oficinas de aprendizagem no contexto do ensino médio ... · simpósio internacional sobre...
Post on 12-Jul-2018
216 Views
Preview:
TRANSCRIPT
Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul
1
Oficinas de aprendizagem no contexto do ensino médio: relato de experiência
Alcir Humberto Rodrigues SESI – Irati/PR e-mail: alcirhumberto@gmail.com
Paulo Henrique Medeiros de Lima Martins SESI – Irati/PR e-mail: paulo_henriquemlm@yahoo.com.br
Vivian Dallagnol de Campos SESI – Irati/PR e-mail: vivica_pr@ibest.com.br
Thais Ferraz Gnatkoski SESI – Irati/PR e-mail: thais.gnatkoski@sesipr.org.br
Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade
1. Introdução
Percebemos, atualmente, que atravessamos uma profunda crise no ensino e no pensamento cientifico
(SANTOS, 1997). O progresso da ciência ainda está associado a uma forma racionalista de pensamento,
num processo crescente de disciplinarização, baseado na produção de saberes hegemônicos. Essa
fragmentação tem impetrado um aprendizado enfatizado na separação dos saberes, desvalorizando as
relações entre o humano e suas diversas dimensões sociais e multiculturais, ou seja, na contramão da busca
pela interdisciplinaridade (GOMES e DESLANDES, 1994; MINAYO, 1991).
Não passa de um grande equívoco a ideia de que se poderá construir uma sociedade de indivíduos
personalizados, participantes e democráticos enquanto a escolaridade for concebida como um mero
adestramento cognitivo. Para exercer a solidariedade é necessário compreendê-la, vivê-la em qualquer
momento.
Nesse sentido, há uma busca por um olhar integrativo no ensino, que procure fazer interlocuções
entre saberes distintos, mas não dissociáveis. Edgar Morin (2003) afirma que “... o conhecimento progride
não tanto por sofisticação, formalização e abstração, mas principalmente, pela capacidade de contextualizar
e englobar”.
Nos atuais dias de incerteza e transições, carecemos de um novo sistema ético e de uma matriz
axiológica clara, baseada no saber emancipativo, cuidar e conviver. Urge transformar a educação,
transformando o contexto em que ela acontece. E urge, também, estabelecer interação humana entre a escola
e os cidadãos, capaz de dar sentido ao cotidiano das pessoas e influenciar positivamente as suas trajetórias
de vida.
Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul
2
Assim, o presente artigo apresenta o relato de experiência da Metodologia do Colégio SESI-PR como
uma estratégia de Ensino Médio no contexto da interdisciplinaridade, no Colégio SESI da cidade de
Irati/PR.
2. Relato de experiência: a busca de aproximações da interdisciplinaridade e o Ensino Médio
O Colégio SESI Paraná se fundamenta em um conceito de educação participativa, que aposta no
diálogo entre saberes e na interação entre pares para se oferecer o ensino (COLÉGIO SESI, 2011). Para isso,
realiza oficinas de aprendizagem, que estimula o educando a ampliar suas relações pessoais e profissionais.
A prática metodológica da Rede SESI de Ensino Médio se concretiza por meio de Oficinas de
Aprendizagem, uma forma diferenciada de processo ensino-aprendizagem. Tal prática foi criada e
desenvolvida por Márcia Conceição Rigon, na cidade de Montenegro, no Rio Grande do Sul, em 1996, e
adotada em 2005, pelo SESI Paraná, com atualizações e características próprias (RIGON, 2007).
As oficinas de aprendizagem são uma nova metodologia de ensino, no qual o professor é um
facilitador, orientador e mediador do processo de aprendizagem, estimulando em sala de aula a vivência de
situações semelhantes àquelas que os estudantes vão encontrar na vida real e no mercado de trabalho,
mediante desafios de aprendizagem, construído coletivamente entre os professores. Os estudantes são
responsáveis pelo seu processo de aprendizado, assumindo uma postura ativa e investigativa, construindo
seu conhecimento em equipes de estudo e pesquisa (COLÉGIO SESI, 2011).
As Oficinas de Aprendizagem, segundo Miquelin (2008) são constituídas como estruturas flexíveis,
em torno de um desafio central, contextualizado num tema, com modo de funcionamento semelhante a uma
rede de significados. Essa rede não prioriza disciplinas, mas, sim, a natureza de um problema que na verdade
é interdisciplinar e real, sem caráter artificial. Sendo uma rede, ela leva os sujeitos a criarem e interpretarem
múltiplas soluções e não a encontrarem uma solução predeterminada (a questão que possui uma única e
determinada resposta não constitui um problema). Morin (2003) aponta que as realidades e os problemas
delas são cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e
planetários. Assim, torna-se essencial pensarmos de forma global.
A fim de concretizar a conexão e inter-relação dos inúmeros conhecimentos disciplinares com suas
aplicações sociais reais e tecnológicas, as Oficinas de Aprendizagem organizam-se a partir de desafios
extraídos, pelo conjunto de professores, do contexto social em suas múltiplas dimensões. O desafio se
expressa por meio de uma questão em forma de pergunta, contextualizada num tema. Enfatiza-se a
necessidade de perguntas que gerem muitas discussões, necessidade de pesquisa e estudo para elaborar uma
resposta fundamentada e completa. Perguntas que requerem respostas “sim ou não”, “concordo ou discordo”
Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul
3
não se constituem em problemas a resolver. Assim, essa metodologia de ensino estimula a todos os atores
envolvidos a se “desprender” do pensamento linear e da lógica racionalista, tão comum no ensino
disciplinar.
Apresentamos como experiência, o relato de uma oficina de aprendizagem intitulada “Tecnologia:
qual é o preço?”. Nesta, o desafio proposto foi: “O ser humano abriu um caminho do qual não pode mais
voltar. De que forma as implicações das novas tecnologias podem ser benéficas sem colocar em risco a
própria existência humana?”.
A justificativa da oficina foi em razão de que, há pouco mais de dois séculos da Revolução
Industrial, as máquinas estão cada vez mais presentes na realidade humana. O avanço tecnológico é tão
grande que não há como deixar de reconhecer que estamos no início de uma nova civilização, a qual tende a
modificar e até controlar a vida humana. Dessa forma, faz-se necessária a reflexão sobre até onde o avanço
tecnológico traz benefícios à sociedade e quais as implicações socioambientais que toda mudança pode
trazer. Dessa maneira, o avanço da tecnologia indica que todos os seres humanos são influenciados pelas
conquistas científicas, bastando descobrir de que forma é possível utilizar conscientemente e
equitativamente tais benefícios.
Propusemos como objetivos gerais da oficina: “Possibilitar aos estudantes a reflexão sobre as
influências das inovações tecnológicas no ambiente mundial, a abrangência e a análise dessas inovações”.
Todas as oficinas possuem uma leitura obrigatória. Nesta foi escolhida o livro “O Alienista” de
Machado de Assis. Sinopse: “O Alienista” é classificado por alguns estudiosos como “conto” e, por outros,
como “novela”. Em seu inconfundível estilo irônico e satírico, Machado faz uma crítica corrosiva ao
cientificismo naturalista – concepção quase hegemônica naquele século XIX-, entremeada pelos eternos
problemas e mazelas que acompanham as coisas humanas.
Nessa Oficina, envolveram-se os conteúdos referentes à Ecologia, Ciclo do Carbono,
Hidrocarbonetos, Regiões Geográficas e Biomas. Tais conteúdos foram trabalhados por professores
facilitadores das disciplinas de Biologia, Química e Geografia. Partimos de uma atividade que simularia uma
viagem a uma cidade vizinha, na qual os educandos visualizariam lixo nas estradas, fumaça do escapamento
de veículos, animais atropelados, monocultura de fumo, falta de saneamento básico e tratamento de água e
esgoto. A partir de discussões realizadas em sala de aula e a exibição do filme “Uma verdade
inconveniente”, os estudantes foram estimulados a criar estratégias de enfrentamento para cada uma das
situações supracitadas.
Os educandos puderam explorar os conteúdos das três disciplinas de forma integral, tanto nos
aspectos teórico-formativos como também vislumbrar a no seu cotidiano o aprendizado a partir da Oficina.
Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul
4
Contemplou, nas aulas de Geografia, o desenvolvimento agrário proporcionado pela mecanização do campo,
seus benefícios para a economia do país, suas limitações e ainda os efeitos colaterais desse modo de
produção.
Em atividades compartilhadas com a Geografia e Biologia foram apresentados os biomas brasileiros
com foco especial para o bioma local e suas peculiaridades. Nesse contexto foram problematizados: a
questão agrária, êxodo rural, desmatamento, monocultura e suas consequências negativas para a comunidade
local, regional e até mesmo nacional. Na Biologia, em específico, foram explorados: a diminuição de
espécies e consequentemente de bancos genéticos vivos, migração de espécies, assoreamento de rios e
poluição. Obviamente os esses manejos inadequados contribuíram e contribuem para o efeito estufa e o
aquecimento global que se faz notar de forma gritante nos dias atuais com enchentes, secas, tornados e
nevascas antes praticamente ausentes em várias regiões do território nacional.
A partir dos efeitos deletérios decorrentes dos efeitos negativos das novas tecnologias empregadas
pelo homem foi explorado, na disciplina de Química, o ciclo do carbono, reações de combustão, processos
endotérmicos e exotérmicos e atividades compartilhadas com a Biologia: fotossíntese, produção de
combustíveis verdes e combustíveis alternativos (energia eólica, elétrica e a base de hidrogênio). Também se
pode explorar o número crescente de automóveis, somadas as migrações de animais que perderam seu
habitat natural resultando em atropelamentos.
Ainda em atividade compartilhada Biologia-Química foram estudados os agrotóxicos mais utilizados
comumente nas culturas regionais, suas formulações (ex. organoclorados) e seus efeitos nocivos (efeito
acumulativo, alterações nervosas e de DNA - cânceres, depressão, mas formações congênitas, etc).
Obviamente ficou evidenciado risco de contaminação de solos e água locais.
A partir das construções e reconstruções de conceitos realizados pelos estudantes e professores
facilitadores. Os questionamentos em torno da problematização das três disciplinas foram surgindo, algumas
vezes de forma espontânea (partindo do conhecimento prévio dos estudantes) e em outras de forma
complementada pelos professores facilitadores. Consequentemente, diversas propostas surgiram a fim de se
enfrentar as situações problematizadas e aquela tão almejada “Educação Libertadora”, proposta por Paulo
Freire, se fez notar.
Assim, os conteúdos foram explorados de forma interdisciplinar, e correlacionados as vivências,
realidades e costumes locais. A criação de estratégias de enfrentamento proporcionou uma coparticipação
dos educandos na construção de conhecimentos, considerando todos os participantes como agentes do
processo de aprendizagem como personagens legítimos (MATURANA, 2002).
Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul
5
Torna-se necessário explanar que, apesar de se acreditar nas Oficinas como uma metodologia
apropriada para o ensino emancipativo, há de se reconhecer que a metodologia de Oficinas não atende
totalmente a demanda exercida pelos vestibulares regionais dos Campos Gerais do Paraná (são os concursos
mais próximos e, portanto os mais procurados pelos educandos do colégio SESI de Irati). É de suscitar que a
metodologia de oficinas esteja à frente do seu tempo, ou melhor, dos vestibulares que podemos nomear de
“tradicionais”, dos quais a principal competência ainda exigida seja a de memorização de conteúdos e a
habilidade em cálculos, na direção do pensamento linear e racionalista. Isso por vezes causa um conflito
para alguns estudantes que anseiam ser aprovados nas Universidades e Faculdades próximas, mas que por
sua vez veem nas oficinas um melhor processo de aprendizado experimentado.
Para suprir a necessidade desses estudantes que desejam ser aprovados nos vestibulares
“tradicionais”, o colégio SESI disponibiliza um conteúdo online especializado. Esta foi a forma que o
colégio encontrou para exercer o ensino democrático e atender os ensejos de seu alunado.
Este conflito dos estudantes perante aos vestibulares, acaba por ser compartilhado com os professores
facilitadores. Tal fato não poderia ser diferente, pois é um momento muito importante para eles que passam
pelos reveses da adolescência, de escolhas cruciais para as suas vidas pessoais e profissionais. Obviamente
os professores facilitadores se compadecem e por vezes, em atividades extraclasses, atendem tal demanda.
Porém, estamos convictos que as Oficinais são primordiais para uma aprendizagem em que a interpretação e
reflexão sejam o ponto de partida.
Acreditamos que a aprendizagem por Oficinas ultrapassa a forma clássica e tácita das metodologias
da maioria dos colégios atuais e caminha na fronteira do conhecimento em sintonia com as Ciências, de
forma interdisciplinar. Traz o cotidiano dos estudantes e dos dias atuais para dentro da sala de aula e a partir
daí re-significa a realidade, o conhecimento e supera vários paradigmas.
A Oficina de Aprendizagem é uma metodologia bastante adequada e produtiva e que proporciona um
aprendizado integrado e crítico, baseado na problematização de realidades, envolvendo diversas esferas e
dimensões, buscando a interdisciplinaridade. Confiamos na educação que tenha como missão não o mero
transmitir do saber, mas sim uma compreensão de nossa condição e que favoreça o pensar aberto e livre.
Ainda, percebemos que tal estratégia possibilita o real envolvimento e interesse dos alunos, tornando a
aprendizagem significativa. Buscamos nos superar sempre nesta jornada e nos inspiramos nos dizeres de
Shopenhauer: “Portanto, tarefa não é ver o que ninguém viu ainda, mas pensar o que ninguém ainda pensou
sobre aquilo que todo mundo vê”.
Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul
6
Diz-nos Clarisse Lispector que, em matéria de viver, nunca se pode chegar. E que a trajetória somos
nós mesmos. Alguém disse, também, que o educador é mais aquilo que faz do que aquilo que sabe, sendo
mais aquilo que é do que aquilo que faz.
Finalizamos o artigo, compartilhando com a citação de Morin (2003) que melhor do que uma
“cabeça bem cheia” é “uma cabeça bem feita”. “Uma cabeça bem-feita é uma cabeça apta a organizar os
conhecimentos e, com isso, evitar sua acumulação estéril”.
Referências:
COLÉGIO SESI. Ensino médio. Proposta Pedagógica. Curitiba: SESI-PR, 2011.
GOMES, R.; DESLANDES, S.F. Interdisciplinaridade na Saúde Pública: um campo em construção. Rev.
Latino-am. Enfermagem, v. 2, n. 2, p. 103-114, 1994.
MINAYO, M.C.S. Interdisciplinaridade: uma questão que atravessa o saber, o poder e o mundo vivido.
Medicina, v. 24, n. 2, p. 70-77. 1991.
MIQUELIN, A. F. Complexidade educacional: o caminho da escola para a leitura do mundo. In SESI
PARANÁ: Diálogos com a prática: construções teóricas – Coletânea 1. Curitiba: Serviço Social da
Indústria/PR, Edição digital, 2008.
MORIN, E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2003. 128 p.
RIGON, M. C. Definindo oficinas de aprendizagem. In: SESI PARANÁ. Material impresso do Programa de
Capacitação 2007 para profissionais do Colégio SESI Paraná. Curitiba: Serviço Social da Indústria/PR,
2007.
SANTOS, B.S. Um discurso sobre as ciências. Porto: Edições Afrontamento, 1988.
top related