parasitologia clínica_giardia lamblia
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1. INTRODUÇÃO:
A magnitude global e a importância das infecções parasitárias e das possíveis
medidas para seu controle foi objeto de consideração por um comitê de peritos da
OMS (OMS, 1987). No continente americano 200 milhões de pessoas estão
poliparasitadas, a maioria apenas infectada. Em 5 a 15% da população observou-se
a presença de sintomas devido a helmintos intestinais; cerca de 20 milhões
adoecem e mais de 10 000 morrem ao ano por esta causa (APT, 1987).
As parasitoses intestinais continuam representando um significativo problema
médico-sanitário, tendo em vista o grande número de pessoas acometidas e as
várias alterações orgânicas que podem ocasionar, tanto por ação espoliativa, quanto
pela possibilidade de prejudicar a absorção intestinal e ocasionar quadros clínicos
abdominais agudos (NASCIMENTO; CARVALHO, 2003).
Em relação à incidência das parasitoses, Nascimento e Carvalho (2003)
dizem que: “Basicamente, as populações que vivem em precárias condições de
saneamento básico e que necessitam de adequada educação sanitária são as mais
afetadas por estas patologias.”
Giardia lamblia é um protozoário flagelado encontrado nas células do intestino
humano e outros animais (THOMPSON; REYNOLDSON; MENDIS, 1993). Tem
distribuição mundial, sendo detectado em países desenvolvidos e em
desenvolvimento. È comumente reportada como parasita intestinal humano, com
prevalência em 2-7% em países desenvolvidos (THOMPSON; REYNOLDSON;
MENDIS, 1993; SCHANTZ, 1990). A prevalência chega em 20-60% em alguns
países em desenvolvimento. Existem 13,8% a 63,3% de crianças infectadas em
diferentes regiões do Brasil (COSTA et al., 1988; CURY; SALLES; REIS, 1994;
GUIMARÃES; SOGAYAR, 1995; TORRES et al., 1991) Outros estudos, relatam que
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em adultos e crianças (COSTA et al., 1992; NUNES et al. 1993; ROCHA et al., 1983)
ou somente adultos (COSTA-CRUZ; CARDOSO; MARQUES, 1995) têm prevalência
de 18-22%.
Giardia intestinalis, protozoário flagelado, foi inicialmente chamado de
Cercomonas intestinalis por Lambl em 1859 e renomeado Giardia lamblia por Stiles,
em 1915, em memória do Professor A. Giard, de Paris e Dr. F. Lambl. de Praga.
Muitos consideram Giardia intestinalis, o nome correto para esse protozoário
(MALTEZ, 2002).
De acordo com Neves et al. (2000) “Observações clínicas e experimentais
têm demonstrado evidências de desenvolvimento de imunidade protetora na
giardíase. Contudo, relativamente pouco é sabido sobre como o hospedeiro
responde à infecção por Giardia e como o parasita sobrevive aos mecanismos de
defesa do hospedeiro.”
Neves et al. (2000) ainda relata sobre o gênero Giardia “[...] inclui flagelados
parasitos do intestino delgado de mamíferos, aves, répteis e anfíbios, tendo sido,
possivelmente, o primeiro protozoário intestinal humano a ser conhecido.”
Os sintomas da giardíase em humanos são extremamente variáveis. Algumas
pessoas apresentam-se assintomáticos, outras têm diarréia crônica ou aguda que
pode ao final se estender por meses com síndrome de má-absorção e mal estar
(GOLDIN; WERNER; AGUILERA, 1990; MEYER; RADULESCU, 1979) G. lamblia é
usualmente apontada como uma das causas de retardo no desenvolvimento de
crianças (GOLDIN; WERNER; AGUILERA, 1990). Visto que tem mais freqüência em
crianças entre oito a dez anos, e causa sérios problemas de saúde pública neste
grupo específico (ROCHA, 1999).
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A giardíase possue distribuição mundial. A infecção acomete mais crianças do
que adultos. A prevalência é maior em áreas com saneamento básico deficiente e
em instituições de crianças que não possuem controle de seus esfíncteres. Nos
Estados Unidos, a transmissão de Giardia lamblia através da água é mais freqüente
em comunidades montanhosas e de pessoas que obtém água de fontes sem
tratamento de filtração adequado. A giardíase prevalece em alguns países
temperados e também nos países tropicais, e há infecções freqüentes de grupos de
turistas, que consomem água tratada inadequadamente (MALTEZ, 2002).
Vista a importância desta parasitose tanto a nível mundial como sua
prevalência nacional, este trabalho pretende correlacionar informações e dados
fornecidos nos últimos anos sobre esta parasitose, além de revisar todo conteúdo já
sabido entre a comunidade científica sobre esta patologia com o propósito de
verificarmos as evoluções em relação ao tratamento e, seu atual alcance
epidemiológico e combate mundial.
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2. DESENVOLVIMENTO
2.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Giardia intestinalis é um pequeno protozoário, flagelado, que durante o ciclo
evolutivo apresenta duas formas: trofozoíta e cisto (MORAES et al., 1991).
A primeira descrição do trofozoíto tem sido atribuída a Anton Van
Leueuwenhock (1681), que a notou em suas próprias fezes, porém foi Lambl, em
1859, quem o descreveu mais detalhadamente. O gênero foi criado por Kunstler
(1882) ao observar um flagelo presente no intestino de girinos de anfíbios anuros
(NEVES et al., 2000).
Atualmente é considerado um dos principais parasitos humano,
principalmente, nos países em desenvolvimento. Nessas áreas, a giardíase é uma
das causas mais comuns de diarréia entre crianças, que em conseqüência da
infecção, muitas vezes, apresentam problemas de má nutrição e retardo do
desenvolvimento. Além disso, nos países desenvolvidos, Giardia é o parasito
intestinal mais comumente encontrado nos humanos (MORAES et al., 1991).
Em relação à taxonomia da Giardia, Neves et al. (2000) afirma que é
controversa, pois, “[...] a determinação das espécies de Giardia tem sido feita
considerando-se o hospedeiro de origem e características morfológicas. Segundo
alguns autores, considerar o hospedeiro de origem não constitui um critério válido,
uma vez que, pela análise de DNA, espécies de Giardia de diferentes hospedeiros
apresentam-se idênticas, enquanto aquelas de um mesmo hospedeiro podem ser
macantemente diferentes”.
Muitos autores utilizando critérios morfológicos, principalmente o aspecto do
corpo mediano, propuseram a existência de pelo menos três espécies de Giardia: G.
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duodenalis que infecta vários mamíferos, inclusive humanos, aves e répteis; Giardia
agilis que infecta anfíbios e Giardia muris que infecta roedores, aves e répteis. A
partir de estudos empregando microscopia eletrônica, duas outras espécies foram
propostas: Giardia psittaci e Giardia ardeae, descritas em periquitos e garças azuis,
respectivamente (NEVES et al., 2000).
Ao verificar-mos todas as dificuldades taxonômicas em relação à
diferenciação do gênero Giardia em suas espécies, Neves et al. (2000) afirma
quanto a isto:
“A dificuldade em se determinar precisamente as espécies de Giardia isoladas de diferentes hospedeiros tem sido um fator limitante para o estabelecimento do potencial zoonótico da giardíase e para esclarecer a possibilidade da existência de animais que possam participar como reservatórios de Giardia. As denominações Giardia lamblia, Giardia duodenalis e Giardia intestinalis têm sido empregadas como sinonímia, particularmente para isolados de origem humana.”
2.1.1 MORFOLOGIA
A forma trofozoíta, medindo 10 a 20 μm de comprimento por 5 a 15 μm de
largura, tem simetria bilateral e contorno piriforme, quando vista de face. O corpo,
bastante deformável, mostra um achatamento dorsoventral. Na superfície ventral há
uma área ovóide que constitui um disco adesivo ou disco suctorial, que ocupa os
dois terços dessa face; ele é sustentado internamente por placas estriadas e
circunscrito externamente por um delicado rebordo (MORAES et al., 1991).
Outras descrições do parasito atribuem-lhe a forma de um cone oblíquo,
fortemente inclinado, estando à base representada pelo disco suctorial. No interior
do citoplasma, as estruturas são quase sempre duplas e simétricas e compreendem:
um par de núcleos, cada qual tendo um cariossoma central, mas sem cromatina
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periférica; e dois feixes de fibras longitudinais (os axonemas) que se iniciam junto a
oito blefaroplastos e se continuam com os flagelos posteriores (MORAES et al.,
1991).
O trofozoíto possui quatro pares de flagelos que se originam de blefaroblastos
ou corpos basais situados nos pólos anteriores dos dois núcleos, a saber: um par de
flagelos anteriores, um par de flagelos ventrais, um par de flagelos posteriores e um
par de flagelos caudais (NEVES et al., 1991).
De acordo com Moraes et al. (1991), nas preparações coradas pela
hematoxilina aparecem duas formas paralelas, semelhantes a vírgulas: são os
corpos parabasais, que correspondem efetivamente ao aparelho de Golgi.
Nas evacuações líquidas (diarréicas) os trofozoítas aparecem em grande
número, porém em fezes formadas predominam os cistos. Centenas de milhões ou
bilhões de cistos podem ser eliminados diariamente por um indivíduo infectado
(MORAES et al., 1991).
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Fonte: http://www.nih.go.jp/niid/para/atlas/images /giardia-trph.jpg
Figura 1 Forma trofozoíta de Giardia lamblia em microscopia óptica
Fonte:http://gfx.dagbladet.no/pub/artikkelv/4/42/424/424999/giardia_ny.jpg
Figura 2 Forma trofozoíta de Giardia lamblia em microscopia eletrônica
Ao encistar-se, o trofozoíta torna-se globoso, desaparece o disco ventral e o
parasito como que se enrola sobre si mesmo; os flagelos tornam-se
intracitoplasmático. Forma-se uma membrana cística fina, porém bem destacada do
citoplasma, e os dois núcleos dividem-se para constituir quatro núcleos-filhos, e
ainda sem mitocôndria (MORAES et al., 1991).
Observando-se a forma cística da Giardia lamblia Moraes e colaboradores
(1991) descrevem: “[...] são elipsóides ou ovóides e medem cerca de 12 μm de
comprimento (entre 8 e 15 μm). Nas preparações coradas pelo lugol e, melhor ainda,
nas coradas pela hematoxilina, vêem-se as estruturas internas que estão duplicadas
em relação às do trofozoíta, isto é, quatro núcleos pequenos, aproximadamente
circulares e com um cariossoma central; quatro grupos de axonemas e de corpos
parabasais (Aparelho de Golgi). A disposição, entretanto, pode ser irregular, estando
ora os quatro núcleos agrupados perto de um dos pólos, ora divididos entre os dois
extremos.”
Na água os cistos podem conservar sua vitalidade durante dois meses ou
mais. É resistente ao processo de cloração da água e sobrevive durante muito
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Fonte: http://www.dhs.state.or.us/publichealth/phl/imglib/giardia.jpg Figura 3 Forma cística da Giardia lamblia em microscopia óptica
tempo embaixo das unhas (NEVES et al., 2000). In vitro, consegue-se o
desencistamento desde que haja umidade, prévia exposição a pH 2 e temperatura
de 37ºC; e depois, semeadura em meio de cultura com manutenção do pH em torno
de 6,8 na mesma temperatura. Essas condições imitam a da passagem dos cistos
pelo estômago e sua eclosão no intestino delgado (MORAES et al., 1991).
2.1 2 HABITAT E NUTRIÇÃO
Os trofozoítas vivem no duodeno e primeiras porções do jejuno, sendo por
vezes encontrados nos condutos biliares e na vesícula biliar. A atividade dos flagelos
imprime-lhes um deslocamento rápido e irregular, como que às sacudidas. Porém,
aderem em grande número à superfície da mucosa, graças ao disco suctorial que
possuem, chegando a formar um revestimento extenso a tal ponto que, segundo
alguns autores, seriam capaz de interferir na absorção de gorduras e vitaminas
lipossolúveis, especialmente a vitamina A (MORAES et al., 1991).
Em relação à nutrição e reprodução, Moraes e colaboradores descrevem
rapidamente que:
“A nutrição das giárdias faz-se através da membrana e por processo de pinocitose que se observa tanto na face ventral como na dorsal. Seu desenvolvimento é favorecido em pH compreendido entre 6,38 e 7,02. A reprodução realiza-se assexuadamente, por divisão binária longitudinal, sendo o processo bastante complexo.”
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2.1. 3 CICLO BIOLÓGICO
Giardia lamblia é um parasito de ciclo monoxênico. A via normal de infecção
do homem é a ingestão de cistos. Embora tenha sido demonstrado,
experimentalmente, que infecções em animais se iniciem com trofozoítos, não há
evidências de que este seja importante modo de transmissão para o homem
(NEVES et al., 2000).
Em voluntários humanos, verificou-se que um pequeno número de cistos (de
10 a 100) é suficiente para produzir infecção. Após a ingestão do cisto, o
desencistamento é iniciado no meio ácido do estômago e completado no duodeno e
jejuno, onde ocorre a colonização do intestino delgado pelos trofozoítos. Os
trofozoítos se multiplicam por divisão binária longitudinal: após a nucleotomia
(divisão nuclear) e duplicação das organelas, ocorre a plasmotomia (divisão do
citoplasma), resultando assim dois trofozoítos binucleados. O ciclo se completa pelo
encistamento do parasito e sua eliminação para o meio exterior. Tal processo pode
se iniciar no baixo íleo, mas o ceco é considerado o principal sítio de encistamento.
Não se sabe se os estímulos que conduzem ao encistamento ocorrem dentro ou fora
do parasito. Entre as hipóteses sugeridas, tem-se a influência do pH intestinal, o
estímulo de sais biliares e o destacamento do trofozoíto da mucosa. Este último
parece ser o gatilho que provocaria tal mudança e tem sido sugerido que a resposta
imune local seja responsável pelo destacamento do trofozoíto e seu conseqüente
encistamento. Ao redor do trofozoíto é secretada uma membrana cística resistente,
que tem quitina na sua composição. Dentro do cisto ocorre nucleotomia, podendo
ele apresentar-se então com quatro núcleos. Os cistos são resistentes e, em
condições favoráveis de temperatura e umidade, podem sobreviver, pelo menos,
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Fonte: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/hidrica/Giardiase.htmFigura 4 Encistamento ocorre nas células do intestino. Dois trofozoítos são liberados de cada cisto. O trofozoíto multiplica-se longitudinalmente por divisão binária. Eles permanecem na luz do intestino onde vivem na forma livre ou atacam a mucosa pelo seu disco de sucção ventral. Encistamento ocorre na passagem do parasito pelo cólon. Tanto o protozoário quanto o cisto podem ser encontrados nas fezes (estágio de diagnóstico). O cisto é encontrado comumente em fezes diarréicas. Cisto são as formas resistentes e são responsáveis pela transmissão.
Fonte: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/hidrica/Giardiase.htmFigura 5 Em i indica o estágio de infecção em que o homem adquire o protozoário por consumir água ou comida infectada, ou por via oral-fecal, ou por mãos ou fômites contaminados. Em d indica que os trofozoítos passam para o solo só que não sobrevivem no meio-ambiente.
dois meses no meio ambiente. Quando o transito intestinal está acelerado, é
possível encontrar trofozoítos nas fezes (NEVES et al., 2000).
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2. 1. 4. TRANSMISSÃO
Neves e colaboradores (2000) afirmam que a via normal de infecção do
homem é a ingestão de cistos maduros, que podem ser transmitidos por um dos
seguintes mecanismos:
Ingestão de águas superficiais sem
tratamento ou deficientemente tratadas (apenas cloro);
Alimentos contaminados (verduras
cruas e frutas mal lavadas);
Esses alimentos também podem ser
contaminados por cistos veiculados por moscas e baratas;
De pessoas a pessoa, por meio de mãos contaminadas, em locais de
aglomeração humana (creches, orfanatos, etc.); de pessoa a pessoa entre membros
de uma família quando se tem algum indivíduo contaminado, através de contatos
homossexuais e por contato com animais domésticos infectados com Giardia de
morfologia semelhante à humana. Este último mecanismo ainda é discutível, apesar
de a OMS considerar a giardíase uma zoonose (NEVES et al., 2000).
2. 1. 5. IMUNIDADE
Para relacionar o quadro clínico com a ação do parasito no organismo é
necessário que compreendamos a reação imunológica estimulada por este, pois
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esta, até o momento é a que explica melhor a sintomatologia apresentada pela
giardíase.
Neves e colaboradores (2000) evidência como provas conclusivas para a
participação da resposta imunológica na parasitose os seguintes fatos: A natureza
autolimitante da infecção, a detecção de antidorpos específicos anti-Giardia nos
soros de indivíduos infectados; a participação de monócitos citotóxicos na
modulação da resposta imune; a maior susceptibilidade de indivíduos
imunocomprometidos à infecção, principalmente os que apresentam
hipogamaglobulinemia; a menor susceptibilidade dos indivíduos de áreas endêmicas
à infecção, quando comparados com os visitantes; a ocorrência de infecção crônica
em modelos animais atípicos ou tratados com drogas que deprimem a resposta
humoral.
Anticorpos IgG, IgM, IgA anti-Giardia têm sido detectados no soro de
indivíduos com giardíase, em diferentes regiões do mundo. Além dos anticorpos
circulantes, estudos têm relacionado a participação de IgA secretória na imunidade
local a nível de mucosa intestinal. A função exata de IgA na resposta imune local
ainda não é bem conhecida, mas evidências sugerem que este anticorpo diminua a
capacidade de adesão dos trofozoítos à superfície das células do epitélio intestinal
(NEVES et al., 2000).
Somente nos últimos anos, tem sido dada maior atenção à participação dos
mecanismos imunes celulares na giardíase. Algumas observações em experimentos
com modelos animais sugerem a participação de mecanismos T-dependentes:
estudos com camundongos atípicos, infectados com Giardia, demonstraram que
apenas aqueles capazes de desenvolver resposta linfoproliferativa, evoluíram para a
cura, e a ocorrência de aumento na relação de linfócitos T auxiliares/supressores na
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lâmina própria do jejuno em camundongos durante a fase de cura. Além disso, tem-
se observado a capacidade de monócitos, macrófagos e granulócitos em particular
da destruição de trofozoítos, em reações de citotoxicidade anticorpo-dependentes
(ADCC). A defesa do organismo se daria, portanto, em dois níveis: após o
desencistamento, trofozoítos na luz intestinal tornam-se aderentes ao epitélio e
podem invadir a mucosa quando encontram os macrófagos que são
espontaneamente citotóxicos para os parasitos. Neste nível, a defesa, que pode ser
aumentada pelas linfocinas (produzidas por linfócitos T), é suficiente para destruir os
parasitos na maioria dos indivíduos. Se os trofozoítos escapam dessa resposta,
outras células (granulócitos) irão interagir com os trofozoítos, na presença de
anticorpo anti-Giardia (IgG). Este mecanismo parece ser muito importante em
infecções prolongadas (NEVES et al., 2000).
2.1. 6. PATOGENIA
Os mecanismos pelos quais a Giardia causa diarréia e má absorção intestinal
não são bem conhecidos. Quando se examinam biópsias intestinais de indivíduos
infectados através de microscopia óptica, observa-se que podem ocorrer mudanças
na arquitetura da mucosa. Ela pode se apresentar completamente normal ou com
atrofia parcial ou total das vilosidades. Mesmo que a mucosa se apresente
morfologicamente normal, tem-se detectado lesões nas microvilosidades das células
intestinais, através da microscopia eletrônica. O grau de alteração morfológica da
mucosa parece estar relacionado com o grau de disfunção da mucosa, como pode
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ser verificada pelos testes clínicos de absorção intestinal. O mecanismo pelo qual a
mucosa intestinal é lesada não é bem conhecido (NEVES et al., 2000).
Neves et al. (2000) afirma ainda que a alteração morfológica e funcional do
epitélio intestinal é dada pelos processos inflamatórios aí desencadeados pelo
parasito, devido à reação imune do hospedeiro. Por outro lado, verifica-se uma
correlação entre a intensidade da infiltração linfocitária e a intensidade da má
absorção. O parasito entra em contato com macrófagos que ativam os linfócitos T
que, por sua vez, ativam os linfócitos B que produzem IgA e IgE. A IgE se liga aos
mastócitos, presentes na superfície da mucosa intestinal, provocando a
degranulação dessas células e a liberação de várias substâncias, entre elas a
histamina. Desta forma, é desencadeada uma reação anafilática local (reação de
hipersensibilidade), que provoca edema da mucosa e contração de seus músculos
lisos, levando a um aumento da renovação dos enterócitos. As vilosidades ficam
assim repletas de células imaturas (deficientes em enzimas) levando a problemas de
má absorção e, consequentemente, à diarréia. Por outro lado, os mastócitos
também liberam fatores ativadores de eosinófilos e neutrófilos, que agem mais
tardiamente, provocando um aumento dessas células no local da reação, dando
origem a uma reação inflamatória local, que pode ocasionar a lesão das células
epiteliais (NEVES et al., 2000).
Atualmente, têm-se verificado que as prostaciclinas podem estar implicadas
na gênese de algumas síndromes diarréicas. Durante a infecção por Giardia, os
mastócitos por ela ativados também liberam protaglandinas. As protaglandinas agem
diretamente sobre a motilidade intestinal ou através da estimulação da adenilciclase
da mucosa, provocando o aparecimento da diarréia. Além disso, existem evidências
de que, em algumas situações, a giardíase sintomática possa estar associada ao
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crescimento de bactérias aeróbicas e/ou anaeróbicas na porção proximal do
intestino delgado (NEVES et al., 2000).
2.1.7 DIAGNÓSTICO
Em crianças de idades de 8 meses a 10-12 anos, Neves e colaboradores
(2000) afirmam que a sintomatologia para o diagnóstico indicativo de giardíase são
insônia, diarréia com estatorréia, irritabilidade, náuseas e vômitos, perda do apetite
(acompanhada ou não de emagrecimento) e dor abdominal. Apesar desses
sintomas descritos é conveniente a comprovação por exames laboratoriais.
De acordo com Moraes e colaboradores (1991) os métodos de diagnóstico
habituais são: nos casos de fezes formadas, a busca de cistos de Giardia e nas
evacuações diarréicas, a pesquisa de trofozoítas ou de cistos.
Em fezes formadas os cistos podem ser detectados em preparações a fresco
pelo método direto; contudo, os métodos de escolha são os de concentração,
principalmente, o método de flutuação pelo sulfato de zinco (método de Faust e
cols.). Preparações com cistos podem ser coradas com Tricômio ou com
Hematoxilina Férrica (NEVES et al., 2000).
Em fezes diarréicas encontram-se trofozoítos, recomenda-se colher o material
no laboratório, e examiná-lo imediatamente, ou diluir as fezes em conservador
próprio (MIF, SAF, formol 10%), uma vez que os trofozoítos sobrevivem durante
pouco tempo no meio externo (15-20 minutos). O exame das fezes pode ser feito
pelo método direto e, caso seja necessário, podem ser feitos esfregaços corados
pelo método de Hematoxilina Férrica.
Neves e colaboradores (2000) ressaltam que existe um período “negativo” de
eliminação intermitente de cistos que pode durar em média dez dias, podendo
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assim, o exame de fezes levar a resultados falso-negativos, principalmente quando
uma única amostra é coletada. Neves e cols. (2000) então recomenda que o exame
seja feito em três amostras com intervalos de sete dias entre cada uma, se
porventura apesar da sintomatologia de diarréia crônica e presença de trofozoítos no
duodeno, é necessário para o diagnóstico fina recorrer a métodos invasivos como
um exame de fluido duodenal ou biópsia jejunal.
Moraes e cols. (1991) ainda lembra que o uso de purgativos, laxantes,
enemas e contrastes de bário, bem como de vários medicamentos, tende a dificultar
o reconhecimento dos parasitos ou a tornar os exames temporariamente negativos.
Para simplificar e aumentar a sensibilidade do diagnóstico da infecção por
Giardia, uma variedade se métodos imunológicos são utilizados, graças ao
desenvolvimento de culturas axênicas (culturas puras) de Giardia, que tem
possibilitado a obtenção de antígenos puros. Os mais empregados são
Imunoflorescência indireta e ELISA, porém a detecção de anticorpos anti-Giardia
tem apresentado problemas relacionados com a ocorrência de falso-positivo e
baixas sensibilidade especifica.
Mais recentemente técnicas baseadas no reconhecimento do DNA de Giardia,
como, por exemplo, PCR (polymerase chain reaction), estão sendo padronizadas
para a detecção desta parasita nas fezes.
2.1. 8 PROFILAXIA E TRATAMENTO
Vista à forma de contaminação da giardíase as medidas profiláticas são
necessariamente medidas de higiene pessoal (lavar as mãos), destinar corretamente
as fezes (fossas, rede de esgoto), proteção dos alimentos e tratamento completo da
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água, pois, existem evidencias de que os cistos resistem à cloração da água, porém,
eles são destruídos em água fervente (MORAES et al., 1991). Além destas medidas
é importante o tratamento precoce do doente, procurando-se também diagnosticar a
fonte de infecção (crianças sem sintomatologia, babás, manipuladores de alimentos,
etc.) e trata-las.
Em vista a resistência ao medicamento empregado rotineiramente, a
furazolidona (Giardilam), novos produtos têm sido indicados como metronidazol
(Flagil), tinidazol (Fasigyn), ornidazol (Tiberal) e secnidazol (Secnidazol). Alguns
autores têm considerado que o albendazol é tão eficaz quanto o metronidazol no
tratamento da infecção por Giardia, com a vantagem de apresentar poucos feitos
colaterais. Quando o parasito apresenta resistência à terapêutica recomenda-se dar
um intervalo de cinco a dez dias para a eliminação do primeiro medicamento e
completar a terapêutica com outro princípio ativo (NEVES et al., 2000).
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3. CONCLUSÃO
Analisando os dados levantados podemos concluir que a giardíase é uma
parasitose de distribuição mundial que afeta tanto países desenvolvidos quanto
países em desenvolvimento, a sua transmissão se dá preferencialmente pela
ingestão de cistos principalmente por água contaminada. As crianças de 8-12 anos
são as mais gravemente afetadas. As creches são um ambiente de grande
probabilidade de contaminação.
Devemos ainda observar que o cisto deste parasito que é a sua forma
infectante resiste por até dois meses no ambiente favorável. As manifestações
clínicas podem ser raras em regiões endêmicas, porém, podem ser fatais nas
crianças ou em indivíduos não imunes. A sua patogenia é explicada atualmente em
grande parte pela atuação do sistema imune que acaba provocando uma reação de
hipersensibilidade e esta por sua vez acaba provocando alterações morfológicas e
consequentemente má absorção na mucosa intestinal.
Além disso, nos países desenvolvidos, Giardia é o parasito intestinal mais
comumente encontrado nos humanos. A prevalência é maior em áreas com
saneamento básico deficiente e em instituições de crianças.
Na água os cistos podem conservar sua vitalidade durante dois meses ou
mais. É resistente ao processo de cloração da água e sobrevive durante muito
tempo embaixo das unhas. Os sintomas da giardíase em humanos são
extremamente variáveis. Algumas pessoas apresentam-se assintomáticos, outras
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têm diarréia crônica ou aguda que pode ao final se estender por meses com
síndrome de má-absorção e mal estar.
REFERÊCIAS
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