vocal”, onde sua construção rítmica possui um caráter “arioso--declamatório, uma qualidade híbrida de canto e recitativo” (VIDAL, 2014, p. 380). Um lied onde não conseguimos identificar qual seria a parte primordial, o canto ou o piano, mas são elementos com mesmo grau de importância onde “melodia e har-monia se definem e justificam mutuamente” (VIDAL, 2014, p. 381).

Desde o início, observamos diversos acordes alterados sem resolução que não são facilmente percebidos pela audição por estarem dispostos de forma afas-tada. Além disso, os acordes estão em sequências onde a escrita, moderna para o Brasil do século XIX, é bem pensada para ser apresentada sutilmente. Nepomuceno dá a impressão de não ter a intenção de chocar os ouvintes, mas de despertar algo novo, através de uma forma cuidadosa em cada detalhe deste poema de Lenau.

Considerações Finais

Os resultados da pesquisa possibilitaram o levantamento das diversas ques-tões interpretativas em Einklang. Estas constituem de suma importância para des-tacar o compositor no cenário intelectual brasileiro, fazendo-nos entender como Alberto Nepomuceno buscou a modernidade em suas canções inspirando-se em técnicas europeias.

Observamos nesta obra o desejo de Nepomuceno em renovar as técnicas de composição, impulsionando a música brasileira para um novo momento. As canções em alemão foram como uma amostra do que ainda seria apresentado por ele, com “uma escrita harmônico-melódica comprometida com as linguagens musicais mais

Ex. 8: Nepomuceno, Alberto. Cinco Poemas de Nicolaus Lenau, 1ª canção, c. 24-27

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avançadas em seu tempo” (SOUZA, 2007, p. 9). De igual forma, ele pôde prosseguir com estilos diferentes dos apresentados até sua época e incorporar textos de poetas brasileiros em suas obras. Seus Cinco Poemas de Nicolaus Lenau, em especial esta primeira canção, refletem a ambição em unir poesia e música como no lied alemão, onde o pianista deve ajudar a criar a história, sugerindo uma imagem sonora rica em variedade timbrística, dinâmica e articulações, permitindo-lhe uma ampliação de suas possibilidades interpretativas.

Referências:

CORRÊA, Sérgio Alvim. Alberto Nepomuceno: Catálogo Geral. Rio de Janeiro, Funarte/Coordenação de Música, 1996.

LINDO, Algeron H. The Art of Accompanying. G. Schirmer, Inc., New York, 1916.MARIZ, Vasco. A Canção Brasileira de Câmara. Rio de Janeiro, Francisco Alves Editora,

2002.PIGNATARI, Dante. Canções para Voz e Piano. Editora da Universidade de São Paulo,

2004.SOUZA, Rodolfo Coelho de. A Bar Form nas canções de Nepomuceno. Revista eletrô-

nica de musicologia, 2007. PEREIRA, Avelino Romero. Música, Sociedade e Política. Alberto Nepomuceno e a Re-

pública Musical. Editora UFRJ, 2007.VIDAL, João. Formação germânica de Alberto Nepomuceno: estudos sobre recepção e

intertextualidade. Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janei-ro, IMOS Editora, 2014.

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