sorria #21

7
*21 agosto/setembro 2011 Realização: este valor, descontados os impostos, é 100% doado para os projetos do

Upload: karina-sergio-gomes

Post on 26-Mar-2016

225 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Reportagem na editoria Educar: As palavras “aprender” e “fácil” não combinam. Aar-se bom em qualquer coisa é duro. A recompensa está na evolução: sentir-se melhor, mais capaz.

TRANSCRIPT

Page 1: Sorria #21

*21

ago

sto/

sete

mbr

o 20

11

Realização:

este valor, descontados os impostos, é 100% doado para os projetos do

SORRIA21_capa.indd 1 7/18/11 6:40 PM

Page 2: Sorria #21

carta do editornotícias da redação

8

O encurvamento na mão do arqueiroNA PAREDE DA CASA onde fui criado, num papel fi broso imitando pergaminho, havia um poema que eu e meus irmãos brincá-vamos de decorar: “Teus fi lhos não são teus fi lhos, são os fi lhos e as fi lhas da ânsia da vida por si mesmo...”. Só muitos anos depois eu entendi aqueles versos. O poeta libanês Khalil Gibran põe o dedo na ferida dos pais que, como os meus, veem seus fi -lhos sair de casa: “[Teus fi lhos] não te per-tencem (...) Suas almas moram na man-são do amanhã, que tu não podes visitar nem mesmo em sonhos”. Lembrei desse rico texto enquanto preparávamos a maté-ria de capa desta edição, em que uma das personagens é justamente uma mãe que conta sobre a dor de ver o ninho vazio. E aí percebi que os versos são ainda mais uni-versais: falam sobre todas as perdas inevi-táveis. Mas nem por isso é um poema tris-te. Porque, como você vai ver lá na pági-na 34, deixar ir é o que há de mais natural nessa vida. E pode ser fonte de refl exão, satisfação, renovação. Não é à toa que o gênio Khalil Gibran encerra assim: “Tu és o

Dilson BrancoEDITOR

arco do qual teus fi lhos são arremessados como fl echas vivas. Que teu encurvamen-to na mão do arqueiro seja tua alegria”.

Um dos méritos das despedidas é o fato de elas permitirem os reencontros. Esse é o tema da seção Amar (pág. 40), mais uma vez organizada pela dedicadíssima Ana Luísa Vieira. Outros destaques são a seção Cuidar (pág. 30), em que a Jéssica Martine-li relata como foi tentar passar uma sema-na sem usar plástico, e a Educar (pág. 44), na qual a Karina Sérgio Gomes mostra o valor da persistência para o aprendizado.

Para mim, o tema despedida não poderia ser mais apropriado. Esta é minha última edição na Sorria. Saio para embarcar no mais novo projeto da Editora MOL, uma revista nos mesmos moldes, que também vai ajudar muita gente – logo vocês vão sa-ber mais! Agradeço do fundo do meu co-ração por poder ter feito parte desse proje-to incrível, onde aprendi muito. E também me emocionei demais. Como ontem: tra-

balhando em pleno domingo, eu recebi a ligação de um leitor de Guarulhos (SP), que decidiu gastar preciosos minutos da sua vida telefonando para a redação só para dizer quanto gosta da Sorria.

No meu lugar fi ca a Rita Loiola, que vo-cês já conhecem bem. Na arte, saem o Fa-bio Otubo e o Ricardo Sukys e entram a Ma-riana Bolzani e a Luana de Almeida. Tenho certeza de que vocês vão adorar o trabalho delas. Obrigado! Boa leitura! E até logo!

1

1

4

2

3

4 5

1

2

4

3

4 5

4

4444

5

1. CURTIU A FOTO DE CAPA? FOI ESSA TURMA QUE FEZ. 2. BASTIDORES DO MOVIMENTAR – BOM NO IOIÔ, SÓ O ENTREVISTADO! 3. NA BELA ESTAÇÃO DA LUZ, O PESSOAL DO CLIQUE QUE ABRE A SEÇÃO AMAR. 4. O ESTAGIÁRIO RICARDO E OS QUEBRA-CABEÇAS QUE ELE FEZ PARA A SEÇÃO BRINCAR. 5. CADÊ O PASSARINHO QUE VOOU DA GAIOLA DA CAPA? NAS FOTOS DA SEÇÃO CRESCER! 6. A NOVA EQUIPE DA SORRIA: LUANA, MARIANA E RITA. BOA SORTE, MENINAS!

1

2

3

4

6

U

Sorria21_editorial_dilson.indd 8 18/07/11 20:57

Page 3: Sorria #21
Page 4: Sorria #21

As palavras “aprender” e “fácil” não combinam. Tornar-se bom em qualquer coisa é duro. A recompensa está na evolução: sentir-se melhor, mais capaz e feliz

texto K a r i n a S é r g i o G o m e s

ilustração R o m o l o

AOS 10 ANOS, MILTON FILHO se apaixonou. Ela se chamava Zo-die: uma bola de metal com a extraordinária capacidade de pai-rar no ar, como se voasse. Controlar esse poder não era moleza. Aprendiz de mágico, o garoto passava todas as tardes em frente ao espelho, tentando dominar a esfera. “Sentia vontade de desis-tir, porque não conseguia fazer a Zodie fl utuar”, conta. Um dia, fi -nalmente, ela cedeu. Foi uma explosão de alegria. Aos pulos, saiu correndo para mostrar o passe para a mãe. E, assim, Milton tor-nou-se o mágico ofi cial das festas de família.

Os truques entraram em sua vida quando o pai, radialista em Belém do Pará, se encantou com a habilidade de um mágico e lhe pediu que ensinasse os segredos a dois de seus oito fi lhos. Seu ir-mão logo desistiu, mas Milton seguiu fi rme. E foi com a bola pra-teada que ele descobriu que aprender não se parece em nada com um passe de mágica. Pede dedicação, treino, repetição, can-saço. Até hoje, Milton, agora um médico de 61 anos, usa o tempo livre para praticar. “Gosto de fazer as pessoas sonhar a cada tru-que”, explica. Recentemente, comprou cinco jogos de mágica. E

Não tem mágica

educardentro e fora da escola

44

Sorria21_educar.indd 44 7/18/11 8:08 PM

Page 5: Sorria #21

As palavras “aprender” e “fácil” não combinam. Tornar-se bom em qualquer coisa é duro. A recompensa está na evolução: sentir-se melhor, mais capaz e feliz

texto K a r i n a S é r g i o G o m e s

ilustração R o m o l o

AOS 10 ANOS, MILTON FILHO se apaixonou. Ela se chamava Zo-die: uma bola de metal com a extraordinária capacidade de pai-rar no ar, como se voasse. Controlar esse poder não era moleza. Aprendiz de mágico, o garoto passava todas as tardes em frente ao espelho, tentando dominar a esfera. “Sentia vontade de desis-tir, porque não conseguia fazer a Zodie fl utuar”, conta. Um dia, fi -nalmente, ela cedeu. Foi uma explosão de alegria. Aos pulos, saiu correndo para mostrar o passe para a mãe. E, assim, Milton tor-nou-se o mágico ofi cial das festas de família.

Os truques entraram em sua vida quando o pai, radialista em Belém do Pará, se encantou com a habilidade de um mágico e lhe pediu que ensinasse os segredos a dois de seus oito fi lhos. Seu ir-mão logo desistiu, mas Milton seguiu fi rme. E foi com a bola pra-teada que ele descobriu que aprender não se parece em nada com um passe de mágica. Pede dedicação, treino, repetição, can-saço. Até hoje, Milton, agora um médico de 61 anos, usa o tempo livre para praticar. “Gosto de fazer as pessoas sonhar a cada tru-que”, explica. Recentemente, comprou cinco jogos de mágica. E

Não tem mágica

educardentro e fora da escola

44

Sorria21_educar.indd 44 7/18/11 8:08 PM

45

continua treinando em frente ao espe-lho para encantar amigos e familiares.

É que aprender é um processo de es-forço contínuo. Estudar algo novo é sem-pre um desafi o. Desestabiliza o pen-samento acomodado e força a buscar novas soluções. Por isso, é preciso per-sistência, paciência, tempo. Principal-mente até chegar aos primeiros resulta-dos, que nos enchem de força para pros-seguir. “Quem gosta persiste”, diz Marisa Elias, professora de pedagogia da Ponti-fícia Universidade Católica de São Paulo. “Alguns processos exigem técnicas. E é preciso muito treino para, por exemplo, adquirir habilidade com as mãos.”

Destrava-língua O prazer aliado ao trabalho duro é o que move o empresário paulistano José Peres a falar oito línguas. Filho de espanhóis, ele nasceu em meio ao dialeto catalão que os pais falavam entre si. Na escola, aprendeu francês e latim. Assim que se formou em engenharia química, notou que precisaria também do inglês. Estu-dou a língua por dois anos, e não demo-rou veio o convite para trabalhar nos Es-tados Unidos. Adquiriu fl uência. De vol-ta ao Brasil, a empresa onde trabalhava começou a negociar com alemães. En-tendiam-se em inglês, mas José fi cava in-trigado ao ouvir os novos parceiros co-chichar entre si. Curioso, aprendeu o su-fi ciente para entender e responder em alemão. Alguns anos depois, começaram negociações com o Japão. E lá foi José co-nhecer os três alfabetos desses orientais.

Para ele, aprender línguas aumenta as chances nos negócios – e rejuvenesce. Hoje, com 72 anos, sentar-se na cartei-ra para José é voltar a ser jovem. “Quan-do eu estou na sala de aula, viro um me-nino. Dá até vontade de jogar bolinha de papel na cabeça do professor”, diz. Foi por causa desse prazer que, quando com-pletou 60 anos, voltou a estudar o fran-cês da infância e aprendeu italiano. Ago-ra, dedica uma hora por dia – e duas au-las semanais – a descobrir o mandarim dos chineses. E que não se imagine nisso um talento para ser poliglota: para José,

aprender novas línguas nunca foi tarefa fácil. “Não sou autodidata. Estudar, para mim, exige sacrifício. Detesto fazer lição de casa, mas faço. Não perco nenhuma aula porque sei que, se faltar, terei de es-tudar sozinho duas horas a mais.”

José sabe que todo aprendizado exi-ge disciplina. O hábito de estudar tam-bém precisa ser ensinado. “Ninguém nasce autodisciplinado”, afi rma Maria Silva Bacila, professora de pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Para-ná. “Isso vem da família e da escola, que impõem hábitos de estudos.” Por isso, apesar de cada um desenvolver seu jei-to de aprender, a maior parte das pes-soas precisa de um mestre. É ele que aponta caminhos e convida a ir adian-te. “Cada avanço traz motivação para um grau mais elevado”, explica a professora “E, quando chegamos lá, temos estímulo para aprender algo mais difícil.”

Professor tempoÉ como se aprender fosse uma luta con-tínua, que, quando menos se espera, traz a vitória. Tanto esforço, de repente, ter-mina em amadurecimento e ganha no-vos signifi cados. Quando a paulistana Susete Morimo começou a praticar cara-tê, só queria ser faixa preta. Aos 13 anos, treinava uma hora por dia. Quatro anos depois, começou a competir, e a práti-ca se intensifi cou para seis horas. Nes-sa época, lutava para vencer – e acabou mesmo campeã paulista de caratê.

Mas o passar dos anos mostrou a Su-sete que o objetivo do caratê ia além das vitórias. “O tempo me ensinou que meu grande rival sou eu mesma. Preciso trei-nar para melhorar todos os dias”, diz. Hoje, aos 49 anos, além de ser faixa pre-ta, Susete acumulou graduações sufi cien-tes para virar mestre e passou a formar atletas. Mas ainda não chegou aonde de-seja. Descobriu que sempre há algo novo para aprender – até porque, quanto mais longe vai, mais capaz se sente para avan-çar. “Meu objetivo agora é me aprimorar na fi losofi a do caratê”, conta. Sem pres-sa. É a luta de todo dia que lhe ensina, diz. “O aprendizado não tem fi m.”

AINDA NÃO CONSEGUIU TIRAR O COELHO DA CARTOLA? PERSISTA. QUANDO ELE SURGIR, VOCÊ TERÁ MOTIVAÇÃO PARA FAZER MÁGICAS AINDA MAIS INCRÍVEIS

Sorria21_educar.indd 45 7/18/11 8:09 PM

Page 6: Sorria #21

46trabalharpara viver melhor

QUANDO AS FÉRIAS CHEGAM, Joana Flores só quer sossego. No ano passado, a analista de câmbio de 26 anos não quis fazer esforço nem para programar uma viagem. Resolveu fi car os 30 dias em seu prédio, à beira da piscina, curtindo o ve-rão de São Paulo. “Nessas férias, não ti-nha hora nem para acordar. O máximo que fazia era sair com meus amigos à noite quando era convidada”, conta.

É assim, desligada de qualquer com-promisso, que Joana consegue carregar as baterias gastas nos meses de trabalho. Quando pode, escolhe lugares onde seja obrigada a não fazer nada. Neste ano, foi para Boipeba, na Bahia, uma praia que convida à sombra, água fresca e pregui-

Então, por que não fazer uma coisa pra si?” Para Joana, o máximo que pode fazer para aproveitar o tempo é deixá-lo livre.

Descanso obrigatórioNo Brasil, o período de trinta dias de la-zer é um direito regulamentado por lei desde 1943. Mas nem todos os países acham que descanso é algo obrigatório. Nos Estados Unidos, por exemplo, não há lei que assegure esse direito. O que as leis trabalhistas brasileiras colocaram no papel é a necessidade de pausa mesmo para aqueles que amam o que fazem – o que ajuda na produtividade e na saúde. “O ócio faz parte da vida e é importante para a própria manutenção dos trabalha-

ça. “Não gosto de me estressar quando estou de folga. Procuro ir para lugares em que eu possa só descansar”, diz.

Joana é daquelas que seguem ao pé da letra a origem da palavra férias, que em latim quer dizer dia de descanso. Ou seja, livrar-se de qualquer atividade. O que os romanos já sabiam quando in-ventaram a pausa no trabalho é que fa-zer nada signifi ca fazer muita coisa para si. “A pessoa está acumulando energia para o próximo período de trabalho”, diz José Clerton Martins, professor de psico-logia da Universidade de Fortaleza e co-ordenador de um grupo de estudos sobre ócio, lazer e tempo livre. “Esse é um tem-po seu, em que você controla as horas.

Todo mundo sonha com o período do ano em que não é preciso trabalhar. Mas qual será a melhor maneira de aproveitar essa folga tão desejada?

texto K a r i n a S é r g i o G o m e s ilustração E s t ú d i o P i n g a d o

Ah, minhas

férias...

Sorria21_trabalhar_ok.indd 48 7/18/11 8:49 PM

Page 7: Sorria #21

47

dores”, explica Aiznaque Grimaldi, vice--presidente regional da Associação Na-cional de Medicina do Trabalho. “Nosso organismo precisa de descanso, tanto fí-sico quanto emocional.”

Há quem, no entanto, utilize esse pe-ríodo para se ocupar – só que de outro jeito. A artista plástica Nicole Candian, 22 anos, sempre começa as férias com uma grande faxina nos armários. E as quatro semanas de liberdade servem para cur-sos que aprimoram suas habilidades. “Limpo as prateleiras, faço cursos e re-fl ito sobre meu trabalho pessoal”, conta. “Isso alimenta a minha criatividade. As férias são o momento em que consigo estudar e conhecer coisas novas”, diz.

Para as próximas, ela já planeja um cur-so fora do país, de fotografi a. “É muito prazeroso poder usar esse tempo estu-dando e trabalhando.”

Ops, ela disse “trabalhando”? É que, para Nicole, o trabalho das férias pas-sa longe do que faz de segunda a sexta--feira. E, sem a obrigação de estar pro-duzindo para outros, ela pode criar e repensar seus caminhos. É assim que consegue equilibrar a profi ssão e seus desejos pessoais. “Esse é o momento de você abandonar a perspectiva profi s-sional e se conectar a suas ambições”, diz o psicanalista Viktor di Salis. “Usar esse tempo para o trabalho de todos os dias seria um pouco vazio.”

Um tempo só para vocêPara algumas pessoas, 30 dias não são sufi cientes para repensar a própria tra-jetória. O ideal seria um ano sem metas nem horários. Chamado de ano sabáti-co, o período de doze meses de interva-lo na vida profi ssional é comum entre professores de universidades europeias – após sete anos se dedicando à vida acadêmica, eles tiram um para viajar.

Inspirada nesse exemplo, a publi-citária Clarice Tavares, 33 anos, de São Paulo, passou um ano de folga. Após seis anos na mesma agência, seu cor-po começou a reclamar com dores, estresse e gripes constantes das qua-se 11 horas por dia de trabalho. Foi aí que Clarice decidiu parar tudo. Primei-ro, a ideia eram férias convencionais. Pediu demissão, pegou o passaporte e foi para a Califórnia, nos Estados Uni-dos, em fevereiro do ano passado. Vin-te dias depois, de volta ao Brasil, per-cebeu que precisava de mais tempo. “Tinha vontade de refrescar a cabeça e conhecer outras coisas”, conta.

Então, ela raspou a poupança e atra-vessou o oceano. Chegou em Barcelona, foi para Berlim e, de lá, viajou por toda a Europa. Para não gastar muito, contava com a ajuda de amigos para achar um local para fi car – fosse um sofá ou di-vidindo o aluguel. Em dez meses, Cla-rice visitou galerias, empresas, engajou--se em trabalhos temporários, conheceu gente nova e participou de encontros para apresentar seu trabalho e trocar ideias. “Queria absorver tudo o que po-dia. Aos poucos, comecei a ter um novo olhar sobre o que fazia”, conta.

“Entendi que não tinha problemas com minha profi ssão, mas com a área em que trabalhava. Jamais teria essa vi-são se não tivesse tirado um período sa-bático.” Quando voltou, Clarice resolveu aliar a profi ssão com a área que sonha-va. Hoje, trabalha com marketing cultu-ral. Como ela descobriu, seja de papo para o ar, estudando ou imerso em lu-gares diferentes, as férias abrem os hori-zontes – e são a melhor das pausas para refl etir sobre os rumos do cotidiano.

Sorria21_trabalhar_ok.indd 49 7/18/11 8:49 PM