o que move os nossos mestres? dinheiro · europeus ultrapassam os dos países de língua o cial...
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04-10-2015 | 2
O QUE MOVE OS NOSSOS MESTRES? NÃO É O DINHEIRO
André deixou a investigação e é agora treinador de futebol. Nuno, o engenheiro que se especializou na área fi nanceira, partiu para Angola. Marco quer abrir um jardim-de--infância. Helena é a melhor aluna da turma de Engenharia Mecânica. Ana e Maria procuram trabalho. Ter canudo de mestre pode abrir portas mas nem sempre para trabalhar na área de especialização
SARA DIAS OLIVEIRA
DANIEL ROCHA
Dizem-nos que vamos ganhar cer-
ca de 700 euros em Portugal.”
Pouco importam a Helena as
promessas de sucesso de um
mestrado, como o que ela está a
concluir em Engenharia Mecâni-
ca. O que lhe fi cou no ouvido, en-
quanto estudante a receber uma
bolsa de excelência de mil euros,
foi o prognóstico de alguns pro-
fessores sobre um futuro muito próximo, para
ela, quase presente.
Os mestrados são hoje em Portugal a ante-
câmara de uma vida profi ssional que muitas
vezes não se cumpre, mas Bolonha tornou-os
cada vez mais obrigatórios. No último ano
lectivo com dados disponíveis, 32% dos mais
de 350 mil estudantes que se inscreveram no
ensino superior já foram candidatos a mes-
tres e 38 mil deles terminaram o curso nesse
mesmo ano de 2013-2014, em universidades
e politécnicos.
O que estes números indicam é que Bolonha
generalizou e agigantou uma etapa de estudos
superiores que produz já um quarto dos di-
plomados — o resto divide-se por doutorados
e licenciados — à procura de uma vida.
Indicam, por outro lado, uma janela para
um mundo em mudança. Por exemplo, um
mundo em que cai rapidamente o número de
mestrados com turmas só de homens ou só de
mulheres; em que os estudantes estrangeiros
europeus ultrapassam os dos países de língua
ofi cial portuguesa; em que o universo de de-
sempregados conta com mais mestres.
A Revista 2 comparou os últimos três anos
lectivos com dados completos e inquiriu as
principais instituições do ensino superior. E o
quadro que encontrou é uma parte das vidas
de Helena, André, Nuno, Ana, Marco e Juan.
Em 2013/2014, 62,5% dos mestres eram
mulheres, o que constitui um recorde. No
inquérito feito pela Revista 2, a maioria das
instituições de ensino superior conta entre
50 e 60% de presenças femininas. A excepção
está na Universidade do Porto: as mulheres
representam 39,8% das inscrições em mestra-
dos em 2014/2015. Na Universidade de Coim-
bra, a percentagem, no mesmo período, é de
55,8%. Mais a sul, a Universidade do Algarve
tem 64% de mulheres inscritas e o Instituto
Politécnico de Setúbal 67%.
Também há mulheres que escolhem outra
porta. É o caso de Helena Sofi a Lopes, uma
das poucas alunas do Mestrado Integrado
em Engenharia Mecânica da Universidade
do Minho. Em Braga, Engenharia Mecâni-
ca é um dos cursos com maior discrepância
entre sexos: neste ano lectivo estão inscritos
523 estudantes, 473 são homens, 50 são mu-
lheres. Nesta universidade, em 2014/2015,
61,9% das matrículas nos mestrados foram
feitas por mulheres. Mas para Helena, 21 anos,
Engenharia Mecânica foi mesmo a primeira
opção na candidatura de acesso ao ensino su-
perior. “Durante o secundário, via bastantes
programas no Discovery Channel e National
Geographic que abordavam assuntos sobre
mecânica, automóveis, entre outros, e penso
que isso também infl uenciou a minha esco-
lha.” Matemática e Física eram as disciplinas
preferidas e a curiosidade em perceber como
as coisas funcionavam, aliada ao interesse
pela área das tecnologias, também pesaram
na hora da decisão. É a melhor aluna da tur-
ma e, por isso, ganhou a Bolsa Excelência da
Universidade do Minho pela sua média de
18,61 valores. A bolsa de cerca de mil euros
permite-lhe pagar um ano de propinas.
Helena pensa no futuro e lembra-se do tal
prognóstico de alguns professores: “Vamos
ganhar 700 euros em Portugal.” A frase bate,
mas não lhe abana as aspirações. Se surgir
oportunidade, Helena quer tirar uma pós-gra-
duação. “Seria uma possibilidade de adquirir
mais ferramentas e conhecimentos, além de
ser uma vantagem quando estiver inserida no
mundo profi ssional.” Trabalhar em Portugal
é a primeira opção, mas se tiver de partir,
vai. “Não tanto pela parte económica, mas
por enriquecimento pessoal e pelo contacto
com outras realidades.”
O desemprego jovem preocupa-a: “Há tan-
tos jovens qualifi cados a não terem oportu-
nidades de emprego nas suas áreas, tanto
assim é que alguns são ‘obrigados’ a emigrar
ou a arranjar trabalho noutra área qualquer.
É muito mau não só para os jovens, mas tam-
bém para as suas famílias e para o país que
investiram neles.” Apesar de tudo, Helena,
fi lha única, está optimista. Gostaria de pros-
seguir os estudos, trabalhar numa empresa
moderna na sua área de especialização em
sistemas mecatrónicos, que alia conhecimen-
tos de engenharia mecânica, electrónica, in-
formática. “Ter um curso ou um mestrado é
sempre uma mais-valia. Além disso, é algo
que os empregadores valorizam”, refere. Mas,
na sua opinião, um mestrado integrado num
curso vai perdendo força. “Está um pouco
desvalorizado.” No entanto, entre ter e não
ter, é melhor ter, até porque a realidade lhe
tem mostrado que os mestrados e doutora-
mentos são valorizados na avaliação que as
empresas fazem dos currículos.
No fi nal do ano passado, quem tinha habi-
litações superiores representava 12% do total
dos desempregados. Eram, ao todo, 70.783 e,
destes, 14,4% eram mestres.
UM MESTRE QUE CALÇOU AS CHUTEIRASAndré Vale não fazia parte desses números,
mas a sua vida poderia ser mais tranquila,
fi nanceiramente falando. Um dia, quis que
tudo mudasse.
Mestre em Engenharia do Ambiente pelo
Instituto Superior Técnico (IST), investiga-
Marco António Freitas é o único rapaz da turma de 47 alunos do mestrado em Educação Pré-Escolar da Universidade do Minho. No plano anterior, André Vale, mestre em Engenharia do Ambiente, tinha o sonho de ser treinador de futebol. Cumpriu-o
O mundo dos mestrados em Portugal
Fonte: DGEEC/MEC; IEFP
Nota: Últimos três anos com dados disponíveis para comparação
Matrículas para os dois tipos de mestrados (2.º ciclo+integrado)
Elas conseguem mais canudos de mestreEm %
38,6
61,4
39,2
60,8
37,5
62,5
2011-2012 2012-2013 2013-20142011-2012
2012-2013
Tendências diferentes entre as regiões
1659
1969
1626
30532396
50.67548.130
23.80223.196
40.54540.761
39.841
2011-2012 2012-2013N.º mestres 2013-2014
Mestres entre os diplomados*
26,7
2013-2014
26,0
74
73,3
%
26.132
24.947
38.386
24.312
48.057
2332
Alentejo
Lisboa
Centro
Norte
Algarve
2011-2012 2012-2013 2013-2014
116.109 116.511119.734
*licenciaturas, mestrados e doutoramentos
25,3
74,7
NELSON GARRIDO
2 | Domingo 4 Outubro 2015 | 17
inteiro à frente do computador a trabalhar
para as pessoas, sem lidar com as pessoas.
Fazia e assinava projectos que infl uenciavam a
vida das pessoas e não ia aos sítios”, recorda.
Ficou um mês. “É muito difícil chegar a casa
e dizer: ‘Estou farto disto, vou largar tudo e
seguir o meu sonho, quero ser treinador de
futebol e vou conseguir, der por onde der’.”
Um dia antes de se despedir, no regresso a
casa, perdeu o medo e a vergonha e bateu à
porta do Estádio da Luz. O professor António
Fonte Santa, a quem chama mentor, aceitou-
o na escola. “A ele devo uma parte do meu
sucesso em mudar de vida”, confessa.
Em Junho de 2013, começou a fazer cursos
de formação de futebol, os chamados “níveis
de treinador”, em Inglaterra. Ainda não aca-
bou. “Decidi fazer estes cursos no estrangei-
ro porque queria desafi ar-me, sair da minha
zona de conforto, obrigar-me a ir treinar em
condições e numa língua diferentes e tam-
bém porque teria mais uma coisa que me di-
ferenciasse no currículo.” O percurso no fu-
tebol tem sido sempre a subir. Em Setembro,
passou de treinador estagiário a treinador
principal da selecção de 2009 das Escolas de
Futebol do Estádio. E ainda treina, três vezes
por semana, os iniciados B, adolescentes de
13 anos, do Linda-a-Velha.
Como estagiário e aprendiz no Benfi ca, não
tinha rendimentos. Desenhou então um pro-
jecto de empreendedorismo social que apre-
sentou a um grupo de investigação do IST.
Esse projecto, revela, “consistia na criação
de uma plataforma de conhecimentos que
permitisse a qualquer pessoa, em tempo real,
aceder a informação básica sobre ambien-
te, ecologia, agricultura”. A ideia é, explica,
“que essa informação não fosse puramente
académica ou teórica, mas sim da partilha de
conhecimentos ancestrais e seculares, jun-
tamente com conhecimentos surgidos da
investigação científi ca nessas áreas”. Uma
plataforma online aberta à participação de
todos. E assim, em Novembro de 2012, voltou
à faculdade com uma bolsa a tempo parcial
para conciliar o tempo com os treinos. Ficou
quase um ano, até Setembro de 2013, quan-
do largou de vez o papel de bolseiro. “Era o
mesmo problema: muito trabalho em frente
do computador, muito pouco junto das co-
munidades que queríamos infl uenciar e, por
essa altura, a minha motivação estava total-
mente focada no futebol.” Sem remuneração,
André entra na Associação Cultural Moinho
da Juventude, na Cova da Moura. “Tem sido
um desafi o enorme, mas é um trabalho que
me dá muito prazer. É duro, mas permite-me
sentir que estou a trabalhar para algo que se
vê”, conta. Está lá desde Dezembro de 2103.
“Tenho aprendido muito do que é a vida, a
sociedade, as difi culdades que muita gente
passa, através do bairro”, diz.
André não desvaloriza o percurso acadé-
mico. Pela capacidade de raciocínio, pela
capacidade de realizar muito trabalho e de
pensar sob pressão. “O Técnico é muito bom,
ensina-nos a pensar e a desenrascar. Saí muito
bem preparado, com um bom ritmo de traba-
lho.” Falta, na sua opinião, preparação para o
mercado de trabalho, mais protocolos entre
as universidades e as indústrias, um semes-
tre de integração num grupo de investigação
ou numa empresa, estágios obrigatórios em
contexto de trabalho para todos os alunos.
“Os engenheiros existem, na sua essência,
para resolver problemas práticos. Como po-
dem fazer isso se só têm cadeiras teóricas?”,
questiona. Compreende, no entanto, que a
actual situação do país não dê grande mar-
gem de manobra às faculdades. “Por ver que
a formação superior oferece, muitas vezes,
caminhos que não vão, de todo, ao encontro
permita ser minimamente independente. É na
área que gosto e onde sempre sonhei estar e
quem corre por gosto também se cansa, mas
nunca se arrepende”, refere.
Em Setembro de 2011, terminou o Mestrado
Integrado em Engenharia do Ambiente com
média de 15 valores e com seis meses em Mi-
lão como aluno de Erasmus. Um professor
convidou-o a fi car no IST como investigador.
Aceitou e começou a trabalhar. Em Outubro
do ano seguinte, concorreu a uma bolsa do
LNEC — Laboratório Nacional de Engenharia
Civil, “pelo prestígio de trabalhar num labo-
ratório de renome”. Foi o melhor classifi ca-
do, fi cou com uma bolsa de investigador, na
altura, de 980 euros por mês. “Passava o dia
dor, passava os dias sentado a uma secretária
com estudos de impacte ambiental à frente.
A carreira académica seria o percurso mais
previsível. Não foi. O sonho de trabalhar com
crianças e ser treinador de futebol falou mais
alto.
É agora treinador na Escola de Futebol do
Benfi ca, que tem miúdos dos três aos 16 anos,
e é coordenador técnico da Escola de Futebol
no Benfi ca de Oeiras, onde faz a gestão de trei-
nos e treinadores que têm a seu cargo cerca
de 70 crianças dos três aos 12 anos. Trabalha
em part-time na Associação Cultural Moinho
da Juventude na Cova da Moura, em Almada.
Coordena o projecto Eco-Escolas dessa asso-
ciação, faz a ligação entre as várias respostas
Helena Sofia Lopes é uma das poucas alunas do Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica da Universidade do Minho. “Ter um curso ou um mestrado é sempre uma mais-valia. Além disso, é algo que os empregadores valorizam”, refere
Cátia Mendonça e Lurdes Ferreira
2011-2012 2012-2013 2013-2014
50 ou mais45 a 4940 a 4435 a 3930 a 3425 a 2920 a 24 anos
Mestres cada vez mais novos
Desempregados registados pelo IEFP (Dez. 2014)
Total598.581 70.783
com ensino superior
Ensino públicouniversitário
6817
2115 Privadouniversitário
Público politécnico
904
Privado politécnico335
2012-2013
2013-2014
Mais estrangeiros europeus
Sete principaispaíses
Número deestrangeiros
Inscritos nos mestrados
BrasilAngolaCabo VerdeItáliaEspanhaAlemanhaMoçambique
EspanhaBrasilItáliaCabo VerdeAngolaAlemanhaPolónia
8,0
8,7
9326
2011-2012BrasilAngolaCabo VerdeEspanhaItáliaFrançaAlemanha
7,6
%
9092
10.104
6670 80
2282
51
7614 86
43
8549
3151 36
8331
75
1645 2158
1877
1060
1339
1128
843
1008
793
648
947
802
10.171com
mestrado
sociais da instituição no que diz respeito à
educação ambiental e também dá apoio es-
colar complementar nas áreas de Ciências e
Matemática.
André tem 28 anos e não se arrepende de
ter largado a carreira de investigador. Não foi
fácil, teve de fazer contas à vida, ainda vive
com os pais. “Tinha tudo seguro para seguir
uma carreira académica consolidada. Tive de
ter uma força de vontade muito grande e de
provar a todos que sabia o que estava a fazer.
Sabia que ia ter resultados, sabia que ia alcan-
çar coisas”, conta. Acumula vários empregos,
trabalha 50 horas por semana se for preciso.
“E tem de ser assim para conseguir ter um
rendimento sufi ciente ao fi nal do mês que me
NELSON GARRIDO
do que as pessoas querem, mas onde, muitas
vezes, se deixam a defi nhar ao nível pessoal,
arrisquei em não o permitir.”
André tem os pés no chão. “A altura em
que se larga tudo para mudar de vida é natu-
ralmente conturbada e difícil, em que se têm
de tomar decisões de uma responsabilidade
enorme.” Como toda a gente, tem dias bons e
dias maus. O seu lema passou a ser não tomar
decisões baseadas em dinheiro. Faz questão
de passar essa mensagem aos que estão à vol-
ta. “Há cada vez mais um número assustador
de pessoas que fazem frete no trabalho pelo
vencimento, sem darem uma única oportu-
nidade de tentarem ser felizes e fazerem o
que gostam. Todos merecem uma chance, por
mais madrasta que a vida possa parecer.”
Segundo o inquérito realizado pelo PÚBLI-
CO, na Universidade de Évora, em 2014/2015,
o rendimento médio líquido à data do início
do mestrado de 2.º ciclo era de 1023 euros. Na
Universidade de Aveiro, 33,5% estavam nos
salários entre 1000 e 1499 euros, enquanto
31,6% auferiam entre 750 e 999 euros e 3,2%
auferiam 2000 ou mais euros por mês. Na
Universidade do Porto, 28,9% dos mestres
ganhavam entre 801 e 1100 euros, 27,9% au-
feriam entre 1101 e 1400 euros e 11% mais de
1701 euros mensais.
NUNO EM ANGOLA, ANA E MARIA PROCURAM TRABALHONuno Rocha estudou na Universidade do Por-
to e não sabe o que é estar desempregado.
Tem 30 anos, trabalha em Angola como ad-
visor numa empresa de investimento, a Ge-
mcorp Capital, que tem sede em Londres, e
é o responsável pelo processo de expansão
em África. Tem um salário confortável, uma
carreira pujante. São os desafi os e as experi-
ências que o fazem mexer. Não é uma questão
de números ou de uma carteira mais reche-
ada. “A formação académica, mais do que
um melhor salário, signifi ca mais e melhores
opções seja através do empreendedorismo
ou trabalhando para alguém num caminho
que deve ser sempre trilhado tendo metas e
objectivos bem defi nidos e que, naturalmen-
te, vamos renovando”, conta numa troca de
emails.
Saiu da Faculdade de Engenharia da Uni-
versidade do Porto em 2007 com uma média
de 14 valores. “O grande trunfo que ganhei
durante a universidade foi aprender a pensar.
Continuo a resolver problemas e a encontrar
as melhores soluções como um engenheiro,
apesar de nunca ter exercido.” Dedicou-se à
área fi nanceira. Curso concluído, começou a
carreira como analista na avaliação de activos
numa empresa de consultoria e engenharia,
fazendo a ligação aos principais bancos portu-
gueses. Fez uma pós-graduação em Análise de
Investimentos e Avaliação e no fi nal de 2012
saiu da empresa como director executivo.
“Senti que precisava de organizar e estrutu-
rar os conceitos relativamente a liderança e
gestão. Nessa altura, procurei algumas op-
ções de Business Schools, tendo sido aceite
em duas. Optei pela Universidade Católica do
Porto e pelo programa MBA Atlântico”, revela.
Acabou o MBA em Agosto de 2014 e no mês
seguinte recebeu uma proposta para liderar
a área de investimento de uma empresa em
África. Em Março deste ano surgiu o convite
da Gemcorp Capital. Nuno é apologista do
velho ditado que o saber não ocupa lugar. “A
formação académica abre caminhos, mas é
Juan Enrique Ruiz é um dos estudantes espanhóis que representam a maioria dos alunos que chegam de fora para uma especialização em Portugal. É licenciado em Engenharia Industrial e está a frequentar o mestrado em Finanças na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Maria Manuel Rola, 31 anos, é designer gráfica e está sem trabalho desde Maio deste ano
função de cada indivíduo encontrar as opor-
tunidades e os desafi os que o satisfaça e o
faça feliz.” E o futuro? “A minha expectativa
é ter uma vida familiar completa, seja em que
geografi a for, e liderando um projecto que me
desafi e todos os dias”, responde.
Quando era pequeno, queria ser como An-
dré Agassi, jogador profi ssional de ténis. Na
hora de tomar decisões, decidiu estudar Enge-
nharia Civil. O pai, engenheiro, era o exemplo
que queria seguir. Durante as suas especia-
lizações, nunca deixou de trabalhar. Casou-
se em Julho deste ano, a mulher trabalha em
Portugal. Apesar de estar noutro continente,
o país está sempre perto: “Vejo em Portugal
oportunidades que, muitas vezes, são desa-
proveitadas pela vergonha social de falhar.
Essa é uma das grandes mudanças que Portu-
gal e os jovens portugueses devem encontrar
no seu caminho para a felicidade”, defende. A
emigração, em seu entender, exige refl exão e
mudanças de todos os intervenientes envolvi-
dos na equação. “É preciso perceber as causas
reais que são mais profundas do que aquilo
que se ouve nos discursos. É preciso, por outro
lado, olhar para os desafi os que a conjuntura
nos apresenta como enormes oportunidades
para evoluirmos como indivíduos, mas prin-
cipalmente como sociedade.”
Segundo dados do Instituto do Emprego e
Formação Profi ssional (IEFP), a maioria dos
mestres desempregados tem entre 25 e 34
anos, são 6488 do total e representam 22,4%,
seguindo-se 1903 mestres sem trabalho com
menos de 25 anos e que representam 14,9%.
No inquérito realizado pela Revista 2, o Ins-
tituto Politécnico de Setúbal revela que, em
2014/2015, 81% dos alunos já tinham contratos
remunerados antes da conclusão do mestrado
e 15% arranjaram trabalho até seis meses de-
pois da conclusão dessas formações. Na Uni-
versidade do Porto, também em 2014/2015,
após um ano da conclusão dos mestrados,
76,2% estavam empregados, 11,3% estavam
desempregados, 5,9% em estágios e 5,3% con-
tinuavam a estudar.
Ana Ferreira está do lado dos 12% de de-
sempregados diplomados contabilizados
no fi nal do ano passado e nos 1661 mestres
que andam à procura de trabalho há cerca
de um ano. Aos 25 anos, procura o primeiro
emprego com uma licenciatura em Sociologia
da Faculdade de Letras da Universidade do
Porto e um mestrado do 2.º ciclo em Comu-
nicação, Arte e Cultura na Universidade do
Minho, concluído em Outubro do ano passa-
do com uma média de 17 valores. “Sabia que
depois do mestrado fi cava por minha conta.”
Assim foi. Ficou atenta aos anúncios, enviou
currículos, inscreveu-se em estágios, esperou
por respostas que não chegaram. Até ao mo-
mento, foi a quatro entrevistas. Ter um mes-
trado não tem sido um entrave, o calcanhar
de Aquiles é a falta de experiência profi ssio-
nal, mesmo para empregos a recibos verdes
e em part-time. “Numa das entrevistas, senti
que havia bastante apreensão por parte dos
empregadores pelo facto de eu não possuir
qualquer experiência profi ssional e este ser
um critério de avaliação nas candidaturas aos
estágios, coisa que para mim não faz qualquer
sentido visto que o programa pretende ser um
primeiro contacto dos jovens com o mercado
de trabalho.”
O mestrado não surgiu por acaso. Ana esco-
lheu a área que queria aprofundar: “Senti ne-
cessidade de aprofundar temáticas que a So-
ciologia aborda.” Entre o curso e o mestrado,
fez seis meses de voluntariado no programa
Escolhas, planifi cou e dinamizou actividades
pedagógicas para jovens. “Essa experiência
permitiu-me perceber o que gostava de fazer
em termos profi ssionais.”
FERNANDO VELUDO/NFACTOS
Ana faz parte do Orfeão Universitário do
Porto desde 2009. Desde o tempo da faculda-
de que mantém o contacto com a instituição.
Mora com a mãe e o irmão, o pai emigrou
para Angola. Tenta manter o optimismo,
inscreveu-se em bolsas de voluntariado na
Casa da Juventude de Matosinhos, na plata-
forma de apoio aos refugiados. “Houve já di-
versas ideias para constituir um negócio com
amigos ou família, mas isso nunca foi para a
frente”, lembra. Tem pensado em muita coi-
sa, em voltar à universidade e inscrever-se
num mestrado que saiba que “tenha saída”.
O que vê à volta não é animador. “As minhas
colegas de licenciatura não estão a trabalhar
na área. Desde supermercados a call centers
e portagens, há de tudo um pouco e nenhu-
ma trabalha em Sociologia”, refere. “Nesta
perspectiva, é um bocadinho difícil estar op-
timista.”
Do lado do desemprego, mas com experi-
ência profi ssional, está também Maria Manuel
Rola, 31 anos, designer gráfi ca, sem trabalho
desde Maio deste ano. Recebe subsídio de de-
semprego, continua a enviar currículos, a ir a
entrevistas e a fi car com a amarga sensação
de que a sua experiência no mercado de tra-
balho, o curso, o mestrado em Barcelona, a
pós-graduação em Portugal, não têm assim
tanto peso para quem contrata. Diz que os
empregadores procuram “canivetes suíços”
ou “polvos”. Gente que saiba fazer muita coisa
ao mesmo tempo, que multiplique as mãos
e o cérebro por 650 euros por mês. “Com
três, quatro anos de experiência no mercado,
propõem-nos à volta de 600, 650 euros, como
se fôssemos recém-licenciados, abaixo do que
seria expectável. A crise tem servido como
desculpa para muita coisa”, repara.
O percurso de Maria começou no Colégio
dos Carvalhos, em Vila Nova de Gaia, no cur-
so técnico-profi ssional de Artes e Indústrias
Gráfi cas. Seguiu-se a experiência de dois anos
em Arquitectura na Faculdade do Porto. Não
era por ali. “Era interessante, mas era preci-
so um amor à profi ssão que não era o meu”,
desabafa. Inscreveu-se em Design Gráfi co na
Escola Superior de Artes e Design (ESAD) de
Matosinhos e depois partiu para Barcelona
para um master em Design e Direcção de Pro-
jectos Expositivos. Os pais incentivaram-na a
ter outro tipo de experiências e uma especia-
lização no estrangeiro que poderia signifi car
mais possibilidades em termos de emprega-
bilidade. Um ano a estudar fora, um mês à
procura de trabalho em Barcelona. Voltou
em 2009. Fez um workshop em Design, vários
trabalhos na área, uma pós-graduação em
Web Design na ESAD, como trabalhadora-
estudante. Em Maio deste ano, fi cou desem-
pregada. Continua à procura de emprego,
tem enviado várias candidaturas. “O que se
encontra mais são estágios curriculares e do
IEFP”, adianta.
O marido de Maria está a estudar nos Esta-
dos Unidos com uma bolsa de doutoramento
num projecto de cinco anos. “Continuo à pro-
cura de trabalho, há a hipótese de emigrar.”
Partir é, neste momento, a última opção. Ter
um mestrado é uma boa ferramenta, mas não
é tudo. Por enquanto, não pensa voltar à fa-
culdade. Esse regresso tem de fazer sentido na
perspectiva de crescer enquanto profi ssional
porque são as competências técnicas que lhe
interessam. Na especialização que tirou em
Portugal, sentiu que estava tudo formatado
para o empreendedorismo, era preciso de-
senvolver um projecto e arranjar fi nancia-
mento. Soube-lhe a pouco. “Não queria ser
empreendedora, mas desenvolver competên-
cias para o trabalho que estava a exercer”,
comenta. “Neste momento, preciso mesmo
de trabalhar.”
NELSON GARRIDO
MARCO QUER ABRIR UM JARDIM-DE-INFÂNCIAMarco António Freitas está a terminar o mes-
trado em Educação Pré-Escolar da Universida-
de do Minho. É o único rapaz da turma de 47
alunos inscritos no ano lectivo de 2014/2015.
Não se sente peixe fora de água. Bem pelo con-
trário. “As pessoas olham para mim e pensam
que se estou aqui é porque realmente quero
estar aqui. A Educação Pré-Escolar foi sempre
a área de que mais gostei, com a qual mais me
identifi quei e ambicionei seguir.”
A vontade de ser feliz faz parte desta histó-
ria. Marco tem 26 anos, é da Madeira e quer
abrir um jardim-de-infância, seja no continen-
te seja na ilha: O sonho não tem localização
defi nida, o importante é concretizá-lo. “O que
me interessa é ter trabalho na área onde me
especializei. Trabalhar em Braga ou na Ma-
deira é igual.” É persistente. Quando acabou
o 12.º ano, esteve um ano a subir a nota de
História, disciplina que fazia parte das provas
de ingresso à faculdade.
Na candidatura de acesso ao ensino supe-
rior, colocou Educação Básica nas seis opções
possíveis. Entrou em Braga, fez as malas e ater-
rou no continente. Os estágios que fez ao longo
do ensino superior confi rmaram a certeza de
querer trabalhar com crianças. A formação
seguinte era inevitável. É uma exigência do
mercado com as alterações de Bolonha. “Sem
o mestrado, não consigo exercer, só nas AEC.
Não fazia sentido não o fazer e era chato para
os meus pais que me estão a fi nanciar.” Até 31
de Outubro tem de entregar a tese Construir
a Identidade Descobrindo a Diversidade que
defenderá em Janeiro do próximo ano. Ter
mestrado nunca é de mais. “As pessoas con-
sideram que ter um mestrado lhes dá mais se-
gurança para fazerem algo que gostem, que as
realizem no futuro. O saber não ocupa espaço,
independentemente de, no futuro, terem ou
não emprego na sua área.” Continuar a estu-
dar é uma hipótese, Marco quer ter várias por-
tas abertas. “Gostava de aprender um pouco
mais, continuar a estudar num doutoramen-
to que me realizasse como professor e como
pessoa”, adianta. No início do próximo ano,
terá de tomar decisões. Desemprego é uma
palavra que anda no ar. “Qualquer estudante
que se candidate ao ensino superior, ou que
quer ter um mestrado, pensa no desemprego,
é uma coisa que automaticamente lhe vem
à cabeça. Todos sabem o estado em que se
encontra o nosso país e fi cam com as esco-
lhas limitadas.” E se pudesse mudar alguma
coisa nos mestrados, esticaria o tempo dos
estágios. “É a prática que vai fazer com que
apliquemos e percebamos o que aprendemos
na teoria”, sublinha.
Marco foi aluno bolseiro. Recebia uma bolsa
do Governo da Madeira, outra bolsa da Uni-
versidade do Minho que, juntas, rondavam os
270 euros por mês. “Hoje em dia não é fácil
obter uma bolsa boa”, comenta. Em pratica-
mente todas as instituições de ensino supe-
rior do país que responderam ao inquérito da
Revista 2, verifi ca-se um aumento do número
de bolsas atribuídas a alunos de mestrados.
Em 2014/2015, e dos dados disponíveis, foi a
Universidade de Aveiro que atribuiu o maior
número de bolsas: 1019 e um investimento
de cerca de 1,9 milhões de euros. A Univer-
sidade de Trás-os-Montes e Alto Douro con-
cedeu 519 bolsas que representaram pouco
mais de um milhão de euros. A Universidade
Nova de Lisboa atribuiu 311 bolsas que, no to-
tal, valiam 564.622 euros, a Universidade de
Coimbra deu 259 bolsas que representaram
um investimento de 109.402 euros, enquanto
chegava do Brasil e de Angola, seguindo-se Ca-
bo Verde, Espanha, Itália, França e Alemanha,
em 2013/2014, a ordem de preferência alterou-
se com Espanha à cabeça seguida do Brasil.
Angola aparece atrás de Itália e Cabo Verde,
seguindo-se Alemanha e Polónia.
Juan Enrique Ruiz é um dos estudantes es-
panhóis que representam a maioria dos alunos
que chegam de fora para uma especialização
no nosso país. Chegou ao Porto a 1 de Setem-
bro deste ano para frequentar o mestrado
em Finanças na Faculdade de Economia da
Universidade do Porto. É aluno de Erasmus,
estará no Porto durante seis meses, a cidade
que conheceu de raspão há um ano durante
dois dias de férias que ali passou. Depois vol-
ta a Madrid, de onde chegou, para terminar
o mestrado na área de Economia. Juan, 23
anos, licenciado em Engenharia Industrial,
quer aprender português. E está bastante mo-
tivado. Por enquanto, ainda recorre ao inglês
para manter conversas e não tropeçar nas pa-
lavras. Está num curso intensivo, três horas
ao fi nal dos dias, para que possa juntar mais
uma língua ao currículo (fala espanhol, inglês,
italiano e estudou em Itália como aluno de
Erasmus há cerca de dois anos). “Quero ser
fl uente em português. Saber várias línguas é
muito importante.” Conhecer pessoas, com-
preender outras realidades, movimentar-se à
vontade em várias geografi as, também.
Depois do mestrado, Juan ainda não decidiu
o que fazer. Talvez montar o seu próprio ne-
gócio, uma empresa de consultadoria, talvez
tente o sistema fi nanceiro na área da banca.
Talvez regresse ao Porto e tente encontrar tra-
balho por algum tempo. De uma coisa tem
a certeza: “Não quero estar num escritório
a trabalhar das 9h às 6h.” O dinheiro não é
objectivo máximo do seu percurso. As via-
gens dão-lhe estofo e bagagem para o futuro.
“Quando saímos de casa, deixamos a nossa
família, saímos da nossa zona de conforto,
tornamo-nos independentes, crescemos imen-
so e aprendemos muitas coisas”, refere. Sabe
do que fala. E faz por isso.
a Universidade de Évora aprovou 169 bolsas
de, no total, 321.113 euros.
Os alunos estrangeiros a procurar Portugal
para obter o grau de mestre também estão a
aumentar: 9092 alunos estavam inscritos em
2011/2012, 9326 no ano seguinte e 10.104 em
2013/2014. A Universidade Nova de Lisboa já
ultrapassou a barreira dos 20% de alunos es-
trangeiros em programas de mestrado. A subi-
da tem sido signifi cativa: 12,5% em 2012/2013,
16,6% em 2013/2014 e 21% em 2014/2015. Nas
universidades de Aveiro e da Beira Interior, na
Covilhã, a tendência também é de crescimen-
to. Na primeira de 8,7% em 2013/2014 para
10,3% em 2014/2015. Na segunda, e no mesmo
período, de 6,47 para 7,87%. Se na maioria, as
inscrições dos alunos estrangeiros em progra-
mas de mestrado aumentam, na Universida-
de de Trás-os-Montes e Alto Douro verifi ca-se
uma descida com algum peso: de 10,8% em
2013/2014 para 6,6 em 2014/2015.
Se anteriormente, a maioria dos estudantes
NELSON GARRIDO
DR
O grande trunfo que ganhei durante a universidade foi aprender a pensar. Continuo a resolver problemas e a encontrar as melhores soluções como um engenheiro, apesar de nunca ter exercidoNuno Rocha
EBER, O GUATEMALTECO QUE ACREDITA NA JUSTIÇA SOCIAL Na Universidade de Coimbra, onde o guate-
malteco Eber Quiñonez Hernandez chegou a 15
de Setembro de 2011 para fazer o mestrado em
Intervenção Social, Inovação e Empreendedo-
rismo, na Faculdade de Economia, o número
de alunos estrangeiros inscritos em programas
de mestrado não tem sofrido oscilações. Em
2014/2015, 11,5% de alunos estrangeiros fre-
quentavam os mestrados, percentagem igual
ao ano de 2012/2013, registando-se uma ligeira
quebra em 2013/2014 com 10,5%.
Eber, 33 anos, escolheu estudar em Portu-
gal com uma bolsa fi nanciada pelo Programa
Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da
Fundação Ford, dos Estados Unidos da Amé-
rica. Os textos de Boaventura Sousa Santos
que lia e que os amigos guatemaltecos par-
tilhavam inspiram-no a escolher Coimbra. O
sociólogo português despertava-lhe atenção.
“Alguém do outro lado do mundo olhava para
aquele outro lado do mundo, falava da nossa
realidade, e fazia sentido.” Portugal também
era apetecível por ser uma “porta de entrada
para outras partes do mundo”. Desde 2011 que
faz parte do grupo de estudos em Economia
Solidária, EcoSol do Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra.
Em 2006, Eber terminou o curso de Psicolo-
gia na Universidade de S. Carlos da Guatemala,
a quarta mais antiga da América. Participou
em vários projectos sociais, um dos quais nu-
ma comunidade indígena com mulheres víti-
mas de violência sexual e familiar. Antes de
partir para Portugal, coordenava um projecto
de combate à violência e de inserção social,
que envolvia crianças e jovens até aos 24 anos,
Ana Ferreira é uma dos 1661 mestres que andam à procura de trabalho. Na pág. à esq.: o guatemalteco Eber Quiñonez Hernandez chegou a Coimbra em 2011 para fazer mestrado na Faculdade de Economia; Nuno Rocha (em baixo) trabalha em Angola como advisor numa empresa de investimento
em Santa Isabel, na periferia da capital Cidade
da Guatemala. “A ideia era contribuir para que
a violência não se perpetuasse.” Os jovens ti-
nham bolsas para várias formações: mecânica,
estética, técnicas de computação, lazer, des-
porto. Decidido a apostar na formação acadé-
mica, fez as malas. “Não fazia ideia do que era
Coimbra.” Encontrou uma cidade “com uma
tradição muito ligada ao movimento estudan-
til”. “Fiquei surpreendido não apenas por ser
uma cidade de estudantes, mas por ser uma
cidade pequena e ter muita oferta cultural e
académica.” E por encontrar pessoas de todo
o mundo. Acabou o mestrado em 22 meses,
estudou a forma como o capitalismo, no caso
europeu, e especifi camente em Portugal, “sub-
mete e domina cada vez mais os pequenos pro-
dutores agrícolas, obrigando-os, através dos
quadros regulamentares da Política Agrícola
Comum, e das regulamentações implementa-
ou duas pessoas, quando, muitas vezes, por
trás desses empreendimentos, participaram
imensas pessoas que fi cam invisíveis ou mar-
ginalizadas.”
Eber quis fazer o encontro entre teoria e
prática, estudar a fundo temas que lhe inte-
ressam, aprofundar conhecimentos que, em
seu entender, serão potenciados na sua vida
profi ssional. A carreira académica não tem
propósitos fi nanceiros. “Pertenço à área hu-
manista que não procura o fi m ganancioso do
dinheiro. Estou a lutar por uma melhor qua-
lidade de vida, no sentido colectivo.” Estuda
para apreender ferramentas que lhe permitam
pensar que outro mundo e outras realidades
mais justas são possíveis. “A componente das
relações interpessoais foi também um factor
muito importante porque me permitiu alargar
a minha visão da sociedade portuguesa em
geral, e da conimbricense em particular.”
Neste momento, é bolseiro da Fundação pa-
ra a Ciência e a Tecnologia (FCT) num projecto
de gestão e comunicação entre a biblioteca e a
universidade onde estuda e as diversas unida-
des de investigação com que a faculdade tem
ligação. Por isso, desenvolve várias actividades
na biblioteca.
E não mais voltou à Guatemala. Admite que
é “um bicho estranho” e que tem o coração di-
vidido. “Umas vezes sinto-me em casa, outras
estrangeiro. Mas gosto de cá estar.” Garante
que tem sido bem acolhido e que o seu cabelo
comprido alimenta o imaginário índio-latino.
Quer voltar ao seu país, mas antes gostaria de
conhecer a realidade de outros países como
Inglaterra e os países nórdicos. “Se fi car em
Portugal, gostaria de poder contribuir para
uma maior justiça social, seja em que contexto
for, como, por exemplo, na área de educação
da investigação, fazendo estudos comparati-
vos com outras realidades.”
DR
das no país, a reduzir a sua possibilidade de
aceder ao mercado para escoar os produtos,
precarizando, desta forma, e cada vez mais,
a sua condição de rural e de subsistência”.
Mestrado feito, quis passar dos pequenos pro-
dutores agrícolas ao consumo alimentar e, por
isso, em 2013, inscreveu-se no doutoramento
em Sociologia na mesma universidade. Estuda
agora a polaridade dos temas rural e urbano,
as formas de comercialização de bens agroa-
limentares por venda directa do produtor ao
consumidor ou por venda indirecta através
de um único intermediário.
“Empreendedorismo” é um nome que es-
tá no seu mestrado, mas a palavra não lhe
soa lá muito bem. “É mais uma ferramenta
do capitalismo para corroer as relações entre
iguais. Este conceito, sem o devido cuidado,
pode gerar muitos individualismos, em de-
trimento do colectivo, em que sobressai uma
DANIEL ROCHA
Os mestrados são hoje em Portugal a antecâmara de uma vida profissional que muitas vezes não se cumpre, mas Bolonha tornou-os cada vez mais obrigatórios
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