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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP ANA CAROLINA DOS SANTOS MARTINS LEITE ENTRE OS MUROS DA ESCOLA: ANÁLISE DA DIMENSÃO SUBJETIVA DO ESPAÇO ESCOLAR DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE SÃO PAULO 2016

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Page 1: ANA CAROLINA DOS SANTOS MARTINS LEITE ENTRE OS MUROS … Carolina Dos S… · Ao longo da trajetória como profissional do ensino, muitos elementos do universo escolar são cotidianamente

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

ANA CAROLINA DOS SANTOS MARTINS LEITE

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA: ANÁLISE DA DIMENSÃO

SUBJETIVA DO ESPAÇO ESCOLAR

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

SÃO PAULO

2016

Page 2: ANA CAROLINA DOS SANTOS MARTINS LEITE ENTRE OS MUROS … Carolina Dos S… · Ao longo da trajetória como profissional do ensino, muitos elementos do universo escolar são cotidianamente

ANA CAROLINA DOS SANTOS MARTINS LEITE

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA: ANÁLISE DA DIMENSÃO

SUBJETIVA DO ESPAÇO ESCOLAR

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de Doutor em Educação: História,

Política, Sociedade sob a orientação do Prof.

Dr. Alda Junqueira Marin.

São Paulo

2016

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BANCA EXAMINADORA

__________________________

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Aos meus companheiros de vida,

Anderson e Pedro.

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Pesquisa desenvolvida com bolsa CAPES Coordenação

de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior

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Agradecimentos

À minha orientadora, Prof.ª Dra. Alda Junqueira Marin, pelo apoio imenso,

orientação dedicada e por acreditar nesse trabalho.

À minha família, especialmente minha mãe, meu companheiro e meu filho, por

estarem sempre ao meu lado em todos os momentos da vida.

Aos queridos amigos e amigas que de diversas formas me ajudaram a

atravessar essa jornada com a confiança e compreensão necessárias.

À instituição de ensino e os sujeitos, sobretudo as crianças, que aceitaram fazer

parte dessa pesquisa, sem os quais nada seria possível.

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LEITE, Ana Carolina S. Martins. Entre os muros da escola: análise da dimensão

subjetiva do espaço escolar. Tese (Doutorado em Educação: História, Política,

Sociedade) Pontifícia Universidade Católica de são Paulo, São Paulo, 2016.

Resumo

A presente pesquisa aborda a dimensão espacial como condição básica para a

efetivação do ensino com foco nas diferentes representações de professores e

alunos acerca dos espaços escolares. Propõe-se a responder o questionamento:

quais as relações de simbolização entre sujeitos/lugares/territórios dentro desse

prédio escolar? Qual a representação dos sujeitos sobre o espaço? Como se

configuram esses elementos? A hipótese estipulada é de que existem visões

diferentes desses sujeitos a respeito dos espaços dentro da escola. Essas

divergências dependem tanto do lugar que o indivíduo ocupa, quanto do ambiente a

que se refere, indicando que os espaços têm exercido poderes simbólicos. Desse

modo, e como base para a análise, a pesquisa tem como principal objetivo analisar e

compreender a subjetividade do espaço da escola, investigando como professores e

alunos se manifestam sobre os ambientes. Para tanto, foi selecionada uma unidade

educacional pública municipal da Zona Oeste de São Paulo, caracterizada como

campo empírico para a investigação e coleta de informações. Foram realizadas

observações in loco, entrevistas, questionários e desenhos, com alunos do primeiro

e quinto ano do Ensino Fundamental. Foram realizadas entrevistas com professores

desses anos escolares que também responderam questionários. Os principais

conceitos utilizados foram os de espaço, lugar e território com base em vários

autores principalmente Viñao Frago e Bourdieu. Os dados permitiram compreender

a influência dos diferentes lugares/territórios do edifício escolar sobre esses

estudantes e seus professores cotidianamente Foram percebidos espaços

preferidos, espaços não lembrados, regras de utilização desses ambientes numa

relação com a posição dos sujeitos no próprio espaço social da escola. A partir dos

dados coletados a hipótese foi confirmada, pois a análise evidenciou diferentes

manifestações de professores e alunos sobre os espaços da escola.

Palavras-chave: educação fundamental, espaço escolar, lugar, território,

subjetividade, representação.

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LEITE, Ana Carolina S. Martins. Entre os muros da escola: análise da dimensão

subjetiva do espaço escolar. Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade.

PUC, 2016.

Abstract

This research addresses the spatial dimension as a basic condition for the

effectiveness of teaching with focus on different representations of teachers and

students about the school spaces. It is proposed to answer the question: what are

the relations between subject’s symbolization / places / territories within that school

building? What is the representation of the subject of the space? How to configure

these elements? The hypothesis is stipulated that there are different views of these

subjects concerning the areas within the school. These differences depend on both

the place the individual occupies, as the environment referred to, indicating that the

spaces have exercised symbolic powers. Thus, and as a basis for analysis, the

research aims to analyze and understand the subjectivity of school space,

investigating how teachers and students are manifested on the environment. To this

end, we selected a municipal educational unit of the West Zone of São Paulo,

characterized as empirical field for research and information gathering. On-site

observations were conducted, interviews, questionnaires and drawings, with students

in the first and fifth grade of elementary school. Interviews were conducted with

teachers of these school years also completed questionnaires. The main concepts

used were the space, place and territory based on several authors mainly Viñao

Frago and Bourdieu. The data allowed us to understand the influence of different

places / areas of the school building on these students and their preferred spaces

were routinely perceived teachers, unremembered spaces, usage rules of these

environments in relation to the position of the subjects in their own school social

space. From the data collected hypothesis was confirmed, as the analysis showed

different manifestations of teachers and students on school spaces.

Keywords: basic education, school space, place, territory, subjectivity,

representation.

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Lista de Tabelas

Tabela 1. Contém os resultados agregados de todas as questões sobre os espaços que mais gostam

............................................................................................................................................................. 103

Tabela 2. Contém as manifestações de professores e alunos sobre a importância dos espaços ....... 105

Tabela 3. Dados agregados das respostas sobre destinação dos espaços da escola .......................... 133

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Lista de Figuras

Figura 1 – Visão da Fachada .................................................................................................................. 44

Figura 2 – Detalhes no portão de entrada ............................................................................................ 46

Figura 3 – Visão geral do pátio da escola. ............................................................................................. 46

Figura 4 – Entrada das salas da direção, coordenação e secretaria. .................................................... 47

Figura 5 – Estante de livros no hall das salas da coordenação, direção e secretaria............................ 47

Figura 6 – Janela para atendimento ao público na secretaria .............................................................. 48

Figura 7 – Solário da sala dos professores ............................................................................................ 48

Figura 8 – Visão da sala dos professores ............................................................................................... 49

Figura 9 – Visão da sala de reuniões ..................................................................................................... 49

Figura 10 – Detalhe ao fundo da sala de reuniões: mimeógrafo .......................................................... 50

Figuras 11, 12 e 13 – Lavanderia. .......................................................................................................... 50

Figura 14 – Visão da área externa a partir do barranco ........................................................................ 51

Figura 15 – Horta no alto do barranco da área externa ........................................................................ 51

Figuras 16 e 17 – Escadas e elevador .................................................................................................... 52

Figuras 18 e 19 – Corredores do primeiro e segundo pavimentos, respectivamente. ......................... 53

Figuras 20 e 21 – Salas ambientes de inglês e história. ........................................................................ 54

Figuras 22 e 23 – Sala ambiente de artes .............................................................................................. 54

Figura 24 – Cortina da sala do primeiro ano ......................................................................................... 55

Figura 25 – Mobiliário da sala do primeiro ano .................................................................................... 55

Figura 26 – Estande da sala do primeiro ano ........................................................................................ 55

Figura 27– Brinquedoteca ..................................................................................................................... 56

Figura 28– Brinquedoteca. .................................................................................................................... 56

Figuras 29 e 30 – Detalhes da brinquedoteca ....................................................................................... 56

Figura 31 - Quadra ................................................................................................................................. 57

Figura 32 – Visão da lateral da quadra .................................................................................................. 70

Figuras 33 e 34 – Desenho da quadra representando crianças jogando futebol. ................................ 74

Figura 35 – Desenho feito pela criança C8 – da esquerda para a direita: quadra, elevador, corredor

das salas de aula. Abaixo: portão de entrada. ...................................................................................... 75

Figura 36 – Desenho da quadra representando uma aula de Ed. Física ............................................... 76

Figura 37 – Desenho da quadra: crianças jogando basquete ............................................................... 82

Figura 38 – Vista do parque .................................................................................................................. 84

Figura 39 – Desenho do parque ............................................................................................................ 85

Figura 40 – Brinquedos do parque ........................................................................................................ 86

Figuras 41 e 42 – Desenhos do parque ................................................................................................. 89

Figura 43 – Detalhe da brinquedoteca .................................................................................................. 90

Figura 44 – Vista do fundo do pátio ...................................................................................................... 93

Figura 45 – Parte interna do elevador .................................................................................................. 94

Figura 46 – Vegetais da horta ............................................................................................................... 97

Figura 47 – Desenho em que aparece a horta ...................................................................................... 99

Figura 48 – Sala de aula ....................................................................................................................... 110

Figura 49 – Desenho da sala de aula ................................................................................................... 111

Figura 50 – Desenho das carteiras da sala de aula ............................................................................. 113

Figura 51 – Desenho da sala de aula em uma aula de português ....................................................... 114

Figura 52 – Desenho da sala com os materiais dos alunos sobre as carteiras.................................... 116

Figura 53 – Detalhe da sala de História. Figura 54 – Porta da Sala de Ciências. ................................ 118

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Figura 55 – Visão da escola do outro lado da Rodovia. ...................................................................... 137

Figura 56 – Desenho da fachada da escola ......................................................................................... 138

Figura 57 – Desenho da fachada e parque da escola .......................................................................... 140

Figura 58 – Desenho da fachada da escola com flores ....................................................................... 140

Figura 59 – Desenho da fachada com chaminé e corações ................................................................ 141

Figura 60 – Desenho da fachada com detalhes e descrições .............................................................. 141

Figura 61 – Desenho colorido da fachada da escola ........................................................................... 142

Figura 62 – Desenho do portão de entrada ........................................................................................ 142

Figura 63 – Desenho da escola com o parque dentro do prédio ........................................................ 143

Figura 64 – Desenho que tenta representar a escola inteira .............................................................. 143

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Sumário

Introdução ............................................................................................................................................ 14

1. Perspectiva histórico-social do espaço escolar......................................................................... 19

2. O campo empírico: a escola, os sujeitos e o bairro. ............................................................... 38

2.1 A definição do campo empírico. ............................................................................................ 38

2.2 Procedimentos de pesquisa ................................................................................................... 39

2.2.1 As questões ....................................................................................................................... 41

2.2.2. Objetivos ........................................................................................................................... 41

2.2.3. Hipótese ............................................................................................................................ 41

2.2.4 Detalhamento dos procedimentos utilizados na pesquisa. ........................................ 42

2.3 Caracterização da escola ....................................................................................................... 44

2.4 Sujeitos da pesquisa ............................................................................................................... 58

2.4.1 Os alunos ........................................................................................................................... 58

2.4.2 As professoras .................................................................................................................. 61

2.5 Caracterização do bairro ........................................................................................................ 62

3. Manifestações de estudantes e professores sobre preferências no espaço escolar. ....... 66

3.1 Abordagem dos elementos constitutivos das preferências dos estudantes com relação

ao espaço escolar. ......................................................................................................................... 66

3.2 Desenhos sobre a escola: as representações dos estudantes. ....................................... 67

3.3 A quadra como ambiente de predileção dos estudantes: território construído

coletivamente. ................................................................................................................................. 70

3.4 O parque, a brinquedoteca e o pátio: oposições entre os espaços destinados a brincar.

........................................................................................................................................................... 83

3.5 Elevador e horta: ambiguidade entre distinção e distanciamento nos ambientes da

escola. .............................................................................................................................................. 94

4. Usos considerados corretos e cuidados com os ambientes. ................................................ 109

4.1 As salas de aula: exigências de controle no espaço ....................................................... 109

4.2 As salas ambientes e o conceito de aprendizagem na escola. ...................................... 118

4.3 A sala da direção: lugar da punição? ................................................................................. 125

4.4 O cuidado com os ambientes da escola. ........................................................................... 129

4.5 Os dados da escala de preferências: finalidades dos espaços na escola ................... 133

5. Estética e socialização nos ambientes escolares ................................................................... 137

5.1 A fachada da escola e sua importância na percepção do espaço pelas crianças. ..... 137

5.2 Espaços de socialização: a dicotomia entre aproximação e distanciamento entre as

crianças .......................................................................................................................................... 144

Considerações Finais ...................................................................................................................... 146

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Referências ....................................................................................................................................... 152

Anexos ............................................................................................................................................... 155

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Introdução

Ao longo da trajetória como profissional do ensino, muitos elementos do

universo escolar são cotidianamente observados, vistos, evidenciados tornando-se

muitas vezes intrigantes. “Olhar para a educação” revela uma enormidade de

aspectos sobre os processos de ensino e aprendizagem, as relações entre os

sujeitos, etc... Entre esses aspectos, um espaço dentro da escola obteve destaque

convertendo-se em objeto de estudo que resultou na Dissertação de Mestrado. Após

o período de realização da pesquisa, concluída em 2009 com o título “O lugar da

Sala de Leitura na Rede Municipal de Ensino de São Paulo” algumas considerações

emergiram e em decorrência delas muitas indagações. Dentre as considerações

importantes, a ênfase para a dimensão espacial dentro da dimensão educativa. Os

estudos da dissertação revelaram que as Salas de Leitura, ambiente comum nas

escolas municipais, constituem espaços que vão além das paredes e livros e

expressão marcas culturais dos sujeitos que o habitam.

As constatações decorrentes do estudo mencionado ampliaram ainda mais o

interesse em “olhar para a educação” tendo como base o aspecto físico. As leituras

realizadas sinalizavam a importância do espaço escolar evidenciando que a temática

poderia ser ainda mais explorada.

Diante de tais informações iniciais uma pergunta foi tomando forma: que

aspectos, portanto, podem pressupor “olhar para a educação” ou “olhar para

escola”? Certamente a um pesquisador atento ou mesmo a qualquer pessoa que

tenha passado pelos bancos escolares, a resposta a essa questão encontra eco em

uma enormidade de dimensões ou focos que podem (e são) considerados

relevantes dentro do contexto do ensino ou educação escolar. Materiais, métodos,

filosofia, pressupostos teóricos, sujeitos envolvidos, políticas públicas, influências

são alguns dos exemplos de resposta ao questionamento acima. Entretanto, todas

essas possibilidades convergem, para muitos autores, em algum momento, a

direção que constitui a sua materialidade com seu significado, dimensão que lhes

atribui corpo e forma: a dimensão espacial. Pode-se, portanto, ousar afirmar que

todo e qualquer ensino, de qualquer natureza ocorre em algum espaço, seja ele

destinado, ou não, propriamente para este fim. Essa materialidade está também

presente em muitas pesquisas empíricas sem que haja análise dela mesma.

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Em outros termos, “olhar para a escola” muitas vezes, começa pelo olhar para

o espaço que dá forma a essa escola tornando-a uma realidade. Ao abrirem-se os

portões, transpondo-se os cercados e muros é que se tem acesso ao universo de

relações que se estabelecem no contexto escolar. Assim, pode-se inferir que os

prédios escolares, a distribuição, organização e utilização espacial, bem como todas

as características adjacentes ao aspecto físico, certamente têm grande relevância

entre os temas educacionais de estudo e pesquisa.

A partir de então, algumas novas leituras foram agregando novas

informações. Foi um roteiro necessário para focalizar especificamente a escola no

que tange à sua existência material.

Alguns autores da área da História permitiram compreensão da inserção

dessa instituição na sociedade. Faria Filho (2000) e Faria Filho e Vidal (2000)

contribuíram com estudos sobre a história das escolas na realidade brasileira tanto

no início do período republicano com os suntuosos prédios para abrigar os grupos

escolares recém-criados para agregar as salas esparsas, quanto no período de 1930

com os novos padrões arquitetônicos mais simples e funcionais. Também Dorea

(2003) abrange esse período ao apontar a influência de Anísio Teixeira e Wolff

(2010) descrevendo e analisando a interferência da arquitetura europeia na

construção de escolas no período inicial da república. Grande parte desses estudos

dedica-se a análises do foco na arquitetura escolar.

Em outra vertente encontramos estudos que se voltam para o interior das

escolas focalizando aspectos históricos, ainda, na perspectiva da cultura, mas

articulado com questões sociais: materiais e espaços passam a ser objeto de

estudo, como as pesquisas de Antunes e Gairín (2002), Viñao Frago (1995,

1996,1998) e Escolano: “o espaço escolar tem que ser analisado como um

constructo cultural que expressa e reflete, para além da sua materialidade

determinados discursos” (Escolano, 2001, p. 26. Esses estudos permitiram

compreender características das edificações assim como as relações com as

sociedades das épocas abrangidas pelos textos até o momento recente.

A perspectiva social com leituras envolvendo espaços e lugares foi

fundamental na perspectiva de Pierre Bourdieu ( 1998, 2003, 2004, 2007, 2008,

2009 e 2011) ao fornecer base para a compreensão dos significados simbólicos

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relativos aos diferentes espaços tanto para professores quanto para alunos. Essa

leitura permitiu perceber e subsidiar o encaminhamento do restante da pesquisa.

Há muito para evidenciar! A questão do espaço escolar é observada pelos que

defendem o ensino, mais frequentemente nos aspectos ligados à infância ou tendo o

espaço como perspectiva tangencial. No que se refere ao campo da pesquisa existe

muito para explorar acerca do espaço escolar. A temática voltada à construção e

organização dos equipamentos educacionais esteve por muito tempo à margem dos

temas de predileção dos pesquisadores. Contudo, o espaço escolar permanece

presente na educação atuando como base para todas as demais questões intra-

escolares. Recentemente pôde-se notar um considerável aumento no interesse dos

estudiosos por esse tema. Mas, para compreender como o espaço escolar se

constituiu como área de estudos foi necessário um mergulho pela história que

remete ao final do século XIX e início do século XX, período de grande relevância

para a consolidação da arquitetura escolar, considerando que a arquitetura tem sido

o foco mais presente quando se trata de estudos sobre o espaço escolar.

A conceituação histórica é acompanhada pela busca de conceituação social

explicitando os instrumentos de conhecimento e de construção do mundo objetivo

que compõem estruturas estruturantes no conjunto dos instrumentos simbólicos. Há

uma significação que leva em conta a objetividade como concordância dos sujeitos,

o que parece ser o caso do uso dos espaços escolares em todas as suas

dimensões, acrescido dos dados de cultura escolar conceituada como as práticas

sedimentadas existentes e coletivas, aceitas tacitamente pelos sujeitos.

Dessas constatações foi possível aceitar que e explicitar a grande questão

que delimita essa pesquisa: quais as relações de simbolização entre

sujeitos/lugares/territórios dentro desse prédio escolar? Qual a representação dos

sujeitos sobre o espaço? Como se configuram esses elementos?

A hipótese que pareceu ser plausível para essa indagação, então, advém da

noção de que existem diferentes visões dos sujeitos a respeito da escola e dos

espaços dentro dela. Essas divergências dependem tanto do lugar que o indivíduo

ou grupo – turma de alunos ou professores, por exemplo – ocupa, quanto do

ambiente a que se refere: quadra, sala de aula, pátio, corredor.

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O objetivo geral do estudo voltou-se à detecção das manifestações de

representações que professores e alunos possuem sobre os diferentes

lugares/territórios do espaço escolar com objetivos específicos, auxiliares às

análises dessas manifestações.

Este estudo, portanto, utilizou diferentes fontes de informação necessárias à

captação das manifestações dos sujeitos que ali vivem muitas horas diárias.

Documentos escolares foram auxiliares na compreensão da organização

institucional. Registros gráficos de sessenta e três alunos, entrevistas com duas

professoras e onze alunos, quatro professoras e seis alunos que também

responderam a questionários com escalas de preferências, além da observação do

edifício e do bairro foram fundamentais. A observação do edifício ocorreu durante

cerca de um mês, já a observação do bairro se deu durante duas semanas de visitas

regulares. Os dados obtidos com a análise organizada a partir das informações

foram alocados em eixos de acordo com referencial já apresentado nessa

introdução: preferências dos sujeitos no espaço escolar, usos considerados corretos

e regras nos ambientes, estética e socialização (estes considerados a partir das

informações). Foi escolhida uma escola da municipal da Zona Oeste da cidade de

São Paulo caracterizada como campo empírico para a coleta das informações. A

escola selecionada é uma construção arquitetônica recente (inaugurada no ano de

2010) decorrente de uma planta-tipo utilizada pela Rede Municipal em várias

construções escolares nos últimos anos. É considerada por moradores e

educadores na região como “uma escola bonita”, um dos fatores que acentua o

interesse deste estudo na subjetividade das marcas impressas pelo espaço escolar

nos sujeitos.

Como decorrência de todo esse procedimento a tese se organiza em cinco

capítulos apresentando o aporte teórico, o detalhamento do campo empírico e as

análises.

No primeiro capítulo está a fundamentação teórica decorrente do

levantamento bibliográfico que incidiu sobre aspectos históricos acompanhada dos

conceitos centrais norteadores da pesquisa.

No segundo capítulo estão relatados os passos da realização da investigação

empírica dos procedimentos realizados, e a caracterização da escola, dos sujeitos e

do entorno.

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Já no terceiro capítulo iniciam-se as análises organizadas em torno dos eixos.

Nesse capítulo apresentam-se os dados relacionados ao eixo “preferências dos

sujeitos no espaço escolar” que são discutidos a partir dos autores da base

conceitual.

O quarto capítulo expõe o eixo relacionado aos “usos considerados corretos e

regras dos ambientes”, também analisado a partir da teoria.

No ultimo capítulo estão explicitados os eixos “estética” e “socialização”

fazendo-se uso da mesma base de análise como um acréscimo a partir dos dados

obtidos.

Por fim, o texto encerra-se com as considerações finais acerca deste estudo

retomando a confirmação da hipótese elaborada sobre as representações diversas

que os sujeitos têm dos espaços da escola.

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1. Perspectiva histórico-social do espaço escolar

Este capítulo relata o material coletado a partir de um estudo com alguma

base histórica sobre o espaço escolar, suas criações arquitetônicas e significados ao

longo do tempo, sobretudo no Brasil com o advento da República. Traz também

contribuições de um levantamento bibliográfico de pesquisas e artigos nacionais

recentes, ao início dos anos 2000 e autores com conceitos acerca dos aspectos

sociais de simbolismo relativos aos espaços escolares habitados por professores e

alunos.

Há mais de um século, no Brasil, de modo crescente, o destino de crianças e

jovens tem sido frequentar os bancos escolares. Divulgou-se, ao longo desse

período, e acredita-se que essas instituições sejam os espaços adequados para

ensiná-los, abrigá-los, prepará-los para a vida adulta... Vincent, Lahire e Thin (2001)

nos trazem as informações de que desde o século XVI a escola surge na França

com configurações presentes até hoje, onde o espaço ganha relevo para que se

instaure a relação pedagógica; um lugar específico cuidadosamente concebido, um

espaço fechado e ordenado para a função educativa (p. 13). Salas de aula, pátios e

carteiras são os lugares mais comuns e mais conhecidos por todos os que por ali

circulam, e por todas as gerações que um dia também passaram pela escola. De

fato, uma escola é um lugar comum! Facilmente reconhecível em uma fotografia

antiga, rapidamente identificável por um estrangeiro! Qualquer um em qualquer

situação é capaz de perceber características de seus ambientes: contornos retos,

muros altos ou grades, corredores de salas de aula ornamentadas com uma lousa e

muitas carteiras, normalmente há um pátio destinado aos momentos de recreio e

descanso... Salvo uma ou outra adaptação, geralmente com esses poucos

elementos já se construiu uma escola! Um tipo de espaço que permanece

majoritário ao longo de muitos anos.

Mas, que relevância pode existir em paredes de concreto, carteiras de

madeira, muros, grades ou outros elementos físicos? A resposta a essa questão

esbarra em uma enormidade de outras dimensões consideradas relevantes dentro

do contexto do ensino ou educação escolar. Materiais, métodos, filosofia,

pressupostos teóricos, sujeitos envolvidos, políticas públicas, influências... São

alguns dos exemplos.

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Entretanto, todas essas dimensões, somadas às outras tantas, convergem,

em algum momento, para uma direção que constitui a sua materialidade: a

dimensão espacial.

Desse modo, pode-se inferir que os prédios escolares, a distribuição,

organização e utilização espacial, bem como todas as características adjacentes ao

aspecto físico, têm grande relevância entre os temas educacionais de estudo e

pesquisa.

Recentemente, pôde-se notar um aumento no interesse dos estudiosos pelo

tema, no entanto, currículos, processos de ensino, relações interpessoais e

subjetivas, poder, sucesso e fracasso escolar ainda são questões que aparecem

com muito mais frequência nas pesquisas e trabalhos desenvolvidos sobre a escola.

Para compreender como o espaço escolar se constitui como área de estudos

faz-se necessário um mergulho por suas esferas histórica e social. Essa primeira

parte do capítulo decorre de um estudo de base bibliográfica. Encontra-se, no Brasil,

ao final do século XIX e início do século XX, grande relevância para a consolidação

da arquitetura escolar, tornando-a o foco mais presente quando se trata de espaço

escolar.

Anne-Marie Châtelet (2006), no artigo “Ensaio de Historiografia I: a arquitetura

das escolas no século XX” aponta que a história da arquitetura da escola primária,

após longo período de marginalidade, inicia seu desenvolvimento a partir da década

de cinquenta do século XX, logo após um período de grande relevância na

ampliação da construção de escolas com as exigências por democratização do

ensino. Basicamente essa história da arquitetura escolar era descrita por

historiadores da educação, da arte e da arquitetura. Os historiadores ligados à

educação, em suas pesquisas, tinham as teorias pedagógicas como foco, enquanto

os arquitetos e historiadores da arte se interessavam pela estética das construções.

Ao longo do texto a autora expressa o surgimento de estudos sobre a arquitetura

das escolas em diversos países, sobretudo na Europa, enfatizando a temática

escolhida em cada um deles, de acordo com a formação de origem dos autores. O

estudo conclui que a história da arquitetura das escolas primárias foi basicamente

constituída de interferências da história da pedagogia e da história da arte, e

posteriormente da história da arquitetura. Nos anos de 1980 um aumento

considerável nesses estudos estimulou o discurso da constituição de uma área da

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história da arquitetura escolar. Arquitetos, historiadores da arte e pedagogos

passaram a aproximar suas discussões e surgiram as primeiras pesquisas

empreendidas por mulheres nessa área, até então dominada por homens, ainda

segundo observações de Châtelet. Outros avanços passaram a ser evidenciados,

muitos escritos ampliaram suas análises para além do edifício, abarcando também o

local onde as escolas estavam inseridas, mergulhando-se na história cultural e

social. Debates arquiteturais passaram a incidir sobre a concepção de construção

adotada nas escolas. Em alguns países observa-se até a influência de certas

correntes estilísticas que conferiam certos elementos decorativos e programas

iconográficos.

O debate sobre o tema tornou-se ainda mais intenso com o questionamento:

a arquitetura escolar deveria compor matéria da história da arquitetura ou da história

da educação? O fato é que a temática passou a despertar interesse em arquitetos e

pedagogos conferindo maior diversidade às discussões.

Todo o levantamento bibliográfico apresentado por Anne-Marie Châtelet

descreve essencialmente países europeus, como Alemanha, França, Suíça e

Inglaterra, acrescentando-se os Estados Unidos. Mas, como a história dos espaços

escolares se desenvolve no Brasil? Que influências o aumento dos estudos nesses

países, a partir dos anos cinquenta do século XX, exerce sobre a realidade

brasileira? Os historiadores brasileiros, da educação e da arquitetura, apresentaram

o mesmo aumento de interesse pelo tema?

No contexto nacional, as pesquisas acerca da história da arquitetura escolar

estão basicamente voltadas para o início do período republicano, ou seja, primeiras

décadas do século XX – 1ª República. Tal fato explica-se, pois o advento do regime

republicano proporcionou um aumento considerável na construção de escolas no

Brasil, sobretudo nas grandes capitais, começando por São Paulo e espalhando-se

por todo o país (FARIA FILHO, 2000). Antes da Proclamação da República a

educação era empreendida por escolas isoladas e mestres-escola, em condições

físicas geralmente precárias. Com a nova forma de governo surgiram novas formas

de compreensão da sociedade, baseadas no capitalismo e na modernidade, e as

escolas isoladas não eram mais capazes de refletir a nova mentalidade. Muitos

inspetores de instrução pública desse período passaram a sinalizar para a

necessidade de construção de grupos escolares capazes de formar o cidadão que a

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República necessitava. Grande parte da inspiração para a construção dos grupos

escolares vinha dos países desenvolvidos economicamente, como os países

europeus e os Estados Unidos descritos na pesquisa de Châtelet.

Se as escolas isoladas não traduziam mais o espírito da nação e não

condiziam com os modelos estrangeiros era preciso empreender uma nova forma de

organização escolar que abarcasse as novas exigências. O “grupo escolar”,

baseado nos moldes de escola graduada, passou a cumprir essa função.

Segundo Faria Filho (2000), em seu estudo detalhado sobre a cultura das

construções escolares em Belo Horizonte no início do período republicano,

considera que o grupo escolar passou a designar a educação do mundo capitalista

fabril, inspirando progresso e supressão do atraso através da aproximação com a

divisão do trabalho fabril, uniformizado e metódico. Essa nova modalidade de escola

surgiu no Brasil na década de 1890, em São Paulo, e representou uma das mais

relevantes transformações na educação. Bencostta (2005) sinaliza que o grupo

escolar, além de representar a expressão da nova nação que se desejava ter, era

também um benefício financeiro aos cofres públicos ao reunir várias escolas

isoladas em um único prédio e, em contrapartida, facilitava também a fiscalização do

trabalho dos docentes. A educação passou a ser estruturada com várias classes e

vários professores abrigados em um único prédio.

Mas, certamente não era qualquer prédio. A criação dos grupos escolares

proporcionou o surgimento de uma nova concepção arquitetônica. Souza (1998)

aponta que surge pela primeira vez a concepção da escola como lugar (p. 17), ou

seja, o edifício escolar tornou-se imprescindível ao plano de educação.

Em função desses elementos, os pesquisadores brasileiros têm demonstrado

interesse em abordar a história da arquitetura escolar brasileira, a partir do

surgimento dos grupos escolares, que objetivamente representam os primeiros

sinais de organização escolar sistemática no Brasil.

A fusão de diversas escolas, anteriormente isoladas, em um único instituto,

subordinado a uma única direção (elemento novo na configuração escolar) constituía

uma aproximação clara com os valores da divisão racional do trabalho garantindo

como já mencionado, melhor controle de professores e alunos. Faria Filho (2000)

analisa que a arquitetura escolar desse período manifestava os interesses dos

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agentes de educação em representar o caráter monumental da República que se

erguia. Assim, as escolas públicas da capital mineira, paulista e de quase todas as

capitais eram prédios evidentes em que a ação do governo era facilmente percebida.

A linguagem arquitetônica era utilizada para materializar as aspirações culturais e

políticas do regime vigente.

O mesmo autor ainda acrescenta que a educação passou a ocupar lugar de

centralidade no interior das cidades: projetada politicamente na nova ordem social

para impor à população, sobretudo aos mais pobres, a modernidade republicana. A

escola era um veículo claro de propaganda do governo: edifícios luxuosos em

regiões centrais da cidade. A arquitetura escolar se baseava nos conceitos de

acomodação confortável e elegância estética que deveriam determinar a nova

maneira de habitar a cidade moderna. Entretanto, o autor destaca que todo esse

requinte, paradoxalmente, ressaltava ainda mais as desigualdades das regiões

distantes das localidades centrais.

Apesar desse aspecto, o grupo escolar produziu um efeito significativo na

história da arquitetura escolar brasileira por auxiliar a criação de uma nova cultura

escolar. Faria Filho (2000, ao citar Vincent, Lahire e Thin, 2001) acrescenta que a

concretização mais visível da constituição da forma escolar foi possível com a

criação do grupo escolar, pois, antes do grupo escolar emergir no cenário social, as

escolas isoladas não permitiam elucidar completamente as características para

compor essa forma. A construção dos grupos escolares permitiu a pedagogia do

olhar através do seu caráter espetacular, aproximando espaço e pedagogia.

Nesse sentido, Faria Filho (2000) recorre aos conceitos de Viñao Frago

(1995) para explicitar que o espaço é uma forma silenciosa de ensino e não apenas

um aspecto tangencial. O espaço se configura num discurso que transmite um

código de condutas e valores, quaisquer mudanças em sua configuração alteram

também a natureza cultural e educativa. Portanto, a migração das classes isoladas

conduzidas pelos mestres-escola para os prédios específicos dos grupos escolares,

que ocorreu no início da República, representou arquitetonicamente o surgimento de

uma nova intencionalidade educativa. Acrescente-se que, com essa nova forma ao

se alterarem aspectos fundamentais de impregnação de outras características ao

novo alunado encontramos o que, posteriormente veio a ser conceituado como

currículo oculto desenvolvido por Jackson (1996).

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Faria Filho apresenta também alguns detalhamentos da construção dos

prédios escolares desse contexto e suas intencionalidades diretas: o muro tinha a

clara função de separar a rua do interior da escola, demonstrando que o lado

externo poderia ser maléfico às crianças. Já o pátio atuava como espaço de

transição entre a rua e o interior da escola, um lugar de passagem de uma ordem

social para outra. A fila representava a necessidade de controlar o corpo para

atender as normas disciplinares rígidas inspiradas no universo fabril. Além desses

espaços, os grupos escolares descritos no texto de Faria Filho (2000) eram dotados

de outros ambientes específicos do universo do ensino, como bibliotecas, museus,

jardins e salas de aula.

Para realizar essas análises do contexto da arquitetura educacional mineira,

Faria Filho utiliza como um de seus referenciais, além do texto mencionado de Viñao

Frago, um texto de Michel de Certeau em que o teórico conceitua espaço como um

lugar praticado, construído por um sistema de signos.

Assim, a nova forma escolar produzida pelos prédios dos grupos escolares se

materializava a partir da especificidade de um lugar legítimo para a educação

escolar; dotado de maior definição, controle e homogeneização das relações dos

sujeitos. Como em muitos países da Europa e América do Norte, observa-se,

também no Brasil, as primeiras décadas do século XX como momento histórico

privilegiado da instituição e organização dos sistemas escolares e,

consequentemente, da construção de escolas.

Wolff (2010) descreve que o Brasil desejava modernizar-se se inspirando na

arquitetura europeia ao fazer uso de uma nova tipologia que incorporava soluções

espaciais calcadas em conhecimentos científicos a respeito da higiene e do conforto

ambiental (p. 41). O século XIX, ancorado no positivismo de Auguste Comte, atribuía

à arquitetura uma marca de espírito investigativo que se opunha ao dogma da

arquitetura clássica. Por conseguinte, a arquitetura escolar passa também a

representar a mentalidade positivista fazendo uso de extrema racionalidade ao

conferir diferenças espaciais para cada modalidade de ensino, numa atitude

classificatória. Wolff ressalta também que todo o pensamento arquitetônico escolar

da Europa passa a ser utilizado em São Paulo, e copiado no restante do país, no

início da República.

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Para a construção dos edifícios escolares paulistas, muito se utilizou dos

conhecimentos de arquitetos europeus. Ramos de Azevedo, arquiteto que estudou

na Bélgica, foi pioneiro nessas construções. A tendência de grande parte desses

profissionais, da época inicial aqui abordada, era utilizar a higiene como item básico

para a planta de um prédio escolar. Questão também ligada à racionalidade

positivista, pois a sociedade estava classificando e categorizando doenças e

descobrindo os males dos aglomerados urbanos, do excesso de umidade e dos

microrganismos (WOLFF, 2010). A recomendação de todos os arquitetos passa a

ser a de construir prédios arejados, iluminados e salubres. A autora descreve que os

prédios escolares passam a ter salas de aula organizadas em torno de um eixo de

circulação, acrescidas dos espaços administrativos da escola e das áreas

descobertas que abrigavam o pátio para recreio e exercícios físicos. Quanto mais

avançado fosse o nível de ensino ministrado no prédio, maior seria a quantidade de

salas especializadas, como bibliotecas, salas de música, de trabalhos manuais,

entre outras. Em 1904, na França, foi publicado um guia prático para a construção

de escolas inspirado na arquitetura racional, enquanto que no Brasil, segundo a

mesma autora, além das características já descritas, existia também grande

preocupação do embelezamento da fachada. A maioria dos grupos escolares era

construída segundo plantas tipo, mas com modificações essenciais nas fachadas.

Contudo, de modo geral, todo o conhecimento científico utilizado para

construir escolas no Brasil do século XX era oriundo dos estudos de outros países,

os quais eram incorporados pelos arquitetos brasileiros.

Wolff (2010) delimita, em seu texto, todos os períodos relevantes da história

da arquitetura escolar no Brasil. No período colonial o ensino era basicamente

catequético e ministrado pelos membros da Companhia de Jesus. Durante o

império, a educação foi marcada por desacertos e muitas falhas de estruturação,

período em que se disseminaram as classes isoladas. A partir de 1870 retomou-se o

processo de modernização do país interrompido pela Guerra do Paraguai, e o

imperador determinou a construção de oito prédios escolares específicos no Rio de

Janeiro. No ano de 1874, com a obrigatoriedade do ensino primário, foi construída

uma escola pública em São Paulo. Dois anos mais tarde uma lei determinou que

fossem construídos prédios escolares apropriados para o ensino e surgem escolas

na região da Rua Vinte e Cinco de Março e da Rua da Consolação, em São Paulo.

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Ressalta-se, ainda, que o grupo escolar teve tanta importância no cenário

educacional brasileiro que sua constituição representou muito mais do que a

construção de belos prédios: representou também a adoção dos mais modernos

métodos de ensino da época com uma novíssima mentalidade pedagógica de

classificação dos alunos, estabelecimento de planos de estudo, jornada escolar,

uniformidade e padronização do ensino. Era considerada a vitória das luzes sobre as

trevas, capaz de regenerar a nação para o projeto liberal republicano (SOUZA,

1998).

Diante de tantas inovações, os anos que se seguiram, no século XX, foram

bastante intensos para o contexto educacional com a construção dos monumentais

e suntuosos grupos escolares. Todavia, em poucos anos percebeu-se o caráter

elitista que essas escolas assumiam, tornando-se luxuosas e caras, inviabilizando a

construção em larga escala, achando-se concentradas nos grandes centros

urbanos, quase sempre inacessíveis às camadas populares. Já nos anos de 1930,

com novas influências pedagógicas oriundas do escolanovismo, o luxo dos primeiros

anos da República deu lugar à luta pela democratização do ensino, fator que

conferiu, à arquitetura escolar, nova constituição baseada na simplicidade e na

economia.

Um artigo, escrito por Luciano Faria Filho e Diana Gonçalves Vidal (2000),

descreve a condição temporal e espacial das escolas no período de

institucionalização do ensino primário no Brasil. O artigo delimita que, a partir da

década de 30 do século XX, Anísio Teixeira, no Rio de Janeiro, e Almeida Junior, em

São Paulo, empreenderam novas políticas de construção escolar baseadas em

prédios mais econômicos e simples. A arquitetura escolar passou a ser funcionalista;

o grande desafio desse momento passou a ser a construção de escolas baratas que

utilizassem recursos da própria região e atendessem as demandas. Nessa

perspectiva, as plantas tipo são ainda mais utilizadas e até mesmo as fachadas, que

eram ponto de diferenciação, passaram a seguir os mesmos padrões. Com todas

essas alterações nas edificações, a escola modificou também o seu lugar na cena

social perdendo seu destaque de glamour e centralidade (FARIA FILHO e VIDAL,

2000).

Nesse período, portanto, as construções escolares apresentaram forte

influência de educadores como Anísio Teixeira, sobretudo nos estados do Rio de

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Janeiro e na Bahia onde atuou diretamente num período que vai de 1931 a 1951.

Segundo a pesquisa de Dorea (2003), Anísio Teixeira acreditava que a escola

deveria ensinar a viver melhor, fator que passava também pelas condições físicas

dos prédios escolares. Sob essa perspectiva, Anísio Teixeira empreendeu a

classificação dos prédios escolares cariocas e baianos projetando cálculos para a

construção de novos edifícios, tanto de escolas nucleares quanto escolas parque.

Segundo a tese defendida nesse estudo, as escolas nucleares compreendiam os

espaços das salas de aula (estudo). Já na escola parque, que o estudante deveria

frequentar no turno posterior às aulas na escola nuclear, seria desenvolvida sua

educação social, musical, física, sanitária, além de assistência alimentar e da leitura

(DOREA, 2003).

Outras pesquisas também relatam as alterações significativas na arquitetura

escolar brasileira após os anos de 1930. A dissertação de mestrado de Oliveira

(2007) aponta para a feição moderna que passou a caracterizar a arquitetura escolar

paulista nos anos 30 do século XX. Segundo o texto, a arquitetura escolar assume

feições modernas marcadas por linhas simplificadas, formas e volumes geométricos,

ornamentos despojados e intensa verticalização, sem mencionar o uso racional de

estruturas de concreto armado que conferiam funcionalidade aos prédios. Esse

caráter, segundo a dissertação mencionada, refletia o espírito de modernidade que

tomava conta da cidade de São Paulo que, à época, buscava espelhar-se no padrão

dos arranha-céus, um modelo de urbanização norte-americano. São Paulo buscava

criar uma imagem de metrópole, tal e qual as grandes cidades dos Estados Unidos.

As décadas seguintes continuaram refletindo as mesmas características e

tendências nas construções escolares, especialmente na capital paulista, como

apontam as pesquisas relatadas: funcionalidade e simplicidade na construção de

escolas. Notadamente essa tendência reflete questões sociais e políticas do

período. Os grupos escolares não eram suficientes para atender a crescente

demanda educacional. Após a assinatura do Manifesto dos Pioneiros da Educação

Nova1 era crescente o clamor pela construção de mais escolas, portanto era

absolutamente necessário criar mecanismos para possibilitar um aumento maciço na

criação dessas escolas. Esse mecanismo foi à adoção de plantas simples e bem

mais baratas que os monumentais grupos escolares (OLIVEIRA, 2007).

1 Manifesto assinado por diversos intelectuais de grande relevância no país no ano de 1932. O documento

evocava a reconstrução do país através da educação pública, laica, de qualidade, obrigatória e gratuita.

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Diniz (2009) explorou o período de 1949 a 1954 em que, um convênio

escolar, de responsabilidade de Hélio Costa, atrelava o estado e o município de São

Paulo buscando suprir a demanda na escassez de escolas. O artigo retrata que o

crescimento populacional dos anos 1940 impunha a necessidade de construir mais

escolas. Para o autor, inspirado também no ideário de Anísio Teixeira, a solução era

construir escolas pequenas para se construir mais escolas. Ele seguiu os princípios

escolanovistas, ou seja, os prédios primavam por: funcionalidade, racionalidade e

economia com o uso de materiais regionais. As inovações desse período

compreendiam, ainda, a extinção da separação entre meninos e meninas, a

utilização de horários flexíveis e a grande novidade material: uso de carteiras móveis

(até o momento o mobiliário das salas de aula era fixo) que possibilitavam o

rearranjo da organização espacial da classe de acordo com o trabalho pedagógico a

ser realizado pelo professor.

Todas essas mudanças estavam alicerçadas no princípio pedagógico da

criança como centro da atividade educacional, na ideia de desenvolvimento científico

e no pragmatismo. Nos anos de 1950\60 essa tendência arquitetônica continuou

acentuando-se consideravelmente. Definitivamente um novo cenário foi instaurado

na cena nacional e a escola passou a ocupar um novo lugar na sociedade, bem

diferente da centralidade obtida com o advento da República por meio do grupo

escolar. Faria Filho e Vidal (2000) apontam, nas considerações finais do artigo, que

o prédio escolar passou a assemelhar-se aos espaços de reclusão com uma

arquitetura adornada por grades e muros de contenção. Os edifícios padronizados

não têm mais destaque no contexto arquitetônico social. Os autores destacam que,

atualmente, é comum observar escolas depredadas, sujas ou carecendo de

manutenção física. O texto das autoras Diniz e Lima (2009) demonstra, por meio de

fotografias, que os edifícios escolares construídos na cidade de São Paulo, no

período do convênio escolar (1949-1954) encabeçado por Hélio Costa, continuam

todos existindo atualmente, entretanto, grande parte deles está deteriorado pela

ação do vandalismo.

Os dados apontados nas pesquisas demonstram que a arquitetura escolar sai

do lugar de centralidade e admiração do início do século, em que o edifício escolar

era um dos símbolos do regime republicano, para o lugar de desdém atual em que

os prédios escolares sofrem com fatores como depredação e ausência de reformas.

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Essa condição passa necessariamente pela análise de fatores que vão além

da arquitetura escolar em seu percurso histórico e abarca um conceito maior, a

noção de espaço escolar. Grande parte das pesquisas desenvolvidas nas últimas

décadas, tanto no Brasil quanto em países europeus e nos Estados Unidos, referem-

se mais detalhadamente à arquitetura das escolas; contudo, a dimensão espacial da

educação contempla muitos aspectos que vão além do modelo arquitetônico.

Mobiliários, aspectos materiais, organização, distribuição e usos dos diversos

ambientes são alguns dos exemplos de situações que integram a questão espacial

da educação, sem mencionar a utilização que os sujeitos fazem dos ambientes, as

tensões e disputas que se estabelecem na relação entre sujeitos e

espaços\construções (ANTÚNEZ e GAIRÍN, 2002).

A pesquisa de Ribeiro (2004) sinaliza para a relevância do espaço escolar

para a prática pedagógica por ser visto como fonte de experiências e aprendizagens

por meio de sua materialidade. A autora argumenta que o espaço transcende a

geometria e assume condição social atuando como sistema de valores. Nesse texto

o espaço escolar é conceituado como constructo gestado por múltiplos interesses

que servem de base para a pedagogia. O artigo explora também a condição das

construções arquitetônicas escolares no Brasil no período que se inicia na década

de 1960. Nesse período, o crescimento demográfico considerável e a necessidade

da indústria em relação à mão-de-obra qualificada proporcionaram artimanhas

políticas que levaram à proliferação de salas de aula em contêineres e barracões de

madeira. Os prédios escolares tornaram-se precários e de má qualidade física. Para

a autora, as decisões tomadas em relação ao espaço acabam promovendo um

prejuízo à educação.

Toda essa conjuntura histórica, iniciada simultaneamente com a organização

do sistema primário de ensino no final do século XIX e começo do século XX

constitui a base que ancora os espaços escolares da atualidade. A problemática

atual, que envolve a precariedade dos prédios e o excesso de grades e reclusões,

certamente promove efeitos sobre os sujeitos que habitam esses espaços e sobre a

educação que é empreendida. Esse é um fator que pode justificar a execução de

uma pesquisa que fixe a atenção para dentro da escola na tentativa de compreender

de que modo seus agentes se apropriam dos espaços que se estabelecem dentro

da construção arquitetônica. Muitos textos como os mencionados, têm colaborado

para o entendimento da escola a partir da questão arquitetônica, delimitando sua

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história e suas condições sociais. Mais recentemente, por volta dos anos 2000,

essa colaboração tem avançado com uma variedade de pesquisas e artigos

publicados tendo o espaço escolar como tema, como indica verificação datada de

Julho de 2016 nas plataformas da CAPES (Sucupira), Universidade de São Paulo,

Scielo e PUC-SP. Há um destaque para pesquisas preocupadas com o espaço

escolar na educação infantil ou o espaço da infância, como as pesquisas da autora

Rivania Kalil Duarte (2000, 2015) que se debruçam sobre a dimensão espacial da

educação infantil na Rede Municipal de Ensino de São Paulo. Outras pesquisas e

artigos também fazem referência à arquitetura dos Grupos Escolares em diversos

Estados e Cidades reforçando a importância dessas construções na História da

Educação Brasileira. Há ainda textos que utilizam o espaço escolar como alicerce

para o estudo: espaço escolar para a Educação de Jovens e Adultos, espaço para a

inclusão, violência no espaço escolar. São alguns exemplos de temas encontrados.

Nesses estudos a dimensão física tangencia o foco da discussão. Por fim, nas

pesquisas que abordam o espaço como foco central, uma participação de

pesquisadores da área da arquitetura e urbanismo é verificada, como o trabalho de

Claudia Loureiro (2000) uma tese de doutorado, em Arquitetura e Urbanismo,

defendida na Universidade de São Paulo com o título: Classe. Controle. Encontro: o

espaço escolar. A pesquisa desenvolvida em uma escola da rede pública do Recife

discute a relação do espaço arquitetônico e o comportamento dos sujeitos. As

tensões e complexidades nessas relações.

Quanto aos pesquisadores diretamente ligados à educação, também existem

trabalhos que abordam o aspecto físico da escola diretamente, não obstante aos

trabalhos que utilizam como campo empírico instituições de educação infantil e que

são mais recorrentes outros trabalhos têm relevância. A pesquisa “Tempo e espaço

no currículo escolar” (Brandão, 2009) é uma Dissertação de Mestrado em Educação

da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. O estudo problematiza o papel do

tempo-espaço na formação dos sujeitos. As investigações foram realizadas em uma

escola de tempo integral do Rio Grande do Sul e discutem espaço e tempo como

constituidores de praticas curriculares. Outro estudo relevante intitulado “A simbólica

do espaço escolar: narrativas topoanalíticas” (ASSUNÇÃO, 2011), da Universidade

Federal de Pelotas, é uma tese de doutorado que investiga o simbolismo do espaço

escolar sob o aporte da fenomenologia e antropologia. Utiliza desenhos e escritas

para discutir os sentidos desse simbolismo entre professores, alunos, arquitetos e

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designers. A base teórica são os autores Gaston Bachelard e Gilbert Duran. Conclui

que as representações do espaço escolar são processos culturais e simbólicos e

que o próprio espaço transcende os projetos pedagógicos e arquitetônicos.

Viñao Frago (1996) deflagra a relevância desse tipo de estudo do espaço

escolar ao afirmar que o espaço não é um meio objetivo dado de uma vez por todas,

mas sim uma realidade psicológica viva. Enquanto realidade psicológica viva infere-

se que a ação dos atores que habitam um espaço pode modificá-lo

consideravelmente. Isso pode significar que, mesmo escolas construídas a partir de

plantas tipo, completamente iguais arquitetonicamente, tenham grandes diferenças

nos usos e configurações dos seus ambientes de acordo com a atuação humana. O

autor conceitua o espaço delimitando, e ao mesmo tempo ampliando a conceituação

para as dimensões de lugar e território. O conceito de território é apontado como

uma noção mais objetivo\subjetiva de extensão variável podendo ser individual e

grupal. O conceito de lugar para o autor representa um salto qualitativo do espaço

que parte da projeção imaginativa para a construção real. Segundo ele todo espaço

está disponível a se converter em um lugar (1996, p. 63). Portanto, a atuação

humana dentro da arquitetura escolar (entendida como espaço projetado) pode

construir diferentes lugares, dependendo da situação cultural, social, econômica e

até mesmo emocional dos que habitam o espaço. Território e lugar são signos,

construções sociais (VIÑAO FRAGO, 1996, p. 64).

Na perspectiva apresentada por esse autor, o espaço implica total ausência

de neutralidade, porque sua projeção como lugar e território lhe conferem

posicionamentos, perspectivas. Em outros termos, as construções humanas são

sempre dotadas de intenções. O autor acrescenta que, nessas condições, o espaço

escolar sempre educa, mesmo quando não está intencionalmente disposto para este

fim. O espaço de uma escola pode educar deliberadamente quando sua

configuração, enquanto lugar é disposta para atender a demandas pedagógicas

específicas, mas ele continua educando mesmo quando não se tem consciência

desse fim; ou mesmo quando ele não é estruturado para atender a um modelo

explicitado de educação.

Nessa direção, em outro trabalho, Viñao Frago (2005) explora a localização e

disposição física dos espaços dentro das escolas dependendo da finalidade e

importância que é dada para cada um deles. O espaço como um elemento chave na

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configuração da cultura escolar é capaz de se moldar de acordo com a atuação que

lhe é imposta. Nesse artigo, o autor analisa o posicionamento da sala da direção

escolar dentro dos prédios. Dependendo da posição que esta sala ocupa percebe-se

a visão educacional e política que um grupo tem sobre a educação. Em algumas

situações, a sala da direção é próxima dos demais ambientes escolares estando

imbricada na vida cotidiana da escola. Em outras escolas tem-se a sala da direção

em espaços separados, distante dos demais. Ele conclui que, socialmente, o espaço

escolar possui uma lógica própria derivada da sua condição de lugar e território.

Com efeito, a análise aprofundada do espaço escolar depende dos aspectos:

estruturais, usos e funções, organização e relações existentes (2005, p. 44). A partir

das reflexões apresentadas pelo autor, nesse artigo, torna-se ainda mais pertinente

a ideia de estruturar uma pesquisa buscando uma investigação da relação entre

sujeito e espaço dentro do contexto escolar.

Na realidade brasileira, um estudo ainda merece destaque por se tratar de

texto relacionado com as questões pedagógicas de interesse desta pesquisa. Trata-

se do trabalho de Alves (1998) em que a autora aborda o espaço escolar como

dimensão material do currículo. Trata-se de uma pesquisa realizada no Rio de

Janeiro, em que foram investigados documentos de diversas fontes acrescidas de

entrevistas com professores que trabalharam nos períodos estudados: 1947-1951,

1960-1965, 1981-1983. O estudo traz contribuições significativas para o tema,

todavia, volta-se mais detidamente para os documentos e entrevistas com

professores, não abordando a perspectiva de alunos ou mesmo a observação in loco

de espaços escolares.

Outro estudioso, que também se debruçou sobre a tarefa de investigar o

espaço da escola defendendo a importância de sua análise como uma das

dimensões fundamentais para que o ensino ocorra, reforça a notoriedade da

estruturação do ensino em torno de espaços e tempos, para posteriormente

implantar concepções didáticas. Trata-se do estudo do pesquisador Laurentino

Heras Montoya (1997) que apresenta no prólogo, escrito por Santos Guerra, a

expressão “nós construímos o espaço e ele nos constrói”. O texto reforça que somos

o resultado do espaço que habitamos e, em alguma medida, também o construímos.

Nota-se, na realidade escolar, grande esforço na tentativa de adequar os

alunos às exigências disciplinares utilizando o espaço como elemento estruturador

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dessa busca. Os professores buscam impor aos alunos limites espaciais e corporais

através da configuração dos ambientes. Em cada lugar da escola exige-se dos

alunos determinado tipo de conduta corporal que atenda as funções e objetivos

colocados pelos professores. Em contrapartida, existem ambientes em que a

circulação é predominantemente dominada por alunos, como o pátio onde ocorrem

os horários de recreio ou lazer, e outros habitados pelos professores, como a sala

dos professores. São muitos lugares com muitas finalidades: secretaria, sala de

aula, depósito, refeitório, pátio, corredor, sala da direção\coordenação, biblioteca ou

sala de leitura. Essas situações criam, dentro da escola, diversos territórios em

muitos lugares em que ocorrem disputas e conflitos entre os interesses de

professores e alunos e nos quais a educação se processa. Em algumas situações

isso ocorre de acordo com um projeto pedagógico que está intimamente ligado às

escolhas que levam à estruturação do espaço; porém, em muitos casos, a educação

ocorre sem uma definição clara da contribuição do espaço, ou mesmo do projeto

que se pretende adotar. Mesmo nesses casos, o espaço continua sendo decisivo na

influência direta na educação escolar.

Bourdieu (2008) denomina a sociedade de espaço social apresentando-a

como um conjunto de posições distintas que coexistem e que se definem umas em

relação às outras através de distanciamentos ou aproximações. Para ele, o espaço

social é uma realidade invisível que possibilita a existência das classes, uma vez

que as pessoas são mais, ou menos, próximas dependendo do lugar que ocupam

dentro desse espaço. Ainda acrescenta que apesar de uma realidade invisível o

espaço social organiza as práticas e as representações das pessoas. As

distribuições e posicionamentos dentro do espaço social geral obedecem a duas

diferenciações principais: capital econômico e capital cultural. Além disso, tais

localizações são caracterizadas por relações de ordem como: acima, abaixo, entre.

Os sujeitos no espaço, portanto, terão mais em comum quando suas posições se

aproximarem nessas dimensões, fator que traz outras perspectivas à análise das

manifestações de alunos e professores sobre o espaço escolar e suas relações

sociais dentro da escola.

As diferenças produzidas pelos distanciamentos dentro do espaço social

criam uma linguagem simbólica: pessoas próximas dentro do espaço social tendem

a ter os mesmos gostos, pois o próprio espaço social favorece essa aproximação e

criação de habitus, sendo entendido como gerador e unificador de características

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intrínsecas e relacionais, um sistema de disposições inconscientes, frutos da

interiorização das estruturas objetivas vivenciadas (BOURDIEU, 2004).

Dentro dessa conjectura, ainda segundo Bourdieu (2004, p.215) a escola

cumpre o papel de instituição organizada para transmitir, de modo explícito ou

implícito, as formas de pensamento da cultura erudita (acumulada e cumulativa). A

escola é o espaço da constituição de habitus, propiciando aos que se encontram

direta ou indiretamente submetidos a ela (pode-se considerar alunos e professores)

o que o autor denomina habitus cultivado: disposições capazes de serem aplicadas

em diferentes campos do pensamento e da ação (p.211). A escola define itinerários,

métodos e programas de pensamento cumprindo a função de consagrar a distinção

das classes mais abastadas.

A escola, dentro do espaço social é um micro espaço que reproduz cultural e

socialmente o conjunto de diferenças sociais sistêmicas, funcionando como um

agente socializador que transmite e ao mesmo tempo reforça a identidade intelectual

de uma sociedade. Sua arquitetura, traços e linhas, ambientes e materiais compõem

e corroboram com esse fim.

Na abordagem sociológica é possível pensar, então, ainda com Bourdieu,

sobre a influência do poder simbólico desses espaços, sobre os sujeitos, pois,

segundo o autor:

“[...]é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” ( BOURDIEU, 1998, p. 7-8).

Tal conceituação é acompanhada pela explicitação de que os instrumentos de

conhecimento e de construção do mundo objetivo constituem estruturas

estruturantes no conjunto dos instrumentos simbólicos. Há uma significação que leva

em conta a objetividade como concordância dos sujeitos, o que parece ser o caso do

uso dos espaços escolares em todas as suas dimensões, acrescido dos dados de

cultura escolar conceituada como as práticas sedimentadas existentes e coletivas,

aceitas tacitamente pelos agentes das escolas (GIMENO, 1998), portanto parte dos

habitus dos mesmos agentes cujas disposições estruturam suas ações nesses

lugares e territórios. Como afirma também Escolano “o espaço escolar tem que ser

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analisado como um constructo cultural que expressa e reflete, para além da sua

materialidade determinados discursos” ( 2001, p. 26).

Como gerador de habitus, o espaço escolar faz com que práticas sejam

condicionadas e consideradas condutas razoáveis ao senso comum, dentre essas

se podem localizar na escola práticas como fazer a fila ao sair no corredor, sentar-se

ao entrar na classe ou correr quando se está no pátio. Grande parte das ações

conhecidas e reconhecidas dentro dos espaços escolares são padronizadas e

consideradas corretas ou adequadas e, são variáveis de acordo com o lugar,

ambiente ou posição ocupada. São, portanto, fruto de uma força que é invisível,

mas, tão atuante quanto à força física ou econômica. O poder simbólico é capaz de

produzir mobilização e ser reconhecido; em outros termos, os sujeitos submetidos a

esse poder não o consideram como arbitrário e assim, ele consegue contribuir

fundamentalmente para a manutenção da ordem social (BOURDIEU, 2011).

Professores e alunos têm historicamente se posicionado nos diferentes

espaços das escolas influenciados por esse poder de simbolismos que os comunica

e impõe pensamentos e ações. E, ao mesmo tempo esses sujeitos constituem

territórios, lugares, a partir de seus modos de se relacionar com esses mesmos

espaços. Essa conjectura cria nesses sujeitos sociais (professores e alunos) dentro

do espaço da escola representações acerca desse mesmo espaço. Bourdieu (2009),

afirma que o mundo social ou espaço social, tratando-se da amplitude da sociedade

oferece-se como uma representação, tanto no sentido da filosofia idealista, quanto

no sentido do teatro, pintura ou espetáculo. Dentro dessa proposição as práticas dos

indivíduos são representações, ou execução de partituras assumidas e constituídas

pelo habitus, sistema de disposições estruturadas e estruturantes. O que se vê,

conhece e percebe do mundo é baseado nessas estruturas fundamentais e ao

mesmo tempo as reforça. O habitus fabrica coerência e a necessidade no

entendimento do mundo social.

Voltando-se novamente para ação dos sujeitos dentro da parcela do espaço

social denominada de escola é possível inferir que movimentos, gestos, ações,

ocupações/desocupações, conforto ou desconforto; ou quaisquer relações

estabelecidas por eles dentro dos ambientes dessa construção são perpassadas

pelo modo como esses sujeitos representam esses espaços a partir de suas

condições objetivo/subjetivas construídas ao longo de suas vidas a partir da posição

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que estes também ocupam no espaço social geral (sociedade) incluindo-se o capital

econômico e cultural.

Bourdieu (2011) explicita a abrangência da representação ao afirmar que,

De fato, os esquemas de percepção e de apreciação estão na origem da nossa construção do mundo social são produzidos por um trabalho histórico coletivo, mas a partir das próprias estruturas desse mundo: estruturas estruturadas, historicamente construídas, as nossas categorias de pensamento contribuem para produzir o mundo, mas dentro dos limites da correspondência com estruturas preexistentes. É na medida e só na medida em que os atos simbólicos de nomeação propõem princípios de visão e de divisão objetivamente ajustados às divisões preexistentes de que são produto, que tais atos têm toda a sua eficácia de enunciação criadora que, ao consagrar aquilo que enuncia, o coloca num grau de existência superior, plenamente realizado que é o da instituição instituída. Por outras palavras, o efeito próprio, quer dizer, propriamente simbólico, das representações geradas segundo esquemas adequados às estruturas do mundo de que são produto é o de consagrar a ordem estabelecida: a representação justa. (BOURDIEU, p. 238)

Portanto, ao se constituírem, as representações acabam por cumprir o papel

de confirmação da ordem social que está estabelecida e instituem os princípios da

relação com o mundo nas práticas, palavras, objetos e manifestações. Ao observar

e coletar o que os sujeitos manifestam sobre a escola, através da fala ou de registro

gráfico, por exemplo, tem-se um mecanismo para acessar as representações destes

sobre esse espaço. O que pensam e como agem, professores e alunos, ao

adentrarem uma escola, tudo é o produto dessas representações. Se andam ou

correm, sentam-se ou permanecem em pé, se adotam determinada postura

corporal... O fazem porque se valem na noção enraizada do que esses ambientes

representam. E no cotidiano as marcas simbólicas que esses mesmos ambientes

imprimem reforçam essa noção.

Definitivamente não há neutralidade ou irrelevância no espaço escolar. Mais

do que base para a materialização dos processos de ensino e relações entre

sujeitos, mais do que lugar para abrigar práticas pedagógicas, o espaço escolar é

elemento educativo objetiva e subjetivamente, constituído e constituidor dos que o

ocupam exercendo poder e criando marcas. Tais quais os grupos escolares do

início da República brasileira, que com sua imponência, tamanho e traços,

carregavam a ideologia da modernidade que a República desejava inculcar, e ao

mesmo tempo oprimiam ainda mais os que já eram oprimidos, as escolas de hoje

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continuam deixando suas marcas no contexto social. Hoje, em sua maioria, as

escolas públicas da Rede Municipal de Ensino, não ocupam mais os centros

urbanos, situam-se nas periferias com o intuito de atender as demandas

populacionais dos mais pobres por educação, segundo dados da Secretaria

Municipal de Educação. Os prédios geralmente não contam com luxo em seus

elementos arquitetônicos, as construções são quase sempre quadradas e parecidas:

cheias de muros, grades e portões de ferro. Em algumas situações há, ainda, o

acréscimo da depredação e sujeira em torno das construções.

A posição e a condição da escola mudaram ao longo dos anos; é preciso

debruçar-se atentamente sobre seu espaço habitado para entender as disposições

objetivo-subjetivas que têm se constituído na atualidade sobre os sujeitos que a

frequentam diariamente. Deter-se para a observação e tentar desnudar o seu

interior, com o estranhamento necessário, suas relações, as consideradas mais

comuns e corriqueiras, é fundamental à sua compreensão, pois é justamente nelas

que estão as expressões simbólicas. Assim, o objeto desta pesquisa define-se como

sendo a detecção das manifestações de representações que professores e alunos

possuem sobre os diferentes lugares/territórios do espaço escolar. Ou seja, que

espaço é esse e que estruturas simbólicas tem forjado? Como são representadas?

As manifestações de tais simbolismos podem ocorrer por diferentes meios,

seja pelas condutas, pelas expressões verbais ou pelos grafismos, entre eles o

desenho. Por esses meios é possível detectar os significados atribuídos aos

espaços pelos que convivem no interior da escola.

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2. O campo empírico: a escola, os sujeitos e o bairro.

Neste capítulo apresenta-se a pesquisa realizada, bem como os elementos

necessários à sua compreensão.

Como já mencionado, a intenção expressa dessa pesquisa foi detectar as

representações que professores e alunos manifestam sobre diferentes espaços

dentro da escola. Na direção do atendimento a esse objetivo se impunha a

necessidade de entrar na escola e aproximar-se dos sujeitos em sua relação com os

lugares que ocupam. Trata-se, portanto, de uma pesquisa de natureza qualitativa,

conceituada como a investigação cujos dados são “ricos em pormenores descritivos

relativamente a pessoas, locais e conversas” (BOGDAN E BIKLEN, 1994, p. 16).

Para tanto se utiliza, para sua fonte, o ambiente natural, com o investigador sendo

seu instrumento principal. Isso não significa, entretanto, que não tenhamos a

possibilidade de quantificar algumas informações transformando-as em tabelas, pois

em algumas partes isso foi possível, e desejável, dada a natureza do instrumento. A

coleta das informações deve prover elementos para descrição de cenas, pessoas e

ambientes, focalizando com ênfase os significados das informações encontradas.

Desses autores também foram muito úteis às consultas às indicações de pautas

investigativas sobre ambientes físicos escolares e alunos. Além desses autores, os

conceitos de Bourdieu (1997) em coletânea por ele organizada focalizando

pesquisas diversas, com vários capítulos fornecendo roteiros teóricos preciosos para

a organização da pesquisa, sobretudo com relação à entrevista, cuidados a serem

tomados antes, durante e após a realização da mesma. Outros cuidados, agora

diferentes, com relação à técnica de questionário com escala, foram obtidos junto à

obra de Selltiz et al (1965) permitindo a obtenção da posição de sujeitos em

conjunto de dados objetivamente dispostos à escolha.

2.1 A definição do campo empírico.

Para começar a cumprir o compromisso com o estipulado nos objetivos, foi

selecionada uma Unidade de Ensino Fundamental da Rede Municipal de São Paulo,

localizada na região Oeste da Cidade (Distritos: Butantã e/ou Raposo Tavares), para

a realização da coleta de dados, cuja concordância da direção foi concedida após

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consulta. As razões dessa consulta estão diretamente vinculadas às características

explicitadas a seguir. A escolha foi feita mediante solicitação na Diretoria Regional

de Educação do Butantã e autorização para a realização do estudo, posteriormente

foi requisitada também autorização da direção da escola e dos sujeitos participantes

mediante uso Termo de Consentimento Livre Esclarecido.

Trata-se de uma Unidade de ensino com uma construção arquitetônica

recente (prédio inaugurado no ano de 2010) que possui o mesmo padrão estrutural

de outras construções escolares da Rede Municipal na ultima década. Está

localizada em um bairro periférico dentro da Zona Oeste da cidade, à beira da

Rodovia Raposo Tavares e próxima da divisa com dois municípios da grande São

Paulo: Osasco e Cotia. Mesmo possuindo uma planta que segue um perfil de

construção que se repete em outros edifícios é considerada na região uma escola

“bonita”, sobretudo, pelos próprios professores e alunos. A “beleza” da escola é

expressão recorrente entre esses sujeitos dando possibilidades de levantamento de

possibilidades analíticas acerca da relação simbólica que se estabelece nesse

espaço.

Após a definição do campo empírico deu-se prosseguimento aos

procedimentos de pesquisa com algumas visitas para apresentação à gestão da

escola quanto ao projeto de pesquisa e conhecimento e reconhecimento do espaço

físico escolar. Essa caracterização foi construída a partir de um período de um mês

de observação dos ambientes escolares e por meio de fotografias tiradas pela

autora com o consentimento da direção, dos espaços (vazios ou sem a possibilidade

de identificação dos sujeitos presentes). As primeiras visitas realizadas

concentraram-se nessas ações de coleta de dados fundamentais para a composição

das demais ações a serem desenvolvidas, como entrevistas, proposição de

desenhos e levantamento documental.

2.2 Procedimentos de pesquisa

O interesse pelo tema exposto ou as inferências realizadas sobre ele

representam mera especulação se não forem seguidos das técnicas de investigação

capazes de atender aos objetivos. Uma vez que se trata de uma pesquisa sobre a

relação dos sujeitos com o espaço da escola, pareceu bastante razoável observar

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como se dá essa relação. Para fugir da visão ingênua, a observação foi orientada

por questões que auxiliem o direcionamento do olhar e da crítica. Uma ideia inicial

se estruturou em torno da elaboração de questões com base nos espaços mais

relevantes da escola: pátio, quadra, salas de aula, sala de leitura, corredor, sala da

diretoria, portões de entrada e saída. Os ambientes foram selecionados seguindo o

critério de uso dos sujeitos: professores e alunos. A observação de espaços

frequentados por ambos em diferentes situações favoreceu a possibilidade de

realizar futuras comparações e análises.

Tendo sido definidos os espaços e sujeitos a serem observados, foi

fundamental determinar quais situações seriam observadas dentro dos objetivos da

pesquisa e, estabelecer mais questões, tais como: movimenta-se livremente pelo

espaço? Demonstra satisfação ou insatisfação ao ser direcionado para o espaço?

Apresenta inquietação ao permanecer? A disposição do espaço aproxima ou

distancia os sujeitos? Estas são algumas questões que direcionaram a observação,

com a ajuda de Bogdan e Biklen (1994).

Todavia, para que a problematização fosse o mais aprofundada possível,

outras técnicas de investigação estiveram aliadas à observação: desenvolvimento de

entrevistas e escalas afirmativas com professores e alunos, seguindo a orientação

de Selltiz et al.(1965) e Bourdieu (1997) conforme apontado anteriormente. Da

mesma forma que a observação essas técnicas devem atender aos objetivos da

pesquisa. As perguntas e/ou afirmativas transmitiram os objetivos sem constranger

ou embaraçar o entrevistado, criando possibilidades para o favorecimento da

comunicação e interesse do entrevistado em responder de forma satisfatória. As

perguntas (entrevista) e afirmativas (escala) direcionaram o entrevistado a pensar

sobre sua relação com os ambientes da escola: de que espaços “gosta ou não

gosta” de estar? Qual acredita que seja a finalidade desses espaços? Foram onze

entrevistados entre os alunos, seis do primeiro ano e cinco do quinto ano e duas

professoras. Com relação às escalas de afirmativas participaram dez sujeitos, sendo

quatro professores e seis alunos, três do primeiro ano e três do terceiro ano. Entre

as professoras duas lecionam no primeiro ano e duas lecionam no quinto ano.

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2.2.1 As questões

Após as constatações adquiridas com o período de um mês de observação do

espaço e dos sujeitos reafirmou--se a grande questão que delimita a problemática a

ser explorada: quais as relações de simbolização entre sujeitos/lugares/territórios

dentro desse prédio escolar? Enquanto elemento do currículo, o que o espaço dessa

escola tem ensinado a alunos e professores? Qual a representação dos sujeitos

sobre o espaço? Como se configuram esses elementos?

Decorrente desse questionamento maior, algumas questões subsidiárias

também foram reafirmadas: qual a destinação oficial de cada um dos ambientes?

Como se dá a ocupação do espaço escolar? Quais as manifestações de professores

e alunos sobre os diferentes lugares da escola? Há lugares preferidos? Há lugares

não lembrados? Qual a participação de alunos e professores na construção objetiva

desses lugares escolares?

2.2.2. Objetivos

O objetivo geral do estudo voltou-se à detecção das manifestações de

representações que professores e alunos possuem sobre os diferentes

lugares/territórios do espaço escolar. São objetivos específicos, auxiliares às

análises dessas manifestações:

Verificar como está estruturado o edifício escolar e quais as destinações oficiais

de cada um dos ambientes.

Comparar as destinações oficiais com os usos e ocupações de cada ambiente.

Identificar as manifestações, de professores e alunos, sobre o uso das diferentes

dependências da escola e da possível participação deles na sua constituição.

Identificar as marcas que os ambientes escolares produzem em professores e

alunos.

2.2.3. Hipótese

A hipótese estipulada diante dos estudos teóricos é que existem diferentes

visões dos sujeitos a respeito dos espaços dentro da escola. Essas divergências

dependem tanto do lugar que o indivíduo ou grupo (turma de alunos ou professores,

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por exemplo) ocupa, quanto do ambiente a que se refere (quadra, sala de aula,

pátio, corredor...).

2.2.4 Detalhamento dos procedimentos utilizados na pesquisa.

Como apontado anteriormente, trata-se de pesquisa de natureza empírica

baseada em informações coletadas junto aos sujeitos da escola.

Para a obtenção das informações foram delineados vários procedimentos que

estão descritos a seguir.

2.2.4.1 Observação dos sujeitos (professores e alunos) nos ambientes da escola.

Observação realizada durante cerca de um mês de visitas semanais a escola

e norteada pelas questões a seguir em cada ambiente (sala de aula, pátio, sala dos

professores, corredor, sala da direção, sala de leitura, sala de informática, quadra,

banheiros, área externa, entre outros).

a) Frequentam o ambiente? Com que regularidade?

b) Existe conforto ou desconforto em permanecer no ambiente?

c) Procuram o ambiente livremente ou são direcionados para ele?

d) Como se relacionam com outros sujeitos nesse ambiente? A relação se dá

de modos diferentes?

e) Cuidam do ambiente? Zelam por ele ou apresentam ações de vandalismo

ou descuido (quebra de objetos, desorganização, sujeira...).

f) Participam da limpeza ou organização do ambiente? Com que frequência?

g) Movimentam-se pelo ambiente livremente?

h) Demostram satisfação ao ser direcionado/convidado para estar nesse

ambiente? Apresentam inquietação em permanecer?

i) A disposição de mobiliários e objetos no ambiente aproxima-os ou afasta-

os uns dos outros?

j) Como professores se relacionam com alunos em um mesmo ambiente?

As relações mudam quando muda o ambiente?

Para que a problematização fosse aprofundada da melhor maneira possível,

outras técnicas de investigação estão aliadas à observação: desenvolvimento de

entrevistas e escalas afirmativas com professores e alunos. Da mesma forma que a

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observação essas técnicas visaram atender aos objetivos da pesquisa. As perguntas

(entrevista) e afirmativas (escala) ajudaram o entrevistado a pensar sobre sua

relação com os ambientes da escola: de quais espaços “gosta ou não gosta” de

estar? Qual acredita que seja a finalidade desses espaços?

2.2.4.2 Entrevistas, questionário com escala de afirmativas e solicitação de

desenhos: como professores e alunos se manifestam sobre os espaços da

escola?

Após a realização de um teste com crianças e professoras de outras escolas,

os instrumentos foram adequados aos objetivos da pesquisa favorecendo a

obtenção das informações necessárias à análise. Onze alunos participaram da

entrevista, sendo seis do primeiro ano e cinco do quinto ano, além de duas

professoras, uma de cada turma do quinto ano e primeiro. Com relação ao

questionário de escalas a participação foi de dez sujeitos, seis alunos e quatro

professoras. Entre os alunos respondentes ao questionário da escala três eram do

primeiro ano e três estavam no quinto ano. Dentre as professoras duas atuavam no

quinto ano e duas no primeiro ano. A diferença na quantidade de sujeitos

participantes nos instrumentos se deve ao fato de terem sido desenvolvidos em dias

distintos, desse modo, não foi possível contar com a participação de todos os

sujeitos em todas as datas (ausência de alguns alunos e duas professoras). Outro

fator preponderante está relacionado à rotina de atividades da escola, com isso, em

determinados momentos alguns alunos não foram autorizados a participar por

estarem na aula de informática, parque ou inglês, por exemplo.

2.2.4.3 Desenho do espaço escolar (para os alunos do primeiro e quinto ano):

Solicitação e disposição do material para que as crianças das turmas do

primeiro e quinto anos fizessem, livremente, um desenho da escola.

2.2.4.4. Consulta documental

Foram efetuadas consultas ao Projeto Pedagógico da Unidade, análise da

planta baixa do prédio, documentos da Secretaria de Educação referentes às

normatizações para as construções escolares. Comparar as informações contidas

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nesses documentos com os usos e ocupações que os sujeitos fazem dos espaços.

Buscou-se, também, informações e/ou registros sobre reformas e adequações no

prédio, na tentativa de encontrar informações nos documentos oficiais sobre quem

determina as mudanças/reformas/alterações: grupo de professores, alunos, direção

ou órgão superior? Essas mudanças são justificadas por quais critérios: desgaste da

estrutura, demanda por vagas, violência no bairro, etc.?

2.2.4.5 Procedimentos para a análise dos dados pesquisados

As escalas de afirmativa e entrevistas foram utilizadas, bem como a

observação, com os estudantes recém-chegados na escola, ou seja, os do primeiro

ano do Ensino Fundamental e seus professores. Também foram foco do estudo os

professores e alunos que estejam há mais tempo na escola: professores e alunos do

quinto ano do Ensino Fundamental. As mesmas perguntas e as mesmas questões

orientadoras de observação foram desenvolvidas com os dois grupos: professores e

alunos do primeiro ano e professores e alunos do quinto ano do Ensino

Fundamental.

Com a coleta de todas essas informações, em duas turmas diferentes,

tornou-se possível realizar cruzamentos e comparações entre as informações

obtidas. Evidenciando diferenças ou semelhanças nas respostas dadas, ou

manifestações observadas, estas, em seguida foram analisadas detalhadamente a

luz dos teóricos que compõem a base desta pesquisa: Viñao Frago (1996, 1998),

Bourdieu (1998, 2003, 2004, 2007, 2008, 2009 e 2011), Gimeno (1998),

transformando-as em dados.

2.3 Caracterização da escola

Figura 1 – Visão da Fachada

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Antes mesmo da chegada, o prédio já se impõe: alto e com linhas visíveis,

retas e marcantes. Localizada à beira de uma rodovia de intensa movimentação,

dentro do perímetro urbano na Zona Oeste da cidade de São Paulo, a escola é vista

e revista diariamente por centenas de motoristas que trafegam pela região todos os

dias. Apesar da marca contundente de concreto, existem detalhes coloridos que

também chamam a atenção no edifício de grandes proporções. Trata-se de uma

construção relativamente nova, datada de fevereiro do ano de 2010. Por esse

motivo, as condições físicas mostram-se adequadas: não existem rachaduras, vidros

quebrados ou outros tipos de deterioração aparentes.

No projeto pedagógico há uma indicação de que a escola pretende fortalecer

os vínculos com a comunidade por meio da participação de todos, sem distinção,

para promover a construção de uma sociedade menos individualista tendo a escola

como lugar da produção e distribuição do conhecimento universal historicamente

construído e que deve ser aplicado para formar cidadãos éticos. No projeto também

existe a indicação dos problemas causados pelo ruído da Rodovia e falta de

tratamento acústico, obrigando o constante fechamento das janelas. O projeto ainda

apresenta o quadro de funcionários da Unidade: um diretor, uma assistente de

diretor, duas coordenadoras pedagógicas, um secretário, quatro auxiliares técnicos,

uma agente escolar, quinze professoras de Ensino Fundamental I que lecionam do

primeiro ao quinto ano e vinte e cinco professores do Ensino Fundamental II os

quais lecionam do sexto ao nono ano, dentre eles três estão readaptados nas

funções por problemas de saúde.

A escola atende 151 alunos em sete classes do sexto ao nono ano no período

da manhã, das 7h às 12h, e 245 alunos em onze classes do primeiro ano quinto ano

no período da tarde, das 13h30 às 18h20.

Depois do primeiro impacto da grandiosidade do prédio e das informações

iniciais sobre o Projeto Pedagógico, os primeiros detalhes começam a ganhar

destaque, tais como, os adornos pendurados sob o toldo que antecede o portão de

entrada, conforme se verifica na Figura 2, que são um convite a pensar sobre os

sujeitos que habitam aquela escola e suas relações de cuidado com esse espaço.

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Figura 2 – Detalhes no portão de entrada

Ao entrar percebe-se um amplo pátio, visivelmente limpo e dividindo espaço

entre um ambiente para as refeições, com cadeiras e mesmas coletivas e outro

ambiente vazio (Figura 3), utilizado para o recreio e atividades coletivas da escola.

Em algumas ocasiões é colocada uma mesa de pingue-pongue nesse ambiente,

conforme foi observado. Também existe um projetor fixado próximo ao teto e em

frente a uma parede branca, dando sinais de que aquele espaço ainda é utilizado

para outras finalidades como reuniões e apresentações de projeções.

Figura 3 – Visão geral do pátio da escola.

Do pátio, tem-se a visão de grades que separam ambiente interno e externo

de um lado, e, do outro lado a visão do corredor que dá acesso a outros espaços. O

primeiro deles, bem próximo do pátio e da cozinha é um hall que agrega: a

secretaria, a sala da direção, a sala da coordenação e uma sala destinada à rádio

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escolar. É notório observar que nessa construção escolar a “janela” de atendimento

à comunidade, na secretaria, fica na parte interna da escola e não do lado de fora,

como em outros tipos de construção (Figuras 4 e 6). Portanto, as pessoas que

procuram a escola adentram pelo mesmo portão no pátio, para acessarem o

atendimento da secretaria. Nesse espaço há, ainda, algumas cadeiras para uso dos

que aguardam para serem atendidos.

A sala da coordenação e da direção são dois espaços pequenos, lado a lado,

e em frente existe uma pequena estante de ferro com livros de literatura infantil

(conforme Figura 4).

Figura 4 – Entrada das salas da direção, coordenação e secretaria.

Figura 5 – Estante de livros no hall das salas da coordenação, direção e secretaria.

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Figura 6 – Janela para atendimento ao público na secretaria

Seguindo um pouco mais por esse corredor encontram-se banheiros à direita,

uma sala de professores e outra sala de reuniões à esquerda. Tanto uma sala

quanto a outra são bem parecidas no que se refere às proporções espaciais,

organização e usos que os professores, frequentadores desses espaços, fazem

deles. Em ambos há uma grande mesa central ocupando grande parte da sala,

rodeada por cadeiras e alguns materiais escolares. Existe um vidro que permite que

de uma sala se visualize a outra. Porém, o vidro também é utilizado como painel

para a colocação de cartazes com avisos da coordenação pedagógica para os

professores. A sala do lado esquerdo, dos professores, possui alguns armários

pequenos e ao lado deles algumas carteiras de sala de aula são utilizadas para

apoiar dois fornos de micro-ondas, um forno elétrico e algumas garrafas de café.

Ainda existe nesse espaço um filtro de água fixado na parede do fundo, ao lado da

porta que dá acesso ao solário. Nas salas da parte térrea no lado esquerdo do

prédio existem portas com vidros nos fundos que dão acesso a solários

arredondados, uma das poucas linhas curvas na construção. Em cada um dos

solários existem pequenos jardins (Figura 7).

Figura 7 – Solário da sala dos professores

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Ao olhar para a sala dos professores, percebe-se certa desorganização, com

bolsas e objetos pessoais jogados sobre a mesa ou nas cadeiras dado que

evidencia o tipo de apropriação que os docentes fazem no uso do lugar,

caracterizando-o como seu território (Figura 8).

Figura 8 – Visão da sala dos professores

Logo ao lado, na sala de reuniões, a desorganização permanece, porém,

nesse ambiente existem menos objetos pessoais e mais objetos pedagógicos, como

livros didáticos empilhados e até um mimeógrafo, equipamento utilizado para

produzir cópias a partir do carbono, deixado no chão. As Figuras 9 e 10 representam

o território muito mais caracterizado como depósito de materiais do que como sala

de trabalho, ainda que utilizado esporadicamente para reuniões.

Figura 9 – Visão da sala de reuniões

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Figura 10 – Detalhe ao fundo da sala de reuniões: mimeógrafo

Em frente a essas duas salas povoadas por professores, majoritariamente,

tem-se dois banheiros e uma lavanderia que possui uma porta com acesso à parte

externa. Dentro desse espaço há um armário de ferro fechado e identificado como

“armário para o projeto horta”, também uma geladeira, uma pia e alguns utensílios

de cozinha; outros armários e materiais para prática de esportes dentro de uma

cesta de plástico sinalizando que apesar da sala ser identificada como lavanderia, os

usos são diversos e alheios à destinação oficial. É a situação típica de como o

espaço se transforma em lugar, quando de fato seu uso é definido.

Figuras 11, 12 e 13 – Lavanderia.

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Logo após a segunda porta aberta da lavanderia é inevitável não olhar para a

grande área externa, composta por um terreno acidentado. Parte do espaço é plano

e se transformou em lugar de lazer, pois acomoda um parque com brinquedos de

madeira (eucalipto tratado) e alguns de ferro (balanço, trepa-trepa e escorregador),

um quiosque construído em alvenaria e algumas mesas e bancos de cimento. A

outra parte do terreno é um barranco alto, com uma escada no canto construída

para dar acesso a uma horta que fica no alto do barranco.

Figura 14 – Visão da área externa a partir do barranco

Figura 15 – Horta no alto do barranco da área externa

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O ambiente é povoado por crianças de vários grupos e suas professoras

ocupam as mesas de cimento enquanto eles brincam. As crianças se movimentam

com liberdade pelo espaço e utilizam-se, ou não, dos brinquedos e do quiosque. O

chão é predominantemente de terra com vegetação apenas no barranco. A escada

que dá acesso à horta é próxima. No entanto, as crianças que brincam não sobem.

O alto do barranco permanece vazio.

Seguindo o contorno dessa área externa é possível chegar a um espaço ao

lado do prédio, onde ficam os veículos dos professores, também não há crianças

acessando esse espaço, embora seja possível vê-lo a partir do parque.

Retornando à parte interna da construção encontram-se três pavimentos

superiores onde se pode chegar por escadas curvas que ficam nas laterais do prédio

quadrado ou pelo elevador (Figuras 16 e 17). Entretanto, o acesso a uma das

escadas possui grades com cadeados que permanecem trancadas

permanentemente e o elevador é, prioritariamente, utilizado para os alunos com

dificuldade de mobilidade, permanecendo desligado ou inacessível aos outros

alunos ou funcionários da escola. Desse modo, a grande maioria das pessoas que

utiliza o prédio sobe pelas escadas do lado esquerdo a todos os demais pavimentos.

Para chegar ao ponto mais alto do edifício é preciso subir três lances dessas

escadas.

Figuras 16 e 17 – Escadas e elevador

Ao entrar no primeiro piso superior, depara-se com um grande corredor

repleto de portas de diferentes salas de aula. É notório também observar a presença

de painéis, desenhos e cartazes de alunos de diferentes anos e turmas. É possível

aqui apontar a definição desse espaço como lugar da produção dos alunos (Figuras

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18 e 19). Em cada uma das portas uma identificação explicita a destinação do

espaço: sala de artes, sala de inglês, sala de matemática, sala de leitura, sala de

informática. A escola possui salas chamadas de “ambientes”, espaços separados

destinados para cada um dos componentes curriculares. Na sala ambiente de um

determinado componente encontram-se os livros didáticos e materiais que a escola

possui relacionados à área. A cada aula, de acordo com o horário estabelecido, os

alunos se deslocam à sala que corresponde às atividades que irão acontecer.

Todavia, essa organização funciona apenas para os alunos do turno da

manhã, a partir do sexto ano. Os alunos do turno da tarde, do primeiro ao quinto

ano, utilizam as salas ambientes apenas nas aulas ministradas por especialistas

(inglês, educação física, artes, informática, leitura). Quando a aula ocorre com a

professora polivalente, a turma permanece em um único espaço. No caso específico

do quinto ano, as duas turmas estudam em uma única sala, mas, com duas

professoras, pois, existe um rodízio dos componentes curriculares feito pelas duas

professoras polivalentes. Uma professora leciona língua portuguesa, história e

geografia enquanto a outra leciona matemática e ciências para todos os alunos do

quinto ano.

Figuras 18 e 19 – Corredores do primeiro e segundo pavimentos, respectivamente.

Dentro das salas ambientes, existem algumas diferenças de organização, as

salas de artes, informática, leitura são mais equipadas e mais organizadas de

acordo com o “ambiente” de aprendizagem a que se propõem. São territórios mais

definidos conforme as figuras 22 e 23. Nos espaços das demais disciplinas:

matemática, história, geografia, ciências, língua portuguesa e inglesa, os espaços

são parecidos entre si: carteiras organizadas em fileiras, lousa e paredes brancas,

com alguns materiais da disciplina, sobretudo livros didáticos e alguns mapas ou

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atlas. Há poucos elementos que diferenciem as salas ou façam referências às

disciplinas. De fato constituem-se como espaços, ou seja, são ocupados de acordo

com as finalidades para as quais foram definidos no projeto arquitetônico (Figuras 20

e 21).

Figuras 20 e 21 – Salas ambientes de inglês e história.

Figuras 22 e 23 – Sala ambiente de artes

Apesar das muitas semelhanças entre os dois corredores, do primeiro e

segundo andares, algumas singularidades são bastante notórias. No segundo andar

existem banheiros e salas com destinações diversas das do primeiro andar: uma

brinquedoteca e salas do primeiro ano. Nos dois espaços do primeiro ano há

mobiliário para alunos em tamanho menor e em cores diferentes, brinquedos, livros

infantis, alfabetos e objetivos decorativos que não estão presentes em outras salas

do prédio. Essa disposição é representativa de sua conceituação como território

próprio para os pequenos como nota-se nas figuras 24, 25 e 26.

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Figura 24 – Cortina da sala do primeiro ano

Figura 25 – Mobiliário da sala do primeiro ano

Figura 26 – Estande da sala do primeiro ano

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Perto das duas salas do primeiro ano, está a brinquedoteca, uma sala de aula

com brinquedos organizados sobre carteiras.

Figura 27– Brinquedoteca

Figura 28– Brinquedoteca.

Figuras 29 e 30 – Detalhes da brinquedoteca

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Os brinquedos são separados em grupos: bonecas, panelinhas e carrinhos e

não se evidencia outros tipos de brinquedos ou objetos, a não ser por alguns cones

empilhados na sala.

Chegando ao último pavimento do edifício encontra-se a quadra, grande, mas

sem dispor de arquibancada ou bancos. Existe apenas um armário de ferro em um

canto, com objetos de esporte e um bebedouro na entrada, próximo à escada e ao

elevador. O ambiente é coberto e gradeado, mas é possível enxergar a rodovia de

um lado e do outro o ambiente externo, o barranco e o parque lá em baixo.

Figura 31 - Quadra

A quadra é o ponto alto da construção, ocupando o último andar e chamando

a atenção por estar em um lugar alto e separado da área externa. Compõe uma

espécie de interno-externo, pois, ao mesmo tempo em que é construída dentro do

prédio traz caracteres de ambiente externo: mais aberta, mais arejada e povoada

por iluminação natural; porém, para acessá-la é preciso entrar e transpor dois

pavimentos e seis lances de escadas, dois em cada andar (Figura 31).

Após um período de observação do espaço da escola e do pequeno bairro, o

interesse em explorar os outros procedimentos de pesquisa aumentou diante dos

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elementos instigantes que integram esse espaço social e escolar. A continuidade da

pesquisa se deu na busca do conhecimento dos sujeitos que habitam o prédio da

escola: professores e alunos, quem são? A primeira observação deu lugar à

investigação e busca de informações acerca desses sujeitos.

2.4 Sujeitos da pesquisa

2.4.1 Os alunos

É uma escola jovem localizada em um bairro pequeno e com poucos

recursos. Os alunos são, em sua expressiva maioria, moradores do próprio bairro e

deslocam-se poucos metros a pé para acessarem a escola. Já os professores, em

sua maioria, deslocam-se de carro e não residem nas imediações, exceto uma

professora do quinto ano, entrevistada nesta pesquisa, mora no bairro no último

conjunto habitacional da via principal destinado a funcionários públicos estaduais;

porém, mesmo essa professora declarou deslocar-se de carro pelo bairro e para o

acesso à escola. Nesse condomínio muitos moradores são policiais militares,

trabalhadores da área da saúde e professores da rede estadual.

As informações sobre os alunos e suas famílias constantes no Projeto

Pedagógico da escola indicam que grande parte da população é oriunda de

movimentos populares por moradias que resultaram na construção dos conjuntos

habitacionais, inaugurados no período próximo ao da construção da escola. O

documento da escola também aponta que os familiares dos alunos atuam como

profissionais de serviços gerais, com renda baixa e pouca qualificação profissional e

que a condição socioeconômica dessas famílias atrapalha o acompanhamento

adequado da vida escolar de seus filhos. Segundo a apresentação da escola

existem conflitos entre os moradores dos conjuntos habitacionais. Os que

conseguiram a moradia através de luta popular são apelidados de maneira hostil de

sem-terra. E há um distanciamento com relação aos moradores do conjunto de

funcionários públicos.

O Projeto da escola reforça, ainda, que alguns alunos oriundos dos prédios

destinados aos funcionários públicos são influenciados na escola pela aproximação

com os alunos dos outros prédios mais simples no que denominam “clima de

descompromisso com certos valores” e que alguns pais desses alunos referidos,

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funcionários públicos considerados de classe média baixa, declaram arrepender-se

de ter se mudado para o bairro. Essas questões são apresentadas como

justificativas para a escola desenvolver projetos de “interação entre os segmentos

socioculturais para combater os conflitos”

Além de moradores da localidade a maioria dos alunos reside nos prédios

populares sem acesso a bens culturais e de consumo e vulnerabilidade social

entendida como exposição à violência e a entorpecentes no bairro e nas famílias,

também segundo dados da escola. Muitas das crianças são negras e a escola é um

dos poucos espaços que acessam fora da casa e da rua. O prédio da escola possui

dimensões colossais se comparado às proporções de suas moradias. Os alunos

entrevistados nesta pesquisa, crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental,

recém-chegadas à escola, e crianças do quinto ano da escolarização apresentam

em comum grande demonstração de satisfação e alegria em estar no espaço da

escola.

Somando-se a essas características gerais dos alunos da escola, algumas

questões mais específicas dos participantes da pesquisa tornam-se relevantes. As

crianças do primeiro ano aqui denominadas como: C1, C2, C3, C4, C5 e C6

afirmaram morar pertinho da escola. A criança C5, ao ser abordada sobre a horta da

escola informou que nunca esteve lá e que não sabe para que uma horta serve, mas

acrescentou, conforme transcrição da entrevista que:

C5: Meu pai trabalhava lá.

L1: Na horta da escola? É? Seu pai fazia o que lá?

C5: Ele trabalhava...

L1: Mas, ele não trabalha mais?

C5: Ele morreu.

L1: O seu pai é? Ele morreu? Ah... que pena...que pena. E você mora com quem?

C5: Com a minha mãe.

L1: Com a sua mãe?

C5: E com as minhas irmãs.

L1: Com as suas irmãs também, elas também estudam aqui?

C5: Só uma que chama M.

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Dos alunos do quinto ano entrevistados, os cinco também residem na rua da

escola. Dois declaram que estudaram em outra escola. O aluno C8, que possui uma

deficiência física e utiliza cadeira de rodas estudou até o terceiro ano em uma

escola, também municipal em outro bairro próximo, mas, segundo ele, não gostava

da escola, prefere a escola do bairro porque estuda com “mais primos”. A criança

C9, na época da entrevista havia mudado de escola há cerca de cinco meses e

também disse que essa escola era melhor e mais bonita que a anterior. Os demais,

estudantes da escola estavam desde o primeiro ano. Ainda sobre o aluno C8, com

deficiência física a professora falou:

P2: Ele é, mas assim, o potencial que ele tem poderia ser desenvolvido. Eu percebi

que assim que a semana que a gente deixou ele de recuperação foi quando a gente

viu que ele tem capacidade. Acredito que ele tenha, mas a gente evidenciou isso...

Ele tem uma resistência, uma falta de vontade. Esses dias não, ele se dedicou ao

máximo e fez as atividades. Mas, ele tem preguiça. Uma preguiça... Ah G.! Um

menino tão bonito!

Na entrevista a professora também argumentou sobre características mais

gerais de seus alunos:

P2: Eu vejo assim, se não for aqui a oferecer... Lá fora, eu vejo um ou outro... Quando a gente conversa no parque, que tem a oportunidade que os pais levam para fazer atividades em outros espaços. Eles ficam muito limitados aqui. É um ou outro que faz viagens para fora, entendeu? Então, é assim a comunidade em que eles estão tem uma quadrinha pequenininha. E o que oferece mais coisas diferentes para eles é a própria escola.

L1: O bairro que você falou é pequeno?

P2: É só rua. Só tem uma rua e tem umas entradinhas assim.

L1: Não é um bairro grande, então, não tem muito comércio?

P2: Tem aquele comércio assim local que é o que, não chega a ter uma padaria, tem mercadinho. Aí recentemente tem uma pizzaria, tem um cabelereiro lá, um salãozinho...

L1: Não tem muita coisa.

P2: Mesmo porque não tem espaço.

L1: É bem pequeno mesmo.

P2: É bem pequeno, é só a rua.

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L1: Então, a escola é algo que se destaca.

P2: Então é o que eu estou dizendo para você, porque eles veneram a escola. Você

os vê falando com tanto entusiasmo, realmente...

A professora acrescentou mais alguns aspectos:

P2: Então, o que a gente percebe pela própria história da escola e o pessoal que

conhece mais, tem muita criança muito carente. Aquela criança que é filho de pais

alcoólatra e tem problema com droga. Mas, também tem muito filho de pessoas

trabalhadoras. Eu vejo pela reunião de pais, pela conversa. Então, nós temos de

todos os casos. A gente vê mais complicações no nível dois e como tem familiares

no nível um, são casos mais... E também têm esses problemas, esses agravantes

de pais com problemas de drogas e bebida. E a gente vê pela criança. A J. que eu

dei aula ano passado, as ideias dela são meio desorganizadas. Ela pôs na

produção de texto dela que gostaria que a mãe parasse de beber. E você vê uma

criança escrever isso gente.

Pelas particularidades expostas percebe-se que a maioria dos alunos da

escola e, especialmente os participantes da pesquisa, possuem uma condição de

vida que combina baixo capital econômico e cultural, residindo em uma rua que os

leva até a escola.

2.4.2 As professoras

As professoras destes alunos, pedagogas polivalentes, tanto as do primeiro

quanto as do quinto ano, são profissionais efetivas na Rede Municipal e com um

tempo longo de carreira (superior a quinze anos). A professora do primeiro ano,

identificada como P1, leciona há dezoito anos. Começou na docência no ano de

1997 aos vinte anos de idade. Na escola pesquisada, trabalha há um ano. A

professora P2, do quinto ano, está no magistério há vinte e seis anos, começou a

dar aulas aos dezoito anos de idade para alunos reprovados que, segundo ela,

tinham quase a mesma idade que ela na época. Nessa escola trabalha há três anos.

Também leciona na Rede Estadual de Ensino e reside no bairro dos alunos, porém,

no conjunto de prédios destinado aos funcionários públicos. Na entrevista relatou

que se locomove pela rua de carro porque vem direto da outra escola em que

trabalha pela manhã e que procura controlar o assédio dos alunos sobre sua vida

particular pelo fato de ser vizinha deles. Acrescentou que existe muita curiosidade,

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por parte dos alunos, em entrar em sua casa e saber detalhes de sua vida. Ela disse

procurar tratá-los bem, porém, explicitando que não devem invadir sua vida.

Por se tratar de uma escola nova, estão lecionando, nesse espaço, há pouco

tempo e carregam consigo referências de outros ambientes escolares em que

trabalharam. Assim como as crianças, também consideram o espaço da escola

bonito, limpo e organizado.

2.5 Caracterização do bairro

Bourdieu (2003) afirma que tanto os seres humanos, quanto os objetos estão

sempre situados em um lugar ocupando um espaço, uma vez que não podem estar

em vários lugares ao mesmo tempo. Para ele o lugar pode ser definido como “o

ponto do espaço físico onde um agente ou uma coisa se encontra” (p.160). A escola,

campo empírico desta pesquisa, constitui-se um lugar em si e encontra-se

circunscrita em um espaço (bairro), que por sua vez integra o espaço social.

Localizado em um dos extremos da Zona Oeste da Cidade de São Paulo, à beira de

uma rodovia, o bairro, ao qual a escola pertence é bastante modesto. Caminhando

pela rua principal, que é também a rua que abriga a escola, torna-se visível que o

bairro é pequeno e com poucos recursos, sejam eles públicos ou comerciais. De um

lado as moradias são conjuntos de prédios construídos a partir de programas

habitacionais (CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do

Estado de São Paulo). Do outro, pequenas ruas transversais, todas sem saída

terminando em uma mata ao fundo, possuem casas de alvenaria simples, sendo que

algumas são sobrados.

Entre os prédios há uma quadra pequena e aparentemente aberta a todos, ao

lado da quadra um pequeno bar e em frente o ponto final da única linha de ônibus

que chega até o bairro. Nas garagens de algumas das casas alguns pequenos

comércios improvisados.

A rua principal é longa, mas termina sem saída em outro conjunto de prédios

do Programa CDHU. Todavia, esse conjunto possui edifícios mais altos e com

estrutura arquitetônica mais elaborada que a dos demais. É um conjunto

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habitacional destinado a funcionários públicos do Estado de São Paulo, no qual

mora a professora do quinto ano, sujeito da pesquisa:

P2: Então, quando teve um programa, porque eu sou funcionária publica do Estado,

e teve um programa chamado THAI, que é a integração, eles querem favorecer o

funcionário pra ficar próximo do lugar onde ele trabalha. E como e u trabalho aqui no

quilometro treze, do lado de você ali no V (...) Ai tinha vários locais para você poder

escolher, mas o mais perto aqui da região Oeste de conjunto habitacional era aqui.

Aí eu vim para cá. Mas, eu trabalhava na Prefeitura em Paraisópolis.

O bairro se encerra ao final dessa via principal que começa com o prédio da

escola. No começo da rua, ao lado e em frente à escola, respectivamente, ainda

existe o pátio de uma empresa e um motel. É notório destacar que, apesar de todos

esses elementos constituírem uma mesma rua, diferenças se processam na

ocupação do espaço. O começo da rua, próximo à rodovia e onde estão a escola, a

firma e o motel, é mais vazio e silencioso. O silêncio é quebrado eventualmente com

a saída dos alunos da escola, o com a passagem dos ônibus. A partir das moradias

das pessoas a rua torna-se agitada e bastante povoada, ressaltando-se que a

observação sempre foi realizada em dias úteis. A quadra é ocupada, o bar é cheio e

a circulação de adultos, crianças e jovens é grande pela rua. Os outros pequenos

comércios também são frequentados. Tem-se a impressão que em um bairro tão

pequeno os moradores utilizam a rua como extensão de suas casas e como espaço

de lazer. A escola é o único equipamento público dessa comunidade, não existem

equipamentos de saúde ou cultura dentro do bairro. A única conexão do bairro com

outros elementos ou espaços externos é a linha de ônibus que leva à região central

e ao lugar de trabalho. O lugar evidencia em suas estruturas físicas as estruturas do

espaço social atuando como uma simbolização espontânea deste em suas

exclusões e distinções. O espaço físico representa o espaço social reificado

(BOURDIEU, 1997).

Nesse sentido, o espaço onde está inserida a escola revela, para além das

construções, as estruturas sociais e a exclusão, traduzidas pelo afastamento de

regiões centrais, ausência de serviços públicos, equipamentos de lazer ou cultura.

Bourdieu esclarece que:

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“... os que não possuem capital são mantidos à distância, seja física, seja simbolicamente dos bens considerados mais raros e condenados a estar ao lado das pessoas e dos bens mais indesejáveis e menos raros. A falta de capital intensifica a experiência da finitude: ela prende a um lugar” (1997, p. 164).

A falta de capital econômico atua como limitador da mobilidade dos sujeitos

tornando a escola um dos poucos lugares A que as crianças e jovens têm acesso.

Porém, apesar de pequeno e com muitas limitações, o bairro reproduz distinções do

espaço social também dentro de sua estrutura interna. A existência de um conjunto

de prédios que se diferencia das demais construções pela presença de elementos

mais sofisticados na arquitetura. Impõe ao bairro tal distinção revelada também pelo

depoimento da professora:

P2: “Você parece uma celebridade passando. Mas, eu faço assim, eu estou

passando. Porque embora eu more aqui do lado, eu venho da outra escola, já venho

e fico por aqui(...)Eu vou de carro, passo. Se eu estou passando eu os levo, adoram

entrar no carro! Eu paro... Porque o chato é você não dar atenção para eles. Eles

são muito dóceis, muito amigáveis...os outros que moram aqui falam “professora

posso ir à sua casa” e eu respondo claro que não! Vocês me veem aqui todos os

dias, a gente se atura toda hora, já está bom. E eu corro o dia inteiro, sábado eu

estudo, faço curso. E outra, quando estiver nas férias e vocês estiverem com

saudades. Mas, nem vai dar tempo, porque logo volta. Mas, já foram, um ou outro,

não os que moram lá. Eu acho engraçado assim, essa questão da família que não

dá umas coordenadas “você não vai sem ser convidado”. Os daqui mais pertinho da

comunidade, da mesma comunidade, mas já estavam aqui. Gente, eles... Eu

cheguei lá um dia estavam lá e queriam conversar. E eu falei criançada a professora

trabalha o dia inteiro e chego super cansada. Duas ainda entraram, eu falei vamos

entrar e vamos comer um chocolatinho, mas, vamos fazer um combinado, a

professora está muito cansada, eu trabalho o dia inteiro. Eu chego ou eu vou

estudar, vou fazer curso ou eu tenho o terceiro turno que é aqui em casa. Então, a

professora não vai poder dar atenção. E sem contar que a professora precisa

descansar. Então, nosso combinado é lá na escola, tudo bem? Porque se não... Não

tem condições, você entendeu? “

As distinções e diferenças de posição no espaço social são retraduzidas na

arquitetura que diferencia esteticamente o prédio da escola, prédios da maioria dos

alunos e prédios dos funcionários públicos, onde moram a professora e alguns

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alunos. Mas também são significadas pelos documentos da própria escola que

mencionam os conflitos entre os moradores e a problemática com “valores” que os

impulsionam a desenvolver projetos para minimizar os conflitos. Na verdade um

bairro com um espaço físico tão pequeno evidencia ainda mais as tensões

provenientes do espaço social.

A partir dessas informações, já conhecendo que escola é essa, com alguns

simbolismos representados nos depoimentos, podemos iniciar a apresentação dos

dados obtidos com a organização das informações dispostos nos próximos

capítulos.

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3. Manifestações de estudantes e professores sobre preferências

no espaço escolar.

Neste capítulo apresenta-se a análise dos dados obtidos na pesquisa a partir

da sua organização em eixos, os quais foram extraídos das respostas dos sujeitos

nas entrevistas, relacionando-os com os desenhos produzidos pelas crianças

participantes e abordados à luz dos conceitos referidos no capítulo inicial. Entre os

eixos estabelecidos o capítulo mostra o que se refere às preferências dos sujeitos

em relação ao espaço escolar.

3.1 Abordagem dos elementos constitutivos das preferências dos

estudantes com relação ao espaço escolar.

Ao entrevistar crianças questionando-as sobre seus gostos ou desgostos e

preferências dentro do espaço da escola abre-se a possibilidade de coletar

informações importantes acerca da constituição desse espaço e suas influências nos

sujeitos que o habitam. Essa coleta é fundamental para a compreensão dos

discursos incutidos na materialidade da escola, que contempla sistemas de valores,

símbolos culturais e ideológicos e compõe o ensino fazendo do espaço escolar um

constructo cultural (ESCOLANO, 1998). Diversos conteúdos, mesmo não

declarados, são aprendidos e apreendidos na relação com o espaço, desde controle

do corpo, disciplina, modos de ser, até regras de utilização e circulação. Todos

esses elementos são acrescidos da ação humana sobre os ambientes capaz de

constituir marcas significativas reafirmando ou transformando o que

arquitetonicamente foi colocado. A escola é, portanto, um espaço ocupado e

utilizado de diferentes modos, por diferentes sujeitos: funcionários, professores,

estudantes de diversas turmas. Na ocupação e uso, paredes, portas, corredores,

objetos e quaisquer materiais ou ambientes tendem a se converter, como destaca

Frago (1998), em lugar e território. Esses conceitos são entendidos pelo autor como

saltos de qualidade na constituição do espaço por indicarem a construção humana

numa noção objetivo-subjetiva. Por isso, acrescenta que:

“... o espaço não é um meio objetivo dado de uma vez por todas, mas uma realidade psicológica viva. Em certo sentido, o espaço objetivo –

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para denominá-lo de alguma maneira – não existe. E se existe não conta – salvo como possibilidade e como limite. O que conta é o território, uma noção subjetiva, ou caso se prefira, objetivo-subjetiva - de índole individual ou grupal e de extensão variável. Uma extensão que vai desde os limites físicos do próprio corpo - ou de determinadas partes do mesmo – até o espaço mental dos projetos, ali até onde chega o pensamento que prenuncia a ação e o deslocamento” (FRAGO, 1998, p.63).

Nessa perspectiva, indagar crianças sobre o que gostam nos aspectos físicos

da escola significa também desvelar que lugares e territórios são construídos por

elas explicitando que tal construção é essencialmente cultural. Portanto, o gosto ou

não por determinado ambiente, é fruto da cultura do indivíduo, da sua posição no

espaço social, de seu habitus que lhe propõe certos hábitos de vida e tendências a

determinadas escolhas. Em suma, a preferência de um sujeito por determinado lugar

escolar e sua atuação dentro dele passam tanto pelas disposições materiais quanto

pelas estruturas estruturantes ou princípios geradores que compõem esse sujeito

(BOURDIEU, 2004). É nessa relação densa entre o que o sujeito é (estruturas que o

compõe) e o que a dimensão física oferece que lugares e territórios são constituídos,

preferências são selecionadas e o espaço escolar influencia e interage com o

ensino.

3.2 Desenhos sobre a escola: as representações dos estudantes.

As crianças participantes desta pesquisa, além de terem sido entrevistadas,

foram antes convidadas a desenhar a escola livremente representando o espaço

físico em uma folha de papel sulfite sem nenhum tipo de marcação. Somente após o

desenho ocorreram as entrevistas sobre o que pensam em relação a esse espaço,

suas escolhas no desenho e seus interesses na relação com a escola. Sessenta e

três crianças (63) de turmas do primeiro (1º) e quinto (5º) anos fizeram o desenho, e

destas, onze (11) participaram da entrevista. Não possível contar com a participação

de todas as crianças que realizaram o registro gráfico na entrevista, pois, no dia da

sua realização além de algumas não estarem presentes na escola, outras não forma

autorizadas a se ausentarem das atividades.

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Na turma do quinto ano A, muitos questionamentos seguiram após a

solicitação do desenho: “Qual parte da escola é pra desenhar? É pra pintar? Precisa

ficar tudo reto?” A média de idade nessa turma era de dez (10) anos de idade,

havendo apenas um aluno com onze (11) anos completos. Treze (13) meninas e dez

(10) meninos, sendo um com deficiência física e utilizando cadeira de rodas. Apenas

uma menina não utilizava o uniforme fornecido pela Prefeitura de São Paulo.

Os alunos começaram a fazer os desenhos sentados nas carteiras

enfileiradas da classe, alguns se levantavam para ir até a janela contar a quantidade

de vidros para reproduzir no papel, outros utilizavam réguas com o cuidado de

manter os traços retos, sem dúvida um elemento forte nesse prédio. Na porta da

sala havia uma inscrição indicando que aquela era a sala ambiente de geografia.

Encontravam-se dentro do espaço alguns mapas, um relógio de parede, cortinas

amarelas nas janelas, um ventilador, certa quantidade de livros didáticos de

geografia, um globo terrestre; mapas do continente africanos desenhados e pintados

em papel vegetal colados nas paredes do fundo e uma tabuada colada na parede

sobre a lousa branca.

Enquanto desenhavam, os alunos conversavam também sobre quem iria ficar

em recuperação, pois, segundo a professora, seria quase metade da classe.

Algumas meninas comentavam que a escola deveria ter as “cores roxo e rosa” nas

paredes. Todos se empenharam bastante na execução do desenho e levaram cerca

de mais de uma hora para executá-lo. Ao recolher já foi possível perceber que

muitos dos alunos desenharam ou deram destaque à quadra.

Na turma do quinto B, havia vinte dois (22) alunos: doze meninas, dez

meninos. Uma das crianças estava acompanhada de uma estagiária estudante de

pedagogia por apresentar deficiência intelectual, segundo a professora. A média de

idade do grupo também se encontrava em torno dos dez anos. As mesmas cortinas

amarelas estão presentes nas janelas, o mesmo tipo de lousa branca. Dois

armários, livros didáticos empilhados, cartazes sobre a língua portuguesa, carteiras

em fileiras. Nessa classe não existe o relógio de parede.

Esse era um grupo bem mais agitado e falante, questionaram o que iria ser

feito com o desenho deles e mostravam os desenhos uns aos outros durante o

processo. Paralelamente, alguns lideravam a organização de uma festa de

encerramento do ano que iria ocorrer no dia seguinte, na classe. Novamente a

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quadra aparece em destaque entre as escolhas nos desenhos, além da fachada da

escola. Ambas as professoras do quinto ano, durante o período de coleta dos

desenhos, estiveram preocupadas em corrigir atividades para avaliar os alunos

atentando para o final do ano letivo. Devido à ocupação intensa das professoras,

todos tiveram bastante tempo livre para desenhar. E de maneira geral, no quinto

ano, demostraram gostar muito da proposta de desenhar a escola.

Ao entrar na classe do primeiro ano B, algumas diferenças são perceptíveis.

As turmas do primeiro ano localizam-se em outro andar, muitos desenhos e enfeites

são encontrados nas paredes, as mesas e cadeiras são pequenas, as cortinas

amarelas desse espaço possuem desenhos também. A disposição não é em fileiras

como no andar inferior, e sim, em grupos com potes com giz e lápis de cor no centro

de cada grupo. Há calendário, relógio, cartazes com as sílabas e cartazes com

dizeres como: “ajudante do dia, combinados da classe e jogue o lixo no lixo”. As

paredes são repletas de informações. Ao fundo, uma bancada com papeis, livros e

revistas. Na ocasião eram sete meninos (7) e sete meninas (7), uma criança com

deficiência física e intelectual. Todos se mostraram animados com a proposta do

desenho, e novamente a quadra aparece de forma marcante ao lado do parque.

No primeiro ano A, mais elementos que diferenciam o espaço das classes do

quinto ano: uma lousa quadriculada, uma bandeira do Brasil na parede sobre a

lousa, um jarro grande com água sobre uma mesa próxima à professora, nessa

mesa também havia lenços de papel e um sabonete. As paredes repletas de

elementos decorativos em E.V.A., cartazes sobre a água, um rádio portátil e uma

estante com livros infantis. Mais uma vez a proposta de desenhar foi bem recebida

pelos alunos que destacaram espaços considerados por eles “lugares de brincar”

como o parque e a quadra. Nesse grupo havia sete (7) crianças; contudo, apenas

quatro (4) participaram da proposta, pois, os demais não tinham terminado uma

atividade proposta pela professora e não foram autorizados.

Ao final do dia, entre os desenhos das sessenta e três crianças

participantes, trinta e três haviam representado a fachada da escola; vinte, do total,

desenharam a quadra, onze desenharam o parque e oito a sala de aula. Apenas

uma criança incluiu a horta da escola em seu desenho. Apenas uma criança também

representou a secretaria e o espaço do refeitório. O corredor e a lousa apareceram

duas vezes. Outros lugares não receberam destaque: a brinquedoteca, a sala da

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rádio, a diretoria, a sala dos professores, sala de informática e de leitura... Nenhum

desses espaços foi lembrado revelando pistas da baixa relação que essas crianças

possuem com eles. Cabe ressaltar, nesses destaques, que várias crianças

representaram mais de um ambiente no desenho.

3.3 A quadra como ambiente de predileção dos estudantes:

território construído coletivamente.

Figura 32 – Visão da lateral da quadra

Uma quadra simples e com poucos elementos, não possui arquibancadas na

construção, apenas um alambrado lateral, traves e tabela de basquete e um armário

de ferro para materiais. Entretanto, como já mencionado na descrição do segundo

capítulo, ocupa um lugar de destaque no prédio, pois está localizada no topo do

prédio, podendo ser vista por quem passa na rua e compondo parte da fachada.

Essa projeção dada pela estrutura da construção já poderia ser considerado um

fator explicativo da preferência pela quadra apontada por vários estudantes.

Contudo, outros aspectos ainda são necessários para explicar o gosto das crianças

pela quadra.

Durante a entrevista, mesmo crianças que desenharam outras partes da

escola, como a fachada do prédio, por exemplo, ao serem questionadas sobre qual

o lugar da escola mais gostava responderam: a quadra. Das onze (11) crianças

entrevistadas, seis (6) pertenciam ao primeiro ano e as outras cinco (5) do quinto

ano. Entre as crianças do primeiro ano, duas: C2 e C4, afirmaram a quadra como

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lugar favorito na escola. No que tange ao quinto ano, todos os entrevistados (5)

elegeram a quadra como lugar favorito. Dados que indicam que esse espaço supera

a construção de concreto sendo parte da construção cultural da relação dessas

crianças com a escola.

Entre as crianças menores do primeiro ano ao longo da entrevista a

demonstração do gosto e admiração pela quadra aparece em diversas falas, como é

possível observar nos trechos extraídos da transcrição apresentados a seguir:

L1: Qual que é lugar de todos da escola que você mais gosta?

C2: Quadra.

L1: Oi minha linda porque você desenhou essa parte da escola?

C4: Ó...

C4: Eu só desenhei o gol.

L1: Hum, você desenhou a quadra da escola.

C4: Eu desenhei a janela.

C4: Eu desenhei a educação física.

L1: A educação física? É. Você gostou...

C4: Essa é a professora.

L1: É a professora de educação física essa daqui? Hum muito bem! Por que você desenhou a quadra?

C4: Eu desenhei a quadra.

L1: Mas por que você desenhou essa parte, a quadra, por quê?

C4: Por quê?

L1: É. Você gosta da quadra? Qual é o lugar da escola que você mais gosta?

C4: Eu gosto de fazer exercício.

L1: É você gosta de fazer exercício. Qual que é o lugar da escola que você MAIS gosta de todos?

C4: Exercício.

L1: É da quadra? É? Hum...

C4: E eu gosto de jogar bola.

C3: A gente dança, a gente dança.

C3: A gente dança né A..

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C1: É. Joga bola...

C1: (...) joga bola, nóis brinca de pato-ganso.

C3: De pega-pega, esconde-esconde.

C1: Pega-pega maçã.

Há uma ênfase para as atividades que são realizadas nesse lugar numa

associação positiva do tipo de atividade realizada e o ambiente físico, tal como a

resposta da criança C4 que afirma que o lugar que mais gosta na escola é

“exercício”. Também são consideradas com admiração características desse

espaço, demonstradas em outro trecho extraído da transcrição:

C1: Eu tenho até medo de olha para baixo.

L1: Você tem medo de olhar para baixo. Mas, tem uma grade, não tem?

C3: É muito alto!

L1: Ainda bem que tem uma grade para a gente não cair.

C3: Tem uma portinha.

C2: Também lá na quadra tem pombos, muitos pombos.

C3: Tem uma portinha.

C2: Tem um monte de pombos dormindo.

C3: Tem uma portinha.

L1: Tem uma portinha na quadra?

C1: Duas. Duas.

A altura da quadra e até a presença dos pombos são lembradas por eles com

admiração. Fica evidente o interesse e a apropriação do espaço onde são realizadas

brincadeiras coletivas e que pressupõem movimentos e expansão do corpo, tais

como as citadas no trecho da transcrição: pega-pega, esconde-esconde, pato-

ganso, jogos com bola e dança. A quadra converte-se em um território de

construção grupal cuja extensão começa no corpo das crianças que brincam e

integra todo o espaço, até mesmo as pombas fazem parte do cenário. FRAGO

(1998) considera que:

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“... todo espaço é um lugar percebido. A percepção é um processo cultural. Por isso, não percebemos espaços senão lugares, isto é, espaços elaborados, construídos. Espaços com significados e representações” (p.78).

Portanto, a quadra é a representação que se faz dela. A dimensão da construção

ganha interpretação a partir da dimensão simbólica dos indivíduos que a

frequentam, utilizam e se apropriam. Ao se tornar o lugar onde brinco com outras

crianças e me sinto bem, a dimensão simbólica estabelece outros constituintes

desse ambiente: alegria, prazer, satisfação... Que dão certo colorido simbólico ao

alambrado de metal e piso de concreto.

Nas figuras 33 e 34, dois desenhos da quadra apresentando, em ambos, um

grupo de crianças jogando futebol revelam práticas comuns exercidas nesse espaço.

Muito embora as crianças do primeiro ano tenham listado brincadeiras coletivas

tradicionais praticadas na quadra, o futebol se sobressai como prática mais comum

e mais identificada com a preferência pelo espaço da quadra.

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Figuras 33 e 34 – Desenho da quadra representando crianças jogando futebol.

L1: E qual que é o lugar da escola entre todos que você mais gosta?

C7: A quadra.

L1: Ah é? Por quê?

C7: Porque nóis joga bola e eu gosto de jogar bola.

L1: Você gosta muito? O que mais você gosta de fazer? O que mais rola lá na quadra?

C7: Campeonato.

L1: É? Vocês fizeram um campeonato aqui na escola? É? E aí, ficou em que lugar?

C7: Segundo.

L1: Segundo? Oh, jogou bem?

C7: Sim.

No trecho acima, extraído da transcrição da entrevista, a criança C7 declara

gostar da quadra mais do que outros espaços da escola e associa ao interesse pelo

futebol e a realização de um campeonato. A criança C8, garoto também do quinto

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ano, e que possui uma deficiência física fazendo uso de cadeira de rodas, ao ser

questionado sobre o desenho afirmou:

C8: Quadra, a quadra da escola e... Aí eu desenhei o elevador. Eu desenhei as salas... E aqui é o portão da escola.

L1: Por que você desenhou essas partes?

C8: Por causa que é as partes que eu mais uso.

L1: É. As partes que você mais usa? Ah, legal! Você usa o elevador todos os dias, né? As salas e a quadra? Você curte a quadra? É? Fala para mim, qual é o lugar da escola entre todos que você mais gosta?

C8: Jogar futebol.

Novamente o futebol aparece como prática esportiva em destaque mesmo em

se tratando de uma criança com limitações físicas. Na figura 35, apresentada a

seguir, está o desenho feito por ele.

Figura 35 – Desenho feito pela criança C8 – da esquerda para a direita: quadra, elevador, corredor das salas de aula. Abaixo: portão de entrada.

Na figura 36, mais um desenho da quadra; contudo, nesse desenho, existem

mais detalhes. Ao lado esquerdo está escrito “aula de educação física” seguida pelo

desenho da professora e ao lado direito uma criança torcendo enquanto os demais

jogam futebol. Estão presentes as marcações da quadra, as traves e a bola além

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das várias crianças jogando. Mais um detalhe interessante do desenho: a criança

que está chutando a bola em direção ao gol tem o número dez (10) na camiseta e

está com uma expressão alegre, representada pelo formato do traço da boca,

enquanto a criança representada no gol está com uma expressão triste ou

aborrecida. O desenho faz alusão a um jogo do campeonato que ocorreu na escola.

Figura 36 – Desenho da quadra representando uma aula de Ed. Física

Outras crianças participantes: C9, C10 e C11 também enfatizaram o gosto pela

quadra e pelo futebol em suas respostas apresentadas nesses trechos da

transcrição:

L1: Dos lugares dessa escola aqui, qual o lugar que você mais gosta?

C9: Ah, a quadra.

L1: A quadra, por quê?

C9: Porque nós joga bola.

L1: Você gosta de jogar futebol? Mas lá na quadra só tem futebol ou tem outras coisas?

C9: Só futebol e vôlei.

L1: Futebol e vôlei. Mas, não tem mais nada além de futebol e vôlei?

C9: Não só isso.

L1: Qual é o lugar que vocês mais gostam de todos os lugares que tem aqui na escola?

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C11: Da quadra.

C10: A quadra.

L1: Por que a quadra os dois concordam assim?

C10: Porque nóis joga futebol.

L1: Você também curte futebol?

C11: Sim.

L1: E o que rola lá na quadra, só futebol ou tem outras coisas?

C11: Futebol, campeonato.

Nesses diálogos expostos mais uma vez fica manifesto o tipo de apropriação

feita do espaço da quadra pelas crianças e a relação direta entre a preferência pelo

espaço e as atividades desenvolvidas nele, sobretudo, o futebol.

No entanto, algumas situações relacionadas a esse espaço não os agradam.

Apesar da relação positiva com a quadra, existem regras de uso determinadas pelos

adultos e que se distanciam dos interesses das crianças. Como esse espaço se

localiza no topo do prédio de dois andares, compondo um terceiro andar, para

acessá-lo existem duas únicas maneiras: fazer uso do elevador e subir direto ao

terceiro piso ou subir os lances de escadas passando pelos dois andares inferiores

que compreendem os corredores das salas de aula. O elevador é utilizado apenas

para a locomoção das crianças com deficiência física e seu acompanhante ou

cuidador, não sendo liberado para os demais que fazem o uso cotidiano da escada,

mesmo para subir até a quadra. A norma da escola determina que para não

atrapalhar os alunos que estão em aula, como os horários de recreio são separados,

só é permitido subir ao terceiro andar nas aulas de educação física ou em situações

autorizadas para alunos, como festas e eventos da escola. Portanto, o espaço

preferido dos estudantes só pode ser utilizado nos momentos de aula, no horário

destinado ao lazer e a brincadeira livre, com menor intervenção dos adultos – o

recreio, os espaços disponíveis são os localizados no piso térreo: pátio e

parque/área externa. Como no pátio também funciona o refeitório para alimentação,

com várias mesas e bancos, costuma-se jogar futebol na área externa que abriga o

parque, sobretudo, os alunos do quinto ano.

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Sobre o descontentamento em não poder subir à quadra nos recreios, a criança

C8, o garoto do quinto ano com deficiência física, ao ser entrevistado para esta

pesquisa apresentou uma proposta:

L1: Ah, o que você faria no parque?

C8: Faria uma quadra pequeninha...

L1: Ah, e cabe ali naquele espaço? Você acha que cabe?

C8: Aqui, sabe tem a entrada, aí quando você entra não tem um lugarzinho assim do lado?

L1: Tem, sei.

C8: Então, é ali da pra fazer...

L1: Ali dá pra fazer uma mini quadra?

C8: É. Aí do outro lado, lá no fundão assim, lá onde acaba o parque...

L1: Ah, então você faria umas obrazinhas lá no parque. Você já deu essa ideia para o diretor para quando ele tiver um dinheiro? Dá a ideia para o diretor! Tem grêmio nessa escola?

C8: Só às vezes.

L1: Então, monta um grêmio, dá a ideia para o diretor. Aí, você mudaria só o parque, faria isso? Por que você queria ter uma mini quadra lá em baixo?

C8: Para nóis quando tiver no recreio nóis jogar bola. Por que é ruim, né ficar jogando bola na areia suja tudo a roupa...

L1: É depois a mãe briga que sujou a roupa.

C8: Não é nem questão isso. É que rasga o tênis, rasga a calça...

L1: É verdade. Deixa eu te perguntar: quando está lá em baixo no recreio não pode subir lá na quadra, né? Eles não deixam?

C8: Não.

Para ele a solução ao problema de não acessar a quadra o quanto desejariam

seria a construção de uma nova quadra no piso térreo. Até mesmo as professoras

fazem inferências à relação de seus alunos com a quadra, as aulas de educação

física e o futebol. A professora do primeiro ano aqui identificada como P1,

argumentou que procura levar seus alunos à quadra em outras situações:

L1: ... Disseram até que gostariam que tivesse outra quadra, porque na hora do recreio eles não podem subir lá, não é?

P1: Não, não podem. Só no horário de educação física.

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L1: É o único momento que eles acessam a quadra mesmo? Tem outras atividades que são feitas lá na quadra além da educação física?

P1: ((...))Dia das crianças a gente sobe...

L1: Festas?

P1: Quando a quadra está desocupada eu subo com eles. Então tem alguns momentos que...

A professora P1 também demonstra concordar com o fato de que os alunos

da escola gostam muito de futebol, mas, segundo, ela a professora de educação

física desenvolve também outras atividades:

P1: É porque eles adoram jogar bola.

L1: É, eu percebi isso muito forte aqui.

P1: Eles amam jogar bola e, na educação física não é só jogar bola, tem outras

atividades.

L1: Tem outras atividades e o forte deles é o futebol. Eu percebi isso pela fala deles,

eles até mencionaram um campeonato.

P1: Pros quintos teve.

A professora do quinto ano, P2, justificou o interesse pela quadra e pelo futebol

com a participação da escola em campeonatos esportivos:

P2: São demais. Porque eles tem ido muito a campeonatos.

L1: É?

P2: E tem trazido assim os troféus. Aí eu não sei se por conta disso sabe, criou mais gosto ainda. Tanto de meninas, quanto de meninos. Só que os meninos ano passado ganharam, esse ano não, foram desclassificados cedo, não fizeram um trabalho de equipe, queriam se sobressair. As meninas não. Fizeram um trabalho melhor e trouxeram medalhas esse ano. Então, acho que por conta disso também, eles querem muito assim... Porque segundo a professora de... Ela fala não é só jogar. Tem que entender todo o procedimento, é um trabalho de equipe. Então é assim, eles escolhem os que se destacam em tudo, não só quem joga bola.

L1: Não só no esporte.

P2: Isso. E aí eu percebi assim, que por conta disso... Nossa! Eles estão assim entregues.

L1: Isso tem aumentado ainda mais o gosto...

P2: Tem, tem!

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É possível notar, até mesmo no depoimento dessa professora, um tom

positivo e de valorização da participação nos campeonatos mencionados e do

trabalho realizado com o esporte. Ao reforçar que as meninas trouxeram medalhas

esse ano porque fizeram um trabalho melhor, entendido como trabalho em equipe, a

professora do quinto ano referenda a presença do futebol no universo da escola e,

sobretudo, de seus alunos.

Contudo, cabe indagar, para além das alegações das professoras e até dos

depoimentos das próprias crianças, as origens da valorização do espaço da quadra

e do futebol como prática desse espaço. Para tal, é preciso analisar o contexto em

que as crianças e a escola estão inseridas. Retomando o item sobre a

caracterização do bairro, apresentado no segundo capítulo desta pesquisa, tem-se

informações importantes sobre o contexto social desses indivíduos. Um bairro

pequeno e desprovido de grandes comércios, equipamentos públicos, equipamentos

de lazer ou cultura. Não existem praças ou parques, unidade de saúde ou pronto

socorro. A presença do poder público é pouco percebida exceto por três elementos:

a escola, o prédio grande construído na entrada do bairro; o ponto final de uma linha

de ônibus, que vai em direção a uma estação de metrô e transporta os moradores

aos locais de trabalho; e grande parte das moradias do bairro, pequenos edifícios

construídos a partir de um programa habitacional denominado CDHU. O nome do

conjunto nomeia também a linha de ônibus, a escola e o próprio bairro.

Junto aos edifícios está a pequena quadra, único equipamento de lazer

construído no bairro. Com moradias pequenas, a rua e a quadra são espaços

comunitários de lazer: pessoas circulam, crianças brincam... Brincam e jogam

futebol. Até mesmo os adultos o fazem. Em dois dias de observação fora da escola,

na extensão da rua principal, foi possível perceber a intensa circulação na rua e a

grande movimentação na quadra. Portanto, ao ingressarem na escola, no início do

ensino fundamental, as crianças participantes da pesquisa, conforme também foi

destacado no segundo capítulo, em sua maioria moradoras desse bairro, já

possuem alguns anos de vivência nesse ambiente.

Bourdieu destaca que espaço social, entendido como as estruturas de posições,

exclusão e distinção da sociedade e espaço físico estão imbricados. O físico é a

tradução difusa do social e a posição ocupada no espaço social se apresenta no

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lugar ocupado no espaço físico (BOURDIEU, 2003). A escassez de recursos sejam

eles econômicos ou culturais, se reflete nas condições do bairro. O cruzamento de

baixo capital econômico e baixo capital cultural engendra a posição de exclusão dos

indivíduos nesse bairro e não se expressa apenas no aspecto do lugar, mas

também, e principalmente, no habitus constituidor desses mesmos indivíduos:

“Ou seja, sendo o produto de uma classe determinada de regularidades objetivas, o habitus tende a engendrar todas as condutas “razoáveis”, do “senso comum”, que são possíveis nos

limites dessas regularidades.” (BOURDIEU, 2009, p. 92).

As disposições que são criadas pelo habitus são duráveis e predispostas

a funcionar como estruturantes que geram e organizam práticas e criam

representações. Compondo uma homogeneização de grupo que foge à referência

consciente. Desse modo, uma comunidade pequena e pobre, em um dos extremos

da cidade de São Paulo tende a apresentar costumes e modos de vida parecidos

entre seus habitantes. Mesmos interesses e mesmas práticas, explicitando a

presença marcante da prática do futebol.

Cumpre enfatizar mais uma vez que a quadra do bairro foi construída junto

aos prédios e no mesmo período, dada como área de lazer. Essa construção pode

ser compreendida a partir da noção socialmente construída do futebol como parte

importante da cultura nacional, ou da cultura do brasileiro. Uma prática

esportiva/lazer acessível e difundida em todo o país, reforçada pelos veículos da

mídia nas propagandas, transmissões de jogos e campeonatos, programas de

televisão e rádio.

Toda essa conjectura exposta cria nos estudantes dessa escola pesquisada

uma forte tendência a gostar da quadra como espaço instituído para o futebol, isto,

pois,

... o habitus é uma capacidade infinita de engendrar em toda liberdade (controlada) produtos – pensamentos, percepções, expressões e ações – que sempre têm como limite as condições historicamente e socialmente situadas de sua

produção...” (BOURDIEU, 2009, p. 91)

Ademais, a quadra da escola é maior e melhor estruturada que a quadra do

bairro. E na quadra do bairro as crianças disputam o espaço das brincadeiras com

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os outros moradores: jovens, adultos, crianças mais velhas. Já a quadra da escola

parece ser um espaço mais exclusivo das crianças no período em que estão

estudando. Esse fator explica o incomodo em não poder acessá-la em todos os

momentos desejados e a necessidade apresentada por uma das crianças de que

mais uma quadra fosse construída organizando mais um espaço par jogar futebol.

Curiosamente, uma criança entre as que desenharam a quadra, expressou

uma atividade esportiva diferente da maioria e colocou em seu desenho outros

elementos.

Figura 37 – Desenho da quadra: crianças jogando basquete

Na figura 37 a quadra aparece representada por um jogo de basquete, nas

traves de futebol dão lugar a tabela e as cestas. Dois times jogam: um de meninas e

outro de meninos. O time feminino aparece lançando a bola para a cesta com uma

expressão feliz representada pelo formato da boca desenhada. Já o time masculino

está com a expressão oposta. Há uma figura feminina próxima ao centro do desenho

com um apito na boca, sinalizando o que pode ser o ato da professora de educação

física encerrando o jogo. Um desenho diferente dos demais, porém, ainda é a

quadra o lugar escolhido.

Todos esses aspectos ressaltam e reforçam a presença marcante da quadra no

imaginário das crianças. Um espaço emblemático dentro do prédio escolar. Ao

mesmo tempo imponente por estar construído no alto, cercado de regras e

limitações instituídas por esse motivo. Usado quando acessado para as aulas de

educação física e para as festas da escola, mas também usado e desejado pelo

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imaginário das crianças. Portanto, sempre lembrado, admirado. Dialeticamente

fechado e aberto. Fechado por estar dentro do prédio sendo totalmente coberto e

gradeado, e aberto por ser amplo espaço de movimento do corpo, onde se pode

correr, gritar comemorar.

De fato, a quadra apresentada na figura 32, vazia, não passa de um espaço de

concreto, ou como afirma Frago (1998), sequer existe, é apenas uma possibilidade.

E como tal se acha transformada em lugar: lugar da festa, lugar da brincadeira, lugar

do futebol, do campeonato. E território grupal das crianças onde elas se identificam

e se aproximam em relações espaciais que extrapolam o físico e integram seus

próprios corpos.

3.4 O parque, a brinquedoteca e o pátio: oposições entre os

espaços destinados a brincar.

Três ambientes distintos com um ponto de aproximação em comum: espaços

coletivos para brincar. A brinquedoteca, o parque e o pátio cumprem a função de

atuarem como espaços para as brincadeiras das crianças dentro da escola, sejam

elas direcionadas pelos adultos ou mais livres, como as que ocorrem no recreio.

Todavia, para além dessas funções expressas, ao se aproximar desses ambientes é

possível perceber outros modos de apropriação de crianças e adultos.

No tocante ao parque tem-se um ambiente aberto, amplo com brinquedos de

madeira que não ocupam toda a extensão do espaço e com um piso quase todo de

terra, com exceção de algumas partes em cimento mais próximas ao prédio e no

quiosque. Na figura 38 é possível observar essas características: os brinquedos em

madeira (casinha, ponte, escorregador, trepa-trepa, dois balanços feitos com pneus),

o quiosque e o chão de terra. Ao fundo um morro com pequenas árvores e

vegetação, encerrado por um alambrado no topo que circunda a horta.

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Figura 38 – Vista do parque

A utilização desse espaço se dá no horário do recreio, momento em que muitas

crianças jogam futebol nesse ambiente, uma vez que não podem acessar a quadra;

e também em momentos específicos para cada turma de acordo com um recurso da

rotina da escola chamado de linha do tempo. Esse recurso estabelece um quadro

semanal de horários para cada turma do primeiro ao quinto ano utilizar o parque

com o acompanhamento da professora. Nessa organização todas as turmas do

período utilizam o parque ao menos uma vez por semana.

Dentro do universo das predileções dos alunos o parque aparece logo depois da

quadra, foi lembrado nos desenhos e enfatizado nas falas das entrevistas. As

crianças do primeiro ano listam os brinquedos do parque e ressaltam gostar dele

porque é possível brincar tanto nos brinquedos disponíveis, quanto de outras

brincadeiras que envolvem correr, como pega-pega. As falas das crianças C3, C4,

C5 e C6, todas do primeiro ano, expostas a seguir reforçam essa ideia:

L1: No parquinho? O parquinho é o lugar favorito?

C3: É... E lá atrás.

C3: E no parque nóis fica brincando de pega-pega

L1: É

L1: Que mais tem aqui na escola?

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C4: Também tem roda-roda, daí senta no roda-roda.

L1: É. Que legal. Qual o lugar da escola que você MAIS gosta entre todos, todos, todos?

C6: O pátio.

L1: O pátio, por que hein? O que tem lá de tão bom? O que você faz...

C6: Não é o parque.

Na figura 39, uma criança do primeiro ano faz uma representação do

parque com muitas cores, árvores frutíferas e flores, céu azul, grama e sol numa

grande valorização desse ambiente. Uma curiosidade interessante do desenho é

que é possível notar que outro desenho foi feito na folha e apagado, no entanto seus

traços ainda podem ser vistos no papel. Nas linhas apagadas há um tracejado do

que parece ser a quadra com a linha central e as traves do gol. Ao final a criança

acabou optando pelo parque. Reforçando que esses dois lugares da escola com

seus elementos são os preferidos e os mais lembrados por eles.

Figura 39 – Desenho do parque

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Em outro desenho do parque (Figura 40) os brinquedos: balanço, trepa-trepa

e escorregador aparecem grandes ocupando toda a extensão do papel. No desenho

não há presença de outros elementos desse espaço físico.

Figura 40 – Brinquedos do parque

Os alunos do quinto ano dão ênfase ao parque e muitos declaram ser o segundo

espaço favorito dentro da escola. Tal como na relação com a quadra, no quinto ano

aparecem, mais uma vez, apontamentos de aspectos que para eles poderiam

melhorar o ambiente. A criança C7, ao ser perguntado se mudaria algum lugar na

escola, respondeu:

L1: Se você pudesse, tivesse poder assim de mudar algum lugar da escola, fazer diferente, você mudaria alguma coisa? O quê?

C7: O parque.

L1: Ah é? Você faria o que no parque de diferente?

C7: Colocar muitas coisas... Ia colocar...

L1: Hum, dá uma exemplo aí...

C7: Ia colocar um balanço mais grande.

L1: Ah, por que só tem balanço pequenininho?

C7: E o escorregador mais grande também, para escorregar mais.

L1: É.

C7: Ia mudar também...

L1: Quem que usa o parque? Sua sala vai no parque?

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C7: Sexta-feira.

A questão colocada está no tamanho dos brinquedos, que segundo essa

criança não se adequa ao tamanho deles, com brinquedos maiores poderiam brincar

mais. A criança C9 enfatiza que gosta de utilizar o balanço e as crianças C10 e C11

afirmam que melhorariam a escola construindo, no parque, um campo gramado e

uma piscina:

C9: Aí no parque só tem (...) lugar para se balançar.

L1: Você gosta do balanço?

C9: É.

L1: É. Ah, e o parque você gosta também?

C9: Gosto.

L1: E além da quadra vocês gostam de mais alguma coisa aqui? Do quê?

C11: Do parque, do pátio.

C10: Da mesa de pingue-pongue que tem lá no pátio.

C11: Eu ia por uma piscina na escola.

C10: Colocar um campo de...

L1: E um campo de grama? E onde ia caber tudo isso?

C10: Lá no parque.

L1: E onde ia ficar a piscina? Ia construir a piscina onde?

C11: Tem a horta lá em cimão. Então, nóis diminui a horta.

Acerca dos depoimentos dos alunos, a professora do primeiro ano intervém

apontando que estes valorizam muito a brincadeira e que a escola é um lugar de

diversão, para ela: “eles se cansam muito rápido de ficar dentro da sala, então,

esses ambientes (externos) são totalmente, muito importantes, fazem muita

diferença”. E acrescenta que: “a característica dos nossos alunos é gostar muito da

escola como se só tivesse ela de diversão”. (Professora P1). Já a professora do

quinto ano endossa a ideia de seus alunos ao pontuar que o parque só não é mais

prestigiado por eles porque os brinquedos ofertados já não estão de acordo com o

tamanho ou idade deles. Essa perspectiva da professora está no trecho da

transcrição abaixo:

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L1: Quadra disparado e o parque vem em segundo lugar.

P2: O parque só não é mais sabe por quê? Os brinquedos para eles que já estão no quinto ano... Assim, eles curtem só o fato deles irem lá, porque eles fazem brincadeiras também. Fazem campinho, correm daqui e dali. Mas, pelos brinquedos ainda serem mais infantis... Se fossem oferecidas mais coisas talvez...

L1: Eles gostariam mais...

P2: É, porque aí tem os balanços: e aí não vai balançar? Eles ficam resistindo, porque não quer ser a criança...

L1: Que vai balançar...

P2: Isso!

L1: A vergonha não deixa!

P2: Tem hora que eles resistem um pouco.

L1: Mas, você sabe que, um menino seu disse o seguinte para mim, que ele tinha uma crítica ao parque. Eu falei “o quê?” Ele falou: “Eu gostaria que os brinquedos fossem maiores e tivesse balanço de menino grande”.

P2: É isso que eles pensam, sim.

P2: Quando a gente tem o nosso... Eles falam linha do parque, então, cada professor tem um horário de parque. Como eles são quinto ano, a gente vai menos vezes. Ai eles, tipo assim, eles fazem um campinho ali na frente. E realmente é terra, no dia que chove...

L1: É lama.

P2: É lama e não dá pra ir e eles ficam bem tristes... E a questão do brinquedo maior, você falando assim, eu observo que quem brinca exatamente nos balanços, escorrega assim são aqueles mais infantis. Naquela fase bem infantil mesmo. Porque a gente tem uns naquela transição de pré-adolescente e tem aqueles ainda mais infantis. E a gente percebe que esses se entregam.

L1: Se entregam e balançam e brincam sem...

P2: Agora pros maiores...

L1: Ficam mais receosos.

P2: É. Mais resistentes. Eu falo vão lá aproveitar e eles ficam com o foninho “não professora”. E ao mesmo tempo tem horas que eu pego aí estão lá balançando.

Apesar das limitações no parque, ele ainda é um espaço de prestígio entre

as crianças. Um lugar ocupado, segundo Viñao Frago, pelas brincadeiras e

interação e com extensões grandiosas se comparado ao tamanho das moradias dos

alunos. Como grande parte reside em apartamentos pequenos ou casas que

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também possuem dimensões modestas e quase nenhum espaço aberto como

quintais, por exemplo, o parque é, junto com a rua, os maiores espaços ao ar livre

que eles podem acessar para brincar e o único espaço que possui brinquedos.

Brinquedos esses que são valorizados pelos alunos, como nos desenhos a seguir

das Figuras 41 e 42.

Figuras 41 e 42 – Desenhos do parque

Ainda sobre o parque a professora do quinto ano pontuou outros aspectos na

entrevista:

P2: Mas, com certeza esse ano eles tiveram um problema com o horário deles lá do parque, não poder fazer por causa da chuva. Aí eu lamento esse dia que eles não podem ir. Até eu lamento! (risos da professora)É porque para eles é um premio esse

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dia chegar para ir entendeu? A gente faz esse combinado. Faz parte do brincar, é dez, eu também no dia que eles estão lá não se preocupe que eu não vou privar nenhum. Aliás, eles têm uma aula de projeto com a P. que não é parque, eles sabem bem disso. Mas, o dia que ela falta eu aproveito essa aula também e levo, entendeu? Mas, para eles... A gente tem esse combinado, lá vocês podem ficar à vontade. Qualquer professor que tem o dia do parque deles respeita muito, porque para eles...

L1: É um momento de liberdade?

P2: Sim. Eu fico pensando, a gente é adulto, Deus, quando tem cinco aulas na sequência fica aquela coisa meio maçante. É cansativo, não produz tanto quanto, entendeu?

L1: É. De ficar sentado...

P2: Então, tem que dar uma descontraída, de sair e dar uma arejada. Eu acho que isso os desenvolve bastante. E lá é bom porque a gente os observa brincando, essa coisa dos combinados deles. Aí você quer ver se um se sobressai em relação ao outro, ou você entra para conversar. Uns que têm sérios problemas em sala de aula de extremo ou muito calado ou muito assim, você sugere uma brincadeira que poderia estar junto. Funcionam coisas que eles podem se desenvolver.

Nesses trechos fica notória a ideia de que a professora, por razões que

podem ser diversas, valoriza também a ida dos alunos ao parque. Para as crianças

um momento para brincar, e para ela uma oportunidade de modificar a dinâmica

estabelecida na sala de aula.

Aproximando-se dos outros ambientes da escola destinados às brincadeiras

das crianças, existe a brinquedoteca. Uma sala de aula ociosa adaptada pelos

professores para funcionar como brinquedoteca. As carteiras da sala estão

dispostas ao redor do espaço junto às paredes e abrigam os brinquedos que estão

separados por categorias: ursos de pelúcia, bonecas, carrinhos, e acomodados em

caixas ou caixotes. Alguns brinquedos maiores como geladeira de plástico e carrinho

de bonecas estão no chão.

Figura 43 – Detalhe da brinquedoteca

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Nenhuma criança desenhou a brinquedoteca. A ausência nos desenhos em si

já constitui um fator intrigante. Se os alunos dessa escola valorizam tanto os

ambientes em que podem brincar como a quadra e o parque, porque se

esqueceriam da brinquedoteca? Ao longo das entrevistas as crianças do primeiro

ano não lembraram nem mencionaram a brinquedoteca quando questionadas sobre

ou lugares que gostam, ou não; sobre os ambientes que conhecem na escola, sobre

os lugares em que consideram que ficam mais juntos. A brinquedoteca não

apareceu em nenhum de seus depoimentos. A professora deles demonstrou certo

espanto ao saber da ausência: eles não falaram da brinquedoteca. (Trecho extraído

da transcrição da entrevista com a professora P1). E na sequência da entrevista

essa professora explicou o funcionamento da brinquedoteca da escola:

L1: E como funciona o uso da brinquedoteca aqui? Você tem uma coisa, um horário

programado?

P1: Faz parte da linha do tempo. As crianças vão para a brinquedoteca duas vezes

na semana, sendo que na segunda eles ficam duas aulas, mas a gente percebe que

eles se agitam mais, aí perde o foco. E o ano que vem a gente vai mudar isso, mas

oferecer todos os dias.

L1: Vocês vão oferecer todos os dias um pouco?

P1: Porque a brinquedoteca, se você reparou, ela fica bem pertinho da nossa sala.

Quando a professora afirma que ficando mais tempo na brinquedoteca as

crianças perdem o foco e ficam agitados pode-se inferir que na expectativa das

professoras os alunos devem brincar nesse espaço fazendo uso dos brinquedos

disponíveis, de maneira calma. As crianças do quinto ano foram questionadas a

respeito desse espaço, e a criança C7 respondeu:

L1: Dia de sexta-feira é o dia de vocês irem no parque? E na brinquedoteca vocês

vão?

C7: Só quando eu era do quarto ano.

L1: Ah é, no quinto ano não vai mais. Mas, você gostaria de ir ou não? Não? Por quê?

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C7: Porque eu não brinco mais.

L1: Você não brinca mais? Você acabou de falar que gosta de ficar no pátio para brincar!

C7: De boneco, porque lá é de boneco.

L1: Ah, lá na brinquedoteca é com brinquedo. Você não brinca mais com brinquedo? Com nenhum brinquedo? Nem na tua casa?

C7: Só jogo bola.

A própria rotina da escola, ou linha do tempo segundo a professora, criou uma

separação no uso do ambiente, determinando que somente alunos até o quarto ano

possam brincar nesse espaço. Na entrevista, C7 reforça essa perspectiva ao dizer

que não brinca mais com boneco. As crianças C10 e C11 também compactuam da

mesma ideia a respeito da não presença do quinto ano na brinquedoteca e trazem

indícios que podem explicar o desinteresse pelo ambiente, mesmo daqueles que o

utilizam duas vezes por semana:

L1: Vocês gostam de brincar, né?

C11: Ah e a gente não gosta da biblioteca.

L1: Onde fica a biblioteca?

C11: Lá em cima no terceiro andar.

L1: Por que não?

C11: Muito brinquedo.

L1: Ah é brinquedoteca.

C11: É.

L1: Mas, vocês não são crianças?

C10: Somos, mas, a gente não brinca mais de carrinho, boneca.

C11: Só os pequenininhos.

L1: E do parque vocês gostam? E por quê? Qual é a diferença?

C11: Porque no parque nóis pode correr, pode brincar de pega-pega. A gente brinca

de futebol lá em baixo também. Lá tem balanço. E lá tem casinha.

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A definição da diferença entre a brincadeira do parque, prestigiada por eles, e

a brincadeira da brinquedoteca, desprestigiada, atrelada ao depoimento da

professora do primeiro ano preocupada com a perda de foco na brinquedoteca

permitem afirmar que esse espaço não é lembrado pelos alunos por se tratar de um

ambiente onde somente são autorizadas brincadeiras controladas. Não pode correr,

não pode fazer pega-pega. Apenas é permitido pegar um brinquedo e brincar em um

lugar bastante semelhante à sala de aula: cercado de paredes, com janelas e uma

porta; as mesmas carteiras, as mesmas cores. Além disso, eles já são maiores,

quase adolescentes, e carrinhos e bonecas não são mais adequados à idade e nível

de escolarização deles. Verifica-se, nestas manifestações que os alunos se colocam

em outro lugar no espaço social da escola: a brinquedoteca é um bem e um serviço

mais adequado aos pequenos; eles já se situam em outro lugar no espaço social da

escola (BOURDIEU, 1997).

Por esses motivos, a brinquedoteca se distancia muito do parque e da

quadra, não é um espaço apropriado pelos alunos, aliás, muito mais apropriado

pelas professoras: que pensaram a organização do ambiente juntaram os

brinquedos e determinaram as maneiras de utilização. Surpreendentemente a

brinquedoteca da escola é um lugar mais das professoras do que dos alunos.

Quanto ao pátio, à identidade como espaço para brincar é permeada por

nuances e ambiguidades. Isto porque o pátio tem dupla função, atuando como

refeitório da escola. Parte do ambiente está ocupada com as mesas e cadeiras para

as refeições das crianças, o restante do espaço que fica vazio, é utilizado no recreio

para brincar.

Figura 44 – Vista do fundo do pátio

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No tocante às preferências das crianças, o pátio é lembrado depois da quadra e

do parque. Os que o mencionam sempre apontam que nos horários de recreio uma

mesa de pingue-pongue é montada nesse espaço. As crianças C10 e C11, além da

mesa de pingue-pongue enfatizaram a comida servida, considerada muito boa por

eles. Entre os entrevistados, apenas o aluno C8 fez uma crítica ao pátio porque,

segundo ele, as mesas para refeição não acomodam bem sua cadeira de rodas e

ele se sente desconfortável para se alimentar. A respeito das refeições a professora

P1 informou:

L1: E o momento da refeição como funciona? Eles comem sozinhos ou

acompanhados por vocês?

P1: Tem o projeto né, “Na mesma mesa2”. A gente desce uns quinze minutos antes

do nosso com eles que é o tempo que tem para ficar junto ver quem come e quem

não come e fazer as correções, porque depois a gente vai pro no nosso lanche.

De acordo com o exposto pela professora, as crianças possuem um tempo maior

de recreio com um momento exclusivo para a alimentação e acompanhado pelas

professoras e depois o momento para brincar no pátio e no parque.

3.5 Elevador e horta: ambiguidade entre distinção e distanciamento

nos ambientes da escola.

Figura 45 – Parte interna do elevador

2 Referência ao Programa da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo “Na mesma Mesa” instituído em

julho de 2015 com o objetivo de intensificar práticas de alimentação saudável.

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Um elevador. Para muitas pessoas algo considerado banal, um mecanismo que

facilita o deslocamento entre os andares de um edifício. O que poderia ser notório

nesse equipamento? É possível que um elevador seja considerado como um dos

lugares dentro da escola?

A resposta é afirmativa, para as duas questões. O elevador é notório e lembrado

pelos alunos em oposição a outros espaços que existem, entretanto não são

considerados. A menina do primeiro ano, C2, ao ser questionada se já havia estado

em todos os lugares da escola responde: “sim, eu já fui no elevador com a

professora”. O destaque para o elevador é dado com o olhar encantado. Muitas

crianças contam quantas vezes utilizaram o elevador, porque o uso é restrito aos

alunos com cadeiras de rodas. Os demais acessam apenas em situações

esporádicas. A professora do quinto ano na entrevista explicou o fascínio dos

alunos pelo elevador

P2: Eles não têm... O condomínio que a gente tem aqui, o que eu moro, por

exemplo, tem. Os que eles moram não têm. Esse menorzinho aqui, da COHAB...

Não sei como é que chama, mas ele não tem elevador.

L1: Deve ser CDHU... Não tem elevador.

P2: É. O que eu moro já é CDHU também. Só que o meu tem, porque é para os funcionários públicos. E o deles não tem, então, para eles... A gente até conversou com a menina que ajuda o G. para tá vendo isso. Porque a briga para ir ao elevador é assim, todos de uma vez.

L1: É, o elevador causa esse fascínio neles, né?

P2: Então, justamente. Eles pensam que aquilo ali é um brinquedo.

L1: É um parque de diversão.

P2: É mais um brinquedo, claro, mais atraente dos que os que estão lá no parque de diversão.

L1: Como se fosse um brinquedo eletrônico.

P2: Cada um por dia... Embora a gente queira dar um pouco de autonomia para o G. porque ele é muito preguiçoso. O G. tem um problema...

O aluno mencionado pela professora é o C8, que usa o elevador

cotidianamente em função da sua limitação física. E conforme o depoimento dela, os

demais disputam a possibilidade de acompanhá-lo. Ela também afirma que esse

interesse extremo pelo elevador se deve ao fato de que os prédios em que os alunos

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moram não possuem esse recurso, apenas os prédios construídos para funcionários

públicos. Ambos são conjuntos habitacionais construídos pelo poder público,

todavia, o conjunto de prédios destinados aos funcionários públicos tem arquitetura

diferente do outro conjunto destinado à população do bairro. O conjunto dos

funcionários públicos é mais alto, localizado ao final da rua, com portões e muro. O

outro conjunto é de prédios mais baixos, mais largos construídos um ao lado do

outro na extensão de um dos lados da rua, com acesso mais aberto e pintura mais

desgastada, com aspecto de menor cuidado.

Qualquer pessoa, ao olhar para os dois conjuntos de edifícios, consegue

inferir sobre onde residem os mais pobres. Mais uma vez voltando-se para a teoria

de Bourdieu, tem-se uma pequena expressão do espaço social na observação dos

prédios. Apesar de o bairro ser tão pequeno, existem elementos de distinção e

diferença dentro dele: a localização ao fundo, as diferenças estéticas deixam

evidente que naquele determinado lugar residem pessoas diferentes das demais.

Um dos pontos dessa distinção é a presença/ausência do elevador. Justificada

inicialmente pela diferença de altura dos prédios, já que o CDHU dos funcionários

públicos tem mais andares que o outro. Contudo, uma análise mais detida indica que

a construção mais baixa e sem elevadores é de custo mais barato e simples, e

geralmente é esse tipo de construção que é ofertada nos programas habitacionais

mais comuns. O outro conjunto é de um programa habitacional diferente e para um

público específico: servidores do Estado de São Paulo. Pessoas que, dependendo

dos cargos, podem ocupar posições mais elevadas no espaço social.

Para essas crianças, filhas de pais trabalhadores e que sobem escadas

diariamente para chegar aos seus apartamentos, deparar-se com um elevador na

escola é a oportunidade de acessar um objeto ao qual eles normalmente não têm

acesso. Ironicamente, novamente o acesso é negado ou restringido. Na perspectiva

das professoras os alunos querem fazer do elevador “um parque” e isso não é

considerado adequado. Certamente as preocupações envolvem o medo de eles

quebrarem o elevador ou se acidentarem ao utilizá-lo. A proibição aumenta ainda

mais o interesse das crianças, que como em suas casas, sobem e descem escadas

na escola.

Se o elevador foi classificado como elemento de distinção dentro do espaço

escolar, a horta pode integrar a categoria do distanciamento. Os alunos pouco

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sabem, poucos conhecem e poucos foram a esse ambiente. Sabe-se que existe

uma horta, mas, muitos não sabem para que ela serve ou como funciona. Lembram-

se dela como um ambiente destinado aos alunos mais velhos e que não lhes

pertence. Haja vista que a aluna C11 propôs até diminuir o espaço da horta para que

fosse construída uma piscina.

Figura 46 – Vegetais da horta

As perguntas na entrevista: você conhece a horta? Já foi até lá? Geraram muitas

respostas, a maioria deles votada ao desconhecimento, como se pode perceber nos

trechos da entrevista transcritos a seguir:

C3: Eu só não fui na horta.

L1: Você nunca foi na horta?

C3: Não!

L1: E o que tem subindo aquela escada lá perto do parque, que sobe até lá no alto?

Tem o que lá em cima?

C5: É... a horta.

L1: É a horta! Como que é uma horta, me conta D. Ah, você é uma menina esperta acho que você sabe hein?

C5: Não sei.

L1: Não sabe? Tem o que lá em cima? Tem um monte de coisinha verde plantada?

C5: Eu não fui...

L1: Você nunca foi?

C5: Lá em cima não...

L1: Deixa eu te perguntar, e a horta você já foi? Nunca foi?

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C7: Eu já subi lá pra ver.

L1: Quem plantou os vegetais que tem lá?

C7: Os que é da horta, os que faz a horta.

L1: Ah, só os alunos que é do projeto da horta?

C7: E a professora de horta.

L1: Ah... Mas você... Sua sala não participa não?

C7: Tem gente que ia participar, mas, não participa mais.

L1: Não participa mais?

C7: Tinha também passeio de lá para ir até o lugar que tem planta, (...) vegetais.

Nenhum dos alunos do primeiro e quinto anos participam do projeto da horta

da escola. Sendo assim esse espaço possui poucos significados positivos para eles.

Uma criança evidenciou a horta diretamente em seu desenho. Apresentando a folha

dividida em quatro partes o aluno do quinto ano compôs seu desenho com o parque,

escola inteira, horta e quadra. Cada espaço foi representado em cada uma das

divisões no papel. No desenho da horta aparece a caixa d’ água da escola e os

canteiros dos vegetais (Figura 47).

Sobre o projeto da horta as professoras defendem que solicitam para que a

organização do projeto seja revista e os alunos menores possam participar. O

projeto horta da escola ocorre no período estendido do turno da manhã e é ofertado

aos alunos do sexto ao nono anos interessados em participar. A atividade é opcional

e ocorre duas vezes por semana das 12h às 13h30. A responsável pelo projeto é a

professora de inglês do turno da manhã. Na estrutura da Secretaria Municipal de

Educação os professores possuem a possibilidade de desenvolverem projetos fora

do turno dos alunos recebendo uma remuneração a mais para o trabalho e uma

pontuação, desde que o projeto atenda as exigências estabelecidas. No caso de

escolas que participam do Programa Federal Mais Educação recebe-se uma verba

específica para custear esses projetos que expandem o turno de aula dos alunos e

normalmente são voltados para temas culturais, esportivos, meio ambiente ou

reforço escolar de português e matemática.

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Figura 47 – Desenho em que aparece a horta

Os depoimentos das professoras sobre a horta da escola e o fato dos alunos

não fazerem parte das atividades:

L1: Eles têm um momento na horta?

P1: Tem um projeto para os maiores, mas isso ano que vem já vai mudar também,

vai ser oferecido porque eles gostam.

L1: Eu percebo que alguns falam, sabem que existe, mas eles não conhecem?

P1: Não, eles não conhecem. Só foi oferecido pros maiores.

L1: Como um projeto?

P1: Sim, mas o ano que vem a gente pretende mudar isso.

P2: Então, porque assim, como que funciona o projeto horta aqui na escola, é até um questionamento que a gente colocou na avaliação, que o mesmo número de vagas que são oferecidas no nível dois, fosse oferecida pro nível um. Porque assim, segundo o que eles explicaram que esses projetos que vem do Federal né?

L1: Do Programa Mais Educação3?

3 Programa Mais Educação-instituído pela Portaria interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto

7.083/10 e que atua como estratégia do Ministério da Educação na ampliação da jornada escolar e organização curricular na perspectiva da Educação Integral.

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P2: Sim, seria a prioridade para essa criançada que é do sexto ano, até está dentro do horário deles, porque eles chagam meio dia. Não que eles não contemplem o nível um, mas fica menos vaga, mais limitado. E tem outro agravante...

L1: Por que a horta é no horário do meio dia?

P2: Eles vêm um pouquinho antes e aproveitam essa quantidade de vagas. Porque é só uma professora.

L1: Ah... Então é muito limitado?

P2: É então, ela tem esse grupo que é prioridade e sede algumas vagas para o nível um. Então, não é que eles não sejam atendidos, mas, não na quantidade que eles gostariam. E tem outra questão também que a gente colocou muita criança ali faz parte do reforço. Então, não dá pra contemplar o mesmo horário vários projetos pros mesmos alunos. Então assim, um pouco tá no projeto artes, um pouco tá no projeto.

Conforme as explicações, a oferta do projeto é limitada aos mais velhos e,

portanto, o acesso ao espaço torna-se limitado porque a horta é cultivada sobre um

barranco ao fundo do parque cujo acesso é feito através de uma escada e não é

permitido subir sem autorização. Essas condições somadas fazem da horta da

escola um lugar inacessível, diferente do elevador que é por eles desejado; a horta

não é sequer conhecida.

Analisando-se essas informações sobre a horta na escola é possível

identificar o que Bourdieu (1997) conceitua como efeitos de lugar, pois é nítida a

localização desses alunos abaixo dos “da manhã”. A horta não é para eles, eles

ocupam uma posição na escola que não lhes permite, nesse momento, acessar

esse bem (horta) e os serviços (trabalhar nela). Existe uma distribuição de bens e

serviços internamente a serem utilizados pelos alunos segundo certos critérios que

espelham hierarquização. Como se vê, pelas informações, também, a localização

social desses alunos pode ser temporária, se houver alteração nas regras de uso da

horta.

3.6. Os dados da escala de preferências

Completando as informações sobre tais preferências estão os dados relativos

às respostas dadas às questões dos questionários com escala sobre os espaços

que mais gostam e os que consideram mais importantes.

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As escalas de preferências apontam tendências nas opiniões dos

participantes da pesquisa. Estão apresentadas com números absolutos, ou seja, dos

participantes da pesquisa dez sujeitos responderam à escala, sendo quatro

professores e seis alunos, três do primeiro ano e três do terceiro ano. Entre as

professoras duas lecionam no primeiro ano e duas lecionam no quinto ano.

3.6.1 Questionário com escala de preferências quanto aos espaços que gostam na

escola

A Tabela 1 apresenta as respostas de tendências de preferências de alunos e

professores quanto aos espaços de que gostam

A escala possibilita o recurso visual das tendências. Na Tabela 1, sobre os

espaços que gosto na escola, há uma concentração grande de respostas no lado

esquerdo da tabela nas primeiras afirmações, o que caracteriza que os sujeitos

gostam muito desses espaços da escola. Ao final da tabela as respostas ficam mais

difusas indicando algumas discordâncias sobre o gosto aos espaços ali indicados. O

gosto maior ou menor sinalizado na escola se aproxima das preferências abordadas

nas entrevistas e nos desenhos reafirmando esses outros instrumentos como será

observado a seguir.

Analisando-se por agrupamento de sujeitos verifica-se, nessa tabela, que a

maior concordância ocorre entre os alunos do 1º ano. Houve apenas uma

concordância parcial ( sala de leitura), uma discordância parcial (relativa ao corredor)

e uma discordância total relativa ao banheiro. Esses alunos realmente “gostam da

escola”, pois o total soma 54 respostas. É a maior tendência de concordância,

porém algumas crianças deixaram de responder sobre alguns espaços: sala de

SAAI, banheiro, área externa, corredor e sala de vídeo, elevador.

No segmento dos alunos mais velhos existe maior distribuição das

preferências. Na concordância plena houve um total de 32 manifestações, sendo

que apenas a sala de aula, a sala de professores e o estacionamento deixaram de

receber respostas nessa categoria. Já na categoria de concordância parcial houve

13 escolhas, na discordância parcial houve quatro escolhas e na discordância total

17 alunos se manifestaram: não gostam da cozinha, da sala de SAAI, refeitório,

brinquedoteca.

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No grupo dos professores também há dispersão de opção: maior frequência

ocorre na categoria de concordância parcial sendo que na categoria de

concordância total há bom esvaziamento, nenhum professor gosta da “sala de aula”

de modo pleno, mas todos, na categoria parcial, gostam da área externa e da sala

de vídeo. Os espaços que os professores menos gostam são o elevador e o

estacionamento.

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Tabela 1. Contém os resultados agregados de todas as questões sobre os espaços que mais gostam

Questões

Concordo plenamente Concordo parcialmente Discordo parcialmente Discordo totalmente

Professor Aluno

Aluno

5° Professor

Aluno

Aluno

5° Professor

Aluno

Aluno

5° Professor

Aluno

Aluno

O pátio é o lugar que mais gosto na escola 2 3 1 2 1 1

A sala de aula é o lugar que mais gosto na escola 3 4 3

A sala de leitura é o lugar que mais gosto na escola 1 2 1 2 1 2 1

O parque é o lugar que mais gosto na escola 1 3 2 3 1

A horta é o lugar que mais gosto na escola

1 3 2 3 1

A quadra é o lugar que mais gosto na escola 2 3 3 2

A sala de informática é o lugar que mais gosto na

escola 2 3 3 2

A sala da SAAI é o lugar que mais gosto na escola 2 1 4 1 2

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104

A sala dos professores é o lugar que mais gosto na

escola 1 3 3 2 1

O refeitório é o lugar que mais gosto na escola 2 3 1 2 2

A secretaria é o lugar que mais gosto na escola 3 2 1 2 1 1

A sala da coordenação é o lugar que mais gosto na

escola

2 2 1 2 1 1 1

A sala da diretoria é o lugar que mais gosto na

escola 3 1 4 1 1

A cozinha é o lugar que mais gosto na escola 3 1 3 1 2

O estacionamento é o lugar que mais gosto na

escola 3 1 1 1 3 1

O banheiro é o lugar que mais gosto na escola 2 1 2 2 1 2

A área externa é o lugar que mais gosto na escola 2 2 4 1

A sala de vídeo é o lugar que mais gosto na escola 1 3 4

O corredor é o lugar que mais gosto na escola

1 3 3 1 1

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105

O elevador é o lugar que mais gosto na escola 2 3 4

A sala da rádio é o lugar que mais gosto na escola 1 2 3 2 1

A brinquedoteca é o lugar que mais gosto na escola 1 2 1 2 1 2

Fonte: Elaboração da autora a partir da análise das respostas aos questionários

3.6.2 Espaços que considero importantes

Tabela 2. Contém as manifestações de professores e alunos sobre a importância dos espaços

Questões

Concordo plenamente Concordo parcialmente Discordo parcialmente Discordo totalmente

Professor Aluno

Aluno

5° Professor

Aluno

Aluno

5° Professor

Aluno

Aluno

5° Professor

Aluno

Aluno

O pátio é o lugar mais importante na escola 2 2 1 2 1 1

A sala de aula é o lugar mais importante na escola 2 2 3 2

A sala de leitura é o lugar que mais importante na escola 1 1 3 3 1

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106

O parque é o lugar mais importante na escola 2 2 2 2 1

A horta é o lugar mais importante na escola 2 3 4

A quadra é o lugar mais importante na escola 2 2 3 2

A sala de informática é o lugar mais importante na escola 1 2 3 3

A sala da SAAI é o lugar mais importante na escola 1 2 1 3 1 1

A sala dos professores é o lugar mais importante na escola 1 2 3 2 1

O refeitório é o lugar mais importante na escola

2 2 3 2

A secretaria é o lugar mais importante na escola 1 3 3 1 1

A sala da coordenação é o lugar mais importante na

escola 2 3 2 2

A sala da diretoria é o lugar mais importante na escola 2 3 2 2

A cozinha é o lugar mais importante na escola 2 3 2 2

O estacionamento é o lugar mais importante na escola 1 2 2 2 1 1

O banheiro é o lugar mais importante na escola 1 1 3 3 1

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107

A área externa é o lugar mais importante na escola

2 2 4 1

A sala de vídeo é o lugar mais importante na escola 2 2 4 1

O corredor é o lugar mais importante na escola 2 3 4

O elevador é o lugar mais importante na escola 1 1 3 2 1 1

A sala da rádio é o lugar mais importante na escola 1 3 3 1 1

A brinquedoteca é o lugar mais importante na escola 2 2 3 1 1

Fonte: Elaboração da autora a partir da análise das respostas aos questionários

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108

.

Já na Tabela sobre os espaços considerados importantes a

concentração à esquerda se mantém do começo ao fim, indicando que, para

esses sujeitos a escola de maneira geral possui ambientes importantes em seu

edifício.

Na Tabela 2, verifica-se, pela análise, que o grupo dos professores já

manifestou maior concordância plena em várias questões, assim como o grupo

dos alunos, tanto os do 1º quanto os do 5º ano. Porém, a maior incidência de

respostas dos professores ainda está na categoria de concordância parcial

incluindo total de respostas para horta, área externa, sala de vídeo e corredor,

pois foram verificadas respostas por unanimidade deles sobre esses espaços.

Verifica-se, nesse grupo, também, boa discordância quanto à importância da

sala dos professores, secretaria, sala de coordenação, da diretoria, cozinha e

estacionamento.

No grupo dos alunos de 5º ano, a mais frequente opção foi na categoria

de concordância plena em quase todos os espaços com pequena tendência à

negação de importância de espaços da escola como parque, sala de SAAI,

banheiro, estacionamento, sala da rádio, elevador, brinquedoteca, coincidindo

com muitas das respostas sobre lugares preferidos.

Sala da SAAI, sala da rádio e elevador também foram escolhidos como

pouco importantes pelos alunos do 1º ano.

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4. Usos considerados corretos e cuidados com os ambientes.

Neste capítulo continua a apresentação da análise dos dados obtidos na

pesquisa organizados em eixos, os quais foram extraídos das respostas dos

sujeitos nas entrevistas, relacionados com os desenhos produzidos pelas

crianças participantes e abordados à luz do aporte teórico. O eixo destacado

neste capítulo trata dos usos considerados corretos e o cuidado com os

ambientes da escola. Procura atender algumas marcas que os ambientes

escolares produziram em professores e alunos, um dos objetivos do estudo.

4.1 As salas de aula: exigências de controle no espaço

Salas de aula normalmente são os recursos mais comuns dos espaços

escolares. Pode haver vários tipos de construções, muitos ambientes

diferentes, quase sempre a sala de aula está presente. É o espaço para que

alunos aprendam e professores ensinem. Viñao Frago (1998) indica que a sala

de aula atua como a fronteira entre o que está dentro e o que está fora do

espaço escolar. Tradicionalmente composta por linhas retas, compartimentos

retangulares, fechados ao exterior, com uma única saída e janelas

envidraçadas. As salas da escola pesquisada não fogem a essa

caracterização. Existem alguns ornamentos que podem ser considerados

diversos, porém, não modificam a estrutura principal: objetos colados sobre as

mesmas paredes em formato retangular, cortinas sobre as janelas

envidraçadas, livros ou armários dentro do mesmo espaço fechado e separado

do exterior. Não faltam a lousa e as carteiras de madeira individuais, nas

turmas do primeiro ano essas carteiras são menores e dispostas em formatos

grupais. Nas demais salas de aula da escola, as carteiras estão enfileiradas

individualmente. A figura 48, apresentada na sequência, ilustra o perfil da

estrutura física da maioria das salas de aula da escola. É possível ver a

estrutura retangular em alvenaria, o mobiliário limitado ao conjunto de carteiras

para alunos, um armário, uma mesa para professor e as cortinas. Ao fundo os

livros didáticos empilhados.

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Figura 48 – Sala de aula

Entendida como núcleo da atividade pedagógica, a sala de aula revela

muito do que se pretende ensinar e do que se aprende em uma instituição. Não

apenas pelo que está escrito na lousa ou nos cadernos e livros, mas, também

pelo modo como esse espaço fechado é composto e disposto fisicamente. Ao

que alguns teóricos chamam de currículo oculto ou tácito, na definição também

de Apple (1983), via pela qual são ensinados valores da manutenção da ordem

social e econômica. Bourdieu (2004) define que a escola é uma instituição

organizada com o intuito de transmitir, seja explicita ou implicitamente, formas

de pensamento. A liturgia composta pela atuação do professor, o que está na

lousa e o modo com se encontram os elementos físicos, tudo integra os

conteúdos a serem transmitidos definindo os itinerários de pensamento dos

sujeitos, por que:

“Enquanto força formadora de habitus a escola propicia aos que se encontram direta ou indiretamente submetidos à sua influência, não tanto esquemas de pensamento particulares e particularizados, mas uma disposição geral geradora de esquemas particulares capazes de serem aplicados em campos diferentes do pensamento e da ação aos quais pode-se dar o nome de habitus cultivado.” (BOURDIEU, 2004, p.211).

Portanto, os formatos que integram as salas de aula integram também

as estruturas que são cultivadas nos sujeitos escolares. Os modos de ser e

estar, bem como os usos considerados adequados a esses ambientes também

são ensinados, às vezes, através das regras estabelecidas explicitamente,

outras vezes implicitamente. Na Figura 49, no desenho de uma criança do

quinto ano representando a sala de aula, nota-se a presença da lousa com

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111

exercícios de matemática “para casa”, a mesa da professora com alguns

objetos em cima, a porta fechada e sobre ela um cartaz dizendo “proibido ir ao

banheiro no horário da aula”.

Figura 49 – Desenho da sala de aula

No desenho encontramos pistas das regras de utilização dos espaços

da escola, a proibição do uso do banheiro indica a intenção de controlar a

circulação dos alunos e reforça a natureza fechada da sala, ilustrada pela

porta. Durante as aulas, aos alunos cabe permanecer dentro das salas. A

permanência também é permeada por regras, de acordo com a criança C5, do

primeiro ano:

L1: É. A sala de aula você acha que ela serve para estudar. Só pra estudar ou ela serve para mais alguma coisa?

C5: Só pra estudar.

L1: Só estudar aqui na sala. Aqui na sala pode brincar?

C5: Não.

L1: Não, não pode! Aqui só estuda. E como é que estuda? Sentado na mesinha? É? Aqui pode ficar em pé?

C5: Não.

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L1: Não?

C5: Só pra pegar um livro e depois sentar.

L1: Só pra pegar um livro e depois sentar. Aqui tem que ficar sentadinho. Aqui pode falar alto? E gritar?

C5: Não.

L1: Não! E correr aqui dentro?

C5: Não.

L1: Também não pode. Não pode fazer nada disso? Só ficar sentadinho e estudar? É? E você faz isso todo dia? É? E você gosta?

C5: Gosto.

L1: E tem algum lugar na escola que pode correr e que pode gritar?

C5: Só o parque.

L1: Ah... Legal. E lá no parque pode brincar?

C5: Pode.

L1: E correr lá também pode? A professora deixa? O que mais você faz lá no parque?

C5: Brincar...

Para essa criança, em menos de um ano de escolarização no ensino

fundamental, já ficou evidente que a sala de aula serve para estudar e, estudar

significa manter-se sentada na cadeira, não correr, não gritar ou falar alto e não

brincar. Levantar-se somente para pegar um livro e sentar novamente. A

brincadeira fica reservada ao espaço do parque. A sala de aula controla os

movimentos e restringe os corpos às dimensões da cadeira, como na Figura

50, em que uma das crianças representou a escola desenhando uma grande

quantidade de cadeiras e carteiras da sala, dispostas enfileiradas e sem a

presença de outros aspectos ou objetos no desenho. As cadeiras e carteiras

são grandes e preenchem toda a extensão da folha horizontalmente.

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Figura 50 – Desenho das carteiras da sala de aula

As visões de outras crianças confirmam a ideia em relação ao uso

autorizado da sala de aula. A criança C6, também do primeiro ano, pontuou em

sua entrevista:

L1: E pra que serve a sala A.? A sala serve para quê? Na sala aqui pode brincar também igual lá no parque?

C6: Não.

L1: Não? Xiii... Pode brincar igual na brinquedoteca aqui?

C6: Não.

L1: E pode fazer o que aqui então?

C6: Lição.

L1: Só lição? E aqui tem que ficar como? Aqui pode ficar...

C6: Sentado.

L1: Ah, aqui tem que ficar sentado na cadeira e fazer lição? Aqui só pode fazer isso?

C6: É.

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Mais uma vez, é destacada a necessidade de “permanecer sentado”

dentro da sala de aula para fazer lição exclusivamente. As “lições”

mencionadas pelos alunos também aparecem explicitadas nos desenhos de

sala de aula, na Figura 51 tem-se uma representação de sala numa aula de

língua portuguesa. As carteiras dispostas perfiladas em direção à lousa que

está dividida em três partes: a primeira delas com a data, a indicação do

componente curricular e identificação da escola; na segunda parte aparece a

descrição “texto reescrita” seguida de uma sequência numérica; na terceira

parte está escrito “aula livre”. O desenho ainda possui o alfabeto sobre a lousa

e a mesa da professora com um livro.

Figura 51 – Desenho da sala de aula em uma aula de português

O conceito “aula livre” é exposto pelas crianças do quinto ano como um

benefício concedido dentro do espaço da sala de aula. Entendida como uma

quebra na rotina da lição:

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L1: E na sala de aula pode fazer essas coisas, brincar, correr e tal?

C7: Só lição.

L1: Só lição? Na sala é só lição?

C7: Às vezes tem aula livre.

No trecho abaixo, as crianças C10 e C11 defendem também a existência

da “aula livre”:

L1: E na sala de aula tem alguma coisa que vocês gostam?

C11: Tem. Lição.

C10: É aula livre.

C11: É aula livre.

O aluno C8 também relata que em algumas situações a brincadeira

pode ser permitida na sala, sob autorização e coordenação da professora:

L1: E a sala de aula serve para quê?

C8: Pra aprender a ler e a escrever... E a fazer lição direito.

L1: Só serve para isso? Não pode brincar na sala?

C8: E serve pra quando a professora faz uma brincadeira.

L1: Ah, de vez em quando dá pra brincar também, né?

C8: Sim.

Apesar da existência prestigiada pelos alunos do quinto ano da “aula livre”,

os desenhos de sala de aula mantiveram a estrutura espacial comum e

ressaltaram a “lição” em detrimento de outra possibilidade de atividade.

Na figura 52 mais uma sala enfileirada, o detalhe acrescentado nesse

desenho são os materiais dos alunos sobre as carteiras, desenhos que

representam estojos coloridos e cadernos cheios de “lição”. Ainda que haja

outras propostas nesse ambiente, a marca deixada sobre as crianças refere-se

à postura disciplinada considerada adequada para esse lugar. A “aula livre”

funciona como um mecanismo escasso, concedido em situações específicas e

mais raras. É notório observar que as crianças do primeiro ano não mencionam

a “aula livre” ou mesmo qualquer tipo de brincadeira desenvolvida dentro do

espaço da sala de aula, chegam a ser mais categóricos que os alunos do

quinto ano ao afirmar que “a sala serve para fazer lição”.

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Figura 52 – Desenho da sala com os materiais dos alunos sobre as carteiras

A conformação e aceitação de que, embora goste de brincar, correr ou

mesmo gritar, na sala de aula devo ficar sentado e em silêncio faz parte do

habitus que vai sendo complementado, com disposições cultivadas pela

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instituição escolar. Como visto, desde muito cedo aprende-se os modos

corretos de comportar e os usos adequados aos espaços da escola, sobretudo

a sala de aula, um ambiente emblemático dentro da estrutura da escola por ser

considerado o centro do fazer educativo. Criam-se hierarquias entre os

espaços, uma vez que, mesmo que as crianças gostem mais da quadra, do

parque ou do pátio, lugares dos quais se apropriam e onde lhes é permitido

brincar, é na sala de aula que se aprende. E na sala de aula a brincadeira ou é

limitada ou não é permitida. As crianças entendem através da simbologia do

espaço que são alunos e como tal, devem sentar-se para aprender.

O poder simbólico do espaço da sala de aula está presente em todos os

seus elementos e instrumentos: nas fileiras de carteiras que limitam os olhares,

na lousa grande a frente de todos, na porta fechada para separar o interno

(importante) do externo (distração). Está também no conteúdo escrito na lousa,

nos cadernos, nos mecanismos utilizados pela professora para controlar as

tentativas de transgressão. Esse poder é invisível e exercido com a conivência

dos que lhe são sujeitos e dos que o exercem (BOURDIEU, 2011). Quando a

professora reclama com um aluno que está em pé dentro da sala de aula,

ambos concordam que o ato é legitimo, já que nesse ambiente os alunos não

podem permanecer em pé. O poder simbólico constrói a realidade e estabelece

sentidos ao mundo social, não são necessários muitos anos para entender

como portar-se em uma sala de aula. O espaço físico cumpre a função de

estruturar esse entendimento: suas paredes, as carteiras e o modo como estão

organizadas e outros de seus dispositivos disciplinam a estrutura corporal dos

sujeitos que a frequentam. Mesmo os alunos transgressores das regras, que se

levantam ou falam , possuem essas regras internalizadas e por vezes,

concordam que estão transgredindo.

Por todas essas características, as salas de aula da escola pesquisada,

como tradicionalmente ocorre, representam espaços de controle e atrelam a

ideia de que ensino e aprendizagem estão diretamente ligados à necessidade

do controle. Entretanto, na hora da opção pelo lugar que mais gosta, não é a

sala de aula o lugar escolhido! Como foi visto no capítulo anterior, eles sabem

que é importante, mas esse não é o espaço preferido, e sim, os espaços em

que podem falar alto, brincar, movimentar-se.

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4.2 As salas ambientes e o conceito de aprendizagem na

escola.

Além das salas de aula, o prédio da escola possui diversas outras salas,

com finalidades ligadas a componentes curriculares e atividades específicas.

Entre as próprias salas de aula, algumas são denominadas como “salas

ambientes”. De acordo com a organização da escola, as classes do corredor

do primeiro andar, são divididas e denominadas segundo os componentes

curriculares: sala de matemática, sala de português, sala de ciências. A

intencionalidade é a de que em cada uma das aulas os alunos utilizem a sala

ambiente correspondente. A justificativa é que os espaços são organizados de

acordo com as necessidades curriculares de cada componente. Ao observar as

salas nota-se basicamente um pequeno cartaz na porta que indica a qual

componente se destina e do lado interno existem livros didáticos, cartazes com

trabalhos de alunos e a mesma infraestrutura básica: carteiras em fileiras,

lousa e um armário. A sala de geografia possui, além dos objetos descritos,

mapas e um globo terrestre. Todas as salas têm um ventilador ao fundo. Nas

Figuras a seguir, 53 e 54 respectivamente, detalhes da sala de história, com

cartazes dos alunos sobre períodos históricos e a porta da sala de ciências.

Figura 53 – Detalhe da sala de História. Figura 54 – Porta da Sala de Ciências.

A utilização desses ambientes é feita de modo diverso entre os alunos do

sexto ao nono ano, que estudam no período da manhã e as turmas do primeiro

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ao quinto, no período da tarde. A respeito dessa diferença a professora do

quinto ano, P2, explicou:

L1: Tem salas ambientes, mas, é só para o pessoal do sexto em diante?

P2: Então, ano passado nós tínhamos o... A gente tentou trabalhar com rodízio nos quartos e quintos nessas salas ambientes. Uma das vantagens que a gente vê, porque tem vantagens e desvantagens. Seria aproveitar melhor esses espaços. Aí como a gente... Os dois quartos anos, que são esses dois quintos que você pegou que já melhoraram bastante, dá pá virada, que Deus do céu, muito agitados!

L1: Com a coisa da troca?

P2: É e também assim, não pela troca. Eles em si já são muito agitados, aquele perfil bem agitado. Então a gente questionou. Teve professores que foram contra, outros foram a favor. Eu penso que tem os prós e os contras, mas, eu prefiro trabalhar com o rodízio. Eu particularmente, porque a gente tem crianças muito complicadas na sala de aula. Daí eu fiquei pensando o que seria trabalhar, entre outras coisas, a questão... Quando você é professor de uma única turma, você fica muito preocupada com a alfabetização, claro, e na matemática. Com relação às outras matérias não tem o mesmo olhar, se deixa assim um pouco.

L1: Você acaba dando menos ênfase.

P2: E eles que estão indo pro sexto ano, o professor lá fica assim, você viu isso? E tá faltando isso? Sabe?

L1: Como se não tivesse feito o trabalho.

P2: E a gente acaba ficando... Então a vantagem seria por conta disso, de usar o material... Mas, tem a resistência de alguns colegas. Muitos colegas não queriam. Outra justificativa foi essa questão da agitação deles, realmente, eles eram muito agitados.

L1: Por conta da circulação a cada aula?

P2: Não por causa da circulação, é isso que eu estou falando para você. Eles já tinham feito terceiro ano agitados. Aí no ano passado nós pegamos em quatro, português, matemática e história e geografia. O que é ruim também no rodízio, quando o professor falta.

L1: Quebra o esquema todo.

P2: O de matemática faltava demais. Isso era muito rim. Péssimo. Mas aí, reavaliamos e o quinto ano eu acho bem viável também por conta deles já estarem indo para o outro ciclo, já estarem com essa rotina. Aí a gente mantem no quinto ano. Aí, mesmo que a gente não vá a todas as salas, mas, a gente pega o material das outras salas. Mas, a gente tem alunos, é que você não entrevistou, sabe aquela que desenhou o casal no corredor.

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120

Na entrevista, a professora conta que os alunos do turno da tarde, no

ano anterior, participaram da rotina organizada pelas salas ambientes.

Entretanto, a maioria dos docentes avaliou negativamente. Sobre as

dificuldades dessa forma de organização, a professora menciona por várias

vezes que o fato dos alunos serem “agitados” prejudicava muito. Ao ser

perguntada se a preocupação com a agitação estava no momento da troca

entre as salas ambientes, mais de uma vez afirma que esse não é o problema,

mas, continua alegando que os alunos são muito agitados. Também indica a

falta de certos professores como uma condição que prejudicou o uso das salas

ambientes. Sobre os aspectos positivos, sinalizou que a utilização dos

materiais ajuda no trabalho e declarou-se defensora dessa forma de estrutura.

Fica evidente, no depoimento da professora, que a ideia de alunos em agitação

e trabalho em sala de aula são consideradas incompatíveis. E, ainda que não

tenha declarado abertamente, seu posicionamento aponta para a dificuldade do

controle dos alunos com o deslocamento provocado a cada aula para uso das

salas ambientes. Ficou a noção de que quanto maior o deslocamento, maior a

agitação dos alunos e menor o controle. E, para a professora, menor controle

significa menos aula, como no trecho da transcrição apresentado a seguir:

P2: Eu acho, dá uma melhorada. Agora, como eles são assim muito imaturos e

agitados, a gente estava pensando, por isso que a gente achou que o quarto

ano poderia esperar um pouquinho mais. O que é ruim? Ao mesmo tempo em

que é bom eles saírem e ter um espaço diferente, a gente concorda o que, e é

uma coisa lógica, quanto mais agitada, até essa criança se deslocar, chegar

e...

L1: Tem esse complicador.

P2: Precisava ver o reboliço no corredor. Até chegar ali, o que se perdia de

aula não era brincadeira. Porque pensa numa criançada bem agitada, falante,

não era nem só falante... Essa menina mesmo gritava pelo corredor e corriam

pelo corredor, enfim. Então, a gente viu que eles precisam amadurecer um

pouquinho para isso. Ter essa postura também de deslocar de uma sala, não

que os outros vão que nem um anjinho, mas, ao menos o andar. Mesmo que

demore uns cinco minutinhos, mas que você não perca quinze pedindo, por

favor, com licença. Então, por conta disso, porque a gente percebeu que os

imaturos em relação a isso perdiam tempo de aula.

L1: Acabavam perdendo tempo de aula nesse...

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121

P2: Porque não era só pra uma sala que eles tinham que ir e as aulas são de

quarenta e cinco minutos. E uma coisa ruim que eu também achei, do rodízio

que não é bom, tem as vantagens como eu falei, criança que tem dificuldade

de aprendizagem. Gente, esse deslocar, essa criança, porque fica menos aula.

Eles eram muito agitados, até chegar lá, a gente ia dar o conteúdo. Tentamos

priorizar dobradinha, nem sempre foi possível, por causa do especialista. No

dia que tinha uma aula. O G é um que chega à sala de aula, além de não ter

interesse, vontade, tem a questão da mobilidade dele que não é tão assim...

Mas, eu estou falando de um caso isolado, a gente tem muitos casos de

crianças que não acompanham o ritmo. O rodízio para isso já não é bom,

entendeu? Porque você estando na sala de aula como professor de uma turma,

essa criança, eu vejo assim, você dá mais tempo para ele, você vai esperar

mais, você vai ter... Vai desenvolver mais o ritmo. Porque quando fica mudando

de sala, não faz nem uma coisa aqui e nem lá. Sabe?

L1: Fica meio perdido trocando de...

P2: Eu não digo que não vai ter um avanço, mas, é mínimo do mínimo,

entendeu? Fica sempre assim aquém dos demais... É no período da manhã

eles circulam, é sala ambiente mesmo entendeu? Agora, no período da tarde

eles circulam assim, entre as salas dos especialistas e os quintos anos. Porque

a gente tem lá a professora que dá matemática para eles e geografia. Ela dá na

sala de geografia ou é de história, uma dessas. E eu trabalho na sala de

português que é onda a E trabalha de manhã, que é a de português.

Mais uma vez ela enfatiza com veemência que se trata de crianças

agitadas, e acrescenta a expressão “imaturos”. Nesse trecho assume que

considera a troca de salas um problema para controlar as crianças e que

resulta na perda de tempo da aula. Afirma que os alunos com mais dificuldades

na aprendizagem não se beneficiam desse modelo das salas ambientes nas

condições apresentadas.

A solução encontrada pelos professores da escola, com relação aos

alunos do turno da tarde, primeiro ao quinto ano, foi mantê-los em salas fixas,

uma sala de aula para cada turma, utilizando as salas ambientes apenas nas

aulas dos especialistas: artes, inglês, educação física, sala de leitura e

informática. Apenas os alunos das duas turmas do quinto ano possuem um tipo

de organização intermediária: as duas professoras ministram aulas para as

duas turmas dividindo entre si os componentes curriculares de: português,

história, geografia, matemática, ciências. Essa decisão, apesar das

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discordâncias entre as professoras, foi tomada com base em um reinvindicação

dos alunos:

C8: Ano passado foi os alunos que decidiram tipo assim sabe ficar com uma professora só ou toda hora trocar de aula assim. Aí nóis escolheu trocar de aula.

L1: Ah, essa troca que vocês têm no quinto ano, foram vocês que decidiram?

C8: Foi.

No entanto, na “troca de aula” estabelecida para o quinto ano, as

professoras se deslocam e levam os materiais das salas ambientes, que são

basicamente os livros didáticos de cada componente curricular, e os alunos

ficam nas salas fixas como os demais do turno da tarde. A utilização de todas

as salas ambientes ficou limitada às classes do período da manhã.

Quando a aula é ministrada pelo professor especialista, todos os alunos

se deslocam: artes, inglês, leitura, informática e a educação física. Contudo,

esse deslocamento é feito com o acompanhamento da professora da turma ou

do professor especialista. Nessas salas também são identificadas algumas

alterações mais expressivas no ambiente. Na sala de informática, além da

presença de vinte computadores, a disposição das mesas não é enfileirada, os

computadores estão dispostos lado a lado. Na sala de leitura, muitas estantes

com livros e mesas redondas para sentar em grupo. A sala de artes, também

nomeada na escola como ateliê, apresenta uma bancada de cimento, uma pia

e grande quantidade de materiais de pintura e recicláveis. Na sala de inglês

existe a disposição um aparelho de som que não é visto em outras salas.

Apesar desses espaços não estarem evidenciados nos desenhos, as

crianças os mencionam na entrevista. Uma aluna do primeiro ano destaca que

gosta da sala de artes e lembra-se de um trabalho desenvolvido:

C2: Nóis pinta, nóis desenha, nóis faz... Nóis desenha pérola.

L1: Mas, a sala é igual a essa daqui ou é diferente?

C2: Hum... Mais ou menos.

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L1: E o que tem de diferente mais ou menos?

C2: Diferente tem as luzes, que as luzes é a mesma da aula de artes e também... a lousa.

L1: A lousa lá é diferente dessa? Como que é a lousa lá?

C2: A lousa é a mesma da professora, que essa daqui.

L1: Entendi. Tem outras coisas lá?

C2: Hum... lápis...

L1: Por exemplo, aqui na sua sala tem livros, aqui na sua sala tem letrinhas...

C2: Alfabeto.

L1: É. Lá tem o que?

C2: Lá?

C2: Lá tem, lá tem aqueles negocio lá de pintar.

L1: Hum... Tem material de pintura lá.

C2: Mas, nóis pinta, nóis faz obra de artes. Eu já fiz uma obra de artes. Eu já fiz uma flor igualzinha dessa daí.

Ainda sobre a ambientação dos espaços das salas e a relação com o

conceito de aprendizagem na escola, existe uma separação intencional das

classes do primeiro ano. Elas ficam localizadas em uma das pontas do corredor

do segundo andar, no lado esquerdo do edifício. Estão em frente a dois

banheiros e próximas da brinquedoteca. O mobiliário é menor, as cortinas são

mais coloridas e os objetos presentes mais abundantes, desde alfabetos,

cartazes e desenhos. Em nenhuma das duas salas as carteiras são

enfileiradas. As disposições mais corriqueiras são grupos de quatro, duplas ou

formato em U. A justificativa pedagógica apresentada é a preocupação com a

criação de um ambiente favorável à alfabetização. Outro elemento exclusivo

dessas salas, por exemplo, são os gibis. Ficam em caixas e pequenas

prateleiras à disposição dos alunos que “terminam a lição”.

É notório entre os educadores dessa escola o estabelecimento da

relação entre o conceito adotado por eles de “ambiente” e a aprendizagem dos

alunos. Observa-se que, objetos e elementos colocados nas paredes são, para

esses professores e professoras, constituidores do ambiente indicado para a

aprendizagem. Para a alfabetização e para algumas áreas do conhecimento, a

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composição do ambiente é mais abundante em objetos e mobiliário. Para as

áreas do conhecimento mais comuns, como português, matemática, história,

geografia e ciências, os objetos são mais escassos e os ambientes são

praticamente iguais, muito embora sejam denominados como ambientes

distintos pela equipe da escola. A professora do primeiro ano, P1, na

entrevista concluiu que:

P1: Eu acho que é uma escola bem... Que proporciona vários momentos em

vários lugares, né. Por que, por exemplo, você pode usar o parque para fazer

outra atividade também que não necessariamente seja brincar na balança. Isso

a gente costuma fazer. Vou contar história ali na sombra. Eu acho legal esse

movimento das crianças aqui dentro da escola. Acho bem bacana e acho que

para eles faz bem, principalmente para os menores... Eles se cansam muito

rápido de ficar dentro da sala, então esses ambientes são totalmente, fazem a

diferença... Eu acho que em cada espaço dá pra fazer algo diferente, dá pra

alfabetizar.

A despeito dessa afirmativa da utilização de vários lugares em outras

finalidades, durante o período de observação da pesquisa essas práticas não

foram presenciadas. Os espaços estavam sempre sendo utilizados de acordo

com suas funções consideradas básicas: parque para brincar, sala de aula

para fazer lição, e assim sucessivamente. Quanto à movimentação dos alunos

sendo vista como positiva, essa perspectiva se torna diferente com relação aos

maiores do quinto ano, considerados agitados.

O que existe de fato na escola são ambiguidades: ao mesmo tempo

em que existe a intenção de tornar o ambiente facilitador da aprendizagem,

também existe a intenção do controle disciplinar dos corpos. Ao mesmo tempo

em que a escola possui um prédio grande repleto de muitas salas e espaços,

há uma tentativa de limitar e ordenar a circulação dos alunos pelo prédio.

Desse modo, por vezes não ficam claros quais são as orientações pedagógicas

adotadas, mas é sabido que o destaque maior está na perspectiva tradicional

do ensino pautado no professor que fala e no aluno que ouve e escreve, pois a

organização da maioria dos chamados “ambientes” aponta para essa visão.

Como Viñao Frago define sobre essas ambiguidades:

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“Entre a função produtivo-educativa ou de ensino e a função de vigilância e controle. Assim enquanto a ultima exige transparência e visibilidade, as duas anteriores tendem a segmentar os tempos, as matérias os conteúdos e as pessoas. O espaço escolar torna-se, assim, no seu desenvolvimento interno, um espaço segmentado no qual o ocultamento e o aprisionamento lutam com a visibilidade, a abertura e a transparência.” ( VIÑAO FRAGO, 1998, p.80).

4.3 A sala da direção: lugar da punição?

Ao desenhar a escola, as crianças não desenharam a sala do diretor

ou da coordenadora, que fica ao lado. Exceto, por uma criança de desenhou a

secretaria, nenhuma delas lembrou-se desses lugares da escola ao desenhar.

Aliás, parte do piso térreo foi “esquecida nos desenhos”. Alguns indicaram o

portão de entrada, o pátio, as mesas da refeição próximas à cozinha. Todavia,

o andar térreo não termina nesses espaços. Existe um hall que agrega a

secretaria, direção e coordenação e a sala da rádio da escola, mais uma sala

destinada a um projeto que aos alunos menores há pouco acesso. E o

pavimento termina com um pequeno corredor com a sala dos professores e

sala para reuniões de professores.

Nesses espaços a circulação de alunos é reduzida e controlada, embora

não seja expressamente proibida. A criança C7, na entrevista, afirmou que

entrou na sala dos professores uma única vez para pegar água para o colega

deficiente físico. Isto ocorreu porque dentro da sala dos professores existe um

bebedouro elétrico, não encontrado no restante da escola, além de forno micro-

ondas e objetos pessoais dos professores, indicando que o território é dos

professores e não dos alunos.

Mas, a respeito da sala da direção, muitos deles, ainda que não tenham

desenhado, possuem uma história sobre as funções desse espaço. A criança

C5 do primeiro ano alega que a sala do diretor serve apenas para quando uma

criança fica doente e é preciso ligar para a mãe, contudo, destaca que nessa

sala existem câmeras.

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L1: Conta pra mim! Você acha que a sala do diretor serve para criança que faz bagunça? Não? Serve para quando criança fica doente? Serve para nada?

C5: Só para ligar para a mãe.

L1: É só para ligar para a mãe. Criança pode entrar lá? Não?

C5: Tem câmera.

L1: Ih! Tem câmera. Se a gente entrar lá vão ver a gente, né? Então criança não pode entrar lá... Então, só quem entra lá?

C5: Professor e tia.

L1: Professor e tia. Só adulto. E serve para ligar pra mãe. Quando que tem que ligar pra mãe?

C5: Só quando alguém tá doente.

L1: Ah... Então, quando alguém tá doente vai lá na sala do diretor e liga pra mãe. Ah... E a secretaria, você já viu onde é? Já? Você sabe o que tem lá? Tem o quê?

C5: Tem... Tem as tias...

L1: Ah, e elas ficam fazendo o que lá dentro essas tias?

C5: Elas ficam pegando as pastas, para quando a gente chega entregar para as professoras.

L1: Ah, elas pegam pastas, entregam para professor. Muito bem. É um serviço importante, né?

C5: É.

Já o aluno C7, do quinto ano, diz que o lugar que não gosta na escola é

justamente a diretoria:

L1: É? E tem algum lugar na escola que você não gosta?

C7: Sim.

L1: Qual?

C7: A diretoria.

L1: Por quê? O que rola lá? O que tem lá?

C7: Muita briga.

L1: É. Mas, a briga acontece na diretoria ou quem briga vai para a diretoria?

C7: Na diretoria sim. Por causa que...

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L1: Hum, explica para mim...

C7: Começa a zoar, aí depois espera um pouco e vai para a diretoria.

L1: Você já foi para a diretoria alguma vez? O que aconteceu no dia que você foi? Por que levaram você para lá?

C7: Tava dando laranja, aí o L. tacou e o menino olhou para mim e falou: “é esse daqui tia”. Aí a tia pegou e foi comigo na diretoria.

L1: Mas, foi você que tinha tacado a laranja nele, ou não? Ele te confundiu com alguém? E aí você foi parar na diretoria. E o que acontece quando vai lá para a sala da diretoria?

C7: Nóis vai para sala dela...

L1: Hum e faz o que lá?

C7: Às vezes ela manda fazer lição.

L1: É? Ela passa lição lá? É a mesma coisa que fazer lição na sala ou não?

C7: Lá é mais difícil.

L1: Lá é mais difícil?

C7: Lá é matemática. Não é o mesmo jeito, mas é matemática.

Ele apresenta o simbolismo da diretoria como o lugar para receber

“bronca” e punição. Nesse trecho a lição perde o sentido da aprendizagem e

ganha o sentido do castigo para o aluno que bagunça. Essa perspectiva

aparece também na entrevista do aluno C8, também do quinto ano:

L1: Outros lugares que tem aqui na escola.

C8: Diretoria.

L1: Você foi fazer o que lá? O que tem lá?

(risos)

C8: Nada.

L1: Não foi fazer nada? Tava de bobeira...

C8: Levar uma advertência. Umas três advertências.

L1: Ah, você levou umas três advertências. O que você fez? Por quê?

C8: Porque eu fiquei bagunçando na sala.

L1: Rapaz bagunçando na sala. Mas, a sala da diretoria só serve para ir lá levar advertência?

C8: Não.

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L1: Serve para mais o quê?

C8: Serve para pedir as coisas que precisa na escola, serve para falar com o diretor sobre o que tem que mudar na escola.

Como visto, esse aluno agrega outra função para a diretoria, a função

de cuidar da escola e de interpelar o diretor sobre as mudanças necessárias. A

perspectiva desse aluno difere dos demais entrevistados. Em geral, os alunos

do primeiro ano falam da diretoria como lugar para onde vai quem está doente

ou fez bagunça. Os alunos do quinto ano abordam os atos cometidos e as

punições recebidas: advertência, fazer “lição difícil”. Apenas esse estudante

apresenta outra possibilidade. A criança C9, inclusive, acrescenta que a

diretoria não é um lugar para todos dentro da escola:

L1: Ah, legal. Você acha que na escola tem lugar que é só para aluno e tem

lugar que é só para professor? Ou não, todo lugar é para todo mundo?

C9: Para todo mundo. Quase para todo mundo, menos a diretoria.

L1: A diretoria é para quem?

C9: É só para os professores e para a diretoria, só.

L1: Só. Não é para os alunos lá não?

C9: Não.

C9: Só quando dá bronca que vai na diretoria.

L1: É, e você já foi lá alguma vez aqui nessa escola?

C9: Só uma vez.

L1: É? O que aconteceu?

C9: Porque eu tava jogando pingue-pongue, aí o menino veio, o da minha sala lá, ele veio e pensou que eu roubei porque eu ganhei dele. Ai depois ele veio, aí me bateu. Aí depois nós brigamos aí nós fomos para a diretoria.

A diretoria é marcada como o lugar indesejável, frequentado apenas em

situações ruins: ou você está doente ou você vai ser punido. Numa instituição

segmentada e parcelada como a escola, a vigilância e o controle são exercidos

pela visibilidade espacial, mas também pela constituição de elementos

simbólicos e ritos. A ideia de ir até a diretoria, e o que pode acontecer com o

aluno nesse espaço, atua como poder simbólico para coibir as ações que

infrinjam as normas. Se é indesejável ir para a diretoria, o aluno deve, então,

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seguir as regras da escola, ou estará sujeito às sanções e suas consequências.

É na execução dessa violência simbólica que adultos mantêm o controle sobre

as crianças, uma violência simbólica, mas que, muitas vezes, está circunscrita

a atos físicos, como gritos, advertências e exclusões. A diretoria, como todo o

prédio escolar, cumpre essa função de manutenção da ordem estabelecida.

4.4 O cuidado com os ambientes da escola.

O cuidado com os ambientes da escola, ou mesmo a noção de cuidado

que se possui estão ligados ao grau de pertencimento e satisfação que os

indivíduos têm nesse espaço. Aos entrevistados nessa pesquisa, cuidado com

a escola refere-se diretamente as condições físicas e situação dos ambientes.

E para eles, professores e alunos, a escola sob esse aspecto é bem cuidada.

A professora do quinto ano P2 atribui o gosto dos alunos e a visão de que a

escola é bonita ao fato de considerá-la bem cuidada e, define o cuidado como:

P2: E outra, o fato de ela ser assim limpinha. Eles toda hora estão vendo as

moças da limpeza cuidando. E toda vez que tem um trabalho deles, a questão

de exposição, eles tem um cuidado, se envolvem. Então eu acho assim, que

essa organização também nos ajuda.

Limpeza e valorização dos trabalhos dos alunos são expostos como

fundamentais para que considerem a escola bonita. Para as crianças do

primeiro ano, o cuidado com a escola contempla também a segurança. Não

deixar pessoas estranhas entrarem e manter o portão fechado são

mencionados pelas crianças C2 e C1 como cuidado:

L1: Vocês ajudam a cuidar da escola?

C2: Sim!

L1: O que vocês fazem?

C1: A gente não deixa ninguém entrar.

C2: É nóis não deixa ninguém entrar.

L1: Não deixa ninguém entrar que horas?

C1: Entrar quem é desconhecido.

L1: Ah quem é desconhecido não pode entrar? Só conhecido?

C2: Quem não mora aqui né, quem vem nessa escola, quem não sabe (...).

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C1: Mas, quem vem na nossa escola pode. Mas quem vem sem pedi não pode não. Ai o moço vai e tranca o portão.

L1: O portão fica trancado?

C1: O tio L. ele vai e...

Para o aluno C7 do quinto ano o diretor é o responsável por cuidar dos

ambientes da escola de acordo com as opiniões das professoras:

L1: Você sabe quem é que decide como que arruma e organiza os espaços da

escola?

C7: Diretor.

L1: É só o diretor? Não pergunta para ninguém?

C7: A professora fala “aquilo, isso” e ele faz.

L1: Ah... As professoras dão ideias e aí o diretor faz.

Os alunos C10 e C11 identificam que existem espaços na escola que

poderiam ser mais bem cuidados, como o banheiro que eles utilizam:

L1: Deixa eu perguntar a última pergunta. Se vocês pudessem mudar alguma coisa aqui da escola, algum lugar, vocês mudariam?

C11: Sim.

L1: O quê?

C11: O banheiro.

L1: Você iria mudar o que no banheiro?

C10: As partes que tá toda quebrada.

C11: Pichada.

L1: Tem coisa quebrada e pichada no banheiro?

C11: Tem. As portas

L1: Mas quem quebrou e quem pichou?

C10: Os “de manhã”.

L1: Os “de manhã”? Ah esses de manhã. Quem cuida da escola, que arruma e que faz as coisas ficarem assim do jeito que é? Quem organiza o espaço?

C11: As faxineiras.

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L1: Só elas, sozinhas?

C10: Também nóis ajuda né. Fazer os trabalhos.

C11: Nóis ajuda a fazer os trabalhos. Foi o professor de artes que fez.

A professora P2, ao relacionar a visão dos alunos e a escola, define que

é um lugar onde eles são cuidados. Esse cuidado dispensado aos alunos,

segundo ela, é importante porque as famílias são consideradas ausentes no

cuidado com os filhos, assumindo a escola essa função:

P2: E eles são cuidados. Você vê se fosse um lugar... Tem hora que você

precisa falar firme com eles, mas eles veem assim, que o cuidar é como se

fosse de um pai e uma mãe mesmo. Que vai dar bronca na hora que precisa,

falar um não. Tem uns que buscam muito limites. Mas, os pais não reclamam,

pelo menos assim, a gente nunca recebeu. Porque a gente percebe que tem

uns com muito problema de relacionamento e você chama os pais e o

problema está na família também. Sabe aquele pai e aquela mãe, que você

percebe na sociedade, muito ausente, e eles ficam sempre por conta deles ou

porque em casa mesmo precisava falar assim, um não. Então, a gente teve

muito problema.

De modo geral percebe-se a valorização do cuidado com a escola

centrado no aspecto da limpeza e, para os professores, estendendo-se a

atenção aos alunos. E para os indivíduos, a escola, nos aspectos

apresentados, é bem cuidada.

Além das entrevistas, os sujeitos da pesquisa responderam, também,

um questionário com escala referente às finalidades dos espaços na escola. A

Tabela 3 apresenta os resultados dessas opções onde podem ser verificadas

as tendências de respostas.

Essa Tabela apresenta grande concentração à esquerda indicando alto

índice de concordância com a função apresentada para os espaços. As

dispersões à direita indicam discordâncias, que são poucas. Nove sujeitos

responderam à escala.

Analisando-se os dados é interessante observar a presença de

dispersão de manifestações tanto de professores quanto de alunos.

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No grupo dos professores houve maioria de respostas na categoria de

concordância parcial em quase todas as questões. Houve seis manifestações

de discordância parcial e quatro discordâncias totais: sobre os livros na sala de

leitura, área externa para o recreio, projetos de alunos na sala de rádio e

brinquedoteca para os menores. Parte dessas concordâncias parciais e

discordâncias devem ser devida a trechos das entrevistas em que há

depoimentos apontando o uso de outros espaços, além da sala de aula, para

os alunos pequenos. Também é possível que, ao longo dos anos, os

professores tenham utilizado os espaços para outros usos além dos que foram

bem definidos na escala, como o uso do banheiro para uma troca de roupas,

ou a quadra para outras atividades de ensino. Outro fator que deve ter sido

lembrado pelos professores, para discordar dos livros na sala de leitura, é o

fato de haver salas ambiente com materiais específicos para estudo.

No grupo dos alunos, cinco dos que estão no quinto ano se

manifestaram bem discordantes ou concordando parcialmente. Já no segmento

do primeiro ano, apenas dois se manifestaram concordando parcialmente ( um

aluno sobre a sala da diretoria) e um aluno sobre o banheiro. Entretanto

observa-se que houve menor número de respondentes nesta escala dentre os

alunos do 1º ano.

De modo geral pode-se dizer que os significados atribuídos aos espaços

arquitetônicos foram reconhecidos: tem sentido nomear os espaços como eles

são conhecidos para a maioria dos sujeitos da escola. Entretanto, é

interessante identificar outros significados atribuídos genericamente, mas não

aceitos totalmente: o parque é para crianças, mas os do quinto ano não

aceitam pela dimensão dos brinquedos, portanto se excluem de seu uso e de

sua finalidade. Os significados oficiais são mais fortes para os alunos do

primeiro ano, pois apenas um m manifestou não aceitar plenamente ou

discordar de dois espaços nomeados na escala.

Com este capítulo, mais um objetivo foi atingido, qual seja, a busca de

informações junto a professores e alunos sobre as dependências da escola e

sua possível interferência sobre os espaços.

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4.5 Os dados da escala de preferências: finalidades dos espaços na escola

Tabela 3. Dados agregados das respostas sobre destinação dos espaços da escola

Questões Concordo plenamente Concordo parcialmente Discordo parcialmente Discordo totalmente

Professor Aluno 1° Aluno 5° Professor Aluno 1° Aluno 5° Professor Aluno 1° Aluno 5° Professor Aluno 1° Aluno 5°

O pátio é o lugar

para o recreio na

escola

1 2 2 2 1 1

A sala de aula serve

para estudar 1 2 3 2 1

A sala de leitura é o

lugar onde se

encontram livros na

escola

1 2 3 2 1

O parque é o lugar

para brincar na

escola

1 2 2 3 1

A horta é um espaço

para professores e

alunos

2 2 2 2 1

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A quadra serve para

prática de esportes 1 2 3 3

A sala de informática

é o lugar onde estão

os computadores na

escola

1 2 3 3

A sala da SAAI serve

para os alunos com

deficiências

3 2 2 1 1

A sala dos

professores é um

espaço apenas para

professor

2 2 3 1 1

O refeitório serve

para a alimentação 3 2 3 1

A secretaria é um

lugar para

documentos

3 2 3 1

A sala da

coordenação serve

para atender alunos

e professores

1 2 3 3

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A sala da diretoria

serve para atender

alunos com

problemas de

disciplina

1 3 4 1

A cozinha é o espaço

do preparo dos

alimentos

3 2 3 1

O estacionamento é

um espaço para os

professores

guardarem seus

veículos com

segurança

3 2 2 1 1

O banheiro serve

para atender as

necessidades

fisiológicas

3 1 3 1 1

A área externa serve

para os momentos

de recreio

2 3 3 1

A sala de vídeo é um

espaço para passar 3 2 3 1

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vídeos para os alunos

O corredor é um

espaço que separa os

ambientes da escola

3 2 3 1

O elevador serve

para transportar os

alunos com

mobilidade reduzida

3 2 3 1

A sala da rádio é um

espaço para o

projeto dos alunos

3 2 3 1

A brinquedoteca

serve para os alunos

menores brincarem

1 2 3 1 1 1

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5. Estética e socialização nos ambientes escolares

Neste capítulo apresenta-se a continuação da análise dos dados obtidos

na pesquisa organizados em eixos, os quais foram extraídos das respostas dos

sujeitos nas entrevistas, relacionados com os desenhos produzidos pelas

crianças participantes e abordados à luz do aporte teórico. Entre os eixos neste

capítulo serão abordados os que se relacionam à estética e socialização dos

alunos no espaço escolar, pois tais aspectos foram muito citados quando os

sujeitos se referiram à escola.

5.1 A fachada da escola e sua importância na percepção do

espaço pelas crianças.

Figura 55 – Visão da escola do outro lado da Rodovia.

A professora do quinto ano expressa durante a entrevista: “Mas, a

escola é bonita, né?” Com essa frase indica o posicionamento comum em

todos os participantes da pesquisa: a escola é bonita. Das onze crianças

entrevistadas, oito fizeram afirmações como essa, com variações: “a escola é

linda’ (criança C4), “a escola é legal demais” (criança C10), “a escola é

cheirosa” (criança C2), “a escola é da hora” (criança C9). A criança C11 ainda

justificou na entrevista:

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C11: “Bonita. Por que tem escola que não é assim... Tem escola que é menor.

Tem escola que já tá tudo destruído... Essa daqui tá muito boa para nós”.

Não foi somente nas afirmações elogiosas que os alunos declararam a

opinião acerca da beleza da escola. Nos desenhos, além dos espaços favoritos

como a quadra e o parque, a fachada da escola aparece frequentemente.

Figura 56 – Desenho da fachada da escola

A admiração que os indivíduos nutrem pelo prédio da escola, sempre

o definindo com adjetivos positivos como limpo, bonito, cheiroso, está atrelada

às condições de vida desses indivíduos no bairro e à posição ocupada pelo

próprio prédio escolar criando-lhe distinções dentre do microcosmo do espaço

social que é o bairro. Ao olhar mais detidamente para a Figura 55, nota-se a

rodovia de grande movimentação e o edifício escolar à beira da estrada o qual,

com sua altura e dimensões arquitetônicas, esconde aos que passam pela via,

o que existe atrás dele. Atrás da escola está o bairro, já caracterizado nos

capítulos anteriores. Por isso, como já visto, as construções escondidas atrás

do prédio da escola não possuem as mesmas características na arquitetura.

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São prédios modestos, baixos e com a pintura desgastada, vizinhos de casas e

pequenos sobrados também simples. Os prédios dos funcionários públicos

ficam ao fundo, distanciados. A escola é a construção mais imponente de todo

o pequeno bairro por sua localização geográfica à frente e destacada também

por sua posição simbólica.

O autor Faria Filho (2000), conforme desenvolvido no capítulo inicial, afirma

que, no início da República, as construções dos grupos escolares impunham

elegância estética que deveriam determinar o espírito moderno de uma nova

era. Contudo, o requinte do edifício escolar tornava ainda mais evidente as

desigualdades nas cidades. De modo parecido, a imponência do prédio

escolar da pesquisa ao passo que causa admiração nas pessoas por outro lado

ressalta a pobreza do bairro. Cria uma forma silenciosa ou simbólica de ensino

que comunica sentido e dá reforço ao escalonamento da ordem do mundo

social. Como um sistema simbólico a escola legitima a dominação fazendo com

que os indivíduos acreditem na sua superioridade e distinção: “essa daqui tá

muito boa para nós” (aluna do quinto ano C1 referindo-se a escola).

A relação de simbolismos estabelecida entre as crianças e a construção

escolar está evidenciada nos “retratos” da escola construídos por eles. Em

alguns desenhos percebe-se a tentativa de buscar uma representação muito

aproximada do real nos traços e proporções. Em outros elementos infantis e

lúdicos, ao mesmo tempo em que fogem à realidade exacerbam a admiração

criando uma representação da escola colorida e feliz.

Na figura 57 a estrutura do prédio com os pavimentos e a quadra em

cima se mantem, mas, a fachada e o parque ganham um colorido a mais (azul,

rosa, laranja e roxo) e são acompanhados pelo sol. Já na figura 58, além do

colorido (laranja, rosa e azul) são acrescidas flores azuis ao entorno da escola.

Nesse desenho a estrutura do prédio também é mantida com menor

detalhamento.

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Figura 57 – Desenho da fachada e parque da escola

Figura 58 – Desenho da fachada da escola com flores

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Figura 59 – Desenho da fachada com chaminé e corações

Figura 60 – Desenho da fachada com detalhes e descrições

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Na Figura 59 uma representação bastante lúdica apresenta a escola

com cores vibrantes e chaminé no formato de uma casa. O desenho ainda

apresenta crianças ao lado da escola com corações sobre as cabeças. Ao

contrário, na Figura 60, um desenho que tenta se aproximar da imagem do

prédio com riqueza de detalhes e descrições. Os andares são identificados,

observam-se as cortinas amarelas das classes, o relógio da parede e o

alfabeto, bem como as bolas na quadra. Até mesmo a placa de trânsito que

existe em frente ao portão de entrada foi desenhada.

Figura 61 – Desenho colorido da fachada da escola

Figura 62 – Desenho do portão de entrada

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Figura 63 – Desenho da escola com o parque dentro do prédio

Figura 64 – Desenho que tenta representar a escola inteira

Nas figuras expostas, de 61 a 64, mais representações da escola. Na

figura 61, um desenho colorido e semelhante ao formato de uma casa,

enquanto que na figura 64 traços e detalhes tornam o desenho uma

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aproximação interessante da construção. Todos os desenhos dimensionam a

representação que essas crianças possuem do que para eles é a escola onde

estudam. Viñao Frago (1998) alerta que o símbolo possui valor didático, como

um aspecto da dimensão educativa do espaço. A simbologia criada em torno

da beleza dessa escola certamente tem sido uma parte importante do currículo

praticado nesse espaço.

5.2 Espaços de socialização: a dicotomia entre aproximação e

distanciamento entre as crianças

Durante a entrevista, as crianças também foram questionadas sobre em

quais espaços consideram em que podem ficar mais juntas, coletivamente. As

respostas que apareceram foram: parque, pátio e sala. Com mais ênfase para

o parque entre os menores. Uma criança do primeiro ano justificou:

L1: Qual o lugar da escola que você acha que as crianças ficam mais juntas?

C2: Hum... No parque.

L1: No parque, por quê?

C2: Porque o parque é mais legal. Nóis corre, nóis brinca.

A opinião indica que os espaços de lazer e brincadeira são mais

favoráveis à socialização e aproximação entre as crianças. A mesma opinião

foi apresentada também pelo aluno que opinou ser o pátio o lugar onde ficam

mais juntos:

L1: Qual o lugar da escola que você acha que as crianças podem ficar juntas? Em que lugar?

C7: No pátio.

L1: No pátio, por quê?

C7: Porque lá todo mundo brinca, corre...

Curiosamente mesmo sendo respostas de duas crianças de idades,

sexo e turmas diversas (C2 menina do primeiro ano, C7 menino do quinto ano)

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e que foram entrevistadas em dias e situações diferentes, são duas respostas

muito parecidas. A indicação coincide com alguns dos espaços considerados

favoritos entre eles: parque e pátio. São os espaços onde o recreio acontece,

lembrando que o parque também integra a rotina semanal dos alunos na “linha

do tempo” organizada pelas professoras. Contudo, diferentes da quadra,

campeã das preferências, são espaços em que as regras são mais flexíveis e

existem brechas para maior liberdade. Como já mencionado, as regras

impostas para o uso da tão almejada quadra chegam a frustrar alguns. A

existência de dois lugares em que correr e brincar são permitidos é valoroso

para as crianças.

São dois espaços um semiaberto (pátio) e outro aberto (parque). O

parque é o único espaço aberto ao qual os alunos têm livre acesso, porque na

área externa existe um estacionamento em que não podem circular e uma

horta no alto do morro que só é frequentada por alunos de um projeto

relacionado ao espaço. Nos dois tipos de espaço, citados por eles, diminuem-

se as fronteiras de separação e segmentação entre os corpos, mesas e

paredes, por exemplo, a circulação torna-se mais livre e a possibilidade de

aproximação e contato é maior. Ao correr e brincar as crianças se juntam, se

tocam, se esbarram, se abraçam, brigam. Nas salas de aula e diversas salas

que a escola possui, o mobiliário organizado de maneira rígida e as

segmentações criam um distanciamento entre eles que serve de auxiliar no

controle disciplinar. A organização prezada pelas professoras como

necessárias para acontecer a aula, já que os alunos, sobretudo do quinto ano,

são agitados, é mantida com todos sentados nas carteiras. Cabe lembrar que

não é permitido correr e brincar em nenhum dos outros ambientes do prédio

sejam salas ou corredores. Mesmo na brinquedoteca, correr não é uma ação

permitida.

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Considerações Finais

O processo de realização desta pesquisa possibilitou um mergulho no

espaço escolar e a percepção de uma grande quantidade de nuances da

relação dos sujeitos, sobretudo alunos, com esse espaço. A primeira grande

constatação, estabelecendo relações entre o aporte teórico e a observação no

campo, foi à verificação de que de fato o espaço não é neutro e atua como um

agente de ensino, tal como os outros elementos dentro de uma escola. Tão

importante e tão contundente quanto os demais o espaço organiza práticas e

representações dos indivíduos. Os ambientes de uma escola podem conter

movimentos, como numa sala de aula fechada com carteiras enfileiradas, ou

mesmo expandi-los, como em espaços abertos: um pátio, parque ou quadra.

Também são capazes de introduzir normas e regras tão bem quanto a fala e a

atuação dos adultos sobre crianças e jovens, na verdade, a organização e

disposição do espaço atuam favorecendo essa fala e atuação. A

compartimentação de salas de aulas em um grande corredor favorece as

divisões e separações baseadas na graduação dos níveis escolares. As formas

como as mesas e cadeiras estão colocadas exprimem se é possível ou não o

diálogo entre os alunos.

Contudo, existem outros fatores que influenciam a relação dos sujeitos

com o espaço e a representação que fazem dele. Esses fatores são sociais e

estão diretamente ligados ao capital econômico e cultural, bem como a posição

do individuo no espaço social. As leituras de Bourdieu ao longo deste estudo

puderam alargar a compreensão do espaço escolar a partir do conceito de que

o espaço físico é, pois, certa tradução do espaço social, trazendo em si

indicativos das posições e distinções da sociedade, além de revelar indícios

dos habitus desses indivíduos. A aproximação com a escola utilizada como

fonte para a investigação trouxe, para a pesquisa, todas essas nuances. Existe,

na região, a divisão social do espaço social, pois foi detectada a diferenciação

de posição social entre professores e alunos expressa, sobretudo, pelos locais

e condições de moradia diferenciada, em locais físicos diversos dos alunos e

na qualidade das moradias em conjuntos habitacionais com características

diversificadas.

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A escolha se deu a partir de uma curiosidade: uma escola considerada

bonita. Certamente havia perspectivas nessa percepção de beleza que

poderiam estar além do senso estético. E outros fatores também seriam

desvendados além da beleza ao avançar para dentro do prédio escolar. Prédio

localizado na Zona Oeste da Cidade de São Paulo, integrante da Rede

Municipal de Ensino com aproximadamente quatrocentos alunos, quarenta

professores e com funcionamento desde o ano de 2010. Essas foram às

primeiras informações obtidas sobre a escola. Com a observação interna no

prédio e no entorno surgiram outras informações importantes.

A descoberta de um bairro de proporções geográficas pequenas e com

pouquíssimos recursos sejam eles culturais ou econômicos, foi fundamental

para o entendimento da relação estabelecida pelas crianças com a escola.

Uma rua com um conjunto de moradias, de um lado construções de programas

habitacionais e de outro, casas simples e pequenas travessas. Um ponto de

ônibus e uma quadra. Com essas poucas informações descreveu-se o bairro,

acrescido de outro grupo de edifícios para moradores diferentes dos demais.

No inicio dessa rua fica localizada a escola, uma construção de grandes

proporções e que se destaca arquitetonicamente. Nesse sentido, explica-se a

percepção estética positiva que os frequentadores da escola possuem sobre

ela. No contexto social do bairro a escola representa um elemento de distinção,

ao passo que ao exprimir beleza também acentua a pobreza das outras

construções.

Mas, a pesquisa também revelou que a escola é um espaço

multifacetado, são vários ambientes com diversas funções, regras de uso e

ocupações também distintas. Após uma exploração inicial observando o

movimento dos alunos nos espaços, as estratégias de registros gráficos

coletados e todos os demais procedimentos foi possível demonstrar

convergências e divergências na relação com cada um dos ambientes.

Espaços mais lembrados, espaços inacessíveis, espaços com regras mais

rígidas de uso foram detectados. De posse dos dados da investigação e das

leituras, alguns eixos de análise foram construídos: preferências, usos

considerados corretos, regras, cuidado com os ambientes, estética e

socialização.

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Ficou evidente que as preferências dos alunos entrevistados, tanto no

primeiro ano quanto no quinto, dirigem-se aos espaços com linhas mais

abertas e coletivas. Consequentemente, esses espaços são considerados por

eles também como favoráveis à aproximação e à socialização. Os espaços

prediletos também se destacam pelo lazer e brincadeira, menor imposição de

regras como proibição de correr e gritar. Em destaque, entre esses espaços,

está a quadra, o espaço inicial mais lembrado da escola por todos os alunos

quando solicitados a fazer um desenho da escola. Para as professoras o gosto

pela quadra está direcionado à participação da escola em campeonatos de

futebol e à ausência de espaços para diversão na localidade. De fato, a prática

do futebol para os alunos se confunde com o próprio espaço da quadra, como

pode ser visto nos desenhos de muitos deles. Todavia, o trabalho da

professora de educação física e a participação em campeonatos (do quais

apenas os entrevistados do quinto ano participaram) não são suficientes para

explicar a relação com a quadra e o esporte. A posição ocupada pelas famílias

no espaço social e os habitus decorrentes, ou seja, as estruturas estruturantes

que sendo estruturadas estruturam as ações dos indivíduos, são um

componente importante para a constituição dessa relação. Uma vez que, o

habitus engendra gostos e preferências, o acesso a uma pequena quadra, com

espaço construído exclusivo de lazer na localidade urbana amplia ainda mais a

admiração à quadra da escola, maior e mais estruturada. Até mesmo o

interesse, de meninos e meninas, pela prática do futebol que atua ao mesmo

tempo como esporte/competição e brincadeira está relacionado aos

condicionantes do espaço social. O futebol, incentivado como “esporte

nacional”, caracterizado como parte da identidade do país é, ao mesmo tempo,

é um esporte barato e de fácil acesso em localidades mais pobres. Há também

o cultivo da ideia de ascensão social por meio desse esporte, reforçado pela

divulgação das histórias de jogadores oriundos de comunidades pobres, que

jogavam bola na rua e se tornaram milionários bem sucedidos. Portanto, o

interesse e gosto coletivo das crianças participantes dessa pesquisa pelo

futebol, embora pareça uma escolha pessoal são estruturadas e efeito da

criação de disposições vividas e aprendidas em ambientes que os valorizam.

A aproximação intensa com o futebol aproxima do espaço da quadra e

faz com que essas crianças se apropriem dele. É uma apropriação dinâmica

que vai além da construção física e cria um território, que se estende desde os

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corpos de meninos e meninas abrangendo todo o espaço da quadra, suas

grades, bolas, traves e linhas. Essa apropriação é também percebida no

parque, visto como um lugar de liberdade, onde as regras são mais flexíveis.

Vários alunos destacam de maneira entusiasmada a possibilidade de correr,

gritar e brincar nesse ambiente. As professoras, por sua vez, reconhecem a

necessidade de um lugar para que as crianças se expressem mais livremente,

pois, elas próprias reforçam as regras contundentes aplicadas a outros

espaços. Na continuidade das preferências infantis, observa-se ainda o pátio,

que apesar de dividir as funções de lugar para brincar e para comer, agrada

aos alunos pela mesma possibilidade de maior liberdade.

A despeito de toda a reconhecida beleza do prédio da escola, e de todas

as afirmações anteriores, outros espaços são consideravelmente controlados,

repletos de regras e limitações para os alunos. As salas de aulas servem para

estudar, e nessa escola estudar limita-se a ficar sentado em silêncio prestando

atenção ao que propõe a professora. Essa visão é apresentada pelos alunos e

também pelas professoras. A maioria das salas tem carteiras organizadas em

fileiras, apresentam poucos materiais além de um armário, livros didáticos e

alguns cartazes. As classes do primeiro ano possuem mais matérias, mais

cartazes e mesas dispostas de outras formas, entretanto, alunos do primeiro

ano dessas classes expõem a mesma visão sobre o uso da sala: lugar para

sentar e estudar, revelando que apesar dos agrupamentos das carteiras e dos

adornos acrescidos ao espaço, a visão dos educadores permanece a mesma.

As duas professoras entrevistadas pontuam, em seus depoimentos, que para

aprender os alunos precisam de concentração, silêncio e pouco ou nenhum

movimento. Esse ponto de vista pedagógico se sobressai diante da presença

de salas ambientes na escola, pois elas existem, porém, não são totalmente

utilizadas pelos alunos do primeiro ao quinto ano, justamente por uma

característica da cultura escolar, qual seja, evitar a alegada intensificação do

movimento e do barulho nos corredores da escola. Além disso, as salas

ambientes em sua maioria são praticamente iguais entre si, quase os mesmos

mobiliários e objetos. Diferenciam-se por algumas referências ao componente

curricular que representam e alguns materiais específicos.

As regras de controle de movimento e contenção se estendem até

mesmo à brinquedoteca que, pelos alunos, não é vista como um lugar de

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brincar igual aos outros lugares lembrados e considerados. Nenhum deles

desenhou a brinquedoteca e, ao mencionarem, não demonstravam interesse. A

brinquedoteca é um lugar mais considerado pelas professoras do que pelos

alunos, certamente porque, toda a organização e regras foram estabelecidas

por elas sem muita consideração aos interesses dos alunos. A professora do

primeiro ano chegou a mencionar que os alunos “perdem o foco” na

brinquedoteca e que eles gostam muito de “extravasar”, o que não é permitido

dentro da brinquedoteca. Um espaço constituído a partir de uma sala de aula e

que segue o mesmo padrão para utilização, ou seja, não pode se movimentar

em demasia. Para os alunos um tédio!

Outros lugares da escola intrigam pelo esquecimento. Existe uma horta

no espaço externo que é praticamente inexistente para a maioria, pois não está

destinada a eles. Isso se deve ao fato da horta constituir um projeto específico

e direcionado a poucos alunos do turno da manhã. As crianças não utilizam e

não frequentam, nem mesmo como visitantes do espaço. Esse, não é um lugar

“da escola”, embora exista fisicamente, tenha uma superfície, mas,

simbolicamente ele não é.

Ao final das análises detecta-se que a escola é constituída com

tradicionalmente tem se constituído muitos prédios escolares, um edifício

segmentado e compartimentado, cheio de regras instituídas para a vigilância e

controle dos alunos, atrelado à ideia do controle à organização e

aprendizagem. Com linhas retas e rígidas e muito mais espaços fechados do

que abertos. Os professores tendem a valorizar tanto a compartimentação,

quanto a rigidez e fechamento, como fundamentais para a concentração dos

alunos nas aulas. Na contramão, os alunos valorizam os espaços menos

rígidos, mais abertos e fluidos. Um depoimento da professora do primeiro ano

na entrevista chamou atenção, pois, ela se referiu ao fato de que na escola

muitos espaços diferentes podem ser oferecidos aos alunos inclusive para

alfabetizar. Esse depoimento expõe um posicionamento diferente do

apresentado pelas professoras em todo o processo, entretanto, durante o

período da pesquisa não foi observado o uso de nenhum espaço da escola

com atividades diferentes da finalidade oficialmente definida.

Foi possível identificar que os espaços são delineados e distribuídos

pelos sujeitos segundo a definição de valores específicos daquela realidade a

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cada grupo: o parque constitui um bem da escola, mas para os pequenos; a

brinquedoteca também é para os pequenos, por causa da linha do tempo

definida. Se os maiores quiserem – e há uma disputa real pela possibilidade de

uso do parque - a decisão passou pela sugestão a ser dada à direção.

Toda essa estrutura do espaço físico da escola tem certa equivalência

com a estrutura social: espaços mais específicos para os pequenos; outros

possíveis para os do final do fundamental I e a horta para os do fundamental II.

Os alunos, portanto, ocupam posições diferenciadas: novos na escola (1º ano),

mais velhos do quinto ano e os do fundamental II representam uma hierarquia

que não é só de idade: é de tempo e de experiência de escolarização. E a

escola é representativa dessa condição social marcante: é um grande espaço

hierarquizado e sofre o efeito de naturalização dessa característica em todos

os seus espaços compartimentados.

O poder simbólico de cada ambiente na escola foi percebido nos

depoimentos dos professores e dos alunos. Um exemplo dessa realidade pode

ser vista no que se refere à diretoria: espacialmente separada das salas de

aula foi explicitamente ligada a um local de punição, mas mais do que isso:

relacionou-se tal punição com lição, obrigatória e difícil para quem está na

situação. Como esse exemplo, todos os demais ambientes tiveram escolhas de

concordância com suas funções; simplesmente ao informar que os ambientes

são o que são e a que se destinam, já carregam esse simbolismo poderoso, o

efeito que essa designação atribui ao lugar e sua posição no conjunto.

Considera-se que o objetivo geral colocado foi atingido, pois, mediante

os dados foi possível detectar as manifestações de professores e alunos sobre

os diferentes lugares da escola. Assim, a pesquisa realizada confirma a

hipótese apresentada inicialmente, ou seja, as visões dos sujeitos acerca dos

espaços da escola são diversas e dependem da posição que ocupam na

escola (professor ou alunos) e no espaço social; também dependem do

ambiente a que se referem seja quadra, pátio ou sala de aula.

A pesquisa termina reforçando a ideia do espaço escolar como

importante campo de pesquisa educacional por concluir que o espaço da

escola vai muito além das paredes e do prédio: integra relações e construções

simbólicas.

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Anexos

Entrevistas e questionários (para professores e alunos do primeiro e

quinto anos)

a) Qual o seu lugar (ou lugares) preferido dentro da escola?

b) Qual lugar (ou lugares) você não gosta?

c) Qual lugar (ou lugares) você considera mais importante? E o menos

importante?

d) Existem lugares que são apenas para professores e lugares que são

apenas para alunos?

e) Você mudaria a estrutura ou organização de algum lugar(s) da escola?

Por quais motivos?

f) Qual você acredita que seja a finalidade desses espaços:

pátio________, sala de aula__________, sala da direção__________,

corredor___________, sala dos professores_________, sala de

leitura________, sala de informática________.

Questionário com escala de preferências (para professores e alunos do

primeiro e quinto ano)

a) O pátio é o meu lugar preferido na escola.

Concordo plenamente ( ) Concordo parcialmente ( ) Discordo plenamente ( )

Discordo parcialmente ( )

b) Não gosto da sala da direção.

Concordo plenamente ( ) Concordo parcialmente ( ) Discordo plenamente ( )

Discordo parcialmente ( )

c) A sala de aula é o lugar mais importante da escola.

Concordo plenamente ( ) Concordo parcialmente ( ) Discordo plenamente ( )

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Discordo parcialmente ( )

d) Alunos não devem frequentar a sala dos professores.

Concordo plenamente ( ) Concordo parcialmente ( ) Discordo plenamente ( )

Discordo parcialmente ( )

e) O corredor serve apenas para a circulação das pessoas.

Concordo plenamente ( ) Concordo parcialmente ( ) Discordo plenamente ( )

Discordo parcialmente ( )