revista sorria - programa de apadrinhamento

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24convivero espaço de todos nós

Quem resolve conviver com crianças que moram em abrigos ou vivem em risco social ganha uma família. E, juntos, descobrem o verdadeiro sentido do verbo amar

texto P a t r í c i a P e r e i r a ilustração G u i l h e r m e K a r s t e n

ESPERAR TODOS OS DIAS o carteiro para conferir se chegou uma cartinha de longe. Passar a semana esperando um encontro. Ou fi car horas acordado à noite imaginando como está aquela pes-soa especial. Sensações assim são rotina para quem descobriu que adotar não é a única maneira de trazer novas crianças para seu convívio. Na vida de padrinhos e madrinhas de jovens que vivem em abrigos ou em regiões carentes, a sauda-de se mistura com o amor e a responsa-bilidade. “Por mais clichê que pareça, é difícil saber quem doa ou quem recebe”, conta Natalia Veil, de 29 anos, que par-ticipa do programa de apadrinhamento afetivo da ONG Aconchego, de Brasília.

Há quatro anos, ela passa um fi m de semana por mês com seu afi lha-do. Nesses momentos, adoram se reu-nir para comer. “Na rua ou em casa, é do que ele mais gosta”, diz a madrinha, que viu pela primeira vez o garoto em uma visita ao abrigo. Como queria le-var um pouco de afeto a crianças afasta-das da família, ela tornou-se madrinha.

Com o tempo, o convívio entre os dois tornou-se harmônico e divertido.

“Gosto da companhia dele”, diz Natalia. Quando se encontram, trocam muitos “eu te amo!”, “que saudade!” e “quando será o próximo encontro?”.

Amizade transformadoraProgramas de apadrinhamento como o de Natalia existem em todo o Brasil. O objetivo é proporcionar convivência fa-miliar e comunitária a jovens de abrigos. Há os que requerem apenas uma doa-ção mensal e troca de correspondência. Outros permitem a padrinhos e madri-nhas que passem fi ns de semana, feria-dos ou parte das férias com os afi lhados. Alguns até possibilitam que eles fi quem com a criança sob sua guarda por até dois anos. Quem quer ser padrinho pre-cisa preencher pré-requisitos como ter tempo e disponibilidade para as crian-ças, participar de ofi cinas e formações. Com isso, dão uma chance a meninos e meninas de construírem relações afeti-vas e ganharem referências da vida fora do abrigo, onde esperam a adoção ou o momento de voltar para a família.

Para a psicóloga Sabrina de Melo, do Núcleo de Preparação de Apadrinha-

mento Afetivo da ONG Aconchego, não é por acaso o carinho entre as duas pon-tas da relação. Constrói-se uma amizade transformadora. “O afi lhado vê no padri-nho alguém com quem pode contar, divi-dir alegrias, tristezas, conquistas, medos e sonhos. E também é quem ensina limi-tes, faz cobranças e passa a perspectiva do que é certo e errado”, explica Sabrina. Há cumplicidade com responsabilidade.

Alessandra Fonseca, de 32 anos, descobriu isso ao tornar-se madrinha de Alberto, de 10 anos, que mora no Vale do Jequitinhonha, um dos lugares mais pobres do país. Ela o conheceu em uma lista de perfi s da ONG ChildFund Bra-sil, que incentiva a doação de quantias mensais para ajudar crianças que vivem em regiões de risco social. Logo, os dois começaram a trocar cartas e fotos. “Cos-tumo dizer que é a única coisa da qual ja-mais abrirei mão. Não quero perder esse vínculo”, diz Alessandra, que vive em La-goa Santa (MG). “Quando ele era menor, a mãe escrevia e ele desenhava. Agora, ele escreve, desenha, dá noticias da fa-mília. Acompanhei a evolução na escola – a letra que melhora, o falar que muda.”

Família docoração

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É que acolher uma criança tem a ver com conviver e educar quem vem de uma realidade diferente. Kátia diz que, quando as meninas chegam, elas preci-sam se adaptar à rotina da casa, aos ho-rários e aos costumes. “E nós também precisamos nos adaptar ao ritmo delas e chegar a um acordo. Afi nal, é um novo relacionamento”, conta. E nem sempre isso é tranquilo. Um dos problemas que já teve foi com a fi lha biológica. As ga-rotas começaram a ter desentendimen-tos comuns entre irmãs. Com muita con-versa e paciência, a família se entendeu.

Para Adriana Pinheiro, assistente social do Sapeca, pais que acolhem es-ses jovens costumam ter de readaptar a rotina e o jeito de se relacionar. “Apren-de-se muito com uma criança que vem de uma família desestruturada”, afi rma. “A ter empatia, a oferecer colo, a escu-tar dúvidas e medos.” Isso acontece por-que, ao cuidar e ter um olhar atento ao outro, jovens e adultos passam a repen-sar suas necessidades e valores. Amor, afi nal, também é convívio, troca e cons-tante aprendizado. Algo que essas famí-lias do coração têm de sobra.

Em maio deste ano, os dois conhe-ceram-se pessoalmente. Alessandra foi até a cidade de Alberto e foi recebida por toda a família. “Foi muito emocionante. Eu não fazia ideia de como estava cresci-do, só nos conhecíamos por foto”, lem-bra a madrinha. “É impossível ser um pa-drinho sem se envolver, sem querer sa-ber como o afi lhado está o tempo todo.”

Perto do coração Esse envolvimento é ainda mais inten-so quando os voluntários se dispõem a receber crianças em casa, por um perí-odo de até dois anos. Nesse tipo de pro-grama, a família ganha a guarda provisó-ria de jovens afastados da família e deve tratá-los como fi lhos – mas tendo em mente que é uma situação temporária,

e não um processo de adoção. O objeti-vo é tentar reestruturar a família de ori-gem para que a criança volte para casa.

Kátia Nascimento, 48 anos, faz parte de um projeto como esse há quatro anos. Ela participa do Sapeca (Serviço de Aco-lhimento e Proteção Especial à Criança e ao Adolescente), da prefeitura de Campi-nas. Desde janeiro, Júlia, de 9 anos, mora em sua casa. “É como um novo nasci-mento na família”, conta Kátia, que vive com o marido e a fi lha de 15 anos.

Ela fala que tem preocupações e feli-cidades como se a garota fosse sua fi lha. “Eu me emociono quando aprendem algo ou fazem apresentações na escola”, diz. Júlia é a segunda garota que Kátia re-cebe. “Hoje tenho três fi lhas, e a família vai aumentar no futuro”, afi rma a mãe.

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