parasitologia clínica_giardia lamblia

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1. INTRODUÇÃO: A magnitude global e a importância das infecções parasitárias e das possíveis medidas para seu controle foi objeto de consideração por um comitê de peritos da OMS (OMS, 1987). No continente americano 200 milhões de pessoas estão poliparasitadas, a maioria apenas infectada. Em 5 a 15% da população observou-se a presença de sintomas devido a helmintos intestinais; cerca de 20 milhões adoecem e mais de 10 000 morrem ao ano por esta causa (APT, 1987). As parasitoses intestinais continuam representando um significativo problema médico-sanitário, tendo em vista o grande número de pessoas acometidas e as várias alterações orgânicas que podem ocasionar, tanto por ação espoliativa, quanto pela possibilidade de prejudicar a absorção intestinal e ocasionar quadros clínicos abdominais agudos (NASCIMENTO; CARVALHO, 2003). Em relação à incidência das parasitoses, Nascimento e Carvalho (2003) dizem que: “Basicamente, as populações que vivem em precárias condições de saneamento básico e que necessitam de adequada educação sanitária são as mais afetadas por estas patologias.” 6

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Page 1: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

1. INTRODUÇÃO:

A magnitude global e a importância das infecções parasitárias e das possíveis

medidas para seu controle foi objeto de consideração por um comitê de peritos da

OMS (OMS, 1987). No continente americano 200 milhões de pessoas estão

poliparasitadas, a maioria apenas infectada. Em 5 a 15% da população observou-se

a presença de sintomas devido a helmintos intestinais; cerca de 20 milhões

adoecem e mais de 10 000 morrem ao ano por esta causa (APT, 1987).

As parasitoses intestinais continuam representando um significativo problema

médico-sanitário, tendo em vista o grande número de pessoas acometidas e as

várias alterações orgânicas que podem ocasionar, tanto por ação espoliativa, quanto

pela possibilidade de prejudicar a absorção intestinal e ocasionar quadros clínicos

abdominais agudos (NASCIMENTO; CARVALHO, 2003).

Em relação à incidência das parasitoses, Nascimento e Carvalho (2003)

dizem que: “Basicamente, as populações que vivem em precárias condições de

saneamento básico e que necessitam de adequada educação sanitária são as mais

afetadas por estas patologias.”

Giardia lamblia é um protozoário flagelado encontrado nas células do intestino

humano e outros animais (THOMPSON; REYNOLDSON; MENDIS, 1993). Tem

distribuição mundial, sendo detectado em países desenvolvidos e em

desenvolvimento. È comumente reportada como parasita intestinal humano, com

prevalência em 2-7% em países desenvolvidos (THOMPSON; REYNOLDSON;

MENDIS, 1993; SCHANTZ, 1990). A prevalência chega em 20-60% em alguns

países em desenvolvimento. Existem 13,8% a 63,3% de crianças infectadas em

diferentes regiões do Brasil (COSTA et al., 1988; CURY; SALLES; REIS, 1994;

GUIMARÃES; SOGAYAR, 1995; TORRES et al., 1991) Outros estudos, relatam que

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Page 2: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

em adultos e crianças (COSTA et al., 1992; NUNES et al. 1993; ROCHA et al., 1983)

ou somente adultos (COSTA-CRUZ; CARDOSO; MARQUES, 1995) têm prevalência

de 18-22%.

Giardia intestinalis, protozoário flagelado, foi inicialmente chamado de

Cercomonas intestinalis por Lambl em 1859 e renomeado Giardia lamblia por Stiles,

em 1915, em memória do Professor A. Giard, de Paris e Dr. F. Lambl. de Praga.

Muitos consideram Giardia intestinalis, o nome correto para esse protozoário

(MALTEZ, 2002).

De acordo com Neves et al. (2000) “Observações clínicas e experimentais

têm demonstrado evidências de desenvolvimento de imunidade protetora na

giardíase. Contudo, relativamente pouco é sabido sobre como o hospedeiro

responde à infecção por Giardia e como o parasita sobrevive aos mecanismos de

defesa do hospedeiro.”

Neves et al. (2000) ainda relata sobre o gênero Giardia “[...] inclui flagelados

parasitos do intestino delgado de mamíferos, aves, répteis e anfíbios, tendo sido,

possivelmente, o primeiro protozoário intestinal humano a ser conhecido.”

Os sintomas da giardíase em humanos são extremamente variáveis. Algumas

pessoas apresentam-se assintomáticos, outras têm diarréia crônica ou aguda que

pode ao final se estender por meses com síndrome de má-absorção e mal estar

(GOLDIN; WERNER; AGUILERA, 1990; MEYER; RADULESCU, 1979) G. lamblia é

usualmente apontada como uma das causas de retardo no desenvolvimento de

crianças (GOLDIN; WERNER; AGUILERA, 1990). Visto que tem mais freqüência em

crianças entre oito a dez anos, e causa sérios problemas de saúde pública neste

grupo específico (ROCHA, 1999).

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Page 3: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

A giardíase possue distribuição mundial. A infecção acomete mais crianças do

que adultos. A prevalência é maior em áreas com saneamento básico deficiente e

em instituições de crianças que não possuem controle de seus esfíncteres. Nos

Estados Unidos, a transmissão de Giardia lamblia através da água é mais freqüente

em comunidades montanhosas e de pessoas que obtém água de fontes sem

tratamento de filtração adequado. A giardíase prevalece em alguns países

temperados e também nos países tropicais, e há infecções freqüentes de grupos de

turistas, que consomem água tratada inadequadamente (MALTEZ, 2002).

Vista a importância desta parasitose tanto a nível mundial como sua

prevalência nacional, este trabalho pretende correlacionar informações e dados

fornecidos nos últimos anos sobre esta parasitose, além de revisar todo conteúdo já

sabido entre a comunidade científica sobre esta patologia com o propósito de

verificarmos as evoluções em relação ao tratamento e, seu atual alcance

epidemiológico e combate mundial.

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Page 4: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Giardia intestinalis é um pequeno protozoário, flagelado, que durante o ciclo

evolutivo apresenta duas formas: trofozoíta e cisto (MORAES et al., 1991).

A primeira descrição do trofozoíto tem sido atribuída a Anton Van

Leueuwenhock (1681), que a notou em suas próprias fezes, porém foi Lambl, em

1859, quem o descreveu mais detalhadamente. O gênero foi criado por Kunstler

(1882) ao observar um flagelo presente no intestino de girinos de anfíbios anuros

(NEVES et al., 2000).

Atualmente é considerado um dos principais parasitos humano,

principalmente, nos países em desenvolvimento. Nessas áreas, a giardíase é uma

das causas mais comuns de diarréia entre crianças, que em conseqüência da

infecção, muitas vezes, apresentam problemas de má nutrição e retardo do

desenvolvimento. Além disso, nos países desenvolvidos, Giardia é o parasito

intestinal mais comumente encontrado nos humanos (MORAES et al., 1991).

Em relação à taxonomia da Giardia, Neves et al. (2000) afirma que é

controversa, pois, “[...] a determinação das espécies de Giardia tem sido feita

considerando-se o hospedeiro de origem e características morfológicas. Segundo

alguns autores, considerar o hospedeiro de origem não constitui um critério válido,

uma vez que, pela análise de DNA, espécies de Giardia de diferentes hospedeiros

apresentam-se idênticas, enquanto aquelas de um mesmo hospedeiro podem ser

macantemente diferentes”.

Muitos autores utilizando critérios morfológicos, principalmente o aspecto do

corpo mediano, propuseram a existência de pelo menos três espécies de Giardia: G.

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Page 5: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

duodenalis que infecta vários mamíferos, inclusive humanos, aves e répteis; Giardia

agilis que infecta anfíbios e Giardia muris que infecta roedores, aves e répteis. A

partir de estudos empregando microscopia eletrônica, duas outras espécies foram

propostas: Giardia psittaci e Giardia ardeae, descritas em periquitos e garças azuis,

respectivamente (NEVES et al., 2000).

Ao verificar-mos todas as dificuldades taxonômicas em relação à

diferenciação do gênero Giardia em suas espécies, Neves et al. (2000) afirma

quanto a isto:

“A dificuldade em se determinar precisamente as espécies de Giardia isoladas de diferentes hospedeiros tem sido um fator limitante para o estabelecimento do potencial zoonótico da giardíase e para esclarecer a possibilidade da existência de animais que possam participar como reservatórios de Giardia. As denominações Giardia lamblia, Giardia duodenalis e Giardia intestinalis têm sido empregadas como sinonímia, particularmente para isolados de origem humana.”

2.1.1 MORFOLOGIA

A forma trofozoíta, medindo 10 a 20 μm de comprimento por 5 a 15 μm de

largura, tem simetria bilateral e contorno piriforme, quando vista de face. O corpo,

bastante deformável, mostra um achatamento dorsoventral. Na superfície ventral há

uma área ovóide que constitui um disco adesivo ou disco suctorial, que ocupa os

dois terços dessa face; ele é sustentado internamente por placas estriadas e

circunscrito externamente por um delicado rebordo (MORAES et al., 1991).

Outras descrições do parasito atribuem-lhe a forma de um cone oblíquo,

fortemente inclinado, estando à base representada pelo disco suctorial. No interior

do citoplasma, as estruturas são quase sempre duplas e simétricas e compreendem:

um par de núcleos, cada qual tendo um cariossoma central, mas sem cromatina

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Page 6: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

periférica; e dois feixes de fibras longitudinais (os axonemas) que se iniciam junto a

oito blefaroplastos e se continuam com os flagelos posteriores (MORAES et al.,

1991).

O trofozoíto possui quatro pares de flagelos que se originam de blefaroblastos

ou corpos basais situados nos pólos anteriores dos dois núcleos, a saber: um par de

flagelos anteriores, um par de flagelos ventrais, um par de flagelos posteriores e um

par de flagelos caudais (NEVES et al., 1991).

De acordo com Moraes et al. (1991), nas preparações coradas pela

hematoxilina aparecem duas formas paralelas, semelhantes a vírgulas: são os

corpos parabasais, que correspondem efetivamente ao aparelho de Golgi.

Nas evacuações líquidas (diarréicas) os trofozoítas aparecem em grande

número, porém em fezes formadas predominam os cistos. Centenas de milhões ou

bilhões de cistos podem ser eliminados diariamente por um indivíduo infectado

(MORAES et al., 1991).

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Fonte: http://www.nih.go.jp/niid/para/atlas/images /giardia-trph.jpg

Figura 1 Forma trofozoíta de Giardia lamblia em microscopia óptica

Fonte:http://gfx.dagbladet.no/pub/artikkelv/4/42/424/424999/giardia_ny.jpg

Figura 2 Forma trofozoíta de Giardia lamblia em microscopia eletrônica

Page 7: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

Ao encistar-se, o trofozoíta torna-se globoso, desaparece o disco ventral e o

parasito como que se enrola sobre si mesmo; os flagelos tornam-se

intracitoplasmático. Forma-se uma membrana cística fina, porém bem destacada do

citoplasma, e os dois núcleos dividem-se para constituir quatro núcleos-filhos, e

ainda sem mitocôndria (MORAES et al., 1991).

Observando-se a forma cística da Giardia lamblia Moraes e colaboradores

(1991) descrevem: “[...] são elipsóides ou ovóides e medem cerca de 12 μm de

comprimento (entre 8 e 15 μm). Nas preparações coradas pelo lugol e, melhor ainda,

nas coradas pela hematoxilina, vêem-se as estruturas internas que estão duplicadas

em relação às do trofozoíta, isto é, quatro núcleos pequenos, aproximadamente

circulares e com um cariossoma central; quatro grupos de axonemas e de corpos

parabasais (Aparelho de Golgi). A disposição, entretanto, pode ser irregular, estando

ora os quatro núcleos agrupados perto de um dos pólos, ora divididos entre os dois

extremos.”

Na água os cistos podem conservar sua vitalidade durante dois meses ou

mais. É resistente ao processo de cloração da água e sobrevive durante muito

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Fonte: http://www.dhs.state.or.us/publichealth/phl/imglib/giardia.jpg Figura 3 Forma cística da Giardia lamblia em microscopia óptica

Page 8: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

tempo embaixo das unhas (NEVES et al., 2000). In vitro, consegue-se o

desencistamento desde que haja umidade, prévia exposição a pH 2 e temperatura

de 37ºC; e depois, semeadura em meio de cultura com manutenção do pH em torno

de 6,8 na mesma temperatura. Essas condições imitam a da passagem dos cistos

pelo estômago e sua eclosão no intestino delgado (MORAES et al., 1991).

2.1 2 HABITAT E NUTRIÇÃO

Os trofozoítas vivem no duodeno e primeiras porções do jejuno, sendo por

vezes encontrados nos condutos biliares e na vesícula biliar. A atividade dos flagelos

imprime-lhes um deslocamento rápido e irregular, como que às sacudidas. Porém,

aderem em grande número à superfície da mucosa, graças ao disco suctorial que

possuem, chegando a formar um revestimento extenso a tal ponto que, segundo

alguns autores, seriam capaz de interferir na absorção de gorduras e vitaminas

lipossolúveis, especialmente a vitamina A (MORAES et al., 1991).

Em relação à nutrição e reprodução, Moraes e colaboradores descrevem

rapidamente que:

“A nutrição das giárdias faz-se através da membrana e por processo de pinocitose que se observa tanto na face ventral como na dorsal. Seu desenvolvimento é favorecido em pH compreendido entre 6,38 e 7,02. A reprodução realiza-se assexuadamente, por divisão binária longitudinal, sendo o processo bastante complexo.”

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Page 9: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

2.1. 3 CICLO BIOLÓGICO

Giardia lamblia é um parasito de ciclo monoxênico. A via normal de infecção

do homem é a ingestão de cistos. Embora tenha sido demonstrado,

experimentalmente, que infecções em animais se iniciem com trofozoítos, não há

evidências de que este seja importante modo de transmissão para o homem

(NEVES et al., 2000).

Em voluntários humanos, verificou-se que um pequeno número de cistos (de

10 a 100) é suficiente para produzir infecção. Após a ingestão do cisto, o

desencistamento é iniciado no meio ácido do estômago e completado no duodeno e

jejuno, onde ocorre a colonização do intestino delgado pelos trofozoítos. Os

trofozoítos se multiplicam por divisão binária longitudinal: após a nucleotomia

(divisão nuclear) e duplicação das organelas, ocorre a plasmotomia (divisão do

citoplasma), resultando assim dois trofozoítos binucleados. O ciclo se completa pelo

encistamento do parasito e sua eliminação para o meio exterior. Tal processo pode

se iniciar no baixo íleo, mas o ceco é considerado o principal sítio de encistamento.

Não se sabe se os estímulos que conduzem ao encistamento ocorrem dentro ou fora

do parasito. Entre as hipóteses sugeridas, tem-se a influência do pH intestinal, o

estímulo de sais biliares e o destacamento do trofozoíto da mucosa. Este último

parece ser o gatilho que provocaria tal mudança e tem sido sugerido que a resposta

imune local seja responsável pelo destacamento do trofozoíto e seu conseqüente

encistamento. Ao redor do trofozoíto é secretada uma membrana cística resistente,

que tem quitina na sua composição. Dentro do cisto ocorre nucleotomia, podendo

ele apresentar-se então com quatro núcleos. Os cistos são resistentes e, em

condições favoráveis de temperatura e umidade, podem sobreviver, pelo menos,

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Page 10: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

Fonte: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/hidrica/Giardiase.htmFigura 4 Encistamento ocorre nas células do intestino. Dois trofozoítos são liberados de cada cisto. O trofozoíto multiplica-se longitudinalmente por divisão binária. Eles permanecem na luz do intestino onde vivem na forma livre ou atacam a mucosa pelo seu disco de sucção ventral. Encistamento ocorre na passagem do parasito pelo cólon. Tanto o protozoário quanto o cisto podem ser encontrados nas fezes (estágio de diagnóstico). O cisto é encontrado comumente em fezes diarréicas. Cisto são as formas resistentes e são responsáveis pela transmissão.

Fonte: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/hidrica/Giardiase.htmFigura 5 Em i indica o estágio de infecção em que o homem adquire o protozoário por consumir água ou comida infectada, ou por via oral-fecal, ou por mãos ou fômites contaminados. Em d indica que os trofozoítos passam para o solo só que não sobrevivem no meio-ambiente.

dois meses no meio ambiente. Quando o transito intestinal está acelerado, é

possível encontrar trofozoítos nas fezes (NEVES et al., 2000).

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Page 11: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

2. 1. 4. TRANSMISSÃO

Neves e colaboradores (2000) afirmam que a via normal de infecção do

homem é a ingestão de cistos maduros, que podem ser transmitidos por um dos

seguintes mecanismos:

Ingestão de águas superficiais sem

tratamento ou deficientemente tratadas (apenas cloro);

Alimentos contaminados (verduras

cruas e frutas mal lavadas);

Esses alimentos também podem ser

contaminados por cistos veiculados por moscas e baratas;

De pessoas a pessoa, por meio de mãos contaminadas, em locais de

aglomeração humana (creches, orfanatos, etc.); de pessoa a pessoa entre membros

de uma família quando se tem algum indivíduo contaminado, através de contatos

homossexuais e por contato com animais domésticos infectados com Giardia de

morfologia semelhante à humana. Este último mecanismo ainda é discutível, apesar

de a OMS considerar a giardíase uma zoonose (NEVES et al., 2000).

2. 1. 5. IMUNIDADE

Para relacionar o quadro clínico com a ação do parasito no organismo é

necessário que compreendamos a reação imunológica estimulada por este, pois

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Page 12: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

esta, até o momento é a que explica melhor a sintomatologia apresentada pela

giardíase.

Neves e colaboradores (2000) evidência como provas conclusivas para a

participação da resposta imunológica na parasitose os seguintes fatos: A natureza

autolimitante da infecção, a detecção de antidorpos específicos anti-Giardia nos

soros de indivíduos infectados; a participação de monócitos citotóxicos na

modulação da resposta imune; a maior susceptibilidade de indivíduos

imunocomprometidos à infecção, principalmente os que apresentam

hipogamaglobulinemia; a menor susceptibilidade dos indivíduos de áreas endêmicas

à infecção, quando comparados com os visitantes; a ocorrência de infecção crônica

em modelos animais atípicos ou tratados com drogas que deprimem a resposta

humoral.

Anticorpos IgG, IgM, IgA anti-Giardia têm sido detectados no soro de

indivíduos com giardíase, em diferentes regiões do mundo. Além dos anticorpos

circulantes, estudos têm relacionado a participação de IgA secretória na imunidade

local a nível de mucosa intestinal. A função exata de IgA na resposta imune local

ainda não é bem conhecida, mas evidências sugerem que este anticorpo diminua a

capacidade de adesão dos trofozoítos à superfície das células do epitélio intestinal

(NEVES et al., 2000).

Somente nos últimos anos, tem sido dada maior atenção à participação dos

mecanismos imunes celulares na giardíase. Algumas observações em experimentos

com modelos animais sugerem a participação de mecanismos T-dependentes:

estudos com camundongos atípicos, infectados com Giardia, demonstraram que

apenas aqueles capazes de desenvolver resposta linfoproliferativa, evoluíram para a

cura, e a ocorrência de aumento na relação de linfócitos T auxiliares/supressores na

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Page 13: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

lâmina própria do jejuno em camundongos durante a fase de cura. Além disso, tem-

se observado a capacidade de monócitos, macrófagos e granulócitos em particular

da destruição de trofozoítos, em reações de citotoxicidade anticorpo-dependentes

(ADCC). A defesa do organismo se daria, portanto, em dois níveis: após o

desencistamento, trofozoítos na luz intestinal tornam-se aderentes ao epitélio e

podem invadir a mucosa quando encontram os macrófagos que são

espontaneamente citotóxicos para os parasitos. Neste nível, a defesa, que pode ser

aumentada pelas linfocinas (produzidas por linfócitos T), é suficiente para destruir os

parasitos na maioria dos indivíduos. Se os trofozoítos escapam dessa resposta,

outras células (granulócitos) irão interagir com os trofozoítos, na presença de

anticorpo anti-Giardia (IgG). Este mecanismo parece ser muito importante em

infecções prolongadas (NEVES et al., 2000).

2.1. 6. PATOGENIA

Os mecanismos pelos quais a Giardia causa diarréia e má absorção intestinal

não são bem conhecidos. Quando se examinam biópsias intestinais de indivíduos

infectados através de microscopia óptica, observa-se que podem ocorrer mudanças

na arquitetura da mucosa. Ela pode se apresentar completamente normal ou com

atrofia parcial ou total das vilosidades. Mesmo que a mucosa se apresente

morfologicamente normal, tem-se detectado lesões nas microvilosidades das células

intestinais, através da microscopia eletrônica. O grau de alteração morfológica da

mucosa parece estar relacionado com o grau de disfunção da mucosa, como pode

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Page 14: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

ser verificada pelos testes clínicos de absorção intestinal. O mecanismo pelo qual a

mucosa intestinal é lesada não é bem conhecido (NEVES et al., 2000).

Neves et al. (2000) afirma ainda que a alteração morfológica e funcional do

epitélio intestinal é dada pelos processos inflamatórios aí desencadeados pelo

parasito, devido à reação imune do hospedeiro. Por outro lado, verifica-se uma

correlação entre a intensidade da infiltração linfocitária e a intensidade da má

absorção. O parasito entra em contato com macrófagos que ativam os linfócitos T

que, por sua vez, ativam os linfócitos B que produzem IgA e IgE. A IgE se liga aos

mastócitos, presentes na superfície da mucosa intestinal, provocando a

degranulação dessas células e a liberação de várias substâncias, entre elas a

histamina. Desta forma, é desencadeada uma reação anafilática local (reação de

hipersensibilidade), que provoca edema da mucosa e contração de seus músculos

lisos, levando a um aumento da renovação dos enterócitos. As vilosidades ficam

assim repletas de células imaturas (deficientes em enzimas) levando a problemas de

má absorção e, consequentemente, à diarréia. Por outro lado, os mastócitos

também liberam fatores ativadores de eosinófilos e neutrófilos, que agem mais

tardiamente, provocando um aumento dessas células no local da reação, dando

origem a uma reação inflamatória local, que pode ocasionar a lesão das células

epiteliais (NEVES et al., 2000).

Atualmente, têm-se verificado que as prostaciclinas podem estar implicadas

na gênese de algumas síndromes diarréicas. Durante a infecção por Giardia, os

mastócitos por ela ativados também liberam protaglandinas. As protaglandinas agem

diretamente sobre a motilidade intestinal ou através da estimulação da adenilciclase

da mucosa, provocando o aparecimento da diarréia. Além disso, existem evidências

de que, em algumas situações, a giardíase sintomática possa estar associada ao

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Page 15: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

crescimento de bactérias aeróbicas e/ou anaeróbicas na porção proximal do

intestino delgado (NEVES et al., 2000).

2.1.7 DIAGNÓSTICO

Em crianças de idades de 8 meses a 10-12 anos, Neves e colaboradores

(2000) afirmam que a sintomatologia para o diagnóstico indicativo de giardíase são

insônia, diarréia com estatorréia, irritabilidade, náuseas e vômitos, perda do apetite

(acompanhada ou não de emagrecimento) e dor abdominal. Apesar desses

sintomas descritos é conveniente a comprovação por exames laboratoriais.

De acordo com Moraes e colaboradores (1991) os métodos de diagnóstico

habituais são: nos casos de fezes formadas, a busca de cistos de Giardia e nas

evacuações diarréicas, a pesquisa de trofozoítas ou de cistos.

Em fezes formadas os cistos podem ser detectados em preparações a fresco

pelo método direto; contudo, os métodos de escolha são os de concentração,

principalmente, o método de flutuação pelo sulfato de zinco (método de Faust e

cols.). Preparações com cistos podem ser coradas com Tricômio ou com

Hematoxilina Férrica (NEVES et al., 2000).

Em fezes diarréicas encontram-se trofozoítos, recomenda-se colher o material

no laboratório, e examiná-lo imediatamente, ou diluir as fezes em conservador

próprio (MIF, SAF, formol 10%), uma vez que os trofozoítos sobrevivem durante

pouco tempo no meio externo (15-20 minutos). O exame das fezes pode ser feito

pelo método direto e, caso seja necessário, podem ser feitos esfregaços corados

pelo método de Hematoxilina Férrica.

Neves e colaboradores (2000) ressaltam que existe um período “negativo” de

eliminação intermitente de cistos que pode durar em média dez dias, podendo

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Page 16: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

assim, o exame de fezes levar a resultados falso-negativos, principalmente quando

uma única amostra é coletada. Neves e cols. (2000) então recomenda que o exame

seja feito em três amostras com intervalos de sete dias entre cada uma, se

porventura apesar da sintomatologia de diarréia crônica e presença de trofozoítos no

duodeno, é necessário para o diagnóstico fina recorrer a métodos invasivos como

um exame de fluido duodenal ou biópsia jejunal.

Moraes e cols. (1991) ainda lembra que o uso de purgativos, laxantes,

enemas e contrastes de bário, bem como de vários medicamentos, tende a dificultar

o reconhecimento dos parasitos ou a tornar os exames temporariamente negativos.

Para simplificar e aumentar a sensibilidade do diagnóstico da infecção por

Giardia, uma variedade se métodos imunológicos são utilizados, graças ao

desenvolvimento de culturas axênicas (culturas puras) de Giardia, que tem

possibilitado a obtenção de antígenos puros. Os mais empregados são

Imunoflorescência indireta e ELISA, porém a detecção de anticorpos anti-Giardia

tem apresentado problemas relacionados com a ocorrência de falso-positivo e

baixas sensibilidade especifica.

Mais recentemente técnicas baseadas no reconhecimento do DNA de Giardia,

como, por exemplo, PCR (polymerase chain reaction), estão sendo padronizadas

para a detecção desta parasita nas fezes.

2.1. 8 PROFILAXIA E TRATAMENTO

Vista à forma de contaminação da giardíase as medidas profiláticas são

necessariamente medidas de higiene pessoal (lavar as mãos), destinar corretamente

as fezes (fossas, rede de esgoto), proteção dos alimentos e tratamento completo da

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Page 17: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

água, pois, existem evidencias de que os cistos resistem à cloração da água, porém,

eles são destruídos em água fervente (MORAES et al., 1991). Além destas medidas

é importante o tratamento precoce do doente, procurando-se também diagnosticar a

fonte de infecção (crianças sem sintomatologia, babás, manipuladores de alimentos,

etc.) e trata-las.

Em vista a resistência ao medicamento empregado rotineiramente, a

furazolidona (Giardilam), novos produtos têm sido indicados como metronidazol

(Flagil), tinidazol (Fasigyn), ornidazol (Tiberal) e secnidazol (Secnidazol). Alguns

autores têm considerado que o albendazol é tão eficaz quanto o metronidazol no

tratamento da infecção por Giardia, com a vantagem de apresentar poucos feitos

colaterais. Quando o parasito apresenta resistência à terapêutica recomenda-se dar

um intervalo de cinco a dez dias para a eliminação do primeiro medicamento e

completar a terapêutica com outro princípio ativo (NEVES et al., 2000).

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Page 18: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

3. CONCLUSÃO

Analisando os dados levantados podemos concluir que a giardíase é uma

parasitose de distribuição mundial que afeta tanto países desenvolvidos quanto

países em desenvolvimento, a sua transmissão se dá preferencialmente pela

ingestão de cistos principalmente por água contaminada. As crianças de 8-12 anos

são as mais gravemente afetadas. As creches são um ambiente de grande

probabilidade de contaminação.

Devemos ainda observar que o cisto deste parasito que é a sua forma

infectante resiste por até dois meses no ambiente favorável. As manifestações

clínicas podem ser raras em regiões endêmicas, porém, podem ser fatais nas

crianças ou em indivíduos não imunes. A sua patogenia é explicada atualmente em

grande parte pela atuação do sistema imune que acaba provocando uma reação de

hipersensibilidade e esta por sua vez acaba provocando alterações morfológicas e

consequentemente má absorção na mucosa intestinal.

Além disso, nos países desenvolvidos, Giardia é o parasito intestinal mais

comumente encontrado nos humanos. A prevalência é maior em áreas com

saneamento básico deficiente e em instituições de crianças.

Na água os cistos podem conservar sua vitalidade durante dois meses ou

mais. É resistente ao processo de cloração da água e sobrevive durante muito

tempo embaixo das unhas. Os sintomas da giardíase em humanos são

extremamente variáveis. Algumas pessoas apresentam-se assintomáticos, outras

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Page 19: Parasitologia Clínica_Giardia lamblia

têm diarréia crônica ou aguda que pode ao final se estender por meses com

síndrome de má-absorção e mal estar.

REFERÊCIAS

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