press review page · ser usado em missões à lua, a co- ... sa, em janeiro de 2006, qual era o...

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Aterrar emMarte pelamão de umaempresade LisboaInvestigação e Inovação em Portugal... tecnologia espacialCriada há 11 anos, quando o espaço era ainda embrionáriono país, a Spinworks criou um sistema mais preciso para descernoutros planetas

A jovem equipa da Spinworksdesenvolveu e construiu o sistema

de aterragem, e também o drone no

qual ele vai ser testado durante os

próximos meses

TEXTO FILOMENA NAVESFOTOS GUSTAVO BOMDN/Açoriano Oriental

Dentro de três semanas, Francisco

Câmara, João Oliveira e Tiago Hor-migo mudam-se com os computa-dores e um drone todo equipadocom câmaras de vídeo e vários sis-

temas eletrónicos para uma pe-dreira perto de Alenquer. Será ali,no meio do nada, num terreno de-sativado que eles próprios estão

agora apreparar, para que se pare-ça com uma paisagem marciana no

arranjo das rochas, que vão fazer

aprimeiragrandeprovadefogo dasua nova tecnologia espacial.

Trata-se de um sistema de dete-

ção e desvio de obstáculos em tem-po real para uma aterragem de pre-cisão em Marte - que tambémpodeser usado em missões à Lua, a co-metas ou a asteroides -, que a sua

empresa, a Spinworks, sediadaem

Lisboa, desenvolveu nos últimosdois anos para a ESA, a agência es-

pacial europeia.Neste momento, já está tudo

mais do que testado no computa-dor - e a funcionar sem falhas. Nafase final da aterragem em Marte,que tem uma atmosfera muito ra-refeita e uma gravidade cerca detrês vezes menor do que a Terra,tudo acontece muito depressa: dos

400 metros de altitude até ao solo

são apenas 30 segundos. Nessa des-

cida alucinante, o software tem ape-nas dez segundos para avaliar o ris-

co do local em que a nave vai descer:

é o tempo de detetar um eventualobstáculo e ainda ter margem demanobra para um desvio rumo a

um sítio seguro. Neste momento, o

sistemaque os jovens engenheiros

da Spinworks desenvolveram jáconsegue fazê-lo em modo virtual.Num ecrã gigante, na parede, Fran-cisco Câmara, um dos líderes do

projeto, com João Oliveira e Tia-go Hormigo,projetaofilmede umadas muitas simulações feitas. Vis-to de cima parabaixo, lá está o ter-reno rugoso virtual a aproximar-se.Ao lado, aquela mesma zona da "su-

perfície marciana" surge pintada aduas cores - a verde estão as áreas

seguras para pousar, avermelho as

perigosas.Subitamente, o sistema perce-

be que o ponto escolhido para a

aterragem se encontra na zona ver-melha - porque há uma rocha nocaminho, ou uma cova -, e entãoaciona os comandos para dirigir a"nave" para a parte verde, onde porfim aterra em segurança.

O algoritmo que comanda a des-cida está a correr sem falhas e no

tempo certo: as imagens da câma-ra chegam a cada décimo de se-

gundo, como previsto, e são com-binadas com as de um LiDAR, umsistema de varrimento de laser quelê o relevo, e tudo é processado em

tempo real, de forma que a navepode salvar-se a tempo de uma ater-

ragem desastrosa."Com o LIDAR temos um nível

de precisão do relevo daordem dos

seis centímetros, muito mais pre-ciso do que todos os outros sistemas

existentes", diz Francisco Câmara,sublinhando que este tem uma taxade sucesso acima dos 99% numaaterragem em Marte. Atualmente,

pousar no Planeta Vermelho tem

taxas de sucesso de apenas 80%,dado que não há ainda nenhum sis-

tema de aterragem deste tipo - ou-tros grupos, além da Spinworks, es-

tão a trabalhar nisso, na Europa e

nos Estados Unidos.Falta agora a prova dos nove, no

terreno, oque vai serfeito na tal pe-dreira, com uma série de testes, ou

seja, de aterragens, com um dro-ne que a própria equipa construiue equipou com a sua tecnologia. E,para que tudo se assemelhe ao queacontece com a descida de umasonda no Planeta Vermelho, o dro-ne tem de estar a uma altitude decem metros no momento em queinicia a manobra de aterragem.

"Temos de fazer pelo menos mildescidas, em diferentes pontos e ahoras distintas do dia, para no finaltermos uma estatística robusta", ex-

plica Francisco Câmara. Num pro-jeto deste tipo, "não pode havermais de um por cento de aterragensfalhadas", resume.

A campanha seguinte tambémjá está marcada: será em no-vembro, em Marrocos, num vas-to terreno de solo avermelhado,pedregoso e muito "marciano", jápreparado para isso mesmo. É ali

que decorrem muitos dos derra-deiros testes de veículos e tecno-logias de missões a Marte.

Se tudo correr bem, como a equi-pada Spinworks espera, emjaneiroo projeto estará concluído e entre-

gue à ESA. Até lá, ultimam-se de-talhes - e respira-se confiança. ?

Seis jovens, umaempresa e o sonhode voar alto

No princípio eram seis, todos jo-vens de 20 e poucos anos, todossaídos do Instituto Superior Téc-

nico, da área da Engenharia Ae-rospacial, todos com alguns anosde experiência no estrangeiro, naESA, ou empresas de referência,como a Airbus. "Quando entrámosno Técnico não havia indústria ae-

rospacial em Portugal", lembra

Tiago Hormigo, que trabalhou nocentro de controlo da ESA, emDarmstadt, na Alemanha, efoi umdos fundadores da Spinworks, emjaneiro de 2006. A temporada láfora, "a trabalhar no que de me-lhor se fazia na Europa na área

do espaço, logo à saída do cur-so", fez toda a diferença. "Isso

galvanizou-nos", recorda TiagoHormigo. E a possibilidade decriar uma empresa em Portugalacabou por surgir com naturali-dade. Hoje a Spinworks tem 19

engenheiros e investigadores ede projeto em projeto, todos ga-nhos em concursos internacio-nais e competitivos, nomeada-mente no âmbito da ESA, a

equipa cresceu, ganhou know-how e desenvolveu tecnologiaprópria e competitiva, como a dosistema de aterragem de precisãonoutros planetas. ?

LIDAR Este pequeno equipamento, que integra o sistema de

aterragem, faz um varrimento do solo para obter imagens em 3D do

seu relevo com uma precisão de seis centímetros. Isso permite detetar

obstáculos a evitar, como rochas e covas

Do espaço paraa Terra, há novasaplicações

O primeiro projeto que a

Spinworks ganhou, logo em2007, no valor de um milhão de

euros, foi a produção de antenas

para o Galileo, o sistema euro-peu de navegação por satélite."Não foi fácil, porque só rece-bíamos averba depois de entre-gar as antenas, mas foi um su-cesso", lembra Tiago Hormigo.Isso foi decisivo para se abalan-

çarem a novos concursos, no-

meadamente da ESA. E nessaaltura começou a desenhar-se ocaminho para esta nova tecno-logia de deteção e desvio de obs-táculos para aterragem de pre-cisão. "Achámos que valia a penainvestir nesta tecnologia", con-ta Francisco Câmara. Logo emjaneiro de 2007 ganharam umprojeto da ESA para desenvol-ver um sistema desse tipo paraa missão Next Lunar Lander,

que acabou por ser cancelada.Mas o conhecimento ficou e vol-tou a servir de trampolim paraa diversificação de outras apli-cações, também terrestres,como o apoio à agricultura e sil-vicultura, com drones e imagemem tempo real. "Desenvolvemosos nossos próprios drones paraisso e prestamos serviços a agri-cultores e produtores florestais",diz Francisco Câmara. ?

"Há bonsargumentos paraque o Estado invistamais no espaço"

Primeiro aterraram na Lua,evitando obstáculos no solo -tudo no computador. A ESAficou interessada e decidiu fi-nanciar a fase seguinte do

projeto. Francisco Câmara e

Tiago Hormigo, dois dos fun-dadores da Spinworks e líde-res do projeto, contam comofoi chegar aqui - sempre apensar no futuro.

Como surgiu este projetopara a ESA?

Na sequência de outros emque desenvolvemos a tecnolo-gia e demonstrámos que o sis-tema funcionava no computa-dor. A ESA quis que levássemos

a tecnologia à fase seguinte.Então criou este projeto e deu-

nos acesso a computadores debordo das futuras naves, quesão muito mais limitados emvelocidade e memória. Foi umdesafio simplificar ao máximoo código e acelerá-lo para cor-rer dentro dos tais dez segun-dos, que é o tempo disponívelpara processar os dados e to-mar a decisão do local seguropara a aterrar.

Quando poderá o sistemavoar numa missão?

Já não vamos atempo da pró-xima missão europeia a Marte,em 2020. Mas a ESA está a pla-near uma missão à Lua, com a

agência espacial russa, e há pla-nos para incluir este sistema, emduas etapas. Numa primeira

missão, que entretanto foi adia-da e que já não será em 2020, é

inserida uma caixa a bordo comuma câmara e um LiDAR [sis-tema de varrimento laser paraobter imagens em 3 D] só parafazer medições durante a des-cida. Numa segunda missão,dois ou três anos depois, já esta-rá presente o sistema de deteçãoe desvio de obstáculos.

O sistema poderá então serutilizado primeiro numa mis-são à Lua?

Há essa possibilidade.Quando fundaram a empre-

sa, em janeiro de 2006, qualera o panorama da indústriaespacial em Portugal?

Havia muito poucas empresas

portuguesas, ou sediadas emPortugal, nesta área. Portugal ti-nha aderido à ESA em 2000 e o

espaço era um negócio embrio-nário.

TIAGO HORMIGO

um dos fundadores da Spinworks

FRANCISCO CAMARÁ

também é um dos fundadores

Como avaliam a evolução des-te setor no país?

Hoje, orgulhosamente, pode-mos dizer que há uma indústriaespacial no país. É de muito pe-quena dimensão, pelas limita-ções da contribuição nacionalpara a ESA, que é da ordem dos

17 milhões de euros, mas oknow-how cresceu muito nestaárea em Portugal. O setor na-cional só pode obter financia-mentos na ESA, por concurso,até àquele limite, que depois naprática é mais baixo, da ordemdos 12 milhões de euros anuais.Mas a capacidade da indústriaespacial nacional permitiria fa-cilmente obter contratos numvalor global do dobro ou do tri-plo disso. Portugal está hojeequipado para conseguir absor-ver contratos no valor total de 25a 30 milhões de euros nesta área.

Há, portanto, um bom argu-mento para que o Estado invis-ta um pouco mais em espaço.Mas também é preciso dizer quedurante o período mais críticonão houve redução de verbasnesta área, como noutros seto-res, o que foi bem pensado. Ago-ra vamos ver se isto se invertepara podermos crescer. ?

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