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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
DOUTORADO EM ECONOMIA
O DESENVOLVIMENTO DO IMPERIALISMO E O
PROCESSO DE CONCENTRAÇÃO BANCÁRIA NA
DINÂMICA MUNDIAL DO CAPITALISMO
CONTEMPORÂNEO
Daniele Maria Oliveira de Jesus Niterói, março de 2008
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
O DESENVOLVIMENTO DO IMPERIALISMO E O PROCESSO DE CONCENTRAÇÃO BANCÁRIA
NA DINÂMICA MUNDIAL DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
Daniele Maria Oliveira de Jesus
Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Economia.
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Carcanholo (UFF)
Niterói
Março de 2008
iii
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
O DESENVOLVIMENTO DO IMPERIALISMO E O PROCESSO DE CONCENTRAÇÃO BANCÁRIA
NA DINÂMICA MUNDIAL DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
Daniele Maria Oliveira de Jesus
Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Economia.
Aprovada por:
_________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Carcanholo (UFF – Orientador)
_________________________________________
Prof. Dr. Carlos Pinkusfeld (UFF)
_________________________________________ Prof. Dr. João Leonardo Medeiros (UFF)
_________________________________________
Prof. Dra. Virgínia Fontes (ICHF/UFF)
_________________________________________ Prof. Dr. Paulo Nakatani (IE/UFES)
_________________________________________
Prof. Dr.Carlos Eduardo Martins (UNESA)
Niterói
Março de 2008
iv
RESUMO Uma série de aquisições e fusões envolvendo empresas bancárias em diferentes países vem ocorrendo nos últimos anos no setor financeiro. Tal fenômeno tem sido impulsionado, sobretudo pelas instituições bancárias, as quais, por sua vez têm levado a uma explosão de mercados e instrumentos financeiros, caracterizando uma fase aguda do ciclo de concentração do setor. A partir de um referencial teórico marxista, este trabalho investiga as características da economia mundial na contemporaneidade, buscando, por um lado recuperar diversas contribuições feitas por autores que têm como referência a teoria marxista, de forma a ajudar no desenvolvimento deste importante instrumental de interpretação da realidade, e por outro, a partir desta recuperação teórica, ajudar a compreender a contemporaneidade do sistema capitalista, e em especial na identificação e na análise de algumas interpretações acerca do processo de concentração bancária. Desta forma são contrapostas as teses dominantes que afirmam que a atualidade seria uma nova etapa no capitalismo, expressa através da negação da etapa imperialista. Este trabalho tem como objetivo apresentar uma interpretação de um ponto de vista marxista sobre o processo de concentração bancária, caracterizando-o como a manifestação da tendência à concentração monopolista no período do imperialismo. PALAVRAS-CHAVES Imperialismo; concentração bancária; capital financeiro; capital fictício
v
ABSTRACT: A series of acquisitions and fusions involving banking companies in different countries has taken place in the last years in the financial sector. Banking institutions, which have provided an extent diversification of both financial markets and its instruments, have most of the accountability in stimulating such phenomenon. All of it characterizes an acute phase of the concentration cycle of that sector. Since a Marxist theoretical reference, this work investigates the characteristics of the world-wide economy in the contemporanity, searching, recoup diverse contributions made by authors who have Marxist theory as reference, for help in the development of this important shade of interpretation of the reality, and, from this theoretical recovery, help to understand the contemporanity of the capitalist system, and especially to identify and analyse some interpretations about the banking concentration process. In such a way, this work opposes the dominant thesis wich affirms that the present time would be a new stage in the capitalism, expressed through the negation of the imperialism stage. The objective of this paper is to offer a Marxist explanation of the banking concentration process, which is characterized as a symptom of the monopolistic concentration tendency in the imperialism period. KEY-WORDS Imperialism; banking concentration; financial capital; fictitious capital
vii
Agradeço especialmente ao Professor Marcelo Carcanholo, com admiração e respeito, pela acolhida, orientação e objetividade ímpar, mas sobretudo pela importância e pelo compromisso de representar, na contramão da atual conjuntura, uma força fundamental para a produção de conhecimento teórico e crítico em Economia.
viii
Agradecimentos
Muito significativo foi o encontro com todas as pessoas que, direta ou indiretamente, facilitando ou dificultando, consciente ou inconscientemente, provocaram, contribuíram e compartilharam das dúvidas, dos conflitos, das descobertas e reflexões que permearam e, de alguma forma, acabaram por viabilizar a concretização deste projeto.
À minha irmã Andreza, que me deu todo incentivo para encarar as dificuldades e supera-las, oferecendo-me efetivamente toda força, todo estímulo e compreensão necessários e indispensáveis. Ao professor André Guimarães, pela importante contribuição para o desenvolvimento deste trabalho, seja como orientador na fase inicial, seja como responsável pelo Estudo Dirigido em Teorias do Imperialismo, disciplina de grande utilidade para o tema da tese. Aos digníssimos professores João Leonardo, por todo incentivo, e Virgínia Fontes, por mais uma vez estar presente e fazer parte da minha trajetória.
Ao caro Francesco Montalbetti, sempre presente, pelo apoio, pela disponibilidade em contribuir com este trabalho, de todas as formas, e sobretudo, pelas preciosas considerações e fornecimento de dados e informações. Aos meus grandes amigos de sempre, Maria, Andrezinho, Glauco, Ana Paula, Márcia, Marcelo Coringa, Herleif e em especial Eunice Toledo, Javier Alejandro, mi gran hermano, e Osíris Marques, os quais me acompanharam durante todos os momentos deste processo. Não tenho a menor dúvida de que esta tese não existiria sem o apoio dessas pessoas e de muitas outras, de cuja amizade eu me sinto mais que agradecido, orgulhoso. Aos meus companheiros, que me obrigaram a manter os pés na luta política e teórica, sendo esta a fonte de maior referência real deste trabalho. Um agradecimento muito especial ao Prof. Sérgio Mariotti, da Università Politécnica di Milano, pelo convite para a participação em uma das disciplinas que ministra nesta Instituição, Economia Industrial. O contato constante com este, sempre muito disponível, me trouxe importantes ferramentas e matéria-prima para a elaboração da tese. O mesmo posso afirmar em relação ao prof. Atílio Convertti, responsável pelas atividades de cooperação internacional entre a Universidade de Gênova e instituições no Brasil, pelo esforço em 2005 para concretizar o convênio com a UFF (no âmbito do qual se daria a realização de uma parte dos estudos necessários para este trabalho), por algum motivo impossibilitado por então responsáveis por nosso Programa. Aos caros colegas do Programa de Pós-Graduação em Economia, em especial à querida Maria Malta, aos companheiros e representantes de turmas no Colegiado, pela solidariedade e pelo apoio imprescindíveis, determinantes em alguns momentos. Ao amigo e prof. Cláudio Gurgel, que a despeito de seus tantos compromissos, sempre se colocou à disposição e me disponibilizou toda atenção. Às professoras do Departamento de Economia, Inês Patrício e Alice Helga, por todo incentivo e estímulo para que eu levasse este trabalho até o fim. Muito obrigada. No conjunto, as contribuições respondem pela maior parte do que pode haver de melhor na tese, embora só eu possa assumir as responsabilidades pelo uso que fiz de todas elas, bem como pelos erros ainda remanescentes.
Ao sistema público de educação e particularmente à UFF, que me colocou o desafio e a oportunidade do conhecimento.
xix
Eu estava sobre uma colina e vi o Velho se aproximando, mas ele vinha como
se fosse o Novo. Ele se arrastava em novas muletas, que ninguém antes havia visto...
Bertold Brecht, Parada do Velho Novo
1
Sumário
RESUMO.................................................................................................................................................IV ABSTRACT..............................................................................................................................................V AGRADECIMENTOS..........................................................................................................................VIII SUMÁRIO.................................................................................................................................................1 LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E QUADROS..................................................................................3 INTRODUÇÃO.................................................................................................................5
1 – UM RETORNO AOS CLÁSSICOS: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES À TEORIA MARXISTA DO IMPERIALISMO.......................................................................................14
1.1 – ROSA LUXEMBURGO..................................................................................................19 1.2 – KARL KAUTSKY..........................................................................................................36
1.2.1 – Capitais, expansionismo e política colonial...............................................41 1.2.2 – Capital financeiro e capital industrial.........................................................42
1.3 – NIKOLAI BUKHARIN...................................................................................................45 1.4 – VLADIMIR LÊNIN........................................................................................................50
1.4.1 – O ensaio sobre o imperialismo...................................................................50 1.4.2 – As novas funções dos bancos.....................................................................53 1.4.3 – Concentração e centralização do capital....................................................56 1.4.4 – Desenvolvimento desigual e imperialismo................................................60 1.4.5 – Lênin, os bancos e o monopólio.................................................................66 1.4.6 – A crítica a Kautsky.....................................................................................68 1.4.7 – Objeções ao ultra-imperialismo..................................................................70 1.4.8 – O capital financeiro, crédito e concentração..............................................74
2 – PARA UMA CLARIFICAÇÃO DOS CONCEITOS PRESENTES NAS TEORIAS DO IMPERIALISMO....................................................................................................................80
2.1 – SOBRE O CONCEITO DE CAPITAL FINANCEIRO..................................................81 2.1.1 – O capital financeiro, banco misto e imperialismo......................................90
2.2 – DESENVOLVIMENTO CATEGORIAL EM MARX.................................................102 2.2.1 – A análise das características do imperialismo a partir das categorias de
Marx............................................................................................................103 2.2.2 – Capital e suas formas: desenvolvimento categorial em Marx..................116
2.3 – RETOMANDO A ANÁLISE DOS CLÁSSICOS SOB A ÓTICA DE ALGUNS OUTROS AUTORES MAIS RECENTES.......................................................................135
2.3.1 – A teoria do capital....................................................................................137 2.3.2 – Imperialismo e crises................................................................................141 2.3.3 – Sobre a pressão do excedente de capital...................................................143 2.3.4 – A queda da taxa de lucro..........................................................................147
3 – O FENÔMENO DAS INTEGRAÇÕES ENTRE BANCOS.................................................152 3.1 – INTRODUÇÃO............................................................................................................152 3.2 – POR QUE TANTAS FUSÕES?....................................................................................155
3.3 – A CONCENTRAÇÃO BANCÁRIA: DO INÍCIO DO SÉCULO XX AOS DIAS ATUAIS...........................................................................................................................165
3.3.1 – A concentração bancária na Europa........................................................166 3.3.1.1 –Alemanha....................................................................................166 3.3.1.2 –Reino Unido................................................................................172 3.3.1.3 –Itália............................................................................................177
3.3.2 – O sistema bancário no período de 1950/1980................................................182 3.3.3- Sobre o processo de concentração bancária propriamente dito nos anos
50/80............................................................................................................186 3.3.4.- Um quadro da concentração bancária nos anos 90 nas regiões mais
desenvolvidas...............................................................................................187 A) Estados Unidos.....................................................................................188 B) Europa..................................................................................................191 C) Reino Unido.........................................................................................197
2
D) Japão.....................................................................................................200 3.4 – AS PRESSÕES PARA A CONSOLDAÇÃO BANCÁRIA.........................................204
3.4.1 – Os principais determinantes do crescimento externo...............................205 3.4.1.1 – As modalidades de crescimento: relação crescimento
interno/externo..............................................................................206 3.4.2 – Os fatores potencialmente relevantes na base do processo de F&A: as
motivações elencadas na literatura recente.........................................................................................................209
3.5 –A FUSÃO BANCÁRIA COMO INSTRUMENTO DE CRESCIMENTO DIMENSIONAL..............................................................................................................224
3.6 – A MODERNIZAÇÃO NORMATIVA NOS PROCESSOS DE CONCENTRAÇÃO ..........................................................................................................................................226
3.7 – UM SISTEMA BANCÁRIO DE ACORDO COM AS NOVAS EXIGÊNCIAS.........231 4 – ALGUMAS ANÁLISES SOBRE EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE AGREGAÇÕES BANCÁRIAS..........................................................................................................................233
4.1 – ALGUMAS RECENTES EXPERIÊNCIAS DE CONGLOMERADOS INTERNACIONAIS..................................................................................................233 4.1.1 – A operação Allianz-Dresdner........................................................................233 4.1.2 – A operação Citicorp-Travelers Group...........................................................242 4.2 – A EVOLUÇÃO DAS F&A ENTRE BANCOS E CONGLOMERADOS NA EUROPA:
A ANÁLISE DO BANCO CENTRAL EUROPEU..................................................252 4.2.1 – Modalidades de integração............................................................................253 4.2.2 – Quadro geral..................................................................................................253 4.2.3 – F&A convencionais e conglomerados...........................................................255 4.2.4 – As causas das F&A .......................................................................................257 4.2.5 – Os efeitos das F&A na concentração no setor bancário................................258
4.2.6 – As fusões entre bancos europeus: algumas avaliações dos reflexos na eficiência produtiva.....................................................................................259
A) Alguns métodos de avaliação dos efeitos das F&A ............................260 B) Análise empírica...................................................................................266
4.3 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................268 5 – O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO.................................................................................275 5.1 – O DEBATE SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO..............................................................................................................275 5.2 – UM BREVE MAPEAMENTO DA ECONOMIA CAPITALISTA ATUAL...........285 5.3 – AINDA ALGUMAS NOTAS SOBRE O CAPITALISMO HOJE: A RELAÇÃO CAPITAL X TRABALHO........................................................................................306 6 –O CARÁTER ATUAL DO MPERIALISMO: CAPITALISMO MONOPOLISTA NA FASE IMPERIALISTA....................................................................................................................312 6.1 – CONCORRÊNCIA E MONOPÓLIO.............................................................................313
6.2 – UMA PERSPECTIVA CRÍTICA SOBRE ALGUMAS RECENTES CONTRIBUIÇÕES QUANTO À DINÂMICA MUNDIAL DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO À LUZ DO PROCESSO ATUAL DE CONCENTRAÇÃO BANCÁRIA: NEW ECONOMY, IMPÉRIO, OU CAPITALISMO MONOPOLISTA DA FASE IMPERIALISTA?................317 6.3 – OS TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DO IMPERIALISMO NA ATUAL SITUAÇÃO MUNDIAL...............................................................................................................................330
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................................351 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................................358
3
Lista de Tabelas, Quadros e Gráficos Gráfico 3.1: Os números das F&A bancárias nos Estados Unidos 153
Tabela 3.1: Número total de operações de F&A nos maiores países 157
industriais
Tabela 3.2: Valores das operações de F&A nos maiores países industriais 158
Gráfico 3.2: Indicadores de crescimento real e financeiro nos EUA 160
Gráfico 3.3: Fusões e aquisições bancárias nos Estados Unidos 189
Gráfico 3.4:Variação do número de bancos (%) 1990-1998 192
Gráfico 3.5: A atividade de F&A no setor bancário europeu 194
Gráfico 3.6: Graus de concentração nos sistemas bancários europeus 195
Tabela 3.3: Características estruturais 197
Gráfico 3.7: A atividade de F&A no setor bancário europeu 228
Gráfico 3.8: Os dez maiores grupos bancários do mundo 229
Tabela 3.4: Principais fusões e aquisições nas quais se envolveram os bancos na
área do Euro em 1999 230
Quadro 4.1: Os protagonistas 234
Quadro 4.2: Os tempos da operação 234
Quadro 4.3: O novo Allianz Group: alguns dados 239
Quadro 4.4: Os Protagonistas 243
Quadro 4.5: O cronograma da operação 243
Tabela 4.1: As macro-agregações nos EUA 245
Quadro 4.7: Os números do Grupo 250
Quadro 4.8: A função de custo e de lucro 265
Quadro 4.9: O impacto das F&A no mercado de depósitos (aplicações) 267
Gráfico 5.1: Juros líquidos sobre os lucros 298
Gráfico 5.2: Taxa de Crescimento do PIB nos EUA (1998 ao segundo trimestre de
2007) 300
Gráfico 5.3: Lucros das empresas nos EUA - 1959 ao primeiro trimestre
de 2004 301
Gráfico 5.4: Lucros totais dos Estados Unidos - de 1998 ao segundo trimestre de
2007 - Ajustadas por Inventários e Desgaste do Capital Fixo 301
4
Gráfico 5.5: Estados Unidos: Lucros do Exterior 1999-2007 302
Quadro 5.1: Taxa de lucro nos países do G7 303
Gráfico 5.6: Taxa de retorno sobre o capital no setor de negócios: G7 e EUA
médias por períodos 304
Gráfico 5.7: Evolução da taxa de retorno do capital no setor de negócios 304
Quadro 5.2: Investimento fixo total no G7: taxas de crescimento anual 305
Tabela 5.1: Taxa de Desemprego 308
Tabela 5.2: Porcentagem dos trabalhadores ativos nos setores da Indústria (Ind.)
e Serviços (Serv.) 308
Tabela 5.3: Produtividade do trabalho no setor industrial 309
5
Introdução
De acordo com Arrighi (2001), a centralidade do capital financeiro no final do século
XX deu origem a diversas teorias da ‘globalização’ e ‘financeirização do capital’, que vêem o
presente enquanto uma nova e sem precedente fase do desenvolvimento capitalista, suscitando
profunda análise no mundo acadêmico. Particularmente os estudiosos têm demonstrado
preocupação na identificação ou rotulação de tal fenômeno, popularmente denominado de
“globalização financeira”. Esta vem apresentada como uma novidade emersa nos últimos 20
anos do século XX.
Cumpre observar, contudo, que ainda não se chegou a um consenso nem ao menos
sobre o que significa globalização. O termo é ainda discutido e tem suas fronteiras não
delimitadas. De forma geral e sucinta, costuma-se caracterizar o fenômeno em questão como
o processo de interação econômica a nível global, desencadeada pelo livre fluxo de comércio,
capitais e pessoas, que extrapolaria as fronteiras dos Estados nacionais. No entanto, o tema é
tão controverso que se questiona até mesmo o seu caráter recente e original. Na realidade,
desde 1500 já estavam postas as premissas de uma história e de um mercado global. O
desenvolvimento do capitalismo comercial na Europa havia criado os pressupostos da
expansão européia no mundo.
Por um lado, a maior parte dos economistas concebe a existência do processo de
interação nos dias atuais, sendo os mais entusiastas desta idéia cunhados de “globalistas”. No
entanto, tal reconhecimento é questionado. Duménil e Levy (2005) denominam o período que
se estende de meados dos anos 80 até os primeiros anos do séc. XXI como “o estágio
neoliberal do imperialismo”. Para tais autores, nesse estágio específico do imperialismo,
presenciamos um tipo de capitalismo em que propriedade e gestão estão separadas, isto é, a
propriedade dos meios de produção apresenta-se através da detenção de ações, títulos. Trata-
se dos credores, tendo portanto esta propriedade um caráter financeiro. O poder dos
6
proprietários ditos “financeiros” não se perdeu, mas sim se concentrou, desde o início, “nas
poderosas instituições financeiras, como os bancos, os holdings financeiros e fundos diversos
(de pensão, para o financiamento de aposentadorias, ou de outra natureza)” (ibid., p. 5). Em
seguida, os mesmos autores apresentam como finança estas frações superiores das classes
capitalistas e suas instituições financeiras; e financeirização e mundialização financeira como
fenômenos caracterizados por um controle da economia nacional e mundial por parte das
instituições financeiras.
De maneira geral, neste processo os oligopólios mundiais são fortalecidos. A
internacionalização crescente da produção, os movimentos de fusão/aquisição que vêm
ocorrendo em nível nacional e mundial e as formas de acordos interempresas resultam na
criação e consolidação de oligopólios mundiais. Deve-se ressaltar que o rápido crescimento
do investimento direto nos anos 1980 e 1990 esteve assentado no investimento internacional
cruzado – reciprocidade entre regiões – com grande ênfase para as fusões/aquisições.
Desde início dos anos 1990, o número dos bancos comerciais vem se reduzindo,
enquanto as grandes organizações bancárias diversificam suas atividades
contemporaneamente à sua expansão em nível nacional. O desenvolvimento de inovações
financeiras continua a aumentar, tornando o controle estatal sempre mais difícil, frente a uma
forte onda de transformações que emerge nos mercados financeiros internacionais.
Acompanhando especificamente a evolução do setor bancário e financeiro (bancos
comerciais, de desenvolvimento, seguros, etc) nas principais metrópoles, identificamos um
acentuado processo de concentração bancária em diversos países, impulsionados por uma
série de negócios de aquisições e fusões, envolvendo inclusive as maiores instituições do
setor.
Trata-se da centralização do capital bancário, consolidada através da concentração, e
expressa no surgimento dos atuais grandes grupos bancários e financeiros mundiais.
7
Para o conjunto da América Latina, identificamos um processo intenso de fusões e
incorporações que ocasionaram uma maior concentração no sistema financeiro. Tanto na
Europa como nos Estados Unidos e América Latina, o controle sobre o volume de recursos e
o fluxo de capitais ficou mais concentrado em algumas poucas instituições financeiras, muitas
das quais se constituem como grupos financeiros que representam uma diversificada gama de
controle e participações acionárias de diversos ramos da economia.
De acordo com Paula e Marques (2006), a consolidação bancária, - isto é, o processo
resultante de uma fusão ou uma aquisição, seja dentro de um setor da indústria financeira ou
entre setores, a qual reduz o número de instituições e em geral aumenta o tamanho destas,
assim como o grau de concentração de mercado - corresponde a um fenômeno que vem se
apresentando em vários países do mundo. Afirmam os autores: “a maior evidência empírica
deste processo é o acentuado crescimento das fusões e aquisições financeiras nos anos 1990
nos países desenvolvidos e em alguns países emergentes, em termos de número, tamanho e
valor dos negócios”1 (PAULA e MARQUES, 2006, p.1).
Algumas das razões apresentadas para justificar o acelerado processo de consolidação
são: a desregulamentação dos serviços financeiros a nível nacional; economias de grandeza,
isto é, economias de escala, de escopo e de planta; maior abertura do setor à competição
internacional; os desenvolvimentos tecnológicos em telecomunicações e informática, com
impacto sobre o processamento das informações e sobre os canais alternativos de entrega de
serviços (ATMs, internet, banco eletrônico, etc); e finalmente, as mudanças na estratégia
gerencial das instituições financeiras.
1 Acerca disto, os autores expõem alguns dados extraídos do Relatório do Group of Ten (2001), que inclui a análise e dados da concentração bancária em 13 países – G10 mais Espanha e Austrália - , nos anos 1990 foram registrados mais de 7.300 operações de F&As entre instituições financeiras, totalizando um valor ao redor de US$ 1,6 trilhões. Este rápido crescimento do total de transações de F&As – que se acelerou nos últimos três anos da década – foi acompanhado de um aumento no tamanho estimado da transação média em termos de ativo (GROUP OF TEN, 2001, p.33-4).
8
A abordagem da economia de grandeza como elemento explicativo para a
concentração, por outro lado, parte do pressuposto, conforme procede Troster (2002), de que
esta implicaria em que bancos maiores, coeteris paribus, fossem mais rentáveis que bancos
menores, havendo uma tendência para o aumento do tamanho médio dos bancos. Vale
ressaltar que, para este autor, o fato de o tamanho médio dos bancos aumentar não implicaria
necessariamente em um aumento da concentração.
Este trabalho tem como objetivo investigar as características da economia mundial
contemporânea, a partir de um referencial teórico marxista, focando especificamente na
identificação e na análise de algumas interpretações acerca do processo de concentração
bancária. Estas conduziriam à caracterização do processo atual de consolidação bancária
como manifestação da tendência da concentração monopolista no período do imperialismo,
constituindo tal argumento nossa hipótese central. Dessa forma, o presente trabalho parte do
pressuposto e da hipótese de que os elementos intrínsecos a uma análise apresentada para
compreender a dinâmica mundial do desenvolvimento capitalista no final do século
XIX/início século XX podem e devem ser retomados na direção de uma análise do processo
atual da consolidação bancária, tendo em vista que aqueles elementos apontam para uma
tendência à concentração bancária característica da fase monopolista do capitalismo.
Faz-se necessário ressaltar que pretendemos com este trabalho tratar da efetiva
possibilidade e afirmação da necessidade e da importância de se resgatar algumas das
principais contribuições presentes nos clássicos das teorias do imperialismo, dialogando com
diversos conceitos. Nosso objetivo é contribuir para o debate acerca da concentração bancária,
a fim de permitir uma reflexão em torno da configuração deste processo num período mais
recente e atual, o que não significa nos contrapormos às questões levantadas e expostas por
outros autores tais como os supracitados, mas afirmar a importância e a imprescindibilidade
de nos remetermos a alguns dos conceitos marxistas. Dessa forma pretendemos contribuir
9
para a recolocação do tema do Imperialismo, devido à sua relevância na atualidade mediante a
difusão de novas teorias cujas hipóteses sustentam recorrentemente a negação do conceito de
Imperialismo.
Outro ponto a ser ressaltado diz respeito ao fato de o debate sobre o imperialismo
nunca ter sido ponto pacífico entre os autores que se debruçaram sobre a análise do
desenvolvimento do capitalismo e, seguramente, os anos que compreenderam a virada do
século XIX até meados da década de 20 do século passado são o exemplo mais claro disso.
Este trabalho está estruturado em seis capítulos, além da introdução e das
considerações finais. O primeiro capítulo consiste numa apresentação do debate acerca da
Teoria do Imperialismo ao longo da história do capitalismo. Dentro e fora do marxismo foram
produzidas análises neste sentido, mas como aponta Luis Fernandes, foi no seio do marxismo
que se observou a emergência das produções de maior repercussão e alcance. Ainda segundo
FERNANDES (1991) os maiores expoentes deste debate são: R. Hilferding, R. Luxemburgo,
K. Kautsky, N. Bukharin e V. Lênin. A obra de Rudolf Hilferding (O Capital Financeiro,
1909), embora dedicada à análise “[d]as características econômicas da fase mais recente de
desenvolvimento capitalista”, a qual compreendia os anos da expansão colonial, ficou
conhecida como a primeira obra marxista a produzir uma análise mais profunda que desse
conta daquele processo (1991, p. 21). Em 1913, Rosa Luxemburgo publica A Acumulação de
Capital: Estudo sobre a Interpretação Econômica do Imperialismo onde procura “situar as
raízes econômicas do imperialismo, nas contradições da acumulação” (ibid., p. 24). Nicolai
Bukharin dedicou as obras O Imperialismo e a Economia Mundial (de 1925) e O
Imperialismo e a Acumulação do Capital (de 1927) às análises do imperialismo, estando
próximo de Hilferding no que tange aos pontos fundamentais de suas abordagens. Vale dizer,
sua obra de 1927 é dedicada à crítica da obra supracitada de Rosa Luxemburgo e aos
equívocos cometidos por esta autora ao analisar os esquemas de reprodução de Marx.
10
Finalmente Vladimir Lênin, em cuja obra O Imperialismo, fase superior do capitalismo (de
1917), a elaboração teórica acerca do tema culminou na construção de uma teoria de tal
dimensão e rigor que, ao mesmo tempo em que superou os problemas concernentes às outras
abordagens –inclusive no campo do marxismo, como é o caso do tema do imperialismo em
Rosa Luxemburgo – constituiu-se como a mais rigorosa explicação teórica do
desenvolvimento do capitalismo, consagrando um terreno novo e fundamental a partir do qual
novas pesquisas podem – e puderam em todo o século XX e início do corrente – surgir.
Partindo do entendimento de que, para se compreender uma determinada realidade é
necessário que se possa refletir a seu respeito e assim apreender teoricamente seus
determinantes, o primeiro e o segundo capítulos têm como objetivo recuperar as contribuições
das teorias marxistas do imperialismo. No primeiro capítulo, portanto, apresentamos as teorias
do Imperialismo que debateram com aquela que tomamos como referencial neste trabalho – a
leninista -, dentre elas as produções de maior repercussão elaboradas por Luxemburgo,
Bukharin e em especial Kautsky, cujas análises oferecem elementos que dão base e respaldo
às recentes interpretações sobre o “novo imperialismo”, “Império”, enquanto interpretações
alternativas ou revisionistas.
O segundo capítulo corresponde à exposição e à clarificação dos principais conceitos
que dão corpo ao arcabouço analítico que fundamenta a hipótese sustentada no âmbito deste
trabalho, em especial concentração e centralização do capital, capital fictício e capital
financeiro. Trata ainda especificamente da questão bancária no interior da teoria do capital
financeiro de Hilferding e de algumas contribuições mais recentes que, através de um diálogo
com as categorias presentes na teoria marxista, discutem a questão do imperialismo.
Em um segundo bloco, a partir da discussão realizada no ponto anterior, trataremos
das transformações e novas configurações que perpassam aqueles conceitos apresentados no
primeiro capítulo, dentre os quais, capital fictício, capital financeiro, concorrência e
11
monopólio, mudanças as quais resultam no imperialismo tal como se apresenta hoje. Ou seja,
à luz daquelas transformações analisamos a forma contemporânea do capital fictício e do
imperialismo e, portanto, vislumbramos através daquelas, uma espécie de reafirmação dos
elementos essenciais desta teoria, sobretudo no que diz respeito ao poder explicativo da
hipótese do desenvolvimento desigual na dinâmica atual do capitalismo contemporâneo e da
concentração bancária como manifestação da tendência à concentração monopolista no
período atual do imperialismo.
Para tal discussão, no interior deste bloco, destinamos dois capítulos (três e quatro)
para uma análise aprofundada do processo de concentração bancária a partir dos anos 90
(inclusive remetendo-nos à evolução histórica da concentração no setor como veremos no
capítulo três). É possível identificar um processo de consolidação, ou seja, de concentração e
da centralização do capital bancário em nível mundial. Desde início dos anos 90 o número dos
bancos comerciais vem se reduzindo, enquanto as grandes organizações bancárias
diversificam suas atividades contemporaneamente à sua expansão em nível nacional. O
desenvolvimento de inovações financeiras continua a aumentar, tornando o controle federal e
estatal sempre mais difícil.
A despeito da relevância do estudo sobre o desenvolvimento do fenômeno da
consolidação bancária nos países emergentes para uma melhor compreensão do processo de
concentração bem como do imperialismo tal como se apresenta no dias de hoje, este trabalho
limitar-se-á à análise desse processo no âmbito das grandes metrópoles, ou seja, dos países
capitalistas maduros, das potências atualmente estabelecidas cuja força econômica constitui
seu principal conteúdo, e portanto também onde tal fenômeno se encontra mais consolidado.
O capítulo quatro versa sobre a evolução das F&A entre os bancos e conglomerados
no caso específico da Europa, a partir de uma análise do Banco Central Europeu. Destinamos
12
um item deste capítulo para algumas recentes experiências internacionais de conglomerações
no setor.
O quinto capítulo tem como objetivo identificar os elementos que definem o atual
estágio de desenvolvimento do sistema capitalista, organizando uma série de dados sobre a
economia mundial. Sua tarefa é buscar nas contribuições mais recentes elementos, que
agregados aos dados colhidos acerca da realidade, possam contribuir para a caracterização
atual do capitalismo. Será utilizado em especial para questionar a validade daquelas
interpretações assinaladas e desenvolvidas no sexto e último capítulo.
No capítulo seis, procedemos a uma análise a respeito de algumas das alternativas que
se apresentam atualmente às teorias do Imperialismo tendo em vista o quadro em que se
configura o mundo contemporâneo, tomando como principal referência uma recente
formulação, aquela que se alicerça no conceito de Império. Nesta ocasião, ratificamos a
necessidade de partirmos das análises clássicas para demonstrar a exacerbação das
características próprias do capitalismo na etapa atual de seu desenvolvimento, o imperialismo.
Estamos aqui considerando a existência de outras explicações sobre o fenômeno citado
ao longo deste trabalho e alternativas que se apresentam atualmente, tais como a idéia de que
podemos identificar uma aliança entre os EUA e o capital financeiro mundializado a partir
dos anos 90, na qual os EUA configurar-se-ia, na nova ordem geopolítica e geoeconômica,
como um império, apresentando poderio militar e econômico, através dos quais se torna capaz
de impor suas necessidades ao sistema mundial. Outra interpretação, a qual podemos
encontrar nas contribuições de ARRIGHI, destaca a expansão financeira como períodos de
transição hegemônica, nos quais novas lideranças emergem intrinsecamente e a cada
momento reorganizando o sistema de forma a tornar sua expansão possível. E por isso
tratamos de nos concentrar em determinadas interpretações a fim de confronta-las com a
perspectiva assumida enquanto arcabouço analítico da dinâmica capitalista mundial.
13
A título de considerações finais serão retomadas as idéias apresentadas ao longo dos
capítulos com o intuito de verificar se as teorias desenvolvidas pelos marxistas do princípio
do século passado, em especial a teoria leninista do imperialismo, devido a sua relevância
teórica para o conhecimento da realidade hoje, são compatíveis com as análises atuais que
caracterizam o imperialismo em sua fase atual.
14
Capítulo 1
Um retorno aos clássicos: algumas contribuições à teoria marxista do imperialismo
Nos últimos anos registramos uma notável retomada do debate teórico sobre o
imperialismo, e não é difícil encontrar e explicar as razões. A primeira onda de discussões se
deu nas primeiras décadas do século passado, quando se assistia à partilha do mundo entre as
potências imperialistas européias. A segunda onda, iniciada nos anos 50, refletia a nova
situação produzida pelo desmantelamento destas estruturas imperialistas. Alguns
aproveitaram para considerar o mundo perdido; outros preferiram enquadrar as características
principais do período pós-colonial – as divisões internas aos movimentos de liberalização
nacional, os problemas de desenvolvimento econômico dos países do Terceiro Mundo, as
guerras do Congo e do Vietnam – no âmbito de um único processo histórico, que só poderia
ser compreendido plenamente reconstruindo a longa história das relações entre a Europa e as
nações da África, da Ásia e da América Latina.
A retomada do debate assumiu várias formas. Entre os históricos ingleses a discussão
centrou-se em torno das teses apresentadas por J. Gallagher e R. Robinson no artigo “The
imperialism of free trade” (1953)1, nas quais se tentava contestar uma série de postulados dos
modelos de imperialismo econômico (ou capitalista) construídos por Hobson e Lênin.
Contestando a afirmação de Hobson em seu livro Imperialismo de 1902, primeira obra
marcante sobre o tema, segundo a qual depois de 1870, a expansão da Europa teria entrado
em nova fase, Gallagher e Robinson sustentavam que, ao menos no que se refere à Inglaterra,
não se podia encontrar nenhuma mudança na política. Ainda, diferentemente de Hobson e
1 Os autores sustentam que existe uma continuidade na política imperial inglesa durante todo o século XIX. Definem o imperialismo vitoriano como uma condição suficiente, mas não necessária da integração de novas regiões na economia inglesa em expansão. Portanto, quando a política destas regiões não oferece condições satisfatórias para a integração comercial ou estratégica, as próprias regiões vêm formalmente integrar-se ao império.
15
Lênin, sustentavam que a “corrida” à conquista da África nos anos 1880 não havia sido
desencadeada pelos desenvolvimentos internos à Europa, mas pelos processos que tinham sua
própria origem na própria África.
Um segundo ataque às formulações de Hobson e Lênin foi lançado pelos mesmos
autores no livro “África and the Victorians” (1961), no qual se afirmava que a partilha da
África foi ditada mais por motivos estratégicos que econômicos.
Um novo ataque à teoria de Hobson e Lênin teria sido então lançado por
D.K.Fieldhouse (1982), repreendendo a abordagem política de W.L.Langer (1977) e outros,
segundo os quais a divisão do mundo depois de 1870 fora causada pela rivalidade diplomática
existente na Europa.
Contemporaneamente se reacende o interesse pelas teorias econômicas do
imperialismo. Michael Barrat Brown (1969), Harry Magdof (1987) e outros tentaram explicar
o que consideravam o “novo imperialismo” que nasce nos anos sucessivos a 1870, não tanto
através da exportação de capitais excedentes pela Europa (como havia feito Hobson), porém
mais em função de uma crescente concorrência internacional que leva à busca afã de
mercados protegidos e de acesso à matéria-prima. Uma série de political economists, dentre
os quais Paul Baran e Sweezy (1966) e Gunder Frank (1980), chamaram atenção sobre o
fenômeno do bloco de desenvolvimento dos países afro-asiáticos e latino-americanos através
de sua integração no sistema econômico mundial. Retomaram, além disso, equivocadamente a
hipótese de que o impulso à expansão colonial ao fim do século XIX foi em grande parte
originada pela necessidade das nações industriais mais avançadas de fazer frente às tensões
sociais internas provocadas pela irregularidade e pela instabilidade do desenvolvimento
econômico. Trata-se de uma teoria particular designada “imperialismo social”.
Não obstante todo este renovado interesse pelo imperialismo, as discussões entre os
expoentes das teorias supracitadas produziram mais confusão do que clareza. Não existe
16
acordo nem mesmo quanto ao significado da própria palavra, ou sobre o fenômeno que se
pretende descrever. Para alguns, o objeto de uma teoria do imperialismo são todos os impérios
em todas as épocas; para outros os impérios coloniais dos séculos XIX e XX; para outros
ainda, apenas os conflitos imperialistas que caracterizam a situação mundial de 1870 em
diante.
Uma das fontes de confusão reside nas diversas posições políticas dos vários
protagonistas do debate teórico sobre o imperialismo. Dado que os autores das primeiras
teorias do imperialismo, sejam estes liberais como Hobson ou marxistas como Lênin ou Rosa
Luxemburgo, preocupavam-se não somente em analisar ou explicar o fenômeno, mas de
encontrar a solução para os problemas associados ao imperialismo, era inevitável que o debate
não se limitasse a um simples exercício acadêmico. Aqueles que atacavam as teorias
elaboradas pelos críticos do imperialismo estavam na maior parte dos casos interessados em
defender o império ou, em geral, em demonstrar que, se o pensamento radical ou marxista se
enganava neste campo, enganava-se em tudo. Em seguida, quando historiadores e teóricos da
economia começaram a fazer uso de determinadas categorias teóricas, também foram trazidos
ao debate, o qual possuía vastas implicações políticas. Ainda hoje quando os estudiosos
discutem a criação do império, mesmo no passado, coloca-se toda a paixão do presente. A
polêmica se faz sempre mais acesa: as teorias rivais são reduzidas ao absurdo, demolindo-as
mais rapidamente; em verdade, trata-se de uma recusa deliberada em considerar a
complexidade das posições adversárias.
Por todos esses motivos é necessário dedicar-se a uma análise preliminar do caráter
das várias teorias, tanto mais que se torna impossível operar uma rígida separação em dois
campos de abordagens diversas.
O presente trabalho baseia-se em duas teses. A primeira é de que a dimensão mundial
se constitui a partir do desenvolvimento do capitalismo: o que significa que um nível
17
relativamente elevado de trocas comerciais “internacionais” é um dos pressupostos da gênese
e do primeiro desenvolvimento do capitalismo; e especialmente, que é este mesmo
desenvolvimento que põe sobre novas formas a extensão e o aprofundamento da economia
mundial.
Esta primeira tese pode ser qualificada precisando 1) que entre o pressuposto e o
posto, há uma diferença qualitativa; 2) que a forma mundial do capitalismo é aquela do
desenvolvimento desigual de centros de acumulação e de Estados baseados em uma estrutura
hierárquica que por sua vez, transformando-se, assume no tempo diferentes configurações; 3)
que este sistema atravessou contradições e antagonismos de classe que geram guerras,
revoluções, contra-revoluções, crises sociais, econômicas e políticas.
Isto implica um certo modo de entender as forças que não podem prescindir a
extraordinária dinamicidade do capitalismo e de entender a articulação estrutural das relações
entre Estado e economia, o sentido em que o Estado é um Estado capitalista e, nos países de
capitalismo avançado, imperialista.
E, enfim, que tudo isto constitua a essência da problemática do imperialismo, do
sistema capitalista mundial nas suas diversas configurações históricas.
A segunda tese é a de que a representação do mundo como globalizado, ou em via de
globalização, não corresponde a uma interpretação correta da economia mundial.
Em nível da racionalização intelectual, a noção de “globalização econômica”
corresponde ao ideal, próprio da teoria econômica liberal, do mercado perfeitamente ou quase
perfeitamente concorrencial, em relação a qual, capacidade e funções econômicas e sociais do
Estado se definem de modo mais ou menos amplo, porém, de todo modo, como um resíduo.
Em termos marxianos, trata-se de uma concepção vulgar da economia mundial
capitalista, entendendo por economia vulgar aquela que
Trata apenas das relações aparentes, rumina, continuamente, o material fornecido, há muito tempo, pela economia científica, a fim de oferecer uma explicação plausível
18
para os fenômenos mais salientes, que sirva ao uso diário da burguesia, limitando-se, de resto, a sistematizar pedantemente e a proclamar como verdades eternas, as idéias banais, presunçosas dos capitalistas sobre seu próprio mundo, para eles o melhor dos mundos (MARX, 1996, L.I, p.90)
Quanto mais se aprofunda o conhecimento da literatura em torno da globalização,
tanto menos claros se tornam seu significado e suas características.
Os estudos mostram amplas divergências em torno da periodização, recente ou remota,
da globalização, das suas relações com a modernidade e suas definições.
Para alguns se trata de uma volta sem precedentes na história do mundo, de tal forma
que, para compreendê-la e enfrentá-la, são indispensáveis novos conceitos e novas
perspectivas, bem como uma transformação radical das orientações existenciais, políticas e
intelectuais. Para outros, fases de globalização e de não-globalização se alternam, ou ainda, a
fase atual não é considerada outra que não uma fase particular na história mundial que há
séculos ou mesmo milênios, caracterizou-se como global.
Para muitos a globalização é a síntese e a completude de vários “pós-qualquer coisa
florida” nas últimas décadas, isto é, que permite dar um sentido ou uma razão, enquanto
compressão e alteração de coordenadas espaço temporais, usuais da estrutura e da consciência
sociais, bem como as maiores alucinações pós-modernas. Para outros não é mais que um
desenvolvimento da modernidade.
Contrastes existem entre as forças e os sujeitos sociais determinantes, os mecanismos
operativos estruturantes da sociedade global, o futuro da política e do Estado, a
reversibilidade ou irreversibilidade do processo de globalização, a possibilidade e o desejo de
um “direito cosmopolita” e de uma “cidadania universal”: não parece haver um consenso
comum sobre a avaliação da prevalência e da articulação das tendências integradoras ou
desagregadoras, universalizantes ou particularizantes, caóticas ou constitutivas de uma nova
ordem mundial. Existem versões fracas e fortes da globalização, com todas as gradações
intermediárias.
19
Na perspectiva de compreender aquela realidade, apreendendo teoricamente seus
determinantes, a teoria marxista pode desempenhar um papel fundamental. Por isso, este
capítulo tem por objetivo resgatar a teoria marxista, mais especificamente os seus
desenvolvimentos com relação às teorias do imperialismo, clarificando conceitos e
contribuindo para o desenvolvimento de aportes teóricos à teoria marxista.
Dado que nos limitamos aos teóricos situados no campo do pensamento marxista, não
apresentaremos pormenorizadamente as contribuições de Hobson, não obstante o
reconhecimento de que se trata de um teórico importante para a discussão e no debate entre os
clássicos. Remeter-nos-emos apenas a algumas de suas formulações, ao apresentarmos alguns
dos debates travados entre os demais clássicos do imperialismo, Rosa Luxemburgo, Lênin,
Kautsky e Bukharin.
1.1 – Rosa Luxemburgo
Rosa Luxemburgo, em oposição à tese sustentada por Kautsky (ver adiante, item 1.2),
tenta coligar intrinsecamente a análise do imperialismo à do capitalismo, de maneira a mostrar
que não se trata de uma política possível, mas resultado necessário e inevitável do
capitalismo. Assim nasce Acumulação de capital, de Luxemburgo, em 1913.
Neste texto, como é notório, põe-se ao centro da análise um reexame crítico das
condições de acumulação com base no segundo livro d’O Capital de Marx.
De acordo com Luxemburgo, as mercadorias produzidas não podem ser realizadas
inteiramente no interior da economia capitalista que, para se desenvolver, necessita da troca
orgânica com setores não capitalistas (artesãos e camponeses) e com os países atrasados.
Com a ruína das condições primitivas desses países, de sua economia natural e de sua cultura campesino-patriarcal, ao capital europeu se abrem as portas para a troca mercantil. Transformam-se os respectivos habitantes em compradores das mercadorias capitalistas; acelera-se, ao mesmo tempo, vigorosamente, a própria acumulação pelo roubo maciço das riquezas naturais e entesouradas dos povos subjugados (LUXEMBURGO, 1984b, p.335).
20
É necessário conseqüentemente – segundo Rosa Luxemburgo – abandonar a afirmação
prevalecente no Capital que considera a economia capitalista isoladamente, para ao contrário
reexaminá-la no interior da mais vasta realidade mundial. Assim, para Luxemburgo, o
imperialismo constitui a última fase de um processo histórico de desenvolvimento, um
período de concorrência geral e mundial mais acirrado dos Estados capitalistas, da luta pela
conquista do que sobrou das regiões não-capitalistas.
Desse modo, não só se compreende como a dificuldade de realização das mercadorias
é resolvida a partir da presença de uma economia tradicional ao lado da capitalista, porém
com o estrangulamento progressivo da primeira, causado pela acumulação de capital, tende-se
a criar um estado de coisas que se torna impossível para posterior acumulação e, portanto, a
sobrevivência da própria sociedade. Esta, para Luxemburgo, é a verdadeira causa do
Imperialismo:
O período imperialista apresenta os seguintes sintomas: competição entre os Estados capitalistas, visando à apropriação de colônias e ao domínio de certas áreas de interesse, encontro de novas opções para a aplicação do capital europeu, sistema de empréstimos internacionais, militarismo, medidas protecionistas alfandegárias, supervalorização do papel desempenhado pelo capital bancário e pelos cartéis na política mundial...a social-democracia não pode, no entanto, dar-se por satisfeita com esse reconhecimento empírico. Sua missão é descobrir e descrever corretamente a lei econômica que existe no bojo desse contexto.(ibid, p.336)
Prescindindo-se de uma avaliação de mérito desta tese (muito discutida na literatura),
faz-se importante esclarecer que a teorização de Rosa Luxemburgo permite esboçar a lógica
da reflexão que estava se configurando na social-democracia. Como poderemos observar a
partir da referência à análise de Kautsky, a escolha de Luxemburgo caminha em direção
oposta àquela seguida por Kautsky.
Para compreender os novos fenômenos do imperialismo – sustenta Luxemburgo – é
necessário ultrapassar a esfera empírica da manifestação externa e pesquisar as causas na
natureza e no comportamento do capital; algo que, por sua vez, requer um desenvolvimento
teórico posterior em relação à análise de Marx.
21
Esta indicação é fundamental, mas não se pode dizer que Luxemburgo tenha levado
completamente a termo, a partir do momento em que, além de “explicar o processo partindo
da teoria fundamental de Marx”, se preocupa também em obter um resultado que seja
“completamente condizente com as outras partes de sua própria obra”.
À Rosa Luxemburgo interessava o problema do desenvolvimento, bem como os
problemas dos movimentos cíclicos. Assim escreve Rosa no primeiro capítulo de seu livro:
É necessário contudo esclarecer, de antemão, que a alternância periódica das conjunturas e das crises, mesmo constituindo aspectos essenciais da reprodução, não representam o problema real, ou seja, o problema da reprodução capitalista propriamente dito. A alternância conjuntural periódica e as crises constituem a forma específica do movimento no modo de produção capitalista, mas não o movimento em si (LUXEMBURGO, 1984 a, p.10).
Considerando um período mais longo, é possível ter uma grandeza média da
reprodução, “grandeza média não é somente um conceito teórico, mas constitui também um
fator real e objetivo [assim como os movimentos cíclicos, a capacidade produtiva se
desenvolve sempre mais:] “(...)apesar dos altos e baixos conjunturais, apesar das crises, as
necessidades sociais são, bem ou mal, satisfeitas; a reprodução segue adiante em sua marcha
complicada e as forças produtivas se desenvolvem sempre mais” (idem ibid). Dessa forma,
afirma Rosa, “aqui começa o problema propriamente dito” (ibid, p.11). Em outras palavras,
quais são as condições do desenvolvimento?
Rosa Luxemburgo debruça-se exatamente sobre este problema, considerando o quadro
de uma sociedade capitalista caracterizada pela anarquia das decisões individuais e por uma
produção voltada para a realização da taxa de lucro mais elevada possível.
A autora sublinha que no modo de produção capitalista existe uma tendência à
acumulação:
(...) o capitalista, de forma nitidamente distinta de qualquer outro tipo histórico de explorador, destina o fruto de sua exploração não só para o uso pessoal, mas em medida crescente ao desenvolvimento da exploração. A maior parte do lucro obtido se transforma em capital, de forma a servir para o alargamento da produção (LUXEMBURGO, 1984b, p.398).
22
A acumulação é uma lei obrigatória para o capitalista individual, segundo
Luxemburgo, devido à luta de classe e à concorrência intercapitalista:
Sob o domínio da concorrência, a mais importante arma do capitalista individual, em sua luta por um lugar no mercado, consiste em oferecer preços mais baratos pelos quais possa vender suas mercadorias. Ora, todos os métodos permanentes de redução dos custos de produção de mercadorias - os quais não visam a redução dos salário, nem a dilatação da jornada de trabalho em busca de um aumento adicional de mais-valia, ou métodos por si só sujeitos a entraves – conduzem, todos eles, a uma ampliação da produção (...). Em todos os casos a grande empresa leva vantagem sobre a pequena e a média. Com a expansão das empresas, essas vantagens crescem muito mais. A própria concorrência impõe cada ampliação parcial da empresa capitalista como condição de sua existência. Daí resulta uma tendência incessante de ampliação da reprodução. (LUXEMBURGO, 1984a, p.13).
Neste sentido, segundo Luxemburgo, não basta a boa vontade de acumular do
capitalista em particular, mas o processo está ligado a relações sociais objetivas. A primeira
destas concerne àquela que podemos definir como as condições de criação da mais-valia. A
autora afirma que é necessário que os capitalistas encontrem sobre o mercado quantidade
suficiente de máquinas, de matérias-primas e de força de trabalho. “Se todas essas condições
se realizam, o capitalista pode por em movimento a mais-valia capitalizada, aquilo que lhe faz
produzir, como capital ativo, nova mais-valia” (ibid, p.21). Porém, afirma Luxemburgo mais
adiante que a tarefa do capitalista não termina por aí, dado que em uma economia mercantil
capitalista, a vontade e as premissas técnicas fundamentais da acumulação (a existência de
quantidades suficientes de máquinas, de matérias-primas e força de trabalho) não bastam.
Faz-se necessário atender a uma outra condição: a realização da mais-valia.
A mais-valia criada deve ser realizada, deve existir uma demanda suficiente para
transformar a mais-valia sob a forma de mercadoria em forma de dinheiro.
Para que a mais-valia destinada à ampliação da reprodução possa ser apropriada, é necessário que ela, uma vez satisfeita a primeira condição [a condição que determina a criação da mais-valia], se realize, assumindo a forma de dinheiro (ibid, p.16).
A conversão da mais-valia em sua forma monetária é para esta portanto o pressuposto
econômico da acumulação capitalista, mesmo que não seja um fator essencial da verdadeira
reprodução. Nestas condições, é imprescindível ao capital a possibilidade sempre crescente de
23
comercializar seus produtos (idem, 1984b, p.468). Uma ampliação da demanda por
mercadorias se faz sempre necessária. Por isso, segundo Luxemburgo, a pergunta a que se
deve responder a fim de se compreender o modo de produção capitalista, é a seguinte: “de
onde se origina a demanda continuamente crescente que está na base da progressiva
ampliação da produção?” (idem ibid).
Rosa Luxemburgo examina algumas respostas precedentes e dentre estas se encontram
a controvérsia entre Say e David Ricardo e Sismondi e Malthus, e sobretudo entre os
marxistas legais-populistas2 e a posição de Marx tal qual apresentada em A Acumulação do
Capital.
Em relação às primeiras controvérsias, Luxemburgo retoma essencialmente as críticas
de Marx à lei de mercado, segundo a qual, a oferta cria automaticamente sua própria demanda
necessária. Quanto à segunda, a autora se refere à incapacidade de Sismondi de compreender
o processo da reprodução, pois parte da hipótese de que o produto total se torna totalmente
consumo pessoal, dado que o produto global da sociedade consiste unicamente de bens de
consumo, de maneira que a acumulação consiste unicamente em transformação de mais-valia
capitalizada em capital variável adicional.
No que concerne à controvérsia com os marxistas, duas críticas fundamentais podem
ser dirigidas a Tugan-Baranovski e aos demais marxistas legais. A primeira diz respeito à
impossibilidade da produção constante de meios de produção, se a demanda de bens de
consumo diminui. Se esta diminui, mais cedo ou mais tarde a outra também diminuirá. A
segunda crítica é a de que aqueles estariam utilizando os esquemas do Livro II de Marx como
esquemas de funcionamento, na realidade, do modo de produção capitalista. No entanto, trata-
se de um nível altíssimo de abstração das condições de equilíbrio.
2 Os primeiros representados principalmente pelos russos Tugan-Baranovski e Bulgakov, e os segundos por Nikolajin e Voroncov. Além destes, Luxemburgo em Uma Anticrítica (1984b), criticará duramente Bauer, Eckstein e Pannekoek, os quais, para responder ao seu livro, utilizaram de modo mecânico os esquemas do Livro II d’O Capital. Não se trata de objeto deste trabalho as posições apresentadas por estes autores. Portanto, não nos estenderemos nesta análise.
24
Rosa Luxemburgo, com o intuito de se contrapor às colocações seja dos clássicos seja
dos marxistas legais-populistas apresenta a resposta de Marx, afirmando ter este demonstrado
que a produção global compreende não só os bens de consumo, mas também os meios de
produção, e que a parte da mais-valia não consumida pelos capitalistas pode provocar uma
demanda de bens de produção, de maneira a restabelecer o equilíbrio, destruído pela
poupança, entre a oferta e a demanda global. Além disso, segundo a autora, Marx demonstrou
no Livro II que o comércio normal de bens de consumo produzidos só pode ser realizado se
ao mesmo tempo se produz um volume suficiente de meios de produção. Entretanto, afirma
também que os mesmos esquemas da reprodução ampliada do Livro II levam a um resultado
insatisfatório e contraditório com o Livro III d’O Capital.
A autora parte da premissa de que, para se contrapor às análises oferecidas pelos
autores já citados é necessário compreender o equívoco de se ter como base apenas o mercado
interno capitalista, com apenas capitalistas e proletários, dado que existe uma insuficiência de
demanda, a qual torna necessária a existência de mercados externos à esfera capitalista.
Quatro explicações são apresentadas no livro de Luxemburgo para confirmar tal insuficiência:
A primeira explicação baseia-se na impossibilidade da realização da parte acumulada
da mais-valia. A segunda diz respeito à composição orgânica do capital. Ao se introduzir o
aumento da composição orgânica do capital nos esquemas de reprodução, aparece um
excedente de bens de consumo na seção II impossível de ser realizado. Além disso, dado que
uma parte da mais-valia é acumulada e portanto uma nova mais-valia é criada, faz-se
necessário que exista uma demanda preliminar. Tal argumento constitui a terceira explicação
de Luxemburgo. Por fim, o quarto argumento repousa sobre a impossibilidade de
monetização, internamente, de toda a produção.
As explicações expostas pela autora nos conduzem a um aspecto fundamental do
processo de acumulação do capital apontada pela mesma. O desenvolvimento dessa exposição
25
realizada por Luxemburgo confirma seu objetivo de demonstrar a necessidade do modo de
produção capitalista de se estender e portanto alcançar mercados “externos”.
Neste sentido, segundo Rosa Luxemburgo (1984a, pp.24-25), na ânsia da produção
capitalista pela apropriação das forças produtivas com vistas à exploração, o capital
esquadrinha o mundo inteiro, procura obter meios de produção em qualquer lugar e os tira ou
os adquire de todas as culturas dos mais diversos níveis, bem como de qualquer forma social.
Para Luxemburgo a questão dos elementos materiais da acumulação do capital estaria longe
de encontrar-se resolvida pela forma material da mais-valia realizada, seria necessário que o
capital dispusesse cada vez mais do globo terrestre todo a fim de que tivesse uma oferta
qualitativa e quantitativa ilimitada no condizente aos respectivos meios de produção.
Luxemburgo dá destaque à existência de países e setores não capitalistas como
importantes para a existência do próprio capitalismo3:
(...) O aspecto decisivo é que a mais-valia não pode ser realizada nem por operários, nem por capitalistas, mas por camadas sociais ou sociedades que por si não produzam pelo modo capitalista. (...) A produção capitalista fornece meios de consumo acima das próprias necessidades (ou seja, as dos operários e as dos capitalistas), cujos compradores pertencem às camadas ou países não-capitalistas (ibid, pp.19-20).
Segundo a autora, seja sob o ponto de vista da realização da mais-valia, seja sob o
ponto de vista da obtenção dos elementos do capital constante, o capital comercial seria por
princípio uma condição histórica da existência do capitalismo, comércio este que, nas
condições concretas existentes, seria, por natureza, uma troca que se verificaria entre as
formas de produção capitalistas e as não-capitalistas.
Para Luxemburgo, o capital, mesmo em sua plena maturidade, não pode prescindir a
existência concomitante de camadas e sociedades não-capitalistas. Essa relação não esgota
com a mera questão do mercado não excedente existente para o “produto excedente”. É
imprescindível também ao capital a presença dos meios de produção e da força de trabalho 3 “(...) o capital, mesmo em sua plena maturidade, não pode prescindir da existência concomitante de camadas e sociedades não-capitalistas. Essa relação não esgota com a mera questão do mercado não excedente existente para o ‘produto excedente’, como formulavam Sismondi e posteriormente os críticos da acumulação capitalista e os céticos que dela duvidavam” (LUXEMBURGO, idem, p.28).
26
por toda a parte; para o desenvolvimento pleno de seu movimento de acumulação ele
necessitaria de todas as riquezas naturais e da força de trabalho de todas as regiões do globo.
Segundo Luxemburgo e em sua maioria estas se encontrariam ligadas às formas de produção
pré-capitalistas – que constituem o meio histórico de acumulação do capital –, daí resultaria a
tendência incontida do capital de apossar-se de todas as terras e sociedades.
Segundo Luxemburgo (1984a, p.28), “em função de suas relações de valor e de suas
relações de natureza material, o processo de acumulação do capital está vinculado por meio
do capital constante, do capital variável e da mais-valia às formas de produção não-
capitalistas”. Essas formas são o meio histórico desse processo. O domínio efetivo das
relações sociais não-capitalistas dos países em que se estabelecem esses ramos da produção
provoca no capital a tendência de trazer à sua tutela todos esses países e sociedades, em que,
além do mais, as relações primitivas permitem intervenção mais rápida e violenta da
acumulação que a imaginável em condições sociais puramente capitalistas.
(...) O mercado interno e o mercado externo desempenham, sem duvida, papel importante e inconfundível na evolução do desenvolvimento capitalista, não como conceitos de Geografia Política, mas como conceitos de Economia Social. Do ponto de vista da produção capitalista o mercado interno é mercado capitalista, uma vez que essa produção é consumida por seus próprios produtores e fonte geradora de seus próprios elementos de produção. Mercado externo é para o capital o meio social não-capitalista que absorve seus produtos e lhe fornece elementos produtivos e força de trabalho (LUXEMBURGO, idem, p.29).
Para Luxemburgo no intercambio capitalista interno pode-se, no melhor dos casos,
realizar apenas partes determinadas do produto social total: o capital constante utilizado, o
capital variável e a parte consumida da mais-valia. De outra forma, a parte da mais-valia que é
destinada à capitalização teria de ser realizada “externamente”. Com o desenvolvimento
internacional do capital a capitalização da mais-valia se torna a cada instante mais urgente e
precária, a base de capital constante e variável se torna cada vez maior, seja de modo absoluto
enquanto massa, bem como em relação à mais-valia. Isso explicaria o fato contraditório dos
antigos países capitalistas representarem, um para o outro, mercados cada vez maiores e
27
imprescindíveis, competindo mais fortemente e em função de suas relações com os países
não-capitalistas. Como um reflexo da lei da taxa decrescente de lucro, as condições de
capitalização da mais-valia e as condições de renovação do capital total cada vez mais entram
em contradição.
Para existir e poder desenvolver-se o capitalismo necessita de um meio ambiente constituído de formas não-capitalistas de produção. Mas, não é qualquer forma aleatória que o satisfaz. Ele necessita de camadas sociais não-capitalistas como mercado, para colocar sua mais-valia; delas necessita como fontes de aquisição de seus meios de produção e como reservatório de força de trabalho para seu sistema salarial. As formas de produção da economia natural de nada servem, no entanto, ao capital para a realização de qualquer um destes fins. (...) a produção que se destina à satisfação das próprias necessidades é a característica determinante dessas economias. (...) O mais importante no entanto é o seguinte: em todas as formas de produção de cunho econômico-natural existe sempre algum vínculo com os meios de produção e com a mão-de-obra. Tanto a comunidade camponesa comunista como a propriedade agrícola feudal e outras formas congêneres estabelecem como base de sua organização econômica a sujeição dos principais meios de produção – terra e força de trabalho – ao direito e à origem. Nesse sentido, a economia natural cria dificuldades sérias às exigências do capital. Eis porque o capitalismo, onde quer que seja, procura sempre destruir a economia natural sob todas as suas formas históricas com as quais possa vir a deparar-se: luta contra a escravatura, contra o feudalismo, contra o comunismo primitivo e contra a economia camponesa patriarcal (LUXEMBURGO, 1984a, pp. 31-32).
Na luta contra a economia natural o capitalismo teria os seguintes objetivos: apossar-
se diretamente das principais fontes de forças produtivas, tais como terras, caça das florestas
virgens, minérios, pedras preciosas e metais, produtos vegetais exóticos, como borracha etc.;
“libertar” força de trabalho e submetê-la ao capital, para o trabalho; introduzir a economia
mercantil; e separar a agricultura do artesanato.
A dominação capitalista se configura no cenário mundial na medida em que primeiro
expulsa os camponeses da Inglaterra, depois de lhes arrancar a terra; a seguir os empurra para
o oeste dos Estados Unidos; do oeste os empurra para o leste, a fim de (sobre as ruínas da
economia indígena) fazer deles, de novo, pequenos produtores mercantis; do leste os desloca
para o norte e os arruína outra vez; as ferrovias abriram o caminho e o capital fazia o resto4.
4 “(...) Os índios tiveram de ceder lugar aos fazendeiros; agora era a vez do fazendeiro ceder lugar ao capital e ser ele mesmo empurrado para o outro lado do Mississipi. (Luxemburgo, 1984a, p.54) ; O mesmo processo, se bem que referente a um quadro histórico totalmente diferente e desenvolvido na África do Sul, nos mostra mais claramente ainda os ‘métodos pacíficos’ da concorrência capitalista em relação aos pequenos produtores mercantis” (ibid, pp. 59-60).
28
Destaca Luxemburgo (idem, p.59) “assim o capital lidera o movimento e também o encerra
como seu carrasco”.
(...) o capitalismo expande-se cada vez mais graças a suas relações recíprocas com os círculos sociais e com as nações não-capitalistas, acumulando seu capital à custa destes; ao mesmo tempo que corrói a cada instante a outra entidade à qual se associa, procurará desalojá-la e assumir seu lugar. E à medida que vai crescendo o número de participantes dessa caçada em busca de novos campos de acumulação de capital e diminuindo o número de regiões não-capitalistas ainda abertas à expansão universal do capital, mais acirrada se torna a luta, ou a competição, visando à conquista dessas regiões de acumulação; tanto mais freqüente também se tornam, no cenário mundial, as incursões do capital, as quais acabam constituindo verdadeiras cadeias de catástrofes (de ordem econômica ou política), representadas pelas crises mundiais, pelas guerras e pelas revoluções (1984b, p. 113).
Segundo Luxemburgo, a hipótese de Marx, adotada no esquema de acumulação,
corresponde a tendência histórica e objetiva do movimento acumulativo e o resultado teórico
final. De modo que o processo de acumulação tende sempre a substituir, onde quer que seja, a
economia natural pela economia mercantil simples, e esta pela economia capitalista, levando a
produção capitalista ao domínio absoluto em todos os países e ramos produtivos. O resultado
da luta entre o capitalismo e a economia mercantil simples seria que depois do capital ter
substituído a economia natural pela economia mercantil simples, ele mesmo toma o lugar
desta última. “Se o capitalismo, portanto, vive de formas econômicas não-capitalistas, vive, a
bem dizer, e mais exatamente, da ruína dessas formas” (LUXEMBURGO, 1984a, p.63).
Como a acumulação se realizaria obrigatoriamente por absorção ela consistiria na mutilação e
absorção dos meios não-capitalistas, resultando que ao mesmo tempo em que a acumulação
de capital não pode existir sem as formações não capitalistas, também não permite que estas
sobrevivam a seu lado5.
E é nesse ponto que começa o impasse. Alcançado o resultado final – que continua sendo uma simples construção teórica –, a acumulação torna-se impossível: a realização e a capitalização da mais-valia transformam-se em tarefas insolúveis. No momento em que o esquema marxista corresponde, na realidade, à reprodução ampliada, ele acusa o resultado, a barreira histórica do movimento de acumulação, ou seja, o fim da produção capitalista. A impossibilidade de haver acumulado significa, em termos capitalistas, a impossibilidade de um desenvolvimento posterior das forças produtivas e, com isso, a necessidade objetiva, histórica, do declínio do
5 “Somente com a constante destruição progressiva destas formações é que surgem as condições de existência da acumulação de capital” (ibid, p.63).
29
capitalismo. Daí resulta o movimento contraditório da última fase, imperialista, como período final da trajetória histórica do capital (idem ibid).
Rosa Luxemburgo sustenta a hipótese de que o esquema marxista de reprodução
ampliada não corresponde às condições da acumulação, enquanto ela progride. Não seria
possível mantê-la dentro do quadro estrito das relações e dependências recíprocas e fixas que
existem entre os dois grandes departamentos da produção social (departamento dos meios de
produção e departamento dos meios de consumo), formuladas pelo esquema. A acumulação
não seria uma simples relação interna entre os dois ramos da produção capitalista, mas, uma
relação entre o capital e o meio não-capitalista, na qual os dois grandes ramos da produção no
processo de acumulação seguem, em boa parte, de forma independente e autônoma, de modo
que os movimentos de ambos se cruzam a passo e se interligam. Para Luxemburgo as
complicadas relações daí resultantes, as diferenças de velocidade e de orientação seguidas
pelos dois departamentos no decorrer da acumulação, suas relações materiais e a correlação
entre os valores e as formas de produção não-capitalistas não podem ser expressas exatamente
de forma esquemática. Desse modo o esquema marxista de acumulação seria apenas
expressão teórica daquele momento em que a dominação do capital alcance a sua última
barreira, portanto, “uma ficção teórica como sucede com o esquema de reprodução simples,
que formula teoricamente o ponto de partida da produção capitalista” (ibid, p.64), o
conhecimento exato da acumulação do capital e de suas leis estaria entre esses duas orações.
A Fase imperialista da acumulação de capital ou a fase da concorrência capitalista internacional compreende a industrialização e a emancipação capitalista das antigas zonas interioranas do capital em que este processava a realização de sua mais-valia. Os métodos operacionais específicos dessa fase são representados pelos empréstimos estrangeiros, pela construção de ferrovias, por revoluções e guerras. A primeira década do século XX caracteriza de modo todo especial o movimento mundial imperialista do capital, particularmente na Ásia e nas regiões limítrofes desta com a Europa: Rússia, Turquia, Pérsia, Índia, Japão, China, bem como o norte da África (ibid, p.65).
Do mesmo modo como foi imposta a expansão da economia mercantil sobre a
economia natural e a substituição da produção mercantil simples pela produção capitalista
mediante guerras, crises sociais e destruição de formações sociais inteiras, a emancipação
30
capitalista das províncias econômicas e das colônias também se processa neste período
mediante revoluções e guerras6.
Os empréstimos externos assumem no período imperialista um papel extraordinário
como meio de emancipação dos novos Estados capitalistas, que segundo Luxemburgo revela
claramente o que existe de contraditório na fase capitalista. Isso na medida em que são
imprescindíveis para a emancipação das nações capitalistas recém-formadas e, por outro lado,
constituem para as principais nações capitalistas o meio mais seguro de tutelar os novos
Estados, de exercer controle sobre suas finanças e pressão sobre sua política externa,
alfandegária e comercial. Além disso, são um meio extraordinário para abrir novas áreas de
investimento para o capital acumulado e para criar novos concorrentes; são o meio de ampliar,
no geral, o raio de ação do capital e de reduzi-lo concomitantemente.
Pode-se entender o imperialismo como a expressão política do processo de
acumulação do capital, em sua competição pelo domínio de áreas do globo ainda não
conquistadas pelo capital7. Segundo Luxemburgo em comparação com o alto grau de
desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas do capital, esse campo que lhe resta para a
expansão parece mínimo. Dado o grande desenvolvimento e a concorrência cada vez mais
violenta entre os países capitalistas, o imperialismo tanto aumenta em violência e energia seu
comportamento agressivo em relação ao mundo não-capitalista, como agrava as contradições
entre os países capitalistas concorrentes. Entretanto, quanto mais violento, enérgico e
exaustivo é o esforço imperialista na destruição das culturas não-capitalistas, mais
rapidamente ele destrói a base para a acumulação do capital. “O imperialismo tanto é um
método histórico de prolongar a existência do capital, quanto o meio mais seguro de por 6 “No processo de emancipação capitalista das províncias, a revolução é necessária para romper a forma estatal arcaica herdada, forma já existente desde os tempos da economia natural e da economia mercantil simples, e criar, em seu lugar, um mecanismo estatal moderno e adequado, compatível com os objetivos da produção capitalista. É esse o sentido das revoluções russa, turca e chinesa” (ibid, p.64). 7 “(...) a acumulação não poderia ter seu lugar na Inglaterra. Esse país e seus consumidores atuais não necessitam nem de ferrovias, nem de expansão industrial alguma. Apenas o aparecimento de novas regiões de culturas pré-capitalistas poderia criar, para o capital, um círculo mais amplo de consumo e a possibilidade de uma reprodução ampliada, ou de acumulação, em outras palavras” (ibid, pp.71-72).
31
efetivamente um ponto final em sua existência” (LUXEMBURGO, 1984a, p.83). Deve-se
destacar que Luxemburgo afirma que não necessariamente esse ponto terá de ser alcançado.
Mas destaca que a própria tendência de atingir essa meta do desenvolvimento capitalista
reveste-se de formas que caracterizam a fase final do capitalismo como período de catástrofes.
Para Luxemburgo a acumulação de capital com um todo, como processo histórico
concreto, apresenta, pois, dois aspectos distintos. Um deles desenvolve-se nos centros
produtores de mais-valia – nas fábricas, nas minas, nas propriedades agrícolas – e no
mercado. Desse modo a acumulação seria um processo puramente econômico – cuja fase mais
importante se realizaria entre os capitalistas e os trabalhadores assalariados e cujas duas fases
(no espaço fabril e no mercado) se desenvolveriam exclusivamente dentro dos limites
estabelecidos pela troca de mercadorias e pela troca de equipamentos. Destaca-se que nesse
nível, a paz, a propriedade e a igualdade reinariam como formas de modo que seria necessária
a dialética apurada de uma análise científica para descobrir como por meio da acumulação o
direito de propriedade se transforma em apropriação da propriedade alheia, a troca em
exploração e a igualdade em dominação de classe. Já o outro aspecto da acumulação de
capital é verificado entre o capital e as formas de produção não-capitalistas no cenário
mundial. Como métodos da política colonial reinariam o sistema de empréstimos
internacionais, a política das esferas de influência e as guerras. Aí a violência aberta, a fraude,
a repressão e o saque apareceriam sem disfarces, dificultando a descoberta, sob esse
emaranhado de atos de violência e provas de força, do desenho das leis severas do processo
econômico.
Na realidade, a violência política é apenas o veículo do processo econômico; ambos os aspectos da reprodução do capital encontram-se interligados organicamente, resultando dessa união a trajetória histórica do capital. Este não vem à luz apenas “gotejando por todos os poros sangue e imundície”, mas vai-se impondo dessa forma, preparando, em meio a convulsões cada vez mais violentas, a própria ruína (LUXEMBURGO, 1984a, p.87).
32
Luxemburgo destaca que as necessidades históricas que acompanham a intensificação
da concorrência capitalista mundial, em busca de suas condições de acumulação,
transformam, o próprio capital em campo de acumulação de primeira grandeza. De modo que
quanto mais o capital necessita recorrer ao militarismo para apropriar-se dos meios de
produção e da força de trabalho dos países e das sociedades não-capitalistas, com tanto mais
energia trabalha o mesmo militarismo em casa, nos países capitalistas. Tendo como resultado
a busca de roubar da primeira as forças produtivas, e forçar a queda do nível de vida da
segunda, aumentando à custa de ambas, violentamente, a acumulação do capital. No entanto,
as condições de acumulação transformam-se, a certa altura, em condições de decadência para
o próprio capital.
Há uma contradição importante no capitalismo, pois ao mesmo tempo que ele é a
primeira forma econômica capaz de propagar-se vigorosamente, na medida em que é uma
forma que tende a estender-se por todo o globo terrestre e a eliminar todas as demais formas
econômicas, não tolerando nenhuma outra a seu lado, é também a primeira que não pode
existir só, sem outras formas econômicas para alimentar-se. Luxemburgo afirma, portanto,
que ao tender a impor-se como forma universal, sucumbe por sua própria incapacidade
intrínseca de existir como forma de produção universal. Desta forma pode-se dizer que o
capitalismo é, em si, uma contradição histórica viva; seu movimento de acumulação expressa
a contínua resolução e, simultaneamente, a potencialização dessa contradição. Daí
Luxemburgo (ibid, p.98) afirma que essa contradição só poderá ser resolvida pela aplicação
dos princípios do socialismo – daquela forma de economia que por sua natureza é ao mesmo
tempo um sistema internacional e harmônico, por não visar acumulação, mas à satisfação das
necessidades vitais da própria humanidade trabalhadora, por meio do desenvolvimento de
todas as forças produtivas do planeta.
Quanto mais o capital, por meio do militarismo, liquida com a existência de camadas não-capitalistas e reduz as condições de vida das classes trabalhadoras, mais a história
33
cotidiana da acumulação de capital no cenário mundial transforma-se em uma série de catástrofes e convulsões políticas e sociais que, em combinação com as catástrofes econômicas periódicas (em forma de crises), inviabilizam a acumulação ao mesmo tempo que tornam imprescindível a rebelião da classe operária internacional contra a dominação do capital, antes mesmo que essa dominação tropece economicamente nas barreiras naturais que ela mesma criou (LUXEMBURGO, 1984a, pp.97-98).
Poder-se-ia caracterizar como manifestações típicas do período imperialista sob o
ponto de vista de Rosa Luxemburgo (1984b, p.114): competição entre os estados capitalistas,
visando à apropriação de colônias e ao domínio de certas áreas de interesse, encontro de
novas opções para a aplicação do capital europeu, sistema de empréstimos internacionais,
militarismo, medidas protecionistas alfandegárias, supervalorização do papel desempenhado
pelo capital bancário e pelos cartéis na política mundial8. A autora conclui em seu prólogo
que “não resta dúvida alguma de que a explicação da raiz econômica do imperialismo deva
ter por base as leis da acumulação do capital e também deva ser posta em sintonia com essas
leis, visto que em seu conjunto o imperialismo não passa, empiricamente, de um método
específico de acumulação” (LUXEMBURGO, idem, p.114).
Luxemburgo afirma que a acumulação do capital prossegue e se expande à custa das
camadas ou dos países não-capitalistas; ela os corrói e os destrói em ritmo cada vez mais
acelerado, com a tendência geral e finalidade de alcançar o domínio mundial e exclusivo da
produção capitalista. Neste sentido, segundo a autora, entraria em ação o esquema de Marx;
portanto, a acumulação, ou seja, a expansão subseqüente do capital tornar-se-ia impossível, o
capitalismo entraria em um beco sem saída. “Deixando de funcionar como veículo histórico
para o desenvolvimento das forças produtivas, o capitalismo chega, dessa maneira, a atingir
seu limite econômico objetivo” (Luxemburgo, idem, p.178). Entretanto ao ser concebida em
termos dialéticos, Luxemburgo chama a atenção para o fato de que a contradição do esquema
marxista de acumulação é apenas a contradição real entre a tendência de expansão ilimitada
do capital e a barreira que ele cria, contra si mesmo, pela destruição de todas as outras formas 8 Luxemburgo (idem, p.114) destaca ainda que “As conexões que esses sintomas apresentam com a fase final do desenvolvimento capitalista e a importância que eles têm para a acumulação do capital são tão aparentes que tanto os defensores do imperialismo como seus inimigos claramente os reconhecem e aceitam como tais”.
34
de produção; é a contradição entre as poderosas forças de produção que o capital desperta, no
mundo inteiro, por meio de seu processo de acumulação, e a estreita base que ele estabelece
para si mesmo por meio das leis da acumulação.
(...) O esquema marxista da acumulação constitui, pois, a bem dizer, em sua insolubilidade, o prognóstico perfeito do inevitável ocaso econômico do capitalismo, e tudo isso como resultado final do processo imperialista de expansão, desse processo que, segundo a hipótese de Marx, tem como meta específica concretizar a hegemonia geral e indivisa do capital (idem ibid).
É importante destacar que a interpretação do ocaso econômico do capitalismo é uma
interpretação de alguns marxistas e não a de Marx, inclusive por este compreender que as
crises têm uma dinâmica cíclica. Luxemburgo (1984b, p.178), entretanto não se deixa levar
pela simplificação da realidade, pois, lembra que este fato “é uma ficção teórica,
especialmente porque a acumulação não constitui apenas um processo econômico – constitui
também um processo político”. A autora com muita propriedade destaca que tanto nesse caso,
como também acontece historicamente em geral, é função da teoria apontar a tendência do
desenvolvimento, o ponto lógico final para o qual este se dirige objetivamente. Ressalta
também que é tão difícil alcançar esse ponto, como jamais chegou Marx a atingir as
conseqüências últimas desse desenvolvimento em nenhum período histórico anterior.
O imperialismo hodierno não representa, como em Bauer, um simples prelúdio da expansão do capital, mas constitui a última fase de um processo histórico de desenvolvimento: é o período da concorrência geral e mundial mais acirrada dos Estados capitalistas, da luta pela conquista do que sobrou das regiões não-capitalistas ainda existentes neste mundo. A catástrofe econômica e financeira constitui, portanto, o elemento vital dessa fase final, a forma normal de ser do capital, da mesma maneira que já o fora em sua fase de formação, durante “a acumulação primitiva”. Assim como a descoberta da América e das rotas primitivas para a Índia não representou apenas um esforço titânico do espírito humano e da civilização (como a descreve a saga liberal), mas se associa inseparavelmente a um genocídio igual ao praticado por Herodes, a um assassinato em massa dos povos primitivos e asiáticos, é impossível separar a fase final imperialista da expansão econômica do capital, de toda aquela série de conquistas de colônias e das guerras mundiais às quais assistimos (LUXEMBURGO, idem, pp178-179).
Luxemburgo ainda destaca que o que melhor caracteriza o imperialismo enquanto luta
final de concorrência pela hegemonia capitalista não é apenas a energia e a versatilidade da
expansão. O imperialismo levaria a catástrofe da região periférica de seu desenvolvimento de
35
volta para seu respectivo ponto de partida. A autora é ainda mais enfática ao afirmar que
depois da expansão do capital ter submetido, durante quatro séculos, a existência e a cultura
de todos os povos não-capitalistas da Ásia, África, América e Austrália a convulsões
ininterruptas e abandonado os mesmos à sua destruição em massa, passou a criar, para os
próprios povos civilizados da Europa, uma série de situações catastróficas cujo resultado final
só poderá significar o fim da cultura européia, ou a transição para o modo de produção
socialista.
Retomar a teoria de Rosa Luxemburgo, ou a sua análise sobre o imperialismo traz
elementos fundamentais para compreender a dinâmica capitalista, suas leis e contradições.
Rosa mostra, e destaca como um elemento fundamental, a necessidade do capitalismo de se
expandir para o conjunto do globo, de expandir seus mercados para além das fronteiras dos
países centrais do capitalismo, ou o que ela chama de alcançar os países ou o meio social não
capitalista. Essa necessidade está ligada à dificuldade que o capitalismo encontra para realizar
internamente a sua produção, ou a sua mais-valia.
Para se expandir, se “desenvolver”, o capitalismo necessita buscar estes novos
mercados, os mercados não capitalistas, para que também possam servir como estoque de mão
de obra, uma fonte extra da principal força produtiva do capitalismo que é o trabalho, com o
objetivo de suprir necessidades e também de ampliar o exército industrial de reserva, ou seja,
rebaixar o valor da força de trabalho. Outro objetivo é a exploração de produtos naturais como
produtos agrícolas e minerais, que servem como fonte de matérias primas.
Um dos principais aspectos da análise de Luxemburgo é perceber a dinâmica do
capitalismo ao buscar estes novos mercados. Pois ao mesmo tempo em que estes são
fundamentais para garantir a reprodução ampliada do sistema e por isso são extremamente
importantes para o capitalismo, também são atacados pelo capitalismo que tem como
36
característica desestruturar as economias naturais na medida em que impõe a sua
transformação em economias mercantis.
Neste ponto Luxemburgo percebe uma das principais contradições do capitalismo
nesta sua fase imperialista: ao mesmo tempo em que para sua expansão necessita se apossar
das nações não capitalistas a sua própria dinâmica favorece a transformação destas nações em
economias capitalistas destruindo portanto a base necessária para a sua expansão. Estas novas
economias capitalistas que se apresentam como economias capitalistas periféricas continuam
sendo exploradas pelos centros capitalistas, mesmo que por novos mecanismos, próprios do
imperialismo, como o domínio econômico através da dependência destas nações para com o
centro do sistema.
É através desta contradição que o capitalismo encena o que é chamado de sua fase
final, o imperialismo. É neste momento que a própria dinâmica do capital leva-o, como não
foi possível a nenhum outro modo de produção, a patamares globais, ao domínio de todo o
planeta.
1.2 – Karl Kautsky
As teses de Kautsky de 1914-15 sobre o imperialismo são aquelas que tiveram lugar
nas notas polêmicas de Bukharin e Lênin. Estas representam o auge de uma teorização que
“com incrível zelo”9, Kautsky andou desenvolvendo a partir de 1910, ano da polêmica contra
Rosa Luxemburgo. Até então, Kautsky era considerado o ícone do marxismo ortodoxo, uma
corrente de pensamento que desde o Programa de Erfurt (1891) em diante – desde que a
social-democracia estabeleceu um programa formalmente baseado no marxismo – se tornava
a teoria oficial do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD).
Esquematizando, pode-se dizer que a ortodoxia kautskiana sustentava a tese da
inevitabilidade da revolução social, antes de tudo: interpretando a tendência histórica da
9 A expressão é de N.Bukharin, A Economia Mundial e Imperialismo, SP: Abril Cultural, 1984.
37
acumulação de capital de Marx, Kautsky afirmava que o desenvolvimento econômico, a
concentração e as crises conduziam por leis naturais a um determinado estado de economia
fundado sobre a divisão do trabalho hereditária do capitalismo. É este pensamento que
Kautsky aprofunda e desenvolve gradualmente contra a corrente “revisionista”, polemizando
com Vollmar sobre a questão agrária, com Bernstein sobre a tendência do capitalismo, com
Schippel e David sobre o imperialismo, etc.10
Os ensaios de 1914-15 foram os escritos que se referiram à tese precedente (por
exemplo, a teoria da subordinação das nações agrárias àquelas industriais já tem sua base na
Questão Agrária; a teoria da política do capital financeiro em oposição aos interesses
industriais, Kautsky já havia sustentado em Velha e nova política colonial11); porém deriva
desta tese a conseqüência nova de que o imperialismo – no sentido de expansionismo
colonial, corrida aos armamentos, perigo de guerra – é apenas a política preferida do capital
financeiro e não a única. Assim, o proletariado poderia aliar-se a setores burgueses
progressistas em uma perspectiva ultraimperialista, de desenvolvimento pacífico, que
consentisse no tempo a ascensão ao poder da social-democracia.
Em Primeiro de Maio e a luta contra o militarismo, Kautsky retoma este tema:
A constante ampliação do mercado constitui uma necessidade vital para o capitalismo. Para atingir este objetivo, a conquista de colônias ou de esferas de influência aparece como o meio mais cômodo a um certo nível de desenvolvimento. Isto produz um rearmamento mundial. (KAUTSKY, 1911-12, p.106, VII)12
Mais adiante: O imperialismo – escreve Kautsky em “Ainda sobre o desarmamento” (1912) – não é sinônimo de tendência natural do capital à expansão...mas representa sim um método particular para que esta tendência atue devidamente, o método violento. (KAUTSKY, 1911-12, pp.850-1)13.
10 Neste sentido, Kautsky ora acentua ora atenua este ou aquele elemento da sua impostação, uma vez combinando-a com teses de outra origem, como ocorre com o pensamento liberal para a teorização sobre o imperialismo do fim do século. 11 K. Kautsky, A Questão Agrária, SP: Nova Cultural, 1986, sobretudo pp. 280-1. 12 Trecho de Neue Zeit, XXX, 1911-12, vol.II, extraído de Marxists Writers, CA: Marxist Internet Archive, 2003. 13 Idem.
38
Existiria então uma outra via: “aquilo que vem há duas décadas em crescente medida
para as relações entre as empresas começa a se tornar verdadeiro para as relações recíprocas
dos Estados capitalistas” (ibid, p.851). Como para as empresas a luta concorrencial possibilita
o cartel e o truste, assim poderia ocorrer que o confronto entre os Estados resultasse em um
acordo.
Os métodos do confronto permanecem até que alguns Estados crêem poder alcançar
por meio de seus armamentos um estágio no qual consigam anular a concorrência e
monopolizar o mercado mundial. Quanto mais esta perspectiva se coloca, mais se aproxima
do estágio no qual a luta concorrencial entre os Estados é eliminada através da cartelização.
Esta já é a perspectiva do ultra-imperialismo.
Kautsky, em O imperialismo (1914), repreendendo uma tese já acenada na Questão
Agrária (1899) e desenvolvendo a distinção entre indústria e agricultura, conforme já havia
iniciado em O Capital financeiro e as crises (1910)14, sustenta que nos países capitalistas, a
produção agrícola cresce muito menos rapidamente que a produção industrial, por uma série
de motivos (menor progresso técnico, limitação do solo, tempos biológicos, etc). E no
momento em que a agricultura fornece mercadorias de subsistência e matérias-primas à
indústria e representa um mercado de saída para os produtos industriais, o desenvolvimento
da indústria requer uma crescente medida de cultivo de territórios agrários, de maneira a
manter a necessária proporcionalidade entre os dois setores: “A acumulação capitalista na
indústria só pode avançar e desenvolver-se livremente se ampliar constantemente a área
agrícola que lhe abastece e para a qual destina os seus produtos” (KAUTSKY, 2002, p.455).
Isto se dá inicialmente por meio do livre comércio. Entretanto, posteriormente, com a
industrialização da Alemanha, França e dos Estados Unidos, esta política foi suplantada pelo
imperialismo: as novas potências consideram adequado proteger seu mercado interno e
14 K. Kautsky, O Capital financeiro e as crises, in Marxists Writers, CA: Marxist Internet Archive, 2003.
39
partilhar os territórios agrícolas ainda livres. “A Inglaterra reagiu e surgiu o imperialismo”
(ibid, p.458): a luta entre as potências para criar (ou desenvolver) um império próprio.
Pergunta-se Kautsky: “o problema é este: o imperialismo representa a última forma
fenomênica possível da política mundial capitalista, ou ainda é possível uma outra?” (ibid, p.
460). Após a guerra, a exacerbação da rivalidade entre as potências levará o mundo a uma
nova catástrofe, ou será possível a retomada de um desenvolvimento pacífico e democrático
do sistema capitalista? Kautsky se atém à segunda hipótese. Ele aqui retoma as considerações
que havia avançado em O primeiro de maio e a luta contra o militarismo (1912), afirmando
que
(...)o imperialismo seria aquilo que Marx chamou de capitalismo: o monopólio gera a concorrência e a concorrência o monopólio. A concorrência desenfreada entre as grandes indústrias e grandes bancos já produziu a idéia do cartel das grandes potências financeiras. E assim também da guerra mundial das grandes potências imperialistas pode surgir um acordo que ponha fim à corrida ao armamento.(ibid, p.462).
O ultraimperialismo se apresenta neste texto como um acordo entre as grandes
potências para subordinar territórios agrários necessários à expansão industrial que toma o
lugar de sua rivalidade atual. Um acordo tão mais provável quanto mais grave será a
conseqüência econômica da corrida ao armamento e da guerra, quanto mais amplo o despertar
da população colonial, quanto mais forte a resistência do proletariado europeu.
Em Dois artigos para uma revisão (1915), Kautsky estabelece uma polêmica em outra
direção: contra Lensch e Cunow. O ensaio tem um caráter de discussão teórica; porém é
tomado pela exigência de combater a influência crescente das teses imperialistas que então
dominavam o partido social-democrata alemão.
Respondendo a Cunow, segundo o qual o imperialismo “é um período de
desenvolvimento amadurecido”, “uma fase de transição necessária para o socialismo”,
Kautsky recorda que o termo imperialismo tem sido usado “para indicar aspirações políticas
relativas a um reino mundial ou império” (KAUTSKY, 2002, p. 470). E em particular para
indicar a nova política tendente “à formação de um grande império colonial e a uma política
40
de armamento” (ibid, p. 470) adotada pelas principais potências européias ao fim do século
XIX. O novo tipo de política era, segundo ele, uma conseqüência do desenvolvimento do
capital industrial, da crescente importância da alta finança, da exportação de capitais.
Kautsky neste debate faz menção a Hilferding, um dos teóricos a serem discutidos no
interior deste trabalho (próximo capítulo), responsável pela primeira formulação sobre o
capital financeiro em 1910 no livro O Capital Financeiro (1985).
Hilferding, posteriormente, em 1910, em seu livro sobre o capital financeiro, mostrou pela primeira vez como a fase mais recente do capital conduz necessariamente ao domínio do capital industrial pelo capital monetário, especialmente por parte dos bancos, e a uma completa transformação do caráter do capital industrial. Ele chamou essa nova era de era do capital financeiro...[Ao contrário, com o termo imperialismo, Hilferding] designa um particular tipo de política , não uma “fase econômica”. O imperialismo, de acordo com ele, é a política favorita do capital financeiro. Creio que temos todos os motivos para permanecer fiéis a essa distinção entre capital financeiro como causa e imperialismo como efeito (KAUTSKY, idem, p.471)15.
Assim, a hipótese do ultra-imperialismo adquire uma conotação mais precisa.
Enquanto em O Imperialismo fala-se de um acordo entre grandes potências que seguiria sobre
plano político a própria tendência à concentração que existe na economia, aqui se refere
explicitamente ao “capital financeiro internacional unificado” que geraria “a exploração em
comum do mundo”. O ponto de partida do ultra-imperialismo é diretamente a tendência à
unificação do capital financeiro do qual fala Hilferding.
Kautsky não concebe o processo econômico como um mecanismo rígido. A sociedade
assim não é um mecanismo, mas um organismo que implica os conceitos de elasticidade e
adaptabilidade. Neste sentido, vem à tona a tese que perpassa todo seu ensaio: o imperialismo
não é inevitável, o sistema pode ser impulsionado em direção a uma política expansiva
diferente.
De acordo com Kautsky, se considerarmos o grau de elasticidade e de adaptação do
capitalismo, o fato de o imperialismo encontrar seus potenciais impulsos econômicos no
15 Como se vê, Kautsky sustenta aqui uma interpretação do imperialismo em parte diferente da precedente: destacou menos a exigência de um crescimento dos territórios agrícolas para consentir o desenvolvimento industrial.
41
capitalismo não poderá mais trazer senão a conclusão pura e simples de que o imperialismo é
inevitável. Porém, segundo ele, é necessário identificar os interesses das diversas classes,
estabelecer suas relações de força em um dado período de tempo, o que dependem de muitos
elementos de difícil avaliação e sobretudo do condicionamento econômico e social que as
classes dominantes são capazes de exercer sobre todas as outras classes. Dessa forma, a
questão para ele se encontra em aberto. O imperialismo não é uma necessidade econômica,
mas é um problema de poder: sua sobrevivência depende das relações de força.
1.2.1 - Capitais, expansionismo e política colonial Estas indicações, que já havíamos encontrado substancialmente em Dois Artigos
(op.cit), levam o autor a concluir que quando a sociedade por ações se impõe nos setores
“maiores e mais fortes” do capital industrial, este unir-se-á ao capital monetário, que também
lança mão do seu acordo com a grande propriedade de terra. As tendências estatais do capital
financeiro tornar-se-ão então as tendências gerais de classes inteiras que dominam a economia
dos estados capitalistas avançados. Isto, para Kautsky, é um dos sinais daquele período. O
segundo é a exportação de capitais; ou seja, os investimentos estrangeiros que se transformam
depois, em grande parte, em exportações de capitais: por exemplo, material para a construção
e a gestão de ferrovias, através dos quais se abrem novos territórios agrários, máquinas para a
exploração de minérios e das plantações, e depois também máquinas industriais, segundo o
autor.
Ao seu juízo, esta segunda tendência é “certamente inevitável” pois não atrofia o
desenvolvimento econômico, o que não significa que sejam inevitáveis os métodos
imperialistas empregados pelo capital financeiro:
(...) não representa a única força propulsora do expansionismo dos Estados; em segundo lugar, a mesma política colonial, mesmo nos seus fenômenos mais relevantes, não é de origem imperialista; em terceiro lugar, enfim, que a política de potências do imperialismo, bem longe de ser indispensável para o desenvolvimento econômico do
42
capitalismo, hoje já representa...[o método] mais custoso e mais perigoso, mas não o mais eficaz (KAUTSKY, 1980, p.153).
Este “é o verdadeiro problema que interessa”, escreve Kautsky: a confederação
“oferece ainda no seu âmbito, amplas possibilidades de expansão do capital britânico”. Existe,
portanto, uma via de desenvolvimento que não utiliza os métodos imperialistas, mas os do
livre comércio e da democracia. Para este, trata-se da via que poderia seguir no futuro também
o segundo pilar do império inglês, a Índia.
Quanto ao imperialismo, o ponto de partida ainda não era imperialista [era a demanda
de uma crescente extorsão de tributos por parte do exército e burocracia]; mas ao proceder de
tal forma, assume sempre mais este caráter [imperialista], e torna-se sempre mais o
instrumento do capital financeiro que se funde com o grande capital industrial.
1.2.2- Capital financeiro e capital industrial
Conforme exposto anteriormente, Kautsky sustenta que existe uma tendência à
expansão econômica dos países industriais frente aos territórios agrários. Isso depende do fato
de a produção agrícola – de mercadorias de subsistência e de matérias-primas advindas da
agricultura – possuir um ritmo de expansão insuficiente em relação ao desenvolvimento da
indústria. Assim, para manter a proporcionalidade necessária entre os dois setores seria
preciso quantidade sempre crescente de terrenos agrícolas para cultivar.
Mas esta exigência do desenvolvimento industrial pode ser satisfeita a partir de duas
políticas distintas: do livre comércio de mercadorias e de capitais entre países independentes e
entre países ligados por relações federativas (atuais ou “em construção”), ou pelo
imperialismo. Assim, para Kautsky, o imperialismo é em primeiro lugar uma política
capitalista particular que se afirmou no final do século XIX ao submeter territórios agrários:
“O imperialismo é um produto do capitalismo industrial altamente desenvolvido. Consiste no
impulso de todas as nações capitalistas industriais a submeter e anexar regiões agrárias cada
43
vez mais vastas, independentemente da nacionalidade dos povos que as habitam”
(KAUTSKY, 2002, p.444).
O imperialismo – de acordo com Kautsky – não é a única causa da expansão dos
Estados, não é a principal inspiração da política colonial e indispensável para o
desenvolvimento econômico. Assim, partindo dos modestos resultados econômicos da
partilha da África e da constatação de que os principais países agrários (como Rússia,
Argentina, Estados Unidos, Austrália, Canadá e China) não podem ser transformados em
colônias (ou então – como Índia e Egito – estão enfim a caminho da autonomia), Kautsky
chega a concluir que o futuro das relações econômicas entre estes países e os países
industriais deveria basear-se sobre tratados comerciais que asseguram à indústria o
aprovisionamento de matérias-primas e produtos brutos em troca de mercadorias e capitais.
Exportação de capitais em direção a estes territórios, não em direção a territórios coloniais
propriamente ditos, construções de ferrovias e de sistemas de irrigações, desenvolvimento de
uma agricultura mais intensiva: são estes os métodos mais importantes para acrescentar sua
produtividade de modo a cobrir enquanto possível, a demanda crescente de matérias-primas
por parte da indústria capitalista.
Não se pode negar a validade do ponto de partida destas teses. Historicamente foram
países como Canadá, Argentina, Uruguai, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, sobretudo
(naturalmente além dos EUA), que haviam recebido forte impulso ao seu desenvolvimento em
função de um aumento elevado e contínuo da demanda de mercadorias agrícolas
provenientesda Inglaterra e de outras potências industriais européias. Sua capacidade
produtiva “foi em grande parte absorvida pela expansão da lucrativa produção de produtos
primários para exportação. Além do que, a crescente demanda por materiais brutos e meios de
44
subsistência por parte do centro, havia criado um incentivo para o deslocamento de capital e
trabalho do centro para estas áreas periféricas”. 16
Contudo, a causa deste processo não pode ser vista – parece apontar Kautsky em O
Imperialismo –como simples exigência de expansão quantitativa da produção agrícola,
independentemente dos preços. Era mais correto para ele, como havia explicado ao final do
século XIX, que a melhoria dos meios de comunicação tinha se tornado conveniente à
produção daqueles países em relação à européia17. Na Europa, o cultivo se encontrava há
tempos em dificuldade, enquanto o setor agrícola destes “novos” países havia conhecido um
crescimento excepcional. Assim a expansão da indústria européia havia desenvolvido intensas
relações econômicas com os novos países que, exceto a África do Sul, não foram submetidos
através do imperialismo18.
A existência de uma multiplicidade de fenômenos leva a buscar a causa na natureza do
capital, a cujas exigências de acumulação a política imperialista deve corresponder.
O raciocínio leva dessa forma a enfrentar um segundo aspecto da teoria de Kautsky: o
imperialismo como política do capital financeiro. Seja em Dois artigos, seja em Estado
16 R. Nurkse apud Meldolesi, L.Kautski – L’imperialismo. Roma: Laterza, 1980, p.20. Com a exceção dos EUA, estes países que em 1857-59 representavam 8% de toda a importação inglesa, alcançaram 18% em 1911-13; em outras palavras, em 1870 absorviam 10% das exportações de capitais ingleses, mas em 1913, 45% (idem, pp.16-7). 17 O aumento dos preços agrícolas causado pelo aumento da demanda provoca (coeteris paribus) um incremento da produção porque torna conveniente cultivar terrenos menos férteis e utilizar de modo mais intensivo as terras já cultivadas. Ao contrário da abertura de novo territórios a custos unitários vantajosos (para a maior fertilidade da terra, para a mais baixa remuneração do trabalho, para a redução dos custos de transporte) produzir um aumento da oferta de produtos agrícolas, possui um efeito tranqüilizador sobre o preço e encoraja a produção agrícola na pátria-mãe. (É esta a situação descrita por Kautsky na Questão Agrária de 1899, cap. X). É necessário enfim observar que em O Imperialismo, Kautsky parece assumir como fixa a proporcionalidade técnica entre setor agrícola e industrial enquanto em geral esta se modifica no tempo (por efeito do progresso técnico, pela mudança da composição da demanda agregada nos países industriais por conseguinte ao desenvolvimento da renda, a sua distribuição, etc). É esta “história” de relação entre produção industrial e produção de mercadorias primárias (em relação às suas condições de produção) que – segundo Nurkse apud Meldolosi – está na base do declínio do mecanismo de desenvolvimento dos novos países através da exportação de mercadorias agrícolas e da deterioração das razões de troca entre matéria prima e mercadoria manufaturada do final do século XIX aos anos 60 do século passado. 18 “Áreas como a China, Índia, África tropical e América Central – escreve Nurkse apud Meldolesi – não foram eliminadas das forças de desenvolvimento através do comércio, mas em confronto com os países de nova imigração foram relativamente descuidadas da expansão da demanda e do fluxo de capitais”.
45
Nacional, Estado imperialista e correlações de Estados19, Kautsky a este propósito reivindica
o Capital Financeiro de Hilferding20.
Para a alta finança, que vêm definida como a “moderna expressão do capital usurário”,
“torna-se sempre mais necessário ampliar os próprios negócios em direção às terras mais
longínquas”.21
A quantidade de mais-valia acumulada é tal que na maior parte dos países capitalistas
as oportunidades de investimento são insuficientes. Isto produz um fluxo crescente de capital
para o exterior. O intermediário desta operação, para Kautsky, é a alta finança, que faz
melhorar os negócios no local onde é apoiada pelo Estado, cujo controle dos poderes
conquistou plenamente, e incita à expansão das colônias porque justamente aqui – não
controlada, mas protegida pelo Estado – pode cuidar dos seus interesses.
Dessa forma, enquanto a alta finança foi uma inspiração para o nascimento do
imperialismo, o mesmo não se pode dizer para o capital industrial: “É compreensível que (...)
queira extrair seu lucro desta política, mas não é o que faz empurrar o movimento
colonialista”22. A política do capital industrial – para Kautsky – é uma política liberal,
antiburocrática e pacifista.
1.3 – Nikolai Bukharin A primeira resposta orgânica à elaboração de Kautsky, A Economia Mundial e
Imperialismo, de Bukharin (1984), mesmo com muitas novidades de relevo, coloca-se ainda
uma vez no solo da ortodoxia – filtrada pelo Capital Financeiro de Hilferding.
19 Texto obtido da coletânea organizada por Meldolesi, intitulada Kautsky – L’imperialismo, Roma: Laterza, 1980. 20 K. Kautsky, Dois escritos (op. cit., p.466) e Estado Nacional (op.cit., pp. 153-4). 21 Em polêmica com Bauer e Hilferding, Schumpeter em Imperialismo e Classes Sociais (1961), sustentando um ponto de vista muito semelhante ao de Kautsky, de fato sustentará que o imperialismo é causado pela sobrevivência de um complexo de fatores pré-capitalistas que fazem guiar a autocracia e ainda o poder. 22 Ibid, pp.76.
46
Bukharin não nega que a tendência ultra-imperialista possa ser configurada como uma
hipótese. “Consideramos a substância do problema. Na sua formulação econômica, deve-se
pôr deste modo: como é possível o acordo (ou a fusão) dos trustes capitalistas de Estado?”
(Ele entende com este termo as grandes combinações capitalistas que, a seu ver, dominam
enfim a vida dos diversos Estados).
De fato – continua Bukharin – o imperialismo não é outro senão a manifestação da concorrência entre os trustes capitalistas de Estado. Desaparecendo esta concorrência, desaparece conseqüentemente o fundamento para a política imperialista, e ocorre um processo de transformação do capital racionado em grupos ‘nacionais’ em uma única organização mundial, um truste mundial geral ao qual se contrapõe o proletariado mundial (BUKHARIN, op.cit, p.282).
Está é, evidentemente, a tendência a qual Kautsky se refere quando sustenta que “o
crescente entrelaçamento internacional entre as várias facetas do capital financeiro” mesmo
aos demais fatores o induziu a refletir sobre a possibilidade de uma política ultraimperialista.
De acordo com Bukharin, abstratamente, o truste é plenamente concebível, pois, em
linha geral, não existe um limite econômico para o processo de cartelização. Contudo,
segundo o autor, esta abstrata possibilidade econômica não significa de fato sua efetiva
probabilidade. O próprio Hilferding afirma que do ponto de vista econômico seria possível
um cartel econômico para regular a produção e eliminar a crise, apesar de irrealizável do
ponto de vista social e político, porque a contraposição dos interesses levada ao limite
extremo causaria o colapso (ibid, pp.281 e 282).
Embora Bukharin considere tal formulação de Hilferding “perfeitamente razoável”, a
solução que propõe é diferente.
Em realidade, de um único cepo “ortodoxo” partem três soluções distintas: a de
Hilferding sustenta que a tendência econômica ao cartel geral não poderá materializar-se
porque o agravamento das contradições de classe produzido pela cartelização provocará a
inversão do sistema; a de Kautsky ao contrário, como vimos, considera possível o
47
ultraimperialismo: enquanto sua realização concreta depende entre outras coisas da política
(social-democrata).
Por fim, a solução de Bukharin, segundo o qual, na realidade, os motivos políticos e
sociais não permitiriam nem a formação de um tal truste onipresente. Este truste requereria,
como regra geral, uma condição de paridade entre os países adversários seja no plano da
eficiência produtiva seja no plano econômico, estrutural, de modo tal que nenhum deles tenha
a esperança de combater os demais com a força. Para Bukharin, o segundo aspecto é
particularmente deficiente: basta “confrontar a estrutura econômica da França e da Alemanha,
da Inglaterra e da América, enfim dos países desenvolvidos com os países como a
Rússia...para entender o quanto estamos longe da organização capitalista mundial” (ibid,
p.283 e 285).
Por outro lado, conforme Bukharin, se é verdade que o processo de
internacionalização dos interesses capitalistas age como um estímulo potente à formação de
um truste capitalista internacional, é verdade também que a isso se contrapõe uma outra
tendência ainda mais forte, a tendência à nacionalização do capital e ao fechar-se aos confins
nacionais, como fortaleza, como ponto de partida para combater e subjugar o adversário.
Segundo Bukharin, o desenvolvimento capitalista atravessou três fases, cada uma das
quais é caracterizada por um nível diferente do processo de concentração-centralização do
capital. A primeira, que prevalece até o último quarto do século XIX, é denominada de
empresa individual em condições de concorrência.
A esta fase segue aquela dos trustes e dos cartéis. À medida que se desenvolviam as
grandes e gigantescas empresas, sempre mais diminuía o caráter extensivo da concorrência: o
número dos concorrentes diminuía, mas em medida enorme aumentava a intensidade da
concorrência. “A concorrência de uma miríade de empresas individuais [a luta concorrencial]
48
se transformou em concorrência absolutamente cruel de alguns grandes grupos capitalistas
que fazem uma política complexa e, em medida notável, calculada” (idem, p. 254).
Seguindo o argumento de Bukharin, o desenvolvimento não se limita a isto, pois em
cada país capitalista, por vias diversas, os setores produtivos particulares se coligam em um
único coletivo. A economia nacional transforma-se em um gigantesco truste combinado, cujos
acionistas são os grupos financeiros e os Estados. A concorrência passa ao estágio mais alto,
ao último dos estágios de desenvolvimento concebível: a concorrência dos trustes capitalistas
de Estado sobre o mercado mundial; mas não se transforma no seu oposto, ou seja, no cartel
mundial e no ultraimperialismo. Para Bukharin, a concorrência se reduz ao mínimo no
âmbito da economia “nacional” apenas por desencadear-se sobre escala grandiosa em campo
internacional.
A conseqüência natural é a guerra mundial; a partir daqui podemos buscar entender as
tendências futuras. Depois do conflito, o processo concreto do desenvolvimento econômico
ocorrerá através de uma luta mais aguda dos trustes capitalistas de Estado. A luta dos
pequenos trustes capitalistas de Estado será substituída pela luta de trustes ainda mais
gigantes. “O capitalismo mundial mover-se-á na direção do truste capitalista de Estado
universal”; porém, às custas de uma “luta violentíssima”, engolindo os concorrentes mais
débeis: “uma série de guerras é inevitável” (ibid, pp.287-8).
Pode-se concluir então que a época do ‘ultra-imperialismo’ seja ainda uma possibilidade real...? [Que] passo a passo os trustes capitalistas de Estado se devorem uns aos outros até que reste no comando apenas a potência vitoriosa que derrotou a todas as outras?... Na realidade uma série de guerras que se desenvolve sem solução de continuidade sobre escala sempre mais grandiosa deverá inevitavelmente provocar um deslocamento das forças sociais. A inversão do sistema social deverá então vir como conseqüência de uma série de guerras produzidas pela luta de grandes potências trustificadas. (ibid, p. 292).
Podemos considerar esse texto de Bukharin como uma tentativa de atualização e de
radicalização do Capital Financeiro de Hilferding. Em certo sentido, este tinha discurso sobre
o imperialismo como de um problema secundário em relação à sua análise principal do
49
dinheiro e do crédito, da mobilização de capital, do capital financeiro e da crise. O capital
monopolista, com o mercado interno em grande parte sob controle através de medidas
protecionistas, é impulsionado a uma política expansionista – por exportação de capitais e de
mercadorias, por aprovisionamento de matérias-primas – à busca de lucros mais elevados.
Deste modo – explica Hilferding brevemente – as potências capitalistas entravam em
concorrência para conquistar os mercados coloniais, como no passado, cada empresa
particular se fez concorrente para controlar o mercado interno: daqui nasceram a corrida aos
armamentos e o período de guerra.
Percebemos que o centro da elaboração de Bukharin se apóia justamente sobre este
último ponto. Ele liga mais estreitamente o processo de centralização do capital com o
imperialismo: sustenta que este processo alcançou um novo estágio – aquele do “truste
nacional” - e que, por conseguinte, a luta entre as potências provoca a guerra.
De fato segundo Bukharin, nos anos que precedem o conflito mundial, a tendência à
monopolização da economia deu passos gigantes. Dessa forma, a economia “nacional”
transformou-se em uma “empresa combinada” com um vínculo organizativo entre todos os
setores da produção. Trata-se em prática de um “truste nacional” que nasce da fusão de
interesses industriais e bancários com o poder estatal, a ponto de tender à construção de um
novo sistema de capitalismo de Estado.
Mas a formação destes trustes nacionais intensifica a luta na arena mundial. Para
Bukharin, o imperialismo é apenas a expressão da concorrência entre os trustes capitalistas de
Estado, ou seja, entre “gigantes corpos econômicos compactos e organizados, cujas
capacidades de luta na competição mundial das nações são imensas. Aqui a concorrência
celebra a sua máxima manifestação” (BUKHARIN, op.cit., p.255).
50
Entretanto, a guerra, ou melhor, as guerras, provocam a revolução. Bukharin
estabelece primeiramente esta relação entre capital monopolista, imperialismo, guerra e
revolução que, de forma distinta, possuirá um lugar relevante na teorização de Lênin.
1.4 – Vladimir Lênin 1. 4.1 - O ensaio sobre o imperialismo Em 1915, Lênin escreve um prefácio favorável a Economia Mundial, no qual afirma
entre outros pontos:
O significado científico da obra de N. I. Bukharin especialmente no fato de ele examinar os fatos fundamentais da economia mundial, referindo-se ao imperialismo na sua totalidade, considerado como um estágio definido da ascensão do capitalismo mais desenvolvido.23
Este era um aspecto das questões que Lênin considerava particularmente importante.
Mas para explicar as características fundamentais do “novo estágio”, Lênin já estava
trabalhando, por linhas em parte bem diferentes, no Imperialismo, fase superior do
capitalismo, o “ensaio popular” escrito entre janeiro e julho de 1916, cujos cadernos
preparatórios foram redigidos a partir da segunda metade de 1915.
Trata-se, na realidade, de um texto de difícil leitura, sucinto e complexo, seja pelo
modo e as condições concretas em que escreveu, seja pelos problemas teóricos que
assolavam. Portanto, temos em Lênin um objetivo análogo àquele que este encontrou nos
textos de Bukharin. Mas a base aqui são os dados estatísticos e a literatura econômica
corrente.
Lênin escreve que pretende “expor da forma mais popular possível, os laços e as
relações recíprocas existentes entre as particularidades econômicas fundamentais do
imperialismo” (LENIN, 1986, p.586).
23 LENIN, Prefácio a N.I. Bukharin, A Economia Mundial, op. cit. p.86.
51
Existe porém um ponto principal do raciocínio que é necessário iluminar antes de
tudo: era natural que Lenin reagisse à nova teorização de Kautsky, o qual havia se
transformado na grande voz de uma revisão da teoria de uma determinada leitura de Marx,
fazendo apelo antes de tudo e em particular ao texto de Hilferding. Este representava a obra
de análise econômica mais significativa a esta época. Assim, o ponto de partida do
Imperialismo é aquele típico da tradição do Programa de Erfurt: a concentração de capital e
da produção, a formação de monopólio como efeito do desenvolvimento capitalista. Fase
particular do capitalismo a nossa época; Crescimento da grande produção; Monopólio;
Cartéis e Trustes, Crises: são os títulos dos parágrafos de Plano de Livro (LENIN, 2002,
pp.199-200).
O primeiro capítulo se inicia, portanto, com uma análise empírica da concentração da
produção na Alemanha, nos Estados Unidos e Inglaterra, que foca na seguinte observação:
(...)Há meio século, quando Marx escreveu “O Capital”, a livre concorrência era, para a maior parte dos economistas, uma “lei natural”. A ciência oficial procurou aniquilar, por meio da conspiração do silêncio, a obra de Marx, que tinha demonstrado, com uma análise teórica e histórica do capitalismo, que a livre concorrência gera a concentração da produção, e que a referida concentração, num certo grau do seu desenvolvimento, conduz ao monopólio (LENIN, 1986, p. 52).
Sobre tal aspecto, aparece uma das críticas, do ponto de vista analítico, ao texto de
Lênin, apontando sua imprecisão. De acordo com esta, Marx teria demonstrado na realidade
que a acumulação capitalista em condições concorrenciais desenvolve um processo de
concentração e centralização de capital – e portanto da produção – que enfim leva ao
monopólio.
Segundo Lênin, o monopólio se apresentava como uma realidade, dado que os fatos
provavam que a diferença entre os países capitalistas, como por exemplo em relação ao
protecionismo e à liberdade de trocas, determina diferenças não essenciais na forma do
monopólio, ou o momento em que aparece, mas o surgimento do monopólio por efeito do
52
processo de concentração é, em linhas gerais, lei universal e fundamentalmente do atual
estágio do desenvolvimento capitalista.
Emerge aqui outro foco de ataque ao argumento de Lênin, referindo-se à tendência à
esquematização presente na teoria leninista do imperialismo. Esta é tratada como reducionista,
pois segundo a crítica acima, exposta por Monteverde (1984), reduz-se à análise de poucas
proposições essenciais, fáceis de se ter em mente. Ou seja, diferenças relevantes na realidade
econômica das grandes potências são levadas em consideração apenas para serem
apresentadas como “não essenciais”: isto ocorre também para a diversidade entre os processos
de concentração alemão, americano e inglês; mais adiante, a questão se reapresenta pela
diferença relativa ao sistema financeiro.
A abordagem de Lênin aponta em primeiro lugar para a idéia de que o surgimento dos
monopólios é uma lei do capitalismo contemporâneo. Após citar algumas teses sustentadas
por Volgelstein em “um recentíssimo compêndio da história dos monopólios”, Lênin sintetiza
os resultados:
(...) 1)Décadas de 1860-1870, o grau superior, culminante, de desenvolvimento da livre concorrência. Os monopólios não constituem mais do que germes quase imperceptíveis. 2) Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento dos cartéis, os quais constituem ainda apenas uma exceção, não são ainda sólidos, representando ainda um fenômeno passageiro. 3) Ascenso de fins do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis passam a ser uma das bases de toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em imperialismo (ibid, p.591).
No texto seguem alguns dados estatísticos de cartéis e trustes da Alemanha e dos
Estados Unidos; alguns exemplos (o sindicato carbonífero renano westfaliano, a Standard Oil
Company, o truste americano do aço); um rápido aceno a algumas características distintivas
do capital monopolista: a política dos preços; o desenvolvimento das inovações técnicas; a
“conquista” de matérias-primas, da mão-de-obra qualificada e de meios de comunicação; a
“subjugação” dos concorrentes; a especulação financeira; a “relação de padronização” entre as
empresas cartelizadas e aquelas destas dependentes; agravamento das crises.
53
Neste sentido, podemos verificar a importância que Lênin atribui à concentração da
produção, e mais precisamente o monopólio, em sua análise sobre a fase mais recente de
desenvolvimento do capitalismo. Trata-se do fio condutor de toda sua teoria sobre o
imperialismo exposta neste ensaio. Entretanto, seria insuficiente discutir o significado dos
monopólios naquele momento, segundo o autor, sem tomar em consideração o papel dos
bancos.
1.4.2 - As novas funções dos bancos Como se pode observar, na página que abre o livro, Lênin menciona o Capital
Financeiro de Hilferding e em Imperialismo de Hobson, os dois textos em direção aos quais
tem uma dívida intelectual maior: a seu juízo “No fundo, o que se disse acerca do
imperialismo durante estes últimos anos – sobretudo no imenso número de artigos publicados
em jornais - nunca saiu do círculo das idéias expostas, ou, melhor dizendo, resumidas, nos
dois trabalhos mencionados” (LENIN, idem, p.586) É a partir deste ponto de referência que
Lênin pretende partir para estabelecer as conexões existentes entre as características
econômicas fundamentais do imperialismo.
A primeira destas características – acabamos de ver – é a concentração da produção e
os monopólios, a característica mais “fundamental” a partir do momento em que, como Lênin
explicará em seguida, o imperialismo, segundo “a definição mais concisa possível” “é o
estágio monopolista do capitalismo”: o principal ponto de referência – conforme percebemos
neste texto e do Plano do Livro - é O Capital Financeiro de Hilferding, e em particular a sua
terceira parte , “O capital financeiro e as limitações da livre concorrência” (capítulos XI e
XII).
Por outro lado, esta ascendência “hilferdinghiana” prevalecente cresce ainda mais no
segundo e no terceiro capítulos. “Os monopólios são a última palavra da recentíssima fase do
desenvolvimento do capitalismo” – escreve Lênin aludindo ao subtítulo do livro de
54
Hilferding. Contudo segundo ele, a representação da força real e da importância dos modernos
monopólios estaria assim incompleta, insuficiente e inferior à realidade, se não se tem em
conta a função dos bancos.
Naturalmente não se trata das funções tradicionais de intermediação, mas da nova
função do banco na produção. Trata-se do centro da elaboração de Hilferding que, como
percebemos, estudou o desenvolvimento do mercado financeiro, e, internamente a prevalência
dos bancos mistos do tipo alemão com o enfraquecimento da bolsa. Estes bancos, que passam
do crédito comercial ao crédito industrial, tornam-se a chave da economia do país.
O estudo de Hilferding baseou-se na experiência alemã e austríaca. De acordo com
alguns críticos (Monteverde, 1984), seria necessário levar em consideração, devido à
diferença, também as características peculiares da concentração produtiva e das instituições
financeiras dos outros países e em particular dos Estados Unidos e da Inglaterra24.
A tese de fundo foi exposta no início do segundo capítulo da mesma obra de Lênin:
À medida que vão aumentando as operações bancárias e se concentram num número reduzido de estabelecimentos, os bancos convertem-se, de modestos intermediários que eram antes, em monopolistas onipotentes, que dispõem de quase todo o capital dinheiro do conjunto dos capitalistas e pequenos patrões, bem como da maior parte dos meios de produção e das fontes de matérias-primas de um ou de muitos países. Esta transformação...constitui um dos processos fundamentais da transformação do capitalismo em imperialismo capitalista.(ibid, p.597).
Esta corresponde, portanto, à segunda característica essencial do sistema, seguida
daquela dos monopólios. O acento é posto sobre o poder gigantesco dos quais goza o pequeno
grupo dos bancos dominantes. Mas qual é o processo que o gera?
Lênin toma como referência muitos elementos do processo teorizado por Hilferding.
Em primeiro lugar, segundo este, o crédito comercial se transforma em crédito de capital, o
qual assume sempre mais importância porque, a partir de um certo grau de desenvolvimento,
os capitalistas são constrangidos a recorrerem por efeito da concorrência; em segundo lugar,
24 Ou seja, a análise de Hilferding, de acordo com a crítica direcionada a Lênin é tomada como tendência geral em relação aos quais as diferenças que se encontram em outros lugares são ignoradas ou até mesmo negadas.
55
os bancos têm interesse em investir seu dinheiro em uma multiplicidade de empresas para
distribuir seu risco: à medida que este processo se desenvolve e que o capital bancário investe
sempre mais em capital fixo, modifica-se enfim “a posição dos bancos no confronto com a
indústria”25.
Esta é a conjuntura que vê o nascimento da teoria do imperialismo no sentido próprio,
por mérito de Hobson, mas também, por exemplo, de Max Beer, o correspondente londrino da
Neue Zeit que identificou pela primeira vez algumas importantes “características econômicas”
da fase imperialista. E tais elementos são indispensáveis para entender a discussão clássica
sobre o imperialismo que se abre com a publicação do Capital Financeiro de Hilferding
(1910) e se conclui com Imperialismo, fase superior (1917), este último apresentando um
percurso teórico mais desenvolvido.
Não se trata da pesquisa de uma “contradição insuperável” do interior do
desenvolvimento capitalista, como o é para a Acumulação de Capital de Rosa Luxemburgo e
nem ao menos de uma “radicalização” das teses de Hilferding sobre “a mais recente fase do
desenvolvimento capitalista”, como parece em A Economia Mundial e o Imperialismo de
Bukharin.
Lênin, a fim de explicar a consolidação do oportunismo, desenvolve o aspecto
internacional da análise e o tema do parasitismo, valendo-se dos textos de Hobson e Schulze-
Gaevernitz. Para sustentar, ao contrário, a tese da atualidade de sua perspectiva política, Lênin
se baseia na análise de Hilferding sobre a concentração industrial e bancária; desenvolve a
velha idéia kautskiana do monopólio como impedimento ao crescimento da produtividade e o
transforma em agente de putrefação das relações de produção; e traz de tudo isso a tese do
capitalismo moribundo.
25 As teses de Lênin se combinam com as observações e informações reunidas por outros autores como Stillich, Schulze-Gaevernitz, Riesser, Lansburg, Jeidels. Sobre as causas e a contemporaneidade deste domínio discutiremos mais à frente.
56
Elencados os temas que desenvolverá sucessivamente e praticamente comentando as
sínteses do pensamento recentemente alcançado, Lênin, nos Cadernos, prossegue: “defeitos
de Hilferding: 1) Erro teórico referente ao dinheiro; 2) Ignora (quase) a partilha do mundo; 3)
Ignora a relação entre capital financeiro e parasitismo; 4) Ignora a relação entre imperialismo
e oportunismo” (LENIN, 2002, vol.39, p.171). O Capital Financeiro, parece considerar
Lênin, fala, na verdade, da exportação de capital e da existência das colônias, mas não
desenvolve suficientemente as conseqüências: não desenvolve bastante a tendência à partilha
do mundo no seu aspecto econômico (indicado pelo “Trustes internacionais”) e no seu aspecto
político (“Colônia”), não desenvolve a análise da situação mundial na sua totalidade.
O erro de Hilferding, a juízo de Lênin, não reside portanto no tratamento do capital
financeiro enquanto tal, mas na análise dos resultados que isso produz. O livro de Hilferding
mostra “uma certa tendência a conciliar o marxismo com o oportunismo” (idem, 1986, p.586),
ignorando em parte que a partilha do mundo é causada pela afirmação do capitalismo. A
solução é desenvolver a fundo a análise desta necessária conseqüência; o Imperialismo de
Hobson foi utilizado a propósito, à medida que “faz uma ótima e circunstancial exposição”
(idem ibid) das características do imperialismo.
1.4.3 – Concentração e centralização do Capital Adotando o método d’O Capital, Lênin extrai as leis que são enunciadas e as analisa
em sua tendência de desenvolvimento, confrontando-as com a realidade concreta. As leis de
desenvolvimento do capitalismo descobertas por Marx são a concentração e a criação do
mercado mundial, isto é a internacionalização do capital. Em outros termos: a concentração de
capital em nível mundial.
A análise de Lênin sobre a fase imperialista do capitalismo corresponde a uma análise
da concentração do capital em nível mundial, ou seja, análise da tendência de
57
desenvolvimento à concentração operante em uma fase na qual o grau alcançado de
concentração a determinou como imperialista.
Não por acaso, o primeiro capítulo de O imperialismo de Lênin é dedicado à
“Concentração da produção e os monopólios”; os outros capítulos são apenas análises sobre
conseqüências mundiais derivadas da ação da lei da concentração. Neste, Lênin analisa que
grau alcançou a concentração no último decênio do século XIX e no primeiro do século XX,
isto é, no período que seguiu a publicação d’O Capital. Segundo o autor, um dos traços mais
característicos do capitalismo constituiu-se de um imenso incremento da indústria e de um
rápido processo de concentração da produção nas empresas, sempre mais amplo. Assim,
Lênin ratifica a primeira das três características fundamentais indicadas por Marx, e
colocando-a como a primeira das cinco marcas principais do imperialismo (cap. VII), indica o
grau de desenvolvimento alcançado: “A concentração da produção e do capital levada a um
grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um
papel decisivo na vida econômica...”(LÊNIN, 1986, p.641). Historicamente, a concentração, a
partir de um certo ponto de sua evolução, leva por assim dizer automaticamente ao limite do
monopólio. Isso não significa dizer que todo o processo de concentração transformou-se em
monopólio; permanece como processo no qual o desenvolvimento desigual da concentração
nos dois setores da produção, nos vários ramos industriais e nas várias empresas determina o
monopólio em alguns destes e em alguns ramos industriais.
Ao mesmo tempo, os monopólios, que derivam da livre concorrência, não a eliminam, mas existem acima e ao lado dela, engendrando assim contradições, fricções e conflitos particularmente agudos e intensos. (ibid, p. 641)
Em outras palavras, o processo de concentração, que possui graus desiguais de
desenvolvimento nos setores, nos ramos da indústria e nas empresas cria o monopólio e
exaspera a concorrência. O processo, que por sua natureza é internacional, projeta em nivel
mundial as suas ásperas contradições, os monopólios e a concorrência exasperada.
58
“A possibilidade de exportação de capitais é assegurada pelo fato de uma série de
países atrasados já terem sido atraídos na órbita do capitalismo mundial” (idem, p.622),
afirma o autor, coligando dessa forma internacionalização do capital e graus desiguais de
concentração, ou seja, graus desiguais de desenvolvimento capitalista, pelos quais o excedente
de capitais das empresas monopolistas de alguns países corresponde a um fenômeno conexo
ao desenvolvimento do capitalismo em todos os países, daqueles exportadores de capital
àqueles atrasados.
Marx já havia esclarecido que a concentração de capital acelera o desenvolvimento do
capitalismo e acelera conseqüentemente o amadurecimento das suas contradições e suas
crises. Lênin vê a ação desta lei em nível mundial na fase imperialista26.
Toda a história do desenvolvimento capitalista demonstra sua profunda desigualdade
justamente no fato de não existirem países estavelmente avançados e países estavelmente
atrasados.
As teses apresentadas por este autor sobre a exportação imperialista de capitais como
fator acelerador do desenvolvimento dos países atrasados baseia-se sobretudo no processo de
concentração em nível mundial. Ele afirma que o desenvolvimento capitalista apresenta uma
dimensão mundial e a exportação de capitais acelera este desenvolvimento, o qual por
natureza, é desigual. Portanto, não é o problema do desenvolvimento desigual que deve ser
posto em discussão; a análise deve concentrar-se sobre a forma que este assume.
26Aqui fica evidente a natureza equivocada das teorias sub-desenvolvimentistas, como em Baran-Sweezy, as quais afirmam que a exportação de capitais dos países imperialistas freiam ou até bloqueiam o desenvolvimento dos países atrasados. A prova que apresentam como demonstração é o dessenvolvimento desigual entre países imperialistas e atrasados. Contudo, tal prova não pode contestar minimamente a tese exposta anteriormente pois: 1) a exportação imperialista de capital é justamente a demonstração do desenvolvimento desigual do capitalismo;2) tais exportações acelerando o desenvolvimento capitalista dos países atrasados, incrementam o desenvolvimento desigual capitalista em escala mundial, ou seja, levam o desenvolvimento desigual a novos setores, novos ramos , novas empresas; 3) o problema não se refere, por isso, unicamente à relação entre dois países ou entre dois grupos de países, mas a todas as relações entre todos os setores, todos os ramos da indústria, todas as empresas do capitalismo mundial, seja na sua zona avançada, seja naquela atrasada; 4) se um país precedentemente atrasado tivesse um ritmo de desenvolvimento mais acelerado que aquele obtido, isso influiria na determinação de uma nova situação de desenvolvimento desigual e uma nova gradação dos países avançados e atrasados.
59
Sobre este ponto, a análise apresentada por Lênin inverte todas as teses de sub-
desenvolvimentismo: a exportação de capital pode determinar uma estagnação nos países
imperialistas. Contudo vale ressaltar que a concentração de capital nesta fase acelera o
desenvolvimento capitalista em todo o mundo.
O capital não é e nem pode ser nacional, em seu conteúdo. Isto é evidente, ao
examinarmos o modo com o qual os grandes bancos procuram os financiamentos aos grupos
imperialistas. Estes operam sobre todos os principais mercados financeiros, recolhendo
dinheiro e empregando-o independentemente da nacionalização de quem lhe dispõe e de
quem o recebe.
O desenvolvimento do mercado mundial pós-guerra determinou o acréscimo de
dimensão e extensão internacional dos grandes bancos, em sentido absoluto, que
multiplicaram as filiais no exterior, a participação em bancos estrangeiros e os acordos
internacionais.
A crescente necessidade de financiamento das grandes indústrias, que tiveram que
sustentar a concorrência internacional e reestruturar as próprias instalações, pôs (e põe) aos
bancos sempre maiores problemas de recolhimento de fundos. Um exemplo da
internacionalização crescente do recolhimento de capitais por parte dos bancos pode ser dado
pela enorme amplitude alcançada pelo mercado de eurodólares a partir de 1973.
A crescente internacionalização de capitais, aumentando a dependência dos bancos e
das empresas pela moeda cujo curso não é possível controlar, aumenta a instabilidade do
capitalismo, pondo as bases para crises econômicas sempre mais extensas.
O teórico citado anteriormente, Lênin, sustenta que um fenômeno típico do
imperialismo é a crescente fusão entre bancos e indústrias, com a conseqüente formação do
capital financeiro.
60
Por anos, as ideologias do imperialismo buscaram demonstrar que o capitalismo
moderno (o neo-capitalismo) não possuía mais as características identificadas e estudadas por
este teórico; que podia desenvolver-se sem crises e sem guerras; que não era adequado utilizar
o conceito de capital financeiro. Sustentavam na ocasião que as indústrias tinham capacidade
de autofinanciamento, enquanto os técnicos opositores do monopólio prefiguravam um
capitalismo sem cartéis e sem trust. Na realidade, o desenvolvimento seguinte do capitalismo
pôde confirmar aquelas teses.
A extensão do mercado mundial provoca um desenvolvimento crescente da grande
indústria, que tem necessidade de investimentos colossais (necessidades de capital de longo
prazo) para sustentar a concorrência internacional.
1.4.4 - Desenvolvimento desigual e imperialismo
“O desenvolvimento desigual– escreve Lênin no início do capítulo IV –, por saltos,
das diferentes empresas e ramos da indústria e dos diferentes países é inevitável sob o
capitalismo”(LENIN, 1986, p.621). Trata-se de uma afirmação de caráter geral que logo
encontra aplicação: Lênin desenvolve de fato o tema da transformação do aspecto hierárquico
do sistema mundial que já encontramos em discussão por Marx e Engels sobre o movimento
operário.
Lênin analisa o caso da Inglaterra que se torna o primeiro país capitalista; e em torno
de metade do século XIX, assim que introduz o livre comércio, pretende exercitar a função de
“ofício de todo o mundo”, que em troca devia fornecer matéria-prima. Estamos nos referindo
à época clássica da livre concorrência.
Mas este monopólio...enfraqueceu já no último quartel do século XIX, pois alguns outros países, defendendo-se por meio de direitos alfandegários “protecionistas”, tinham-se transformado em Estados capitalistas independentes. No limiar do século XX assistimos à formação de monopólios de outro gênero: primeiro, uniões monopolistas de capitalistas em todos os países de capitalismo desenvolvido; em segundo, situação monopolista de uns poucos países riquíssimos, nos quais a acumulação do capital tinha alcançado proporções gigantescas (idem ibid).
61
Como se vê, Lênin esboça aqui a análise de duas transformações do sistema,
examinado como ele sublinha “em sua totalidade”.27 Uma – que no tema em exame é
prevalecente, mas que depois no texto assume uma colocação subordinada – em relação ao
desenvolvimento desigual e a seus efeitos sobre o aspecto do sistema mundial: a afirmação do
predomínio inglês, seu declínio, sua substituição por um novo domínio por parte de um grupo
de países. A outra é a transformação da concorrência em monopólio do qual toma o
argumento da “tendência histórica do capital financeiro”.
No capítulo “A partilha do mundo entre as associações capitalistas”, Lênin alude
como já vimos, ao processo de concentração internacional através de uma projeção sobre
escala planetária da “tendência histórica” teorizada por Hilferding. Depois de ter mencionado
o crescimento dos acordos internacionais e cartéis entre as grandes empresas monopolistas,
Lênin comenta: “É um novo grau da concentração mundial do capital e da produção, um grau
incomparavelmente mais elevado que os anteriores. Vejamos como surge este
supermonopólio”. (ibid, p.625)
Segue no texto o exemplo da indústria elétrica que parece particularmente adequada ao
objetivo, a partir do momento em que “é a mais típica, do ponto de vista, dos últimos
progressos da técnica, para o capitalismo de fins do século XIX e princípios do século XX”
(idem ibid); esta, além disso, “adquiriu maior impulso nos dois mais avançados, os Estados
Unidos e a Alemanha” (ibid, pp.625-6): é o não mais ultra para antecipar uma tendência
geral. O processo de concentração foi liderado por duas “potências” da eletricidade: a AEG
alemã e a GCE americana. Não há na terra outra potência da eletricidade, completamente
independente destas duas. Sobre este ponto, Lênin considera que a divisão do mundo entre
dois potentes trustes não exclui a possibilidade de uma nova partilha, que não apenas haja
27 Como “quadro geral da economia capitalista mundial”, esta indicação da necessidade de uma análise geral que abrace a situação mundial inteira em todos os seus aspectos principais está presente também nos Cadernos e, como veremos, está na base da crítica de Lênin à tese kautskiana do ultraimperialismo.
62
mudanças na relação de forças em conseqüência da desigualdade de desenvolvimento por
efeito das guerras, de crack, entre outros.
Enquanto no item anterior a questão do desenvolvimento desigual é examinada
juntamente com a concentração, aqui veremos que esta interfere no mesmo processo de
concentração, colocando em dúvida um resultado que parecia de algum modo excluído.
Este é o primeiro passo no qual se adverte que a concepção do processo de
concentração de Lênin é – em parte – diferente da tradicional. O fato curioso é o que ocorre
no capítulo V, depois que Lênin já examinou a questão da concentração sobre o plano interno.
Podemos deduzir, portanto que, discutindo em nível mundial, o elemento concreto da luta
entre os grupos monopolistas e entre as grandes potências advindo da prática dos anos de
guerra intervém no sentido de mudar o mapa em questão.
O capítulo V do Imperialismo contém também uma primeira polêmica contra Kautsky.
Segundo o autor, alguns escritores burgueses sustentam que os cartéis internacionais, pelo
fato de serem a manifestação mais evidente da internacionalização do capital, podem dar
esperanças de paz entre os povos sob regime capitalista. Neste sentido, sua crítica repousa
sobre o fato de os cartéis internacionais mostrarem a que ponto se desenvolveram os
monopólios capitalistas e qual o motivo da luta entre eles. Esta última circunstância é
particularmente importante, já que se apresenta sob o verdadeiro sentido histórico-econômico
dos acontecimentos.
(...)pois a forma de luta pode mudar, e muda constantemente, de acordo com diversas causas, relativamente particulares e temporais, enquanto a essência da luta, o seu conteúdo de classe, não pode mudar enquanto subsistirem as classes...os interesses da burguesia alemã...ditem a conveniência de ocultar o conteúdo da luta econômica atual (pela partilha do mundo), de sublinhar ora uma ora outra forma dessa luta (idem, p.631).
Dessa forma, faz-se necessário abstrair a forma da luta que muda continuamente e
ater-se à substância, à essência, que não muda na sociedade capitalista.
63
Atualmente o conteúdo que se encontra atrás das formas mutáveis do conflito é a
partilha do mundo: se quiserem obter lucro, as grandes empresas não podem fazer outra coisa
a não ser buscar incessantemente uma nova partilha do mundo, sendo esta o conteúdo da luta
econômica.
A abordagem é interessante porque procura ir à raiz do processo, à urgência de
valorização, que é própria da natureza do capital, e se desenvolve na realidade segundo linhas
tradicionais, seguindo a via já mencionada por Bukharin: o desenvolvimento da concentração
exacerba a luta entre os capitalistas pela partilha do mundo; esta luta conduz à guerra.
Todavia, aqui também, intervém repetindo uma seqüência que se encontra mais uma vez no
texto, a tese do desenvolvimento desigual.
(...)e repartem-no “segundo o capital”, “segundo a força”; qualquer outro processo de partilha é impossível no sistema da produção mercantil e no capitalismo...e em nada pode fazer variar a concepção fundamental sobre a época atual (idem ibid).
Dessa forma, o processo não pode ser predeterminado em nível teórico nem referente
ao desenvolvimento desigual das diversas empresas, dos diversos ramos e países (com este
propósito – afirmou Lênin no início do capítulo IV – “a desigualdade e a descontinuidade”
“são inevitáveis”), nem em relação às conseqüências extra-econômicas (diplomáticas,
militares, etc), e nem mesmo em relação aos efeitos produzidos por esta alteração de
potências; efeitos que devem ser analisados diretamente para poder entender os
acontecimentos – e em particular, é claro, a guerra.
Assim, a análise deve abrir-se às diversas possibilidades do mundo real baseando-se
na idéia de fundo das relações de força e de sua transformação. Começa-se a intuir quão
profunda destruição lógica está implícita nestas questões apontadas que aqui vêm propostas
apenas como considerações.
Lênin utiliza dois critérios gerais para analisar o funcionamento das relações de força
entre países, a hierarquia e o desenvolvimento desigual. Ele define em primeiro lugar uma
64
estrutura hierárquica do sistema mundial fundada sobre relações de dependência seja
econômica seja política. Por exemplo, a Rússia faz parte dos três países de primeira classe
considerados secundários: endividada financeiramente com a França e a Alemanha, tem uma
forte presença do capital estrangeiro em suas indústrias e posteriormente participa parte com a
França de uma aliança política e militar dominada pela Inglaterra. A França, por outro lado,
depois do conflito com a Alemanha em 1871 não teve condições de retomar uma posição de
primeiro plano: à exportação de capitais e ao expansionismo colonial não correspondeu um
desenvolvimento produtivo adequado, de maneira que foi constrangida a uma aliança
(subordinada) com sua tradicional rival, a Grã-Bretanha. Enfim, o Japão é a nova potência
emergente no Oriente, que todavia, para derrotar a Rússia (em 1904-1905) e para desenvolver
sua política de penetração em toda área, move-se por dentro das relações de aliança com duas
potências mais fortes, a Inglaterra e o Estados Unidos, adeptos da política de “porta aberta”
nos confrontos com a China.
Com o mesmo critério da estrutura hierárquica, Lênin utiliza as teses de
desenvolvimento desigual, que por sua vez está na base das relações de dependência sobre a
qual se baseia a estrutura existente. A Alemanha e os Estados Unidos são agora dominantes,
devido ao extraordinário desenvolvimento econômico que tiveram; a Inglaterra está ainda no
vértice, não obstante um progresso muito mais lento; porém não é mais a única potência
dominante como foi até a metade do século XIX.
Além disso, o desenvolvimento desigual representa a chave da interpretação para as
transformações presentes e futuras: entre os seis países da primeira categoria, os EUA, a
Alemanha e o Japão desenvolveram-se muito mais rapidamente do que os demais, os
equilíbrios pré-existentes nas relações de força, e portanto, nas relações de dependência, se
alteraram. Desencadeia-se uma luta pela transformação do aspecto internacional; em nível
econômico, esta luta envolve as relações políticas, as relações entre os Estados.
65
Antes de chegar a estas características do movimento do sistema mundial, é necessário
seguir Lênin na conclusão da análise da estrutura hierárquica.
Existe, portanto, um grupo de potências dominantes. Ao término do terceiro capítulo
do Imperialismo, Lênin sustenta que quatro potências (as três principais mais a França)
possuem grande parte “do capital financeiro internacional”.
Claramente Lênin mostra a exigência de um estudo aprofundado sobre o sistema
hierárquico mundial (seja na fase imperialista, seja antes), ausente na literatura marxista.
Conforme vimos, ao conduzir esta tradição às últimas conseqüências, Lênin generaliza as
teses de Marx e de Engels em relação ao oportunismo na Inglaterra e afirma que a posição de
predomínio monopolista foi assumida por um grupo de países imperialistas.
Mas este resultado na realidade já foi posto em discussão na análise da estrutura
hierárquica e no desenvolvimento desigual que estamos examinando. Em primeiro lugar,
porque conforme podemos identificar em Lênin, esta estrutura é muito mais complexa e
articulada que a simples relação entre países capitalistas e colônias, típico de uma parte da
análise tradicional; em segundo lugar, porque a hierarquia internacional é o resultado do
desenvolvimento desigual entre todos os países que a compõem: um desenvolvimento que, ao
mesmo tempo, indica as tendências da sua transformação futura.
Lênin chega a este ponto: vê que existem diversas relações de dependência (também
muito complexas como aquelas entre a Inglaterra, Portugal e as colônias portuguesas),
entende que cada relação corresponde a uma determinada condição de predomínio, que se
modificará no tempo por efeito do desenvolvimento desigual. Contudo, quando
posteriormente teve que explicar a coexistência de países independentes e países coloniais na
submissão às grandes potências, acabou sustentando que os primeiros representam uma fase
transitória em relação aos segundos porque as colônias são mais cômodas e lucrativas para as
grandes potências.
66
1.4.5 - Lênin, os bancos e o monopólio
A fundamental e originária função dos bancos consiste em servir de intermediário nos
pagamentos; portanto os bancos transformam o capital-dinheiro inativo em capital ativo, isto
é, produtor de lucro, recolhendo todas as rendas em dinheiro e pondo-as à disposição dos
capitalistas.
Porém, enquanto os bancos se desenvolvem e se concentram em poucas instituições,
transformam-se de modestos mediadores em “onipotentes monopolistas”, que dispõem de
quase todo o capital líquido de todos os capitalistas e pequenos industriais, e assim também
da maior parte dos meios de produção e de fontes de matérias-primas de um dado país e de
toda uma série de países. Esta transformação de numerosos pequenos intermediários em um
punhado de monopolistas constitui um dos processos fundamentais da transformação do
capitalismo em imperialismo capitalista, e de acordo com Lênin, por isso devemos deter-nos
em primeiro lugar, na concentração bancária.
A última palavra no desenvolvimento do sistema bancário é sempre o monopólio.
Mas precisamente no nexo íntimo entre os bancos e a indústria aparece, de modo mais
evidente, a nova função dos bancos. Quando o banco desconta as letras de um determinado
industrial, abre-lhe uma conta corrente, etc., estas operações, consideradas isoladamente, não
diminuem em nada a independência do referido industrial, e o banco permanece nos limites de
uma modesta agência de mediação. Mas não se estas operações se tornam freqüentes e se
consolidam, não se o banco “acumula” enormes capitais, não se as contas correntes de um
determinado empresário permitem ao banco conhecer, sempre mais pormenorizadamente e de
modo completo, a situação econômica de seu cliente – e isto vai se verificando – então o
resultado é uma cada vez mais completa dependência do capitalista-industrial ao banco.
Ao mesmo tempo, segundo Lênin, desenvolve-se, por assim dizer, uma união pessoal
do banco com as maiores empresas industriais e comerciais, uma fusão mediante a posse de
67
ações ou a entrada de diretores de bancos nos conselhos de administração das empresas
industriais e comerciais e vice-versa. O autor trabalha com as estatísticas do economista
alemão Jeidels, o qual recolheu dados precisos sobre esta forma de concentração de capitais e
de empresas, e então descreve: os seis maiores bancos de Berlim estavam representados por
meio de seus diretores em 344 sociedades industriais, e por meio dos membros dos seus
conselhos de administração em outras 407, ou seja, num total de 751 sociedades. Em 289
sociedades os supracitados tinham dois membros do conselho de administração ou o posto de
presidente. Estas empresas desenvolvem sua atividade nos mais diversos ramos da produção:
companhias de seguro, meios de comunicação, restaurantes, teatros, indústrias artísticas, etc.
Por outro lado, nos conselhos de administração desses seis bancos havia (em 1910) 51
grandes industriais, entre os quais o diretor da Krupp, o da gigantesca companhia de
navegação Hapag (Hamburg-Amerika), etc. Cada um destes seis bancos, de 1895 a 1910,
participou da emissão de ações e obrigações de várias centenas de sociedades industriais (de
281 a 419) (LENIN, idem, pp.605-6).
Com estes dados, Lênin visa mostra como se dá a união pessoal dos bancos com a
indústria, característica da fase imperialista, fundamentando portanto sua apropriação do
conceito de capital financeiro de Hiferding, dado que é essa a história do aparecimento do
capital financeiro e daquilo que o conceito encerra: fusão ou junção dos bancos com a
indústria, resultando em grandes monopólios, concentração da produção.
É importante ressaltar que os monopólios resultam do processo econômico da
acumulação capitalista e, neste sentido, o monopólio não é simplesmente uma política: esta é
uma diferença fundamental entre a teoria de Lênin da de outros autores, como Hilferding (a
qual veremos mais adiante), Luxemburgo e Kautsky. Sendo assim, a formação das
associações monopolistas, característica no imperialismo – como os cartéis, os sindicatos, os
trusts e os consórcios –, constitui-se como diferentes formas e possibilidades de manifestação
68
dos monopólios28. Com o desenvolvimento do capitalismo na fase imperialista, aprofunda-se,
assim, o processo de concentração da produção dos monopólios.
1.4.6- A crítica a Kautsky Vejamos agora o capítulo VII, O imperialismo, estágio particular do capitalismo
onde Lênin “sintetiza” a análise dos capítulos precedentes nos famosos “cinco principais
traços” com o intuito de contrapor esta sua definição do imperialismo àquela do “principal
teórico marxista do período da chamada II Internacional”, Karl Kautsky (idem, p.642)
Se o que Lênin sustenta é o desejo de exprimir “com a máxima exatidão o pensamento
de Kautsky” não podemos ficar insatisfeitos: Lênin se limita de fato a recorrer à definição
contida no Imperialismo de Kautsky , segundo a qual
(...) imperialismo é um produto do capitalismo industrial, altamente desenvolvido [que] consiste na tendência de toda nação...industrial para submeter ou anexar regiões agrárias cada vez mais vastas, quaisquer que sejam as nações que as povoam 29.
A partir daí critica-a ponto a ponto, abstraindo seja do contexto em que está inserida, seja,
mais em geral, do complexo da teorização de Kautsky em matéria.
Kautsky sustenta que “o imperialismo é a tendência à anexação”(Kautsky apud Lênin,
1986, p. 643): não é suficiente – nega Lênin – “porque, politicamente, imperialismo significa,
em geral, tendência à violência e à reação”- algo que Kautsky até mesmonão teria negado.
Além disso – prossegue Lênin – esta definição vem coligada arbitrária e erroneamente apenas
à “questão nacional”, de máxima importância,“portanto com o capital industrial dos países
28 Monteverde (1984) apresenta uma definição precisa acerca das diferentes manifestações dos monopólios. Como mostra o autor, o cartel é uma associação baseada em um acordo sobre a distribuição de mercados, preços únicos, repartição de matéria-prima e contratação de trabalhadores, estabelecimentos de cotas sobre a venda e a produção, sobre uma unidade de cálculo de lucro e sobre a limitação da produção; o sindicato consiste numa aliança entre capitalistas que define um lugar comum onde comprar matérias-primas e vender seus produtos; o trust é uma união monopolista que converte os capitalistas independentes em sócios e o consórcio é um complexo de empresas sob o controle de um grupo financeiro. 29 Idem, p.643. A citação de Kautsky é tratada no Imperialismo op.cit., p.458.
69
que anexam outras nações”; na realidade “o que é característico do imperialismo não é
precisamente o capital industrial, mas o financeiro”30.
Enfim “da mesma forma arbitrária e errônea [esta tese põe em relevo], a anexação de
territórios agrários” (idem ibid), enquanto ao contrário “o que é característico do imperialismo
é precisamente a tendência para a anexação não só das regiões agrárias, mas também das mais
industriais”(uma objeção que a crítica ao texto de Lênin aponta quando este menciona a
expansão colonial causada pela consolidação dos monopólios) (LENIN, idem, pp.643)
Entretanto, sobretudo esta definição, a juízo de Lênin, não tem em conta a
característica saliente do imperialismo que reside no choque entre as potências. Em oposição
à definição de Kautsky, Lênin cita aqui um trecho de Hobson que diz:
O novo imperialismo distingue-se do velho, primeiro porque, em vez da aspiração de um só império crescente, segue a teoria e a prática de impérios rivais, cada um deles guiando-se por idênticos apetites de expansão política e de lucro comercial; segundo, porque os interesses financeiros, ou relativos ao investimento de capital, predominam sobre os interesses comerciais (idem ibid).
Da última objeção de Lênin podemos extrair um aspecto significativo; em particular
na afirmação de Hobson relativa à transformação da estrutura hierárquica do sistema de “um
só império em contínua expansão” à “luta entre impérios competidores”: uma percepção que,
se elaborada segundo as linhas de desenvolvimento desigual, poderia conduzir a uma
concepção efetivamente alternativa.
Não há portanto em Lênin uma reconstrução pontual do pensamento de Kautsky e nem
menos uma valorização a este respeito: a tese kautskiana do imperialismo como política
preferida do capital monopolista foi considerada uma expressão da ideologia reformista
pequeno-burguesa. Para os críticos de Lênin, seu texto propõe apenas uma contraposição
pouco frutífera entre a “definição” de Kautsky e sua definição ortodoxa: “O Imperialismo é o
capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e
30 Todas as citações se encontram em Lênin, 1986, p.643.
70
do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a
partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os
países capitalistas mais importantes” (LENIN, idem, p.642). Uma definição que, adverte
Lênin, deverá posteriormente ser desenvolvida por ter em conta “a relação que existe entre o
imperialismo e as duas tendências fundamentais do movimento operário” – é o tema do
parasitismo e do oportunismo – e “da posição histórica que este estágio do capitalismo
ocupa”: aquele do estágio superior, do capitalismo moribundo (idem ibid).
1.4.7 - Objeções ao ultra-imperialismo
O texto de Lênin se volta também à crítica da tese kautskiana do ultra-imperialismo. O
autor se reporta antes de tudo à tese de Kautsky de que, do ponto de vista puramente
econômico, no Imperialismo não se encontra excluída a idéia de que o capitalismo vive uma
nova fase, uma fase na qual a política dos cartéis se transfere para política externa, a “fase do
ultra-imperialismo”, ou seja, do superimperialismo, da união dos imperialismos de todo o
mundo e não da guerra entre estes, “da exploração em comum do mundo por parte do capital
financeiro internacional unificado”(LENIN, idem, p.647)31.
Da mesma forma, aqui Lênin também prefere reenviar ao capítulo IX o exame do
aspecto ideológico desta tese e limitar-se a expor dados econômicos precisos sobre a questão.
O autor se pergunta se é possível um ultra-imperialismo do ponto de vista estritamente
econômico, ou se isso não representaria uma “estupidez” dado que o capital financeiro e os
trustes não atenuam, apenas acentuam a diferença entre o ritmo de crescimento dos diferentes
elementos da economia mundial (LENIN, idem, p.134).
O tom áspero da polêmica não deve impedir de focar o verdadeiro significado. Lênin
distingue entre o aspecto teórico-abstrato e o aspecto econômico-político do problema. Se
30 Os trechos de Kautsky são todos extraídos de K. Kautsky, O Imperialismo (op.cit., p.463) e de Dois Artigos (op.cit., p.466).
71
com a expressão “puramente econômico” se entende uma “pura” abstração, então tudo que se
pode dizer se reduz à seguinte tese para Lênin: a evolução se move na direção dos
monopólios, e portanto, em direção a um único monopólio mundial, um único truste mundial.
Conseqüentemente para Lênin, bem como para Bukharin, esta hipótese é plenamente
concebível, sobre o plano teórico. Mas depois – justamente como Bukharin (e de uma forma
muito mais expressiva) – Lênin apressa-se a concluir que se trata de uma hipótese sem
respaldo concreto:“...mas ao mesmo tempo é uma perfeita vacuidade, como seria o dizer-se
que ‘o desenvolvimento vai’ no sentido, a ‘teoria’ do ultra-imperialismo é tão absurda como
seria a ‘teoria da ultra-agricultura’” (LENIN, idem, p.645).
Portanto, sustentar a tese do ultra-imperialismo significa trocar uma tendência de
longo período por sua concreta realização. Existe uma tendência à substituição da indústria
alimentar (aqui indicada através dos laboratórios) pela agricultura – como o próprio Kautsky
havia teorizado na Questão Agrária, um livro muito considerado por Lênin – mas o que não
significa o desaparecimento da agricultura (como Kautsky mesmo havia esclarecido naquela
ocasião). Analogamente, raciocina Lênin, o nascimento do monopólio e seu contínuo
desenvolvimento também sobre o plano internacional não significam que a concorrência (e
portanto a luta) tenha sido suprimida. Trata-se de uma chamada à realidade econômica e
política do tempo, para sair da pura abstração teórica.
Elementos interessantes podem ser extraídos também nos Cadernos. Tomamos, por
exemplo, o “ótimo artigo que explica as razões da potência da Inglaterra”, como a define
Lênin: A eliminação de Londres como instância de compensação do mundo de
A.Lansburgh32. A Inglaterra foi a potência dominante sobre o plano industrial, comercial e
financeiro. Não obstante seu relativo declínio, esta permanecia o centro principal do comércio
e da finança mundial; assim Lansburgh, raciocinando do ponto de vista alemão, põe-se o
32 LENIN, Cadernos (op.cit., p.51) e A.Lansburgh, A eliminação de Londres como câmera de compensação do mundo, in Die Bank, 1914, 2, pp.903 (extraídos deste artigo nos Cadernos, op.cit., pp.51-3).
72
problema de combater o predomínio inglês também nestes campos. Em outras palavras, a
Inglaterra financia o comércio de todo o mundo.
O sistema monetário internacional se baseia assim na esterlina:
(...) Cada país que passa à moeda áurea e que possui, como ocorre em quase toda parte, um grande portfólio de moedas inglesas como substituto do ouro submete não só a maior parte de seu volume de pagamentos internacionais à câmera de compensação de Londres, mas também favorece diretamente...a consolidação da potência monetária mundial inglesa (LENIN, idem, pp. 51-52)33
Mas enquanto a Inglaterra mantinha uma colocação central em relação ao comércio de
todo mundo, sua posição competitiva sobre o mercado internacional foi decaindo. Aqui entra
em cena a grande importância do sistema empresarial inglesa – e em particular da Índia – para
balancear sobre o plano comercial e financeiro esta deterioração.
Diferente era a posição dos Estados Unidos. A partir de um livro de Patouillet citado
em sua obra, Lênin faz uso da consideração feita por este autor de que o imperialismo, na
prática, significa conquistar as chaves do mundo, mas não as chaves militares, como nos
tempos do império romano, mas as grandes chaves econômicas e comerciais. Isto não
significa tendência à tomada do próprio território, mas à conquista e ocupação de grandes
pontos nodais através dos quais passa o comércio mundial; procurar conquistar não as grandes
colônias, mas colônias com uma posição vantajosa para envolver o globo terrestre em uma
rede de estações, de depósitos de carbono, e de navios. É uma concepção de imperialismo do
tipo americano.
A crítica do ultra-imperialismo foi retomada mais além no texto. A polêmica
impulsiona Lênin a dar um último passo adiante ao considerar a Índia, Indochina e China.
É notório para Lênin como estes três países, coloniais e semicoloniais são explorados
pelo capital financeiro da Inglaterra, da França, do Japão, dos Estados Unidos etc. Admitindo
33 Os trechos citados provêm de Lansburgh, A eliminação (op. cit., pp.909, 910 e 913). Para avaliar a importância destes aspectos, basta refletir sobre o fato de que apenas recentemente, pode-se dizer, foi reconhecido que o sistema monetário da época baseou-se na realidade na esterlina (conversível em ouro) e não sobre o ouro.
73
que estes Estados imperialistas se aliam para tutelar ou ampliar suas posses, seus lucros e suas
esferas de influência; admitindo que todas as potências imperialistas formam uma única liga
faria sentido a formulação do “capital financeiro internacionalmente unido”, conforme
sustenta Kautsky. Acordos de livre comércio, de política da “porta aberta” entre as potências
em relação à China. Faz-se necessário porém estabelecer o significado deste tipo de acordo:
“perguntamos, pressupondo a manutenção do capitalismo (e é precisamente esta condição que
Kautsky apresenta), que as referidas alianças não sejam efêmeras, que excluam as fricções, os
conflitos e a luta em todas as formas imagináveis?”(LENIN, idem, p.664)
A diferença, em relação à análise precedente, é que Lênin não só contrapôs a realidade
do sistema hierárquico mundial à hipótese kautskiana, mas se perguntou se o acordo entre as
potências, admitindo que a hipótese de Kautsky se realize, possa permanecer por longo
tempo. O aspecto hierárquico do sistema para Lênin, com países que possuem diversas
posições de domínio é o produto destas relações de força.
Sobre este ponto, intervém a tese do desenvolvimento desigual, segundo a qual as
relações de potências se modificam, pelos participantes da partilha, diferentemente, já que em
regime capitalista, o desenvolvimento não pode se dar uniformemente entre todas as diversas
empresas, trustes, ramos de indústria, países, etc.
Lênin contrapõe, portanto, ao ultraimperialismo de Kautsky um quadro internacional
em contínuo movimento. O desenvolvimento desigual se encontra ao fundo da luta que existe
entre os capitais e entre os países. A transformação nas relações de força provoca contínua
repartição de mercados e de esferas de influência. O choque se desenvolve entre capitais
nacionais e países contrapostos. Isto envolve cada aspecto, inclusive militar, e não só para o
reforço contra o rival, mas tende também a enfraquecer o adversário e a minar sua hegemonia
(para a Alemanha, a Bélgica há particular importância como ponto de apoio contra a
74
Inglaterra; para esta, por sua vez, Bagdá é importante como ponto de apoio contra a
Alemanha, etc).
Este processo é que pode conduzir à guerra. Para Lênin, diferentemente de Bukharin, a
guerra não é simplesmente a conseqüência do conflito entre as potências gerado pela luta dos
respectivos capitais nacionais: a causa da guerra é antes de tudo a drástica alteração de um
determinado equilíbrio da estrutura hierárquica do sistema produzida pelo desenvolvimento
desigual dos diversos capitais nacionais. A mudança nas relações de forças sobre o plano
econômico, político e militar é o elemento de fundo (e posteriormente a rapidez da
transformação frente à evolução dos equilíbrios pré-existentes, a falta de ajuste adequado, a
impossibilidade de encontrar outras saídas, etc).
A totalidade do capitalismo cresce sempre mais rapidamente. E o capital financeiro e
os trustes intensificam, e não atenuam, as diferenças na rapidez do desenvolvimento dos
diversos elementos da economia mundial. Mas não apenas as relações de força se modificam,
como no regime capitalista, não se pode resolver os contrastes de outra forma senão com a
força.
1.4.8 - O capital financeiro, crédito e concentração
Vimos que a formação do monopólio, que substitui a concorrência e o livre comércio,
e a transformação do sistema de crédito, que de mediador no processo de circulação se
transforma em instrumento de financiamento da indústria, são características fundamentais da
fase imperialista e constituem o núcleo central da teoria do imperialismo, sobretudo nas
interpretações de Hilferding e Lênin. Vimos como a tendência imanente do modo de produção
capitalista para aumentar a composição orgânica do capital, a fim de aumentar a taxa de mais-
valia , e de se contrapor à tendência à queda da taxa de lucro, manifesta-se no processo
conjunto da concentração e centralização de capital; e como o aparente círculo vicioso entre
75
aumento da composição orgânica do capital e diminuição da taxa de lucro se resolve no “salto
de qualidade” que cumpre o sistema capitalista na passagem da fase concorrencial à fase dos
monopólios.
Neste esquema, o sistema de crédito – de acordo com Marx em sentido lato, e que
compreende os vários tipos de instituições financeiras, a bolsa e a sociedade por ações –
constitui “o imenso mecanismo social para a centralização de capitais”. Além disso, o
desenvolvimento da sociedade por ações é considerado por Marx uma das influências
antagônicas que contrastam ou neutralizam a lei de tendência à queda da taxa de lucro, seja
porque estas sociedades contribuem para fragmentar a taxa geral de lucro em taxas
particulares que não entram na concorrência entre si, seja porque uma parte do capital nelas
empregado foi produzido por juros que não influenciam no nivelamento da taxa geral de
lucro.
No período de tempo que intercorre entre a análise de Marx e a dos teóricos do
imperialismo, estes processos, que na teoria marxiana foram apresentados como componentes
de um único esquema interpretativo, manifestam-se historicamente através da transformação
das principais instituições do capitalismo concorrencial – a empresa pessoal, o livre mercado,
o banco como intermediário da circulação – nas instituições características da nova fase: a
sociedade por ações, os cartéis e os trustes monopolistas, o banco “misto” de investimento. A
unidade que contradiz os vários elementos do modelo marxiano se manifesta na
complementaridade das instituições características da fase monopolista; assim Hilferding
ilustra o processo de recíproca influência que se verifica entre instituições de crédito e cartéis
industriais, e Lênin, mais corretamente, fala de uma verdadeira “simbiose” entre o capital
bancário e o capital industrial.
Para a problemática do imperialismo seria necessário de um lado um confronto e uma
verificação através da análise concreta para períodos históricos diversos (precedentes e
76
sucessivos)34, de outro, desenvolver um nível de abstração tal para posteriormente
sistematizar os aspectos teóricos decisivos desta importante esfera de acumulação desigual do
capital e da transformação social.
Também para favorecer este processo é necessário se perguntar até hoje, como viriam
a se colocar estas teses de Lênin em relação à estrutura analítica de Marx.
Não é aqui o caso de adentrar no método e na arquitetura geral dos três livros d’ O
Capital35. Bastará recordar que, como adverte Marx no prefácio ao primeiro livro, “na análise
das formas econômicas não se pode utilizar nem o microscópio nem reagentes químicos: um
e outros devem ser substituídos pela força da abstração” (MARX, 1996, LI, p.4).
No interior da exposição dialética que rege, do ponto de vista do método, o longo
caminho do texto, a análise de Marx percorre do abstrato ao concreto. O primeiro livro, a
teoria da produção imediata, relativa à análise de conteúdo mais interno e abstrato do sistema
capitalista; o segundo livro, a teoria do processo de circulação do capital, supera (e conserva)
o primeiro em um percurso que, do ciclo e da rotação do capital individual, se desenvolve
para o da reprodução e da circulação de capital social global. Enfim, com o terceiro livro, a
substância do capital reverte-se na sua forma, transforma-se nas suas categorias externas:
lucro, taxa de lucro, lucro médio, preço, lucro comercial, juros, renda fundiária. “Assim, as
configurações do capital desenvolvidas neste livro abeiram-se gradualmente da forma em que
aparecem na superfície da sociedade, na interação dos diversos capitais, na concorrência e
ainda na consciência normal dos próprios agentes da produção” (MARX, idem, LIII, p.30).
Este processo de transformação ocorre, portanto, gradualmente. Primeiro Marx
transforma mais-valia em lucro e taxa de mais-valia em taxa de lucro no plano
exclusivamente qualitativo (primeira seção), depois transforma o lucro em lucro médio e
34 G. Arrighi, in La geometria del imperialismo,Feltrineli, 1968, utiliza a propósito a concepção do imperialismo de Hobson. A nosso ver seria necesario começar a interrogar-se sobre a dinâmica econômica e social das diversas épocas históricas, tomando como ponto de referência também as teses inovadoras de Lênin (em particular referência à época de Marx e aquela presente até os dias de hoje). 35 Ver a propósito R. Rosdolsky, Gênese e Estrutura d’O Capital, RJ: Contraponto, 2001.
77
conseqüentemente os valores das mercadorias produzidas em preços de produção (segunda
seção); enfim, o resto do livro, com exceção da quarta seção dedicada à queda tendencial da
taxa de lucro, é conduzido por uma exposição dialética baseada na distinção do todo em
partes: tem como objetivo a análise das formas nas quais se reparte a mais-valia global.
Ao final do terceiro livro, abordando a “fórmula trinitária” Marx afirma:
Ao estudar as relações de produção convertidas em coisas e em entidades autônomas em face dos representantes da produção, não analisamos como as interferências do comércio mundial, as conjunturas deste, os ciclos da indústria e do comércio, as alternâncias de prosperidade e crise se patenteiam a esses agentes leis naturais de poder imenso e irresistível que está fora do nosso plano estudar o movimento real da concorrência, sendo nosso propósito apenas analisar a organização interna do modo capitalista de produção, de acordo com a média ideal, por assim dizer (MARX, 1996, L.III, p.953).
Contudo a análise de Lênin faz parte ao contrário (em primeiro lugar) do movimento
efetivo da concorrência, da luta entre os capitais. Esta se refere ao funcionamento concreto do
sistema capitalista, como um todo a nível mundial, e se coloca assim, enquanto se propõe a
compreender, para além do Capital de Marx.
Parece então clara a hipótese de que a esfera dos problemas que discutimos
representam na realidade um nível de análise mais “externo” em relação ao de Marx no
terceiro livro; um nível mais vasto que supera (e contém no seu interior) a análise dos três
livros. É o nível do capitalismo como sistema mundial e ao mesmo tempo sistema de preços
de mercado, do “movimento efetivo da concorrência”, da luta entre os capitais36. Trata-se do
nível mais “superficial” e mais “concreto”, onde se manifestam plenamente as formas do
capital, a objetivação da relação de produção, o fetichismo. E também onde a voz autônoma
da classe operária desaparece: vem abafada pela rumoroso mercado, pela aparência que nasce
da troca entre equivalentes que torna a prevalecer sobre a consciência da classe operária, até
transformá-la em consciência reificada e subalterna.
36 O desenvolvimento desta esfera mais externa da luta dos capitais conduziria assim a uma estrutura teórica caracterizada por duas esferas da substância – a da produção imediata e a da circulação de capital – e duas esferas da forma – a do processo global da produção capitalista e a do seu comportamento concreto; ou seja, a esfera dos preços de produção e a dos preços de mercado.
78
Entretanto é também a esfera na qual, por efeito da acumulação desigual em fases
alternadas do capital e do complexo de contradições que este aciona, todas estas
manifestações podem se converter no seu oposto: o fetichismo pode ser (temporariamente)
superado, o antagonismo social pode empurrar de um golpe à superfície a verdadeira natureza
do sistema.
Trata-se desta dialética entre plena afirmação de capital e o surgimento repentino de
seu contrário que, como vimos, está no centro da reflexão de Lênin. Daqui nascem suas teses.
A luta de classe, portanto, apresenta-se antes de tudo, a este nível mais externo e concreto do
sistema. Para ser compreendida, sua realidade fenomênica deve ser estudada enquanto tal,
como esfera específica, referida a um período histórico determinado. “A investigação –
escreve Marx no Posfácio de 1873 – tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de
analisar suas diferentes formas de desenvolvimento, e de perquirir a conexão íntima que he
entre elas. Só depois de concluído esse trabalho, e que se pode descrever,adequadamente, o
movimento real” (MARX, 1996, LI, p.16).
Como se nota, Lênin se voltou muito para a necessidade de “apropriar-se do material
em particular”, de “analisar suas diferentes formas de desenvolvimento” e de “reencontrar a
concatenação interna”; podemos dizer que, pela mesma problemática de que se ocupava, ele
tendia a deslocar o acento sobre o aspecto da superfície.
Mas justamente por isso, faz-se necessário trabalhar para um desenvolvimento
posterior da dialética entre abstrato e concreto, entre substância e forma. A mesma alternância
entre movimento e parada do processo de massa, requer, para ser compreendida, uma plena
padronização da dialética global do sistema do seu nível mais externo ao mais interno.
Todavia, o caminho uma vez desembaraçado, torna claro que a problemática
inovadora, em sua “concatenação interna”, contém uma importante contribuição também em
relação à substância do capital: a questão do declínio histórico do capitalismo.
79
Para que seja possível analisar a eventual atualidade da formulação teórica do
imperialismo e sua aplicação no século XXI, faz-se necessário nos remetermos ainda a um
conceito fundamental para entendermos as novas formas em que se apresenta o capital na
atualidade: o capital financeiro. Para isso, resgataremos uma obra de grande importância, a
qual realiza uma análise teórica valiosa sobre a fase mais recente do desenvolvimento
capitalista, conforme o subtítulo da mesma obra, O Capital financeiro, de Hilferding.
80
Capítulo 2
Para uma clarificação dos conceitos presentes nas teorias do imperialismo
O Capital financeiro constitui a interpretação mais completa e acurada da estrutura e
dos processos característicos da nova fase. Trata-se de uma obra bastante desigual, que
todavia oferece algumas contribuições essenciais à teoria do imperialismo, entre todas as
análises dos novos mecanismos do mercado financeiro, isto é a sociedade por ações e o banco
de investimento. Examinando cuidadosamente os aspectos econômicos, jurídicos e
sociológicos da sociedade por ações, Hilferding sublinha em particular sua capacidade de
criar e acumular capital, dirigindo-se sem mediações a todo o capital da classe capitalista na
sua totalidade. É esta maior capacidade de obter crédito que distingue a sociedade por ações
da empresa individual e lhe dá uma vantagem decisiva na luta concorrencial e na batalha dos
preços. Além disso, a separação da propriedade do capital, isto é dos papéis de dirigente e
capitalista, unificadamente à duradoura possibilidade de centralização autocrática do controle
sobre o capital, favorece uma atividade empreendedora decisiva – segundo uma argumentação
tomada por numerosos historiadores econômicos não marxistas como Landes e Sawyer para
explicar o relativo atraso de certas formas de capitalismo, em particular do capitalismo
francês, à luz dos mais estreitos vínculos existentes entre a empresa e a estrutura familiar.
Analogamente, Hilferding oferece uma acurada reconstrução do processo histórico que
levou primeiramente ao estabelecimento de acordos entre capitalistas independentes, depois à
regulação geral dos preços no interior do cartel e do sindicato de controle e, enfim, à
construção do truste no qual a autonomia dos componentes singulares tende a desaparecer
totalmente. Trata-se de um processo irreversível que se estende como mancha de óleo de um
setor produtivo ao outro, seja porque a indústria já cartelizada tende a incorporar as outras
indústrias interessadas no mesmo processo produtivo, em uma união “vertical”, seja porque as
81
indústrias assim ameaçadas são constrangidas a unirem-se entre os seus para constituir uniões
de tipo horizontal, análogas àquela da indústria já cartelizada.
2.1 – Sobre o conceito de capital financeiro em Hilferding
Hilferding é apontado como o primeiro marxista a analisar sistematicamente as
transformações no capitalismo em seu livro O Capital Financeiro em 1910. Neste, Hilferding
se debruça sobre os processos de concentração e centralização crescente do capital em
grandes empresas, a formação de cartéis e trustes, a progressiva importância do capital
financeiro e as conseqüências econômicas e políticas desses eventos. Segundo o autor, a
crescente concentração de capital na produção e na circulação, juntamente com a formação de
trustes e cartéis, fizera emergir um novo estágio do sistema capitalista, o chamado capitalismo
monopolista.
Ao analisar tal processo ocasionado pela busca incessante de incremento do capital
constante (conseqüente aumento da composição orgânica do capital) por parte dos capitalistas
para a obtenção de lucros maiores, Hilferding argumenta que o desenvolvimento do
capitalismo cria dificuldades para a transferência de capitais já investidos, limitando o direito
à livre circulação do capital. “Porém, a liberdade de circulação é uma condição para a
produção de taxa de lucro igual. Essa igualdade é prejudicada quando o afluxo não possa
ocorrer sem entraves”. (HILFERDING, 1985, p. 184). Temos assim um processo de
concentração, as barreiras à movimentação de capitais e os acordos entre empresas, que de
acordo com Hilferding dão origem aos monopólios.
Essa análise é claramente retomada por Lênin (1986), que destaca a transformação da
concorrência em monopólio como constituinte de um dos mais importantes fenômenos da
economia capitalista no estágio monopolista. Além da concentração e centralização de
capitais dentro de um determinado ramo ou indústria, a combinação de diferentes ramos
82
industriais em uma única empresa passa a ser outra força em direção ao capitalismo
monopolista. Contudo, conforme já afirmamos anteriormente, segundo este pensador, a
concorrência não é abolida pela concentração, mas substituída pela competição monopolista.
A passagem da primeira à segunda revolução industrial vem separada, nos países da
Europa continental, pela entrada em cena do banco misto: “uma invenção poderosa, similar,
nos aspectos econômicos, ao motor a vapor” (GERSHENKRON, 1962, p.147).
A produção de massa, elemento caracterizador desta fase de desenvolvimento do
capitalismo, requer imensos investimentos em capital fixo, capazes de incorporar as inovações
tecnológicas. O crescimento à escala mínima de produção põe em primeiro plano o
financiamento de um processo de acumulação de capital que, pelas formas técnicas e
amplitude, vai além do reinvestimento dos lucros. A necessidade de mobilização e a
concentração de capitais disponíveis foram solucionadas pela late comers através de uma
progressiva centralização assumida pelo sistema bancário que termina não só por sustentar,
mas também por orientar a acumulação de capital nos setores químico, elétrico, metalúrgico e
mecânico nos quais o crescimento não pode ser obtido através de uma gradual consolidação
de pequenas unidades produtivas.
Alguns economistas alemães enfrentam os temas relacionados a esta nova fase de
desenvolvimento econômico. Schumpeter e Hiferding, ao partirem de escolas diferentes e
pondo-se frente à “ciência econômica” numa posição tida como heterodoxa, num determinado
contexto enfrentam o papel do crédito no desenvolvimento econômico. Um privilegia as
relações entre crédito e inovação, entre o banqueiro – “o esforço da economia de troca” - e o
empreendedor, protagonista de novas combinações produtivas (SCHUMPETER, 1911,pp. 78-
79); o outro enfatiza o papel que o banco acaba exercendo na evolução do capitalismo de uma
fase concorrencial a uma monopolista (HILFERDING, 1985, pp.97-98).
83
Hilferding, em particular, afirma que pode ser delineada no interior do
desenvolvimento capitalista uma tendência que vê a progressiva união do capital bancário
como o industrial. Tal tese leva à constatação de que “junto com o desenvolvimento
capitalista [...] cresce continuamente a soma que vem da classe improdutiva posta à
disposição dos bancos” (idem ibid, p.98) e que cria a necessidade de que recursos similares
sejam adequadamente investidos e remunerados:
Enquanto estas somas não eram demasiadamente elevadas, os grandes bancos podiam utiliza-las como crédito à especulação e à circulação: à medida porém que estas aumentavam [...] fazia-se sensivelmente a necessidade de transformá-las em capital industrial (idem ibid, p.98).
Num contexto de dissociação entre centros de formação de poupança e de decisão de
investimento “uma parte sempre crescente do capital industrial não pertence aos industriais
que a utilizam. Esses passam a dispor somente através dos bancos, os quais, a seus cuidados
representam os proprietários do dinheiro”. Deste modo:
A potência das instituições bancárias cresce, elas se tornam antes os fundadores e enfim os dominadores da indústria as quais lucram, sob a forma de capital financeiro; eles usurpam, justamente como no tempo em que os antigos usurários usurpavam com seus “juros” os provenientes do trabalho dos cidadãos (HILFERDING, 1985, p.99).
Deste casamento entre capital bancário e capital industrial, no qual parece se fazer
sempre mais sutil a linha de demarcação que permite definir os papéis recíprocos, nasce a
definição de capital financeiro.
O conceito de capital financeiro é uma importante contribuição para a análise da
tendência à concentração e centralização do capital acima exposta e em especial da
concentração bancária. Os grupos financeiros expressam uma crescente coesão dentro do
sistema capitalista. As mudanças estruturais decorrentes do processo de acumulação
capitalista levaram ao estabelecimento de novos tipos e níveis de concorrência, e cada uma
delas envolve um diferente conjunto de estratégias.
84
De acordo com Bastos (1997, p.216), “a concorrência sob o domínio do capital
financeiro envolve a organização da produção ao longo de esferas e indústrias. Envolve as
estratégias de grupos financeiros [...]”.
Hilferding afirma que a evolução da indústria capitalista faz com que a concentração
do banco se desenvolva. E este promove a realização da concentração capitalista, em grau
superior, nos cartéis e trustes.
A cartelização avançada, caracterizada pelas empresas de grande poder, segundo
Hilferding, induz os bancos a se associarem e se ampliarem para não cair na dependência do
cartel ou do truste. Promove assim a união dos bancos, bem como o inverso, a união dos
bancos, fomenta a cartelização, proporcionando uma intensificação das relações entre banco e
indústria. O banco, portanto, estende de forma mais ampla o crédito industrial e participa no
lucro industrial em proporções maiores. Cada vez mais cabe aos bancos a disponibilidade de
capital investido na indústria, aumentando a dependência da indústria em relação aos bancos.
O banco torna-se um capitalista industrial, dado que uma porção cada vez maior do
capital da indústria não pertence aos industriais que o aplicam. Neste momento, o capital
bancário se transforma em industrial dando origem àquilo que Hilferding chama de capital
financeiro.
Foi Hilferding quem, dentro da tradição marxista, primeiro teorizou sobre o capital
financeiro. Sua análise parte dos desdobramentos da função do crédito no modo de produção
capitalista. Este autor afirma que
(...) chamo de capital financeiro o capital bancário, portanto o capital em forma de dinheiro que, desse modo, é na realidade transformado em capital industrial. Mantém sempre a forma de dinheiro ante os proprietários, é aplicado por eles em forma de capital monetário – de capital rendoso – e sempre pode ser retirado por eles na forma de dinheiro. Mas, na verdade, a maior parte do capital investido dessa forma nos bancos é transformado em capital industrial, produtivo (meios de produção e força de trabalho) e imobilizado no processo de produção. Uma parte cada vez maior do capital empregado na indústria é capital financeiro, capital à disposição dos bancos e , pelos industriais (HILFERDING, 1985, p. 219).
85
E Lênin o apreendeu como a “concentração da produção tendo como conseqüência os
monopólios; fusão, ou interpenetração, dos bancos com a indústria: eis a história da formação
do capital financeiro e o conteúdo desta noção” (LÊNIN, 1986, p. 62).
A análise do desenvolvimento das sociedades capitalistas fundamenta-se na
observação do crescente processo de concentração do capital; processo esse que implicou na
elevação do tamanho médio da unidade produtiva e em crescente oligopolização de acordo
com Kohn (1994).
A concentração e a centralização do capital são decorrentes de um processo histórico,
que é característico da própria dinâmica do capital. Marx afirma que
(...) todo capital individual é uma concentração maior ou menor dos meios de produção com o comando correspondente sobre um exército maior ou menor de trabalhadores. Cada acumulação se torna meio de nova acumulação. Ao ampliar-se a massa de riqueza que funciona como capital, a acumulação aumenta a concentração dessa riqueza nas mãos de capitalistas individuais e, em conseqüência, a base da produção em grande escala e dos métodos de produção especificamente capitalistas [...] Não alterando as demais condições, os capitais individuais e com eles a concentração dos meios de produção aumentam enquanto o capital social acresce [...] Com a concentração de capital [no primeiro momento] cresce portanto, em maior ou menor proporção, o número de capitalistas. Dois pontos caracterizam esta espécie de concentração que depende diretamente da acumulação ou, melhor, se identifica com ela. Primeiro: a concentração crescente dos meios sociais de produção nas mãos de capitalistas individuais, não se alterando as demais circunstâncias, é limitada pelo grau de crescimento da riqueza social. Segundo: a parte do capital social localizada em cada ramo de produção reparte-se entre muitos capitalistas que se confrontam como produtores de mercadorias, independentes uns dos outros e concorrendo entre si [início do segundo momento] (MARX, 1996, pp. 726 – 727).
Posteriormente, a concentração surge da própria concorrência intercapitalista. É fruto
do processo de concorrência entre capitais individuais. Sobre este segundo momento da
concentração – que acaba por desembocar posteriormente na centralização do capital – Marx
escreve que
(...) essa dispersão do capital social em muitos capitais individuais ou a repulsão entre seus fragmentos é contrariada pela força de atração existente entre eles. Não se trata mais da concentração simples dos meios de produção e de comando sobre o trabalho, a qual significa acumulação. O que temos agora é a concentração dos capitais já formados, a supressão de sua autonomia individual, a expropriação do capitalista pelo capitalista, a transformação de muitos capitais pequenos em poucos capitais grandes. Este processo se distingue do anterior porque pressupõe apenas alteração na repartição dos capitais que já existem e estão funcionando; seu campo de ação não está portanto
86
limitado pelo acréscimo absoluto da riqueza social ou pelos limites absolutos da acumulação. (MARX, 1996, p. 727, grifo nosso).
A concentração de capitais explica-se pelo crescimento dos capitais individuais, à
medida que os meios sociais de produção e subsistência são transformados em propriedade
privada de capitalistas.
Quando, com o processo de concentração do capital, dá-se a situação em que um único
capitalista passa a deter o controle do capital em um determinado ramo da indústria, segundo
Marx ocorre a centralização do capital1. Para ele: “o capital se acumula aqui nas mãos de um
só, porque escapou das mãos de muitos noutra parte. Esta é a centralização propriamente dita,
que não se confunde com a acumulação e a concentração” (MARX, 1996, p. 727). A
centralização do capital assim resulta da luta da concorrência em busca do barateamento das
mercadorias que, por sua vez, depende do aumento da escala de produção e da produtividade.
2 Assim, complementa a acumulação ao permitir que os capitalistas expandam a escala de
suas operações industriais.
O banco, sob a égide dos monopólios e do capital financeiro, revela-se um instrumento
primordial no modo de produção capitalista para a obtenção da centralização de capital. Com
a expansão da indústria, o banco, tendo como função mediar o crédito, busca a concentração
progressiva do seu capital próprio no sentido de maior garantia a seus clientes, já que surge a
necessidade de levantar e centralizar com segurança somas cada vez maiores. Já podemos
compreender a distinção entre capital bancário e capital financeiro, por conta da natureza do
crédito que é conferido pelo banco, não obstante este sempre o tenha incluído. Se o que existe
é o crédito de capital-dinheiro para acionar o processo produtivo com o banco articulado
1 De acordo com Mandel, a concentração de capital é o “aumento de valor de capital em toda empresa capitalista importante em conseqüência da acumulação e da concorrência (eliminação de empresas menores e mais fracas)”; e a centralização de capital compõe a “fusão de diversos capitais sob um único controle comum” (MANDEL, 1982, p. 412). 2 Kohn afirma constituir a centralização o processo que ocorre através da mudança na distribuição de capitais existentes, “crescendo em uma mão até formar massas grandiosas, porque é retirado de muitas mãos individuais” (1994, p.49)
87
organicamente à indústria, isto acaba por caracterizar uma operação própria do capital
financeiro.
Este importante mecanismo, o crédito, é oriundo da concentração de capital, dada
através de depósitos dos capitalistas industriais nos bancos. O crédito evita a ociosidade do
dinheiro. Para Hilferding, “como o dinheiro improdutivo não produz lucro, nasce assim a
tendência de impedir, na medida do possível, essa ociosidade, sendo que esse objetivo só pode
ser atingido através do crédito que, dessa maneira, passará a exercer uma nova função”
(HILFERDING, 1985, p. 75).
Esta nova função surge exatamente com o capital financeiro. O crédito passa a ter com
este a característica de buscar objetivamente a ampliação do capital, a geração de valor
através da extração de mais-valia da força de trabalho, e acionar o dinheiro que se encontrava
até então em estado de repouso, ocioso. Foi uma necessidade da própria indústria, a medida
que esta, devido ao tempo de rotação do capital (MARX, 1991), acabava por necessitar de
capital adicional. Para Marx,
(...)no sistema de crédito, todos esses capitais potenciais, ao se concentrarem nos bancos etc., se tornam capital disponível, que pode ser emprestado, capital-dinheiro, e não mais capital passivo, do futuro, e sim ativo, usurário, em suma, capital que prolifera. Compreende-se a alegria que isso dá aos interessados. (ibid., p. 525).
O tempo de rotação do capital, de forma bastante resumida, é o tempo que o capital
leva para percorrer, assumindo suas diferentes formas, o ciclo de valorização. “Para o
capitalista, o tempo de rotação de seu capital é o período durante o qual tem de adiantar o
capital para valorizá-lo e recuperá-lo na sua figura primitiva” (ibid., p. 163). Quanto menor
for o tempo de rotação, mais rapidamente ele irá rever o seu dinheiro empregado no processo
produtivo acrescido da mais-valia, e menor será a sua dependência de crédito. Contudo, se o
seu tempo de rotação for maior, ele estará mais propenso a depender de crédito para empregá-
lo enquanto capital-dinheiro e, assim, recorrer a capital adicional. “O capital adicional, ou
seja, o capital monetário utilizado na compra dos meios de produção e de força de trabalho,
88
tornou-se necessário para garantir a continuidade da produção e para evitar que a circulação
do capital a interrompa” (HILFERDING, 1985, p. 75).
Além dos bancos, um outro mecanismo utilizado para a obtenção de mais capital para
o setor produtivo é a bolsas de valores. Passam a atuar de forma conjunta com os bancos,
captando recursos para o setor industrial, e assim contribuindo para a centralização do capital.
Na bolsa são efetuadas outras transações, além das destinadas a captação de crédito para o
setor produtivo: também há a especulação financeira, pela qual os detentores das ações obtêm
lucros vendendo e comprando ações, ou seja, especulando no mercado financeiro (ver a
questão do parasitismo em Lênin, 1986 (cap. VIII). Mas o que nos interessa aqui é assinalar
que esta é também uma esfera com a qual o capital financeiro acaba por vincular-se, e que ela
contribui também para se conseguir dinheiro, seja para a burguesia criar novas indústrias,
comprar parte delas, ampliar ou reativar o processo produtivo.
O capital financeiro alcança seu apogeu com a monopolização da indústria,
proporcionando um rendimento industrial seguro e contínuo. Com a elevação da concentração
da propriedade, os proprietários do capital bancário, base do poder dos bancos, e os
proprietários do capital industrial, são cada vez mais as mesmas pessoas. O capitalista
financeiro então concentra a disposição de todo o capital nacional em forma de domínio do
capital bancário. Os cartéis, os trustes, o capital financeiro obtêm poder, enquanto o capital
comercial sofre sua mais profunda degradação.
De acordo com Hilferding no capítulo XXI:
(...) O capital financeiro significa a uniformização do capital. Os setores do capital industrial, comercial e bancário antes separados encontram-se agora sob a direção comum das altas finanças, na qual estão reunidos, em estreita união pessoal, os senhores da indústria e dos bancos. (HILFERDING, idem, p.283).
A união pessoal acima descrita tem por base a supressão da livre-concorrência do
capitalista individual por meio das grandes associações monopolistas. Assim temos: grau
elevado de centralização e concentração do capital, grau elevado de desenvolvimento dos
89
cartéis e trustes, domínio do banco sobre a indústria, em suma, a transformação de todos os
capitais em capital financeiro.
Os bancos alemães tinham o dever de colocar o dinheiro necessário à disposição das
sociedades anônimas industriais alemãs, voltando-se não apenas para o crédito de circulação,
mas também para o crédito de capital. “Seu interesse não se limita mais às condições
momentâneas da indústria e à situação momentânea do mercado, mas passa a interessar muito
mais o destino subseqüente da empresa (...)” (HILFERDING, 1985, p. 97). Quanto maiores o
crédito e a parcela do capital de empréstimo transformado em constante, maior o interesse e
tanto maior a concentração.
Retomando aqui o aumento da cartelização de acordo com Hilferding, o cartel torna-se
capaz de manter o lucro por mais tempo durante o primeiro momento das crises e depressões,
do que as indústrias livres, e o protecionismo, o meio a garantir um lucro extra, acima do
alcançado pela cartelização. O interesse eminente da indústria cartelizada era fazer do
protecionismo uma instituição que assegurasse sua existência enquanto cartel, primeiramente,
e lhe permitisse vender seu produto no mercado interno com lucro extra.
Uma vez que o mercado interno já tenha alcançado um lucro extra sobre a produção
internamente vendida3, faz-se necessário para o cartel empregar uma parte desse lucro extra
de forma a ampliar seu mercado no exterior através da oferta de melhores preços do que seus
concorrentes. Estando o cartel efetivamente consolidado, este tentará compensar a restrição do
mercado interno através do aumento da exportação, a fim de prosseguir a produção na mesma
escala ou, se possível em escala maior. O novo protecionismo se converte, pois, em meio para
ocupar os mercados estrangeiros através da indústria nacional.
Hilferding (1985) enfrenta o problema das relações entre os países capitalistas
desenvolvidos e os países atrasados no capítulo XXII (A exportação de capital e a luta pelo 3 De acordo com Hilferding, a alta dos preços no mercado interno promove a diminuição da venda dos produtos cartelizados e, neste sentido, entra em contradição com a tendência de reduzir os custos de produção mediante a expansão da produção.
90
território econômico) depois de haver examinado “a transformação na política comercial” e,
sobretudo, a função dos tributos aduaneiros na época do capitalismo financeiro. São estes
precisamente que induzem “a exportar não mais as mercadorias, mas sim a mesma produção
de mercadorias” (ibid., p.290), dado que um dos resultados dos tributos protecionistas é o de
aumentar os lucros extras, tornando ao mesmo tempo mais fácil a acumulação e mais
necessária a exportação de capitais. A presença de concentrações monopolistas e a diferença
nas taxas de lucro dos distintos países tornam cada vez mais necessária e possível, na fase do
capitalismo financeiro, a transferência de capital dos países de alta composição orgânica até
os de composição orgânica inferior. Neste sentido, a nova forma assumida pelo capital, a do
capital financeiro, só tem a favorecer a exportação de capitais. A essa altura, o próprio limite
da restrição do mercado é superado. A exportação de capital amplia a barreira advinda da
capacidade de consumo dos novos mercados. Porém, ao mesmo tempo, a transferência de
métodos capitalistas de transporte e produção ao país estrangeiro favorece um rápido
desenvolvimento e o nascimento de um mercado interno mais amplo. Mais ainda: duas são as
conseqüências da exportação de capital no país exportador, ela aumenta internamente a
produção, convertendo-se em poderosa força motriz da produção capitalista, “que com a
generalização da exportação de capital, entra em um novo período de impetuosa e irresistível
atividade, enquanto que reduz o ciclo de prosperidade e depressão” (ibid., p.299); ao aumentar
a produção interna cria também um aumento da demanda de força-de-trabalho. Esta é a base
da idéia de imperialismo de Hilferding.
2.1.1 - O capital financeiro, banco misto e imperialismo Enfim, os bancos participam do mesmo processo de concentração, seja na sua
qualidade de sociedade por ações, seja pela natureza do desenvolvimento industrial; de sua
função originária de intermediário nos pagamentos, que aceleram o processo de circulação, os
91
bancos se tornam a “leva” do processo de centralização dos capitais, seja no sentido de
rastrear o dinheiro espalhado entre os rentiers, isto é entre os membros da classe improdutiva,
seja no sentido de unificar os capitais de diferentes empresas incapazes de fazer frente
autonomamente à concorrência adversária. Entre os bancos, de um lado, e os cartéis e os
trustes, de outro, entrelaça-se conseqüentemente um jogo de ações e reações que serve para
acelerar o processo geral de concentração e se estabelecem estreitas ligas caracterizadas pela
hegemonia do capital financeiro.
A análise de Hilferding tende a atribuir uma prioridade absoluta ao capital financeiro
em detrimento da concentração da produção. A este respeito o célebre ensaio de Lênin
constitui uma contribuição essencial, que serve para “corrigir” alguns aspectos da
interpretação de Hilferding. Neste sentido, a relação é derrubada de certo modo, e é o
processo combinado de concentração e centralização do capital a ter a prioridade. Por este
motivo no estudo de Lênin, põe-se em particular a ênfase sobre transformações que sofre a
luta concorrencial, e se fala de “simbiosi” entre capital industrial e bancário ao contrário de
subordinação do primeiro pelo secundo. Sobre esta linha se põe também a límpida síntese de
Sweezy (1977), na qual se delineiam os principais efeitos do monopólio sobre o
funcionamento do sistema capitalista.
Hilferding, baseando-se no estudo de Otto Bauer sobre Questão nacional e a social-
democracia na Áustria, toma o movimento da centralização do capital que se verifica com o
aumento da escala de produção e a extensão do controle dos grandes capitalistas além dos
limites da propriedade do capital, fenômeno já revelado por Marx. Hilferding percebe que na
Alemanha e nos Estados Unidos foram os bancos que assumiram o papel guia na extensão e
no controle do capital industrial e sintetizou o fenômeno no título do seu livro. Na Inglaterra,
àquela época os bancos não desenvolviam ainda tal papel, mas a fusão do capital financeiro e
92
industrial é um processo que se verificou depois no século passado em cada país capitalista
avançado.
A tese de Hilferding era a de que esta posição monopolista do capital sobre o mercado
nacional havia criado o protecionismo estatal e se consolidava na expansão em direção ao
externo.
O antigo protecionismo tinha a tarefa (...) de acelerar o surgimento de uma indústria no âmbito das fronteiras protegidas (...) Uma vez cumprida sua função como “tarifa educativa temporária”, desenvolvida a indústria nacional, coberta a demanda interna e estando a indústria amadurecida para a possibilidade de exportação, o protecionismo perdia sua razão de ser. Por meio da defesa contra a exploração do mercado interno por parte da indústria estrangeira, isto se torna instrumento pela conquista dos mercados estrangeiros, da arma defensiva dos fracos, arma ofensiva dos fortes. (HILFERDING, 1985, p. 288).
Hilferding considerava a expansão imperial como necessidade de novas áreas sob a
própria jurisdição nacional por parte dos capitais monopolistas de cada Estado nacional, a fim
de desenvolver a produção de matérias-primas, salvaguardar os investimentos de capital e
garantir mercados de escoamento para a própria produção. O livre comércio e os mercados
abertos instituídos pelos ingleses, que foram os primeiros a se expandirem, deviam estar em
discussão: frente a este desafio também os ingleses deviam estender seu poder imperial. A
exportação de capitais se direcionou conseqüentemente aos empréstimos garantidos pelo
Estado para obra pública, ferrovias, serviços de utilidade pública, portos e produção de
matérias-primas, criando as condições para o desenvolvimento da indústria local, como havia
previsto Marx. Hilferding pôs em evidência o desenvolvimento nacional do capitalismo e a
intensificação dos contrastes entre os vários monopólios nacionais naquilo que definia no
subtítulo “a última fase do capitalismo”.
Segundo Hilferding, o capital financeiro requereu um Estado forte, capaz de fazer
valer seus interesses financeiros ao exterior e de servir-se da própria potência para extorquir
vantajosos tratados dos Estados menos potentes de fornecimento e favoráveis transações
comerciais. Um Estado que pudesse se lançar a cada parte do globo para fazer do mundo
93
inteiro uma zona de investimento do próprio capital financeiro; um Estado, enfim,
suficientemente forte para conduzir uma política expansionista e para poder incorporar novas
colônias.
Os monopólios nacionais podem subscrever acordos de cartéis para repartir o mundo,
mas se trata somente de trégua temporária, destinada à ruptura no caso de um monopólio
avistar uma ocasião para fazer avançar suas posições. A rivalidade econômica entre os
grandes Estados nacionais é portanto considerada fonte inevitável de guerra.
Hilferding sustentava, além disso, que todo o processo tendia a garantir a acumulação
capitalista, sob a contínua ameaça da guerra mundial.
Retomando a configuração dos bancos neste processo, o banco misto que, entre o fim
de 1800 e início de 1900, irrompe na cena financeira do desenvolvimento capitalista
continental, tem um modus operandi muito diverso do banco de depósito. As duas tipologias
de instituições, também contemporâneas nos vários países, acabaram caracterizando os
sistemas financeiros da Inglaterra e Alemanha ao tal ponto que as locuções banco inglês e
banco alemão foram utilizados como sinônimos de banco de depósito e banco misto.
A partir da análise comparada de dois tipos distintos de entidades de crédito,
Hilferding afirma que o banco alemão “não se caracterizou nem pela entidade do capital[...],
muito menos pela forma técnica com a qual o dinheiro é transferido aos capitalistas [...], mas
pela destinação do capital emprestado”4. Nesta perspectiva, crucial é a distinção entre crédito
para a circulação, que constitui dinheiro antecipado à empresa para “mediar” o tráfego dos
pagamentos, e crédito de capitais, utilizado para financiar os investimentos produtivos.
Enquanto o capital circulante é o âmbito no qual o banco inglês é especializado, e o constitui
por um tempo um limite insuperável, o banco misto pode conceder empréstimo utilizado pela
4 Hilferding (1985, p.99) sublinha que os bancos ingleses, os quais exercem a função de banco-depósito, referente aos bancos alemães, apresentam geralmente uma baixa relação entre capital próprio e massa fiduciária.
94
empresa “seja para transformá-lo em capital circulante, seja para transforma-lo em capital
fixo”(HILFERDING, 1985, p.98).
A distinta orientação estratégica do banco de depósito e do banco misto é
redirecionada à diferença entre crédito de capitais e crédito de circulação, correlata à
diferença nos tempos da restrição de crédito, ao risco do financiador e, conseqüentemente, à
co-participação dos bancos financiadores nos tipos de empresa financiada. Se, de fato, o
crédito é destinado ao investimento em capital circulante, isto “reflui sob a mesma forma, o
que significa que o seu valor ao fim do ciclo foi completamente reproduzido e transformado
novamente em dinheiro” (ibid, p.99); por conseguinte, o risco do crédito está ligado ao curto
espaço de tempo, entre o qual o financiamento é completamente restituído e os juros do banco
por empresa será temporário. Se, ao contrário, o empréstimo é finalizado com o investimento
em capital constante e este “reflui apenas gradualmente, no curso de uma série mais longa de
períodos de rotação durante os quais fica bloqueado”, o risco de inadimplência não estará
exclusivamente ligado ao curto prazo e o mérito do crédito deverá ser avaliado pelo banco em
função das perspectivas de lucro da empresa também no médio e longo prazo (idem, pp. 98-
99). Em outras palavras, as distintas modalidades de uso dos recursos disponíveis, naquela
época, fazem com que os bancos alemães estejam atrelados à própria sorte das empresas
financiadas: “enquanto [os bancos] se limitam a mediar o tráfego dos pagamentos, o que lhe
interessa é apenas a situação momentânea das empresas, sua solvência momentânea. A
situação muda não apenas quando começam a por capital à disposição dos industriais para a
produção. Seu interesse, neste caso, não está mais ligado à situação transitória da empresa e
ao estado momentâneo do mercado”; o que mais conta é “a sorte futura das empresas e a
futura configuração dos mercados”dos quais depende a lucratividade do investimento e a
capacidade de pagar os juros e de reembolsar o capital (ibid, pp.105 e 107).
95
A natureza e a qualidade da problemática que deve enfrentar um banco misto em
relação a um de depósito se fizeram diversas e condicionam profundamente sua gestão. Em
particular, na atividade de financiamento da indústria, o banco de tipo alemão deve encarar
duas novas questões desconhecidas pelo banco de tipo inglês: por um lado deve se confrontar
com a necessidade de adquirir informações sobre a qualidade do projeto de investimento
financeiramente sustentado; por outro, deve enfrentar o problema da incerteza, não apenas
relativamente ao curto, mas também ao médio-longo prazo.
A ampliação do horizonte temporal na qual se coloca a relação banco e indústria é
abstratamente independente da forma técnica do financiamento. Quando porém uma parte
relevante do ativo é imobilizada em empresa industrial, os vários instrumentos de
financiamento utilizáveis não são indiferentes aos seus aspectos informativos. Em outros
termos, se o que se quer é uma “estreita e precisa vigilância da empresa”, esta pode ser obtida
diretamente apenas “vivendo” no interior da própria empresa e isto se torna possível de se
afirmar de forma jurídica pela sociedade por ações.
Graças à aquisição de participações acionárias pelas empresas industriais, os bancos
obtêm uma relação estável com a empresa financeira. Tal relação comporta diversos e
conspícuos benefícios econômicos que variam, de acordo com a participação e o número de
membros dos conselhos de administração eleitos, com a facilidade de se procurar informações
reservadas, úteis para a avaliação do risco de crédito, seja precedente, seja sucessivamente ao
fornecimento do financiamento, até o condicionamento das escolhas industriais em função da
maximização da utilidade bancária.
A obtenção de todas as vantagens informativas que permitem a redução da incerteza
do financiamento e a maximização do lucro, controlando, ao mesmo tempo, o risco do ativo e
garantindo, com uma política de balanço adequada, uma rentabilidade correspondente à
96
exigência do capital bancário, é portanto um primeiro passo em direção a uma ligação sempre
mais estreita entre banco e empresa.
Porém o banco misto, de fato, não pode limitar-se a uma mera e efetiva atividade de
“vigilância”, mas deve necessariamente impulsionar-se além disso, em direção setores de
atividade não estreitamente financeira. Nesta portanto, gradualmente convergem
características, seja da empresa bancária ou da industrial, a ponto de as relações intercorrentes
entre essas e as mais importantes empresas financeiras requisitarem aquelas entre sociedade
dirigentes e empresas controladas ou participantes.
O banco alemão, enquanto sociedade de capital, não só tem a tarefa de realizar lucros
semelhantes àqueles dos outros setores econômicos, mas deve necessariamente estabilizá-los.
Esta última responsabilidade deriva da natureza de sua passividade de balanço, conexo à
função específica de ser artífice da transformação do dinheiro em capital industrial.
Em um esquema analítico no qual as unidades elementares não são sujeitos
econômicos em geral, mas classes sociais específicas, Hilferding coloca um processo de
intermediação historicamente determinado, com base na qual passa a existir uma
correspondência enorme entre as fontes de poupança, que são representadas por um lado pela
classe improdutiva e por outro pela classe dos capitalistas industriais e comerciais, e a forma
técnica de emprego do mesmo por parte do banco. Em particular, afirma que o crédito “não
provoca qualquer transferência de capital monetário de um produtor a outro, nem qualquer
afluxo de capital de outras classes” porque “se limita ao cerco dos capitalistas”
(HILFERDING, 1985, pp.86-87). Ao contrário,
[o] crédito de capital, o crédito cuja função é a transformação do dinheiro (...) de inativo em operante capital monetário [é constituído de] entradas de dinheiro de todas as classes – recolhidas pelo banco – para por à disposição da classe capitalista (ibid, pp.98).
As diversas classes têm, na visão de Hilferding, um diferente perfil de risco que lhes
levam a adquirir vários instrumentos financeiros. A classe “improdutiva”, especificamente,
97
tenderá à subscrição de depósitos e estará particularmente atenta à solidez do banco. Estas
considerações acabam induzindo um outro vínculo na gestão do banco representado pela
estabilidade dos lucros e dos dividendos. A classe “improdutiva” poderia, de fato, interpretar
as oscilações dos lucros bancários como sinais de perigo e reagir com a retirada de depósitos5.
A diversificação dos investimentos entre setores e empresas é a chave da atividade bancária
enquanto consente distribuir e reduzir o risco não sistemático e garante ao dinheiro a
possibilidade de afluir com maior regularidade:
um banco – sublinha Hilferding – não se fará partícipe de uma só empresa, mas revelará acima de tudo a tendência a distribuir o próprio risco investindo o dinheiro em uma pluralidade de empresas diversas (ibid, p.97).
Não obstante um portfólio bastante ponderado possa reduzir os riscos, os lucros
podem permanecer altamente voláteis porque ligados aos lucros das empresas que sofrem o
risco relacionado à evolução do mercado particular e, no longo prazo, das fases econômicas
do ciclo. De qualquer modo existe uma estratégia para o banco que permite a estabilização
dos lucros e esta pode ser perseguida vantajosamente “regulando” a produção.
Ao “início da técnica bancária, segundo a qual é preciso tender à maior segurança
possível”, Hilferding faz descender um sistema bancário “avesso à concorrência”, que contem
nas entranhas o germe da transformação da economia de concorrencial a monopolista
(HILFERDING, 1985, p.225).
Uma empresa industrial pode esperar se tornar, depois de uma vitoriosa luta
concorrencial, a absoluta dominadora do mercado. Se da eliminação dos adversários, a
empresa obtém, por um tempo discretamente longo, um lucro extra que a indeniza dos custos
sustentados, sua estratégia tem um sentido microeconômico; este princípio geral é
5 O próprio Hilferding (p.224) sublinha como “a política de dividendos dos bancos que operam com enormes fundos de terceiros (depósitos) deve ser mais estável do que a das empresas industriais, e isso particularmente no caso de os depósitos provierem de ambientes nos quais é habitual julgar a boa ou cativa direção de um banco com base em índices externos – que apontam a estabilidade dos dividendos -; ambientes (evidentemente não-capitalista) que estão sempre prontos a retirar os próprios depósitos, ou a política de dividendos do banco parece oscilar”.
98
adequadamente reconsiderado quando um banco é acionista de empresas concorrentes. Além
da incerteza ligada ao êxito de uma guerra de preços, um banco não tem nada a ganhar com a
concorrência e isto é tão mais verdadeiro quanto mais a sua política de diversificação dos
investimentos ocorre entre empresas pertencentes ao mesmo setor. O fim da concorrência
pode beneficiar seja a empresa ou a instituição de crédito. A empresa pode obter um
crescimento dos lucros no curto prazo e a certeza de realiza-los também nas fases recessivas
do ciclo. De fato, através da transformação de todo um setor produtivo de concorrencial a
oligopolístico pode se obter diretamente o crescimento e a estabilidade dos ganhos da empresa
e, indiretamente, do rendimento do capital próprio do banco6.
A monopolização de setores industriais inteiros e comerciais é portanto o meio mais
seguro para estabilizar os lucros bancários no curto e no médio-longo prazo7 e disto nasce a
idéia de que “o emprego dos bancos favorece a formação de monopólios; e por conseguinte
ele coincide com a tendência do capital bancário e do capital industrial frente à eliminação da
concorrência”(HILFERDING, 1985, pp.243-244).
Nesta perspectiva, um instrumento eficiente e eficaz, tanto para facilitar a criação de
cartéis entre empresas concorrentes, quanto para garantir a estabilidade, é a aquisição dos
pacotes de controle por parte do banco de empresas concorrentes.
Em última análise, o crédito de capital, empregado para o financiamento do capital
fixo, não só é o veículo através do qual se instaura uma relação de caráter permanente entre
banco e empresa8, mas representa também a enzima do processo de evolução do capitalismo
6 Este processo de concentração, segundo Hilferding, conduz o sistema a um só banco monopolizador da indústria e tende a fortalecer-se nas crises e na luta de classe. Para a concentração do setor bancário até uma central bancária ver Hilferding (idem, p.228). 7 Monopolizar um setor industrial é uma política sempre vantajosa para o banco, é garantia de estabilidade e segurança dos lucros tanto nas fases conjunturais expansivas quanto nas depressivas. Sobre a propriedade e uso dos cartéis como instrumentos de estabilização dos lucros nas fases descendentes e ascendentes do ciclo ver Liefmann (1934, pp. 682-687). 8 Com o fornecimento do crédito de capital, nasce uma relação de recíproca dependência entre banco e empresa na qual a primeira é “mais forte [...] porque dispõe sempre de liquidez pronta a transformar-se em capital monetário”, enquanto a empresa “depende da possibilidade de transformar as mercadorias em dinheiro”. Segundo Hilferding é “a disponibilidade de capital monetário que assegura ao banco a supremacia nos
99
da fase concorrencial à monopolista (HILFERDING, idem, p.99). O banco misto, para obter a
mesma remuneração do capital dos outros setores econômicos - ainda que a atividade seja
ligada à incerteza das empresas financiadas, aos problemas informativos, ao vínculo da
liquidez do passivo – e uma maior estabilidade do lucro, deve ser o fulcro do processo de
concentração industrial.
Em suma, o desenvolvimento da indústria capitalista favorece a concentração das
instituições bancárias. O sistema bancário concentrado constitui por sua vez o impulso mais
importante para o alcance do máximo grau da concentração capitalista, representado pelos
cartéis e pelos trustes. Quais são as repercussões destes últimos sobre o sistema bancário?
O cartel e o truste são empresas caracterizadas por um grande “poder capitalista”. Nas
relações recíprocas de dependência entre as empresas capitalistas é sobretudo a potência do
capital a decidir sobre sua independência ou sua subordinação. Se a formação de cartéis
assumiu proporções notáveis, também os bancos se reuniram e ampliaram seus círculos de
negócios para não cair sob o controle dos monopólios. A própria cartelização provoca
imediatamente a concentração dos bancos, assim como a concentração dos bancos provoca a
cartelização. Para a estipulação de um acordo entre as siderúrgicas, pode ser interessante, por
exemplo, um certo número de bancos, os quais, conjuntamente, arriscam-se a impor o acordo
também contra a vontade dos diferentes industriais. Reciprocamente, uma coalizão de
interesses criada pelos industriais pode fazer convergir os interesses de dois bancos antes em
concorrência entre eles, obrigando-os a desenvolver uma política solidária em um
determinado campo. Por parte deles, as combinações industriais exercem uma influência
análoga ao estender-se, dentro da indústria, o raio de ação de um banco que tinha limitado sua
atividade, até aquele momento, apenas ao campo de matéria-prima, e que foi constrangida, em
confrontos da empresa, cujo capital é imobilizado sob a forma de capital de produção e de capital-mercadoria”. A instituição de crédito, não obstante seja para Hilferding o mais forte na relação, não é completamente independente dado que “o banco que investiu o próprio capital em uma empresa capitalista está [...] ligado à sorte de tal empresa. Esta ligação é tão mais estreita quanto mais o capital bancário aparece como capital fixo na empresa”. Hilferding (idem, p.105).
100
seguida à criação de uma combinação, para estender a sua atividade também ao setor da
indústria manufatureira.
A própria formação de um cartel pressupõe a existência de um grande banco o qual
esteja em condições de fazer frente, em cada momento, aos grandiosos créditos e sustentar a
produção de todo um setor industrial.
O cartel provoca, por conseguinte, uma última intensificação das relações entre banco
e indústria. Em seguida à eliminação da concorrência na indústria, a taxa de lucro aumenta.
Este aumento da taxa de lucro tem uma importância enorme. Nos setores em que a eliminação
da concorrência se dá em virtude de uma fusão, surge uma nova empresa: esta pode contar
com um lucro, o qual, capitalizado, consente um elevado lucro de fundador. A formação deste
último tem, pela constituição dos trustes, uma importante função dupla a desenvolver: a
obtenção do lucro de fundador é em primeiro lugar um motivo muito sério que leva os bancos
a favorecer a monopolização; por outro lado, uma parte disso pode ser utilizada para
empurrar, com a oferta de altos preços, os elementos recalcitrantes a cederem suas empresas,
tornando assim possível a criação do cartel. Isto poderia ser expresso nos seguintes termos: o
cartel procura absorver tais empresas exercendo uma determinada demanda que se dá até que
o preço alcance um dado nível: este preço é pago com uma parte do lucro de fundador.
A formação de um cartel significa também maior segurança e uniformidade dos lucros
da empresas que fazem parte. Os perigos da concorrência, que no passado constituíam uma
séria ameaça à própria existência da empresa, desapareceram. Por isso a cotação das ações
destas empresas sobe, provocando por sua vez, no ato de uma nova emissão, um considerável
aumento dos lucros de fundador e de segurança do capital investido nas mesmas empresas.
Isto consente aos bancos expandirem posteriormente o crédito industrial e participarem
conseqüentemente em medida sempre maior do resgate do lucro industrial. Desta forma,
devido à formação de cartéis, as relações entre os bancos e a indústria se tornam sempre mais
101
estreita enquanto os bancos, de sua parte, estendem seu direito de dispor do capital investido
na indústria.
Hilferding explica, conforme vimos anteriormente, que na origem da produção
capitalista o dinheiro dos bancos provém de duas fontes. A primeira é representada pelo
dinheiro da classe improdutiva; a segunda pelo capital de reserva dos capitalistas industriais e
comerciais.Vimos também que o desenvolvimento do crédito serve para por à disposição da
indústria não apenas todo o capital de reserva da classe capitalista, mas também a maior parte
do dinheiro da classe improdutiva. A indústria contemporânea é regida, em outras palavras,
por um capital muito maior que o capital total de propriedade dos capitalistas industriais.
Junto com o desenvolvimento capitalista cresce também continuamente a soma de dinheiro
que pela classe improdutiva é colocada à disposição dos bancos e, através dele, à indústria.
Administrar esse dinheiro, que é indispensável à indústria, é tarefa dos bancos. A
subordinação da indústrias pelos bancos aumenta com o desenvolvimento do capitalismo e
da organização do crédito. Os bancos por outro lado só podem atrair os fundos das classes
improdutivas e possuir à sua disposição seu capital sempre crescente, pagando somente os
juros. Enquanto esta soma não era muito grande, os bancos podiam utiliza-la como crédito
para a especulação e para a circulação; mas na medida em que estes faziam aumentar e
decrescer a importância da especulação e do comércio, a necessidade de transformá-la em
capital industrial se fazia mais sensível. Sem a contínua expansão do crédito para a produção,
a disponibilidade (e portanto também o pagamento dos juros) dos depósitos bancários por
parte dos depositantes tornar-se-ia com o tempo muito precária. Isto de fato se deu, ao menos
em parte, na Inglaterra, onde os bancos de depósito e desconto concedem apenas o crédito
para a circulação, e os juros sobre depósitos são mínimos; ou seja, a contínua diminuição dos
depósitos em direção aos setores industriais de investimento, mediante a aquisição de ações.
Neste caso o público faz diretamente o que fazem os bancos, no caso de os bancos de depósito
102
e desconto e a indústria estarem estritamente coligadas. Para o público o resultado é o mesmo,
já que de modo algum o lucro do fundador chega a ele; mas para indústria inglesa – em
relação à indústria alemã – significa uma menor subordinação ao capital bancário.
O desenvolvimento do capital financeiro segue o da sociedade anônima pari passo, e
alcança seu maior nível com a monopolização da indústria. Os lucros da indústria são
guardados com segurança e estabilidade, e conseqüentemente aumentam a probabilidade de
que o capital bancário seja investido na indústria. O banco dispõe do capital bancário, e os
possuidores da maioria das ações dominam o banco. É evidente que com a crescente
concentração da propriedade, os proprietários do capital fictício, que domina os bancos,
tendem a identificar-se sempre mais com os proprietários do capital produtivo, que domina a
indústria.
Com a formação dos cartéis e dos trustes o capital financeiro alcança seu mais alto
grau de poder, enquanto fica gravemente comprometido o poder do capital comercial.
Conclui-se assim todo o ciclo de desenvolvimento do capitalismo.
A mobilização de capital e a sempre mais forte expansão do crédito transformam
pouco a pouco, e completamente, a posição do possuidor de capital monetário. A potência das
instituições bancárias cresce: estes se tornam os fundadores e enfim os dominadores da
indústria, possuidores dos lucros sob a forma de capital financeiro.
2.2 – Desenvolvimento categorial em Marx
Como sinalizamos, na concepção de Lênin, o desenvolvimento da esfera concreta da
acumulação desigual e das transformações sociais tem como conseqüência mais interna a
emergência de algumas importantes teses relacionadas à autonomia do capital. Devemos
então procurar precisar o elemento distintivo destas teses em relação ao Capital de Marx.
103
2.2.1- A análise das características do imperialismo a partir das categorias de Marx
Para a problemática do imperialismo seria necessário de um lado um confronto e uma
verificação através da análise concreta para períodos históricos diversos (precedentes e
sucessivos)9, de outro, desenvolver um nível de abstração tal para posteriormente sistematizar
os aspectos teóricos decisivos desta importante esfera de acumulação desigual do capital e da
transformação social.
Também para favorecer este processo é necessário se perguntar até hoje, como viriam
a se colocar as teses dos autores clássicos discutidos anteriormente em relação à estrutura
analítica de Marx.
Não é aqui o caso de se adentrar no método e na arquitetura geral dos três livros d’ O
Capital10. Bastará recordar que, como adverte Marx no prefácio ao primeiro livro, “na análise
das formas econômicas não se pode utilizar nem o microscópio nem reagentes químicos: um
e outros devem ser substituídos pela força da abstração” (MARX, 1996, LI, p.4).
No interior da exposição dialética que rege, do ponto de vista do método, o longo
caminho do texto, a análise de Marx percorre do abstrato ao concreto. O primeiro livro, a
teoria da produção imediata, relativa à análise de conteúdo mais interno e abstrato do sistema
capitalista; o segundo livro, a teoria do processo de circulação do capital, supera (e conserva)
o primeiro em um percurso que, do ciclo e da rotação do capital individual, se desenvolve
para o da reprodução e da circulação de capital social global. Enfim, com o terceiro livro, a
substância do capital reverte-se na sua forma, transforma-se nas suas categorias externas:
lucro, taxa de lucro, lucro médio, preço, lucro comercial, juros, renda fundiária. “Assim, as
configurações do capital desenvolvidas neste livro abeiram-se gradualmente de forma que
9 G. Arrighi, in La geometria del imperialismo,Feltrineli, 1978, utiliza a propósito a concepção do imperialismo de Hobson. A nosso ver seria necesario começar a interrogar-se sobre a dinâmica econômica e social das diversas épocas históricas, tomando como ponto de referência também as teses inovadoras de Lênin (em particular referência à época de Marx e aquela presente até os dias de hoje). 10 Ver a propósito R. Rosdolsky, Gênese e Estrutura d’O Capital, RJ: Contraponto, 2001.
104
aparecem na superfície da sociedade, na interação dos diversos capitais, na concorrência e
ainda na consciência normal dos próprios agentes da produção” (ibid, LIII, p.30).
O desenvolvimento da concentração capitalista põe uma série de problemas que devem
ser enfrentados.
A tendência do desenvolvimento baseia-se em grande parte nas taxas de crescimento
ou de estagnação, ou seja, baseia-se nos ritmos gerais, parciais ou diferenciados que mantêm o
capital social global em escala mundial ou em nacional e o capital social11 por setor.
O desenvolvimento ou o ritmo da concentração é um componente não só quantitativo,
mas sobretudo qualitativo das taxas de desenvolvimento do capital social em escala mundial,
nacional e por setor.
A concentração “é apenas outra expressão para a reprodução em escala ampliada”.
Assim Marx a define no capítulo 23 do Livro I d’ O Capital (1985, p.197). Em outros termos,
a concentração é o desenvolvimento das relações de produção capitalista.
Marx analisa o processo de produção do capital e expõe a teoria da concentração na
descrição do processo de acumulação de capital. A concentração de capital é apontada como
um aspecto da lei geral da acumulação capitalista. Podemos vê-lo claramente se seguimos
analisando Marx ao explicar a mudança na composição orgânica do capital ou, como este
esclarece com precisão, titulando o capítulo “Decréscimo relativo da parte variável do capital
com o progresso da acumulação e da concentração que a acompanha” (Livro I, 1985, p.193).
Acumulação e concentração são, portanto, duas expressões diversas de um mesmo
processo.
Marx explica o mecanismo através da produtividade do trabalho social: “... o
desenvolvimento da produtividade do trabalho social torna-se a mais poderosa alavanca da
acumulação ... o grau de produtividade social do trabalho se expressa no volume relativo dos
11 O termo social aqui tem como finalidade uma designação para a parte do capital social global existente em cada ramo de produção, opondo-se à idéia de um capital singular.
105
meios de produção que um trabalhador, durante um tempo dado, com o mesmo dispêndio de
força de trabalho, transforma em produto”. (MARX, 1985, Livro I, cap.23, 194).
O desenvolvimento da produtividade do trabalho social encontra-se na base do
processo de acumulação-concentração. Este processo determina uma diminuição relativa da
parte variável do capital, ou seja, uma mudança na composição orgânica do capital. Marx
afirma:
Mas, condição ou conseqüência, o volume crescente dos meios de produção em comparação com a força de trabalho neles incorporada expressa a crescente produtividade do trabalho. O acréscimo desta última aparece, portanto, no decréscimo da massa de trabalho proporcionalmente à massa de meios de produção movimentados por ela ou no decréscimo da grandeza do fator subjetivo do processo de trabalho, em comparação com seus fatores objetivos (idem ibid).
O autor então identifica tal condição no fato de neste processo intervir um outro
fenômeno a determinar a composição orgânica do capital: a centralização do capital, a qual vê
distinta da concentração. Melhor, podemos dizer que é a dialética centralização-concentração
que determina a tendência histórica do capitalismo, a qual se caracteriza pela concentração.
Para confirmar esta dialética convém retomar Marx:
Esta já não é concentração simples, idêntica à acumulação , de meios de produção e de comando sobre o trabalho. É concentração de capitais já constituídos, supressão de sua autonomia individual, expropriação do capitalista, transformação de muitos capitais menores em poucos capitais maiores. O capital se expande aqui numa mão, até atingir grandes massas, porque acolá ele é perdido por muitas mãos. É a centralização propriamente dita, distinguindo-se da acumulação e da concentração (ibid., p. 196).
Porém a extensão relativa e a energia do movimento centralizador são determinados
em um certo grau pela grandeza já atingida da riqueza capitalista e pela superioridade do
mecanismo econômico. E é isto especificamente que distingue a centralização da
concentração, a qual se trata não mais do que uma expressão diferente para indicar a
reprodução sobre escala ampliada.
A centralização pode se dar em virtude de uma simples mudança na distribuição dos
capitais já existentes, isto é, de uma simples mudança quantitativa das partes constitutivas do
106
capital social. O exemplo é fornecido no mesmo capítulo.12 Do desenvolvimento da
produtividade do trabalho social à sociedade por ações13: assim é o curso da lei da
concentração no processo de produção do capital14. O desenvolvimento da centralização do
capital conduz portanto à concentração monopolista.
No capítulo 24 do Livro I, Marx trata da acumulação originária do capital como sendo
desde o início expropriação dos produtores imediatos, isto é a dissolução da propriedade
privada fundada sobre o trabalho pessoal. Portanto, dissolução da propriedade privada dos
trabalhadores sobre os meios de produção e concentração do capital são dois aspectos
concomitantes do mesmo processo de produção do capital. Esta lei operante da gênese do
capitalismo terá conseqüências históricas importantes no plano das relações sociais.
O capital antecipado à produção pertença ou não àquele que o emprega, não tem
nenhuma influência sobre a velocidade da rotação e sobre o tempo de rotação conforme
aponta o autor (idem, Livro II, cap. 12). O sistema de crédito antecipa o capital à produção e
isto é possível, em grande escala, apenas a um certo grau de concentração de capital e a um
certo grau de centralização do capital, a qual é muito mais rápida que a concentração dos
meios de produção.
A centralização do capital manifesta-se no desenvolvimento do sistema de crédito,
pois este antecipa o capital à produção, o que ocorre na medida em que a taxa de lucro sobre o
capital empregado na produção diminui, em conseqüência do aumento do capital constante
12 Afirma Marx: “Mas é claro que a acumulação, (...) é um processo bastante lento, se comparado com a centralização (...) mediante as sociedades por ações chegou a esse resultado num piscar de olhos” (idem, p. 198). 13 Para melhor entendimento do termo, ver capítulo 1, seção 1.4.8 e capítulo 2, seção 2.2.2 deste trabalho. 14 Isto constituiu – e ainda constitui – um ponto confuso na literatura marxista. Marx, embora atribuísse à sociedade por ações, o papel de instrumento importante no processo de concentração do capital, também apontou para o caráter destrutivo da concorrência intercapitalista, através da qual os empreendedores bem-sucedidos eliminavam os capitalistas de menor porte ou menos competitivos. A ênfase no aspecto predatório deste processo acabou por induzir alguns autores a confundir aquilo que deveria ser tratado como dois movimentos: centralização do controle sobre os recursos produtivos e a centralização da propriedade capitalista.
107
relativo ao capital variável. O crédito portanto desenvolve o papel de acelerador da rotação do
capital e mesmo da concentração.15
Fundamentalmente, a centralização do capital permite ao sistema de crédito antecipar
o processo de produção do capital, antecipar a reprodução ampliada do capital e,
conseqüentemente, a concentração do capital e, em particular, da parte fixa do capital.
Segundo este esquema de Marx, podemos conceber que em uma fase do
desenvolvimento capitalista, a do capitalismo financeiro e do imperialismo, o processo de
concentração realiza-se completamente na centralização do capital e no crédito antes mesmo
que na concentração dos meios de produção. Neste caso, o grau de concentração dos meios de
produção de cada empresa singular não apenas é inferior ao grau de centralização do capital
financeiro ou de crédito, como é natural. Mas se pode ter o máximo de centralização do
capital e do crédito (um único centro financeiro-creditício, um único banco) e o mínimo de
concentração de empresas. Um banco e milhões de empresas, por exemplo, pode ser o caso da
indústria.
Enquanto o crédito medeia, acelera e aumenta a concentração em uma única mão,
contribui para abreviar o processo de trabalho e portanto o tempo de rotação. Se o crédito
aumenta a concentração, será enfim esta a determinar o aumento da produtividade do trabalho
e, definitivamente, a aumentar a massa de lucro que aflui, conforme podemos identificar
numa empresa sem capital, onde tudo se constitui a crédito. Para que o aumento da
produtividade do trabalho, por um lado compense a queda da taxa de lucro e por outro acelere
a rotação do capital16 antecipado pelo crédito, a concentração dos meios de produção das
empresas também aumenta. De outro modo, se a composição orgânica do capital permanece
15 “A execução de obras de grande escala e de período de trabalho bastante longo só passa a ser atribuição integral da produção capitalista, quando já é bem considerável a concentração do capital, quando o desenvolvimento do sistema de crédito proporciona ao capitalista o cômodo expediente de adiantar e portanto de arriscar, em vez do seu, o capital alheio.”(MARX, 1996, L.II, p.248) 16 Período em que o valor-capital se move a partir do momento em que é adiantado sob determinada forma até o momento em que volta à mesma forma.
108
baixa a ponto de frear a queda da taxa de lucro, contemporaneamente a produtividade do
trabalho e a rotação do capital permanecerão baixos.
A máxima centralização do capital não assegurará por si só o máximo da rotação. O
crédito direcionará o capital antecipado para uma massa de empresas de baixa concentração.
Verificar-se-á uma diferença notável entre a centralização do capital e a concentração na
empresa, mesmo que a tendência seja sempre o aumento da concentração dos meios de
produção na empresa. A diferença, a qual repercutirá nos ritmos da rotação do capital, será
conseqüentemente entre o ritmo da centralização do capital e o ritmo de concentração da
empresa.
Marx, já analisando o tempo de circulação na rotação do capital, sublinha que a
concentração de capitais tem como elemento favorito o desenvolvimento dos meios de
transporte:
Do outro, porém, essa facilidade particular de tráfego e a resultante rotação acelerada do capital (enquanto é determinada pelo tempo de circulação) apressam a concentração dos centros de produção e dos respectivos mercados. Com a concentração acelerada, em determinados pontos, de massas de seres humanos e de capitais, progride a concentração em poucas mãos dessas massas de capitais (idem, p.266.).
Quando se analisa o processo de concentração e se põe o problema de avaliar o grau
de concentração, é necessário não esquecer este aspecto. A análise da centralização de capital
não é suficiente para compreender todo o processo da concentração e portanto, todos os
fatores que a aceleram, por exemplo, o desenvolvimento dos meios de transporte, da
concentração dos centros de produção e de mercado, como lembra Marx.
A centralização de capital, já permitido o aumento da produtividade do trabalho, põe
em movimento um processo que se apóia sobre as leis objetivas em recíproca influência dos
fatores. O grau de concentração será pois o resultado jamais estático, e sempre dinâmico, da
ação combinada de todos os fatores. Isto explica porque os graus de concentração são
extremamente variáveis em cada país e em escala mundial e como o desenvolvimento
109
desigual do capitalismo manifesta-se também através da variabilidade dos graus de
concentração. A concentração é o aspecto do desenvolvimento capitalista que identificamos,
aplicando determinados critérios científicos e somente com base nestes, podemos estabelecer
uma comparação coerente entre indústrias, entre setores, entre economias de vários países.
Porém quando da comparação entre estes últimos, passamos à análise de todo o processo,
devemos ter em conta todos os fatores e ter presente que sua ação dialética determina
definitivamente uma dada situação.
Para se ter êxito na compreensão de todo o processo de concentração e nas leis que o
regulam, devemos ver dois outros aspectos tratados por Marx. O primeiro se refere à
acumulação e à reprodução ampliada vista desta vez não no processo de produção, mas no
processo de circulação de capital.
Na terceira seção do Livro II d’O Capital, Marx trata da reprodução e da circulação de
todo o capital social: assim se põe o problema de analisar a acumulação capitalista no
Departamento I, ou seja, na seção que produz os meios de produção. Como aparece a
concentração de capital neste departamento? Conforme citado anteriormente, o autor afirma,
no primeiro livro, que a concentração não é outra coisa que não a expressão diferente para a
reprodução ampliada. Entretanto, como o capital produto da reprodução ampliada pode
concentrar-se, só podemos vê-lo seguindo o processo de circulação de todo capital social.
Será portanto tarefa do sistema de credito concentrar todo o capital inativo num determinado
momento, fazendo-o circular e introduzindo-o no processo de produção, transformando-o em
ativo.
O outro aspecto tratado por Marx refere-se ao processo global da produção capitalista.
No terceiro Livro, a concentração é vista não mais na produção e na circulação de capital, mas
no processo global e no papel que exerce na transformação da mais-valia em lucro e da taxa
de mais-valia em taxa de lucro.
110
Marx identifica como a concentração dos meios de produção e a concentração dos
trabalhadores intervêm sobre a diminuição do emprego do capital constante:
Numa grande fábrica, os custos de um ou dois motores centrais não aumentam na mesma proporção da força desses motores, a qual determina o possível raio de ação deles;...A concentração dos meios de produção traz ainda economias em construções de toda espécie, não ‘so as destinadas a oficinas, mas também a armazenamento, etc. Toda essa economia oriunda da concentração dos meios de produção e de seu emprego em massa tem por condição essencial que os trabalhadores se aglomerem e atuem em conjunto, a combinação social do trabalho, portanto...que a mais-valia provém do trabalho excedente de cada trabalhador, isoladamente considerado (idem, Livro III, p.88 e 89).
Marx sustenta que a economia no emprego de capital constante em um setor da
produção “se apresenta como a condição determinante da diminuição de valor, e portanto do
custo dos meios de produção em outros ramos de atividade”. A economia no emprego de
capital constante deriva dessa forma, do fato de o aumento da taxa de lucro em um ramo da
indústria ser o resultado do desenvolvimento da produtividade do trabalho em outro ramo.
Marx toma o exemplo do desenvolvimento da produtividade do trabalho na produção
de ferro, que diminuiu os custos dos meios de produção para a indústria têxtil, permitindo-a
assim aumentar a taxa de lucro17.
A concentração monopolista certamente não se caracteriza pelos aspectos do
“monopólio técnico”, “lucro máximo” e “preços de monopólio”, sempre em busca da defesa
de uma indústria “não monopolista” ou de uma bandeira para proteger uma nação do
“monopólio estrangeiro”.
Na análise de Marx, de acordo com Shaikh (1990, p. 52), “ambos os fenômenos
emanam da batalha da concorrência e, por sua vez, servem para intensificá-la”. A
concentração e a centralização têm intensificado a concorrência, ao invés de anulá-la,
apoiando assim a teoria da concorrência enunciada por Marx. Não obstante no interior da
tradição marxista alguns autores sustentarem que o capitalismo moderno está regulado pelos
17 Trata-se de um fenômeno inverso ao descrito por alguns teóricos, como Sweezy por exemplo, com sua teoria do monopólio.
111
resultados das relações de poder entre os monopolistas, os trabalhadores e o Estado, é
necessário reforçar a formulação apresentada por Marx de que a concorrência é a
característica fundamental do capitalismo e da produção mercantil em geral, conforme destaca
Lênin (1986, p.641). O monopólio surge da livre concorrência, pois
Esta começou a transformar-se diante dos nossos olhos em monopólio, criando a grande produção, eliminando a pequena, substituindo a grande produção por outra ainda maior, e concentrando a produção e o capital a tal ponto que do seu seio surgiu e surge o monopólio: os cartéis, os sindicatos, os trusts e, fundindo-se com eles, o capital de uma escassa dezena de bancos que manipulam milhares de milhões. Ao mesmo tempo, os monopólios, que derivam da livre concorrência, não a eliminam, mas existem acima e ao lado dela, engendrando assim contradições, fricções e conflitos particularmente agudos e intensos (LÊNIN, 1986, p.641).
Coerentemente com a abordagem marxista sobre a concentração monopolista, Lênin
negará que o monopólio provoque a estagnação econômica e tecnológica e alegará ao
contrário: “ a concorrência se transforma em monopólio. Resulta de um imenso processo de
socialização da produção. Em particular, socializa-se o processo de aprimoramentos e das
invenções técnicas.
O desenvolvimento da produtividade do trabalho em um outro ramo da indústria é um
resultado indireto. Tem-se diretamente uma economia de capital constante “graças à
concentração dos trabalhadores e à sua cooperação em vasta escala...”, pois máquinas,
instalações e edifícios custam proporcionalmente menos para os grandes que para os
pequenos complexos de produção. Ou seja, obtêm maior mais-valia na maneira mais
econômica possível com os mais baixos custos possíveis.
A economia de capital constante que se verifica com a concentração dos trabalhadores
age como causa contrária à queda tendencial da taxa de lucro. Mas esse é um aspecto do
processo de concentração de capital e, conseqüentemente, da tendência geral ao aumento
relativo da parte constante da composição do capital e da queda da taxa de lucro.
Na terceira seção do Livro III, Marx analisa a lei da queda tendencial da taxa de lucro.
O capítulo 15 é dedicado justamente ao “Desenvolvimento das contradições internas da lei”.
112
Nele Marx imediatamente especifica a relação entre a concentração de capital e a lei da queda
da taxa de lucro afirmando que a queda da taxa de lucro e a aceleração da acumulação são
simplesmente diferentes expressões de um mesmo processo, ambas exprimindo o
desenvolvimento das forças produtivas. Esta equação vem a complementar aquela apresentada
no Livro I (concentração=reprodução em escala ampliada), da qual teremos:
concentração=acumulação=tendência à queda da taxa de lucro. A acumulação acelera a
tendência à queda da taxa de lucro, enquanto determina a concentração de trabalho em ampla
escala e, por conseguinte, uma composição superior de capital.
Por outro lado, a diminuição da taxa de lucro por sua vez acelera a concentração de
capital e a sua centralização, mediante a expropriação de pequenos capitalistas pelos últimos
produtores diretos sobreviventes. A acumulação enquanto massa vem dessa forma acelerada,
enquanto a taxa de acumulação diminui junto com a taxa de lucro.
Por outro lado, como a taxa de valorização do capital global, a taxa de lucro é o
estímulo da produção capitalista (dado que a valorização de capital constitui o único
objetivo); sua queda afrouxa a formação de novos capitais independentes e aparece como uma
ameaça para o desenvolvimento do processo capitalista de produção: favorece a
superprodução, a especulação, a crise, um excesso de capital contemporaneamente a um
excesso de população.
Vale ressaltar que tomamos a centralização, com base na análise marxista, enquanto
tendência – e como tendência predomina – que é acompanhada pela “repulsão de capitais”,
isto é a formação de novos e decomposição dos antigos. A queda da taxa de lucro não impede
a formação de novos capitais; pelo contrário ela pode ser um estímulo, dentre muitos outros,
para o surgimento de novos pequenos capitais em novos ramos de produção. Basta lembra o
surgimento da indústria automobilística e da informática (hard e soft); claro que essas
indústria caminharam muito aceleradamente para a concentração – mas isso mostra que a
113
concentração/centralização é um processo contínuo na sociedade capitalista e portanto não
tende a um único grande capital como advogam as teses “superimperialistas”.
Coligando a lei da concentração às suas três principais contradições intrínsecas (as
quais seguem), encontramos em Marx a seguinte caracterização: o lucro, mesmo diminuindo
como taxa, aumenta como massa e isto implica uma concentração de capital; a segunda
contradição reside no fato de a queda da taxa de lucro aumentar o mínimo de capital
necessário para o capitalista disponibilizar a fim de pôr em operação o processo de produção,
e a crescente concentração necessária provocar uma nova diminuição da taxa de lucro não
compensada por sua massa; por fim, o capital, na sua concentração, consegue assim ser uma
potência social que domina a sociedade, uma potência da qual o capitalista não é outro senão
um agente.
Concentração, divisão de trabalho, criação de mercado são aspectos interdependentes
do dialético processo de desenvolvimento capitalista. O movimento da evolução histórica que
parte da propriedade privada e do trabalho social e desembarca no capital social, negação de
uma e de outra. A um certo grau, o capital social terá um nome específico: imperialismo.
Enfim, a concentração “é apenas outra expressão para a reprodução em escala
ampliada”. Assim Marx a define no capítulo 23 do Livro I d’ O Capital (1985, p.197). Em
outros termos, a concentração é o desenvolvimento e extensão das relações de produção
capitalista.
Marx analisa o processo de produção do capital e expõe a teoria da concentração na
descrição do processo de acumulação de capital. A concentração de capital é apontada como
um aspecto da lei geral da acumulação capitalista. Podemos vê-lo claramente se seguimos
analisando Marx, ao explicar a mudança na composição orgânica do capital ou, como este
esclarece com precisão, entitulando o capítulo “Decréscimo relativo da parte variável do
114
capital com o progresso da acumulação e da concentração que a acompanha” (MARX, 1985,
Livro I, cap. XXIII, p.193).
Acumulação e concentração são, portanto, duas expressões diversas de um mesmo
processo. Marx explica o mecanismo através da produtividade do trabalho social:
(...)o desenvolvimento da produtividade do trabalho social torna-se a mais poderosa alavanca da acumulação ... o grau de produtividade social do trabalho se expressa no volume relativo dos meios de produção que um trabalhador, durante um tempo dado, com o mesmo dispêndio de força de trabalho, transforma em produto (MARX, idem, p.194).
O desenvolvimento da produtividade do trabalho social encontra-se na base do
processo de acumulação-concentração. Este processo determina uma diminuição relativa da
parte variável do capital, ou seja, uma mudança na composição orgânica do capital (MARX,
1985). O autor então identifica tal condição no fato de neste processo intervir um outro
fenômeno a determinar a composição orgânica do capital: a centralização do capital, a qual vê
distinta da concentração. Melhor, podemos dizer que é a dialética centralização-concentração
a determinar a tendência histórica do capitalismo que aqui designamos concentração. Para
confirmar esta relação dialética convém retomar Marx:
Esta já não é concentração simples, idêntica à acumulação, de meios de produção e de comando sobre o trabalho. É concentração de capitais já constituídos, supressão de sua autonomia individual, expropriação do capitalista, transformação de muitos capitais menores em poucos capitais maiores. O capital se expande aqui numa mão, até atingir grandes massas, porque acolá ele é perdido por muitas mãos. É a centralização propriamente dita, distinguindo-se da acumulação e da concentração (ibid., p. 196).
Porém, a extensão relativa e a energia do movimento centralizador são determinados,
em certo grau, pela grandeza já atingida da riqueza capitalista e pela superioridade do
mecanismo econômico. E é isto especificamente que distingue a centralização da
concentração, a qual se trata não mais do que uma expressão diferente para indicar a
reprodução sobre escala ampliada.
A centralização pode se dar em virtude de uma simples mudança na distribuição dos
capitais já existentes, isto é, de uma simples mudança quantitativa das partes constitutivas do
115
capital social. O exemplo é fornecido no mesmo capítulo. Afirma Marx: “Mas é claro que a
acumulação, (...) é um processo bastante lento, se comparado com a centralização (...)
mediante as sociedades por ações chegou a esse resultado num piscar de olhos” (ibid., p. 198).
Do desenvolvimento da produtividade do trabalho social à sociedade por ações: assim é o
curso da lei da concentração no processo de produção do capital. Com o desenvolvimento da
centralização do capital, já temos a concentração monopolista.
A concentração monopolista certamente não se caracteriza pelos aspectos do
“monopólio técnico”, “lucro máximo” e “preços de monopólio” e, portanto não deve ser
confundida com o conceito neoclássico de monopólio.
Na análise de Marx, de acordo com Shaikh (1990, p. 52), “ambos os fenômenos
emanam da batalha da concorrência e, por sua vez, servem para intensificá-la”. A
concentração e a centralização têm intensificado a concorrência, ao invés de anulá-la,
apoiando assim a teoria da concorrência enunciada por Marx. O monopólio surge da livre
concorrência, pois
Esta começou a transformar-se diante dos nossos olhos em monopólio, criando a grande produção, eliminando a pequena, substituindo a grande produção por outra ainda maior, e concentrando a produção e o capital a tal ponto que do seu seio surgiu e surge o monopólio: os cartéis, os sindicatos, os trusts e, fundindo-se com eles, o capital de uma escassa dezena de bancos que manipulam milhares de milhões. Ao mesmo tempo, os monopólios, que derivam da livre concorrência, não a eliminam, mas existem acima e ao lado dela, engendrando assim contradições, fricções e conflitos particularmente agudos e intensos. (LÊNIN, 1986, p.641)
A concorrência permanece apesar dos monopólios. Obviamente, entende-se
concorrência em escala internacional e não entre artesãos e monopólios.
Retomaremos o desenvolvimento em Marx de algumas das principais categorias tais
como capital portador de juros e capital fictício, pivô de grandes e graves confusões entre os
autores que discutem a dinâmica mundial contemporânea no campo do marxismo. O estudo
da categoria capital fictício, no Capital de Marx, representa um importante passo teórico para
a compreensão do capitalismo contemporâneo.
116
2.2.2 - Capital e suas formas: desenvolvimento categorial em Marx
Pondo-nos o problema a partir do momento no qual, no primeiro livro, aparece a
categoria ‘capital’. Referimo-nos à segunda seção onde Marx explica que o dinheiro se torna
capital quando, na circulação e fora dela, aumenta sua grandeza, agregando ao seu valor um
mais-valor.
é uma crescente apropriação de riqueza abstrata. [é um] impulso absoluto ao enriquecimento, [uma] caça apaixonada por valor [que se materializa no] movimento incessante do ganhar (MARX, 1996, LI, p.173).
Este impulso, ou motivo, ou instinto, se encontra na base das seções restantes do livro
(sobre a produção da mais-valia absoluta, da mais-valia relativa, sobre a acumulação) e da
obra em sua totalidade. O próprio Marx o indica, no capítulo VIII d’O Capital, chamando-o
de “instinto vital” do capital, sua “voracidade de mais-trabalho”, a “sede de vampiro (...) de
vivo sangue do trabalho”; e ainda: o “instinto imanente e tendência constante (...) [para]
aumentar a força produtiva do trabalho” (idem, pp.263-7).
Sem dúvida, é justamente este instinto que motiva o capital não apenas na luta contra a
força de trabalho, mas também na luta contra os outros capitais. Se o capital quer afirmar-se
(e também apenas se manter) sobre o mercado, deve sempre se colocar em busca de uma
maior mais-valia absoluta e relativa e (em condições normais de circulação de capital) de uma
taxa mais elevada de acumulação. O capitalista como personificação do capital, compartilha
com o entesourador o instinto absoluto ao enriquecimento. Se o que nesta pessoa se apresenta
como mania individual, no capitalista é efeito do mecanismo social, sendo apenas uma roda
de engrenagem.
Trata-se de um impulso interno, próprio da natureza do capitalismo, que todavia,
através da concorrência, impõe-se portanto ao externo.
O conceito de capital, de acordo com Carcanholo e Nakatani (1999) expressa o valor
em determinado estágio do seu desenvolvimento e consiste em uma relação social expressa
117
que se substantiva18. Trata-se de processo e não coisa, desprovida de movimento, dado que se
trata de uma seqüência “estruturada de metamorfoses em que o agente valor assume ora a
forma de dinheiro, ora a forma de mercadorias” (CARCANHOLO e NAKATANI,1999, p.4).
No que se refere ao conceito de valor-capital, este se encontra em um nível de
abstração mais elevado, e parece não existir na realidade concreta19. Os autores afirmam que
Marx resolve o problema e concretiza a análise através do conceito de capital industrial, o
qual aparece como se fosse igual ao de capital, com novo nome. Porém, trata-se de um
conceito em outro nível de abstração, o qual para ser descoberto e exposto, Marx nos
capítulos 1 e 4 analisa a circulação completa do capital e as funções que suas diversas formas
devem cumprir, conforme Carcanholo e Nakatani. Estas constituem funções cumpridas pelas
formas nas quais o valor assume ao longo do seu ciclo completo: D-M (P) ... M’- D’. Tais
formas são denominadas por Marx como: capital-dinheiro20 (D), capital-produtivo (P) e
capital-mercadoria (M’). O capital produtivo é constituído por meios de produção e força de
trabalho. Portanto, o valor-capital assume a forma de capital-dinheiro, para cumprir as
funções do dinheiro, isto é, meio geral de compra e meio de pagamento, convertendo-se em
elementos materiais do capital-produtivo depois da compra. A conversão (metamorfose) do
capital da sua forma capital-dinheiro para capital-produtivo está contida na expressão D-M.
Assumindo a forma de meios de produção e força de trabalho, o capital cumpre as
funções produtivas, ou seja, deve criar valor e mais-valia. Na seqüência, o valor-capital
assume a forma de capital-mercadoria, impregnada de mais-valia, a fim de cumprir as funções
de mercadoria: os produtos que o constituem devem ser vendidos. Enfim, de acordo com
18 Em outro texto, Carcanholo e Sabadini (2006) também apresentam o conceito de capital substantivo como aquele que engloba o capital produtivo mais o capital comercial ou mercantil. 19 Vale ressaltar que apesar disso, o valor –capital na realidade existe, entretanto sob formas de manifestação não imediatamente referidas ao seu conteúdo. 20 Capital-monetário corresponde à tradução feita na edição da Nova Cultural. Chesnais (1996) utiliza a expressão em francês capital-argent, sendo esta traduzida como capital-monetário. Mas para Klagsbrunn (2007) a mais fiel expressão seria capital-dinheiro.
118
Carcanholo e Nakatani, trata-se de “formas destinadas a cumprir funções específicas no ciclo
do capital” (1999, p.5), formas funcionais, conforme as designam.
O capital industrial é aquele que ao longo do seu ciclo adota e abandona suas
sucessivas formas funcionais (capital-dinheiro, capital-produtivo e capital-mercadoria), em
oposição a capital-comercial e capital portador de juros21 e não ao capital agrário. Num
primeiro momento o conceito é tratado como se todas as funções fossem cumpridas pelo
mesmo empresário. Assim, o conceito de capital se confunde com o de capital industrial. Em
seguida, Marx explicita que as diversas formas funcionais se autonomizam devido à divisão
social das tarefas entre os capitalistas.
Dessa forma, os autores acima afirmam que o capital-industrial, isto é, a síntese global
e abstrata da circulação de três formas autônomas de capital (capital portador de juros, o
capital produtivo e o capital comercial), corresponde ao mesmo conceito de capital, mas em
nível mais concreto de análise. Porém é provável que cumpra diferentes funções e não
necessariamente de um único capital industrial. Portanto, a operação de um capital individual,
ressaltam os autores, só pode ser entendida, e aproximado da complexidade do real, como
realizando parcial ou totalmente diversas funções.
Parece-nos necessário esclarecer aqui que capital industrial não pode ser confundido
com indústria. Capital industrial equivale àquele produtivo, gerador de mais-valia, na teoria
marxiana22, e portanto pode comportar muito do que se toma hoje como serviços. O que
define se um capital é produtivo ou não, se é industrial, é o fato de o ciclo do capital se
apresentar em distintas formas, uma após a outra, e necessariamente produzir mais-valia a
partir do resultado do consumo do valor-de-uso da força de trabalho. A relação social que se
estabelece (capital X trabalho) é o que deve ser levado em consideração na categoria de
21 Vale ressaltar que neste trabalho utilizo a tradução apresentada por Klagsbrunn (2007) d’O Capital, capital portador de juros e não capital a juros conforme aparece em Carcanholo e Nakatani (2006). 22 Para um aprofundamento em relação à categoria vale conferir a exposição de Marx na primeira seção do Livro II d’O Capital.
119
capital industrial; portanto mesmo o que não é tido como indústria pode ser caracterizado
como capital industrial.
Não obstante o capital portador de juros e comercial se apropriarem de parte da mais-
valia sem produzi-la, ele não é parasitário, tendo em vista que contribui para que o capital
produtivo o faça. Permite que o capital, em seu conjunto, seja mais eficiente.
O capital a juros se subordina à lógica do capital industrial. Durante determinado estágio de desenvolvimento do capital, o capital produtivo é o dominante, subordinando à sua lógica tanto o capital a juros como o capital comercial. Esse é o estágio da existência e do predomínio do capital industrial no qual o pólo dominante é o capital produtivo (...) Historicamente, no entanto, o capital usurário (também o capital comercial) é preexistente ao capital industrial e deve ocorrer um processo para sua subordinação (CARCANHOLO e NAKATANI, 2006, p.6).
Oportunamente, devemos retomar Lênin aqui, quando afirmava que a atual fase do
desenvolvimento capitalista, denominada por Lênin (1986) imperialista, na qual o capital
bancário funde-se ao industrial e comercial para dar vida ao capital financeiro. O
imperialismo continua sendo a fase superior do capitalismo, e um traço distinto deste continua
sendo a ascensão do capital financeiro. Porém atualmente o imperialismo se utiliza da lógica
do capital fictício para impor sua dominação, e não a do capital financeiro, como no início do
século passado. Este produto se aperfeiçoa e se complexifica posteriormente em uma
multiplicidade de novas formas, seja através de fundos de investimentos, fundos de pensão, de
crédito telefônico ao virtual sobre rede de Internet. Seu objetivo é sempre render efetivamente
“todo o capital disponível e também potencial da sociedade” (LÊNIN, 1986, p. 610) .
Este mesmo conceito é designado por Chesnais (2005) com o termo “finança”, e
corresponde exatamente ao capital portador de juros. A fim de evitar a imprecisão nos
conceitos que fundamentam o desenvolvimento deste trabalho, apresentaremos as principais
categorias com as quais trabalharemos. O capital portador de juros, o dinheiro de crédito e o
capital fictício.
120
Para Marx, no sistema de reprodução do capital encontram-se as condições que
fundamentam o capital portador de juros, forma pura de capital autonomizado que constitui
uma das bases do capital bancário e do sistema de crédito.
Parte do capital global encontra-se necessariamente e sempre de novo na forma
dinheiro:
Parte do capital global social encontra-se continuamente nessa forma de existência, como capital de circulação no mercado, empenhado no processo dessa metamorfose, embora para cada capital individual, sua existência como capital mercadoria e sua metamorfose enquanto tal apenas constituam um ponto de passagem em constante desaparecimento e constantemente renovado, um estágio de passagem da continuidade de seu processo de produção (MARX, 1985, L.III, cap. XVI, p.193) .
Mais tarde Hilferding (1985, p.77) destaca a importância do refluxo das parcelas do
capital fixo incorporadas ao valor da mercadoria na formação do capital emprestável. O
capital fixo só é substituído ou ampliado em prazos relativamente longos. No hiato entre a
realização da produção e um novo investimento em capital fixo forma-se uma massa de
capital monetário disponível. Na verdade, também o capital variável propicia este acúmulo, só
que em espaço de tempo menor, pois os salários são pagos periodicamente, só depois que o
trabalho foi realizado.
A concentração destes recursos, momentaneamente sem papel no processo de
reprodução do capital, em instituições bancárias especializadas na intermediação entre
tomadores e emprestadores de capital monetário acompanha o desenvolvimento do comércio
de mercadorias.
Nas mãos do produtor que vende por conta própria, o capital de comércio de
mercadorias aparece apenas como uma forma particular de capital numa fase de seu processo
de reprodução. Quando a operação comercial se torna negócio próprio separado das funções
do capital industrial o capital de comércio de mercadorias se autonomiza.
121
O capital de comércio de mercadorias não produz valor, mas apenas medeia sua
realização. A mais valia que lhe cabe constitui parte da mais valia gerada pelo capital
produtivo global.
Do capital global se separa e se autonomiza determinada parte em forma de capital
dinheiro cuja função consiste, exclusivamente, em executar para a classe capitalista as
operações puramente técnicas que o dinheiro realiza no processo de circulação.
Assim como no caso do capital de comércio de mercadorias, parte do capital industrial, existente no processo de circulação na forma de capital monetário, se separa e executa essas operações do processo de reprodução para todo o capital restante (MARX, 1985, Livro III, cap. XVII, p.203).
O desenvolvimento dialético das formas de capital faz com que essas operações sejam
realizadas para toda a classe capitalista, por agentes especializados com as funções exclusivas
de pagamentos, cobranças, operações de conta corrente, etc. (idem, cap.XVIII, p.227). Esta
função, de capital comerciante de dinheiro, termina por concentrar nas instituições bancárias
grande massa de dinheiro.
Em termos gerais, o negócio bancário, sob esse aspecto, consiste em concentrar em suas mãos o capital monetário em grandes massas, de modo, que, em vez do prestamista individual, são os banqueiros, como representantes de todos os prestamistas de dinheiro que confrontam os capitalistas industriais e comerciais (idem, cap. XXV, p.287).
Na base do sistema de crédito encontram-se as letras de câmbio emitidas contra os
compradores das mercadorias (comerciantes que prometem um pagamento em valor e prazo
determinados), e contra outros capitalistas em geral. No embrião do sistema de crédito, estas
notas passam a circular entre os comerciantes e em suas relações com as casas bancárias.
Como contrapartida do desconto antecipado das letras de câmbio, das operações de
crédito concedidas, e dos depósitos em metal recebidos, as casas bancárias emitiam notas
representativas de parte de suas reservas e que passavam a circular junto ao público,
enquanto, evidentemente, perdurasse o crédito da instituição financeira. A aceitação destas
notas bancárias, emitidas pela instituição financeira, ou pelo Banco Central, implica na
122
existência de um crédito social. Nos momentos em que a desconfiança no sistema se
generaliza, a busca por ativos reais aumenta, e a insolvência bancária se alastra.
Mesmo quando a conversibilidade era, formalmente aceita, a criação de depósitos
pelos empréstimos e a circulação dos cheques já levava o capitalismo a extrapolar os limites
estabelecidos pela conversibilidade.
Na verdade, ainda quando a moeda de ouro circulava, seu valor nominal já se afastava
do valor correspondente ao peso do metal, face ao desgaste ocasionado pela própria
circulação.
Para Marx (idem, cap. XXI, p.253), toda a mais-valia é gerada na atividade de
produção, função da mais-valia apropriada pelo capitalista. O capital portador de juros,
mesmo não envolvido diretamente na produção, retira seu rendimento do fato de apoderar-se
de parte da mais-valia originada no setor produtivo. O nível da taxa de juros, que influi sobre
a divisão da mais-valia em juro e lucro é regulado pela procura e oferta de capital de
empréstimo, isto é, pela concorrência, inteiramente como os preços de mercado das
mercadorias. A diferença aqui, é que no caso das mercadorias, seus preços são regulados
pelas leis internas da produção capitalista, enquanto que no caso da taxa de juros não há
qualquer lei subjacente à concorrência.
Como capital portador de juros, e precisamente em sua forma diretamente como capital monetário portador de juros, o capital recebe sua forma pura de fetiche (...). No processo de reprodução do capital, a forma dinheiro é evanescente, um mero momento de transição. No mercado monetário, ao contrário, o capital existe sempre nessa forma. Gerar dinheiro parece tão próprio ao capital nesta forma de capital monetário, quanto crescer às árvores (idem, cap. XXIV, p.279).
O capital portador de juros é função e parte fundamental do capital bancário. Ele se
apresenta representado pelos ativos bancários, títulos públicos e privados, bem como pelos
títulos de propriedade de empresas, as ações. Tanto os títulos de renda fixa quanto as ações
são negociados em mercados secundários e seus preços são diferentes do valor de face. O
valor dos títulos assim fixado em mercado constitui capital fictício, em contraposição ao
123
capital real: ele não existe de fato, constituindo-se, apenas em representação de direitos a
rendimentos originários de dívidas contraídas anteriormente. No momento em que as dívidas
foram contraídas, os recursos podem ter sido direcionados para a atividade produtiva tendo
sido utilizados como capital real. Só que os mesmos recursos não podem ter dupla utilização
como capital.
(...) A maior parte do capital bancário é, portanto puramente fictícia e consiste em títulos de dívida (letras de câmbio), títulos de dívida pública (que representam capital passado) e ações (direitos sobre rendimento futuro). Não se deve esquecer que o valor monetário do capital que esses papéis nas caixas fortes do banqueiro representam – mesmo à medida que são direitos sobre rendimentos seguros como nos casos dos títulos da dívida pública ou à medida que são títulos de propriedade de capital real (como no caso das ações) - é completamente fictício e que é regulado de modo a se desviar do valor do capital real que, pelo menos parcialmente, representam; ou onde representam mero direito a rendimentos e não capital, o direito ao mesmo rendimento se expressa num montante sempre variável de capital fictício. Além disso, esse capital fictício do banqueiro, em grande parte, não representa seu próprio capital, mas o do público, que o deposita com ele, com ou sem juros (idem, cap. XXIX, p.7).
O processo de acumulação financeira aparentemente autonomizada foi observado por
Marx, que o relaciona ao fetichismo do capital levado a sua forma mais completa:
O processo de produção capitalista aparece somente como um intermediário inevitável, um mal necessário para produzir dinheiro. ”Aqui a figura fetichista do capital e a concepção do fetiche-capital está acabada. Em D – D’ temos a forma irracional do capital, a inversão e reificação das relações de produção em sua potência mais elevada: a figura portadora de juros, a figura simples do capital, na qual este é pressuposto de seu próprio processo de reprodução; a capacidade do dinheiro, respectivamente da mercadoria, de valorizar seu próprio valor, independentemente da reprodução – a mistificação do capital em sua forma mais crua” (idem, cap. XXIV, p. 279).
A expansão do capital monetário nos dias de hoje e suas formas de apropriação do
valor produzido na esfera produtiva é discutida por diversos autores.
O papel do capital atuante na chamada área financeira sempre teve sua importância
destacada pelas correntes marxistas nos processos de concentração e centralização do capital.
Nos grupos econômico-financeiros da atualidade, as empresas produtivas canalizam parte de
seus recursos ao mercado financeiro. Além da aplicação a juros, dos recursos
momentaneamente não envolvidos no processo produtivo há a necessidade de proteção face
às oscilações cambiais, conseguida por meio de intervenções nos mercados derivativos, bem
124
como a participação em estratégias especulativas que envolvem a totalidade do grupo. Alguns
autores definem este processo, como uma acumulação sob domínio da esfera financeira. A
perspectiva deste trabalho é de que a acumulação de valor na esfera financeira é produzida
na esfera produtiva, considerando que assume o conceito de capital financeiro de Hilferding.
Reconhece-se, porém, que a liberalização dos movimentos de capitais ocorrida, mais
intensamente a partir dos anos 80, elevou a multiplicação do capital financeiro a níveis nunca
alcançados e permitiu a seus detentores uma participação crescente na riqueza produzida.
A quase totalidade dos ativos bancários é constituída de capital fictício -categoria hoje
extremamente rica para entender a contemporaneidade - e seu processo de valorização tende a
se desviar do valor do capital real23 que formalmente representam. O texto de Marx (idem,
cap. XXIX, p.3) sobre o capital bancário detalha uma constituição de ativos semelhante
àquela que os bancos apresentam, nos dias de hoje. De acordo com Feria (2006), o crédito é o
ponto de partida para compreender a natureza do capital fictício, pois, conforme assinala
Marx “permite desdobrar com um maior intervalo entre si os atos da compra e a venda,
servindo portanto de base à especulação” (ibid., LIII, p.421)
No sistema de crédito, a busca pela centralização dos fluxos de capitais disponíveis e
potenciais da sociedade é incessante, e os últimos dois decênios do século XX foram
caracterizados por um profundo e amplo processo de reorganização, reestruturação do capital
financeiro mundial em todos os maiores mercados.
Sobre o plano econômico, o imperialismo (ou a época do capital financeiro), é a fase superior do desenvolvimento do capitalismo, aquela fase na qual a produção assumiu proporções tais que o monopólio substituiu a livre concorrência. Esta é a substância econômica do imperialismo”24.
23 Aqui vale ressaltar que, conforme argumentam Carcanholo e Sabadini (2007) o capital fictício é ao mesmo tempo real e fictício, pois tal conceito ganha pertinência justamente nessa dialética real/imaginária, a qual parece uma contradição em termos. 24 Extraído de LENIN em obra intitulada Em torno de uma caricatura marxista. Vale ressaltar que Lênin parte sempre da concentração da produção e agrega o poder dos bancos.
125
Que características apresenta o estágio atual do capitalismo mundial mais
especificamente desde o final dos anos 70 e princípios dos 80? Segundo Carcanholo e
Sabadini (2007), a discussão em torno desta questão passa pelo conceito de capital fictício e
pelo entendimento do nexo indissolúvel entre a apropriação especulativa e o capital produtivo,
onde se produz o excedente sob a forma de mais-valia.
Nos dias atuais, o capital fictício se transformou em dominante25 (CARCANHOLO E
SABADINI, 2007), conclusão que se extraí a partir dos diversos capítulos do Livro III d’O
Capital. Faz-se necessário lembrar que os conceitos de capital fictício e de capital portador de
juros são totalmente distintos, ainda que o primeiro surja como conseqüência da existência do
segundo. O capital portador de juros produz uma ilusão social e é exatamente a partir desta
que aparece o capital fictício. Quando o direito a uma remuneração regular está representado
por um título que pode ser comercializado, vendido a terceiros, converte-se no capital fictício,
cuja forma vem representada legalmente pelo título comercializável.
Assim, o capital fictício nasce como conseqüência da existência generalizada do capital portador de juros, porém é o resultado de uma ilusão social. Então por que devemos chamá-lo de capital fictício? A razão está no fato de que, por detrás dele não existe nenhuma substância real e porque não contribui em nada para a produção ou a circulação da riqueza, pelo menos no sentido de que não financia nem o capital produtivo, nem o comercial (CARCANHOLO Y SABADINI, 2007, p.3, tradução nossa).
O capital portador de juros aparece sob a forma de uma autonomização da valorização,
de acordo com Marx, de maneira mistificadora, dado que os juros são apropriados sem
trabalho e parece existir separado de toda conexão com o excedente produzido pelo trabalho.
O desenvolvimento do crédito proporciona ao capital portador de juros importância e
dimensão maiores no sistema capitalista, por estar diretamente subordinado à lógica do capital
industrial. Apropria-se de uma parte da mais-valia gerada no setor produtivo e aumenta a
25 Carcanholo e Sabadini (2007) e Carcanholo e Nakatani (1999) afirmam que tal relação de dominação por parte do capital fictício obrigou-os a dar-lhe outro nome (capital especulativo parasitário).
126
eficiência da produção de excedente, bem como a velocidade de reprodução do ciclo do
capital.
Marx destacou o caráter dependente e complementar deste capital portador de juros ao
capital produtivo. E através de Marx, podemos compreender como a autonomização das
formas funcionais do capital, representadas pelo capital portador de juros interfere
positivamente no sistema capitalista ao proporcionar seu crescimento. Sendo assim, o capital
sob a forma de capital fictício assume aspecto muito mais complexo e desmaterializado, como
se seu desenvolvimento se desse de forma independente da dinâmica da produção:
Com o desenvolvimento do capital portador de juros e do sistema de crédito, parece duplicar e às vezes triplicar todo o capital pelo modo distinto como o mesmo capital ou simplesmente o mesmo título de dívida aparece em distintas mãos sob diversas formas. A maior parte deste “capital-dinheiro” é puramente fictícia (MARX apud CARCANHOLO e SABADINI, idem, p.4).
Reforça-se a idéia de um capital como um autômato que se valoriza por sua própria
virtude. É o que acontece com o valor das ações correspondentes ao patrimônio real de
empresas, conforme afirmamos anteriormente: ainda que representem o patrimônio da
empresa e por isso devemos dizer que há substância por detrás, as ações permitem obter um
rendimento anual e, além disso, podem ser vendidas no mercado, representando uma riqueza
contada duas vezes. De fato, podem ser contabilizadas mais de duas vezes, inclusive, devido
às empresas holdings.
O capital fictício corresponde a um resultado mais direto do capital portador de juros,
do sistema de crédito, quando aparentemente duplica a riqueza real. Além disso, no caso das
ações, seu valor se move por vezes de forma independente do valor do patrimônio das
empresas. Neste caso, por detrás do valor real aparentemente duplicado, não existe nenhuma
substância real. O mesmo se dá com os títulos da dívida pública, conforme aponta Marx
(CARCANHOLO e SABADINI, idem, p.5, tradução nossa).
127
A exacerbação daquele predomínio a que nos referimos anteriormente, do capital
fictício sobre o capital produtivo (também comercial ou mercantil) conduz à seguinte
afirmação de Carcanholo e Sabadini (ibid, p.8):
(...) [o capital fictício] mudou de caráter ao transformar-se de pólo dominante e por esta razão, passamos a chamá-lo capital especulativo parasitário e chamamos de capitalismo especulativo a fase atual do sistema (tradução nossa).
Outra expressão tem sido amplamente usada para descrever uma das características
mais marcantes do nosso tempo: capital financeiro Trata-se de um senso comum a afirmação
de que um dos aspectos mais significativos da globalização está constituído pela expansão e
domínio do capital financeiro. Com isso querem referir-se àquele capital cuja remuneração
está constituída basicamente pelos ganhos especulativos obtidos em operações financeiras dos
mais diversos tipos, além da que deriva dos juros.
Contudo, não devemos prosseguir sob a ausência de definições em expressões de uso
generalizado, corroborando com a imprecisão do conceito com a qual é tratada por grande
parte dos teóricos, sendo necessário situá-los a partir do arcabouço analítico que orienta este
trabalho. Para a caracterização da categoria capital financeiro baseamo-nos nas formulações
de Karl Marx, não obstante não tenha sido este o responsável pela definição e conceituação
que apresentou tal categoria na tradição marxista.
Segundo Carcanholo e Nakatani (1998), Hilferding e Lenin utilizam a expressão como
um conceito mais concreto, no sentido de descrever o fato histórico da unificação do capital
produtivo com o capital bancário, sob a hegemonia deste último (HARVEY, 1982, p.292;
HILFERDING, 1985). Entretanto vale ressaltar que tal expressão nunca fora usada por
Marx.26.
26Esta sinalização é de suma importância. Há duas traduções d’O Capital em língua portuguesa no Brasil. Uma elaborada por Reginaldo Sant’Anna (Civilização Brasileira, Bertrand Brasil e Difel); e outra por Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. Nesta última, o capítulo XIX do livro III é traduzido como “O capital de comércio de dinheiro”enquanto que, na primeira tradução, aparece como “O capital Financeiro”. Na edição em espanhol, editada pela Siglo Veintuno Editores S.A , o capítulo XIX está traduzido como “El capital dedicado al tráfico de
128
De acordo com Lênin, na fase imperialista, o que é marcante é o fato de os bancos
absorverem novas funções: de bancos que forneciam prioritariamente crédito comercial e
crédito a curto prazo tornam-se bancos fornecedores de crédito industrial, crédito voltado para
investimento a capital fixo com um longo ciclo de rotações, crédito a longo prazo. Esta nova
função conexa à intensa centralização de capital que os bancos operam, é a razão principal da
relação modificada entre bancos e indústrias que vêem uma progressiva tendência ao aumento
do peso dos bancos.
Da fusão de capital bancário com o capital industrial tem-se a formação do capital
financeiro. Este corresponde ao segundo elemento que define o imperialismo dentre os cinco
elencados por Lênin: “a fusão do capital bancário com o capital industrial e a formação, sobre
a base deste ‘capital financeiro’ de uma oligarquia financeira” (LENIN, 1986, p.610).
Hilferding assinala da seguinte forma a transformação do papel dos bancos por conta
da sua vinculação à indústria:
(...) com esse tipo de concessão de crédito, porém, altera-se, ao mesmo tempo, a posição dos bancos em relação à indústria. Enquanto os bancos apenas se apresentam como intermediários do movimento de pagamentos, interessa-lhes, na verdade, apenas a situação momentânea da empresa, sua solvência momentânea. Eles descontam as letras de câmbio que, examinadas, se revelam boas, fornecem adiantamentos sobre as mercadorias, aceitam ações em caução que se tornam vendáveis no mercado por preços normais, de acordo com as condições momentâneas do mercado. Seu verdadeiro campo de ação é, por conseguinte, mais o capital comercial, do que o industrial e reside, além disso, na satisfação das exigências da bolsa. Suas relações com a indústria também dizem respeito muito menos ao processo de produção que à venda feita pelos industriais aos comerciantes atacadistas. A situação é outra quando o banco passa a colocar à disposição do industrial o capital de produção. Seu interesse não se limita mais às condições momentâneas da indústria e à situação momentânea do mercado, mas passa a interessar muito mais o destino subsequente da empresa e a configuração futura do mercado. O interesse momentâneo torna-se permanente e
dinero”. Ao que tudo indica, há uma adaptação na tradução elaborada por Reginaldo Sant’Anna (do alemão), provavelmente sob a influência da tradição marxista do século XX. Klagsbrunn afirma: “Na edição de O Capital da Editora Civilização Brasileira, essa função específica foi traduzida como ‘capital financeiro’ expressão que pouco tem a ver com a original geldhandlungskapital, tanto em termos literais quanto em conteúdo e que, apresenta o agravante de avançar desenvolvimento teóricos de outro autor – Hilferding - , que se referem a aspectos mais específicos. A edição brasileira posterior de O Capital, da editora Abril Cultural, foi, nesse particular, bem mais precisa e correta. Ao que tudo indica, a origem do erro está na tradução francesa da Editions Sociales, Paris, 1976 (tradução de Mm. Cohen-Solal e M. Gilbert Badia), na qual o título do cap. 19 (p.301) aparece como ‘Le Capital Financier (Capital Marchant)’. Isso levou a empreendimentos inócuos, como por exemplo, o de Brunhoff (1978a, p.103 e seguintes) de contrapor a noção de capital financeiro apresentada por Marx com a de Hilferding”. Klagsbrunn, 1992, p.603.
129
quanto maior for o crédito, e quanto mais prevalecer sobretudo a participação do capital de empréstimo transformado em fixo, tanto maior e tanto mais permanente será esse interesse (Hilferding, 1985, p. 97)27.
No que diz respeito à formulação elaborada por Marx, o capital bancário é o
protagonista por excelência da comercialização do capital portador de juros28. Na verdade
tratam-se de duas funções autônomas de capital assumidas na superfície da realidade pelo
capital bancário. Acerca do tema, Marx argumenta,
(...) é evidente que a massa de capital-dinheiro, que os comerciantes de dinheiro (banqueiros) manipulam, é o capital-dinheiro que está na circulação, dos capitalistas comerciantes e industriais, e que as operações que realizam são apenas as operações desses capitalistas a que servem de intermediários. Também é claro que seu lucro é apenas dedução da mais-valia, pois só lidam com valores já realizados, mesmo quando realizados apenas na forma de crédito (MARX, 1996, L.III, cap.XIX , p.371) .
Em Hilferding e em Lênin, o capital financeiro estaria direcionado para o acionamento
do setor produtivo. Ressalta-se aqui que a existência do capital financeiro não elimina o
capital bancário e as demais funções exercidas pelos bancos – ele passa a operar a partir daí
de forma “mista”. O fato de um banco utilizar parte de seu capital enquanto capital financeiro
– ou seja, ligado organicamente a uma indústria – não o impossibilita de atuar em outros
negócios em sua função originária, ou seja, a de conceder crédito, comercializar dinheiro, na
condição de caráter estritamente financeiro. Mas o que caracteriza de fato o capital financeiro
é a potencialização do capital industrial, ou seja, ampliar a extração de mais-valia acionando o
setor produtivo.
Isso é o que tem causado grande confusão de ordem teórica na tradição marxista. Ao
reduzir a função dos bancos à condição que estes exercem quando se vinculam a uma empresa
de forma orgânica, sendo acionistas desta – proprietários de uma porção de suas ações, e com
isto, proprietários de parte desta – passam a atuar enquanto capitalistas financeiros. O seu
capital empregado é utilizado na forma de capital financeiro. Isto é o que caracteriza de fato a 27 Devemos ressaltar que tal formulação sobre o papel dos bancos no capitalismo se apresenta muito estreita, pois estes sempre foram mais que simples intermediários de operações monetárias e sempre tiveram a função precípua de conceder créditos. 28 O capital bancário faz a intemediação entre o emprestador da mercadoria-capital (este é o termo de Marx para a mercadoria transacionada) e quem toma emprestado.
130
fusão do capital bancário com o capital industrial; passam a ser uma coisa só. Mas o banco
surge por conta da função de crédito 29 e esta os bancos não abandonaram: ainda atuam no
comércio de capital sob a forma de dinheiro, emprestando dinheiro, em suma, negociando
crédito conforme ressaltado anteriormente. Realizam esta operação cobrando uma taxa de
juros determinada, dado que o tomador do crédito repassa ao banco o que este lhe emprestou,
acrescido dos juros. Mas o que é vital aqui para ele (enquanto capital financeiro), é acionar o
setor produtivo, é produzir valor.
Com o capital financeiro, o banco, na condição de acionário, não fornece crédito à
indústria da forma pela qual efetua enquanto capital bancário. Ao capitalizar a indústria
investindo em ações – o que permite esta atuar no setor produtivo de forma ampliada – terá o
direito de futuramente, com os demais acionistas (caso existam), retirar uma porção do lucro
correspondente ao seu montante de ações. Isto compõe a sociedade por ações. Para
Hilferding,
(...)a sociedade anônima é uma sociedade de capitalistas. Ela é sempre constituída por meio de inversão de capital em ações; o grau de participação de cada capitalista na organização é proporcional ao capital investido; seu direito de voto e sua influência naturalmente se regulam, por isso, pelo tamanaho de seu investimento. O capitalista só é capitalista na medida em que dispõe de capital e só se diferencia dos outros capitalistas em termos quantitativos. Em tais condições, todo o poder de mando se concentra em mãos do acionista majoritário. Para exercer o controle da sociedade anônima é necessário, pois ser proprietário da metade apenas do capital e não da totalidade como acontece na empresa individual. Isso duplica o poder dos grandes capitalista. (HILFERDING, 1985, p. 121-122).
O banco, assim, além de se apropriar de parte do valor gerado no processo produtivo
na forma do lucro, por meio de juros pré ou pós-fixados; beneficia-se através do montante
acionário que possui da empresa, também na forma de lucro. Entretanto, ainda assim, a
semelhança com o capital bancário é muito grande, pois se apropria de parte da mais valia
global gerada no processo de produção de mercadorias. Reiteramos que a grande diferença é
29 Deriva da função de meio de pagamento da moeda. Ver especialmente MARX (1996).
131
que, no caso do capital financeiro, obrigatoriamente há a passagem pelo setor produtivo, sua
engrenagem.
Dessa forma o capitalismo, na sua etapa imperialista, sinaliza para o predomínio do
capital financeiro, e com isto, a subordinação do capital industrial ao bancário (LÊNIN,
1986).
Vale lembrar que na tradição marxista do início do século XX, além de Hilferding e
Lênin, outros autores tomaram esta temática como seu objeto, entre eles Bukharin e Rosa
Luxemburgo. O capital financeiro, como já assinalado, é apreendido aqui como a unificação
do capital industrial com o capital bancário, tendo por objetivo fundamental o acionamento do
setor produtivo em escala ampliada. Isto significa dizer que o capital financeiro tem como
finalidade a criação ou ampliação de uma determinada indústria. Entretanto, além da junção
do capital bancário com o capital industrial, o capital financeiro possui uma outra
característica que o torna bastante peculiar: a “abertura” da forma de propriedade capitalista,
através da instauração de uma forma nova de sociedades por ações. De acordo com
BELLUZZO (2005), esta seria uma nova modalidade de organização capitalista, a qual
concretiza essa fusão de interesses, “cujo caráter ‘coletivista’ se sobrepõe aos capitais
dispersos e, ao mesmo tempo, reforça sua rivalidade” (BELLUZZO, 2005, p. 7).
O capital financeiro é tratado pelo referido autor como a mais avançada etapa do
capitalismo, onde a mobilização dos capitais é capaz de suprimir as barreiras oriundas do
próprio processo de concentração. As instituições financeiras ligadas à gestão das grandes
empresas buscam reforçar seu caráter monopolista, suprimindo a concorrência.
Entretanto, frente às considerações acima, faz-se necessário aqui salientar um
elemento fundamental: o resultado desta busca do reforço do caráter monopolista nos mais
diversos setores se expressa no estímulo à conquista de novos mercados, “provocando o
132
acirramento da concorrência entre blocos de capital e impulsionando a internacionalização
crescente da concorrência capitalista”. (MARX, Livro III, Cap. XXIX, p.8)
A forma tradicional da propriedade privada, no capitalismo até o século XIX, era dada
fundamentalmente pela propriedade privada individual. Com esta, o capitalista que almejasse
a formação da sua indústria deveria aplicar o seu capital de forma individualizada: ele mesmo
é o proprietário dos meios de produção como um todo, sendo aquele que se apropria
integralmente da mais-valia gerada no processo produtivo. Com o advento do capital
financeiro, esta característica é modificada:
(...) um grande processo de interconexão, de coordenação dos diferentes agentes e iniciativas, é estimulado pela acumulação e pela tendência do capitalismo a concentrar e centralizar a produção. Marx o havia descrito como um processo de socialização. A continuidade desse processo requer ajustes recorrentes nas formas da propriedade capitalista. As formas antigas, tais como a propriedade individual, periodicamente colocam obstáculos a este desenvolvimento, suscitando o aparecimento de novas configurações mais propícias à mudança, como a sociedade anônima no início do século XX ou os grandes investidores institucionais do capitalismo contemporâneo. O controle do aparelho produtivo e os processos de alocação do capital entre diferentes empresas e ramos são cada vez menos realizados pelos proprietários, sendo delegados cada vez mais a pessoal assalariado, composto por gestores e empregados (DUMÉNIL & LÉVY, In: CHESNAIS et all, 2003, pp. 16 – 17)..
Serfati (1998, p.146) mostra como a frutificação desse capital dinheiro, nos dias atuais,
sob a forma de dividendos, de juros e de variedades híbridas de rendimento, se baseia no fim
das contas, no valor criado na esfera da produção de mercadorias. A tirania dos mercados não
significa nada mais que o direito dos que centralizam esse capital-dinheiro, depois de o terem
criado e multiplicado, de arrogar para si uma parte desmesurada das riquezas criadas no
processo de produção. Para o autor, é importante distinguir os níveis de análise. Nas contas
dos grupos econômico-financeiros, os rendimentos obtidos com a valorização dos diferentes
tipos de capital são somados para formar o lucro, que resulta, assim, de uma valorização
global do capital. Mas, sob o ponto de vista da escala de conjunto do capital
(macroeconômica), é diferente. Os rendimentos financeiros, ou seja, os que são obtidos
133
através das diversas formas de aplicação do capital dinheiro, constituem retiradas antecipadas
sobre o valor criado na esfera produtiva.
Este capítulo buscou apresentar as principais categorias marxistas que fundamentam o
desenvolvimento do trabalho, a saber: o capital portador de juros, o dinheiro de crédito e o
capital fictício. Atualmente, nos grupos econômico-financeiros, as empresas produtivas
canalizam parte de seus recursos ao mercado financeiro. Além da aplicação a juros, dos
recursos momentaneamente não envolvidos no processo produtivo há a necessidade de
proteção face às oscilações cambiais, conseguida por meio de intervenções nos mercados
derivativos, bem como a participação em estratégias especulativas que envolvem a totalidade
do grupo. Alguns autores definem este processo, como uma acumulação sob domínio da
esfera financeira (CHESNAIS, 2003). A perspectiva deste trabalho é que no capitalismo de
hoje, a manifestação histórica que prevalece é mais bem apreendida pela categoria de capital
fictício, a qual é distinta do conceito de capital financeiro, conforme vimos anteriormente.
Apresentamos tal perspectiva considerando apenas que estamos tratando de manifestação e
não de conteúdo. Apenas neste sentido, podemos dizer que é idêntico àquele teorizado por
Lênin. O imperialismo, fase superior do capitalismo, apresenta-se atualmente sob a lógica do
capital fictício. Reconhece-se, porém, que a liberalização dos movimentos de capitais
ocorrida, mais intensamente a partir dos anos 80, elevou a multiplicação do capital fictício
analisado por Marx a níveis nunca alcançados e permitiu a seus detentores uma participação
crescente na riqueza produzida.
A partir da discussão realizada neste capítulo, trataremos a seguir das transformações e
das novas configurações do capitalismo contemporâneo, as quais são iluminadas por aqueles
conceitos apresentados nestes dois primeiros capítulos. Mudanças as quais resultam no
imperialismo tal como se apresenta hoje. Ou seja, à luz daquelas transformações,
analisaremos a forma contemporânea do capital fictício e do imperialismo.
134
A tendência à diminuição do autofinanciamento, que caracterizou toda a economia
mundial no início dos anos 70 não corresponde a um fenômeno anômalo do capitalismo,
como muitos fariam crer, mas repousa numa tendência geral do desenvolvimento do
capitalismo e de seu amadurecimento no imperialismo.
A dependência das indústrias em relação aos bancos aparece mais acentuada se
analisamos o financiamento dos investimentos em capital líquido, isto é, se indagamos sobre
como se financia o alargamento da estrutura produtiva (acumulação e reprodução ampliada).
O controle do sistema bancário torna-se um fator importante do controle do sistema
produtivo. A concorrência modifica sua forma e à luta frente os preços se sustenta a luta pelo
controle do crédito. Mas, vale ressaltar que no desenvolvimento capitalista, a concentração
industrial é precedida pela centralização dos capitais.
A centralização de capitais dentro do sistema bancário tem suas particularidades. Toda
a unidade econômica que compõe o sistema é, por si só, centralizadora dos recursos de
diferentes fontes. “Um banco representa por um lado, a centralização do capital circulante dos
prestamistas e, por outro, a centralização dos prestatários”(MARX, 1985, p.372). O regime
creditício, em seu conjunto, representa uma enorme centralização que confere aos que o
controlam um grande poder sobre o processo geral de acumulação e reprodução de capital. De
fato, associada à concentração vem a formação de estruturas monopolísticas ou oligopólicas.
É significativo que, quando esses processos ganham demasiada evidência no sistema
bancário, é posto em relevo nas discussões o problema do monopólio de crédito..
As operações dos grandes bancos aumentam de volume, e a massa cada vez maior de
recursos que controlam lhes permite, portanto, aumentar a concentração de capitais, pois na
medida em que se desenvolve a grande indústria e a concomitante concentração de capital,
concentra-se também o capital bancário. Neste sentido, analisaremos no próximo capítulo o
135
fenômeno da concentração (ou centralização, em caso de maior rigor) especificamente no
setor bancário.
2.3 – Retomando a análise dos clássicos sob a ótica de alguns outros autores mais recentes Neste ponto, apresentaremos algumas formulações sobre a relação entre as teorias do
imperialismo e a análise de Marx n’O Capital, e em particular do problema da realização, a
tendência à queda da taxa de lucro e a concentração e centralização do capital. Há duas
resenhas críticas da teoria marxista, Barrat Brown (1969) e Tom Kemp (1967), que localizam
o ponto de partida da teoria marxista do imperialismo nas formulações fornecidas por Marx
n’O Capital. Entretanto, o autor a quem daremos mais atenção ao final desta seção será Harry
Magdoff (1987)30, por fazer o contraponto a estas duas análises críticas da teoria marxista.
As maiores contribuições à teoria do imperialismo são fornecidas pelos marxistas, e
em particular Lênin. Neste sentido, duas observações de Tom Kemp em Teorias do
imperialismo (1967) se revelam importantes à compreensão de qualquer debate sobre o
imperialismo. Em primeiro lugar, os marxistas utilizam o termo imperialismo em uma
acepção distinta e mais vasta que os outros autores, e em particular os historiadores. Isto dá
origem a freqüentes equívocos, casuais ou deliberados. Em segundo lugar, uma verdadeira
teoria marxista do imperialismo não pode ser concebida de forma a prescindir de sua
influência sobre a luta política, ou seja, explicar o mundo significa fornecer instrumentos para
transformá-los.
Para adentrarmos no problema da realização citado anteriormente, faz-se necessário
sucintamente esclarecer alguns pontos. Os capitalistas têm o problema de realizar a mais-
valia: no processo de circulação (de mercadorias e dinheiro) devem encontrar um mercado
30 Artigo intitulado Uma crítica da teoria marxista do imperialismo publicado no livro Estudos sobre teoria do imperialismo, organizado por Roger Owen em 1987.
136
para seus produtos. Não basta além disso que seja um mercado em geral para vender tudo
aquilo que é produzido, mas deve existir uma demanda adequada seja pelos bens de consumo,
seja pelos meios de produção (os dois setores nos quais Marx subdivide a economia). As
condições de equilíbrio no âmbito da reprodução simples ou ampliada foram enunciadas nos
esquemas de reprodução do livro II d’O Capital.
Segundo Marx, o progresso técnico tende a aumentar a composição orgânica do capital
(c/v), reduzindo a quantidade de capital variável necessária em relação ao capital constante,
tendo como resultado uma tendência à queda da taxa de lucro mv/(c+v) na acepção de Marx.
Retomando Kemp (1987), este atribui maior importância às idéias de Marx sobre o
comércio exterior, e menor importância à tendência à queda da taxa de lucro. Ambos, Kemp e
Brown sublinham o problema da realização, mas Brown (1987) se mostra mais cético sobre a
relevância da centralização e a concentração do capital, ao menos em certos períodos e em
determinados países. Estas diferenças de acento derivam do fato de que os dois autores
pesquisam as origens de duas concepções bastante diversas da teoria marxista do
imperialismo. Reconstruindo os desenvolvimentos da teoria de Hilferding, Rosa Luxemburgo
e Lênin, Brown (1987) ocupa-se sobretudo com o nexo entre acumulação de capital e
desenvolvimento (acumulação das forças produtivas) nos países avançados e
subdesenvolvidos no resto do mundo.
Em The age of imperialism (1969) Brown apresenta uma série de dados que segundo o
autor requerem a elaboração de novas respostas por parte dos marxistas. Para o período ao
final de 1939, registra-se por exemplo um excedente de renda pela propriedade sobre
exportação de capitais. Antes de 1914 as exportações de capitais de todo modo não consistiam
investimentos diretos dos monopólios, mas investimentos estatais; seus lucros não superavam
os dos investimentos internos e de qualquer modo os destinatários principais não eram as
137
colônias. Além disso, aponta para a necessidade de se notar que a interrupção das
industrializações coloniais não foi útil às metrópoles.
Outro ponto a que chama atenção diz respeito às evidentes contradições entre a
importância atribuída por Hobson e Lênin à exportação de capitais e o fato de que
normalmente a obtenção de lucros tenha sido sempre superior à saída de capitais de acordo
com os dados que apresenta. Brown identifica este ponto como um dos problemas postos
pelos desenvolvimentos sucessivos em 1945. Os demais pontos são: o fato de a maior parte
das exportações de capitais ter vindo dos monopólios em direção aos consórcios, mas assim
como o comércio, dirigem-se sobretudo aos outros países desenvolvidos e; o fato de a
rentabilidade ter sido mais elevada do que a dos investimentos internos se refere apenas às
empresas americanas, mas não para as inglesas.
A polarização da economia mundial continua a se desenvolver em conseqüência de
uma série de causas combinadas.
A reação das outras nações européias e da América do Norte à supremacia industrial
inglesa, segundo o autor, teria imposto uma revisão das conclusões de Marx por parte
daqueles que aceitavam sua análise geral do capitalismo. Entre o momento da publicação d’O
Capital, em 1867, e o fim do século, tanto os Estados Unidos, quanto a Alemanha superaram
a Inglaterra na produção industrial. Outras nações européias e os próprios japoneses se
colocaram sobre os trilhos da Inglaterra, ameaçando sempre mais depressa as posições. O
desenvolvimento industrial destes países se deu com a ajuda do Estado e sob a proteção de
altas barreiras alfandegárias, enquanto em todo o mundo, estes desafiavam a indústria inglesa
sobre mercados, dos quais a potência militar (ou naval) e econômica britânica saía em busca.
138
2.3.1 - A teoria do capital
Chegamos a um ponto fundamental. O que há de diferente na concepção do capital de
Lênin para Brown (1987)?
O impulso de fundo à valorização do capital é aquele analisado por Marx, mas a
análise de Lênin, como vimos, penetra mais no mundo concreto do capital, sobretudo em
relação à luta dos capitais pelo predomínio.
Procuramos aprofundar o problema. Conforme apontado, a análise da concorrência
entre capitais sobre todos os mercados de mercadorias, inclusive o da força-de-trabalho,
desenvolve-se – no âmbito da concepção de Marx – em três distintos níveis de abstração31.
O primeiro é o da “lei fundamental da concorrência” segundo o qual “o valor é
determinado... pelo tempo de trabalho necessário” (MARX, 1996, L.I, p.46): trata-se de todas
as determinações que definem e ao mesmo tempo são compatíveis com a tese da dupla
natureza do trabalho e da mercadoria.
O segundo nível é aquele que Marx indica como análise científica da concorrência,
possível apenas quando se compreende a natureza íntima do capital, justamente como o
movimento aparente dos corpos celestes é inteligível somente a quem conhece o movimento
real, mas não perceptível pelos sentidos. A concorrência é que produz “o nivelamento da taxa
geral de lucro” e portanto a formação dos preços de produção.
Enfim, o terceiro nível relativo ao “movimento efetivo da concorrência”, um nível que,
por explícita afirmação de Marx, é excluído de sua análise, onde se situa a teorização de
Lênin da relação entre acumulação desigual de capital, o complexo de contradições que esta
põe em movimento e os processos sociais que são o resultado de sua ação combinada.
Seguindo a lógica da exposição dialética, este último nível retoma aqueles precedentes
em seu interior, de forma subordinada, de maneira que as forças que vemos agir no mundo
31 Sobre este ponto, cf. Rosdolsky (2001), no qual apresenta a estrutura da obra de Marx.
139
das formas, que está em contínua mudança, possuem uma relação de unidade e oposição com
uma realidade mais íntima, a da substância do sistema.
O procedimento geral da acumulação desigual cria um movimento apenas
aparentemente casual e errático: é possível e necessário voltarmos a nos fixar nas causas.
A importância de tudo isto se torna ainda mais evidente se pomos este aspecto mais
interno – a célula da análise – em relação ao mais externo, o organismo em sua totalidade, a
luta entre grandes agregados de capitais, entre potências capitalistas pequenas e grandes, entre
grupos de potências; se procuramos entender as diversas fases dos movimentos em qualquer
país, em grupos de países e no sistema mundial como um todo.
Analisando estas e outras observações em relação à teoria marxista do imperialismo,
podemos dizer que a associação do imperialismo ao controle político direto do tipo colonial
constituiu uma fonte de incompreensão que vicia grande parte das discussões sobre o
imperialismo. Embora a partilha territorial do mundo tenha sido uma característica
indubitável do “novo imperialismo” do fim do século XIX, o imperialismo saiu intacto do
processo de descolonização.
Um dos elementos essenciais desta continuidade é o maciço investimento de capitais
ao exterior. Uma parte deste estudo é dedicada justamente à discussão acerca da exportação
de capitais. Em primeiro lugar enfrentamos o problema de suas causas: Magdoff (1969)
rejeita as explicações, como a de Hobson, fundadas sobre a existência de um excedente de
capital e aquela que se baseia na queda da taxa de lucro (confrontando com o estudo de
Kemp). Dando relevo à impossibilidade de um confronto entre taxas de lucro na era do
monopólio e sustentando que ao contrário tal confronto é operado entre as taxas marginais
individuais, sobre as quais se baseiam as decisões sobre os movimentos dos capitais, Magdoff
(1969) identifica a causa de fundo do prolongamento da exportação de capitais na estrutura
monopolista da indústria dos países capitalistas avançados. O autor amplia o exame da recente
140
exportação de capitais delineada por Brown (1987), o qual por exemplo mostra que os EUA
controlam uma quantidade de capital maior do que aquela de sua propriedade direta, pois uma
pequena parte dos investimentos americanos ao exterior é financiada por um fluxo direto de
fundos dos EUA, enquanto a parte restante é financiada pelos lucros obtidos localmente ou
dos fundos de proveniência local, e que a grande maioria do capital americano investido no
exterior está nas mãos das maiores sociedades. Todos estes elementos são encontrados,
mesmo que num contexto diferente, no estudo de Patnaik (1990) sobre imperialismo na Índia.
Depois de refutar algumas interpretações errôneas acerca do imperialismo, as crises e
o papel do Estado, Magdoff (1987) aponta algumas características e conseqüências do
imperialismo na era pós-colonial.
A corrida à conquista das colônias que ao fim do século XIX viu um empenho com
todo afinco em quase todas as grandes potências é sem dúvida um dos principais traços
distintivos daquilo que designam de “novo imperialismo”. Esta certamente corresponde aquilo
que marca um processo histórico, todavia segundo este autor, não constitui de modo algum a
essência do novo imperialismo. A identificação habitual do imperialismo tem como resultado
um obstáculo ao devido estudo do argumento, pois o colonialismo existiu muito antes da
moderna forma de imperialismo e este último sobreviveu ao colonialismo.
Um dos elementos de homogeneidade está no fato de que as profundas mudanças
ocorridas no mundo colonial e semicolonial foram essencialmente conseqüência das
mudanças exigidas por um capitalismo em expansão e caracterizado por um acelerado avanço
técnico.
Para o autor em questão, a identificação do imperialismo com o colonialismo não
somente obscurece as mudanças históricas das relações metrópole-colônia, mas se torna mais
difícil a análise da forma mais recente assumida pelo sistema capitalista mundial, o
imperialismo do período do capitalismo monopolista. Este ofuscamento em muitos casos pode
141
ser dirigido à prática da construção de modelos conceituais rígidos, estáticos e ahistóricos
para a interpretação de fenômenos que ao contrário são complexos e dinâmicos.
Dessa forma, Magdoff (1987) propõe-se a examinar alguns daqueles que considera os
erros mais comuns sobre este tipo de abordagem: aquele que deriva da tese da exportação do
excedente de capital e aquele ligado à teoria da queda da taxa de lucro nos países capitalistas
avançados, ambos coligados ao papel crucial desenvolvido pela exportação de capitais.
2.3.2 - Imperialismo e crises Antes de enfrentar o problema de como determinadas relações econômicas sobrevivem
ao declínio do colonialismo, é oportuno examinar outras duas teses de Magdoff que são
objetos de disputa. Estas se referem à relação entre imperialismo e crises e o papel do Estado.
Vejamos a primeira: segundo este autor, o imperialismo constitui o instrumento do
capitalismo para evitar as crises. Por mais interessante que seja este tipo de afirmação, há o
risco de cair em desvios, se não houver atenção à separação entre causa e efeito. As
depressões dos anos 1870 e 1890, as crises agrícolas ou industriais destes períodos,
provavelmente aceleraram o nascimento do novo imperialismo. Mas não se constituíram, por
si só, a causa do imperialismo. Na realidade tanto as crises econômicas quanto as políticas
imperiais dão origem às rápidas transformações ocorridas no final do século XIX.
As raízes do imperialismo são demasiadamente profundas para serem identificadas
com qualquer crise particular ou com a reação de qualquer governo às crises. Estes são ao
contrário identificadas nos fatores acima indicados: a tendência expansiva de cada nação
capitalista avançada para operar sobre escala mundial, o desenvolvimento do monopólio e as
rivalidades nacionais associadas aos imperativos das economias avançadas com estrutura
monopolista.
142
Uma das funções das crises é justamente a de tornar as classes dominantes e os
governos conscientes da necessidade de adotar enérgicos remédios. Exatamente como a
realidade das contradições do capitalismo se revela mais abertamente nos períodos de crise,
também as ações do governo se tornam mais explícita sob a pressão dos mesmos fatores. Mas
a política e a prática do imperialismo econômico e político se desenvolvem tanto no tempo de
prosperidade quanto no tempo de depressão (ver Hilferding, 1985, caps. XI e XIX). Os
governos mais enérgicos e de visão de longo prazo agem ou se preparam para agir justamente
nos períodos de calma e de prosperidade. Por outro lado, os governos menos astutos e eficazes
ou decidem tomar a iniciativa quando as crises lhe golpeiam ou são substituídos por grupos
políticos mais capazes.
Um corolário da tese segundo a qual o imperialismo é um meio para evitar a depressão
é a idéia de que o capitalismo está destinado ao desmoronamento devido à progressiva
restrição das áreas de expansão imperialista. Esta idéia está fundada sobre uma falsa e
esquemática visão dos mecanismos capitalistas. O fechamento dos mercados e de fontes de
matérias-primas cria sérios problemas ao capitalismo, mas não leva necessariamente à
derrocada.
Pareceria supérfluo rebater este ponto, depois dos muitos anos de experiência durante
os quais partes relevantes do globo foram subtraídas à órbita imperialista. Contudo é
importante compreender os níveis de flexibilidade que existem na sociedade capitalista e que
tornam o sistema mais duradouro. Trata-se da mesma propriedade que se encontra nos
organismos vivos: a obstrução de uma artéria do coração pode ser compensada pela ampliação
de uma outra artéria que ocupe as funções da anterior. Certamente, estes ajustes orgânicos não
são eternos e até mesmo levam a maiores e mais graves complicações. Todavia uma das
principais lições que foi extraída da história do capitalismo é a de que os grandes
desenvolvimentos não levam automaticamente à derrocada.
143
A experiência do segundo pós-guerra oferece um ótimo exemplo da flexibilidade do
sistema capitalista. O desenvolvimento da máquina militar americana torna-se uma das bases
de sustentação para a economia dos EUA. Por outro lado, o sucesso obtido pelos EUA como
organizadores do sistema imperialista mundial então sobre a margem da catástrofe, constitui
para outros capitalismos avançados um importante estímulo, criando novos mercados e
ampliando o comércio internacional. Esta flexibilidade todavia não é ilimitada. Rupturas nos
equilíbrios imperialistas mais recentes se relevam claramente nas tensões existentes no
mercado monetário internacional e na crescente dificuldade da própria economia americana.
Uma restrição posterior das áreas de intervenção imperialista não poderá agravar a
dificuldade; suas conseqüências poderão ser uma deterioração do ciclo industrial, a depressão
prolongada, a desocupação de massas. Não obstante, como a experiência histórica demonstra,
estes fenômenos não comportam necessariamente a derrocada do sistema. Em última análise,
o destino do capitalismo pode ser decidido apenas pelas classes sociais, que possuem a
vontade e a capacidade de substituir o sistema existente.
2.3.3 - Sobre a pressão do excedente de capital
Uma característica peculiar do imperialismo no período do capitalismo monopolista
(correspondente ao período no qual as sociedades gigantes estão em expansão e no qual se
realizou um alto grau de concentração econômica) é o maciço aumento da exportação de
capitais. O nexo entre a exportação de capitais e a expansão imperialista é a natural
necessidade dos investidores de capital de garantir situações de tranqüilidade e de segurança
nos locais de investimento.
O impulso à migração de capitais iniciada no último quarto do século XIX e constante
ainda hoje é explicado por alguns autores como Kemp (1987) através da existência a um certo
ponto, de uma superabundância de capital nos países avançados, os quais não encontravam
144
possibilidades de emprego vantajoso no país e portanto procuraram saídas externas. Não
obstante a impossibilidade de se negar que o desenvolvimento do monopólio leve a crescentes
dificuldades de investimento para Magdoff (1987), não podemos afirmar que a exportação de
capital tenha sido estimulada essencialmente pela pressão do excedente de capital32.
Em primeiro lugar o autor ressalta a necessidade de se considerar o capitalismo como
um sistema mundial, onde a existência de nações potentes e o peso do nacionalismo tendem a
obscurecer o conceito de um sistema capitalista global. Todas as economias nacionais
desejam possuir a segurança por si própria, canais comerciais preferenciais e liberdade de
ação sobre terreno internacional. O protecionismo, a corrida aos mercados externos são todos
elementos de uma única tendência.
Prosseguindo nas considerações feitas pelo autor, o desejo e a necessidade de operar
sobre escala mundial são fatores intrínsecos à economia do capitalismo. A concorrência, o
progresso técnico, os recorrentes desequilíbrios entre capacidade produtiva e demanda efetiva
criam contínuas pressões sobre a expansão dos mercados.
Considerada deste ponto de vista, segundo Magdoff (1987), a exportação de capitais,
como o comércio exterior, é uma função normal da empresa capitalista, dado que os riscos e
as incertezas das operações econômicas, em sua sede inexaurível de maiores lucros,
impulsionam o capitalista a acumular capitais sempre mais vastos e a observar atentamente
32 A análise da questão do excedente foi desenvolvida no livro de BARAN, P. e SWEEZY, P., Monopoly Capital, Monthly Review Press, New York, 1966. Todavia é necessário fazer uma distinção entre a questão posta por Baran e Sweezy e a que foi examinada por Magdoff. Baran e Sweezy de fato tratam o conceito de “excedente econômico” e não de “excedente de capital”. O primeiro termo não implica necessariamente uma superabundância de capital. Ele indica simplesmente um excedente em relação aos custos de produção necessários , e se uma parte deste excedente corresponde a um excedente do tipo considerado pela teoria que coliga o excedente de capital à exportação de capital, trata-se de uma questão de todo diferente e distinta. Baran e Sweezy no Capital Monopolista tratam a questão da dinâmica geral do investimento e da ocupação em relação à tendência à estagnação induzida pelo monopólio. Estes afirmam que a exportação de capital não elimina a estagnação enquanto a renda que retorna ao país investidor é superior aos investimentos de capital no exterior. Portanto, a exportação de capital acentua o problema do excesso referente ao escoamento dos investimentos mais do que o resolve. É necessário salientar que Baran e Sweezy tratam do efeito da exportação de capital e não de sua causa. Além disso, examinando o efeito da exportação de capitais , estes não fazem uma análise de todas as suas articulações. Estes estão interessados apenas no efeito da exportação de capitais sobre o emprego do excedente econômico na indústria do país de origem. Trata-se portanto de uma questão completamente diferente daquela que é tratada por Magdoff, a qual se refere especificamente à causa do desenvolvimento da exportação de capital.
145
cada ângulo da terra à procura de novas oportunidades de investimento. Além disso, a
expansão das exportações de capitais está estritamente coligada à expansão geográfica do
capitalismo.
O autor chama atenção para o fato de que ao considerarmos que as oportunidades
internas de investimento em alguns países e em alguns períodos possam ter sofrido
contrações, “o estímulo principal da exportação de capitais não terá sido a pressão do
excedente de capitais, mas sim o desejo de utilizar o capital onde havia oportunidade
vantajosa de investimentos” (idem, p.178), os quais se encontravam limitados naturalmente
pelos níveis tecnológicos do tempo, pelas condições econômicas e políticas existentes nos
outros países e pelo grau de desenvolvimento dos recursos internos.
Reconhece o autor que as exportações de capitais se tornaram um complemento
essencial das exportações de mercadorias. A grande riqueza das exportações de capitais
ingleses se deu com o desenvolvimento das ferrovias. Não apenas a indústria inglesa fornecia
os trilhos de aço e o equipamento ferroviário à grande parte do mundo, mas os empréstimos e
o capital acionário inglês tornavam possível o financiamento destas exportações. Além disso,
as instituições financeiras que se constituíram no curso da longa história do comércio
internacional e da exportação de capitais tornaram-se interessadas na procura de empresas
econômicas no exterior.
O que é importante sublinhar e o que é salientado nas formulações de Magdoff (idem)
é que a exportação de capitais tem uma longa história, sendo produto da atividade
internacional dos países capitalistas avançados e das instituições e das estruturas econômicas
nascidas no curso do processo através do qual o capitalismo foi se afirmando como sistema
mundial. Neste sentido, a afirmação do referido autor tem como objetivo negar que isto seja
produto do excedente de capital enquanto tal. Isto não significa, ressalta o autor, que “não
exista mais um problema de “excedente de capital (provocada por sua vez por fluxo de juros e
146
lucros sobre capitais investidos no exterior), nem que em alguns casos o capital não seja
impulsionado à migração pela pressão deste excedente” (idem ibid)
O autor reforça ainda o argumento de que uma vez criados os complexos mercados
financeiros internacionais, deste excedente podiam fazer usos mais variados. Por exemplo, os
fundos a curto prazo podiam passar de um país a outro em resposta a uma restrição temporária
ou a uma ampliação temporária do crédito neste ou naquele mercado. Por isso, a explicação
mais correta sobre o fenômeno da exportação de capitais de acordo com Magdoff reside na
relação recíproca entre a situação econômica interna dos países capitalistas avançados e a de
seus mercados ultramares33.
A questão presente em Magdoff diz respeito ao motivo da associação do repentino
desenvolvimento das exportações de capitais ao imperialismo moderno. E a resposta segundo
ele é coerente com a análise feita e com a natureza da atual fase do capitalismo. O primeiro
aspecto apresentado se refere ao advento do “novo imperialismo”, sinalizado pela emergência
de diversos Estados industriais em condições de competir com a Inglaterra a hegemonia sobre
o comércio e as finanças internacionais. Os Estados desenvolvem suas exportações de capitais
com os mesmos objetivos da Inglaterra: ampliar suas trocas internacionais e conquistar
mercados preferenciais.
Assim, enquanto a um certo ponto a Inglaterra foi a principal exportadora de capitais entre um grupo muito restrito de países, apresenta-se em cena uma nova fileira de exportadores, com o resultado que o fluxo total da exportação de capitais aumenta consideravelmente (MAGDOFF, 1987, p. 181).
Em segundo lugar, ligado à intensificação da rivalidade entre os países
industrializados avançados, ocorre o desenvolvimento das barreiras aduaneiras protecionistas:
33 Sobre a questão do excedente de capital e/ou da escassez de capitais teve importância a interessante observação feita por Brown no artigo citado: “(...)O professor Tinbergen no seu ótimo estudo econométrico sobre o Reino Unido durante este período (Business Cycles in the United Kingdom 1870-1914, Amsterdam, 1951), encontra uma relação precisa entre as exportações líquidas de capital e a taxa de juros a curto prazo, e sustenta que o dinheiro se torna escasso porque é emprestado para o exterior e não é emprestado ao exterior porque era superabundante”(p.51).
147
e um meio para romper estas barreiras é o investimento externo. O terceiro ponto apresentado
baseia-se no fato de que esta fase do capitalismo funda-se sobre indústrias que requerem uma
vasta emissão de matérias-primas, como petróleo e minerais ferrosos e não ferrosos. Este não
só torna necessárias quantidades massivas de capital para a exploração e fontes externas
destas matérias-primas, mas cria a exigência de empréstimos de capitais para consentir aos
países detentores de matérias-primas a criação de sistemas de transporte e infraestrutura
necessária. Um quarto ponto apresentado pelo autor: o desenvolvimento das sociedades
mistas, o mercado acionário e outras instituições financeiras fornecem meios de emprego de
capital mais eficaz seja no interior, seja no exterior. Enfim, a consolidação das grandes
sociedades solicita o desenvolvimento do monopólio. A capacidade e o desejo destas
sociedades de controlar os mercados, por conseguinte, fornecem um incentivo para a
expansão de capital ao exterior.
2.3.4 - A queda da taxa de lucro
Uma segunda explicação mesmo avançada do fenômeno do desenvolvimento das
exportações de capitais é aquela fundada sobre a queda da taxa de lucro conforme vimos
anteriormente. A tese que a baseia é a de que a acumulação de capital, a qual acompanha um
contínuo aumento da relação entre capital constante e trabalho, produz uma tendência geral à
queda da taxa médio de lucro. Esta queda impulsiona os capitalistas a investirem em países
onde os custos com o trabalho são inferiores e os lucros maiores.
De acordo com Magdoff, esta análise não é necessária porque a queda da taxa de lucro
não explica em cada caso o mecanismo dos movimentos internacionais do capital. Em outras
palavras, para este autor, versar sobre o objeto deste trabalho significa que a teoria da queda
da taxa de lucro se torna impertinente, por mais fundamentada que seja. Apesar de
compreendermos o esforço que realiza o autor para mostrar que a lei da queda tendencial da
148
taxa de lucro é insuficiente para entdner o imperialismo, não podemos concordar com o
argumento utilizado, dado que de acordo com a teoria marxista, a queda da taxa de lucro
impulsiona o movimento de exportação do capital e os investimentos diretos estrangeiros em
determinados setores.
Para refutar a relevância de tal teoria no que se refere a este estudo, Magdoff
argumenta inicialmente que existem duas ordens separadas de problemas e que está se
ocupando das “causas” das exportações de capitais no período do imperialismo. O efeito das
exportações de capitais sobre taxas de lucro no país exportador constitui um problema
distinto, ainda que importante.
O autor ainda argumenta que, em relação aos mecanismos dos movimentos
internacionais do capital, em primeiro lugar a tese da queda da taxa de lucro não pode ser
aplicada aos empréstimos de capital. A taxa de juros sobre o dinheiro emprestado ao exterior,
em geral, é vantajosa, mas na maioria dos casos é inferior à taxa de lucro industrial, o que
compreende um outro grave erro incorrido pelo autor, dado que devemos ter em mente que a
taxa de juros supera a rentabilidade da taxa de lucro industrial, ao menos nos períodos
recentes. Portanto, para ele, a aquisição de títulos estrangeiros por parte de uma empresa em
geral não pode constituir uma medida de compensação em relação à queda da taxa de lucro,
consideração esta que acaba por corroborar o equívoco cometido por Magdoff.
Ao mesmo tempo, segundo o autor (equivocadamente vale dizer e de acordo com a
crítica dirigida aqui a este autor)34, a tese da queda da taxa de lucro não pode explicar os
maciços investimentos diretos efetuados no setor petrolífero e mineiro.
Os investimentos nestes setores não são determinados por um confronto entre diversas taxas de lucro ou da queda da taxa de lucro no país exportador,mas essencialmente por fatores geológicos...as vantagens oferecidas por estas indústrias extrativas não derivam substancialmente dos baixos salários mas da abundância dos recursos naturais nos
34 Consideramos um dos equívocos cometidos pelo autor em sua leitura d’ O Capital, pois com base neste, podemos afirmar exatamente o contrário, e as sociedades por ações se colocam como contra-tendência à queda da taxa de lucro.
149
locais onde estes estão situados e da estrutura monopolista através das quais estes recursos são comercializados. (ibid, p.187).
Entretanto, retomando uma das importantes contribuições dos clássicos do
imperialismo analisados anteriormente, para Hilferding (1985), no capítulo XXII intitulado A
exportação de capital e a luta pelo território econômico, a exportação de capital é imperativa
à diversidade da taxa de lucro (ibid. p.297).
Neste sentido, de acordo com este autor, a tese da queda da taxa de lucro pode ser
verificada de modo conclusivo em relação a um terceiro tipo de investimento externo, o
investimento direto na indústria. Aqui se requereria que o capital efetuasse seus movimentos
com base em diferenças existentes entre as diversas taxas de lucro, pois não é necessário que a
taxa de lucro a ser obtida no exterior seja maior do que a taxa média do país de origem para
induzir a uma migração de capital. O que interessa ao investidor é a diferença entre a taxa de
lucro possível sobre o investimento adicional (ou marginal) no exterior e no país. Em teoria,
os novos investimentos externos podem ter uma rentabilidade inferior à taxa média de lucro
possível no país e não obstante ser igualmente vantajosa” (MAGDOFF, 1987, p.188).
portanto, é a diferença da rentabilidade marginal que produz o fluxo dos investimentos externos, e este fluxo não tem uma conexão necessária com a diminuição da rentabilidade dos investimentos no país de origem (idem ibid).
Com base nestas refutações, o autor em questão fundamenta sua hipótese naquilo que
direciona fundamentalmente o processo de investimento do capital sobre a escala global aos
imperativos de um capital que opera em condições de monopólio. Uma colocação semelhante
consente a explicação dos mecanismos de grande parte dos investimentos, seja na indústria
extrativa ou na manufatureira, e do maciço aumento das exportações de capital no período do
imperialismo. Seu objetivo central é demonstrar como a relação entre o aumento das
exportações de capitais e o monopólio é a questão de fundo do imperialismo moderno.
Não obstante os graves erros cometidos pelo autor em relação às reflexões marxianas e
a teoria marxista, o autor chega à conclusão de que a consolidação das condições de
150
monopólio – isto é, quando um número restrito de empresas domina todos os mercados mais
importantes – o exercício dos poderes de controle se torna não só possível, mas sempre mais
decisivo para a segurança das empresas e de seus capitais. A existência de um grau elevado de
concentração de poder não significa o fim da concorrência. Significa que a concorrência se
coloca em um novo nível: os acordos temporários entre os concorrentes sobre a produção, os
preços e as políticas comerciais são mais fáceis que anteriormente e as decisões econômicas
podem ser tomadas com uma discreta capacidade de previsão acerca das relações dos
concorrentes. Porque o capital opera sobre escala mundial, os acordos sobre divisões dos
mercados e/ou concorrência entre as grandes empresas para a conquista dos mercados se
desenvolvem em vastas áreas do globo. A necessidade de desenvolvimento aumenta o capital
disponível para a mútua subtração de áreas de mercado onde quer que seja possível. Vale
salientar que esta luta pela conquista de mais amplos mercados ocorre naturalmente nos países
mais desenvolvidos, onde já existem mercados para os produtos mais complexos e onde é
possível explorar os canais comerciais privilegiados dos respectivos impérios coloniais e
semicoloniais. Mas a luta se dá também nos países menos desenvolvidos, onde podem ser
conquistados novos mercados, ainda que limitados, e onde as empresas que primeiramente
conseguem estabelecer seu predomínio podem obter vantagens duradouras.
A corrida aos investimentos externos tem origem nesta luta entre grandes empresas. Em primeiro lugar, a propriedade das fontes de matérias-primas é de importância estratégica referente ao controle dos preços para manter os preços competitivos em relação aos dos concorrentes e para limitar as possibilidades de expansão dos concorrentes que não dispõem de fontes próprias de matérias-primas. Em segundo lugar, a exigência de controlar e de expandir os mercados é um incentivo decisivo para a exportação de capitais, sobretudo quando as tarifas e outros obstáculos comerciais impedem a expansão das exportações das mercadorias.(ibid, p.190).
Com base em todo o resgate da teoria marxista realizado no presente capítulo, e mais
especificamente em seus desenvolvimentos com relação à teoria do imperialismo, podemos
concluir que para compreender uma determinada realidade é necessário que se possa refletir a
seu respeito e apreender teoricamente seus determinantes. É nesta perspectiva que a teoria
151
marxista pode desempenhar um papel fundamental. A clarificação dos conceitos e a
contribuição para o desenvolvimento de aportes teóricos a esta teoria, como são as teorias do
imperialismo, também é uma tarefa que reserva particular importância.
Resgatar a teoria marxista é imprescindível se pretendemos analisar sua eventual
atualidade, e aplicação de tal formulação teórica no século XXI. Assim, torna-se possível
inclusive a análise de eventuais alterações e precisões que precisem ser feitas em tal
formulação.
Oportuno é lembrar que tomamos como hipótese que os elementos intrínsecos a uma
análise acerca da dinâmica mundial do desenvolvimento capitalista no final do século
XIX/início do século XX podem ser retomados na direção de uma análise do processo atual
de concentração e centralização do capital. Desse modo, nos próximos capítulos analisamos
este processo no caso específico do setor bancário, dado que este, isto é, a tendência à
concentração bancária, conforme vimos nas contribuições presentes na teoria marxista do
imperialismo, corresponde a um dos elementos que caracterizam a manifestação da tendência
à concentração monopolista no período do imperialismo.
Tratar-se-á de uma reflexão em torno da confirmação deste processo em período mais
recente e atual, bem como seu desenvolvimento ao longo da história, desde o início do século
XIX, período que marca o nascimento das teorias marxistas do imperialismo.
152
Capítulo 3
O fenômeno das integrações entre bancos
3.1 - Introdução
As operações de fusões e aquisições assumiram, nas últimas décadas, um papel sempre
mais crucial na evolução do setor bancário mundial. Os Estados Unidos são tomados como
precursores de tais fenômenos, dado que ao final dos anos 80, foram protagonistas de uma
onda excepcional de F&A (fusões e aquisições), em conseqüência dos quais o sistema
financeiro conheceu uma mudança radical. Ao favorecer a concentração no mercado
americano, sem dúvida, contribuíram para, além da mudança no contexto normativo, a
elevada presença de instituições caracterizadas por fatores de baixo rendimento e a
considerável taxa de crescimento dos ativos.
Ao fim dos anos 80, o sistema bancário americano estava no centro de uma onda de
fusões e aquisições sem precedentes. No período 1980-1998 tiveram lugar de fato quase 8000
operações de F&A que envolveram cerca de 2400 bilhões de dólares em termos de ativos
totais dos bancos adquiridos (Gráfico 3.1). A partir de 90, foram especialmente as instituições
de crédito de grandes dimensões a se envolverem em operações de natureza extraordinária.
Isto é, como podemos facilmente intuir, houve notáveis repercussões sobre todo o sistema
bancário americano e acentuou o interesse dos estudiosos em torno das agregações no âmbito
financeiro. Entre estas se assinala, devido à amplitude e à completude, o trabalho de Rhoades
(2000).
153
Gráfico 3.1: Os números das F&A bancárias nos Estados Unidos No de operações Total de ativos
Ano
_______ No de operações --------------- Total de ativos Fonte: Rhoades (2000).
Particularmente ativo, deste ponto de vista, esteve o Federal Reserve que, através de
diversos estudos, procurou indagar alguns aspectos específicos dentre os quais por exemplo as
características apresentadas pelas F&A no mercado dos EUA e suas conseqüências para a
performance e a estrutura do setor bancário americano.
Ainda que em ritmo retardatário em relação aos Estados Unidos, também na Europa,
assistiu-se, a partir do início dos anos 90, à intensificação do processo de agregação, motivado
pela vontade de melhorar o nível de eficiência, diversificar os riscos e racionalizar algumas
funções. A via escolhida para perseguir similares objetivos não foi somente a agregação
“tradicional” entre instituições operantes no âmbito creditício, mas também a dos
conglomerados financeiros, originados das integrações entre bancos e seguros. A
consolidação do setor bancário europeu obviamente refletiu-se sobre a eficiência dos sujeitos
envolvidos, com efeitos vastos, profundos, mas nem sempre de fácil leitura.
A “globalização” dos mercados, as intervenções normativas nacionais e internacionais,
a sempre mais rápida integração européia, a pressão da concorrência de operadores também
não bancários e a contínua evolução da tecnologia da informação (TI), impulsionaram as
154
instituições de crédito nacionais e internacionais a pesquisar as novas vias para a obtenção de
vantagem competitiva e a manutenção de quotas de mercados.
O sistema bancário está, portanto, atravessando uma profunda transformação em seus
aspectos estruturais que influenciam significativamente sobre a lógica da gestão, organização
e operação das empresas de crédito.
Em suma, nos últimos anos, os sistemas financeiros dos principais países tiveram
profundas transformações, em conseqüência das progressivas integrações entre as economias
nacionais, do incessante progresso no campo das telecomunicações, da expansão em escala
mundial do mercado de capitais, que sempre renderam cada vez menos nitidez à separação
entre os compartimentos singulares do sistema financeiro.
Em resposta a tal evolução, num contexto de progressiva flexibilidade dos vínculos
estabelecidos em sua atividade, os intermediários financeiros (bancos, securitizadoras, fundos
comuns) adotaram estratégias empresariais, em medida crescente, voltadas para conseguir
ganhos de eficiência e para ampliar a gama dos serviços prestados à clientela. No mercado
creditício, esta tendência de fundo tem interagido com as inovações normativas introduzidas
em nível nacional, a fim de remover os vínculos presentes na atividade dos bancos, e com o
forte aumento da concorrência que se seguiu.
Uma das conseqüências de maior relevância dentre estas transformações estruturais foi
representada pela crescente difusão das operações de fusões e de aquisições entre bancos. O
fenômeno desenvolveu-se nos países individualmente em tempos diversos, refletindo também
a diferente evolução cíclica da rentabilidade dos bancos em cada área, mas assume hoje
relevância em qualquer lugar, pondo novos problemas referentes à rentabilidade dos bancos
envolvidos, o nível da concorrência no setor creditício e a disponibilidade e o custo dos
financiamentos para empresas de menores dimensões.
155
Com base no que foi apontado, evidenciamos claramente qual a relevância de tal
fenômeno e quais, por conseguinte, os motivos que nos impulsionaram a escrever sobre este
tema.
3.2 – Por que tantas fusões?
As profundas mudanças que recentemente alteraram a morfologia do setor bancário,
induzidas por determinados cenários de um crescente desenvolvimento de inovações do setor
financeiro combinadas à proliferação de novas tecnologias, levaram numerosas instituições
bancárias à ativarem grandes processos de redefinição de suas estratégias.
Neste novo cenário chega-se a um entendimento referente às margens de lucro
derivadas das operações de intermediação tradicional; de um considerável aumento da
concorrência e conseqüentemente da entrada no mercado de novos personagens e do viés das
demarcações entre os diversos setores do mercado financeiro, a atividade bancária está
velozmente abandonando sua tradicional abordagem aleatória no mercado colocando um foco
maior na escolha dos setores e dos perfis adequados à clientela a ser atendida. Esta nova
abordagem implica em uma profunda revisão do modo de se fazer Bancos: torna-se prioritário
definir a gama de produtos e serviços, os seguimentos de clientela e as modalidades de
contato.
Tal processo se enquadra em um cenário mais amplo e coloca os bancos mais focados
em alcançar números, articulações operacionais e níveis de rentabilidade, que permitam
competir na esfera internacional.
A reestruturação do sistema bancário tem despertado o interesse de todos os mercados
bancários internacionais de perfil similar em sua forma genérica: no incremento para atingir
volumes relevantes; na racionalização das redes de distribuição; na redistribuição dos recursos
humanos e tecnológicos; na expansão de suas operações em escala internacional.
156
O próprio processo de concentração das instituições financeiras, especificamente no
que concerne aos intermediários de créditos, representa um dos fenômenos mais relevantes do
panorama financeiro contemporâneo; alimentado pela concorrência induzida, em nível
nacional, e pelos processos de desregulamentação e não especialização em nível internacional
, criados pela ampla mobilidade dos capitais e da formação de um mercado global das
finanças.
O capítulo em andamento visa investigar a relevância das operações F&A no setor
bancário, as quais têm como característica a estratégia de expansão externa, apresentando
inicialmente um quadro internacional dos principais países industrializados.
As fusões e aquisições representam, já há algum tempo, uma importante estratégia de
crescimento, cada vez mais, nas empresas do mundo inteiro. Na última década, o fenômeno
das F&A parece ter atingido dimensões jamais vistas no passado.
Os mais importantes estudos, de caráter prático e teórico, parecem concordar quanto
aos motivos de fundo que levam as empresas a efetuar operações de fusões e aquisições
(merger e aquisition), ou F&A, os quais veremos mais adiante nas seções seguintes. Mas o
argumento central é que se trata de uma estratégia de crescimento por linhas externas,
geralmente, sob uma lógica de aprimoramento, o que leva a uma vantagem na competividade.
Este argumento é válido no campo teórico, pois pode proporcionar o crescimento e a
expansão na conquista de novos espaços e mercados nos quais a empresa, objeto de aquisição,
tem boa participação. O principal objetivo das empresas é o crescimento e conseqüentemente
a expansão das atividades em sua participação no mercado em um tempo muito mais curto.
Ao longo dos anos 90, as operações de F&A de empresas nos principais países
industrializados cresceram muito em números e valores.
As empresas responderam ao recrudescimento da competitividade nos mercados
internos e externos e o crescente desenvolvimento de novas tecnologias através da inovação
157
dos processos produtivos, ampliando sua gama de bens e de serviços oferecidos e acima de
tudo aumentando suas dimensões operativas.
Segundo os dados da Thomson Financial (GROUP OF TEN, 2001), que monitorou
grande parte das operações financeiras entre empresas, entre 1995 e 1999, houve nos países
do Grupo dos Dez, na Espanha e na Austrália 25423 fusões e aquisições (Tabela 3.1); que
comparados ao qüinqüênio anterior teve um crescimento da ordem de 65%. No mesmo
período, o valor total das operações subiu de 903 para 5.584 bilhões de dólares (de 1,0% para
5,2% do PIB nos países analisados) (Tabela 3.2).
Tabela 3.1: Número total de operações de F&A nos maiores países industriais Dos quais: Bancos Países 1990-94 1995-99 Quota % Quota % 1990-94 Do 1995-99 do total total Austrália 460 951 32 7,0 65 6,8 Bélgica 200 274 14 7,0 28 10,2 Canadá 1083 1910 32 3,0 70 3,7 França 1377 1241 113 8,2 87 7,0 Alemanha 1345 2430 75 5,6 144 5,9 Japão 165 1141 22 13,3 86 7,5 ltália 706 715 113 16,0 115 16,1 PaísesBaixos 453 537 28 6,2 16 3,0 Reino Unido 1770 3296 84 4,7 160 4,9 Espanha 431 708 48 11,1 41 5,8 Suécia 391 512 29 7,4 25 4,9 Suíça 334 375 71 21,3 37 9,9 EUA 6697 11333 1217 18,2 1694 14,9 Total 15412 25423 1878 12,2 2568 10,1Fonte: Thomson Fianncial (GROUP OF TEN, 2001)
158
Tabela 3.2: Valores das operações de F&A nos maiores países industriais
Valores totais Quota das operações (bilhões de U$) relativas a: Banco (valores %)
PAISES
1990-94 Quota % 1995-99 Quota % 1990-94 1995-99
Austrália 17,3 1,9 53,8 0,9 5,3 13,1 Bélgica 6,6 0,7 42,9 0,8 9,5 58,5 Canadá 24,6 2,7 135,4 2,4 5,2 9,8 França 68,6 7,6 215,6 3,9 12,5 13,9 Alemanha 31,2 3,5 327,0 5,9 5,9 3,7 Japão 20,9 2,3 168,3 3,0 49,6 65,6 ltália 51,7 5,7 138,5 2.5 33,7 46,3 Países Baixos 23,3 2,6 70,6 1,2 43,5 6,0
ReinoUnid 89,0 9,9 509,0 9,1 12,9 13,6Espanha 20,1 2,2 55,2 1,0 24,1 54,0 Suécia 24,3 2,7 99,7 1,8 10,4 8,2 Suíça 8,0 0,9 84,0 1,5 32,7 29,5 EUA 517,2 57,3 3683,5 66,0 15,9 16,7 Total 902,8 100,0 5583,5 100,0 17,1 18,2Fonte: Thomson
Fianncial (GROUP OF TEN, 2001)
Mesmo assim permanecem diferenças de amplitude do fenômeno entre os países: no
período de 1995-1999 a proporção entre o valor das operações de concentração e o PIB é da
ordem de 0,8% no Japão, enquanto que nos EUA é de 8,9%; na região do Euro a variação é
menor, pois a proporção varia de 1,9% na Espanha contra 3,5% na Holanda e na Itália foram
de 2,4% do PIB.
A aceleração do processo de concentração interessou a todos os países em pauta. Foi
mais intensa nos EUA e no Reino Unido, onde houve um maior desenvolvimento no mercado
financeiro e também um maior crescimento da economia durante o período examinado.
A expansão das operações de F&A no setor bancário foi particularmente rápida,
resultado este muito ligado a uma progressiva desregulamentação das atividades de crédito,
que reduziu as fronteiras entre os setores tradicionais do mercado (bancário, financeiro e de
seguros) na indústria dos serviços financeiros: no período 1995-1999, as operações do setor
bancário foram de 10,1% de um total de 18,2% em valores, contribuição muito mais
expressiva que a do setor de crédito no PIB dos países analisados.
159
A cota das operações bancárias, em especial, oscila quanto à quantidade, entre um
mínimo de 3,0% do total na Holanda e o máximo de 16,1% na Itália; o mesmo em relação aos
valores, de 3,7% na Alemanha a 65,6% no Japão.
A diferença encontrada entre os países reflete suas características específicas. Análises
preliminares demonstram que, à primeira vista, as operações de F&A entre bancos foram
encontradas com maior freqüência em países onde o sistema financeiro era menos
concentrado, onde houve um maior desenvolvimento e crescimento do mercado financeiro.
Isto leva a presumir que a motivação que levou os bancos à operação de F&A foi a de não
perder a oportunidade de poder aumentar a sua capacidade em oferecer um maior número de
serviços financeiros à clientela, dado que tal incidência foi vista de forma mais notável em
países com mercado financeiro mais amplo, ocorrendo em muito maior número onde a
rentabilidade dos intermediários era maior.
Este processo permitiu um significativo crescimento da oferta de serviços,
especialmente aqueles ligados à gestão da poupança. Ademais, beneficiou o desempenho dos
bancos após o declínio registrado no início dos anos 90.
Quanto ao sistema americano, após décadas de relativa inércia, este se viu subitamente
no curso dos anos 80, e sobretudo 90, operando num ambiente de mercado profundamente
modificado, o que foi obtido por efeito de diversas causas. Dentre elas, três foram as que a
literatura atribuiu um peso maior: o progresso tecnológico, o crescimento econômico e uma
nova regulamentação em matéria bancária. Procuramos então examinar algumas destas de
maneira mais aprofundada.
Quanto ao primeiro aspecto, a relevância se deve ao modo como as notáveis melhorias
registradas no campo das comunicações permitiram aos bancos recolher e utilizar um volume
de informações que há poucos anos era tido como impossível, ou muito custoso. Graças a esta
maior disponibilidade de dados, os bancos estiveram assim em condições de melhorar
160
sensivelmente a qualidade de muitos serviços; pensa-se, por exemplo, em como a atividade
fundamental de fornecimento de empréstimos pode trazer benefício a partir de um
conhecimento mais aprofundado da clientela.
A segunda força considerada responsável pelas mudanças radicais evidenciadas no
sistema bancário americano foi identificada no crescimento econômico. Os anos 90 de fato
representaram um período decididamente favorável para a economia global e em particular
para a americana, a ponto de induzir diversos estudos (JENSEN, 1993) a preconizar uma
“terceira revolução industrial”1(Gráfico 3.2). Simetricamente os efeitos do crescimento foram
sentidos também sobre as instituições de crédito, chamadas a assistir os próprios clientes cada
vez mais recorrentemente (pensa-se, por exemplo, na ajuda requerida por uma sociedade que
decide ampliar a própria atividade no mercado exterior ou que recorre à emissão de um
empréstimo obrigatório).
Gráfico 3.2: Indicadores de crescimento real e financeiro nos EUA N. índice (início 1990 =100)
jan 90 jan 91 jan 92 jan 93 jan 94 jan 95 jan 96 jan 97 jan 98 jan 99 jan 00 Ano
PIB real ______ Indice S&P 500 Fonte: Moore (1996)
O terceiro e último fator foi enfim representado pela nova legislação em matéria
bancária. Nos EUA, advertia-se há tempos para a necessidade de modificação da
1 Por outro lado, as prórpias integrações entre bancos poderiam ter contribuído para a aceleração do desenvolvimento real e financeiro na segunda metade da década.
161
regulamentação vigente. Particularmente considerava-se que esta, submetendo os bancos
domésticos a um número de vínculos superior em relação ao que ocorria com as instituições
européias, proporcionaria a estas últimas uma condição de grande vantagem. A partir de tal
perspectiva, entre o fim dos anos 80 e a metade dos anos 90, surge a aprovação de algumas
importantes leis que permitiram remover grande parte das restrições existentes (como por
exemplo a proibição de fusões entre um banco e uma companhia de seguro, ou ainda a
proibição por uma instituição creditícia de abrir filiais nos estados para além daquele de sua
origem). Dentre os mais significativos encontram-se, por exemplo, o Riegle-Neal Interstate
Banking and Branching Efficiency Act de 1994 e o Gramm-Leach Bliley Act de 19992.
Frente às mudanças destas entidades, os bancos americanos tiveram que escolher entre
duas alternativas:
1. Adaptar-se às novas condições tecnológicas, econômicas e legislativas procurando
desfrutar estas vantagens, ou;
2. Manter suas próprias características inalteradas, arriscando-se porém serem
esmagados pela concorrência.
A partir deste ponto observamos que existem diversas vias que uma empresa pode
decidir tomar para adequar-se a uma nova situação econômica. Dentre estas, as duas
principais são a substituição da administração e as integrações com outras empresas. A
primeira solução é representada pela inserção de novos dirigentes, no caso de os antigos se
demonstrarem incapazes de introduzir os ajustes necessários na empresa para lhe garantir ao
menos a manutenção da própria posição competitiva.
A segunda solução é constituída pelas operações de F&A, graças às quais uma
sociedade “fora do mercado” (e portanto destinada provavelmente a desaparecer no arco de
2 Responsável pela situação na qual para qualquer instituição de crédito foi reconhecida a capacidade de estender livremente a própria atividade aos estados (e setores) diferentes.
162
curto tempo) pode compensar o próprio atraso sendo adquirida por uma outra que, ao
contrário, é adequada às novas condições do sistema econômico.
O elevado número de fusões e aquisições parece indicar como, ao menos no setor
bancário, o empresariado americano optou sobretudo pela segunda opção. Utilizando as F&A
como fator de inovação da prática gestora dos bancos menos eficientes, concentra-se a
contribuição de Moore (1996 ).
O ingresso de colossos internacionais recoloca em cena um problema do passado:
como é possível enfrentar a concorrência num mercado em rápida evolução, com novos
operadores habituados a operar por muitos anos em contextos altamente competitivos? As
operações de Fusões e Aquisições (F&A), portanto, tornaram-se uma resposta estratégica para
quem sempre teve mais recurso, sejam os bancos de primeira importância sejam os de média e
pequena dimensões.
Os fenômenos de F&A tiveram, e continuam a ter, recaídas muito fortes, às vezes
dramáticas, sobre âmbitos organizativos de referência. Se de um lado, de fato, consentem a
capacidade de competir com os global players estrangeiros através de uma presença mais
densa sobre o território, de outro impõem a necessidade de ampliar rapidamente o portfólio de
oferta de produtos e serviços, a fim de manter viva a relação com os próprios clientes.
Se, porém, as operações de F&A oferecem novas oportunidades estratégicas e põem
novas alavancas à disposição para a obtenção de vantagens competitivas, nem sempre
consentem o desejado aproveitamento da economia de custos dimensionais. No imediato pós-
fusão, os elevados custos de integração e de inter-operatividade podem comprometer a
obtenção de sinergia. Em um período de tempo, ao contrário, quando o processo de integração
do sistema bancário tiver alcançado grande maturidade, os objetivos de obtenção de
economias de escala parecerão mais exeqüíveis, de onde serão seguidas de políticas de gestão
163
e organização que possam estar alinhadas com as exigências de integração e transformação
organizativa.
Em síntese, podemos dizer que o fenômeno das concentrações entre empresas, isto é, a
busca e a obtenção de dimensões de empresas mais eficientes através do uso de fusões e
incorporações (DESARIO, 1995), é uma das manifestações mais características da idade
moderna e, como sempre, ao centro do debate econômico e institucional, enquanto indicador
confiável das mudanças em curso no tecido produtivo de cada país.
As concentrações constituem justamente o único instrumento à disposição das
empresas para, de maneira rápida, adequar sua posição no interior da realidade econômica que
lhe circunscreve; para enfrentar as contínuas solicitações provenientes dos mercados; para
entrar em novos ambientes econômicos (PAPARELLA, 1993). Além disso, através deste
processo, podemos verificar a saída do mercado de todas as empresas ineficazes,
minimizando, todavia, os custos que certamente provocam os procedimentos de falência.
Entre os motivos que levam a empresa a recorrer a processos de concentração, sem
dúvida um dentre os mais determinantes, corresponde à intenção de criar aparatos econômicos
majoritariamente competitivos através da ampliação das dimensões empresarias; maiores
dimensões significam, portanto, um aumento de eficiência produtiva e, conseqüentemente, a
afirmação sobre mercados.
Além disso, os ciclos de concentração que por vezes verificam-se em alguns setores
econômicos, além de mostrar as tensões que assolam tais compartimentos, podem indicar
novas soluções tecnológicas, pois a inovação dos processos e de produtos é justamente o
motivo que impulsiona as empresas ao posicionamento estratégico no interior de um dado
mercado.
Em outros casos, ao contrário, é o processo de internacionalização que leva as
empresas a mudarem as próprias dimensões; o objetivo de tal comportamento parece ser o
164
alcance de novos mercados de escoamento ou a intenção de proteger da concorrência externa
sua posição sobre o mercado interno.
Enfim, as concentrações exercem um papel determinante “no processo de
reorganização da estrutura da oferta de setores atravessados por crises de caráter não
transitório, ao modificar a distribuição do poder de mercado, ao consolidar posições
dominantes, ao tornar possíveis coalizões de empresas de menores dimensões em condições
de desafiar a empresa líder do setor” (DESARIO, 1995, p.23).
Todos os motivos suscitados tornam simples a compreensão da finalidade que
impulsiona os policy makers a tratar com interesse sempre maior o fenômeno concentrador: a
política industrial dedica atenção à estrutura de setores básicos enquanto se refere à ocupação
e ao crescimento da economia nacional; as autoridades sob a tutela da concorrência
sancionam a eventual criação ou reforço de uma posição dominante.
Enfim, o Estado e outros organismos públicos, nos diversos períodos históricos,
intervieram com a participação nas operações de aquisições de empresas na tentativa de
limitar eventuais ineficiências da iniciativa privada.
Foram, portanto, numerosas as normas estatais (sob a tutela da concorrência) e fiscais
que permitiram seguir a evolução dos processos de concentração postos em curso pelas
empresas, e uma vez estourados, resultaram nos debates que se seguem à emancipação e
aplicação.
Antes de adentrar o assunto, torna-se oportuna uma precisão de caráter terminológico,
relativa à definição de F&A. Tais termos são freqüentemente usados como sinônimos no
âmbito da literatura empresarial, mesmo com a existência de diferenças notáveis entre as duas
operações do ponto de vista jurídico, contábil e processual. Todavia, partindo de uma ótica
estratégico-organizativa e à luz das precisões de caráter substantivo e terminológico que
seguem, é possível analisar os dois fenômenos como um único fato relevante.
165
No sentido de já operar tal distinção, fala-se de “fusão” onde duas ou mais empresas
deixam de ser distintas e contribuem para formar uma única empresa, cujo controle é detido
pelos acionistas de todas as companhias que fizeram parte da operação. A fusão gera o
desaparecimento da empresa adquirida, quando incorporada pela adquirente (fusão por
incorporação), ou o desaparecimento de ambas, quando é constituída de uma nova sociedade
originada pela concentração das duas empresas (fusão propriamente dita ou em sentido
estrito).
A “aquisição” ao contrário é o resultado de uma operação de take-over (operação na
qual uma empresa assume o comando de outra) na qual uma empresa assume o controle total
ou parcial de uma outra seguido de uma oferta privada (ou direta) ou pública (conhecida como
OPA, no caso da sociedade de cotas), deixando porém distintas e separadas as duas entidades
jurídicas. Em particular, analisando as situações de conflito/acordo que podem vir a criar entre
potenciais adquirentes (bidder) e adquiridos (target), os take-over podem ser considerados:
amigáveis, no caso de obtenção do acordo com a primeira oferta; debatidos, onde alguns
pontos específicos são objeto de discussão; hostis, em caso onde as negociações são
caracterizadas por intensos conflitos.
Do ponto de vista estratégico-organizativo, o resultado de uma operação de F&A,
qualquer que seja sua matriz jurídica, possui conseqüências notáveis sobre uma empresa em
termos de posição de mercado, conhecidas nos confrontos pela clientela, composição da
companhia acionária, estruturas organizativas e articulação dos mecanismos operativos.
Portanto, no momento em que se analisam as implicações relativas à fase pós, podemos
aceitar a simplificação segundo a qual F&A tem as mesmas conseqüências sobre sistemas
organizativos das empresas envolvidas.
166
3.3 - A concentração bancária: do início do século XX aos dias atuais
Estando o princípio cronológico à base de nossa tese, traçaremos um quadro histórico
do fenômeno em questão, partindo do início do século passado até chegar aos anos 90.
Atravessando este longo arco de tempo, e assinalando os eventos históricos (os dois conflitos
mundiais) e econômicos (a crise de Wall Street) de fundamental importância, procuramos pôr
em evidência os motivos desencadeados pelo fenômeno da concentração bancária, não nos
limitando ao contexto de um país, mas analisando a realidade econômica de alguns
importantes países europeus, Alemanha, Reino Unido, sobretudo, EUA e Japão.
Entre os vários setores envolvidos no processo de concentração, seguramente o
bancário aparece como um dentre os mais interessantes, seja pelas próprias características da
atividade creditícia, seja pela importância que o fenômeno, no curso dos anos, andou
adquirindo.
A prática da concentração bancária, de fato, encontra sua origem nos anos que vão de
1914 a 1919.
3.3.1 – A concentração bancária na Europa 3.3.1.1- Alemanha
A situação bancária alemã, após o término da primeira guerra mundial, caracterizava-
se por um tipo de estrutura na qual o Banco Reichbank desempenhava o papel de banco
emissor, colocado acima de uma densa rede de pequenos e grandes bancos, com
características majoritariamente imobiliárias, e de uma organização de institutos estatais, os
quais dominavam o recolhimento de recursos de poupança e de sua redistribuição para os
meios de produção.
O movimento centralizador, que já operava no início da guerra, tinha assumido um
duplo e importante aspecto: “ antes de tudo geográfico, sendo que os principais bancos
167
transferiram suas sedes centrais de suas cidades de origem para Berlim, capital da Alemanha;
orgânico, pois os principais bancos de Berlim tinham garantido o controle de importantes
grupos de banco provinciais (...) Substancialmente os oito maiores institutos de Berlim, os
quais representavam cerca da metade do balanço total de cento e sessenta bancos existentes”
(TRIDENTE, 1997, p.237).
O fim do conflito pegou os bancos alemães, assim como os italianos, franceses e
ingleses, em pleno processo de concentração. Tal processo, terminada a guerra, foi retomado
com maior vigor em 1917, sob a influência da grande concentração industrial, e da grande
inflação pós-bélica, que após uma primeira fase de estabilidade, começou a atingir proporções
enormes: a circulação da moeda continuou em sua rápida ascensão até alcançar a cifra
astronômica de 496 bilhões, resultando no abandono do Marco e o estabelecimento do
Rentenmark.
O primeiro efeito desta situação sobre a atividade bancária foi o incremento de todos
os itens dos balanços bancários, desde depósitos até as operações de investimento no campo
das grandes indústrias, um aumento da atividade de concentração: os bancos alemães se
lançaram em uma corrida em direção à absorção de outros pequenos e médios bancos; as
filiais se multiplicaram, criando além da inflação monetária uma inflação bancária. Todavia,
tal fenômeno envolveu não só os grandes bancos comerciais, mas também os institutos
regionais, provinciais e municipais, os quais tentaram estender seu controle a vizinhos de
menor porte, abrindo mais agências e adquirindo participações em empresas industriais locais.
Não é correto entretanto pensar que, entre os anos 1917 e 1924, o processo de
concentração tenha se desenvolvido sem obstáculos; ao contrário, houve fatores que
retardaram o movimento e outros que contribuíram para a modificação da ordem do sistema
bancário alemão (TRIDENTE, 1997, p.242). Entre eles:
168
a) A primeira forma de reação encontrou-se na inflação bancária e monetária. A
abundância de recursos financeiros à disposição deu a impressão de um crescente
bem-estar; o aumento generalizado dos preços e a possibilidade de se conseguir
lucros, mesmo que fictícios, sem riscos excessivos, encorajaram a iniciativa
privada à especulação (ibid, p.242); os institutos viram aumentar rapidamente sua
clientela assim como a demanda de serviços bancários. O mercado é invadido por
“aventureiros do crédito”, os quais, além de comprometerem a si mesmos e à
própria clientela, fizeram crescer enormemente o número de bancos;
b) O segundo obstáculo ao movimento de concentração bancária foi a criação dos
Konzernbanken e dos Fachbanken. É necessário lembrar que a industria alemã saiu
da primeira guerra mundial enriquecida pelos lucros de guerra, e assim, com a
necessidade de racionalizar as suas instalações e poder fazer frente à concorrência
estrangeira, levou a indústria a uma maior concentração. Assim surgiram os
Konzern, grandes conglomerados verticais ligados aos magnatas industriais, os
quais, não mais dependentes de financiamentos bancários, decidem entrar em
concorrência direta com os institutos de crédito, tentando uma escalada nesse
sentido. Este desejo levou os Konzern a constituir novos bancos a serviço
exclusivo dos próprios complexos econômicos e para o financiamento de outras
empresas. Nascem assim os Konzernbanken e os Fachbanken: os primeiros,
especializados cada qual por um complexo econômico, e os últimos, voltados a
ramos diferentes do comércio e da indústria.
Em 1923, todavia, a invasão de Rhur, concomitante à inevitável deflação, varreu
do mercado todos os institutos de crédito criados no período, inclusive os bancos
ligados aos Konzernbanks, que só obtiveram, como resultado, o atraso do
movimento de concentração dos grandes institutos financeiros;
169
c) O terceiro e último obstáculo foi a reação da Associação dos Bancos Provinciais,
que tinham como objetivo não mais depender dos grandes de Berlim.
O processo de concentração bancária sofreu assim, uma estagnação: não só a atividade
expansionista parou totalmente, mas os bancos, que durante a inflação tinham ampliado seu
raio de ação, voltaram ao seu nível original em função dos altos custos operacionais. Tornou-
se necessário fechar as filiais menos importantes e menos produtivas, assim como uma
revisão das estruturas bancárias.
Neste processo de ajuste geral da economia, segundo o autor, foram os grandes bancos
que tiraram o país da crise: suas ações tiveram um bom desempenho na Bolsa, assim atraindo
capitais externos; a atividade de financiamento da indústria voltou a pleno ritmo, de maneira a
permitir aos bancos reassumirem suas posições perdidas durante a recessão, e revitalizar o
programa de racionalização organizativa, interrompido em 1924. Não foram muitas as fusões
ocorridas entre 1925 e 1929, mas assumiram uma importância maior por terem sido
desenvolvidas entre grandes institutos concorrentes3.
A retomada econômica, de todo modo, não durou muito tempo: a fuga dos capitais
estrangeiros do país que começou ao final de 1930 foi o que levou a maior parte dos bancos
alemães à beira do precipício; a falta de confiança dos investidores também influenciou
negativamente, os quais preferiram sacar suas poupanças e investi-las no exterior. Neste
período iniciou-se uma série de ações assistenciais, por parte do Estado, a fim de evitar
conseqüências mais desastrosas para a economia. Este tipo de ações, as quais custaram
grandes sacrifícios ao Reich, por outro lado, levou-o a ter o controle dos maiores bancos de
Berlim, pois ao perderem sua autonomia, encontraram-se com grande parte de seus capitais
nas mãos do Estado.
3 Entre elas a mais importante foi a do Deutsche Bank com o Diskonto Gesellschaft, dois bancos de prestígio, que culminou na criação do novo instituto Dedibank.
170
No entanto o movimento de concentração não sofreu danos com a crise; ao contrário,
no período de 1930 a 1933 realizaram-se várias fusões, que englobaram todas as categorias de
bancos alemães.
Como conseqüência direta da crise, houve a criação de institutos de direito público,
para reconstruir a liquidez dos bancos, comprometida pela crise. Estas instituições (Deutches
Finanzierungsinstitut A. G. e o Tilgungskasse fur gewerbliche Kredite, foram as mais
importantes) estavam limitadas a operações de desmobilização dos créditos de longo prazo.
Apesar das várias tentativas de limitar os efeitos da crise no sistema de crédito alemão,
as repercussões foram tão graves a ponto de obrigar o chanceler do Reich a abrir uma
investigação bancária, a fim de precisar os erros passados e estabelecer diretrizes futuras.
Fazia-se necessário submeter a atividade bancária alemã a uma severa disciplina, não só para
harmonizá-la com as mudanças das condições políticas mas também para evitar a reincidência
dos problemas que criaram a crise. Em conformidade com esses propósitos houve a criação da
Lei Bancária de 1934 e de uma outra medida que coibia a criação de novas instituições de
crédito durante o primeiro biênio de atuação da lei, a fim de restabelecer a ordem no sistema.
Apesar da proibição de criação de novos bancos e toda a rigorosa disciplina imposta pela lei,
o Reich não tinha a intenção de incrementar a concentração ainda mais do que a realizada
através das fusões impostas em função da crise: era notório que tanto os grandes como os
pequenos bancos eram necessários ao país.
Os grandes com suas relações no exterior tinham permitido a industria alemã a se
reorganizar após o primeiro conflito mundial, enquanto que os pequenos atendiam às
necessidades de crédito das pequenas e médias industrias, do artesanato, do comercio local,
categorias pouco atendidas pelos grandes bancos.
Ao contrário, parecia evidente que o sistema bancário alemão estivesse tendendo a
uma descentralização; parecia concluído o tempo das grandes concentrações e que os
171
gigantescos institutos de crédito, sediados em Berlim, seriam substituídos por bancos
regionais, criando ex novos desvinculados dos grandes bancos que os tinham absorvido
anteriormente. Nesse meio tempo essa organização era coordenada por um pequeno número
de organismos bancários de caráter nacional, os quais pareciam indispensáveis tanto na
resolução dos maiores problemas econômicos que interessavam a toda a nação, quanto para
manter os contatos com os mercados monetários e financeiros estrangeiros.
Os eventos políticos que se seguiram posteriormente à aprovação e à aplicação da Lei
Bancária demonstraram que o regime totalitário não podia se desinteressar do sistema
bancário para governar a economia de crédito. A eclosão da Segunda Guerra Mundial em
1939 paralisou, como era previsível, o processo de descentralização que caracterizava o
sistema bancário alemão daquele período: continuar com um movimento de diminuição do
crédito seria arriscado e contraproducente para um país que se encontrava mais uma vez
diante de um conflito mundial. Por esses motivos foi deflagrado, em 1937, o novo estatuto do
Reichbank, que perde a plena independência e se torna um instituto de direito público à
disposição do Reich. Desta maneira, o chefe do Governo passava a adquirir o poder de
controle do mercado de crédito e monetário.
A primeira preocupação dos aliados, com o fim da guerra, foi desmantelar o aparato
econômico e financeiro alemão, a fim de impedir a reconstituição de sua força militar e do seu
potencial produtivo. Conforme os acordos de Potsdam de 4 de Agosto de 1945, para alcançar
esses resultados era necessário:
1. A descentralização da economia alemã, que naquele período, tornara-se
extremamente concentrada sob forma de cartéis, sindicatos e trusts;
2. Uma gestão comum entre os aliados durante a ocupação, para manter a unidade
econômica no país. Foram dessa maneira definidos além das quatro zonas de ocupação
(americana, inglesa, francesa e russa), novos programas de produção industrial, mineira e
172
agrícola, importações e exportações, os preços, os transportes e naturalmente o
reequilíbrio do sistema de crédito.
Em particular, a organização bancária foi reestruturada através da liquidação do Banco
Central e, a partir de 1946, com sua substituição por onze bancos territoriais e o seqüestro dos
grandes bancos de Berlim, substituídos por trinta institutos sucessórios (TRIDENTE, 1997).
3.3.1.2- Reino Unido
A situação bancária inglesa, ao final da Primeira Guerra, apresentava em linhas gerais
as mesmas características de outros países europeus: enorme crescimento dos depósitos,
diminuição da relação entre patrimônio bancário e capitais administrativos, inflação de
crédito, dilatação, em geral, todos os itens dos balanços bancários. A causa desses fenômenos
era comum a todos os eventos bancários daquele período: a guerra, com todas as suas
necessidades e conseqüências.
Tal processo de expansão foi provocado acima de tudo pela inflação monetária e a
política de crédito do Governo, o qual, para conseguir criar empréstimos, exerceu pressão
sobre os bancos, para que eles favorecessem a circulação da moeda, através da cessão de
créditos ilimitadamente. Desta maneira desde março de 1919 e durante todo o ano de 1920,
iniciou-se uma fase de câmbio flutuante, muito mais aguda em conseqüência da considerável
inflação monetária.
O aumento dos preços fez com que a organização bancária inglesa tendesse a acelerar
o processo de concentração, e já estava em andamento há muito tempo, que tinha como
objetivo substituir a figura do banqueiro privado pelo banco de sociedade aberta, por ações, e
do banco regional pela filial de um grande banco de nível nacional. O fenômeno envolveu
alguns institutos por ações que, desejosos de expansão, absorveram os bancos locais tal qual
173
alguns grandes bancos provinciais, os quais emergiram através de creditadas casas bancárias,
que por sua vez, faziam parte da Câmara de Compensação.
O inicio do conflito de 1914 interrompeu o movimento de concentração, pois os
bancos, diante das incertezas da guerra, preferiram manter grandes volumes de liquidez para
poder enfrentar qualquer situação. Na segunda metade de 1917, enquanto o conflito
caminhava para seu final, e começavam a se delinear os futuros problemas do pós-guerra, o
processo de concentração atingiu uma tal intensidade que levou o governo inglês a instaurar
uma investigação: de fusões entre bancos locais e um grande instituto passou-se a operações
entre grandes bancos por ações, o que levava ao receio de um possível monopólio monetário.
A partida se deu, no final de 1917, com a fusão do London & South Western Bank com
o London & Provintial Bank, e de outras operações que levaram a uma confluência enorme de
capitais. Tendo como base os resultados da investigação, o Governo não criou uma
regulamentação propriamente dita da concentração bancária, mas sim uma espécie de acordo
com base na qual qualquer projeto de fusão deveria ser submetido ao consenso do Ministério
do Tesouro (TRIDENTE, op.cit., p.287).
Na prática, em 1918, o sistema bancário inglês, privado de uma regulamentação e de
organização, tinha atingido um grau de superconcentração bancária: em poucos meses o
número de institutos tinha reduzido consideravelmente, enquanto entre estes, cinco (os ditos
“Big Five”4) gozavam de situação privilegiada no mercado. “Nos dois anos sucessivos ao
final da guerra, (...) o movimento de concentração continuou muito intenso (...), mas
diferentemente em relação ao passado, quando as fusões eram feitas exclusivamente pelos Big
Five, passou-se a absorver somente pequenos bancos locais, com intuito de completar,
ratificar e consolidar as posições já estabelecidas” (TRIDENTE, op.cit., p. 297). Esta
4 L.LE MARCHANT MINTY, English Banking Methods, 1930.
174
tendência continuou até 1925, mas conforme o número de pequenos bancos locais se reduzia,
o movimento se esgotava e buscava novas possibilidades.
Durante a guerra houve algumas fusões com bancos de outros continentes, o
movimento acentuou-se até atingir em 1925 a posição que foi apelidada de “nova política
bancária do Banking Imperially” (D’ORLEANS apud TRIDENTE, 1997, p.300). Na
realidade os banco ingleses, na prática, saturados em área nacional, sentiram a necessidade de
se expandir, iniciando um forte movimento para entrar no mercado europeu, nos EUA e nas
colônias. O desenvolvimento de uma densa rede de filiais, controladas por Londres, em todo
Império Britânico, na Europa e nos EUA, fazia parte das intenções inglesas de construir um
sistema econômico fechado, resultado direto do nacionalismo e do protecionismo.
Para isto fazia-se necessária a criação de uma estrutura bancária sólida e unificada, a
qual pudesse tanto salvaguardar os interesses britânicos quanto atender à demanda de crédito
de um território tão vasto.
Desta maneira, chegou-se à nítida conclusão de que o movimento de concentração
interno estava enfraquecendo, focando somente a adaptação das áreas já ocupadas e a
pesquisa sobre novos mercados (Escócia e Ilhas Guernesey) enquanto que o mercado externo
deixava transparecer inéditas oportunidades.
Uma vez conclusa a organização do sistema bancário, as atenções se concentraram a
fim de restituir ao mercado monetário londrino sua antiga posição de predominância, e
reconstruir a estrutura de coleta de fundos e a distribuição das disponibilidades monetárias
mundiais, que a inflação e a sucessiva desvalorização tinham quase destruído. O meio
utilizado para se restabelecer o equilíbrio, em um mercado que acabara de sair de uma guerra
e conseqüentemente de uma crise, foi o retorno em 1925 ao Padrão-Ouro, através do qual a
Libra Esterlina voltava a sua paridade com as reservas de ouro, devolvendo assim ao país uma
moeda finalmente estável.
175
Essa dedicação exclusiva ao mercado monetário foi duramente atacada pela indústria,
a qual atravessava uma fase conjuntural negativa, e gostaria de ter uma maior sustentação por
parte da organização bancária, com financiamentos de prazos confortáveis, e uma assistência
que não se limitasse às necessidades operativas, de maneira a permitir um processo de
racionalização e concentração já em andamento na Alemanha e em outros países do
continente. Mas o sistema bancário, e especificamente os cinco maiores institutos de crédito
se opuseram às críticas alegando que o movimento de transformar Londres em um grande
mercado monetário gerava efeitos positivos sobre toda a economia inglesa. Todavia a grande
polêmica entre bancos e indústrias, já acirrada em 1927, chegam a seu ápice em 1929 a ponto
de obrigar o Governo Inglês, por razões mais políticas do que econômicas, a ordenar uma
investigação sobre as atividades bancárias, sobre a distribuição de créditos e também sobre a
relação com a indústria. Tal investigação não levou a nenhum resultado concreto a não ser à
orientação dos bancos a investimentos de curto prazo.
No entanto, a febril atividade no período posterior à estabilização da libra esterlina
durou pouco tempo, o crack de Wall Street derrubou a economia de vários países, e em
função da importância internacional do mercado monetário londrino, este não poderia deixar
de sentir, em primeira mão, os efeitos da crise.
O desequilíbrio dos capitais, a diminuição de entradas de investimento externo, a
crescente negatividade da balança comercial, foram mais do que suficientes para debilitar o
Banco da Inglaterra e a convencer o Governo a abandonar o Padrão-Ouro em 1931.
A crise fez o sistema bancário inglês passar por duras provas, mas reagiu de forma
vigorosa, e para conseguir manter a estabilidade da libra, conseguiu limitar a retirada de
capitais tanto locais quanto externos e a honrar seus empréstimos internacionais contraídos
em 1932.
176
Com essa demonstração de solidez do aparato de crédito, reiniciou-se o fluir de
capitais externos principalmente vindos dos EUA. Este novo fluxo de liquidez e a recuperação
da confiança no sistema permitiram ao país superar a crise, colocando mais uma vez em
evidência a estabilidade e a organização do aparato bancário.
É importante salientar que a crise não gerou fusões: o número de bancos se manteve
estável tanto na Inglaterra quanto no País de Gales, Escócia e Irlanda; não foi o recurso a
medidas de exceção, nem de ajuda de qualquer espécie por parte do Governo, a tirar os
bancos da crise; tudo foi resolvido através dos próprios meios, conseguindo assim salvar sua
eficiência e prestígio.
Com o abandono da paridade áurea da libra e uma conseqüente política protecionista,
houve uma retomada da indústria e do comércio interno inglês, com o aumento do consumo e
a diminuição do desemprego. Todavia isto tudo acontecia sob a tutela das tarifas aduaneiras e
de acordos entre a pátria-mãe e suas colônias, com o objetivo de constituir um sistema
econômico fechado.
A escolha estava entre salvar a indústria, privilegiando-a através de um sistema
produtivo fechado ao comércio internacional, ou manter a atividade bancária em seu papel de
clearing house do trafégo mundial seguindo a política de liberdade de troca.
Diante da necessidade de uma retomada da indústria e de alcançar o pleno emprego, a
escolha se deu em favor da indústria: também devido ao início da Segunda Guerra em 1939,
passou-se da política do open market para o cheap money, no qual as empresas podem se
beneficiar de financiamentos de baixo custo e de prazos longos (DE SIMONE, 1987).
Em outros termos, o controle do mercado monetário passou do Banco da Inglaterra
para o Tesouro Nacional, ou seja, de uma sede estritamente técnica para uma essencialmente
política. Dado que de fato a Casa da Moeda passou para o controle do Ministério do Tesouro,
a passagem à nacionalização por parte do Governo foi um passo rápido. Com o controle feito
177
diretamente pelo Estado, que passa a ter a gestão do crédito de curto prazo sobre a circulação,
as operações de médio e longo prazo só poderiam mesmo estar sob o controle de um instituto
de crédito vinculado ao Governo. Por este motivo foram fundados o Finance Corporations
for Industry (FC.I) e o Industrial and Commercial Finance Corporation (I.C.F.C) (De
SIMONE, idem), os quais tinham como urgente função financiar uma rápida e eficaz
reconstrução das empresas industriais e mercantis. Enquanto o F.C.I tinha como missão
manter as tais empresas com sua revitalização e o desenvolvimento do pleno emprego, a
I.C.F.C. tinha finalidades mais modestas, tendo como objetivo fornecer crédito, através de
empréstimos e compra de ações, às pequenas e médias empresas industriais e comerciais.
O grau de concentração do sistema bancário durante a Segunda Guerra ficou
inalterado, excluindo o fechamento de algumas agências, filiais e sub-filiais, cujas atividades
foram transferidas para instalações de maior porte.
De todo modo, a estrutura bancária inglesa continuou a apresentar um alto grau de
concentração, apesar das mudanças geradas pelos períodos posteriores à grande crise e à
Segunda Guerra Mundial, sendo primordial a passagem do controle sobre o crédito de mãos
técnicas para políticas e seu controle da iniciativa privada para o Poder Público.
3.3.1.3 – Itália
No que se refere à Itália, o início do primeiro conflito mundial encontrou os bancos em
plena fase expansiva e concentradora, também graças aos consideráveis empréstimos públicos
e aos investimentos das indústrias. O setor industrial empenhou-se a fundo na produção bélica
e os bancos “um pouco por patriotismo, um pouco porque atraídos pela facilidade de ganhos,
apóia-se sempre mais na sorte da indústria” (TRIDENTE, 1997, p.85). Os anos seguintes
viram assim a formação de poucos grandes grupos financeiros “universais” que, estando em
condições de exercer uma forte influência sobre o mercado, contêm o domínio dos grandes
178
bancos, chegando a um aumento de capital circulante; conseqüentemente, um funcionamento
distorcido dos mecanismos alocativos, que poderiam comprometer toda a estrutura financeira
nacional em caso de ausência da intervenção de organismos adequadamente instituídos, I.R.I
em particular (DESARIO, op.cit.).
O fim do conflito constrange a Itália, assim como as outras nações em guerra, a acertar
as contas com a reconversão industrial, o lento processo pelo qual um sistema econômico
extraordinário se voltava à normalidade. Os bancos, para sustentar o Estado durante o período
bélico, estiveram excessivamente ligados, como já dissemos, ao futuro das indústrias, as
quais, por outro lado, não desejavam outra coisa senão a permanência ativa, no momento em
que as orientações para a necessidade das guerras foram insuficientes.
Portanto, depois de um primeiro período de fácil otimismo, durante o qual os Estados
mantiveram ainda providências de caráter extraordinário (racionamento de matéria-prima e
controle de câmbio in primis) a fim de tornar a passagem conjuntural menos traumática, a
inevitável crise foi deflagrada, envolvendo todos os setores da economia.
Naturalmente, os grandes bancos mais ligados à indústria e todas as instituições de
crédito menores que nasceram da iniciativa privada durante o período de especulação
precedente, ressentiram o golpe e faliram. É o caso, para a Itália, da quebra do Banco Italiano
de Desconto, de 1921, seguido dos muitos pequenos bancos.
A queda do banco supracitado sinalizou o início da recuperação econômico-financeira
italiana após a primeira guerra: a situação poderia ter se degenerado devido ao pânico, mas as
outras grandes instituições de crédito, fortalecidas por uma vasta experiência e, por isso, mais
bem equipadas, sustentaram o golpe, consentindo ao país se reerguer.
Em 1924 delineava-se a retomada, que se desenvolveu completamente em 1925. No
entanto, enquanto estava em curso entre os grandes bancos um lento processo de
concentração, as melhores condições da economia italiana, devido sobretudo à intenção do
179
Estado de sair da crise, estimulavam o nascimento de novas iniciativas no campo do crédito.
Este interessante fenômeno se verificou essencialmente por duas razões:
• Antes de tudo, por conta do nível excepcional da inflação, que levou a
aumentar as especulações em vista de ganhos fáceis;
• Em segundo lugar, fator determinante foi a escassa experiência dos pequenos
bancos e dos banqueiros privados, os quais, encorajados pela prudência das
grandes instituições, aumentaram-na em ritmo muito acelerado.
Em fins de 1925, como era previsível, a situação econômica do país mudou
novamente: os preços, que desde então cresciam enormemente, começaram a tender à limites
mais lógicos e mais consoantes com a real situação das empresas. Porém o retorno à
normalidade não podia vir sem desequilíbrio e, de fato, os especuladores mais audaciosos e as
empresas bancárias do período precedente pagaram um preço caro pela inexperiência,
apresentando, com sua falência, as categorias mais humildes de poupadores, ou seja, aqueles
cativados simplesmente pelas altas taxas de juros.
Em 1926, uma tentativa de disciplinar organicamente a legislação bancária foi posta
em prática através dos decretos-leis RDL. N. 1511 e do RDL. N.1830 com os quais se
preencheu uma lacuna da legislação italiana: de fato os dois decretos, por um lado
procuravam essencialmente proteger a poupança, e portanto disciplinavam a atividade dos
bancos que recolhiam depósitos; por outro, a fim de que esta tutela fosse efetivamente
alcançada, tendiam a limitar o número das instituições, a regular sua expansão, a consolidar
sua posição. No caso de instituições ou de fusões, a empresa de crédito interessada devia
requerer ao Ministério da Economia, em conjunto com o Banco da Itália, uma autorização que
consentisse o início da atividade. Este exame preventivo impedia a difusão descontrolada de
bancos e banqueiros e harmonizava seu número com o grau de desenvolvimento econômico
da área. Também no caso das fusões, as operações deviam resultar em um reforço patrimonial
180
das empresas e não na criação de monopólios danosos, privados de alianças com o tecido
creditício das áreas nas quais operavam.
De tal modo, o Estado dotava-se de um primeiro potente meio de aceleração da
concentração bancária, através do qual garantia o respeito ao limite de eficiência econômica
naquele determinado momento.
Após três anos de providências de proteção de poupança postas em práticas pelo
governo italiano, ao fim de 1929, Wall Street desmoronava. Dada a interdependência das
relações econômicas mundiais, o colapso da Bolsa de Nova York propagou-se rapidamente,
atacando primeiro os mercados de produtos agrícolas e matérias-primas, depois os países
industriais. Rapidamente o sistema de equilíbrio nacional e internacional se esvaiu e
populações inteiras submetidas a grandes dificuldades.
A situação econômica italiana, ainda em turbulência pela política deflacionista
perseguida pelo governo, não escapa à nova mudança de conjuntura, assumindo todas as
conseqüências: a crise mundial impunha uma nova adequação da estrutura industrial,
adaptada às novas condições de mercado. Inevitavelmente, tais intervenções se deram em sua
maioria sobre as instituições de crédito, “constrangidas”, seja por um dever nacional, seja por
seu próprio interesse econômico, a dar conta da disponibilidade líquida em sua posse. Além
disso, assim como para todo o sistema industrial, também para o ramo bancário, um outro
problema a ser enfrentado dizia respeito ao elevado nível dos custos, inadequados à nova
situação. Comprometidas com a liquidez e alto coeficiente de despesa geral, as intervenções
impuseram portanto uma solução imediata e eficaz que permitisse ao organismo produtivo
uma nova adaptação às novas condições de mercado e que consentisse a superação do deságio
ligado à crise.
Naturalmente, as dificuldades a serem superadas eram muitas: “em primeiro lugar,
para salvar a liquidez bancária, era necessário descarregar sobre outras instituições massas
181
enormes de imobilizações para o financiamento industrial e deixar aos bancos de crédito
ordinário, a atividade de depósito e desconto. Secundariamente, para reduzir
consideravelmente os custos, era necessário fundir os grandes organismos e racionalizar suas
instalações, fechar as filiais e agências que constituíam algumas praças inúteis, (...) fazer uma
escolha inteligente de pessoal (...)” (TRIDENTE, op.cit., p.102).
Este programa foi desenvolvido plenamente pelos dois grandes bancos italianos: o
Crédito Italiano e o Banco Comercial.
O Crédito Italiano, em março de 1930, deliberou a incorporação do Banco Nacional de
Crédito com o conseguinte aumento do capital social a 625 milhões de liras. Seguindo esta
grande operação financeira, sem precedentes no panorama do crédito italiano e comparável
somente aos movimentos de concentração alemã ou americana, o Crédito Italiano reuniu em
torno de si o serviço de natureza exclusivamente bancária, deixando ao novo Banco Nacional
de Crédito todas as participações acionárias industriais possuídas pelos dois bancos. Além da
certa vantagem derivada da separação entre a atividade creditícia pura e atividade financeira
mobiliária, a fusão destas instituições levou a um incremento notável da racionalização das
filiais, sejam nacionais, sejam estrangeiras.
Ainda mais importante se tornou a fusão entre o Banco Comercial Triestina e o Banco
Comercial Italiano ocorrida em 1931, à medida que, mais do que todas as outras instituições
de crédito, o COMIT (Comerciale Italiana) impedia o envolvimento dos mercados financeiros
e permitiu, com a própria intervenção, o funcionamento da indústria através da sustentação da
Bolsa e os financiamentos necessários ao não bloqueio da atividade produtiva e favorecer a
racionalização em prática.
Mas esta obra de apoio e colaboração, ocorrida, sobretudo, através de uma forte
mobilização de capitais5, concomitantemente ao agravamento da crise de 31, minou a
5 A cifra alcança um total de cerca de quatro milhões, entre participações diretas e indiretas.
182
estrutura da mais importante instituição ordinária de crédito italiano, ameaçando mudar a
direção.
Requer-se-iam, por conseguinte, providências necessárias, antes de tudo à referida
fusão, a fim de racionalizar as instalações e o pessoal e conseguir reduções nas despesas
gerais. Em segundo lugar, a salvação da COMIT foi operacionalizada também graças à
constituição do Instituto Mobiliário Italiano (I.M.I), órgão criado com a tarefa de ser o anel de
conjugação entre o crédito público e a indústria. Em outros termos, o IMI devia recolher a
poupança disponível entre o público, através das formas de investimento seguras e garantidas,
a fim de que o crédito pertencente ao Banco Comercial fosse inteiramente reembolsado.
3.3.2 – O sistema bancário no período de 1950/1980
Com a reconstrução dos países industrializados no segundo pós-guerra, por mais de
vinte anos, até 1971-73, houve um desenvolvimento econômico de enormes proporções. O
progresso nos setores de comunicação, transportes, química e eletrônica, combinado ao baixo
preço e à alta disponibilidade de fontes de energia, permitiu uma certa elevação no padrão de
vida da população e uma dilatação do setor terciário, que em muitos países se tornou o mais
importante quanto ao número de ocupações e quanto a sua participação no PIB.
Os bancos assumiram uma posição de maior importância do que no passado. As
tendências de consolidação, ao final da primeira guerra, o aumento da intervenção estatal e de
instituições públicas e a concentração bancária saíram fortalecidas. A presença do Estado
manifesta-se tanto na ampliação do setor público bancário quanto na constante produção
legislativa, para adequar as estruturas e as atividades do setor bancário a uma realidade
econômica, em rápida transformação, e cada vez mais complexa.
De acordo com DE SIMONE, os institutos de crédito, por sua vez, de alguma maneira
se “democratizaram”, dirigindo-se não tão somente aos operadores econômicos mas também a
183
milhões de pessoas, como nunca visto antes, passando a realizar operações relativas a gestão
familiar.
Participou dessa ampliação das atividades bancárias a expansão dos assim chamados
“serviços para-bancários”, dentre os quais se destacaram o leasing e factoring, administrados
por sociedades especializadas, mas controladas por bancos. Uma outra característica da
atividade bancária daquele período foi o crescimento da participação das empresas de crédito,
de maneira direta ou indireta, em todas as operações de crédito e financeiras de qualquer
prazo: de algum modo os bancos reassumiram a natureza de bancos universais, capazes de
operar com riscos menores, em um momento de desenvolvimento generalizado da economia.
A expansão da atividade bancária em nível internacional voltou-se principalmente às
operações de crédito de longo prazo, tarefa desempenhada por instituições públicas
especializadas, que entre os anos 50 e 60, juntaram-se ao Fundo Monetário Internacional e ao
Banco Mundial. Duas dessas instituições, International Finance Corporation (I.F.C.) e a
International Development Association(I.D.A.), nasceram respectivamente em 1956 e 1960,
como instituições filiadas ao Banco Mundial, porém com capitais e gestão autônoma. A I.F.C.
foi criada para conceder empréstimos a empresas privadas que tinham dificuldades de atender
às garantias estatais exigidas pelo estatuto do Banco Mundial.
Muitos países, entretanto, encontravam dificuldades em alcançar tais financiamentos
por não terem a possibilidade nem de garantir a pontualidade dos pagamentos dos juros
aplicados, nem de saldar o principal. Assim foi criada a I.D.A. com fundos destinados a
financiar países mais pobres e que em seus doze anos de duração, emprestou por volta de 4,4
bilhões de dólares.
Ao lado das instituições públicas já mencionadas, a partir da segunda metade dos anos
60, os consórcios de bancos internacionais começam a operar, ocupando-se dos
financiamentos de longo prazo a empresas privadas. Estes consórcios já tinham como missão
184
realizar operações específicas de crédito e financiamentos de larga escala, e passaram a operar
permanentemente: com efeito, em 1967 foram fundados o International Commercial Bank em
Londres e a Societè Financière Europeène, com sede em Paris e Luxemburgo.
Entretanto, no início dos anos 70 termina a fase positiva que tinha caracterizado as
duas décadas precedentes. O sistema monetário internacional já em crise há algum tempo
desaba, também em função dos choques petrolíferos, que em 1973 e 1979, bloquearam a
produção industrial e reduziram o comércio internacional; o desemprego chegou a proporções
da crise dos anos 30, assim como a inflação que atingiu proporções vistas apenas em tempos
de guerra.
Uma crise de tal dimensão, naturalmente, não excluiu o sistema bancário de muitos
países. Nos anos precedentes, os institutos de crédito, independentemente do rigor da
legislação a qual estavam subordinados, tinham se aventurado em especulações do mercado
de valores, estimulados pelo aumento da inflação e da variabilidade da taxas de câmbio. Por
causa dessa gestão de risco, entre o fim de 1973 e o início de 1974, grande parte dos sistemas
bancários foi atingida pela crise: Reino Unido, Alemanha e EUA se ressentiram fortemente
pela elevação das taxas de juros de curto prazo e da queda dos mercados de câmbio.
A queda de 1974 e os riscos corridos pelos maiores institutos de crédito induziram
muitos governos e autoridades monetárias a melhorar a disciplina da atividade bancária e a
pôr em pratica formas de controle mais diretas e incisivas, em virtude também da profunda
interdependência estabelecida entre os grandes bancos mundiais.
No caso da Itália foi aprovado um decreto em 1974 que consentia ao Banca d’Itália
intervir em favor dos bancos em dificuldades através de antecipações especiais com taxas
muito facilitadas, enquanto que a Alemanha adotou outros tipos de providências, tais como a
criação por parte do Budesbank da Liquidatatsskonsortialbank , uma instituição encarregada
de fornecer liquidez aos bancos sadios toda vez que precisassem. Foi, no entanto, no Reino
185
Unido que, em 1979 foi aprovada a primeira lei bancária. O impulso definitivo para a adoção
do Banking Act que cria a primeira Diretiva em matéria de disciplina das atividades bancárias,
publicada em dezembro de 1977, pelo Conselho da Comunidade Européia. Este tendia a
harmonizar as legislações dos países do grupo através da exigência de uma autorização para
exercer a atividade bancária, vigiar as empresas de crédito e tutelar seus depósitos.
Durante a crise econômica, os países industrializados resumiram drasticamente os
consumos energéticos, reestruturando suas produções industriais, recorrendo à robótica e a
informatização e adotando também políticas de crédito e monetárias restritivas. Em meados
dos anos 80 a produção retomou o crescimento e a inflação pareceu diminuir, mesmo com o
índice de desemprego ainda elevado. Entre 1985 e 1986 a retomada econômica foi favorecida
pela diminuição na escalada do dólar e a simultânea queda dos preços do petróleo, o qual se
reduziu à metade em poucos meses.
Todavia os sistemas bancários acusavam algumas dificuldades e em vários países o
processo de concentração e as intervenções legais continuaram: nos EUA foram registradas
varias falências, que entretanto não chegaram a colocar em crise o sistema bancário; porém na
Alemanha, o desequilíbrio do S.M.H-Bank, o qual tinha concedido financiamentos para um
montante de quase nove vezes seu patrimônio, levou o governo a aprovar, em 1984, a terceira
emenda da reforma bancária alemã (SIMONE, idem, p.78). Esta atua através de normas mais
rigorosas em matéria de fracionamento do crédito, reduzindo o limite de fiança que os bancos
podiam ceder a um mesmo sujeito. No Reino Unido veremos um posterior processo de
concentração bancária, que envolveu especificamente o setor de poupança, enquanto que, na
Itália, durante a primeira metade dos anos 80, foi consentida a entrada de capital privado nos
institutos de crédito de direito público e na poupança, fato este que não gerou uma diminuição
de peso do setor público no crédito.
186
Além disso, vimos a criação de grandes grupos bancários envolvendo as mais
importantes instituições; de todo modo, não faltaram aquisições de bancos locais, quase
sempre em decadência, mesmo por parte de empresas de médio porte. Aliás, o processo de
concentração interessou especificamente aos bancos populares, que haviam diminuído de
mais de quarenta unidades entre 1974 e 1985.
Vemo-nos diante de uma transformação dos sistemas bancários: as instituições de
crédito ampliaram suas atividades, dirigindo-se por um lado à grande massa de cidadãos e,
por outro, a grandes financiamentos nacionais e internacionais, assumindo assim um papel de
grande importância dentro da sociedade contemporânea jamais visto anteriormente.
A influencia do Estado cresceu notavelmente neste setor, também por seu fortalecimento com o poder de supervisão e do controle(...) Mas a novidade mais relevante foi a formação dos grandes grupos bancários os quais assumiram caráter internacional, fato este que, mesmo não sendo tão inovador, inovador é pela amplitude assumida pelo fenômeno e pelo grande poder que se concentrou nas mãos destes grupos (ibid, p.80).
3.3.3 – Sobre o processo de concentração bancária propriamente dito nos anos 50/ 80
Nas décadas sucessivas ao conflito, nos principais países capitalistas ocidentais,
continuou o processo de concentração dos maiores bancos, iniciado há um século e tendo se
acentuado após a Primeira Guerra Mundial. Um dos fenômenos a favorecer a enorme
concentração dos bancos e sua extensa diversificação das atividades, em nível internacional,
foi o fortalecimento das sociedades multinacionais. Muitas empresas, principalmente norte-
americanas, começaram a operar mesmo fora dos seus limites do país de origem.
No Reino Unido, a concentração, já em estágio muito avançado, foi particularmente
consistente e constituiu, mais uma vez, uma maneira de ultrapassar as dificuldades causadas
pelo pós-guerra às instituições de crédito. O processo de concentração atingiu todos os tipos
de bancos operantes no país, mas particularmente os de depósito, os quais se reduziram
consideravelmente durante os anos 60 e 70. Mesmo os Big Five tornaram-se em 1968 os Big
187
Four, através da fusão entre National Provintial Bank e o Westminster Bank, que deram
origem ao National Westminster Bank.
Nos EUA foi a partir dos anos 50 que ocorreu um enorme processo de concentração,
permitindo às grandes instituições de crédito operar melhor no mercado internacional, ao qual
a guerra os tinha levado, e também a possibilidade de um crescimento de suas atividades
dentro do país.
A concentração manifestou-se através de várias fusões e a constituição de holdings,
que levaram a formação de bancos, em breve tempo, tornados os maiores do mundo ( por
exemplo o First National City Bank, resultado da fusão, em 1965 em Nova York, entre o
National City Bank e o First National Bank).
Menos relevante, mas igualmente importante, foi o processo de concentração em
outros países: na França, dois bancos nacionalizados em 1945, fundiram-se em 1966, para
criar o Banque Nationale de Paris, caracterizado posteriormente como o maior banco da
França.
Na Alemanha não houve fusões de destaque, mas podemos lembrar do nascimento, em
1958, do Bank fur Germeinwirtschaft de Frankfurt, surgido sob a forma de sociedade por
ações, em seguida a uma fusão de seis bancos municipais, para financiar empresas industriais
e comerciais de médio porte.
Na Itália também não houve fusões entre grandes bancos, mas somente um certo
esvaziamento referente em particular a categorias específicas de empresas de crédito, tais
como os bancos populares.
3.3.4 – Um quadro da concentração bancária nos anos 90 nas regiões mais desenvolvidas
O processo de reestruturação do setor bancário em curso parece estar presente em
todos os principais países, mesmo que com tempos e intensidade diferentes. Características
em comum demonstram a redução do número de bancos, a racionalização das redes de
188
distribuição, a mudança de destino dos recursos, de maneira a gerar aumentos de eficiência e a
permitir a participação nas economias de escala , transformando em “econômica” a realização
de investimentos em infra-estrutura e tecnologia.
Os indicadores avaliados pelos principais países mostram que as operações de F&A
foram numerosas e importantes no decorrer dos anos 90: o fenômeno tomou corpo em meados
dos anos 80 nos EUA (merger-boom); sucessivamente atingiu maior peso relativo nas
concentrações efetuadas fora dos EUA, principalmente na Europa.
O ritmo deste tipo de operação também continua intenso também dentro dos EUA, o
qual registra o valor médio unitário mais elevado depois da França. Houve uma queda
generalizada do número de bancos, mais forte na Alemanha, França e EUA, que vinham de
uma situação de maior congestionamento do setor: no total, nos cinco principais países da
Europa, o número de bancos se reduziu em mais de 2500 unidades entre 1990-1998.
A concentração, medida com base na cota de mercado dos depósitos relativos aos
cinco maiores bancos, demonstrou uma tendência de crescimento em todos os países do G-10.
Entretanto, a estrutura da indústria bancária evidencia notáveis diferenças entre países: ao
limitado grau de concentração apresentado nos EUA e Alemanha se contrapõe a alta
concentração de outros países (Austrália, Canadá, Bélgica, França, Holanda e Suécia).
Apresentaremos em seguida uma breve resenha das operações de F&A efetuadas
dentro do setor bancário, fazendo uma distinção entre o mercado dos EUA (caracterizado por
suas especificações regulamentares), os mercados europeus (fazendo um adendo específico à
parte para o Reino Unido) e o mercado japonês.
A) Estados Unidos
Desde os anos 80 (mas de maneira bem mais acentuada na década passada) os EUA
assistiram a uma grande onda de fusões e aquisições no setor bancário; houve um vultoso
crescimento, não tanto em relação à quantidade de operações, mas sim ao volume de recursos
189
movimentados, que em 1998 se aproximaram dos 630 bilhões de dólares, conforme podemos
verificar no gráfico abaixo (gráfico 3.3).
Gráfico 3.3: Fusões e aquisições bancárias nos Estados Unidos
ativos de compra No de operações
Fonte: Securities Data Company.
Essa corrida em direção a mega-mergers foi facilitada de maneira determinante pela
evolução das normativas, que tornou possível a criação de sujeitos bancários de relevância
nacional, ressaltando que o sistema bancário dos EUA foi sempre permeado de profundas
barreiras legais que restringiam a expansão das instituições para estados fora de suas matrizes
de origem6. De fato, somente no triênio 1996-98 aconteceram 77 fusões bancárias, de
dimensões relevantes, entre empresas de diferentes estados; durante toda a década de 80, as
operações desta natureza somaram pouco mais de trinta.
Em conseqüência dos limites estabelecidos pelo interstate banking, a indústria
bancária norte americana caracterizou-se pela formação de produtores de escala relativamente
reduzida, fortemente especializados em sua própria região.
O processo de consolidação alterou significativamente a morfologia do sistema
bancário americano, reduzindo de maneira drástica o número de bancos presentes no mercado
e aumentando a concentração; o que não impediu que a concorrência nos mercados locais
6 O abatimento das barreiras à expansão sobre escala federal dos grandes bancos culminou, em 1994, na aprovação do Riegle-Neal Act; esta lei liberalizou a expansão sobre escala nacional das holdings bancárias dotadas de subsidiárias em mais estados (o chamado interstate banking) a partir da metade de 95.
190
ficasse mais acirrada, como demonstrado pelo índice Herfindahl7, que é calculado em vista do
volume de depósitos bancários nas áreas metropolitanas e rurais.
Este resultado se deve a três fatores principais; 1) as operações de F&A aconteceram
principalmente entre bancos que operavam em mercados locais diferentes; 2) durante este
período continuaram altos os índices de novas instituições nos mercados locais; 3) as
concentrações não aumentaram de maneira significativa a participação de suas cotas nos
mercados locais por parte das empresas compradoras.
Quais foram os reais efeitos desta onda de fusões e aquisições na eficiência dos bancos
envolvidos? As pesquisas econômicas certamente não ficaram insensíveis a essa questão,
durante os anos 80 e 90 numerosos trabalhos empíricos tentaram prognosticar cenários de um
processo que ainda estava acontecendo.
A literatura especializada pode ser dividida em dois grandes tipos de interesses: por
um lado os estudos feitos em relação ao impacto da divulgação das fusões sobre os preços dos
bancos cotados; e por outro a análise da relação entre as fusões e sua eficiência produtiva,
medida através de índices fornecidos pelos balanços e de outros dados contábeis.
A reação à divulgação das fusões no mercado de ações americano foi estudada, entre
outros, por Hannan e Wolken (1989): na opinião dos autores não se pode encontrar nenhuma
prova palpável da criação de novos valores, mas somente de uma redistribuição de riqueza
entre os acionistas dos compradores e aqueles do banco cedido (os quais recebem o prêmio
pelo controle); além disso, nota-se uma aparente reação negativa por parte do mercado,
7 O índice de Herfindahl mede o grau de concentração da oferta de crédito. Dado um mercado bancário, a oferta se diz concentrada se no mercado operam poucas empresas ou se poucas empresas possuem uma relevante quota do mesmo mercado. O índice em questão mede o grau de concentração do mercado, nos termos definidos, como soma dos quadrados das cotas de mercado de cada empresa que persiste. Isto assume valor 1, máxima concentração, no caso de uma única empresa deter os 100% do mercado do sistema tomado em consideração, enquanto assumirá o valor mínimo, para aquele dado sistema, quando a maior empresa tem a dimensão operativa menor possível; no caso de equiparação das cotas de mercado, o valor do índice é igual ao recíproco do número da empresas. No momento que o índice assume valores significativos, só se calcula tendo em conta o universo das empresas presentes no setor, isto é substituído pela praticidade, com índices de concentração definidos pela relação entre atividade desenvolvida pelos n maiores bancos (os três ou cinco primeiros) em relação ao total do setor. Tais índices, mais simples e imediatos, fornecem mesmo indicações corretas, como comprovado pela elevada correlação com o próprio índice de Herfindahl.
191
exatamente quando a empresa absorvida é de maior porte, provavelmente porque a fusão é
considerada de gestão mais difícil.
Uma análise da eficiência produtiva baseada em dados obtidos nos balanços, foi
proposta, por exemplo, por Berger e Humphrey (1992) que analisaram cerca de sessenta
fusões bancárias deflagradas durante os anos 80: este primeiro estudo, relativo a operações
que já se distanciavam no tempo, não detectou nenhum aprimoramento da produtividade nos
bancos envolvidos.
Análises mais recentes (DE YOUNG, 1997) demonstram que em 58% dos casos
estudados, as fusões trouxeram uma significativa redução de custos unitários de produção;
ainda Berger e Humphrey pesquisando em 1998 os efeitos de alguns “megamerger”
bancários, detectaram que tais operações levaram a um estável crescimento dos lucros, além
de oferecer amplas oportunidades de uma melhor diversificação dos riscos. Sob este ponto de
vista, o sucesso das reestruturações dos bancos norte-americanos parece confirmar-se através
da queda da relação operacionais/ margens de intermediação, a qual decaiu mais de 6 pontos
percentuais no período 1990-1998.
B) Europa
Na Europa o andamento da União Monetária fomenta importantes mudanças tanto no
posicionamento estratégico quanto na política empresarial dos bancos e de outras categorias
de intermediários financeiros.
Até o presente momento, o problema vem sendo enfrentado principalmente pelos
sujeitos interessados nos assentamentos estruturais, focando especificamente o perfil da
dimensão.
Mesmo que em ritmo mais lento, comparado aos EUA, a Europa, durante a década de
90, passou por uma grande concentração no interior do setor bancário, a qual podemos
perceber claramente pela redução do número de bancos em seus principais países: entre 1990
192
e 1998, o número de instituições de crédito nos países da União Européia diminuiu em 3.766
unidades (de 12.545 para 8.779), o que corresponde, em termos relativos, a cerca de 30%
(gráfico 3.4).
Podemos notar uma diminuição mais relevante, sempre em termos relativos, em vários
países: Suécia (-67%), Espanha (-41,2%), França (-36,2%), Finlândia (-29,9%) e Alemanha (
-26,3%); uma tendência contrária porém (isto é, um aumento do número de instituições de
crédito) foi vista somente em três países, um deles, a Grécia, em números absolutos
relativamente pequena (de 39 para 54) e em outros dois, Luxemburgo e Irlanda, de maneira
mais relevante, seja em números absolutos (de 177 para 215 e respectivamente de 48 para
70), seja em valores relativos ( + 21,5 % e respectivamente + 45,8%), porém em razões
particularmente compreensíveis de conveniência do sistema fiscal, conforme dados do
Morgan Stanley Dean Witter (1999).
Gráfico 3.4:Variação do número de bancos (%) 1990-1998
Fonte: Morgan Stanley Dean Witter
O fenômeno de redução no número de instituições de crédito foi nutrido, de maneira
quase que exclusiva, por operações de fusão e aquisição promovidas de duas maneiras: um
primeiro caso, em que as operações tiveram a participação dos grandes bancos, levados a
praticar estratégias agressivas fundadas na compra de outras instituições de crédito, para
193
assim poder melhorar sua capacidade competitiva. No outro caso, a iniciativa partiu de bancos
médios interessados em realizar estratégias defensivas, que através da união com outras
instituições de crédito, de mesmo porte ou menores, possibilitando a criação de novas
entidades mais estruturadas para operar em um mercado de concorrência muito maior.
As operações de F&A cresceram mais em termos de valores do que em sua
quantidade, visto que, observando os países do Euro e o Reino Unido, nota-se que as
transações deste tipo passaram de 495 no biênio 1991-1992 para 203 no biênio 1998-99; mas
em contrapartida, durante o mesmo período, o valor total cresceu de 21,1 para 110,6 bilhões
de dólares (gráfico 3.5).
O intenso crescimento de valores nestas operações no setor bancário confirma-se pelo
fato de sua participação percentual relativa ao total das operações de suas economias ter tido
um crescimento da ordem de 8,3% em 1991-1992 para 27,1% em 1997-1998.
De um ponto de vista exclusivamente qualitativo, o fenômeno da redução no número
de instituições de crédito assumiu características diferentes de país a país, interessando a
bancos de diferentes dimensões e natureza. Em linhas gerais, porém, é possível identificar
algumas linhas diretrizes em comum, que levaram a uma progressiva diminuição da
especialização institucional, da especialização operacional e conseqüentemente a mixagem
das atividades de crédito e imobiliárias, no âmbito das estruturas dos grupos ou de empresas
de crédito multiproduto.
194
Gráfico 3.5: A atividade de F&A no setor bancário europeu (volumes em bilhões de dólares)
Fonte: Morgan Stanley Dean Witter.
Como dito anteriormente, a redução do número de instituições de crédito gerou um
sensível aumento do grau de concentração dos sistemas bancários envolvidos. Através deste
perfil, dos resultados empíricos surgem os seguintes indícios:
- entre 1990 e 1998 e referindo-se aos países da Europa (excluindo, Reino Unido e
Luxemburgo, por razões de confronto nos dados deste período), a cota de mercado
exercida pelos cinco maiores bancos, medida em termos de atividades, subiu de 50,1%
para 56,8%;
- também houve aumentos mais relevantes, raciocinando em termos percentuais, na
Finlândia (+24,3%), na Suécia (+19,7%) e em Portugal (+18%);
- em direção oposta (isto é, em razão da redução da cota de mercado por parte de seus
cinco maiores bancos) somente quatro países, e com uma variação, em termos de
pontos percentuais, relativamente tímida, Grécia (-12,3%) Irlanda (-3,5%) e França (-
2,2%);
- a situação individual de cada país, que se mantém assim até hoje, é bastante
diversificada quanto à variação na participação de mercado, referindo-se aos valores
195
de 1998, entre um mínimo de 42% na Alemanha e um máximo de 92% na Suécia
(gráfico 3.5).
A diminuição do número das instituições de crédito e o conseqüente aumento do grau
de concentração dos sistemas bancários não diminuíram a intensidade da concorrência. O
andamento da União Monetária gerou, ao contrário, condições favoráveis a uma
intensificação das pressões competitivas. A redução do grau de segmentação territorial dos
mercados, conseqüência da queda das barreiras geográficas e da diminuição do nível médio
das taxas de juros, determinada pela dita cultura da estabilidade, estrutura fundamental do
Tratado de Maastrich, favoreceram a erosão das margens de lucro nas intermediações de
crédito tradicional, a redução das oportunidades de lucros nas intermediações imobiliárias e
obviamente no mercado de câmbio. Especificamente no que concerne aos países da UE, a
incidência das margens de lucro diminuíram 2,5% em 1990 e cerca de 1,18% em 1998.
Um dos fatores que também alimentou a concorrência foi o relevante aumento no
número de pontos de atendimento bancário tradicional e no forte crescimento das redes de
atendimento automático: entre 1990 e 1998, tendo como referência os números médios da
aérea do Euro, constata-se que a incidência por cada mil habitantes passou de 0,54 para 0,56,
no que diz respeito às filiais e de 0,21 para 0,44 nas matrizes.
Gráfico 3.6: Graus de concentração nos sistemas bancários europeus
Fonte: BCE (1998)
196
(*): o grau de concentração é calculado, reportando-se, em termos de %, ao ativo dos primeiros cinco bancos sobre o total de ativo do sistema internacional.
O último aspecto da linha de tendência dos sistemas bancários europeus é o seu grau
de internacionalização. Sob este perfil, com base no período de 1995 a 1998, nas operações de
F&A prevalecem aquelas de natureza doméstica em relação àquelas de cross-border (402
contra 61), mesmo que a tendência das últimas se torne acelerada em período mais recente,
com referência ao final de 1998, o valor da cota de mercado das filiais e sucursais estrangeiras
na área do Euro aparece relativamente contido (12,7%), tendo como únicas exceções
Luxemburgo (99,9 %), Irlanda (53,6%) e a Bélgica (36,3%).
As razões que caracterizam a atividade bancária, da maioria dos países da C.E., com
tendências basicamente domésticas, devem-se a uma série de fatores, mas prevalecem as
dificuldades em conciliar seus sistemas jurídicos e fiscais, os quais ainda se mantêm
heterogêneos.
Ainda no que diz respeito ao fato de prevalecerem as operações de fusão e aquisição
em nível doméstico, isto pode ser explicado pela maior facilidade de integração entre os
sujeitos, culturalmente parecidos, e em conseqüência de um maior imediatismo na obtenção
de benefícios ligados à racionalização das redes de distribuição e ao crescimento da cota de
participação de mercado.
Entretanto no momento da realização do processo de consolidação, houve vários casos
de grupos europeus que passaram a ocupar posições de grande destaque no âmbito das
atividades bancárias internacionais. Considerando especificamente os dados obtidos em
balanços (BCE, 1998), usando como referência a situação do final do ano 2000, resulta que ao
menos seis dos dez maiores grupos bancários são europeus, dos quais quatro estão dentro da
área do Euro. No interior desta área encontramos como protagonistas os grupos alemães,
franceses e ingleses, em relação a sua participação no mercado financeiro europeu, tratando-
197
se de ativo consolidado, cujos cinco maiores grupos detinham, ao final de 1998, e
respectivamente 13,7%, 12,4 e 10,6%.
C) Reino Unido
Antes de enfrentarmos a questão dos fenômenos de concentração no Reino Unido, será
útil oferecer algumas informações preliminares sobre a morfologia e as tendências
econômicas mais importantes do setor.
O sistema bancário inglês representa em nível mundial uma das mais importantes
indústrias de serviços. Segundo estudo da OCDE realizado em 1998, o setor emprega mais de
530 mil pessoas. Somente os EUA possuem um mercado de maior porte, empregando mais de
1milhão e 600 mil pessoas.
A configuração de seu mercado caracteriza-se por um número de instituições muito
menor do que as principais economias européias, com cerca de 551 unidades,
aproximadamente metade dos números da França e da Itália. Na Alemanha operam mais de
3500 bancos (tabela 3.3).
Tabela 3.3: Características estruturais Quota de mercado das primeiras 5 instituições de crédito:
Reino Unido França Alemanha Itália
- sobre total de depósitos
26,0
68,6
14,2
36,7
- sobre total investimentos
26,0 48,3 13,7 25,9
N° instituições de crédito
551 1299 3578 935
N° filiais (por 1000 hab.)
0,3 0,4 0,6 0,4
Fonte: BCE (1999)
Nos anos mais recentes houve um grande desenvolvimento nos serviços oferecidos
pelos bancos, como a utilização da moeda eletrônica, a difusão das contas correntes e o
desenvolvimento do phone banking.
198
Segundo dados do Banco Central Europeu, a cota de mercado das cinco principais
instituições de crédito (cálculo feito pelo número de investimentos) é de 26% no Reino Unido,
68,6% na França e 37,7% na Itália no final dos anos 90. Neste período, somente na Alemanha
a cota de mercado não chega a atingir 15%.
O percentual aparentemente baixo do Reino Unido parece ser determinado pelo
relevante peso dos investimentos no exterior.
Um dos fatores que torna ímpar o sistema bancário britânico é a sua extraordinária
propensão à internacionalização. Usando como base dados do Banco das Regulamentações
Internacionais8, no final de 1997, o total da posição internacional dos bancos pertencentes a
países do G-10 se encontrava por volta dos nove bilhões de dólares. A cota exercida pelo
Reino Unido era de cerca de 19%, superior a qualquer outro país, incluindo o Japão (13,4%) e
os EUA (8,7%).
Para compreendermos os fenômenos da concentração, a qual por várias vezes
interessou ao sistema financeiro britânico, torna-se útil recapitular rapidamente a evolução
dos indicadores econômicos do setor bancário.
No que concerne à estrutura dos ativos, nota-se uma pequena redução de
investimentos, a partir da segunda metade dos anos 80. O fenômeno mais importante foi uma
drástica redução dos componentes interbancários e o incremento de aplicações em títulos.
Já tratando dos passivos, assistimos a uma considerável redução na cota de depósitos
(de 88% em 1987 para 67% em 1996), compensados por um incremento de títulos e de outros
tipos de “passivos”.
8 Criado entre as duas guerras (1930) pelos bancos centrais da Itália, do Japão, da Alemanha, da França, do Reino Unido e Bélgica e por uma instituição americana, a fim de desenvolver a função de agente fiduciário para o cumprimento das obrigações financeiras alemães relativas a reparações de guerra derivadas do chamado Plano Young. Sua composição foi progressivamente ampliada a 45 bancos centrais e seu mandato evoluiu notoriamente.
199
As recomposições das contas econômicas, a pouco descritas, aconteceram em quase
todos os sistemas bancários, especialmente pressionados pelo processo de securitização das
finanças internacionais.
Esta situação desencadeou um sensível processo de diminuição na intermediação, o
qual gerou um excesso de oferta de crédito no mercado, o que por sua vez corrói as margens
das taxas de juros.
Estas, também no Reino Unido, foram gradativamente reduzidas, especialmente a
partir do início dos anos 90, e ao longo da década sofreram uma diminuição particularmente
intensa. Porém, diferentemente de outros sistemas bancários, o comportamento da margem
das taxas de juros não foi acompanhado por uma maior rentabilidade nas atividades não
ligadas ao crédito tradicional, tanto que no mesmo período, as margens de intermediação
demonstraram-se estáveis: provavelmente a forte concorrência sobre atividades como
gerenciamento de ativos, e a oferta de serviços de seguros, impediu os bancos britânicos de
conseguir uma melhoria em suas margens de lucros, de maneira a poder compensar a menor
rentabilidade dos investimentos. Daí resultou uma vital necessidade em dar partida a políticas
de contenção dos custos operacionais, fator este que desencadeou processos de reestruturação
geralmente factíveis através de fusões e aquisições.
A maior parte dos processos de F&A realizados no setor bancário do Reino Unido
aconteceu entre os anos 80 e a primeira metade dos anos 90. Neste período concluíram-se as
importantes operações Hsbc-Midland (em 1992) e Lloyds-Tsb (em 1995) e, o número dos
maiores bancos reduziu-se de onze para o atual big four (Barklays, RBoS, Hsbc,Lloyds). Esta
nova configuração do mercado foi conseqüência da onda de concentrações dos anos 70.
Foram três os principais fatores externos que modificaram o contexto econômico no
qual os bancos passaram a operar: 1) a desregulamentação do setor, que eliminou a
especialização entre as building societies (especializadas no fornecimento de crédito
200
imobiliário) e os bancos comerciais; 2) o desenvolvimento tecnológico especialmente no setor
da informática; 3) a já citada desintermediação derivada dos processos de securitização, com a
conseqüente diminuição da demanda de crédito em relação à oferta em potencial.
Após as importantes operações ocorridas em 1995, que tiveram como protagonistas,
além dos Lloyds Bank e Tsb, também o Abbey National e National & Provincial, vimos um
período de relativa calmaria no setor bancário. As únicas transações de destaque foram as que
prosseguiram planos já estruturados nos anos anteriores, focados em sua maioria na melhoria
da estrutura de custos, em aumentar a cota de participação de mercado e diversificar a
tipologia da oferta (produtos). Esta situação de calmaria foi fortemente determinada por dois
fatores cruciais:
1) A boa rentabilidade do setor, que também se refletiu em uma ótima performance
acionária, em função de ações de racionalização e de minimização dos custos já
implantadas anteriormente, levou a outras consolidações;
2) Em alguns segmentos de mercado, as fusões posteriores criariam uma excessiva
concentração: mesmo não tendo havido uma reação crítica formal, os operadores do
setor acreditavam que as autoridades responsáveis pela tutela da concorrência não
aceitariam que uma única instituição pudesse superar 25% da cota de participação de
um mercado (o que explica o veto posterior à operação entre o Lloyds-Tsb e Abbey
National).
D) Japão
O sistema financeiro japonês atravessa no início do século XXI uma fase de profunda
transformação, que ao se finalizar, poderia deixar para trás as dificuldades induzidas pela
explosão da bolha financeira do início dos anos 90.
Os bancos particularmente - em muitos casos prestes a conduzir a níveis fisiológicos
sua sobrevivência - estão tentando se reposicionar no interior de um ambiente muito mais
201
competitivo, após terem ficado fechados a mudanças por décadas; o sistema já estremecido no
seu equilíbrio patrimonial, por perdas sofridas em função de créditos não passíveis de
amortização se viu diante de uma crescente internacionalização da economia e da inevitável
liberalização do setor financeiro; enfim, foi obrigado a se abrir e adequar-se às mudanças
estruturais em andamento, ou já estabelecidas em outros países mais industrializados.
O processo de concentração dos intermediários é um sintoma e ao mesmo tempo um
instrumento das mudanças em andamento neste momento. Deste ponto de vista, os bancos
japoneses acumularam um certo atraso nos últimos anos do século XX, em parte ligado aos
limites impostos pelo Direito Societário e das normativas do setor quanto à reorganização de
suas próprias atividades, mas acima de tudo, pela exigência da prioridade - mesmo no que
concerne às autoridades de vigilância - ao cancelamento dos empréstimos não cobertos, para
assim evitar o desencadeamento de uma crise sistêmica.
Quando esta situação parece ser afastada, o impulso à concentração ganha forças, com
o provável êxito de uma redução dos principais bancos pela metade (reduzido nos últimos
anos da década de 90 a cerca de vinte), um grupo que sozinho controla mais de 50% do total
de ativos bancários.
Para entender profundamente os aspectos do processo de F&A no setor bancário
japonês é necessário ilustrar as características estruturais do sistema financeiro do país do Sol
Nascente, o qual se contrapõe aos demais, tradicionalmente, por prevalecerem as
intermediações bancárias, situação esta confirmada pelo peso específico do total de depósitos
e investimentos em relação ao PIB, o mais elevado em nível mundial.
Considerando o seu papel centralizador no financiamento da economia, o setor de
crédito foi submetido, ao longo dos anos, a uma regulamentação extremamente restritiva, que
levou à criação de uma estrutura articulada quanto à tipologia dos intermediários, cada uma
delas concentradas em um segmento específico de atividades; mais recentemente as atividades
202
bancárias continuaram separadas do crédito imobiliário; e os bancos japoneses se destacaram
essencialmente quanto ao horizonte temporal e no âmbito territorial de operação.
Os city banks, bancos de crédito ordinário, os quais operam na maioria das vezes nas
grandes áreas metropolitanas, constituem amplamente os mais relevantes; estes são
tipicamente conectados aos grandes grupos industriais (conhecidos como Kairetsu), mas
graças a sua rede capilar de filiais, podem atingir uma grande clientela familiar e de pequenas
e médias empresas. São instituições especializadas em operações de curto prazo, a ponto de
até setembro de 1999 não estarem autorizadas a recolher recursos através da emissão de
títulos, operações estas restritas, em linhas gerais, aos bancos de crédito de longo prazo,
constituídos no pós-guerra para sustentar, com créditos a médio e longo prazo, o
desenvolvimento industrial do país. Seu papel entrou em crise quando seus clientes
tradicionais, as grandes empresas, passaram a se financiar diretamente no mercado.
Uma outra espécie de intermediários, especializados nas operações de médio e longo
prazos, é constituída pelos trust banks, que ao mesmo tempo exercem atividade bancária
normal (focada no b/t) e a de gestão patrimonial (focada no m-l/t); porém, mesmo podendo
efetuar suas próprias operações de obtenção de recursos no varejo, a rede de filiais de que
dispõe é modesta, especialmente se compararmos com os city banks.
Os city banks, os bancos de crédito a longo prazo e os trust banks constituem os
principais bancos: em março de 1999, os 17 bancos principais correspondiam a cerca de
metade de todos os ativos de todo o sistema.
O conjunto de todos os bancos (bancos comerciais) é preenchido com a participação
dos bancos regionais, que sob o aspecto dimensional são nitidamente diferentes, considerados
de primeira e segunda categoria. Esses bancos também, da mesma forma que os city banks,
enquadram-se no âmbito dos bancos de crédito ordinário. A atividade deles está voltada para
203
horizontes temporais breves, entretanto sua característica específica é o fato de estarem
intimamente ligados à economia local.
Enfim, podemos perceber numerosos tipos de instituições de crédito de natureza
cooperativa, todas caracterizadas por suas limitações operativas em virtude de uma
especialização em nível local e/ou setorial (categorias profissionais, pequenas e médias
empresas e setores produtivos específicos).
No seu conjunto, o setor bancário japonês a fins dos anos 1990 apresenta um grau de
concentração relativamente contido, certamente, induzido por um contexto de vigilância e
normas, que no passado limitaram a concorrência ao interior de cada segmento do mercado.
Além disso, durante o ano de 1998 assistimos a uma relevante contração das atividades, a qual
interessou principalmente às grandes instituições, resultando em uma redução posterior do
grau de concentração. Em abril de 1999, somente 37% do total das atividades estavam em
poder dos cinco maiores bancos.
Um forte sinal em direção de um aumento na concentração acontece em agosto de
1999, com o anúncio do acordo entre Daichi Kangyo Bank, Fuji Bank e Industrial Bank of
Japan. Desta união nasceria (programada para 2002), o maior banco do mundo em termos de
dimensões de ativo.
Como seria possível prever, o anúncio causou fortes reações nos ambientes financeiros
japoneses e acelerou o processo de concentração, já em curso. O temor em ficarem reduzidos
a um papel meramente regional, a necessidade de comprimir posteriormente os custos
operacionais, e ao mesmo tempo, enfrentar altos investimentos em TI, estariam entre os
principais motivos que levaram, e inevitavelmente conduziram outros entre os principais
bancos japoneses, a seguir a trilha já traçada pelo DKB, Fuji e IBJ: devemos observar as
fusões , já concretizadas, entre o Tokai Bank e o Sanwa Bank, e também as de 2000, por
exemplo entre Sumitomo Bank-Sakura Bank e o Bank of Tokyo Mitsubishi Trust Bank.
204
A crise sofrida pelas instituições que não conseguiram superar as perdas dos créditos
nas transações feitas nos anos anteriores à transição de um “estilo de vigilância” focado
essencialmente na estabilidade para um sistema que concede o devido espaço aos princípios
da eficiência e da concorrência, contribuiu e continua contribuindo por sua vez a uma redução
na quantidade dos intermediários. Além disso, já há algum tempo, um aumento no grau de
concentração era considerado necessário, aliás até desejado, pelas próprias autoridades de
vigilância; mesmo no futuro próximo, o sistema de consolidação do sistema bancário japonês
seguirá nesta direção, tendo como objetivo principal atenuar o clássico problema de
overbanking que assola historicamente a economia do Sol Nascente mesmo em início dos
anos 2000. Overbanking que diz respeito não somente à enorme quantidade de bancos, mas
principalmente ao peso excessivo da intermediação de crédito, comparado com o resto do
mundo: esses investimentos correspondem a 130% do PIB contra, por exemplo, o da Itália
que é de 70% e valores bem menores nos EUA. Este dado anômalo e tão elevado é herança de
uma estratégia de crescimento, de volume de atividades, perseguida há dezenas de anos pelos
bancos japoneses, consentida em parte por uma ampla garantia por parte do Estado e
incentivada pelas baixas margens proporcionadas pela regulamentação vigente no setor.
Reduzir o peso do sistema bancário, na economia, era uma missão tanto árdua como
fundamental a ser cumprida; o que inevitavelmente implicaria, nos próximos anos, em uma
intensificação dos processos de F&A, os quais estão incluídos na reestruturação do sistema
econômico japonês que timidamente neste período tentou sair de um período estagnado e
delicado.
3.4 As pressões para a consolidação bancária
No contexto da “globalização” das atividades econômicas, da redução de barreiras
internacionais de comércio, da liberalização financeira, surge o fenômeno das operações de
205
concentração, e boa parte destas transações diz respeito a empresas que atuam no setor
financeiro (VORI, 1998).
É consenso que, no exercício da atividade bancária, encontramos consistentes economias
de escala: o crescimento do porte empresarial criaria as condições para uma redução da
incidência de alguns itens de custo (diretrizes gerais, tecnologia, conhecimento de mercados,
gestão da carteira), consentindo vantagens à concorrência. Para tornar possível o melhor
aproveitamento das vantagens decorrentes de tais operações, é necessário que estas
agregações ocorram preferivelmente entre grandes bancos, ou pelo menos entre empresas de
dimensões similares, com o objetivo de atingir as sinergias de especializações produtivas
derivadas dos relacionamentos entre duas ou mais instituições de crédito, as quais se tornam
proporcionais às dimensões dos bancos incorporados.
Também por este motivo, os maiores sistemas bancários dos países de economia
desenvolvida passaram, nas ultimas décadas, por processos de forte concentração. A Europa
caminhava para a realização de um único mercado bancário, e neste sentido era necessário
empreender esforços para criar formas de concentração bancária pelas quais se pudesse
adequar as empresas, com as desejadas economias de escala e alcançar uma maior eficiência e
estabilidade.
3.4.1- Os principais determinantes do crescimento externo
As análises conduzidas nas páginas anteriores destinaram-se à ilustração do contexto
histórico e normativo que caracteriza as operações de F&A.
A partir deste momento nos concentraremos nos aspectos econômicos que interessam
aos processos de F&A.
O primeiro passo diz respeito à identificação dos principais determinantes que levam
os intermediários de crédito a realizar agregações: como veremos, as diferentes motivações
206
são divididas em cinco grandes categorias (Catalyst, secular, strategic ou defensive, crisis e
herding), tentando desta maneira fornecer um quadro sobre o assunto, senão completo pelo
menos adequado e compreensível.
Antes, analisaremos o tema concernente ao trade-off entre crescimento interno e
externo, com todas as suas peculiaridades que se referem à empresa-banco.
3.4.1.1 - As modalidades de crescimento: relação crescimento interno/externo
O crescimento, em termos absolutos e relativos, em relação aos concorrentes e ao
mercado em sua totalidade, é um dos momentos mais importantes na vida de uma empresa.
As possibilidades de se manter no mercado e conseguir lucros adequados estão geralmente
ligadas ao aumento dos níveis de produção ou à entrada em novos negócios. O crescimento,
portanto, certamente representa a base do planejamento estratégico empresarial.
Uma vez identificado como crucial, o processo de crescimento para a empresa se
configura como um delicado âmbito de decisões sobre que forma realizá-lo. O crescimento
empresarial pode acontecer de fato, através de caminhos internos e externos.
O crescimento interno se dá através da realização direta de novos investimentos. Tal
solução se refere à melhor maneira de realizar os investimentos sob as efetivas exigências
estratégicas empresariais, ou seja, escolher com precisão a tecnologia a ser adotada, os planos
de produção, as ações de marketing e os tempos de realização. O incremento do grau de
utilização da capacidade produtiva existente e a implementação de novas estruturas produtivas
ou comerciais tratam-se de expressões de crescimento interno.
Se por um lado o crescimento interno apresenta vantagens indiscutíveis tais como a
flexibilidade e a gradação, por outro, expõe a riscos não desprezíveis, dentre eles, um
particularmente relevante: o aumento da capacidade produtiva em nível de setor. A
implementação de novas instalações produtivas é de fato destinada a aumentar a oferta de
207
produtos no mercado, circunstância que pode levar a certos riscos, no caso de o mercado não
possuir margens significativas de demanda insatisfeita ou em que a taxa de crescimento da
demanda em geral seja modesta. Em tais momentos, a saturação da capacidade produtiva das
novas instalações passa necessariamente pela perda de clientes para a concorrência, o que
poderia levar em curto espaço de tempo, ao desencadeamento de uma guerra competitiva
capaz de comprimir significativamente a margem de lucro esperada. Conclui-se que esse tipo
de solução é válida preferencialmente em mercados com baixa pressão competitiva e onde a
modesta taxa de crescimento da demanda é sustentável.
Já o crescimento externo realiza-se através de aquisição de complexos empresariais já
existentes e operantes. Fazem parte dos clássicos crescimentos externos, além das fusões e das
aquisições de participação e controle, também os acordos de joint venture. As vantagens do
crescimento externo estão ligadas essencialmente:
- à maior rapidez de ação;
- ao custo menor que poderá comportar a compra de uma estrutura já em operação em
relação à criação de uma nova (se pensarmos nos custos de formação de pessoal);
- ao risco menor, em temos de custos e do tempo necessário para conquistar uma fatia
do mercado suficiente para garantir o investimento;
- à possibilidade de desenvolver sinergias ou de melhorar a eficiência e com isso o
valor da empresa absorvida, através do melhor aproveitamento do ativo ou a adoção de
competências gerenciais sofisticadas;
- ao uso de incentivos fiscais, como no caso da aquisição de empresas de um ramo no
qual é possível amortizar o valor da compra;
- à possibilidade de desenvolver nova iniciativa, graças à união das competências e dos
conhecimentos disponíveis nas empresas envolvidas.
208
Em contrapartida, a escolha de crescimento externo também está sujeita a alguns
perigos. Os mais relevantes e freqüentes estão relacionadas aos tempos necessários para a
integração na organização das empresas envolvidas, a harmonização dos procedimentos, e
acima de tudo, das culturas empresariais, procedimento nada fácil e rápido, mesmo por conta
das dificuldades objetivas que um salto dimensional imprevisto e consistente pode comportar
no gerenciamento pré-existente.
A escolha da alternativa de crescimento é portanto decorrente da correta análise de
vantagens e riscos que cada uma das soluções pode oferecer.
A aplicação dos princípios gerais de crescimento nas empresas bancárias ressente-se
obviamente pela peculiaridade de sua própria atividade: o fato de o banco ser uma empresa
multiproduto, leva sobretudo as instituições de crédito a se orientarem naturalmente para um
crescimento diversificado. O papel fundamental e principalmente dirigido à atividade de
varejo, ou seja voltada para famílias e empresas, destaca a importância de sua rede de
distribuição como fator de sucesso, levando os bancos a planejar estratégias de crescimento
baseadas na entrada de novos mercados sob o aspecto geográfico. Mas, acima de tudo, a
ampla regulamentação característica da atividade bancária, a qual produz efeitos relevantes no
crescimento (nos referimos por exemplo às regras relativas ao perfil das atividades
consentidas aos bancos, e que definem as possibilidades de crescimento diversificado; à
subordinação, regime sujeito à autorização de abertura de pontos de atendimento e de
operações de concentração entre bancos), pode condicionar fortemente as possibilidades de
expansão.
Evidentemente entretanto, para os bancos, existe o problema na gestão do trade-off
entre crescimento interno e externo. No primeiro, a abertura de novos pontos de atendimento
caracteriza-se como flexível e mais lenta: flexível por dar liberdade na escolha da localização
e na estrutura das novas dependências; e lenta por se basear na subtração da clientela de
209
outros bancos (a conquista de clientes alheios, além de demandar tempo implica em uma
política de preços agressiva que diminui a rentabilidade inicial dos novos empreendimentos).
O crescimento externo, tipicamente representado pelas F&A e pela compra de novos
postos, apresenta características opostas: permite o aumento imediato do volume das
intermediações, a invasão da fatia de mercado da concorrência (os pontos absorvidos já têm a
própria clientela), mas comporta a necessidade de integrar e reorganizar a unidade comprada.
Os custos do crescimento interno são constituídos pelos custos diretos de abertura de
nova unidade e os de conquista da clientela, ligados à superação das barreiras à entrada (basta
pensar no início das relações com a clientela) e à reação dos bancos já presentes nas áreas das
novas unidades. Os custos de crescimento por F&A são o preço de compra e os custos de
integração. De acordo com estas variáveis, estabelece-se a escolha entre as duas formas de
crescimento, sempre considerando os já citados nexos da regulamentação.
3.4.2 - Os fatores potencialmente relevantes na base do processo de F&A: as motivações
elencadas na literatura recente
Para grande parte da literatura atual acerca do tema, não existe um motivo singular que
conduza a realização estratégica de F&A. Mesmo que as razões mais freqüentes para a adoção
por parte dos maiores gerentes dos grupos bancários estejam principalmente ligadas à redução
de custos fixos, à maior diversificação e ao aumento de força no mercado, parece leviano
colocar estes motivos como determinantes dos processos de F&A.
Apesar de extremamente complicado, a identificação e a relação exaustiva de todos os
fatores potenciais em condições de contribuir para a orientação a estratégias de F&A, as
diversas forças que induzem o processo de consolidação das instituições de credito são
alocadas em cinco grandes categorias, com o objetivo de oferecer uma perspectiva mais
ampla e satisfatória possível.
210
As categorias em pauta, que serão aprofundadas em seguida são:
a) catalyst (catalisadores) : são os fatores de contexto, que contribuem para acelerar
os processos já em andamento.
b) Secular (fatores de longo prazo): são os fatores de longo prazo que buscam a
consolidaçao;
c) strategic ou defensive (fatores estratégicos ou defensivos): são os fatores que se
referem ao total da estratégia do banco;
d) crises (fatores em função de crises): referem-se a operações ligadas a uma crise
bancária ou a um banco em dificuldades;
e) herd factors (“o instinto de manada”): expressam a tendência dos bancos a se
comportar como a concorrência.
Prosseguiremos com a descrição detalhada de cada uma destas categorias.
a) Catalyst (catalisadores) São fatores exógenos que agem acelerando a consolidação, como forças autônomas e
independentes. Podemos citar como exemplos os casos mais significativos:
- a progressiva desregulamentação normativa e a liberalização substancial das
atividades de crédito permitiram a abertura dos mercados à concorrência interna e
estrangeira, com conseqüente incremento da dinâmica competitiva e o inevitável
impulso à realização de reestruturações;
- a globalização dos mercados de bens e capitais e os fenômenos de inovação
financeira eclodiram progressivamente à demarcação entre os setores tradicionais
(bancário, financeiro e de seguros) da indústria de serviços financeiros; os bancos
conseqüentemente foram obrigados a modificarem sua atividade, ampliando a grade
de serviços oferecidos, expandindo suas operações em setores com melhores
perspectivas de desenvolvimento e rentabilidade, e reduzindo o peso dos setores em
declínio (por exemplo a custódia de títulos).Torna-se, entretanto evidente a
211
contribuição dos fenômenos resultantes do endurecimento na competitividade: a
“globalização”, em função da queda de todas as barreiras geográficas entre os
mercados, associará a liberdade de investimento da clientela, já alcançada com a
liberalização dos movimentos de capital, à liberdade de poder das instituições
financeiras. Portanto, ao lado da mobilidade da demanda, não mais confinada em
território nacional, assistimos também a um profundo processo de desregulamentação
da oferta que impulsionará os sujeitos financeiros a oferecer os produtos sem
restrições territoriais;
- o avanço do processo de inovação financeira aparece também como incisivo. Ao lado
do contínuo brotar de novos instrumentos financeiros (especialmente nos anos 80 e
90), nos últimos anos, a inovação tecnológica criou as condições necessárias para o
início de uma revolução parcial dos canais de distribuição dos serviços bancários e
imobiliários, como a realizada através da difusão dos caixas eletrônicos, à atividade a
distância, através dos serviços on line; pressões posteriores competitivas da atividade
bancária tradicional advêm, de certa maneira, do negócio dos sistemas de pagamento
eletrônicos (cartões de crédito e de debito) e pela difusão em larga escala do trading
on line, que permite a compra e venda de ativos de investimento (ações e FCI) via
internet, ultrapassando o papel do promotor financeiro. O cenário atual transfigurado
reforça a exigência de dispor de determinadas tecnologias da informática, seja através
de acordos com parceiros locais ou estrangeiros, através da incorporação dos sujeitos
possuidores deste conhecimento. Tal necessidade, entre outras, parece constituir uma
jogada mais defensiva para evitar perder clientes e cotas de mercado, do que uma
estratégia para aumentar os lucros;
- o ritmo elevado da inovação financeira, junto a outros fatores, tais como a redução
das taxas e conseqüentemente a diminuição do apetite do mercado por obrigações do
212
tesouro, favoreceu um desenvolvimento espetacular da poupança gerenciada, que já
virou uma das estrelas de todas as estratégias de desenvolvimento bancário. A
atividade de gestão, capacidade de análise e grandes investimentos tecnológicos não
representam o ponto de intercessão entre as atividades típicas das instituições
bancárias, de seguro e de investimento imobiliário; obviamente, o crescimento de sua
importância fez registrar impulsos de concentração na produção dos serviços de
gestão: como exemplo, a mega fusão concretizada em 1998 entre UBS ( União de
Bancos Suíços) e SBC ( Swiss Bank Corporation), que atesta o maior relevo da gestão
de ativos no que diz respeito à atividade tradicional da intermediação no varejo (retail
banking).
- a progressiva diminuição do papel da previdência pública, resultante do crescimento
demográfico, também alimentou em todos os países industrializados, mesmo que com
“sotaques” diferentes, a demanda de instrumentos financeiros de conteúdo
securitizador-previdenciário: os quais incentivaram a criação de verdadeiros
conglomerados financeiros diferenciados9, considerados adequados às exigências do
“cliente global”.
- um impulso decisivo à concentração bancária veio depois com o já citado processo
de privatização dos bancos.
- a perspectiva de um mercado único e integrado é provavelmente um dos principais
catalisadores na consolidação da indústria bancária dentro da CE. A competição se
intensifica como resultado de uma oportunidade em vender serviços financeiros fora
dos limites nacionais; uma maior facilidade em conquistar novos mercados: os bancos
9 O mega meger efetuado além mares em 1998 entre Travelers Group, que operava nos setores de seguridade e intermediação imobiliária, e o Citybank, ativo no setor bancário e de cartões de crédito; ou a incorporação do Dresner Bank por parte do colosso da seguridade Allianz (junho de 2001). Ver cap.4 deste trabalho.
213
deverão inevitavelmente acelerar fusões cross-border, até este momento mais
ocasionais e limitadas a operações com bancos de países limítrofes10.
Alguns bancos europeus já começam a se mover nesta direção, como é
demonstrado pela indicação de união entre a Unicredit e a alemã Commerzbank,
constituindo o primeiro big-merger continental.
b) Secular (fatores de longa duração)
Existem muitos fatores de longa duração que beneficiam a consolidação:
i) As economias de escala: expresso pelos termos da microeconomia tradicional o
conceito de EDS é ao mesmo tempo simples e rigoroso. Considera-se a existência de
economias de escala, em um estabelecimento, em uma empresa ou, por extensão, em uma
determinada indústria, se a curva dos custos médios em questão se torna decrescente com o
crescimento da produção. Se a curva assumir, como diz a teoria tradicional, o característico
andamento em U, dir-se-á que existem economias de escala em todo o percurso descendente
da curva até o nível de produto correspondente ao ponto mínimo da própria curva.
Este ponto determina a “dimensão ideal” da instalação ou da empresa, aquela que
permite usufruir inteiramente das economias conectadas às escalas dimensionais. Acima deste
ponto, a curva assume um andamento crescente, o que aponta um crescimento dos custos
médios unitários em proporção maior do que o aumento da produtividade, ou seja, custos
maiores, os quais determinariam que a capacidade produtiva da empresa estaria acima de sua
dimensão ideal.
Essas “deseconomias” poderiam ter origem técnica, ligada ao processo produtivo
deste bem, ou então de natureza administrativa ou gerencial, dado que indo além de sua
dimensão ideal, o processo de decisão da empresa se torna muito complexo para poder
permitir sua execução de maneira flexível e eficiente.
10 Exemplificamos o caso do Banque Bruxelles Lambert (BE) – ING (NL).
214
O problema do formato da curva de custo médio tornou-se objeto de um debate amplo
e teórico: particularmente a microeconomia moderna colocou em dúvida os fundamentos da
hipótese do comportamento em U, mesmo que todo o tema permanecesse entre os mais
controvertidos. O ponto crucial é o de que não parece plausível considerar que uma empresa
dimensione sua capacidade produtiva em função de um único nível: se os responsáveis pela
empresa se comportam de maneira racional, levarão em conta as possíveis flutuações da
demanda, dos altos e baixos do mercado; das eventualidades que ocorrem em eventos
extraordinários que determinam flutuações imprevistas nos níveis de produção; neste caso a
empresa será adequada para poder enfrentar variações na quantidade produzida, de maneira
flexível. Por conseguinte, a adequação do processo dimensional não parece pontualmente
determinável, a priori, também porque a difusão dos processos de concentração desloca
sistematicamente para cima a dimensão ideal de referência: a qualificação anterior a esta se
tornaria meramente teórica.
Apesar de tais aprofundamentos, permanecem importantes as vantagens alcançáveis
através das EDS: alcançar dimensões relevantes que permitam explorar economias
dimensionais é considerado, não por acaso, como uma das principais motivações das
estratégias de crescimento externo. Este discurso é valido, mesmo que com menos ênfase, no
setor bancário: a variável dimensional é de fato considerada entre as condições de eficiência
operativa, expressa em termos de minimizar os custos unitários, razoavelmente realizáveis
quando do crescimento dos volumes de serviços financeiros produzidos. Isto acontece, por
exemplo, se os fatores técnicos organizacionais (tecnologia e RH) e o patrimônio informativo
(informações sobre a clientela e mercados) se traduzem em custos fixos: o aumento dos
volumes intermediados comportaria, então, uma incidência unitária decrescente dos próprios
custos. De fato, os bancos são em primeira instância gestores de informação (sobre os
pagamentos efetuados pela clientela, sobre o merecimento de crédito dos afiançados, sobre o
215
andamento dos mercados, etc.), e como tais necessitam de relevantes investimentos fixos (em
informática, comunicações, conhecimento de mercados e do território), custo este que pode
ser vantajosamente repartido em um volume crescente de ativos. Também as despesas de
fixação de marca (e relativa à reputação junto ao público investidor) representam, em
considerável quantidade, um ônus constante que se traduz em custos unitários decrescentes no
crescimento de sua base de clientes. Um outro fator que determina o EDS nos bancos é o
impacto das novas tecnologias (para o tratamento das informações, o trading, a distribuição,
etc.): esses últimos são muito onerosos e precisam de um limite mínimo de atividade para
serem implementados de forma vantajosa: uma utilização econômica da nova tecnologia,
nesse sentido, poderia ser factível somente com base em um grande número de operações
(RESTI, 2007, p. 45).
A indiscutível aceitação do conceito teórico de EDS não se contrapõe a uma aceitação
geral tanto das modalidades de verificação empírica das economias de escala quanto dos
resultados obtidos. Com efeito, apesar dos esforços contínuos para refinar a instrumentação
analítica para uma melhor observação deste fenômeno objeto de análise, existem problemas
conceituais a ponto de complicar a validade do trabalho desenvolvido. Na raiz, a falta de
unanimidade dos resultados empíricos traz divergências de cunho teórico, diferenças de
métodos de avaliação e dificuldades na coleta de dados estatísticos mais indicados. O
obstáculo principal na avaliação do EDS é sem dúvida constituído pela dificuldade
geralmente encontrada na identificação precisa de produtos iguais na atividade bancária: a
oferta de meios de pagamento e de crédito e as outras numerosas formas de intermediação e
serviços de difícil classificação; os próprios depósitos podem ser considerados parte do
produto (isto é, serviços prestados), ou como fatores produtivos (inputs), comprados pelos
bancos e transformados em empréstimos e em outras atividades financeiras.
216
As verificações empíricas até agora realizadas nos levam a conclusões heterogêneas:
há pesquisas que demonstram a presença de EDS de notável expressão essencialmente em
grandes bancos; contrapõem-se estas a pesquisas que relevam a presença de EDS somente até
uma faixa de dimensões modestas; e há estudos que não colocam a EDS em evidência
relevante em nenhum banco da amostra.
Concluindo, poderia se dizer que a evidência das economias de escala não seria tão forte a
ponto de se considerar um pressuposto decisivo das estratégias de concentração. Não obstante
aparecem como motivações que dizem respeito a considerações estratégicas e
organizacionais;
ii) As economias de “escopo” (ou economias de produção conjunta): nem mesmo este
conceito, ao menos na sua formulação mais simplificada, apresenta dificuldades particulares.
Identifica-se a existência dessas economias quando a produção conjunta, dentro de um mesmo
banco, de mais linhas de produtos, por exemplo, depósito a vista ou vinculados; ou depósitos
e empréstimos; até mesmo empréstimos e intermediações de títulos11, implicam em custos
menores se efetuados por diferentes empresas. O banco, sendo uma empresa de multiproduto,
mantém custos conjuntos (filiais,tecnologia,etc.) os quais não podem ser atribuídos
inteiramente a um único produto ou serviço, mas a linhas de produto, com a conseqüência de
que, quanto maiores as alternativas de produtos oferecidos, maiores serão as possibilidades de
distribuição de tais custos, os quais passam a ter um impacto menor para cada produto. As
mesmas economias de “escopo”, entre outras, alcançáveis através da produção conjunta de
duas ou mais atividades, podem ser explicadas pela utilização comum, e assim com melhor
aproveitamento, de input já existentes (o capital humano, o sistema de distribuição, a
11 O método mais difundido para a medição da EDS é aquele que utiliza o conceito de Ray average cost (custo unitário de longo prazo) definido como Rac= C(kQi)/k, onde C indica os custos e Qi, os bens produzidos pelos bancos, todos multiplicados por um número k; um Rac decrescente no aumento da quantidade produzida corresponde à obtenção de economia de escala.
217
disponibilidade de informação, etc). Não por acaso, a obtenção de economias de escopo é
unanimidade entre as motivações principais da diversificação.
Na medição das economias de escopo existem problemáticas de caráter conceitual e
prático, análogas àquelas reveladas para a EDS: os resultados das investigações empíricas
ainda não estão preparados para oferecer dados unânimes entre os pesquisadores. Assim
sendo, ainda restam dúvidas quanto à contribuição que as economias de escopo podem
fornecer ao fenômeno das F&A nos bancos;
iii) A competitividade: a pressão da concorrência, de qualquer lugar que chegue
(bancos, outras instituições financeiras, novos concorrentes, etc.) é um dos principais fatores
de esforço do gerenciamento bancário para buscar estratégias de fusão ou crescer através de
aquisições. Também em outros setores, há um crescimento do número de operações de F&A,
concomitante a um acirramento da concorrência.
iv) A rentabilidade: o nível de rentabilidade está extremamente ligado à
competitividade. Em muitos países europeus a competitividade reduziu a rentabilidade e o
retorno do capital ou dos ativos investidos12: o aumento dos custos de captação, em função da
maior difusão de produtos alternativos aos depósitos bancários; o aumento dos riscos dos
ativos, devido ao aumento dos investimentos e; o já citado ingresso de novos concorrentes,
constituem sem dúvida os fatores principais responsáveis e tal fenômeno.
Em muitos casos os clientes acreditam que os bancos não são suficientemente
rentáveis em relação à estrutura; estes vislumbram nas F&A uma maneira determinante para
aumentar a rentabilidade, é sempre mais fácil cortar custos em dois bancos de atividades
similares (por exemplo através de fechamento de filiais e cortes de pessoal excedente) do que
em um único banco que opera independentemente. Historicamente, a queda de rentabilidade
leva a um aumento das operações de consolidação na busca de ganhos de eficiência. Um 12 Medidos pelos tradicionais indicadores de rentabilidade: respectivamente ROE (return on equity)=UN/CN e ROI (return on investment) = RO/CI
218
estudo feito em 1996 na Europa, parece mostrar uma correlação entre o grau de concentração
na indústria bancária e o nível de rentabilidade: a mais baixa rentabilidade se apresentava na
Itália e na Alemanha, países onde a taxa de concentração, naquela época, era menor.
v) Pressões do mercado de capitais: o mercado de capitais impõe uma maior atenção
na gestão do banco e nos objetivos de eficiência e de rentabilidade: quando um banco é mal
gerenciado, seus dividendos se tornam insatisfatórios, o preço de suas ações cai e as
probabilidades de sua decadência aumentam.
c) Strategic ou defensive ( fatores estratégicos e defensivos)
São os fatores ligados diretamente à estratégia positiva ou defensiva de um banco.
Muitos dos objetivos das operações de F&A entram nesta categoria:
i) A diversificação: em muitos casos os bancos procuram realizar uma fusão ou uma
aquisição para aumentar o nível de diversificação dos negócios. Isto pode acontecer, por
exemplo, através da entrada em outros segmentos de mercado (banco de investimento) ou em
atividades não bancarias (como a de seguros). Com efeito, apesar do grande ônus financeiro,
muitas vezes associado à operação, em relação aos custos de uma aquisição, um banco pode
considerar um negócio menos oneroso se comparado ao investimento de um novo. O caminho
do crescimento externo mostra nesses casos suas vantagens clássicas: as economias de escala
são imediatamente alcançáveis (através do aproveitamento do aumento dimensional); existem
custos menores de formação de pessoal; torna-se possível gerar retornos positivos em termos
de fortalecimento e fidelizaçao da clientela, em virtude de uma maior oferta de produtos e
serviços que permitem limitar a concorrência, de certa forma, na oferta de produtos
alternativos. Dessa maneira os intermediários diversificados, estando a altura de satisfazer
todas as suas exigências, passam a ter vantagens potenciais em termos de controlar o
mercado, além de uma maior capacidade de reposição do seu mix conforme as modificações
da demanda do mercado.
219
Faz-se necessário pensar nos efeitos benéficos da diversificação (produtiva e
geográfica) em termos de redução do percentual de risco de sua carteira, obtidos através do
aproveitamento da correlação imperfeita existente entre os riscos e os diversos produtos e
serviços.
Entretanto também são inevitáveis os riscos potenciais: a desvantagem principal é a
decisão de um banco em se tornar excessivamente diversificado em relação às atividades
anteriormente desenvolvidas, criando a necessidade de obter novos recursos de caráter
especializado, com isso elevando (pelo menos inicialmente) o nível de risco de gestão, por
não possuir conhecimentos nas novas atividades; é evidente que a diversificação comporta um
crescimento na complexidade estratégica se comparada a uma atividade especializada (pensar
na dificuldade de locação de recursos escassos entre as várias opções disponíveis);
ii) redução dos custos fixos: um dos principais motivos que impulsiona as F&A é a
redução dos custos. Realmente torna-se mais fácil comprimir os custos através de fusões do
que agindo individualmente, e pensarmos na concentração dos serviços da matriz, tal como o
de RH, administração, planificação estratégica, sistemas da informação, etc. Contudo, o
exemplo mais evidente se refere ao das infra-estruturas de base e ao fator trabalhista do
banco. Em várias circunstâncias, os bancos planejam a redução do número de filiais, mas não
levam adiante por temer que os bancos concorrentes se beneficiem assumindo o franchise
perdido. O resultado é que se os bancos, mesmo reconhecendo que precisam diminuir sua
rede de distribuição, não agem para isso, acabando por combinar as respectivas estruturas de
maneira racional e eficiente. Existem também muitos obstáculos para o fechamento de filiais
mais exuberantes, ligados, por exemplo, às garantias oferecidas aos gerentes das filiais de
maneira que a fusão não elimine as perspectivas de carreira.
220
Podemos também considerar complicadas as economias geradas por cortes de pessoal
(geralmente draconianas) após a fusão, em virtude da relação sindical, que em função das
incertezas geradas, denigre o ambiente de trabalho e complica o ajuste administrativo;
iii) Poder de mercado: uma outra motivação recorrente nas operações de F&A é
decorrente do interesse do banco em ter uma maior participação no mercado13, seja através do
crescimento do seu market share nas atividades que já exerce, seja através da penetração em
novos mercados diferentes. A obtenção de um maior market power em mercados nacionais e
internacionais pode comportar em uma vasta gama de benefícios, os quais é quase impossível
listar.
Em linhas gerais, um crescimento do poder de mercado de um banco, significa passar
a atender empresas de maior porte, as quais só dirigiriam a bancos maiores, em condições
competitivas, pedidos de financiamentos de maior porte; e ao atingir uma forte posição de
mercado, pode permitir ao banco aumentar o preço de seus produtos e diminuir os custos de
monitoramento dos rivais (isto é, exercer um poder de controle maior no mercado). Outros
benefícios provêm também de uma melhor reputação, a qual pode resultar na expansão do
relacionamento com os clientes, expressando melhor sua capacidade de atração, junto aos
administradores de talento (recurso bastante escasso), a fim de facilitar a realização de
operações financeiras sofisticadas. Surge um círculo virtuoso que pode permitir ao banco
melhorar sensivelmente, sem contar com o ponto de vista da imagem, mesmo no que diz
respeito aos resultados empresariais, o que pode ser traduzido em uma ascensão no ranking
(“upgrade”). Este consente em recorrer ao mercado de capitais em condições mais
convenientes, obtendo facilidades nas taxas do mercado internacional;
13 Poder de mercado é a possibilidade de praticar e manter preços mais elevados dos que seriam aplicados em um regime de livre-concorrência.
221
iv) O princípio do “too big to fall”: em alguns casos, F&A podem ser motivadas pelo
pensamento de que os grandes bancos são mais seguros do que os pequenos e pelo fato de, em
caso de dificuldades, ser muito provável que um grande banco seja salvo. Esta norma também
é comum no pensamento da clientela: um grande banco pode oferecer depósitos mais baratos
do que os pequenos, pelo prêmio de risco implícito ser menor (um banco grande se beneficia
de custos mais baixos na captação de recursos);
v) Massa crítica: a globalização de segmentos importantes da atividade bancária e
financeira, ou até simplesmente o alargamento geográfico dos mercados, como no caso da
União Econômica Monetária, tornam necessário alcançar uma maior massa crítica: basta
pensar no caso dos créditos e das operações em títulos negociados no mercado internacional
(atividade por excelência, do atacado) que exigem não só reputação, mas também uma grande
capacidade financeira; e no caso de expansão no mercado europeu de varejo, o qual requer um
enorme nível de investimento, para constituir ou comprar redes de distribuição, que só os
maiores bancos dispõem;
vi) Proteção: um banco pode buscar estratégias de F&A com uma ótica defensiva,
expressamente para se proteger. O que pode acontecer de duas maneiras: primeiramente para
fugir de um take-over hostil14 por parte de outro banco; em segundo lugar, para fazer-se
menos vulnerável e reduzir em seguida a possibilidade de ser considerado um futuro alvo. São
mecanismos geralmente ativados em tempos de performance empresarial ineficiente
(classificação de Roe inadequados), situação esta considerada particularmente fértil para o
take-over. O risco da absorção não preocupou os grandes bancos por muito tempo, os quais se
tornaram imunes pela constante proteção derivada pela propriedade pública;
14 Fala-se take-over hostil quando o Conselho de administração da empresa assediada se declara hostil à operação no momento em que é anunciada pelo potencial comprador. Esse comportamento hostil acontece quando o preço do mercado não reflete o real valor da empresa ou aquele potencialmente alcançável se administrado por gerentes diferentes (“teoria da sub-valorização”, DRUCKER, 1986).
222
vii) Ambições gerenciais: a busca de crescimento através de F&A pode satisfazer as
ambições dos administradores que não se importam com os interesses dos proprietários, dos
funcionários e dos clientes; dessa maneira, os administradores estão motivados por objetivos
pessoais (privados) e da maximização de sua importância. Nesse caso a dimensão pode ser
considerada um benefício. De fato em uma empresa de porte maior, a segurança de garantir o
próprio posto de trabalho é maior, sendo provável a obtenção de gratificações de maior valor,
e acima de tudo de benefícios não monetários, como prestígio e poder (“remuneração
intangível”);
viii)Redução das ineficiências: uma agregação entre bancos está apta a melhorar a
performance empresarial por poder gerar uma diminuição das ineficiências devidas a má
gestão (falta de EDS ou insuficiente diversificação). Tal resultado, que os anglo-saxões
definem como “market discipline”, pode acontecer quando um banco bem administrado
compra outro de qualidade inferior, normalmente através de uma atitude hostil: a nova
propriedade pode favorecer uma mudança de gestão e melhoria nos processos produtivos,
aumentando os lucros e o valor da empresa;
ix) Combinação de recursos complementares: é sempre mais freqüente que instituições
financeiras diferentes concluam operações de concentração para reciprocamente desfrutar de
conhecimentos especializados (acesso a recursos não disponíveis no interior da empresa,
como tecnologias, conhecimentos ou profissionais) necessários à entrada em novos nichos de
mercado. A integração pode resultar conveniente por proporcionar a cada uma das empresas
algo que não tinham, obtendo um custo menor se comparado ao desenvolvimento
internamente. Em tais casos, ainda que os dois tenham conhecimentos necessários, o merger
223
poderia ser dispensado de dividir o ônus dos investimentos tecnológicos necessários para o
tipo de atividade15.
x) Outros fatores: podemos colocar dentro da categoria strategic ou defensive também
outros fatores potencialmente capazes de incentivar estratégias de F&A. Em primeiro lugar o
aumento da consistência patrimonial, cuja atual forma de vigilância ainda trava a
possibilidade de riscos potenciais; o aumento considerável de clientes, o que significa
vantagens na estabilização da captação de recursos e da criação de novas rotas para a oferta
de serviços; o aumento do valor da ações, com o incremento da capitalização; criação de valor
para gerente (os quais muitas vezes recebem stock option) e acionistas; a possibilidade de
efetuar aquisições através de “carta”; e também não se pode desprezar as motivações de
caráter fiscal.
d) Crises (fatores decorrentes de crises): Em alguns casos uma fusão ou aquisição pode representar a solução de uma crise
sistêmica ou de problemas de bancos individuais.
É comum as autoridades de vigilância induzirem os bancos grandes, fortes e sólidos a
incorporar bancos em dificuldades, com o objetivo de prevenir ou sanear processos de crise
empresarial e facilitar dessa maneira um salvamento. Por exemplo, durante a crise bancária
escandinava no começo dos anos 90, muitos bancos forram socorridos ou foram postos
temporariamente sob tutela estatal; saneados os balanços, foram privatizados e muitos
vendidos a outros bancos. Na América Latina as autoridades de vigilância aproveitarem a
situação de crise financeira para consolidar a indústria bancária; de fato analisou-se e até
recomendou-se (início dos anos 2000) como um remédio para a crise do sistema japonês,
afogado pelo número de créditos “problemáticos”.
15 Vários exemplos neste sentido são fornecidos por fusões ocorridas nos últimos anos 90 no Japão: para enfrentar o novo desafio de gestão dos fundos de pensão, muitos bancos alertaram-se para conseguir as competências adequadas no gerenciamento de ativos ( Mitsui Trust- Chuo-Trust).
224
d) Herd Instict (“ O instinto de manada”) Não é incomum o banco seguir o “herd instict”. Em alguns casos tal comportamento
imitativo se difunde porque os bancos se encontram sob as mesmas pressões competitivas e
tendem a reagir com o mesmo tipo de estratégia. Assim sendo, algumas estratégias criadas
pelo banco não são postas em prática, não por seu valor intrínseco, mas simplesmente porque
outros bancos estão seguindo uma determinada rota da estratégia de negócios.
Existem muitas razões que explicam o desenvolvimento do herd instict: pode servir à
administração para atingir um certo grau de segurança imitando seus melhores concorrentes,
por acreditar que tenham um conhecimento maior; se vários bancos de todo modo estão
seguindo um procedimento particular, pode ser perigoso não acompanhar a onda, mesmo que
não existam provas da validade do procedimento. A longo prazo, pode parecer natural seguir
esta trilha imitativa.
Dessa forma, mesmo no campo das F&A, uma fusão específica pode acontecer
realmente por um “efeito moda”; se de fato a consolidação é um negócio corrente, os bancos
preferem poder escolher seu parceiro ao invés de ser obrigado a aceitar algum.
3.5 - A fusão bancária como instrumento de crescimento dimensional
“A fusão é um instrumento de concentração das empresas societárias que permite
ampliar a dimensão e a competitividade no mercado” (TRIDENTE, 1997, p.56). Além disso,
“é uma instituição que gera uma concentração não só econômica, mas também política” (ibid,
p.56), substituindo de fato, uma pluralidade de sociedades por uma só: a sociedade
incorporada ou a nova, resultante da fusão.
No que diz respeito ao possível papel a ser desempenhado pelas fusões bancárias,
dentro do processo de concentração nacional e internacional, parece possível a hipótese de
225
três modelos estratégicos que correspondem a um único modelo de crescimento externo
(ONADO, 1999, p. 78):
a) fusões como instrumento de internacionalização - seguindo a crise
internacional dos anos 70, o interesse dos organismos de crédito
concentrou-se principalmente nas atividades financeiras e mais
acentuadamente no varejo. Isto confirmou a presença de um fenômeno
típico da atividade bancária, caracterizado por forte comportamento de
imitação; o que leva a todos os operadores a prestarem atenção em alguns
dos setores considerados particularmente convenientes, determinando
rapidamente a saturação com a conseqüente necessidade de providenciar
uma crescente exportação de serviços financeiros;
b) fusões como estratégia de consolidação dimensional - Tal configuração
caracteriza-se pelas circunstâncias, segundo as quais, o objetivo principal
não é o crescimento a fim de se conquistar novos mercados, mas sim de
consolidar posições relativamente frágeis. É o caso de um sistema bancário
que apresenta numerosos bancos que ainda precisam identificar um
equilíbrio suficiente na extensão territorial de sua rede de distribuição. Esta
situação pode levar à superposição, no futuro, de áreas operativas
pertencentes a bancos diferentes, com a possível conseqüência de favorecer
processos de fusão que venham a prejudicar outros bancos mais frágeis
sobre áreas territoriais em comum;
c) fusões como solução para casos de desequilíbrio econômico e patrimonial -
é notório o fato de no interior de alguns sistemas bancários existirem
grandes diferenças em termos de performances econômicas e de solidez
patrimonial, assim como um número elevado de empresas de crédito com
226
graves problemas crônicos de natureza econômico-patrimonial. A
propósito, seria razoável a hipótese de que, no caso das empresas menores,
venham a ser adotados mecanismos similares aos usados no passado, isto é,
a incorporação por parte de instituições maiores. Mais delicado ainda
parece o problema dos bancos de maior dimensão, tomando também em
consideração a histórica carência de meios patrimoniais, resultado
substancialmente dos baixos níveis de rentabilidade da realidade
bancária16. Nestes casos, a solução poderia ser a aceitação de um menor
crescimento, comparado com a média do sistema, e até mesmo ceder
posições de participação no mercado, a fim de alcançar novas posições de
equilíbrio em um nível dimensional inferior, com a finalidade de encontrar
os meios patrimoniais no mercado financeiro. O instrumento de fusão, de
fato, pouco se encaixa à solução de problemas deste tipo, devido ao perigo
concreto de envolver na solução hipotética de desequilíbrio a instituição
que quisesse assumir a difícil tarefa de sanear os problemas.
3.6 - A modernização normativa nos processos de concentração
O advento do banco universal e o declínio da especialização, a desregulamentação, a
liberalização dos mercados, a variação do contexto normativo, e por último a liberalização dos
serviços bancários e financeiros, mudaram radicalmente o contexto nacional e internacional,
nos quais os bancos são chamados a exercer sua própria função (PARRILLO, op.cit.).
Estas profundas mudanças foram uma importante solicitação para a indústria bancária,
induzida a operar no “mar aberto” da concorrência e a buscar dimensões mais apropriadas.
16 Nestas situações, mesmo a imediata transformação em sociedade por ações (SPA) não consentiria a entrada no mercado de capitais, por conta de suas condições precárias de rentabilidade, que não garantiriam aos poupadores um ganho adequado.
227
O impulso nas operações de agregação nos setores bancários e financeiros aconteceu
na metade dos anos 80 nos EUA e se difundiu, mesmo que com certa lentidão, também na
Europa.
Na Europa, o processo de concentração bancária foi retardado pelo menor empenho de
seus proprietários, ligado também à ampla cota de intermediação exercida por bancos de
natureza pública, e pela rigidez no mercado de trabalho, que criava obstáculos na realização
de cortes de custos de pessoal (REEDTZ, 1998).
Que o fenômeno seja relevante, parece claro através dos dados: as operações de F&A
no setor dos serviços bancários e financeiros alcançaram no mundo um valor de quase 2
trilhões de dólares, no período entre 1985 e 1995, e os números médios anuais aumentaram no
biênio sucessivo, que registrou fusões e aquisições somando 600 bilhões de dólares.
O crescimento dos volumes é largamente atribuído ao incremento do processo de
agregação em varias áreas dos EUA. Enquanto que na metade da década de 90 o mercado
europeu de concentração era praticamente nulo, no biênio mais próximo foram realizadas
transações de valores correspondentes à metade do seu total (Gráfico 3.7).
Nos EUA, a tendência à consolidação do sistema, junto a das falências, traduziu-se em
uma redução do número de bancos de 14000 para menos de 9000 e prevê-se que, em uma
década, se reduzirá ainda em 3000 ou 4000 unidades. Durante os anos Noventa, com a
remoção dos vínculos territoriais operacionais, os bancos vislumbraram principalmente
diversificar a própria capacidade operacional no plano geográfico, absorvendo intermediários
de áreas diferentes daquelas onde estavam sediados. E ainda, aumentaram as vantagens
competitivas das estruturas de grande porte, com capacidade de distribuir seus produtos em
todo âmbito nacional, sobretudo com a ajuda de suas redes automatizadas, com os serviços de
phone e homebanking, através da Internet.
228
Gráfico 3.7: A atividade de F&A no setor bancário europeu (volumes em bilhões de dólares)
Fonte: Morgan Stanley Dean Witter
No Reino Unido, o processo de concentração bancária, o qual se iniciou no final da
década de 80, envolveu-se em transações de valor unitário considerável, cujo valor total
superou os 35 bilhões de dólares no período 1991-1997. Este foi acompanhado de uma nítida
melhora na rentabilidade bancária, derivada do incremento dos resultados dos serviços e
também da contenção de custos através de cortes de pessoal.
Na França, a reorganização do sistema bancário assumiu ritmos crescentes depois da
grave crise do início da década particularmente por parte dos bancos de propriedade pública.
A realização das concentrações se contrapõe à rigidez do mercado de trabalho e à escassa
disponibilidade de capital livre, em função da baixa rentabilidade. Apesar disso todas as
grandes instituições, com exceção do Credit Lyonnes, efetuaram aquisições, cujo valor total
atingiu a ordem de 10 bilhões de dólares no período 1991-1997. No mesmo ritmo prosseguiu
a privatização do sistema bancário: na metade de 1998 permaneciam sob o controle do
governo somente seis grupos bancários, cujos depósitos correspondiam a 12% do volume do
mercado.
Na Alemanha, onde o total de operações superou os 25 bilhões de dólares, a tendência
à concentração se acentuou nos últimos meses, com o anúncio de operações destinadas a dar
229
vida a um banco, fruto da fusão entre o Deutsche Bank e Dresdner bank, que, por suas
dimensões, deveria atingir o primeiro lugar no mercado mundial, como podemos ver abaixo
no gráfico 3.8, que mostra os principais grupos bancário do mundo.
Particularmente marcada parece, além disso, a atenção à sinergia operativa com
intermediários anglo-saxões, de cultura econômica e financeira complementar a dos bancos
comerciais europeus.
Gráfico 3.8: Os dez maiores grupos bancários do mundo
-Deutsche-Dresdner (Alemanha) -IBJ-DKB (Japão) -Sumitomo-Sakura (Japão) -Bnp-Paribas (França) -UBS AG (Suíça) -Citigroup Inc.(EUA) -Bank of América (EUA) -Bank of Tokyo-Mitsubishi (Japão) -Hypo Vereinsbank AG (Alemanha) -HSBC Holdings-Republic of New York (EUA) Fonte: BCE, 08/03/2000. Os dados são expressos em bilhões de dólares.
230
O grande número de operações efetuadas na década passada, particularmente em 1999,
indica que a tendência acelerada a criar instituições muito grandes sofreu recentemente uma
aceleração, conforme podemos verificar na tabela 3.4.
Além disso, se por um lado, as fusões se concentraram de maneira significativa no
âmbito nacional, por outro não faltaram operações além das fronteiras, que em relação ao
passado estão cada vez mais relevantes. No caso da Europa, estas operações usualmente
envolvem bancos não localizados na área do Euro, fato ligado aos vínculos significativos com
outros mercados da UE e no caso das maiores instituições, à concorrência global em alguns
dos setores da atividade (BANCO CENTRAL EUROPEU, 2000).
Do que foi dito, é possível tecer duas considerações: primeiramente, que a
concentração bancária na Europa prevaleceu para os mercados nacionais, sendo que as
multinacionais ocorreram em sistemas bancários de menor porte interno (Benelux e
Escandinávia), e por esta razão perseguiam estratégias de desenvolvimento em áreas
limítrofes.
Em segundo lugar, não obstante o esforço para a harmonização das regulamentações
bancárias e financeiras, pesa ainda a diversidade da cultura econômica e organizativa e a
dificuldade em reconciliar sistemas jurídicos e fiscais heterogêneos.
Tabela 3.4: Principais fusões e aquisições nas quais se envolveram os bancos na área do Euro em 1999
Atvidades ao final 1998 Bancos envolvidos (comprador-comprado) (bilhões de euros)
- Deutsche Bank (Alemanha) 604
- Bankers' Trust (Estados Unidos) 114- Atividades totais: 718
- Banque Nationale de Paris BNP (França)
325
- Paribas (França) 249 Atividades totais: 574
- ING Group (Países Baixos) 395
- BHF Bank (Alemanha) 45
Atividades totais: 440
231
Cont.
- Generale de Banque - General Bank (Bélgica) 208
- ASLK/CGER Bank (Bélgica) 80 Atividades totais: 288
- Banca Intesa (Italia) 153
- Banca Commerciale Italiana (Italia) 113 Atividades totais: 266
- Banco Santander (Espanha) 154
- Banco Central Hispanoamericano (Espanha)
82
Atividades totais: 26
- Credit Communal de Belgique (Bélgica)
105
- Credit Local de France (França) 99 Atividades totais: 204
- Banco Bilbao Vizcaya (Espanha) 132
- Argentaria 70 Atividades totais: 202
- SEB (Suécia) 73
- BfG (Alemanha) 42 Atividades totais: 115 Fonte: IBCA Bankscope para os dados sobre atividade.
As atividades totais foram calculadas “proforme”, somando todas as atividades do banco envolvido nas fusões.
3.7 - Um sistema bancário de acordo com as novas exigências
No decorrer dos últimos anos, o setor bancário conheceu uma profunda evolução e
notáveis transformações, devidas a uma série de fatores concomitantes, e parcialmente ligados
entre eles. Certamente o desenvolvimento da tecnologia das informações, a gestão de dados e
as telecomunicações causaram várias mudanças importantes. Este desenvolvimento, por um
lado, influenciou significativamente o processo produtivo da industria bancária e até o próprio
conceito de banco, por outro lado, determinou o surgimento e a forte difusão de novos
instrumentos de pagamento e de crédito, incidindo sobre a velocidade e segurança dos
sistemas de transações, mas também sobre as características de proximidade da relação banco-
cliente. Efeito posterior e indireto (particularmente relevante sob o ângulo da
competitividade) desta evolução vimos na entrada no mercado de concorrentes não bancários
232
em setores que, senão reservados, eram de todo modo tradicionalmente ocupados por
entidades de crédito, particularmente por bancos comerciais (GHEZZI e MAGNANI, 1999).
A atividade de intermediação hoje não constitui mais um elemento peculiar do
sistema bancário, diferentemente do passado, por não ter uma maior disponibilidade e melhor
capacidade da elaboração dos dados em relação aos outros operadores.
Este é o quadro referencial com o qual se confronta o presente trabalho. O próximo
capítulo invoca as características salientes das F&A entre intermediários financeiros presentes
no Velho Continente, fazendo referência em particular aos dados empíricos e analisados pelo
Banco Central Europeu. Neste item, além disso, aprofundamos o tema dos conglomerados do
setor de securitização. Outro ponto importante no interior desta temática diz respeito ao
impacto proporcionado pelas agregações sobre a eficiência dos sujeitos envolvidos. Trata-se
de uma leitura de grande interesse, porém longe de uma conclusão unívoca, sobretudo por
conta da dificuldade metodológica induzida pelas segmentações normativas, culturais e
infraestruturais que caracterizam o mercado seja europeu, americano e outros.
233
Capítulo 4
Algumas análises sobre experiências internacionais de agregações bancárias
A história das agregações bancárias é repleta de operações que, pelo porte de seus
protagonistas, pelo impacto que causam no setor financeiro e pelo tipo de modelo adotado,
constituíram exemplos paradigmáticos, referência, momento de passagem em direção a uma
nova configuração dos intermediários e dos mercados.
O intuito deste capítulo é percorrer rapidamente algumas destas integrações, atentando
especificamente para as características que as tornaram, sob certos aspectos, incomparáveis.
Sabemos que vários estudos e pesquisas foram realizados sobre as razões da tendência
à concentração neste setor, suas características principais e as repercussões no campo
financeiro. Procedemos aqui à análise de alguns destes trabalhos, tais como os do Banco
Central Europeu e dos autores Huinzinga, Nelissen e Vander Vennet.
4.1 – Algumas recentes experiências de conglomerados internacionais
Escolhemos privilegiar algumas operações estrangeiras na esperança de oferecer uma
melhor ilustração ao leitor mais familiarizado com algumas grandes operações internacionais.
As operações consideradas foram duas:
1) A primeira é aquela entre Allianz e Dresdner, graças a qual a Europa passou a ter um
conglomerado financeiro de relevância mundial;
2) Citicorp e Travelers foram os protagonistas da segunda agregação, particularmente
importante para poder avaliar as possíveis implicações em termos de governança
corporativa produzidas por uma F&A.
4.1.1 - A operação Allianz-Dresdner Dentre as operações de agregações concluídas ao longo dos últimos anos, uma das mais
interessantes e paradigmáticas foi sem dúvida a que se deu entre a companhia de seguros
234
alemã Allianz e o banco, também alemão, Dresdner, conforme podemos verificar nos quadros
abaixo.
Quadro 4.1- Os protagonistas: Sociedade compradora Allianz: Fundada em Berlim em 1890 ( ainda que a sede tenha sido posteriormente transferida para Munique), a Allianz Ag desde o começo obteve brilhantes resultados de crescimento. Isto permite, no arco de poucos anos, iniciar um processo de expansão, tanto interno como em aquisições externas, que a levaram a se tornar (segundo a publicação Financial Times) a primeira companhia de seguros em volume de prêmios na Alemanha, segunda na Europa (atrás da francesa Axa), entre as primeiras em nível mundial. O principal negócio da sociedade é representado pela atividade de previdência (Life & Health Insurance) e pela cobertura de riscos (P&C Insurance) com ação tanto na clientela privada como empresarial. Sociedade adquirida: Dresdner Bank Desde a sua fundação em 1872 em Frankfurt, o Dresdner Bank soube mostrar dotes de grande solidez e dinamismo que permitiram superar os períodos históricos (algumas vezes de grandes privações) e lhe consentiram tornar-se (novamente de acordo com o Financial Times) a terceira instituição de crédito em total de patrimônio da Alemanha, atrás da Deutsche Bank e do Hypo Vereinsbank. Através das suas 1100 filiais em 60 países diferentes. O Dresdner Bank oferece serviços de corporate, investimento e private bank1 à clientela, além de consultoria no campo de administração patrimonial. Fonte: RESTI, 2006. Quadro 4.2 - Os tempos da operação: 1 de abril 2001 - depois da aprovação por parte do Conselho de Administração (CdA) das duas empresas envolvidas, Henning Sculte-Noelle (presidente do Allanz) e Bernd Fahholtz (Presidente do Dresdner Bank) anunciam o acordo; 31 de Maio de 2001 - foi organizada uma entrevista coletiva onde o grupo Allianz apresentou com detalhes aos acionistas do Dresner a oferta pública de compra (amigável); 13 de Julho de 2001 - termina o período para os acionistas do Dresdner aceitarem a oferta pública de compra do Allianz; 16 de Julho de 2001 - tornam-se públicos os resultados da OPA. Mais de 94% dos possuidores de ações do Dresdner, ainda em circulação, aceitam a oferta do Allianz, cuja participação passa de 21,4% para 96,4%; 19 de Julho de 2001 - com um atraso de poucos dias em relação ao anunciado, a Comissão Européia aprova a aquisição do Dresdner Bank por parte do Allienz; 23 de Julho de 2001 - Bernd Fahrholtz, Leonard H.Fisher e Horst Muller, já membros do Conselho de Administração do Dresdner, são nomeados membros do CdA do Allianz Group; 7 de Agosto de 2001 - a agregação entre Allianz e Dresdner se conclui. Inicia-se a fase de integração em nível operacional; 14 de Novembro de 2001 - a cem dias da conclusão da operação, os representantes do grupo constituído expressam, através de uma entrevista publicada na internet, a satisfação sobre o nível de integração alcançado; 11 de Julho de 2002 - a marca Dresdner Ag está em seu último dia de cotação na bolsa alemã. Fonte: RESTI, 2006.
1 O private banking constitui um universo distinto dos relacionamentos bancários comuns, oferecendo opções e tratamento personalizados.
235
Para a instituição de crédito, tratava-se da terceira tentativa de fusão. Antes do acordo
realizado em 2001 com o Allianz, de fato, sem êxito, concluíram-se as negociações com o
Deutsche Bank, em abril de 2000 (por conta de divergências sobre o futuro do banco de
negócios Dresdner Kleinwort Wasserastein), e com o Commerz Bank, em julho do mesmo
ano (por divergências sobre o valor total da transação).
A grande importância que a operação possui no programa de F&A se dá, além do
porte e prestígio das empresas envolvidas, também em função de outras duas razões. A
primeira motivação é o fato de a operação ter causado na Alemanha um efeito dominó que,
através de uma intensa atividade de troca de participações, determinou um vasto movimento
em todo setor financeiro alemão. A segunda razão diz respeito ao fato de não ter se tratado
apenas da criação de um grande grupo bancário, mas sim de um verdadeiro conglomerado
banco-seguradora.
a) As motivações (os incentivos)
A decisão do Allianz de realizar uma operação de agregação tão complexa como esta
com o Dresdner Bank gera diversas explicações, parte de caráter generalizado e parte de
caráter específico da realidade alemã.
Dentre as motivações generalizadas estão as necessidades vinculadas à
internacionalização, que já havia induzido outras empresas, especialmente as de grande porte,
a ampliar a gama de suas próprias atividades. Além dessas, devemos lembrar outras três: a
necessidade, para o grupo assegurador Allianz, de potencializar a própria rede de vendas,
apoiando-se nos guichês de um banco como o Dresdner, que possuía uma extensa rede em
todo o território alemão; a exigência de adquirir novas competências na administração dos
ativos (na qual a Allianz tinha pouca experiência) para oferecer produtos mais modernos à
clientela, interessada principalmente na previdência integrativa. Neste sentido, o intuito era
conseguir competências e know-how na gestão patrimonial, sobretudo graças a uma
236
subsidiária da Dresdner (DiT) que já gozava de ótima colocação de mercado, com uma cota
de 13% da poupança da Alemanha; por fim, a vontade do grupo de seguro de acumular uma
massa crítica tal para poder representar um papel de primeiro plano como instituição
financeira européia mundial.
Havia outras três razões ligadas à realidade alemã (em razão das quais, os expoentes
do Allianz e do Dresdner tinham insistido na apresentação da operação):
- a reforma do sistema de pensões (janeiro de 2002), com a prevista criação de uma
segunda pilastra de previdência privada, complementar à pública, o que ao menos nas
previsões, criaria uma grande expansão na demanda de investimentos a longo prazo
(previam um giro de 70 bilhões em 7 anos) e a fim de que estivesse em condições de
usufruí-la era necessário aparelhar-se adequadamente;
- a preparação para a aguardada reforma fiscal. Esta previa a abolição do imposto de
50% sobre ganhos de capital relativos a vendas de participações não estratégicas, com
início no dia 1º de janeiro de 2002. No “sistema Alemanha” a rede de participações
cruzadas somavam, segundo a imprensa, cerca de 250 bilhões de euros: Allianz e
Dresdner sozinhas tinham cotas em sociedades farmacêuticas, químicas e em
utilidades no valor de 45 bilhões de euros. Levando-se em conta esses dados, é
possível deduzir-se quanto uma reforma fiscal daquele tipo se torna decisiva sobre o
tema da agregação. Uma grande quantidade de capitais, que estavam parados por conta
do imposto sobre o ganho de capital, tornava-se livre dos vínculos, e podia ser
empregada em novos investimentos;
- o terceiro e último fator, que sem dúvida favoreceu o início da integração foi à
mudança significativa dos pequenos poupadores alemães. Esses de fato, tinham
desenvolvido uma cultura refinada que os levou a não se satisfazer com os tradicionais
instrumentos de poupança (como os títulos estatais), mas os levou a solicitar, com
237
mais freqüência, verdadeiros planos de investimentos e produtos financeiros
alternativos (mesmo de caráter securitizador). Diante dessas novas exigências da
clientela, era inevitável aos bancos e às companhias de seguros que pretendessem
manter suas posições de mercado, uma melhoria, seja quantitativa ou qualitativa, da
gama de serviços oferecidos. Tal melhoria podia ser alcançada por vias internas ou
externas (como no caso do Allianz), ou seja, através de agregações com empresas mais
competentes em áreas financeiras especificas.
b) O acordo
A oferta pública de compra lançada pelo Allianz ao Dresdner apresentava uma
estrutura bastante articulada, do ponto de vista dos conteúdos e dos sujeitos que, direta ou
indiretamente, entravam em jogo.
A operação previa de fato que cada acionista Dresdner recebesse uma oferta
combinada por parte da empresa de seguros de um special purpose vehicle (Spv) constituído
pelo Deutsch Bank e de outras instituições, com a consultoria do banco personalizado
Oppenheim de Colônia.
Mais especificamente o Allianz depositou 53,13 euros por ação do banco alemão, cuja
parte seria depois empregada para aceitar a oferta de venda de uma ação Allianz por parte do
Spv. Na prática, da oferta combinada da companhia de seguros e do Spv, os acionistas da
Dresdner recebiam por cada lote de 10 ações do banco, uma ação Allianz e 200 euros em
dinheiro. O preço de compra de 53,13 euros implicava que sobre os títulos Dresdner fosse
reconhecido um prêmio de 13% sobre o preço médio dos primeiros três meses do ano, ou seja,
15% sobre o preço de fechamento do dia anterior ao anúncio do projeto de agregação.
Para financiar a operação foi decidida a emissão de novas ações por parte da empresa
de seguros, destinadas a serem recompradas gradualmente ao longo dos anos sucessivos.
238
Conforme já enfatizamos, como efeito da densa rede de participações cruzadas das
duas empresas, a operação Alianz-Dresdner Bank teve uma grande repercussão no mercado
alemão. No acordo estava previsto que a Allianz cedesse 13,5 % da Hypo Vereinsbank à
Munchener Ruckversicherung Ag (Munique), cuja participação era de quase 26%. Em
contrapartida, a companhia de resseguros se comprometia a transferir à seguradora os seus
40% da Allianz Lebensversicherung (que opera seguros de vida), somente as cotas possuídas
direta (5%) e indiretamente (19%) do Dresdner Bank. Separadamente a Munich Re havia
programado elevar sua participação na Ergo (segunda seguradora alemã) de 63% para 95%.
Assistia-se assim ao nascimento, ao lado do Allianz-Dresdner, de um segundo pólo de banco-
seguradora, entre a Munich Re e o Hypo Vereinsbank.
O grande sucesso obtido pela OPA (aceita por mais de 94% dos acionistas do
Dresdner), unido às cotas absorvidas pela Munich Re, permitiam a Allianz passar de uma
participação inicial de 21,4% para 96,4%.
Para a conclusão oficial da operação, cujo valor era estimado em 24 bilhões de euros,
precisava-se aguardar até o final de julho, quando chegaria a aprovação formal da Comissão
Européia, a qual declarou um único senão: que o Allianz e a Munich Re até 2003 diminuíssem
para 20,5% suas participações cruzadas (uma redução, já calculada por ambos os envolvidos).
A questão central na preocupação das autoridades antitrustes européias era a de que os dois
grupos pudessem criar ligações muito fortes, assim sendo nocivos à livre concorrência.
Realmente após a aquisição, a participação do Allianz no Munich Re elevou-se de 25% para
32%.
A aprovação da Comissão sancionava a criação de um grupo capaz de operar
concomitantemente em múltiplos setores (seguros, varejo, banco de investimento e particular
e gestão de ativos), cujos números (ver quadro 4.3) o levavam a ser, segundo o Finantial
Times, o quarto “banco-seguradora” em nível mundial (atrás do Citygroup, American
239
International Group e HSBC), a primeira sociedade alemã na gestão de ativos (com 110
bilhões de euros de patrimônios em gestão) e o terceiro grupo financeiro do mundo (primeiro
na Alemanha).
Quadro 4.3 - O novo Allianz Group: alguns dados Funcionários 180.000 Clientes particulares 23,5 milhões Clientes corporativos 2,2 milhões Filiais 13.000 Países presentes 60 Fonte: números de 31/12/2001 obtidos do Allianz Group (www.allianz.com). c) Os efeitos
Apesar do consenso por parte dos analistas em torno da operação Allianz-Dresdner,
não faltaram os que, desde seu anúncio, apresentaram algumas dúvidas. Estas se encontravam
diretamente ligadas às dificuldades experimentadas pela Dresdner e a proporção do preço
pago pelo Allianz, considerado excessivo se comparado aos benefícios alcançados pelo grupo
segurador (uma rede de guichês para vender apólices e um know-how de efeito em gestão de
ativos).
Em 2001, ano da conclusão do acordo, o resultado econômico do novo grupo foi
admissível, com um lucro consolidado de 1,6 bilhões de euros (mesmo sendo menos do que a
metade do ano anterior).
Em 2002, alguns evidentes desequilíbrios se manifestaram. Pela primeira vez na
história, o grupo alemão de seguros registrava perdas, inclusive consideráveis (1,2 bilhões de
euros). Este andamento negativo, desde o início, foi condenado em grande escala pelo ramo
bancário. Enquanto no setor de seguros a agregação parecia ter realmente trazido benefícios (a
venda de apólices de vida quadruplicaram em relação ao ano anterior), na Dredner o resultado
foi o pior desde o pós-guerra: em 2002 o balanço fechou com perdas de quase 950 milhões de
euros. Tomando como base tal situação difícil, três fatores podem ser identificados.
240
Primeiro, a instituição de crédito estava, no mesmo nível de outros bancos alemães,
passando por uma profunda estagnação econômica, tendo como causa principal o alto nível de
inadimplência e a absorção dos créditos problemáticos. Também o banco sofria, com
dramática evidência, as desproporções estruturais típicas da Alemanha: altos custos de
exercício, escassa penetração no mercado de varejo por parte dos grandes bancos e
rentabilidade operacional muito baixa. Nas contas econômicas do banco pesavam elementos
sistêmicos superiores, como a grande instabilidade dos mercados financeiros e a crise
econômica na América Latina (mercado onde a instituição de Frankfurt estava fortemente
exposta).
Por esses fatores (estagnação, rigidez, crise de mercado), se por um lado o total de
empréstimos a clientes e bancos (lending volume) sofria uma freada sem precedentes, por
outro, os custos operacionais continuavam substancialmente elevados, conduzindo a uma
sensível deterioração do quociente entre despesas e resultados (cost income ratio).
Os resultados obtidos pelo novo grupo pareciam ainda mais pesados do que as
previsões formuladas pelos máximos expoentes do Dresdner e do Allianz na época do
anúncio. Na sede, previra-se que, desfrutando das sinergias do lado dos custos, e, sobretudo
do lado dos resultados, seria possível obter uma economia total de 2,2 bilhões de euros, entre
2002 e 2005, para depois se estabilizar em 1bilhão de euros por ano. O andamento do return
on equity depois da aquisição deixa intuir como o real cenário, no qual se encontrou o grupo,
foi realmente diferente. Como confirmação disso, o julgamento do mercado de ações foi
bastante severo, sendo que a erosão sofrida nas cotações da nova Allianz Ag foi bem mais
marcada do que o resto do setor bancário e de seguro na Europa. Em conseqüência, também o
ranking das principais agências sofreu, ao longo dos últimos anos, um dos maiores declínios.
A consistente perda que a Allianz teve em 2002 não demorou a surtir efeito na
governança corporativa: demissões dos principais mentores da agregação foram registradas. A
241
primeira demissão foi, em setembro de 2002, Leonhard Fischer (do banco de negócios
Dresdner Kleinwort Wasserstein); menos de três meses depois o número um do grupo,
Henning Schulte-Noelle, que admitiu publicamente o fracasso da operação; enfim, em março
de 2003, Bernd Fahrolz (do Dresdner Bank). No lugar destes últimos dois foram nomeados
respectivamente Michael Dieckmann e Herbert Walter (vindos da divisão de varejo do
Deutsche Bank), a quem coube a delicada missão de operar uma reestruturação societária,
para contrastar a situação de profunda crise em que o grupo se encontrava.
Neste sentido devemos interpretar algumas decisões relativamente recentes, como o
anunciado corte de 14.000 funcionários e uma gestão de carteira de participações muito mais
agressiva, como a venda de atividades menos estratégicas (entre eles a venda proeminente do
grupo industrial Baiersdorf e do próprio Dresdner Kleinwort Wasserstein). Mas acima de
tudo o reforço patrimonial de 5 bilhões de euros, estruturado em uma emissão acionária de 3,5
bi de euros e uma em obrigações de 1,5 bi.
Graças a esses corretivos e à confiança na recuperação dos mercados, o Allianz se
colocou em condições de melhorar a própria situação econômica, com o objetivo de recuperar
as perdas sofridas (também em nível de imagem), pelo menos em parte, e voltar assim à
solidez e à rentabilidade que sempre foram próprias do grupo alemão nos anos precedentes à
agregação com o Dresdner Bank.
Mesmo assim a agregação entre Allianz e o Dresdner parece destinada a ficar na
memória dos estudiosos das F&A como um exemplo paradigmático da complexidade e dos
riscos das grandes fusões, salientando a importância - na determinação da manutenção dos
grandes planos de concentração societária - do timing, isto é daquela imponderável e
imprescindível “condição de contornar”, característico do andamento dos mercados.
242
4.1.2- A operação Citicorp-Travelers Group
Sempre na categoria dos conglomerados, mesmo que sendo nos EUA, colocamos a fusão
feita em 1998 entre Citicorp e Travelers Group (quadros 4.4 e 4.5), da qual nasce o
Citigroup. Analogamente ao que explicamos anteriormente, também neste caso tratou-se de
uma agregação significativa, por conta das dimensões relevantes de seus protagonistas e
mesmo por outros fatores.
O primeiro deles é o fato de esta integração ter sido rediscutida posteriormente. Veremos
que a nova Citigroup gradualmente cedeu boa parte das suas atividade de seguros, chegando a
vender a própria Travelers a um grupo concorrente (Met Life).
O segundo concerne ao fato de que o novo grupo foi fruto de duas atividades
complementares, ou seja, mais orientado para a direção do crescimento dos resultados do que
para uma reorganização de estruturas similares e sobrepostas. Podemos dizer que não foi um
casamento “para economizar” (como acontece em muitas agregações bancárias), mas para
investir.
O terceiro fator é o porte similar das empresas envolvidas. A união entre Travelers e
Citicorp representou uma exceção a respeito da abordagem tradicional, que costuma unir uma
empresa grande a uma pequena (favorecendo inclusive uma maior clareza dos mecanismos de
governança da nova empresa) e propunha um modelo centrado na colaboração, mesmo em
nível gerencial mais alto.
O quarto elemento foi a rapidez em que a operação foi concluída. As negociações que
levaram ao anúncio duraram somente quatro semanas e meia. O que foi somente possível
graças à grande liderança e à decisão dos administradores das duas empresas: Sandy Well e
John Reed.
243
O quinto fator é de natureza jurídica: como poderemos esclarecer mais adiante, o
nascimento do Citigroup antecipou a legislação americana, e de certa maneira a “obrigou” a
adotar providências que fossem compatíveis com a criação do novo grupo.
Quadro 4.4: Os Protagonistas Travelers: nasce em 1993 da fusão entre a companhia de seguros Travelers Corporation e a Primerica, especializada em intermediação financeira. Desde o início ocupa um papel importante (sobretudo no âmbito nacional onde se concentraram os maiores esforços de expansão) a ponto de em 1995 já estar entre as maiores vinte (por cotas de mercado) em escala mundial. Sua posição se reforça em 1997 ao absorver o banco de investimentos Salomon Brothers, que neste mesmo ano se une à sociedade de brokers (brokeragem) Smith Barney (já de propriedade da Travelers) para se tornar a Salomon Smith Barneys Holding Inc, hoje o maior intermediário mundial na subscrição de obrigações societárias. Citibank: Citicorp Inc é a companhia mãe do Citibank, instituição de crédito fundada em 1812, a qual se tornou, as vésperas de sua fusão com a Travelers, o segundo banco comercial americano em totais de ativos (segundo o Federal Reserve) sendo a sociedade líder mundial na distribuição de cartões de crédito (60 milhões). O Citibank fornece serviços financeiros às corporações e a pessoas privadas tanto nos EUA quanto no exterior, graças a mais de 100 filiais espalhadas no mundo inteiro. Após passar por um pequeno período de dificuldades no inicio dos anos 90, principalmente por seus empréstimos feitos na América Latina, o Citicorp se tornou um dos bancos mais competitivos e rentáveis, em escala mundial (com um ROE médio de mais de 20% nos anos que precederam a fusão). Fonte: RESTI, 2006. Quadro 4.5: O cronograma da operação: 6 de abril de 1998 - após quatro semanas e meia de negociações, Stanfford Well (da Travelers Group) e John Reed (da Citicorp) anunciam o acordo de criação do Citigroup; 24 de julho de 1998 - os acionistas das duas empresas envolvidas dão seu consenso à operação de agregação. Com esta aprovação inicia-se a dos reguladores; 8 de outubro de 1998 - primeiro dia de cotação na bolsa da nova sociedade Citigroup. Os títulos da Travelers e do Citicorp são lançados no pregão; 20 de outubro de 1998 - O CdA do Citigroup anuncia um dividendo trimestral de 18 centavos por ação (correspondendo a 0,42% sobre o preço dos títulos no mercado); 3 de novembro de 1998 - Jamie Dimon e Deryk Maughan, co-administradores delegados do Salomon Smith Barney, pedem demissão pelos maus resultados obtidos pelo banco de investimentos; 15 de dezembro de 1998 – o Citigroup anuncia ônus de reestruturação de 900 milhões de dólares e a previsão de 10.400 demissões (6% dos funcionários no âmbito mundial); 28 de fevereiro de 1999 - Reed anuncia a decisão (efetiva a partir de 18 de Abril) de se aposentar. Well se torna presidente e administrador responsável; 4 de novembro de 1999 - o Congresso aprova o Gramm-Leach Billey Act, com o qual remove a proibição de agregações entre bancos e empresas de seguros; 16 de julho de 2003 - Charles Prince é nomeado (para janeiro de 2004) novo Conselho do grupo, sucede Well, que mesmo assim mantém o cargo de Presidente até o final de 2006. Fonte: RESTI, 2006.
244
a) As motivações
Na base das operações do porte do Citigroup, existem normalmente várias motivações,
porém encontramos as cinco principais que os administradores das duas empresas mais
salientaram na apresentação do acordo.
A primeira diz respeito aos favoráveis efeitos econômicos de que ambas as partes se
beneficiariam após a fusão. A união de duas grandes empresas operando de maneira
complementar no setor financeiro (banco comercial para Citicorp, seguros e banco de
investimento para o Travelers Group) permitia desfrutar importantes economias de escala e
de escopo. A complementaridade dos setores e a maior dimensão alcançada teriam permitido
níveis mais altos de eficiência tanto nos custos quanto nos resultados, o que levaria a um
círculo virtuoso que garantiria consideráveis economias ao Citigroup. Dessa maneira poder-
se-ia liberar recursos financeiros para acrescentar na gestão de novos negócios ou
simplesmente para ceder mais empréstimos à clientela. De toda maneira, o efeito final seria o
crescimento da cota de mercado (em nível global) e com isso, rentabilidade.
Os primeiros dados do balanço dos anos imediatamente sucessivos à fusão pareciam
confirmar a validade desta primeira motivação. O desenvolvimento de alguns indicadores
mostrava uma situação em constante crescimento. Na realidade, tais resultados representavam
o somatório de áreas de negócios bastante heterogêneas, do ponto de vista da rentabilidade,
desencadeando, como veremos, a decisão de reestruturar o grupo, renunciando em parte aos
objetivos originais da agregação.
A segunda motivação que levou à conclusão da operação era, por assim dizer, “o
desafio dos mercados”. A aceleração do processo de agregação no setor financeiro ocorrido
durante os anos 90 (cf. tabela 4.1) levara muitas empresas a reverem sua posição no mercado.
Particularmente, o Citicorp precisava achar um parceiro para contrastar o Chase Manhatan-
Chemical Baning e o UBS-SBS (dezembro de 1997). Já o Travelers precisava de uma
245
integração para fazer frente aos desafios do Morgan Stanley-Dean Witter e do Merryl Linch-
Mercury Asset Management (novembro de 1997).
Tabela 4.1: As macro-agregações nos EUA Operações Valor (U$ bi) Data anúncio Travelers – Citicorp 70,0 abril/98 NationsBank - Bank America 60,0 abril/98 Bank of America - Fleet Boston Bank 48,0 out/03 One - First Chicago 30,0 abril/98 First Union - CoreStates Nationsbank 17,0 nov/97 - Barnett Bank 15,5 ago/97 Wells Fargo - First Interstate 12,3 out/95 Chemical Banking - Chase Manhattan 11,3 ago/95 Dean Witter - Morgan Stanley 10,7 fev/97 Washington Mutual – Ahmanson 9,9 out/98 Travelers – Salomon 9,7 set/97 Nationsbank - Boatmen's Bankshares 9,5 ago/98 Fonte: Financial Times
A fusão das duas empresas permitia a ambas, graças ao crescimento da clientela e da
gama de produtos a oferecer, aumentar sua competitividade e defender-se melhor da
concorrência dos outros operadores. A Travelers, portanto, teria nas mãos a rede comercial do
Smith Barney no mercado interno, a força do Salomon Brothers no externo e os produtos de
seguros para colocar em circulação. Do seu lado a Citicorp, teria garantido uma das melhores
redes de filiais de banco comercial em nível global sem contar com o departamento de cartões
de crédito líder no mundo.
Na decisão pesou a convicção de ambos os administradores que, para aumentar a gama
de produtos oferecidos seria muito mais conveniente se unir a uma empresa já especializada
no setor do que implantar um sistema interno, considerando os custos que isto acarretaria.
Assim haveria uma economia considerável de capital físico, nos investimentos em tecnologias
e no treinamento de pessoal.
A terceira razão foi a demanda de serviços financeiros. Os consumidores
demonstraram uma dúplice necessidade: por um lado, em serem atendidos em suas operações
bancárias e seguradoras por um só intermediário (servindo-se assim de uma espécie de
“supermercado financeiro”, ou seja, poder se dirigir a um só operador para todas as suas
necessidades de serviços financeiros). Por outro, a exigência de poder confiar a um único
246
interlocutor tanto no mercado doméstico (no qual a Travelers tinha uma penetração capilar)
quanto no internacional (onde o Citicorp tinha desenvolvido uma vasta rede de consorciados
estrangeiros). Exigências parecidas levaram Weill e Reed a unirem suas forças a fim de criar
uma organização capaz de operar a nível global e na qual a clientela poderia dirigir-se para
satisfazer a maior parte das próprias necessidades de natureza financeira (do estabelecimento
de uma apólice de seguro à abertura de uma conta, da gestão do seu patrimônio ao uso do
cartão de crédito).
As outras duas motivações desta operação implicavam na diversificação dos riscos e
em benefícios para os funcionários.
No que diz respeito à primeira, ao ampliar a gama de serviços oferecidos, o Citicorp
poderia assim reduzir os riscos de seus próprios negócios. Ou seja, permitir-lhe-ia empregar
(bem como conceder novos empréstimos) os recursos financeiros liberados pela menor
necessidade de capital para cobertura de riscos. Além disso, um fluxo de ganhos mais
diversificado teria consentido reduzir o prêmio requerido pelo mercado para se investir na
nova empresa.
No que diz respeito ao segundo aspecto, é verdade que em curto prazo a agregação
teria comportado uma reestruturação do pessoal (ver quadro 4.5), todavia, nos anos sucessivos
o Citigroup, graças a sua operação em nível mundial, pretendia atrair gerentes de grande
capacidade e experiência.
b) O acordo
Apesar do enorme impacto nacional e internacional desta operação, o acordo era
bastante simples (a ponto de se concluir em apenas 4 semanas e meia).
Ele previa uma troca acionária de ambas as partes. Mais precisamente, os acionistas do
Citicorp receberiam uma ação do novo grupo, por cada 2,5 de sua propriedade. Todas as
247
ações privilegiadas seriam automaticamente convertidas em ações privilegiadas do Citigroup
mantendo os mesmos termos e condições.
No que diz respeito aos acionistas da Travelers, a troca seria eqüitativa.
Posteriormente à agregação, as duas empresas fundidas teriam 50% nas mãos dos acionistas
do Citicorp, e 50% com os velhos acionistas da Travelers.
Dois aspectos interessantes ligados a essa fusão foram: a composição da administração
da nova empresa e a relação com a nova legislação vigente. Quanto à direção do Citigroup,
foi adotado o que o Finantial Times chamou de “Noha’s Ark Approach”: para cada cargo (a
partir dos mais altos) foram nomeadas duas pessoas, uma do Citicorp e uma da Travelers, o
que levou à presença de dois administradores e dois presidentes (Weill e Reed), um conselho
administrativo formado por 12 membros do Citicorp e 12 da Travelers e um total de Divisões
(por exemplo, da global consumer business), todas sob uma dupla gestão das empresas.
Esta estratégia respondia à exigência, apontada por Weill e Reed, de realizar uma
fusão eqüitativa. Isto acontece quando há uma fusão entre intermediários financeiros. Utiliza-
se normalmente como forma de respeitar a direção da empresa menor (destinada a
desempenhar um papel marginal no novo grupo), mais do que uma real intenção. Nesta
operação portanto tentou-se seguir este procedimento. Nenhum dos dois chefes executivos
teria aceito de fato iniciar as negociações sem a certeza de manter imutável seu prestígio
pessoal.
Obviamente que o fato de cada decisão dever ser aprovada por dois sujeitos além do
modus operandis, muitas vezes, diferentes, não tardou a causar problemas (evidentes em
algumas divisões como a global corporate business). Os efeitos começaram a aparecer tanto
em torno dos resultados de gestão (não muito brilhantes nos terceiro e quarto trimestres de
1998, os primeiros após a fusão) quanto na reação dos acionistas. Um comentário crítico de
um dos maiores acionistas (o Príncipe Alwaled bin Talal) levou, ao final de 1998, a um
248
confronto entre os dois expoentes do grupo, do qual a Travelers saiu vitoriosa. Nos primeiros
meses de 1999, houve a saída de Reed (aposentadoria) e depois a de muitos diretores de
origem Citicorp (entre eles o ex-chefe do escritório financeiro do grupo, Heidi Miller). Graças
à nova administração (formada por pessoas próximas a Weill) o Citigroup conseguiu superar
muitas das dificuldades e entrar em período de grande crescimento, como demonstramos no
desempenho dos lucros.
Um outro aspecto interessante dessa fusão é o da relação com a legislação. Devemos
observar que no momento do anúncio da operação (abril de 1998), nos EUA ainda estava
vigente o Glass-Steagall Act, que proibia um banco comercial de se agregar a uma companhia
de seguros, ou a uma de corretores, o que, entretanto, não impediu a fusão, a qual foi
aperfeiçoada em função de dois fatores:
- O primeiro foi buscar na convicção da administração das duas empresas, que essas
restrições estariam fadadas ao término em breve tempo. E de fato era comum a opinião
no mercado financeiro americano de que se os EUA não modificassem as regras, os
intermediários americanos enfrentariam sérios problemas com os concorrentes
estrangeiros, que não tinham restrições à conglomeração;
- O segundo foi o parecer favorável das autoridades americanas e especialmente do
Federal Reserve. Isto realmente permitiu a operação, mesmo que através de uma
autorização temporária (válida por dois anos, renovável por mais três). Na realidade
não foi necessária uma renovação, pois em novembro de 1999, o Congresso
Americano aprovou uma nova lei reguladora bancária: a Gramm-Leach-Biley. Esta
removeu as barreiras entre o banco comercial e o de investimento e ainda dava
liberdade às F&A entre instituições de crédito e companhias de seguros. A nova
regulamentação permitiu assim ao Citigroup entrar para a legalidade definitiva e não
mais temporária.
249
c) Os riscos
Esta agregação não só levava a expectativas positivas, mas também a preocupações.
Temia-se que uma operação de tal porte levasse a maiores riscos a cargo dos contribuintes e
dos consumidores.
Para os consumidores, a entrada no mercado de uma empresa de grande porte
conduzia à preocupação com o fato de que a maior concentração dentro do setor pudesse se
traduzir, para a clientela, em uma menor concorrência, em comissões mais elevadas e em uma
possibilidade de escolha mais limitada (de produtos e serviços). Existia também o risco das
duas empresas reservarem tratamentos privilegiados (em termos de comissões pedidas ou de
créditos concedidos) à velha clientela, em detrimento dos novos clientes adquiridos com a
fusão.
Para os contribuintes podia ser maior o risco, por causa da presença em um único
grupo do banco de investimento e o de seguros. O que poderia criar dois perigos: uma menor
disponibilidade de crédito para a clientela e depois a repercussão de uma eventual falência de
uma empresa não bancária do grupo, o que poderia causar problemas para a matriz (em
função da garantia sobre os depósitos pelo Estado) e para os contribuintes devido ao peso dos
impostos.
d) Os efeitos
Conforme já exposto, esta união levou ao nascimento de um grupo financeiro de
dimensões extraordinárias (quadro 4.7), a ponto de se colocar como primeiro no mundo em
total de ativos e pró-capitalização nas bolsas (segundo o Finantial Times) e entre os primeiros
50 nos EUA em lucros realizados (Forbes).
Apesar destes números, os primeiros anos não foram muito fáceis para a nova
empresa. O terceiro trimestre de 1998 (um ano após sua efetivação na integração das
atividades) fechou com lucros líquidos de menos 64% (729 milhões de dólares) em relação ao
250
período do ano anterior. A tendência negativa prosseguiu no trimestre seguinte, quando os
lucros caíram para 677 milhões de dólares, uma diminuição de 53% em relação ao ano
anterior.
Quadro 4.7: Os números do Grupo Valor da operação (bi U$) 70 Total de ativos (bi U$) 1.097 Capitalização de mercado (bi U$) 181 Número de clientes (mi) 200 Número de funcionários 250.000 Número de países 100 Fonte: Citigroup.
Diversos foram os fatores responsáveis pelas dificuldades do Citigroup.
Primeiramente as crises dos mercados financeiros internacionais, cujos efeitos atingiram o
setor como um todo de modo maior ou menor. Neste assunto, convém lembrar que o índice
S&P 500 chegou em agosto de 1998 a sua maior queda de todos os anos 90, perdendo no
terceiro trimestre cerca de 7% em relação aos meses precedentes. Ainda piores foram os
resultados dos bônus corporativos e dos mercados externos.
Um outro elemento que influenciou o pouco brilhante resultado do grupo foi o mau
andamento da Salomon Smith Barney que, talvez mais do que as outras controladas pelo
grupo, sofreu mais com a fusão. A empresa de corretores comprada pela Travelers em 1997
fechou o ano de 98 com resultados realmente negativos (uma perda de 395 milhões de dólares
no terceiro trimestre e um lucro só de 13 milhões no quarto). Este foi um resultado das crises
e do mau desempenho do banco de investimento.
Apesar do resultado econômico do novo conglomerado, havia também o ônus da
reestruturação, necessária para favorecer a consolidação em escala internacional do aparato do
grupo, uma redução dos níveis de administração e uma integração do pessoal de vendas. Tais
despesas somam 900 milhões de dólares.
O fator mais crítico para o grupo Citigroup foi a coexistência dentro do grupo, mesmo
depois da fusão, das duas almas da Travelers e do Citicorp. Como já vimos, os conflitos
251
(sobretudo em nível mais alto da direção) obstruíram as operações de integração e o
desenvolvimento de novas atividades, o que acabou por pesar nas contas da empresa.
Emblemático foi o confronto referente ao e-business. Reed conseguiu o consentimento de
Weill para destinar ao desenvolvimento da estratégia de Internet uma soma (500 milhões de
dólares) nitidamente inferior à necessária para a realização dos objetivos originais que levou a
uma perda dupla: a falta do complemento (e com isso a falência) do projeto e a perda dos
capitais investidos.
Nesse contexto, os resultados do grupo para o ano de 1998 foram melhores do que os
previstos, com uma redução dos ganhos de só 13%, se comparado ao do ano anterior, o que
foi possível principalmente graças ao bom desempenho da divisão global e negócios com
consumidores e de maneira incisiva no setor de cartões de crédito, dos empréstimos ao
consumo e dos seguros pessoais, cujas vendas aumentaram substancialmente após a fusão. Os
últimos dois trimestres de 1998 foram os únicos em que o grupo americano se encontrou em
evidentes dificuldades. Já nos primeiros meses do ano sucessivo, apareceram claramente os
sinais de retomada. Os grandes lucros na atividade de consumo continuaram e, unidos a
Divisão de corporações e banco de investimentos (onde a Salomon Smith Barney apresentou
balanços extremamente positivos), permitiram ao Citigroup realizar nos primeiros dois
trimestres lucros de 2,42 e 2,48 bilhões de dólares, com um aumento médio de
aproximadamente 16% do ano anterior.
Este resultado positivo continuou também nos meses posteriores, sobretudo graças ao
global consumers business (que se mantêm até hoje como a Divisão de ponta do
conglomerado americano).
Modestos porém foram os resultados das outras áreas de negócios do grupo, com
exceção da global corporações e o banco de investimento, cujo peso foi se reduzindo com o
tempo.
252
O resultado heterogêneo de suas diversas atividades levou o Citigroup, nos anos mais
recentes, a repensar o conceito de “supermercado financeiro” em torno do qual foi construído
o projeto de integração. Desde Sandy Weill e de seu sucessor Charles Prince, iniciaram uma
obra de reestruturação da grade de negócios do grupo, através de uma série de demissões
cirúrgicas. As atividades de seguros da Travelers foram as mais afetadas: desde antes de Weill
iniciou-se a retirada do departamento, desincorporando o ramo “danos” na Travelers Property
Casualty, depois integrada à St.Paul Cós. Assim sendo, Prince realizou a secção da Travelers
Life e Annuity (responsável pela carteira “vida”) ao grupo Met Life, com o qual estabeleceu
um estreito acordo comercial.
A renúncia a produzir diretamente apólices de seguro e a venda de uma das marcas
que deram vida ao Citigroup testemunharam as dificuldades em realizar um conglomerado
financeiro de 360 graus, e redimensionam em parte, o êxito do projeto de fusão imaginado por
Weill e Reed.
4.2 – A evolução das F&A entre bancos e conglomerados na Europa: a análise do Banco Central Europeu
A onda de fusões e aquisições descrita nos parágrafos anteriores, como vemos, atingiu
também a Europa, criando a necessidade de uma análise do fenômeno mais aprofundada.
Foram realizados vários estudos e pesquisas sobre as razões dessa tendência, suas
características principais e as repercussões no campo financeiro.
Neste contexto aparece o trabalho do Banco Central Europeu (European Central Bank,
BCE, 2000) que, após ter descrito, mesmo de maneira sintetizada, o que aconteceu na Europa
durante o período 1995-2000, focou as atenções nos aspectos específicos que causaram as
F&A bancárias, as modalidades que se desenvolveram e os efeitos provocados nos
protagonistas envolvidos direta e indiretamente.
253
4.2.1 - Modalidades de integração
Com base no histórico do processo ocorrido na Europa, sobretudo entre os anos 1995
e 2000, devemos observar principalmente que as atividades de F&A se desenvolveram
seguindo três modelos: o modelo da concentração-reestruturação; o modelo da privatização; o
modelo da expansão nos países emergentes2.
O primeiro foi adotado por alguns países (Dinamarca, Holanda, Suécia e Finlândia)
nos quais o setor bancário era fragmentado, possuindo uma multiplicidade de bancos, que
devido às suas limitadas dimensões, conseguiam apenas uma pequena fatia do mercado. O
instrumento das F&A servia para criar novas instituições de crédito de maior porte e capazes
de ser competitivas em todo o mercado doméstico ou pelo menos em parte dele.
Durante os anos 90, em muitos países os governos decidiram vender a particulares
algumas empresas estatais, entre elas muitos bancos. Isto possibilitou o envolvimento de
grande número de instituições em agregações e o aumento de operações concluídas. Nisto se
baseou o segundo modelo.
O terceiro modelo levou vários bancos para o Sudeste Asiático, para a Europa Oriental
e também para a América Latina. Foi uma rota tomada principalmente por países que já
tinham tido relações com essas áreas (por exemplo, Espanha e Portugal com a América
Latina).
Detalharemos cada um destes modelos mais adiante.
4.2.2- Quadro geral
2 Este item é de grande importância para a hipótese que assumimos no interior deste trabalho. A tendência à expansão nos países emergentes por sua vez provocou, por um lado, uma intensificação do papel dos bancos sobre o investimento nesses países, com a abertura de filiais que tendem a se valer dos rápidos processos de acumulação destes países; por outro, a concentração em metrópoles, com formação de trustes internacionais de bancos.
254
Os dados recolhidos pelo ECB evidenciaram que, no plano geral, o número de F&A
ocorridos na Europa (seguindo um dos três modelos descritos) aumentou com o tempo.
Passa–se de um número total de 300 agregações no ano de 1995 chegando a 500 em 1999, ou
seja, houve um crescimento da ordem de 52%. Este crescimento pode ser associado às
F&A domésticas; aliás, com uma análise mais pormenorizada, vimos que cerca de 80% de
todas as agregações aconteceu entre empresas do mesmo país. As operações de cross border,
cujo percentual também aumentou nos últimos anos, ocorreram principalmente nos países
fora da UE. São ainda isolados os casos de operações de bancos pertencentes a diferentes
nações da UE.
Sempre no plano geral, outra característica importante que observamos se encontra nas
grandes e pequenas agregações. As grandes são aquelas em que o total de ativos de pelo
menos uma das empresas envolvidas perfaz um bilhão de euros, e as pequenas estão abaixo
deste limite. A maior parte das F&A aconteceu entre bancos de pequeno porte, ainda que após
1996 o percentual venha diminuindo.
O fato de prevalecer o pequeno sobre o grande nas F&A é até fácil de se notar, pois a
maioria das instituições bancárias do sistema europeu é de pequeno porte, sendo mais
provável que as agregações sejam feitas por empresas deste porte do que pelas maiores. Outra
razão importante é que em um banco pequeno, o qual normalmente possui uma estrutura
organizativa mais leve, permite a realização deste tipo de operação de maneira mais ágil.
Se abandonarmos a análise no âmbito continental e formos para uma individual de
cada país, poderemos observar que as nações onde se registrou uma atividade mais intensa
foram Alemanha, Itália, França e Áustria. Essas de fato representaram 80% de todas as F&A
ocorridas no período estudado. Em quase todos os países europeus, as F&A domésticas
prevaleceram sobre as de cross border (RESTI, 2006, p. 44). As únicas exceções relevantes
255
foram a Espanha, a Holanda e a Irlanda, onde as agregações internacionais representaram
70% do total.
Outro aspecto importante para o qual as análises de nível global já haviam atentado diz
respeito à nítida predominância do “pequeno” sobre o “grande” (mesmo que nesse caso se
refira somente à agregação doméstica, pois não temos dados sobre as internacionais). Com
exceção do Reino Unido (cujos dados não dispomos) e de Portugal, em todos os outros países
o percentual nas agregações entre pequenas instituições de crédito é maior do que entre
grandes.
4.2.3 - F&A convencionais e conglomerados
Um outro aspecto, cada vez mais importante no tempo, trata-se da diferença entre as
F&A entre bancos “convencionais” e as assim chamadas conglomerações.
As convencionais são as que envolvem exclusivamente sujeitos que operam no mesmo
segmento (por exemplo, só banco), enquanto as outras se dão entre empresas de diversos
tipos. Mais precisamente considera-se conglomeração o processo que leva à criação de grupos
de empresas, ligadas entre si do ponto de vista dos ativos possuídos, mas operando em áreas
diferentes no setor financeiro (um banco com uma seguradora).
Tal como as F&A convencionais, as conglomerações podem ser de natureza doméstica
ou cross border.
Entre as conglomerações, assume cada vez mais importância os “bancos-seguradoras”.
Este nasce da união entre uma instituição de crédito e uma companhia de seguros permitindo
ao primeiro a ampliação dos instrumentos financeiros a serem oferecidos a sua clientela e à
segunda a distribuição através de uma rede capilar já existente no território.
Geralmente os bancos-seguradoras são resultado de um processo articulado em quatro
fases caracterizadas por um grau crescente de integração: na primeira fase, os bancos se
256
comprometem a vender produtos (seguros) na base de acordos simples de cooperação entre as
empresas; na segunda, as instituições de crédito e as seguradoras concluem joint ventures para
a distribuição de apólices através da rede bancária; na terceira fase, os bancos podem decidir
abrir filiais ad hoc para tentar desenvolver, em determinadas áreas, o mercado de
instrumentos de securitização; na quarta e última, ocorre a criação de um verdadeiro
conglomerado entre o banco e a companhia de seguros (que até aquele momento era só uma
colaboração).
Mesmo que teoricamente o papel de protagonista possa ser praticado indistintamente
por uma instituição de crédito, por uma companhia de seguros ou por qualquer outra empresa
financeira, na prática quase sempre é o banco a assumir a iniciativa e a confinar os setores
diferentes de si próprio. Isto se deve principalmente a duas razões. A primeira advém do fato
de as barreiras à entrada no sistema bancário serem muito maiores do que nos outros setores
financeiros. A segunda é que na maior parte dos países o setor bancário é muito mais sólido e
desenvolvido e, portanto mais maduro para enfrentar expansões em setores afins.
No plano geral são duas as principais modalidades de realização de uma
conglomeração. O líder pode de fato escolher recorrer a uma integração com uma empresa
pré-existente, ou então constituir uma nova empresa que opere em um setor financeiro
diferente. Os dados recolhidos pelo ECB mostram que, no caso das conglomerações
internacionais, as duas modalidades aqui apresentadas apresentam-se em igualdade de
ocorrência. No caso das conglomerações domésticas, especialmente pela popularidade que o
controlador possui no território em que opera, opta-se mais pela criação de uma nova afiliada.
Analisando os dados de maneira mais aprofundada, descobre-se que em todos as
conglomerações e nas F&A convencionais de cross border prevalecem as aquisições sobre as
fusões. De maneira totalmente oposta caracterizam-se as F&A convencionais domésticas,
mesmo que uma análise atenta revele a existência dentro desta categoria, variáveis de país a
257
país (em países como Itália e a França, por exemplo, o numero de aquisições é novamente
superior ao de fusões).
4.2.4 - As causas das F&A
Além das modalidades de realização, outro elemento importante que varia de acordo
com o tipo de agregação (F&A convencional domestica, F&A convencional cross border,
conglomeração doméstica, conglomeração cross border) deve ser buscado nas causas da
operação.
Nas F&A convencionais de tipo doméstico, a principal motivação (válida principalmente
no caso de pequenas instituições de crédito) consiste na possibilidade de desfrutar de
economias de escala derivadas do alcance de um maior porte empresarial. Tal oportunidade
advém da racionalização dos custos, normalmente obtida mediante à eliminação de filiais e ao
corte de pessoal e à exuberância aparente de algumas áreas específicas (por exemplo, a legal,
a tecnologia de informação e a gestão de risco) que, posteriormente a uma fusão ou aquisição,
encontram-se com recursos mais que necessários para garantir seu bom funcionamento.
Sempre no âmbito das F&A convencionais, mas agora de natureza cross border,
podemos identificar as seguintes razões: em primeiro lugar o desejo de incrementar sua
dimensão e competitividade em um mercado mais amplo do que o local; em segundo, o
desejo de assistir à parte da clientela (normalmente sua parte mais importante) empenhada em
processos de crescimento em escala internacional. Enfim análogo às F&A convencionais
domésticas, existem vantagens ligadas à economia de escala.
Passando para as conglomerações domésticas, a principal razão é representada pelas
economias de escopo que uma empresa pode conseguir, ampliando a gama de suas atividades
a setores diferentes do de origem. Outras motivações são notadas na diversificação dos riscos
e das entradas, na racionalização dos custos ligados a algumas funções (particularmente as
258
administrativas) e ainda na possibilidade de utilizar redes de distribuição e operativas já
existentes, sendo estas algumas das vantagens presentes nestas fusões.
No que diz respeito às conglomerações cross border algumas motivações são
parecidas com as domésticas: na existência de economias de escala e na diversificação dos
riscos e entradas. O fato de as empresas serem de países e setores financeiros diferentes faz
aumentar também as possibilidades de se compensar eventuais reduções conjunturais de
demanda que venham a ocorrer nos mercados nacionais, enquanto que reduz as possibilidades
de racionalização dos custos.
4.2.5 - Os efeitos das F&A na concentração no setor bancário
Um dos aspectos ligados às F&A freqüentemente analisado é a influência da
concentração no setor bancário. Os principais critérios com os quais pode ser calculado são
dois: o concentration ratio x (CRX) e o índice de Herfindahl- Hirschmann (HHI).
Os dados recolhidos entre os anos 1995 e 2000 permitiram ao ECB tecer algumas
considerações de caráter generalizado. Em primeiro lugar constatou-se como o andamento do
índice HHI e do CRX foram similares, o que prova ao ECB que ambas as técnicas
empregadas convergem são eficazes. Em segundo, relevou-se como o nível de concentração
foi mais baixo nos países maiores (Alemanha e Inglaterra) e maior nos menores (p.ex:
Dinamarca, Holanda e Suécia), com únicas exceções em Luxemburgo e Irlanda (por causa da
maciça presença de instituições de credito estrangeiras), além da Áustria (devido ao grande
número de bancos de pequeno porte). Em terceiro, destacou-se que na maior parte dos países
europeus (mais ainda na Áustria, Bélgica, Alemanha, Espanha, Luxemburgo e Itália) o nível
de concentração demonstrou-se em crescimento por todo o período considerado. O fato é que
nesses paises assistimos, propriamente nesses anos, uma atividade de F&A mais intensa, o
259
que levou depois a aferir a existência de uma ligação entre o grau de concentração do setor
bancário e o número de operações de F&A ocorridas.
A única anomalia é representada pela Grécia, onde apesar do alto número de
agregações entre instituições de crédito, apresentou-se uma queda do nível de concentração, o
que foi explicado com o fato de que a maioria das F&A envolveu bancos de pequeno e médio
porte, que foram capazes de aumentar seu volume de negócios em um ritmo mais veloz do
que os grandes. Assim fazendo, o mercado se tornou mais fragmentado e a fatia de mercado
dos maiores diminuiu.
Não aparece, porém, nenhuma relação específica entre a atividade de F&A e a
capacidade produtiva do setor bancário (medida pelo número de filiais e funcionários).
Acredita-se que este último sofra mais a influência de outros fatores, dentre os quais, por
exemplo, o grau de progresso tecnológico ou as condições de mercado de trabalho. Além dos
efeitos das agregações produzidas na concentração bancária, manifestam-se imediatamente
aqueles sobre a capacidade produtiva, que requerem um certo tempo (pelo menos dois anos)
para se tornarem tangíveis.
Resumindo, ao longo dos anos 90 assistimos a um aumento constante do número de
agregações bancárias que geraram grupos de crédito de dimensões cada vez maiores, ou do
nascimento de verdadeiras conglomerações (ou seja, grupos entre empresas operantes em
diferentes setores financeiros) sejam de natureza doméstica ou cross border. Do estudo do
ECB, surgiram várias motivações como base desta proliferação de operações de F&A. Como
exemplos podemos citar a melhora no nível de eficiência, a diversificação dos riscos e a
racionalização de algumas funções (principalmente administrativas). Obviamente, isso tudo
teve notáveis repercussões nos sujeitos envolvidos e também nas autoridades de vigilância, as
quais se encontraram operando em um ambiente sensivelmente transformado.
260
4.2.6 - As fusões entre bancos europeus: algumas avaliações dos reflexos na eficiência produtiva
Na aceleração do processo de concentração no mercado bancário europeu, esboçado
no item anterior, certamente concorreu a introdução da moeda única. Por muito tempo, de
fato, considerou-se que o evento do euro pudesse produzir seus efeitos mais evidentes
exatamente nos mercados bancários. Em virtude do fato de, com uma menor incerteza da
variação dos custos nas diversas moedas, nesses mercados a concorrência tornar-se-ia mais
acirrada, induzindo os bancos a se reestruturarem através de operações de F&A. Na realidade,
vários estudos feitos, entre eles, por exemplo, o de Danthine et al.(2000) demonstraram que,
mesmo antes da moeda única, a atividade de F&A no setor bancário já estava bem ativa: o
nascimento de um mercado único só serviu para sustentar, e não criar tais atividades.
Realmente no que concerne à decisão de um banco por uma fusão ou aquisição, há
outros motivos, independentes da existência de uma moeda única. Pensa-se, por exemplo, na
ambição dos administradores, no desejo das instituições de crédito em reforçar seu poder de
mercado ou até no desejo de melhorar sua eficiência (conforme veremos no próximo item).
Nesse aspecto, Huinzinga et al. (2001), partindo de uma série de dados empíricos
referentes a fusões e aquisições bancárias realizadas nos anos 90, concluiu que foi a
possibilidade de incrementar seu nível de eficiência que incorporou muitas agregações. Isto
graças também à existência, de economias de escala e de margens de eficiência no setor
bancário, quanto aos custos e aos produtos, não ainda explorados, os quais se tornaram mais
evidentes nos fenômenos como a desregulamentação, a inovação tecnológica e a crescente
competitividade nos mercados. Tais conclusões vieram de uma análise com amostragem de
mais de 3000 instituições de crédito, que pertencem a 14 países, subdivididos por tamanho
(oito faixas) e tipologia (bancos comerciais, bancos de poupança e cooperativas, bancos de
hipotecas e outros).
261
A) Alguns métodos de avaliação dos efeitos das F&A Ao longo dos anos 90 vários estudos foram conduzidos na busca da determinação da
medida da eficiência dos bancos após as operações de F&A.
Entre os métodos existentes dois são os filões mais difundidos: a técnica dos estudos
de caso e o confronto entre performances de gestão do banco no período pré e pós-fusão.
O estudo de casos é um tipo de análise empírica que consiste em medir o impacto de
um evento no valor de uma empresa. No nosso caso, trata-se de estudar qual o efeito
produzido por uma operação de F&A no valor dos bancos envolvidos, normalmente pelas
respectivas cotações na bolsa. Os rendimentos na bolsa dos títulos da empresa compradora e
da comprada consentem estimar o efeito da fusão nos futuros ganhos das instituições de
crédito, como antecipado, no mercado. Com este fim, cada rendimento deverá ser
oportunamente decomposto em um componente normal e um anômalo: este último reflete a
agregação, enquanto que o primeiro leva em conta somente o andamento no mercado
acionário. Extra-rendimentos anômalos positivos (negativos) são indicativos de uma criação
(destruição) de valor, enquanto que extra-rendimentos próximos a zero assinalam que a
operação de F&A não surtiu nenhum efeito considerável.
O uso da técnica descrita raramente permite chegar a conclusões absolutas sobre o
resultado na eficiência dos bancos. Se de fato Houston e Ryngaert (1994) assim como Pilloff
(1996) identificaram que na maior parte das agregações bancárias acontecidas nos EUA não
se criou nenhum valor, na Europa, ao invés disso, as aplicações empíricas (p.ex: CYBO-
OTTONE, MURGIA, 2000 apud RESTI, 2006, p. 49) evidenciaram, especialmente em
operações domesticas, que as instituições de crédito se beneficiaram com rendimentos
positivos.
É importante salientar que as interpretações provenientes do estudo de casos são
sujeitas a alguns problemas. Em primeiro lugar é possível que o efeito de uma agregação já se
262
faça sentir antes de seu anúncio oficial (por conseqüência as cotações relativas ao dia do
anuncio e de sua seqüência perdem sua importância). Em segundo, as performances na bolsa
podem sofrer outros tipos de influências, igualmente extraordinárias, não ligadas à F&A. Em
terceiro lugar, é impossível determinar se a mudança do valor de mercado de um banco seja
devida a uma variação de seu poder de mercado ou a uma variação de sua eficiência.
O segundo método a ser adotado para avaliar o impacto das agregações bancárias na
eficiência é representado pelo confronto entre a performance atingida pelo banco no período
anterior a F&A e aquela no período sucessivo.
Pode-se escolher entre uma análise meramente descritiva e uma explicativa. A
primeira confronta valores de antes e depois da fusão por alguns indicadores de performance
do banco (baseada em índices contábeis como o ROE e o ROI); de outro modo, sempre se
referindo aos mesmos indicadores, pode-se colocar em confronto o comportamento dos
bancos envolvidos em uma agregação com instituições similares (no tamanho, país, setor e
etc.), porém nunca envolvidos em uma F&A. O segundo tipo de análise tenta estabelecer se
existe uma relação entre os efeitos em termos de eficiência produzidos por uma operação de
F&A e algumas características específicas das instituições envolvidas (p.ex: o tamanho).
Alguns estudos feitos pelo método descritivo sugerem que nos EUA (Berger, Mester,
1997; Berger, Humphrey, 1997) não se registraram melhoras em termos de eficiência ligadas
a fusões. Na Europa, ao contrário, sobretudo nos negócios domésticos entre bancos pequenos,
observaram-se significativos incrementos de performance (Allen, Raí, 1996; Vander, Vennet,
2002a apud RESTI, 2006, p.48).
i) Economias de escala
Para avaliar as economias de escala, os autores citados, recorreram essencialmente a
duas metodologias: a Ray scale elasticity (RSCE) e a expansion path scale elasticity (EPSCE).
263
A primeira mede a expansão dos custos determinada por um aumento de todos os
produtos (que no caso dos bancos, são identificados pelos depósitos). A segunda mede a
variação, em termos dos custos, que uma empresa encontra no momento em que cresce
passando a uma categoria superior em termos de output. Os resultados obtidos através da
aplicação desses dois critérios são identificados por aqueles autores, Huinzinga et al. (2001), e
usando como referência a RSCE notam que em todas as categorias de bancos, com exceção os
de hipotecas com ativos superiores a 10 bihões de euros, existem economias de escala. De
fato os índices são todos inferiores a uma unidade, o que significa, diante de um aumento
igual ao de todos os produtos oferecidos, o banco deve sustentar um incremento dos custos
inferior à proporção. Neste sentido, a situação certamente mais vantajosa é a dos bancos de
hipotecas menores, onde o índice é de aproximadamente 0,655. Podemos também observar
que os bancos comerciais geralmente têm a possibilidade de realizar melhores economias de
escala se compararmos aos bancos de poupança e cooperativas, mesmo que essa possibilidade
se reduza sensivelmente quando do crescimento da empresa (de fato se passa de 0,813, nas
instituições menores, para 0,89 nas maiores). Portanto, é relevante que a relação de economias
de escala crescentes e o menor tamanho da empresa se mantenha válida para outros tipos de
bancos também (com exceção dos outros bancos onde é difícil identificar alguma tendência).
As considerações anteriores se confirmam também para o caso em que, sobre o cálculo
das economias de escala, sendo empregada a segunda metodologia, ou seja, a EPSCE para os
bancos comerciais e de hipotecas, as cooperativas e os bancos de poupança é condizente. As
únicas diferenças consideráveis estão na categoria dos outros banks, nos quais se observa a
existência de uma variação mais consistente em relação aos resultados obtidos, aplicando-se a
RSCE. Em segundo lugar, nota-se que nem todas as classes dimensionais são beneficiadas
pelas economias de escala. No caso de bancos com ativos totais entre 600 e 1000 bilhões de
euros, como acontece nos bancos de hipoteca maiores, o índice EPSCE é maior que um. Isso
264
significa que os bancos, ao aumentarem o seu tamanho, terão que enfrentar um crescimento
dos custos acima da proporção.
Em geral, aplica-se o método RSCE do que o EPSCE, mas mesmo assim podemos
concluir que nos anos 90, na quase totalidade dos bancos, houve possibilidade de economias
de escala.
ii) Eficiência de custos e de lucros
Como salientado anteriormente, as operações de F&A podem encontrar sua própria
razão de ser não só nas economias de escala, mas também no desejo de aumentar a eficiência
sob o aspecto de custo e de lucro .
A eficiência de custo de um banco em geral é calculada com relação ao custo
sustentado por uma instituição de crédito plenamente eficiente para se produzir o mesmo
número de output obtido pelo banco A, e o custo efetivo deste último. Analogamente à
eficiência dos lucros de um banco B, calcula-se reportando o benefício que seria obtido em
um certo nível de output, ao benefício efetivamente realizado na mesma quantidade produzida
por um banco plenamente eficiente (quadro 4.8).
Em ambos os casos, é possível concluir que quanto maior o valor da relação
encontrado, melhor serão as condições da instituição de crédito.
Utilizando a mesma amostragem feita nas economias de escala, e aplicando as
medidas já vistas contendo respectivamente a eficiência de custos e a eficiência de lucros dos
bancos, oportunamente agrupados por porte e país de procedência.
Os dados obtidos permitem constatar que, a nível global, a eficiência de custos se
encontra por volta de 91%. Trata-se de um valor próximo ao que Berger, Mester (1977)
obtiveram em pesquisas análogas, conduzidas no mercado dos EUA e mais alto que na
265
Europa nos anos 80, o que sugere que fenômenos tais como a inovação tecnológica e a
desregulamentação contribuíram para o aumento da eficiência dos bancos. Porém é
interessante observar a existência de significativas diferenças quanto à tipologia do banco e a
qual país pertence. Sobre o primeiro aspecto releva-se que a eficiência de custo vai de um
mínimo de 82% para os bancos comerciais e um máximo de 96% nas cooperativas e nos
bancos de poupança. No segundo aspecto (geográfico), nota-se que a eficiência de custo
passa do valor mínimo de 80% em Portugal para o máximo de 95% na Itália. Raciocínios
totalmente análogos podem ser usados levando-se em consideração a eficiência de lucros,
onde a variação por tipo de banco e nacionalidade é ainda mais acentuada.
Devemos observar que os níveis de custos mínimos eficientes e dos benefícios
máximos eficientes dos bancos individualmente refletem a configuração operacional da
melhor instituição observada dentro da amostragem.
Por conseguinte, por exemplo, os níveis de (in) eficiência dos bancos cooperativas
dependem dos dados das melhores instituições que operam nesta categoria. Mais do que um
índice de eficiência absoluto, ou seja, o proposto por Huinzinga at al. (2001) seria um
indicador de eficiência relativa ou, se preferirem, de dispersão dos comportamentos
individuais. Assim sendo, por exemplo, o valor de 95% na Itália implica somente em que os
bancos deste país, em 1993-1998, aparentavam-se homogêneas entre si.
Quadro 4.8- A função de custo e de lucro Para se estabelecer em que medida a eficiência do lado dos custos (e dos lucros) de um
banco muda, em conseqüência de uma agregação, é necessário constituir a função de custo e a de lucro.
No estudo de Huinzinga et al. que vem sendo analisado, opta-se por uma função de custo do tipo translog que tem como resultado o custo geral (operativo e por juros) da instituição de crédito, ao contrário dos inputs, levando-se em consideração o preço dos fatores produtivos, entre os quais o trabalho e os depósitos, e também o volume dos produtos, como os empréstimos e os títulos em carteira, além de algumas variáveis de natureza ambiental e de variáveis do tipo dummy que levam em conta o porte do banco.
No que diz respeito à função-lucro, o autor utiliza o mesmo esquema de fatores e de produtos. Neste caso como input não teremos mais os custos, mas os lucros totais realizáveis pela instituição.
266
Cont. Para determinar a eficiência de custo de um banco, confronta-se o custo por ele
realmente sustentado (incluindo a margem de erro nas avaliações “econométricas”) com o correspondente custo mínimo teórico (isto é, o valor assumido pela função do custo eficiente em correspondência aos níveis produtivos e dos preços dos fatores próprios daquele banco). Os detalhes desta metodologia são apresentados, por exemplo, em Resti (2006). Seguindo um procedimento análogo determinar-se-á a eficiência de lucro. B) Análise empírica
Uma vez demonstrada a existência dentro do setor bancário de potenciais margens de
melhoramento da eficiência (que podem alimentar novas agregações), o estudo se conclui
com o exame da efetiva incidência, em termos de eficiência no custo e no lucro exercida por
algumas operações de F&A realmente efetivadas.
Com esse intuito, referimo-nos a uma amostra de 52 fusões e aquisições acontecidas
na Europa entre 1994 e 1998. Para cada banco determinam a eficiência em termos de custos e
lucros de um ano antes e um depois da agregação, expressando em valores não absolutos, mas
relativos em um grupo de instituições de crédito pertencentes ao mesmo setor e de mesmo
porte.
Em relação à eficiência de custo, em nível global, passa-se de uma situação pré-F&A,
onde os bancos envolvidos são menos eficientes em relação àqueles do grupo de referência,
para pós-F&A, exatamente oposta, em que as novas instituições apresentam uma eficiência
superior a 2,4% da sua bench mark, com uma melhora relativa de 18,3%. Uma análise mais
profunda revela como essa melhora é devida, quase que exclusivamente, às agregações entre
grandes bancos (+18,6%) e em medida muito restrita entre instituições pequenas (+5,5%). A
análise de Huinzinga et al (2001) sugere que as operações de F&A bancárias produziram uma
melhoria na eficiência das empresas envolvidas. Esta melhora, por outro lado, tem lugar não
tanto na presença de uma forte diferença na eficiência de custos do banco comprador para a
adquirida (assim conhecida como hipótese da relativa eficiência de custos), quanto mais no
267
caso em que ambas as instituições envolvidas tenham um baixo nível de eficiência de custos
(hipótese de baixa eficiência de custo).
Se, ao contrário, nos concentrarmos na eficiência de lucro e se colocarmos novamente
em comparação o período pré e pós-agregação, observaríamos variações bem menores que do
lado dos custos. Especificamente, a eficiência de custos diminuiria levemente após uma
operação de F&A, e esse efeito seria inteiramente de responsabilidade das F&A entre grandes
bancos. Enquanto estes apresentam uma redução da eficiência de lucro (sempre em relação ao
grupo de referência) igual a 1,18%, no caso das agregações entre pequenos aumenta em
1,94%. Não aparecem variações entre comprador e adquirido nem na eficiência média antes
da fusão e nem naquela do seu grupo.
O fato de, posteriormente a uma operação de F&A, os bancos envolvidos não
registrarem nenhum aumento da eficiência de lucro sugere que os ganhos obtidos na
diminuição dos custos seja anulado por uma redução dos lucros. Isto, segundo os autores,
pode ser de responsabilidade, por exemplo, de um aumento nos percentuais das aplicações,
como mostra o quadro 4.9, pois as instituições aplicam nos depósitos de seus clientes logo
após a agregação. Segundo a análise de Huizinga et al.(2001), seriam portanto os clientes, e
não os bancos, os sujeitos, para os quais é transferido o valor criado (através de um aumento
na eficiência de custo) de uma F&A.
Quadro 4.9- O impacto das F&A no mercado de depósitos (aplicações)
Entre as causas que determinam as mudanças na eficiência de um banco, do lado dos lucros, é sem dúvida a mudança de política nos preços. Pode ser interessante compreender como as F&A incidem nas aplicações, e conseqüentemente nos lucros realizados. O trabalho de Huinzinga et al (2001) analisado neste capítulo dedica uma específica seção a essa temática. Todavia por falta de dados o estudo só foi feito nos percentuais das aplicações e não nos juros dos empréstimos.
Com este propósito, em uma amostra de 58 operações, foram colhidos os juros aplicados antes e depois da agregação e confrontados àqueles praticados por bancos de características similares, mas não envolvidos em qualquer F&A. A análise dos dados assim obtidos evidencia que, antes da agregação, os bancos compradores e target correspondem a uma remuneração mais baixa nas aplicações de 45 e 22 pontos percentuais em relação ao seu
268
Cont. grupo referência. A situação muda radicalmente depois da operação. Uma vez
consolidados, os bancos oferecem uma taxa de 12 pontos acima do grupo de referência. Uma situação, segundo os autores, com efeito, favorável à clientela bancária, que se vê
beneficiada com condições melhores, e em contraste às convicções, bastante difundidas, em que os bancos envolvidos em F&A se beneficiam de um maior poder de mercado.
Um estudo mais aprofundado dessa amostragem revela aos autores como o caso das F&A entre pequenos bancos é diferente do caso das agregações entre grandes. De fato estes últimos, de maneira análoga nesta amostragem, passam por uma situação de pré-fusão que corresponde a um rendimento nas aplicações inferior a de seu grupo referência, para um superior (de 0,14%); mas no caso das agregações entre pequenos, pode-se observar que, tanto antes como depois da agregação, os bancos envolvidos continuam a praticar taxas inferiores ao seu grupo de referência. Todavia, de fato esta “tesoura” se reduz: passa de -1,25% a -0,85% para quem compra e de -0,91% a -0,85% para quem é comprado. Assim se confirma a tendência, por parte dos bancos que nascem de uma F&A, a ver uma piora na rentabilidade unitária das aplicações.
A deterioração (ao invés do crescimento) da contribuição nas aplicações posteriores a uma operação de F&A pode ser explicado de várias maneiras: Uma primeira razão poderia ser representada pela intenção por parte do banco constituído em adotar um comportamento mais agressivo em relação ao mercado das aplicações a fim de conquistar uma cota de mercado maior. Um segundo motivo poderia ser mais facilmente reconhecido em uma piora da qualidade dos serviços após a fusão, com a sucessiva perda de clientela, e então se tenta enfrentar com um aumento de rentabilidade nas aplicações. 4.3 – Algumas considerações finais
O processo de concentração das instituições financeiras, e particularmente aquele
concernente aos intermediários de crédito representa um dos fenômenos mais relevantes no
panorama financeiro contemporâneo. Sobretudo na última década assistimos a um forte
incentivo, seja em número ou em valor, das operações de F&A ocorridas no setor bancário.
Este fenômeno interessou, praticamente, a todos os países majoritariamente industrializados,
ainda que com tempos e modalidades distintas.
Os fatores determinantes, comuns a todos os países, em condições de explicar a
notável aceleração no recurso a tais processos de crescimento “externo” são, em primeiro
lugar, dirigidos ao crescente aumento da concorrência, que impulsionou os bancos a adotarem
estratégias voltadas a aumentar suas dimensões, a reduzir os custos de produção, a ampliar a
gama de serviços ofertados seja pelo lado do passivo seja pelo do ativo, a elevar a eficiência e
lucratividade. Decisivo foi, portanto, o impulso da progressiva desregulamentação e da
269
substancial liberalização da atividade creditícia, diferentemente do passado, quando os bancos
operavam em âmbitos majoritariamente domésticos; os investimentos creditícios, de fato,
confrontam-se hoje com mercados abertos a competição, interna e externa.
Enfim, uma outra motivação crucial apontada nas análises realizadas acerca do tema
constituiu-se na diminuição da rentabilidade, atribuída a vários fatores: ao aumento do custo
do recolhimento, causa da crescente difusão de produtos alternativos aos clássicos depósitos
bancários, que induziram a um intenso processo de desintermediação; ao aumento do risco
dos ativos, manifesto num crescimento sensível da incidência de crises e falências, devido ao
incremento dos recursos concedidos às empresas de menores dimensões e, sobretudo, à
repentina elevação das insolvências seguidas da profunda crise econômica do início dos anos
90; ao ingresso de novos concorrentes no campo dos serviços (bancos de negócios,
securiticações, software house, etc).
À queda da lucratividade se contrapôs, inevitavelmente, um aumento das operações de
consolidação dos bancos para a conquista de eficiência, bem como para a saída dos
intermediários marginais do mercado.
Entretanto, é necessário ressaltar como deve ser cuidadosa a determinação de regras
gerais para avaliar o sucesso de tais operações, mas ao contrário mais oportuno proceder com
uma avaliação caso a caso. Ainda mais se considerarmos que muitos dos benefícios ligados
aos processos de F&A manifestam-se, em não poucos casos, depois de alguns anos da
realização da transação, com o risco de que esses não venham “capturados” por análises
focadas sobre um horizonte temporal suficientemente longo, os quais, inevitavelmente,
poderiam ser excessivamente influenciados pelos relevantes ônus que acompanham o
processo de integração.
Deste ponto de vista, embora tenham parecido contraditórios no que tange a utilidade
das operações de fusões e aquisições, tudo deixa presumir que sejam destinados a multiplicar-
270
se no futuro próximo. Dentre alguns países que parecem em sua maioria interessados na
questão estão EUA, Japão, Canadá e Alemanha: é importante notar que mesmo nestes países,
as fusões bancárias são incentivadas de várias maneiras pelas autoridades públicas.
Trata-se do caso da Alemanha, onde no início da década foi implementada uma
medida fiscal sobre a valorização proporcionada por fusões empresariais, que entrou em vigor
em 2002 e da qual se esperava importantes efeitos sobre concentrações dos bancos. Havia
uma expectativa para que num sistema bancário como o alemão, que do ponto de vista
estrutural permaneceu muito estático nos últimos tempos, mesmo em início da presente
década ainda relativamente pouco concentrado, nos anos seguintes passasse por verdadeiras
transformações, que tocassem os vértices do sistema, os quais detinham cotas muito baixas no
mercado doméstico.
No mesmo sentido está se movendo o Japão, onde o sistema bancário atingiu graves
traumas, que alguns imputam a “estranhas” combinações que historicamente ligaram o
Governo, os grandes bancos e as grandes empresas. E é verdade, contudo, que as providências
do início da década de 90, que visavam uma maior transparência e a uma maior separação dos
interesses dos três componentes supracitados, deveriam reduzir os perigos de novas crises
bancárias e acelerar os processos de fusões entre grandes bancos. De tais fusões, algumas das
quais já realizadas e anunciadas, deveriam nascer colossos bancários que se posicionariam no
vértice das classificações mundiais, em termos de dimensões, e que deveriam ser
caracterizadas pela solidez e eficiência maiores que as anteriores. Neste momento, imaginava-
se que a mais importante de tais fusões comportaria uma redução de pessoal de outras sete mil
unidades. O Japão lançou assim um desafio de grande relevo, que levará a uma mudança nos
equilíbrios bancários mundiais.
O Canadá, caracterizado por um grau de concentração bancária não muito elevado,
apontava para objetivos não muito diferentes dos japoneses. Os maiores bancos do país
271
tentaram importantes fusões, que foram bloqueadas pelas autoridades antitrustes. Na presente
década, o clima político nos confrontos entre tais fusões vem mudando consideravelmente, e
se coloca à espera de outras providências que consintam a disposição de bancos nacionais de
dimensões suficientes para competir sobre mercados globais. A situação dos EUA é diferente.
A concentração, que levou em dez anos ao desaparecimento de cerca de seis mil bancos,
refere-se diretamente aos vértices do sistema bancário nacional e procede também sem
suportes específicos normativos, nem particulares incentivos públicos. O objetivo é sempre o
mesmo: dispor de unidade com dimensões adequadas para vencer os desafios concorrenciais
nos mercados globais. Trata-se de uma obrigação com referência estrita à atualidade.
É importante sublinhar que, num contexto internacionalizado como o atual, tal cenário
não se refere somente aos bancos americanos, mas inevitavelmente, repercutir-se-á também
sobre as instituições de crédito mundiais, em particular àquelas mais expostas sobre o plano
internacional (pensa-se no segmento atacadista).
Um motivo de confronto deriva do fato de os bancos estarem hoje, sem dúvida, muito
mais sólidos e mais bem aparelhados para enfrentar uma recessão do que antes, frente às
crises econômicas dos primeiros anos 90. A forte melhoria dos padrões de eficiência interna,
da capacidade de produzir renda e de autofinanciamento, da qualidade do ativo e de cobertura
dos riscos (em função da evolução das técnicas de gestão e monitoramento dos créditos), sem
dúvida, constitui base fundamental para superar os problemas de uma conjuntura considerada
desfavorável.
Não obstante, é amplamente difundido que as atuais dificuldades econômicas
internacionais agem como propulsores para o processo de agregação entre instituições de
crédito. O impulso à concentração, de fato, aumentará justamente pela necessidade de
racionalização e redução dos custos, e superação de tal modo que leve à redução das margens
induzidas pelas crises econômicas.
272
Deste ponto de vista, parecem particularmente interessantes as perspectivas para as
assim chamadas concentrações transversais3, as quais comportam a expansão em atividades
complementares à que os bancos exercem tradicionalmente: falamos de banco de
investimento (nas suas principais formas de intermediação em títulos, a gestão de
participações, a atividade de consultoria nas operações de finanças extraordinárias como
F&A); de gestão de ativos (a gestão da poupança, subdividida nos três segmentos:
investidores institucionais, bancos particulares e varejo). A integração entre operadores ativos
em diversos setores do mercado financeiro conduz à formação de conglomerados multi-
especializados em condições de oferecer uma gama completa de serviços financeiros: as
vantagens derivam, além da ampliação dos produtos/serviços ofertados, da diversificação do
negócio e da possibilidade de uma maior eficiência da tecnologia para produção conjunta.
Dessa forma, ao terminarmos estes dois capítulos, nos quais quisemos traçar as linhas
de desenvolvimento de um fenômeno complexo e internacional como o da concentração
bancária, faz-se necessário trazer algumas conclusões.
Em primeiro lugar, parece claro como o impulso no sentido da consolidação do
sistema esteja destinado a prosseguir, pois estão ainda em processo, e assim também se
reforçam com o passar do tempo, os estímulos aos quais responde. Certamente
prosseguiremos com as operações através das quais as instituições, não mais em condições de
estarem no mercado, são adquiridas por bancos dotados de melhores recursos financeiros e
profissionais.
Em segundo lugar, no caso específico da Europa, a passagem para a moeda única
enfatizou a tendência à internacionalização da atividade de intermediação, e favorece o
3 Na Europa, o modelo de banco universal reconhece aos bancos a possibilidade de operar em títulos sem limitações; uma legislação avançada no setor financeiro favoreceu a difusão de estruturas de grupo com amplas articulações geográficas e setoriais, inclusive a combinação com o setor de securitização. Estas combinações se deram nos EUA, onde as restrições impostas pela regulamentação, embora substancialmente atenuadas e superadas no tempo, garantiram a proibição às aquisições de bancos comerciais por parte de bancos de investimento (mas não vice-versa) e às comissões entre bancos e companhias de securitização.
273
desenvolvimento de um amplo mercado de títulos privados, e posteriormente acentua os
impulsos concorrenciais, e conseqüentemente a centralização de recursos necessários à
expansão, a centralização de capital.
Enfim, são bem freqüentes as operações com as instituições de outras nacionalidades e
com intermediários especializados em âmbitos diferenciados. A este tipo de integração podem
participar em posição de relevo somente operadores de amplas dimensões, com rentabilidade
notável, portadores de elevadas competências profissionais.
Frente aos processos de concentração entre os grupos maiores, os bancos médios e
pequenos procuram ao contrário, seguir opções estratégicas diferenciadas.
Alguns continuam a perseguir objetivo de crescimento mediante aquisições de
empresas menores, outros ainda entraram em grupos de maiores dimensões ou estipularam
acordos participativos ou de colaboração com parceiros de elevada posição, freqüentemente
externos.
Além disso, aumentando o grau de abertura aos mercados financeiros, mediante a
cotação na Bolsa e a colocação de títulos, as empresas com maiores caracterizações locais vão
se configurando em medida crescente como bancos de distribuição, adquirindo do exterior os
produtos e serviços que não estão em condições de produzir por si só em níveis de custo
competitivo.
Todavia, o nascimento de grupos bancários de dimensões de absoluta relevância e,
mais em geral, o crescimento do grau de concentração, incrementando o grau de
complexidade organizativa dos intermediários, põe problemas de elevado porte em relação,
por exemplo, à ampliação da atividade externa e ao desenvolvimento das finanças.
Concluímos que o objetivo perseguido, ao menos até princípios da presente década, foi
amplamente alcançado: mais concorrência, aliada a um notável número de concentrações e da
criação de organizações, ao menos parcialmente, portadoras de “eficiência”.
274
As aquisições e fusões dos últimos anos e em curso estão redesenhando todo o quadro
do sistema financeiro em nível mundial. As relações de força, codificadas por antigas leis
bancárias e financeiras de decênios foram imersas em novas formas de emprego de
investimento e de poupança, pela expansão dos mercados financeiros, dando origem, assim, a
uma fase aguda de guerra financeira e do ciclo de concentração do setor. Nos próximos
capítulos veremos de que forma podemos compreender tal fenômeno na dinâmica mundial do
capitalismo contemporâneo, mais precisamente quais as implicações deste processo na
caracterização da fase atual do imperialismo.
275
Capítulo 5
O capitalismo contemporâneo O objetivo deste capítulo é analisar algumas das características da economia mundial,
no interior do qual podemos identificar aquele processo de concentração bancária analisado
nos capítulos anteriores, com a intenção de adquirir elementos para o entendimento de sua
lógica e seus determinantes, a lógica da acumulação capitalista.
Nos itens que seguem, apontamos determinados elementos que definem o atual estágio
de desenvolvimento do sistema capitalista, organizando uma série de dados sobre a economia
mundial, de maneira a contribuir para a caracterização atual do capitalismo.
5.1- O debate sobre as transformações no capitalismo contemporâneo
O estudo do fenômeno econômico que ocorre nos dias atuais tem suscitado profunda
análise no mundo acadêmico. Particularmente, os estudiosos têm demonstrado preocupação
na identificação ou rotulação de tal fenômeno, popularmente denominado “globalização”,
conforme apontamos no primeiro capítulo deste trabalho.
Cumpre observar, contudo, que ainda não se chegou a um consenso sobre o que
significa globalização. O termo é ainda discutido e tem suas fronteiras não delimitadas. De
forma geral e sucinta, costuma-se caracterizar o fenômeno em questão como o processo de
interação econômica em nível global, desencadeada pelo livre fluxo de comércio, capitais e
pessoas, que extrapolaria as fronteiras dos Estados nacionais. No entanto, o tema é tão
controverso que se questiona até mesmo o seu caráter recente e original.
Por um lado, a maior parte dos economistas concebe a existência de tal processo de
interação nos dias atuais, sendo os mais entusiastas desta idéia cunhados de “globalistas”. No
entanto, tal reconhecimento é questionado no mundo acadêmico.
276
Durante os anos 90 do século passado, vários autores passaram a identificar o final da
Guerra Fria como o despertar de uma nova fase chamada então globalização. Não obstante o
debate sobre a globalização ter início nos autores não-marxistas, este foi também difundido
entre vários marxistas. Dentre estes, alguns até pronunciaram o fim do que Lênin chamou de
imperialismo. Como exemplo Hosseini (2005) cita o Império (2000), no qual Michael Hardt e
Antonio Negri discutiram o fim da noção de imperialismo de Lênin e o alvorecer de uma
nova fase do capitalismo.
De fato, poucos conceitos se difundiram no mundo de modo mais rápido e intenso,
seja nos meios de comunicação de massa, seja na ciência. A literatura internacional,
especialmente a de origem anglo-saxônica e a de responsabilidade de organismos
internacionais, tais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, consagrou, a
partir do início da década de 80, o uso do termo globalização para caracterizar o processo
atual da organização da economia mundial.
Segundo Klagsbrunn (1998) um dos esforços mais produtivos no sentido de tornar o
conceito mais preciso, ao tentar identificar um fundamento teórico mais sólido, tem sido feito
no campo do marxismo. Dessa forma, nos remetemos à tradição da análise da economia
internacionalizada que vem de longa data, com base nos trabalhos de Hobson e marxistas
como Lênin, Bukharin, Rosa Luxemburgo e Hilferding. Mais recentemente na escola
francesa, em especial em torno de Chesnais (1996; 1998; 2003; 2005), verificamos
importantes contribuições. Este, ao dedicar todo o primeiro capítulo de seu livro
Mundialização do Capital (1996) para decifrar as palavras carregadas de ideologia, preocupa-
se em demonstrar que as palavras não são neutras, principalmente “global”e “globalização”.
O uso do termo globalização, de acordo com Marques (1996), traduz o intuito de
caracterizar a fase atual da economia mundial como “aquela em que o mundo se apresenta
sem fronteiras e as grandes empresas sem nacionalidades. Dessa forma, a globalização seria o
277
‘estado natural’ da economia mundial quando as forças do mercado se encontram liberadas
finalmente de seus entraves” (MARQUES, 1996, p.136). Corresponderia, de acordo com seus
defensores, às “mudanças globais” configuradoras de uma “nova ordem” ou mesmo,
conforme os mais deslumbrados, de uma “comunidade global”. Para os franceses, os quais
lançam mão do termo “mundialização”, trata-se na verdade de um estágio de desenvolvimento
do capitalismo, que se caracteriza por um aprofundamento da concentração do capital e de
uma nova forma de organização das empresas, pela financeirização e pela fragmentação.
Enfatizam portanto a ampliação da esfera da valorização do capital financeiro, crescentemente
autônomo em relação aos controles estatais, em medida bem menor a dos fluxos comerciais e,
menor ainda, dos investimentos produtivos, associando-a, embora não nos pareça evidente a
conexão entre as duas ordens de fenômenos, à mais recente revolução tecnológica engendrada
pelo capitalismo.
Fontes (2006), entretanto, alerta para o fato de que esta financeirização não pode ser
lida como simplesmente o ‘predomínio do dinheiro sobre a produção’. Esta deve ser
entendida como uma “alteração de escala no processo atual” (p.2), tendo em vista que
corresponde à necessidade crescente de remuneração dos portadores de capital a partir de
enormes massas de recursos ávidas por “rendimento”1 em escala, ritmo e extensão sempre
maiores.
Dentre os autores que adotam uma postura cética, destacam-se Hirst e Thompson
(2002), de acordo com os quais atualmente se observa apenas uma tendência à globalização.
Os estudiosos analisam a história da economia internacional a fim de demonstrar, por meio de
uma análise comparativa, que o que hoje é apontado como novo e específico da globalização,
na realidade, já há muito existia, caracterizando então esse fenômeno como um mito, tendo
em vista a ausência de processo de integração entre as diversas economias.
1 Conforme aponta a autora, render-se significa valorizar-se, produzir mais-valia, produzir sobretrabalho.
278
De fato, salientam tais autores que tal processo de integração se restringe às
economias mais desenvolvidas, verificando-se que os fluxos financeiros e de IED
(investimentos estrangeiros diretos) se concentram predominantemente nos países
desenvolvidos, o que descaracterizaria o caráter global do processo. Além disso, tais autores
não aderem à tese de uma economia globalizada, tal qual a querem os "globalistas",
apontando para o fato de que hoje ainda preponderam as multinacionais e não as empresas
transnacionais - e só estas, no entender dos autores, caracterizariam uma economia
plenamente globalizada, pela total ausência de identidade nacional.
Na maioria dos estudos sobre a globalização, conforme expresso anteriormente,
identificamos um entusiasmo com o intercâmbio internacional de setores produtivos
específicos, esquecendo-se do fato de que muitas outras áreas econômicas ficaram à parte do
fluxo comercial2. Ademais, tais postulados carecem de suporte histórico que os permitam ser
vistos como permanentes e evolutivos; ondas protecionistas geradas por períodos de crise e
recessão internacional costumam provocar retrocessos na liberalização internacional,
diminuição dos IEDs e mesmo retração nos níveis de participação do comércio externo para
valoração do Produto Interno Bruto (PIB). Esta percepção revela que não há modelo único e
contínuo de internacionalização da economia, não sendo factível, portanto, assegurar que as
economias liberais tornam-se cada vez mais “globalizadas”.
Tal qual Singer (1998), que ao descrever o histórico da globalização, a toma como “a
tendência a constituir uma economia mundial mediante a crescente integração de economias
locais e nacionais” que se inicia com os Grandes Descobrimentos dos séculos XV e XVI
(idem, p.35), Klagsbrunn (1998) aponta para o fato de que o intercâmbio comercial entre
2 Neste aspecto é possível fazer uma comparação com a discussão no interior da Organização Mundial do Comércio (OMC) onde a pauta de liberalização comercial caminha em torno de produtos de amplo interesse para os países “desenvolvidos” que os exportam, mas no que concerne aos produtos agrícolas dos países “em desenvolvimento”, há sempre um entrave.
279
países da I Guerra Mundial atingia uma importância comparável com a atual, em termos de
importância relativa ao volume das produções nacionais.
O período que compreende as duas guerras mundiais e sobretudo a grande depressão de 29-33 foram marcados por uma nova retração surpreendente do comércio mundial, só revertida após 1945, quando se inicia nova fase de expansão das trocas internacionais e, algo mais tarde, da atuação de grandes empresas sobretudo industriais em outros países (KLAGSBRUNN, 1998, p.2).
Os autores enxergam que houve uma exigência de posturas diferentes por parte dos
diversos atores internacionais. Contudo, apesar dessas mudanças, tanto as empresas, quanto os
Estados e as agências internacionais continuam a utilizar-se das instituições e práticas já
existentes para se adaptarem ao desenvolvimento da realidade, o que denota que tais
alterações não encerram tão forte e irrefreável novidade, nem implicam necessariamente a
adoção de um novo tipo de sistema econômico.
Tal postura é esposada também por Batista (1998). O que o autor irá atacar é
justamente o cerne da tese da globalização, o que é considerado o aspecto decisivo do
processo de internacionalização das décadas recentes: a sua ocorrência na esfera financeira.
Assim, é particularmente em combater a idéia de globalização financeira que o autor
concentra seus esforços, minimizando a alegada força e preponderância da esfera financeira.
Batista não enxerga esse grau de mobilidade do capital financeiro a ponto de caracterizá-lo
como realmente global. Em seu entendimento, os fluxos internacionais de capital e de IEDs
não são amplamente distribuídos, apontando para a preferência dos investidores na aplicação
no âmbito doméstico, ou, quando muito, restritos às principais economias avançadas.
Inicialmente o autor acima reconhece que é neste campo que “as transações
internacionais vêm apresentando expansão mais acentuada” (BATISTA, 1998, p.20).
Como o desmantelamento dos controles internacionais ocorreu em um período de desregulamentação dos mercados domésticos e de rápida inovação financeira e tecnológica, o resultado foi um dramático crescimento dos fluxos brutos de capital, especialmente desde os anos 80 (ibid, p.20).
280
De acordo com o autor (ibid, p.21), em 95, as transações financeiras brutas em títulos
e ações alcançaram um volume superior a 100% do PIB; em 1980 perfaziam menos de 10%.
Além disso, há um forte crescimento dos mercados de derivativos financeiros.
Hirst e Thompson (2002, pp.2-4) expõem os motivos que os levam a alegar a
inexistência, nos dias atuais, de processo de internacionalização econômica diverso do que
fora anteriormente as bases do comércio internacional no século XIX e início do século XX.
Dessa forma, os autores afirmam que: a) o atual estágio de internacionalização da economia
remonta um processo em curso desde o século XIX; b) a maior parte do comércio
internacional é derivada da produção de empresas multinacionais (CMNs) sendo, de fato, rara
a existência de empresas transnacionais CTNs; c) os fluxos de IEDs se concentram no âmbito
das economias desenvolvidas (na década de 1990, 80% dos IEDs eram transacionados entre
os países da OCDE); d) os fluxos internacionais de comércio não são auto-determinados pois
a cooperação em nível regulamentar proporciona capacidade de controle da economia
globalizada; e) os fluxos internacionais de investimentos não reduzem a eficácia das políticas
monetárias nacionais e os países de economia forte eram, no início do século XX, muito mais
afetados por tais investimentos que na década de 1980; f) o aumento da rapidez nas
comunicações não modificou radicalmente o ritmo das transações internacionais pois, desde o
século XIX, os cabos telegráficos submarinos permitiam eficiente comunicação entre as
praças de investimentos.
A partir destes pontos, o texto de Hirst e Thompson evidencia a necessidade de
diferenciarmos entre os termos globalização e internacionalização. Para estes, a versão
completa de globalização proporciona entendimento de que as economias domésticas passam
a ser determinadas por fluxos internacionais, restando às esferas decisórias nacionais, pouca
influência neste processo. O termo internacionalização denota que a economia de um Estado
torna-se livre concorrencial por meio de decisões dos governos de reduzir tarifas de
281
importação, privilegiar o setor externo de sua economia (por meio de políticas cambiais e
juros) e permitir acesso aos investidores estrangeiros às suas estruturas financeiras (ibid, p.4).
Os adeptos de uma plena globalização entendem que os governos nacionais perdem controle
sobre suas economias, promovendo visões por vezes destorcidas que geram falsa percepção
acerca das responsabilidades estatais no que concerne ao gerenciamento das crises
internacionais. Como alegado anteriormente, a internacionalização da esfera produtiva aponta
para uma predominância de empresas multinacionais sendo possível regulamentação e
cooperação internacional em nível estatal3. No entanto, os autores consideram que
modificações na estrutura do comércio internacional, ocorridas na década de 1970 com o
colapso do sistema de Bretton Woods, reduziram a participação estatal na economia
internacional e promoveram um acirramento da internacionalização das empresas. Tal
fenômeno não pode ser confundido com globalização; para Hirst e Thompson, globalização
significa o desenvolvimento de nova estrutura econômica, novas instituições e formas de
negociação, e não apenas mudanças na dinâmica do comércio internacional caracterizadas
pelo aumento dos fluxos de troca entre os Estados.
Os motivos que, concomitantemente, deram origem às mudanças rumo ao “mito da
globalização” na década de 1970 foram, entre outros, a) colapso do sistema inaugurado em
Bretton Woods (1944) e a crise do petróleo, que ensejaram o entendimento de que as políticas
econômicas nacionais passavam a ser ditadas por forças externas; b) elevada concentração de
eurodólares, que aumentou a concessão de empréstimos, sobretudo aos países do “terceiro
mundo”, e a busca das economias desenvolvidas por novos mercados externos; c) as
economias mais desenvolvidas abandonaram progressivamente os controles de câmbio e
outras regulamentações de mercado; d) recuperação da capacidade produtiva européia e
surgimento do Japão como potência econômica mundial; e) amadurecimento da indústria nos 3 Neste ponto é possível que tal termo seja utilizado para estabelecer paralelo com as idéias de Lênin (Imperialismo). Ao tratar dos cartéis e trustes (muitas vezes por meio de conglomerados) Lênin revela que, em verdade, já existe uma “regulação” internacional dos setores produtivos, embora alheia à esfera estatal.
282
países do “terceiro mundo”, passando a penetrar em alguns setores das indústrias dos países
mais desenvolvidos; f) flexibilização dos métodos de produção encerrando o fordismo,
difusão dos conceitos de logística aplicada aos custos de produção (just in time) (HIRST E
THOMPSON, 2002, pp.5 e 6)
Neste contexto de mudanças, observa-se declínio do ponto de vista, vigente na
década de 1950, de que o futuro do capitalismo ocorreria em meio à estabilidade e contínuo
crescimento por meio da ação estatal; surge, a partir dos anos 80, a percepção de que o
mercado internacional estava cada vez mais distante da proteção do Estado ao mesmo tempo
em que a competitividade determinava o sucesso das empresas internacionalizadas.
Noutro sentido, Chesnais (1996a) faz parte da corrente daqueles que entendem o
estágio atual da economia como uma nova fase, e não apenas como uma conjuntura de grau
mais acentuado de uma estrutura que se mantém, sem consistir verdadeira novidade. O autor
destaca a supremacia sem precedentes do capital financeiro, que agora concentraria os
recursos e investimentos outrora aplicados na esfera produtiva.
Ao falar em mundialização do capital, Chesnais (1996a) evidencia o caráter
geopolítico e a falta de homogeneidade da integração "global" desse processo econômico, o
qual não eliminou, até o momento, as fronteiras nacionais. A palavra "mundial", segundo o
teórico, teria ainda a vantagem de introduzir, com muito mais força do que o termo "global", a
necessidade de se construir instituições políticas mundiais capazes de dominar o movimento
dessa economia agora mundializada (CHESNAIS, 1996a, p.24).
Ainda que feita esta diferenciação, o próprio autor reconhece, contudo, a dificuldade
da difusão do termo mundialização. Aponta para tanto algumas razões: a primeira refere-se à
facilidade de disseminação do termo globalização, uma vez que tem origem no inglês, veículo
lingüístico por excelência do capitalismo; a segunda razão, mais preocupante, se ocupa da
falta de vontade das forças que atualmente regem os destinos do mundo em utilizar um termo
283
com maior nitidez conceitual e que ao mesmo tempo ressalta a necessidade de instituições
reguladoras.
Neste ponto, esta preocupação com a utilização do termo globalização de forma pouco
precisa está também presente nos já mencionados Hirst e Thompson, quando abordam as
graves conseqüências políticas do que eles consideram o "mito" da globalização. Para eles, a
rápida propagação do termo “globalização”, difundindo a idéia de uma força de integração
internacional irremediável e incontrolável tem forte influência e vem determinando o tom das
discussões nos círculos políticos e financeiros. O entendimento que fazem do assunto os
principais tomadores de decisões mundiais (key decision-makers) é de extrema importância, e
portanto, de acordo com os autores, deveria ser encarado como um alvo principal. Segundo
Hirst e Thompson (2002, p.4), há perigos reais em se manter uma visão exagerada do que
representa o fenômeno da globalização, gerando confusão na elaboração de políticas e
discussões públicas, sobretudo 1) ao reforçar a visão de que os atores políticos podem menos
do que de fato podem no sistema global atual, em favor dos atores econômicos e 2)
supervalorizando a força dos atores econômicos internacionais em detrimento das políticas e
dos atores nacionais.
Retomando a abordagem de Chesnais (1998), contudo, ao contrário da de Hirst,
Thompson e também de Batista, este reconhece um grau de internacionalização financeira
sem precedentes no processo histórico, um elemento novo no mundo econômico. A referência
de Chesnais à mundialização do capital pretende se referir a um fenômeno que ocorre não só
na esfera industrial e comercial, mas principalmente na esfera financeira. Para o autor, o setor
financeiro tem importância preponderante na economia atual, ao determinar a criação de um
espaço mundial fortemente hierarquizado, gerado pela liberalização e desregulamentação dos
sistemas monetário e financeiro nacionais. Nesse espaço, carente de instâncias de regulação e
284
controle, com sua unidade assegurada pelos próprios operadores financeiros, se manifesta a
hegemonia dos Estados Unidos, que têm o setor financeiro mais desenvolvido no mundo.
Neste mesmo sentido, posiciona-se Braga (1998, p.195), que concebe a
preponderância da esfera financeira sobre a produtiva. O autor brasileiro adota o termo
“financeirização global”, para denominar um novo "padrão sistêmico de riqueza", uma vez
que os capitais buscam sua valorização na esfera financeira, por mecanismos próprios desta
esfera.
É importante observar que, do mesmo modo que este processo de integração
financeira é compreendido de diferentes formas por estes autores já trabalhados, diversos são
também os critérios apontados por estes estudiosos para se detectar o grau de integração.
Para Thompson e Hirst, por exemplo, é difícil mensurar o nível de integração
financeira vigente, embora reconheçam na atualidade um desenvolvimento da atividade
financeira em decorrência do aumento dos empréstimos internacionais, das inovações e das
aglomerações financeiras. Segundo tais autores, o critério para avaliação da integração
financeira global seria avaliar o equilíbrio entre os diferentes mercados financeiros nacionais.
Isso pode ser verificado por diferentes fatores, tais como a diferença entre as taxas de juros,
preços de securities, fluxo de recursos e mobilidade de capital, extraindo-se daí que, quanto
maior o equilíbrio entre estes mercados, mais integrado está o mercado financeiro global.
Batista (1998, p.21), por sua vez, afirma que a integração financeira global pode ser
mensurada pelo volume e aplicação dos fluxos brutos de capital no âmbito externo, e pelo
grau de sincronização entre as taxas de juros de longo prazo nos países desenvolvidos. Neste
sentido, o autor considera que atualmente tais fluxos apresentam um forte viés em favor da
aplicação em mercados nacionais4 e que os países desenvolvidos encontram-se em estágios
4 BATISTA JR. op. Cit, p. 26: Neste sentido, explica o autor: “Em suma, quando se considera a introversão dos investidores institucionais dos países desenvolvidos e o peso dos mercados financeiros domésticos em comparação com os internacionais, fica claro que é prematuro admitir a existência de um mercado ‘global’ de capitais. É o que conclui, também, o já citado documento do FMI sobre a questão da ‘globalização’: “os
285
diferentes do ciclo econômico, com taxas de crescimento diferenciadas e regimes cambiais
diferenciados, com graus diversos de intervenção dos bancos centrais.
Para Chesnais (1998), a maior integração financeira pode ser depreendida a partir da
maior concentração geográfica e da mobilidade dos IEDs; pela maior volatilidade dos fluxos
financeiros de curto prazo; e pela preferência nas aplicações na economia nacional dos países
desenvolvidos. Isso implicaria a exclusão dos países em desenvolvimento do processo de
distribuição da riqueza mundial. O autor ressalta ainda que o aumento da integração
financeira nos últimos tempos pode ser observada pelo crescimento qualitativamente superior
da esfera financeira em relação aos investimentos, ao PIB e ao comércio exterior.
Já segundo Braga (op.cit., p.197), a integração financeira global pode ser avaliada pela
mobilidade, liquidez, rentabilidade e especulação na circulação mundial dos capitais
financeiros, operacionalizada pelos grandes conglomerados financeiros e corporações
industriais e comerciais multinacionais, multifuncionais e multi-setoriais.
Uma das questões fundamentais do fenômeno da globalização trabalhadas pelos
autores em debate, rapidamente mencionada acima, é a análise da forma como se relacionam
as esferas financeira e produtiva. A verificação (ou a refutação) de que na fase atual da
considerada globalização se alterou a forma como interagiam tais esferas, bem como a relação
de subordinação entre ambas, é fundamental para determinar o posicionamento dos autores a
favor ou contra a existência de uma nova estrutura da economia mundial, identificada como
globalização.
5.2 – Um breve mapeamento da economia capitalista atual
a) Sobre o comércio internacional
mercados financeiros tornaram-se crescentemente integrados, mas estão longe de formar um único mercado global”.
286
Em meio à confusão terminológica que busca caracterizar esta nova dinâmica do
comércio internacional, Hirst e Thompson (2002) tratam de diferenciar a Economia
Internacionalizada (idem, 2002, p.7) da Economia Globalizada (ibid, p.9). A Economia
Internacionalizada é um fenômeno antigo. Desde a segunda metade do século XIX as praças
de comércio internacional se encontram interligadas por redes de comunicação e o transporte
marítimo constitui o meio de difusão da produção manufatureira dos países industrializados.
Lembram os autores que como Lênin já afirmara em sua obra, Imperialismo, fase superior do
capitalismo, por volta de 1850, iniciou-se a formação de grandes oligopólios exportadores que
foram, em verdade, as primeiras companhias multinacionais a surgirem no planeta. Até a
Primeira Guerra Mundial, a liberalização do mercado de trabalho internacional possibilitava
ampla mobilidade entre os países (certamente muito superior que a migração pós-Segunda
Guerra). Após 1945, surgiram instâncias propulsoras do comércio internacional, como o
GATT e ampliou-se consideravelmente a mobilidade de capitais.
Contudo, a maior parte do comércio entre os países é feita por CMNs; os principais
atores continuam sendo as economias nacionais e setores políticos internos são plenamente
capazes de ditar o ritmo de liberalização das economias de seus países5 demonstrando nítida
separação entre as políticas doméstica e externa. Ao tratar da Economia Globalizada, Hirst e
Thompson afirmam que nesta os principais atores são as CTNs que se movem livremente
entre os Estados por meio de IDEs. Não havendo sede fixa para as empresas, os fluxos de
comércio internacional seriam ditados pela capacidade dos países em atrair investimentos por
meio de qualidade do mercado de trabalho, baixos impostos e estabilidade política e
financeira. As forças de mercado se sobrepõem às políticas monetárias internacionais. A
economia globalizada possibilita o surgimento de um sistema internacional multipolar uma
vez que o capital torna-se apátrida e livre para se mover. 5 Para exemplificar este fenômeno, é possível falar do protecionismo agrícola europeu e das políticas de proteção a setores específicos da economia dos EUA, como no caso dos produtores de aço e algodão, que foram alvos de contestação na OMC.
287
Os autores são bastante reticentes em aceitar que o atual estágio do comércio
internacional contemple uma situação próxima da plena globalização econômica. Primeiro,
eles verificam que as principais estruturas de comércio internacional são derivadas de um
sistema inaugurado no século XIX que, com o passar do tempo, recebeu inovações
tecnológicas, mas manteve a dinâmica do comércio baseada em CMNs. Embora tais
companhias tenham espalhado suas unidades produtoras ao redor do planeta (auxiliadas pelos
novos conceitos de logística e customização), preservam matrizes em seus países de origem,
onde geralmente centralizam seus setores de desenvolvimento de projetos e inovações – hoje,
a parte mais importante da produção. Segundo, apontam que o crescente regionalismo dos
blocos econômicos deixa clara a capacidade reguladora dos Estados; até mesmo na OMC, as
negociações ocorrem entre países e não entre empresas diretamente. Assim sendo, o Estado é
o elemento central da economia, cabendo a denominação de internacional. Ademais, a maior
parte do comércio exterior ocorre entre economias industrializadas (que no todo deve
representar algo em torno de uma dezena de países) demonstrando que a integração
econômica do planeta ainda está longe de se completar.
Por fim, os autores ressaltam que o contrário de uma economia globalizada não é
uma economia voltada para seus mercados internos, mas sim uma economia internacional
composta por nações exportadoras e CMNs favorecidas pela maior mobilidade de
investimentos, desde a década de 1970. A economia internacionalizada atinge, nos dias
atuais, maturidade capaz de erigir instâncias supranacionais de regulação nas quais os Estados
submetem suas controvérsias comerciais. Este parece ser para Hirst e Thompson, um cenário
bastante próximo da realidade da economia internacional, dando-lhes esperança de que o
futuro seja marcado pelo aprofundamento das instâncias reguladoras capazes de reduzir as
desigualdades do comércio entre os países.
288
b) Sobre a financerização O aspecto financeiro da economia mundial é que se torna mais proeminente na
contemporaneidade. Um dos autores que mais discute este aspecto do capitalismo
contemporâneo conforme já pudemos ver na primeira seção deste capítulo é Chesnais (1998).
Para este, a esfera financeira representa a ponta-de-lança do movimento de mundialização da
economia; é nessa esfera que as operações do capital envolvem os montantes mais elevados; é
aí que sua mobilidade é maior; é aí que, aparentemente, os interesses privados recuperaram
mais completamente a iniciativa em relação ao Estado (ibid, p.11).
Para o autor, a mundialização é extremada, mas bastante peculiar. A expressão
mundialização financeira designa as estreitas interligações entre os sistemas monetários e os
mercados financeiros nacionais, resultantes da liberalização e desregulamentação adotadas,
inicialmente pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, entre 1979 e 1987, e nos anos
seguintes, pelos demais países industrializados. A abertura externa e interna dos sistemas
nacionais, anteriormente fechados e compartimentados, proporcionou a emergência de um
espaço financeiro mundial, o qual apresenta algumas peculiaridades: i ) fortemente
hierarquizado, dominado pelos Estados Unidos, em função da posição do dólar e das
dimensões dos mercados norte-americanos de bônus e ações; ii ) carência de instâncias de
supervisão e controle; iii ) unidade dos mercados financeiros, assegurada pelos operadores
financeiros, uma vez que a interligação nasce das operações que transformam uma
virtualidade técnica (tecnologia das telecomunicações e da informação) em fato econômico
(ibid, p.12).
Uma das principais dimensões daquilo que Chesnais caracteriza como ascensão do
setor financeiro diz respeito à relativa autonomização da esfera financeira em relação à
produção e, sobretudo, em relação à capacidade de intervenção das autoridades monetárias.
289
Para Chesnais (ibid, p.15), o “inchaço” da esfera financeira tem suas raízes em uma
parcela elevada dos rendimentos advindos da produção que é captada ou canalizada em
benefício da esfera financeira e transferida para esta e, depois dessa transferência, acontecem
os processos, em boa parte fictícios, de valorização, fazendo inchar ainda mais o montante
nominal dos ativos financeiros. Ademais, o crédito concedido aos países em desenvolvimento
através da reciclagem dos petrodólares permitiu os países da OCDE superarem a recessão de
1974/1975 e deu origem à dívida externa esmagadora dos países do chamado “Terceiro
Mundo”, levando os países do Sul a remeterem dinheiro para os países do Norte, para
pagamento dos juros.
Diferentemente da mundialização do período que se encerrou em 1914, naquela que se
evidencia na fase atual, ainda segundo Chesnais, os investimentos diretos são inferiores ao
que haviam atingido no início do século e estão agora bem mais concentrados do que naquela
época e mais propensos a se desvencilharem rapidamente. Quanto à natureza dos fluxos
financeiros e sua volatilidade, não corresponde à realidade do mundo contemporâneo uma
“irradiação planetária pelos capitais”, sendo as atuais finanças de mercado mais excludentes
do que as formas de internacionalização precedentes, penalizando os países em vias de
desenvolvimento, que não possuem um mercado financeiro “emergente” capaz de se integrar,
tampouco empresas capazes de atuar nos mercados de títulos e ações dos grandes países
industrializados.
Com base nesses aspectos, Chesnais (ibid., p.16) identifica a gênese de seu conceito de
mundialização financeira, ou seja, a adoção do regime de câmbio flexível após a revogação
unilateral do sistema de Bretton Woods; a securitização da dívida pública pelos principais
países industrializados e; as políticas de desregulamentação e de liberalização financeira, que
acabaram desmantelando a maioria dos mecanismos de supervisão e controle da esfera
290
financeira, que haviam sido criados após o crash de 1929 e no fim da Segunda Guerra
Mundial.
Para o autor, a mundialização financeira nasceu do processo de interação, ao longo de
uns quinze anos do final do século XX, entre o movimento de fortalecimento do capital
privado – tanto industrial como bancário – e o crescente impasse das políticas
governamentais.
A mundialização financeira não pode ser compreendida fora do que os regulacionistas
chamam de “crise do modo de regulação fordista” (ibid., p.19) e que os marxistas descrevem
como ressurgimento, num contexto determinado, de contradições clássicas do modo de
produção capitalista mundial, que haviam sido abafadas entre 1950 e a recessão de 1974, não
obstante a crise do capitalismo já mostre seus sinais ainda em 1968/69.
Chesnais (1998, p.25) descreve a mundialização financeira a partir da identificação de
três etapas:
• Etapa da internacionalização financeira indireta:
Década de 1960 – coexistência de sistemas monetários e financeiros
compartimentados, com finanças administradas e internacionalização financeira
limitada. No entanto, surge o mercado paralelo de eurodólares, externo aos
sistemas financeiros nacionais. Bancos eram as instituições financeiras
dominantes. No fim dessa década, houve o retorno das finanças especulativas, com
os grandes ataques cambiais contra a libra esterlina e contra o dólar, prenunciando
o fim do regime de câmbio fixo. Esses elementos como um todo marcam o fim da
fase de acumulação ininterrupta dos “trinta anos gloriosos”, o momento em que
amadurecem as contradições nascidas durante essa fase.
Década de 1970 – revogação do sistema de Bretton Woods, pelos Estados Unidos,
para solução do déficit comercial. Fim do padrão-ouro para o dólar.
291
Sistemas de taxa de câmbio flexíveis, gerando instabilidade monetária crônica. O
mercado de câmbio foi o primeiro compartimento a entrar na mundialização
financeira conteporânea, sendo o compartimento no qual uma parcela
especialmente elevada dos ativos financeiros procura se valorizar, preservando, ao
mesmo tempo, a máxima liquidez;
• Etapa da desregulamentação e liberalização financeira:
Inicia-se em 1979-1981, após a nomeação de Paul Volcker para o Federal Reserve
e da ascensão de Margaret Thatcher ao poder. Fim do controle dos movimentos de
capital com o exterior (entradas e saídas), ou seja, abertura externa dos sistemas
financeiros nacionais. Amplo movimento de desregulamentação monetária a
financeira, com rápida expansão, na década de 1980, dos mercados de bônus
interligados internacionalmente. A formação dos mercados de bônus liberalizados
atendeu às necessidades de financiamento dos déficits orçamentários dos governos
dos países industrializados. Era das taxas de juros reais positivas, podendo os
investidores financeiros determinar o nível de remuneração dos empréstimos. Era
do credor vitorioso. Regresso do capital especulativo. Mercados de títulos públicos
tornaram-se a “espinha dorsal” dos mercados de bônus internacionais. Instituições
dominantes deixaram de ser os bancos e passaram a ser os mercados financeiros e
as organizações financeiras não-bancárias.
Quanto à terceira etapa do processo de mundialização financeira, a de abertura e
desregulamentação dos mercados acionários, generalização da arbitragem e incorporação dos
mercados emergentes, Chesnais alega que vieram com um pouco de atraso em relação ao
mercado de Bônus, tendo estourado em 1986 na City (Londres), forçando as outras praças a
acelerarem seu processo de liberalização. A Interligação dos mercados acionários é menor do
que a dos mercados de câmbio de bônus. A contaminação dos mercados durante as crises
292
reflete menos uma interligação das praças do que o mimetismo da reação dos investidores,
justificada essa reação nervosa dos investidores pelo caráter fictício dos seus títulos ou pelos
níveis totalmente irreais de capitalização. Os gestores das principais carteiras de ativos
adotam procedimento para cruzar o “preço” das divisas e o nível das taxas de juros, bem
como tomam decisões de arbitragem e especulação, com conseqüências consideráveis para as
políticas macroeconômicas, com grande amplitude nos países de industrialização recente e
seus mercados financeiros “emergentes” (CHESNAIS, 1998,pp.26 e 27).
De acordo com este autor, os Estados Unidos, o FMI e seus representantes locais,
conforme as receitas neoliberais, esforçaram-se para conseguir a abertura dos mercados
financeiros dos novos países industrializados, a passagem à securitização da dívida pública e à
formação, nesses países, de mercados de bônus nacionais interligados aos mercados
financeiros dos países do centro do sistema. Na maioria desses novos países “emergentes”, as
aplicações em bônus ganham, de longe, das aplicações em bolsa.
É também desta fase, segundo Chesnais, que data a série de choques e sobressaltos
financeiros, que se apresentam como componente, em profundidade, do modo de
funcionamento do sistema mundializado de finanças diretas, em que as instituições principais
são os mercados e as bolhas especulativas são parte integrante da vida econômica.
Abordando acontecimentos relativamente recentes relacionados à moeda e à atividade
bancária, Guttmann (1998) analisa a manifestação das elevadas taxas de juros nas
imprevisíveis taxas de câmbio ou no caráter volátil dos mercados, submetendo o sistema
econômico a fortes tensões. Estas se devem também à dominação do capital fictício.
Guttmann (ibid., p.77) remete-se a Marx, ao afirmar que este já descrevia as principais
fontes do capital fictício: ações cotadas na bolsa, títulos da dívida pública e a moeda de
crédito propriamente dita. A alusão de Marx à moeda de crédito como capital fictício referia-
293
se unicamente à moeda fiduciária a descoberto de reservas de ouro; segundo Guttmann, hoje
se opera unicamente com moeda sob esta forma.
A fim de reforçar seu argumento, Guttmann ressalta que a moeda de crédito
compreende tanto o capital de empréstimo quanto o capital fictício. Na década de 1960,
predominou o aspecto de capital de empréstimo. Na década de 1970, houve crescimento dos
empréstimos bancários, em razão da crise inflacionária. Em conseqüência, houve diminuição
da oferta de crédito. Os bancos passaram a preferir o mercado de títulos, pela sua liquidez e
segurança. As empresas, assim como os bancos, passaram a investir em títulos.
O crescente envolvimento dos bancos comerciais nos mercados de títulos foi um dos
fatores cruciais da predominância do capital fictício segundo o autor. Os bancos passaram a
conceder financiamento para investimento em mercados de títulos.
A volatidade das taxas de câmbio e das taxas de juros gerou novos instrumentos para
cobertura de riscos de preços, criando mais capital fictício. Trata-se dos instrumentos
financeiros a prazo (contratos a prazo de câmbio ou contratos a prazo baseados em índice de
bolsa), derivativos, “swaps”. Podem ser usados como instrumentos de cobertura ou para
apostas de tipo especulativo sobre o comportamento dos preços dos mercados subjacentes aos
quais estão ligados, com ganhos potenciais nos dois sentidos do movimento de preços (em
alta ou em baixa), desde que tal movimento tenha sido corretamente previsto.
(...) A liberalização financeira de capitais, sem fronteiras, deu mais poder às operações especulativas, como força determinante da evolução da economia mundial. (...) A atuação conjunta de especuladores pode destruir facilmente a capacidade dos bancos centrais de defenderem suas moedas contra ataques concentrados. De passagem, eles provocam mudanças na política econômica dos governos “assediados”. O aspecto de mercadoria privada da moeda tem aí sua expressão mais violente, pois os bancos e empresas dedicam-se ao comércio de divisas como se fossem mercadorias e fazem apostas de curto prazo sobre os resultados econômicos e sobre as políticas dos países (GUTTMANN, 1998, p.83).
Conforme vimos anteriormente, os instrumentos de especulação financeira podem
prosperar relativamente isolados do resto da economia. O capital de empréstimo depende
diretamente dos lucros industriais, enquanto que o capital fictício, “embora se alimente de
294
transferências cujas raízes estão na produção real, não se identifica com o capital produtivo
utilizado na indústria” (ibid., p.83). No entanto, sua autonomia é apenas relativa, não estando
o capital fictício imune a qualquer crise econômica.
Os efeitos causados em algum ponto dessa estrutura em teia de aranha podem ter repercussões e efeitos de contágio potencialmente mais significativos. (...) Até agora, essas crises foram administradas com eficácia pelos bancos centrais, que injetaram grandes quantias de fundos líquidos nos mercados financeiros, antes que o curto-circuito se tornasse incontrolável. Intervenções desse tipo “socializam os prejuízos”, repartindo-os num espaço social maior ou escalonando-os no tempo (ibid., p.83).
O autor partilha a opinião de Chesnais, no sentido de que a atual mundialização do
capital é sem precedentes.
c) A economia mundial
Uma importante descrição e interpretação sobre as formas de movimento da economia
mundial atual podem ser encontradas nas análises de Caputo (1997) sobre o capitalismo
contemporâneo. O autor afirma, primeiramente, que a economia mundial passa por longos
períodos de grande integração (globalização) e períodos de baixa integração. Os primeiros
caracterizam-se por um aumento das relações econômicas internacionais, por um
desenvolvimento das economias nacionais baseado em um desenvolvimento para fora,
predomínio do livre comércio, etc.
Os períodos de integração desenvolvem múltiplas contradições que levam a rupturas transitórias e a rupturas mais fortes ou com uma permanência maior no tempo. Estas rupturas dão vez a um processo de integração mais débil. Nesta situação se produz uma diminuição das relações econômicas internacionais e, associado a isto, um predomínio do protecionismo. A modalidade de acumulação se transforma em desenvolvimento fundamental para dentro (CAPUTO, 1997, p.2, tradução nossa)
A “atual globalização”conforme denomina Caputo (2006a) caracteriza a economia mundial
contemporânea, tal qual aquela etapa prévia à crise dos anos 80. E apresenta uma etapa de alta
integração dos processos produtivos mundiais e da circulação. Segundo o autor, “já estava presente a
força da fase de produção e circulação de mercadorias por sobre as atividades financeiras” (CAPUTO,
2006 a, p.1).
Segundo o autor, o movimento cíclico se expressa nesta totalidade. As crises cíclicas
se manifestam como crises do mercado mundial, onde há uma tendência à desproporção no
295
desenvolvimento setorial e por ramos das economias nacionais. Através deste movimento a
tendência à proporcionalidade no mercado mundial se rompe profundamente,
impossibilitando as superações da desproporcionalidade nas economias nacionais através do
mercado mundial.
A seguir, procederemos com a apresentação de algumas características da economia
capitalista atual.
De acordo com Caputo (2006b), é possível que o capitalismo mundial esteja passando
para uma etapa em que o capital se faz relativamente abundante. Junto com o capital que se
amplia pelos incrementos da produção e dos lucros, o capital-dinheiro tomou força crescente,
tendo sua origem nos Fundos de Pensão, os quais em sua origem correspondem a uma parte
da massa salarial, que de poupança em dinheiro se transforma em capital dinheiro. Neste
sentido também atuam os fundos de investimento, que captam poupanças de múltiplos setores
e lugares, incrementando a disponibilidade de capital.
Caputo cita um informe recente, abril de 2006, do FMI afirmando, com base no
comportamento das últimas décadas do século XX, que as taxas de juros de longo prazo
medidas em termos reais e nominais têm sido muito baixas, bem como as taxas reais de longo
prazo dos bônus do governo. O autor utiliza tal anúncio para mostrar que em uma perspectiva
histórica, tais taxas de bônus parecem inéditas, se comparado com período de 1870 até início
da Primeira Guerra Mundial. Para compreender tal movimento, o autor lança mão de algumas
reflexões de Marx, em uma perspectiva histórica, o qual argumenta que existe também uma
tendência da taxa de juros à margem das oscilações da taxa de lucro; uma tendência que
obedece a duas causas fundamentais: à medida que se desenvolve a riqueza, surge e vai
crescendo cada vez mais uma classe que vive da posse de fundos; na mesma proporção que
cresce a classe de rentistas cresce também a dos prestamistas de capital. (idem, p.2)
296
A segunda causa da tendência de baixa da taxa de juros apontada por Marx, ressalta
Caputo, se deve ao desenvolvimento do sistema financeiro, dado que o desenvolvimento do
sistema de crédito permite aos industriais e comerciantes, através dos banqueiros, dispor cada
vez mais das poupanças de todas as classes da sociedade e concentrar progressivamente tais
poupanças, formando massas em que podem atuar como capital-dinheiro, o que faz pesar
sobre a taxa de juros.
Hoje, conforme o documento do FMI, afirma-se que nos últimos anos, as instituições
financeiras têm um excedente de poupanças, porém assinala também que as empresas
produtoras de bens e serviços aumentaram seus próprios fundos.
As corporações financeiras registraram uma posição positiva e crescente de excedentes de poupança desde os anos 90. Os desenvolvimentos do setor financeiro estão relacionados a fatores estruturais que são específicos das instituições financeiras e portanto parecem ser parte de uma tendência de longo prazo (FMI apud CAPUTO, 2006b, p.2, tradução nossa)
De acordo com o documento, as instituições possuem um excesso de recursos (por
exemplo, os lucros não distribuídos superaram os gastos de capital) desde inícios da década de
1990, gerando um forte incremento dos lucros não distribuídos, alcançando em 2004 o maior
valor de excedentes nas últimas décadas (ibid, p.3).
No que se refere à poupança privada das empresas e das famílias, Caputo mostra que
nas primeiras, especificamente no caso dos países do G-7, houve um forte incremento nas
últimas décadas, contrastando com um secular declínio da poupança das famílias. O excesso
de poupança das empresas não financeiras dos países do G-7 nos anos recentes em função da
queda da taxa de juros real, devido à inflação, de acordo com o documento do FMI, é
considerado por este organismo como sem precendente.
Para Caputo (idem), esta transformação dos fluxos anuais nos últimos anos é tão
grande que leva o FMI a inserir um capítulo especial no documento sobre a abundância de
efetivos nas empresas, o qual aponta a acumulação de ativos nas empresas como aspecto
297
central da baixa nas taxas de juros mundial e de longo prazo e o excesso de poupança das
empresas não financeiras desde 2000 impulsionado pelo incremento dos lucros.
Durante 2003-04, (el año más reciente del que se disponen datos) las empresas en los países del G-7, acumularon US$ 1 billón 300.000 millones en activos financieros. Esta cifra es más del doble del tamaño de los superávit en cuenta corriente de los países de mercados emergentes y en desarrollo en el mismo período, y adquirió notoriedad cuando el Presidente de la Reserva Federal, Ben Bernanke, se refirió a ella como una “saturación del ahorro”mundial (FMI apud CAPUTO, idem, p.3).
Segundo Caputo, o próprio documento reconhece dois fatos importantes: o predomínio
do capital produtivo, portanto, diminuição da dependência do capital financeiro e o excesso de
capital na atualidade. Entretanto, ressalta Caputo, a diminuição da escassez relativa de capital
que poderia levar a uma mudança qualitativa positiva para a sociedade, pode também levar a
uma grande crise, provocando grandes desvalorizações de capital-dinheiro e de capital
produtivo.
Quanto ao predomínio do capital produtivo e a diminuição da dependência do capital
financeiro, Caputo (2006 a) afirma que uma das transformações ocorridas na economia
mundial diz respeito à relação entre o capital financeiro e o capital produtivo e se debruça
sobre uma comparação entre a América Latino e a situação dos EUA.
O gráfico 5.1 mostra que no período 1980-1990, os juros líquidos sobre os lucros das
empresas não financeiras dos EUA estavam em torno de 43%. Em 1990, alcançou os 60%; em
1991, esteve em torno de 55% e, desde então, baixou sistematicamente (da mesma forma que
aponta o documento do FMI). Nos últimos anos antes da recessão do início desta década, os
juros líquidos sobre os lucros das empresas não financeiras nos EUA chegam em torno de
22%. Segundo o autor, isto indica a ausência do predomínio que em décadas anteriores
exerceu o capital financeiro sobre as empresas produtoras de bens e serviços nos países
desenvolvidos nos Estados Unidos.
298
Gráfico 5.1: Juros líquidos sobre os lucros
Fonte: Elaborado a partir de dados de Economic Report of the President, 2001. Extraído de CAPUTO (2006 a, p.1).
Já no que diz respeito à América Latina, o autor indica que há uma combinação entre o
poder do capital financeiro e do capital produtivo, ou seja, uma atuação conjunta (o primeiro
relacionado com a dívida externa da região e o segundo, com os investimentos diretos) que
possibilita a desnacionalização das primeiras empresas latino-americanas e o elevado nível da
dívida externa.
Os baixos níveis da taxa de juros nos países desenvolvidos nos últimos anos estariam
reafirmando a liberalização do capital produtivo nos países centrais em relação ao capital
financeiro, e por outro lado, a atuação conjunta na América Latina, expressa na realização dos
investimentos diretos com grandes créditos internacionais associados. Tais dados levam
Caputo a reforçar sua hipótese de que a economia mundial atual não se encontra marcada pelo
predomínio do capital financeiro, pois com o aumento dos lucros e com a diminuição dos
juros parece suficiente aos seus olhos, para afirmar que o capital produtor de bens e serviços
não financeiros nos países desenvolvidos se libertaram intensamente da dependência do
299
capital financeiro. Dependência esta que levou à caracterização do capitalismo das últimas
décadas como aquele dominado pelo capital financeiro6.
(...) constitui um erro seguir considerando que a economia mundial capitalista na atualidade está dominada pelo capital financeiro. São as grandes empresas mundiais produtoras de bens e serviços as que comandam o capitalismo mundial apoiadas no capital financeiro. (...) Uma das transformações mais importantes é a profunda mudança que se processou entre as diferentes formas do capital nos países capitalistas desenvolvidos e particularmente nos Estados Unidos (CAPUTO, 2006 a, p.2, grifo nosso).
Uma das preocupações com a descrição do capitalismo contemporâneo concerne à
manifestação da relação entre capital e trabalho, que com o predomínio do capital produtivo
sobre outras formas de capital aparece com maior significado. Ao passo que do contrário, a
relação fundamental aparece entre capitais e a relação capital X trabalho orientar-se-ia em
menor nível.
No que se refere à diminuição da escassez relativa de capital, outro fato importante
assumido pelo autor, referindo-se ao documento elaborado pelo FMI e inclusive por sua
sinalização de uma eventual crise, em outro texto apresentado em 2007, Caputo analisa
justamente as seis crises cíclicas internacionais a partir dos anos 70 e a possibilidade de uma
sétima crise cíclica a partir de uma crise nos EUA.
A globalização que caracteriza a atual etapa da economia mundial nas três últimas décadas está associada ao funcionamento mais livre dos mercados. Em oposição às formulações teóricas, a partir dos anos 70, com a globalização se apresentaram seis crises cíclicas internacionais, das quais quatro se registraram nos últimos dez a doze anos, a partir de 1991. Isto reflete claramente a acentuação do movimento cíclico e a presença muito mais periódica das ditas crises (CAPUTO, 2007, p.12, tradução nossa).
Segundo o autor, a atual situação da economia mundial pode se apresentar da mesma
forma que em 1974-75 como uma superprodução de produtos industriais e uma subprodução
ou escassez de matérias-primas e energéticos, e possivelmente, de alimentos. Daqui se parte
para a hipótese da eventual sétima crise.
6 Cf. primeira seção deste capítulo para maior esclarecimento, dado que neste expusemos os principais argumentos de Chesnais, um dos autores que mais defende esta tese.
300
Tal hipótese é apontada a partir da análise de alguns aspectos da situação atual da
economia mundial que levariam a uma crise cíclica, a qual por sua vez conduziria a uma
reestruturação da economia mundial com base nos blocos regionais.
No se deve descartar la posibilidade de una crise cíclica profunda de la economia mundial como la de los años 30, que conduzca a uma ruptura de la globalización y de paso a uma reestruturación de la economia mundial em base a bloques regionales (CAPUTO, idem, p.14).
A despeito de nossa divergência em relação ao autor quanto a uma ruptura da
globalização enquanto contraposição à tendência à formação de blocos regionais, com a qual
não concordamos, visto que um dos aspectos do fenômeno denominado globalização é
justamente a sua configuração a partir de blocos econômicos, devemos considerar procedentes
as informações e os dados trazidos pelo autor no que se refere à economia norte-americana do
final dos anos 1990 aos dias atuais.
Ao analisar a taxa de crescimento do PIB nos EUA de 1998 a 2007 (gráfico 5.2), o
autor mostra que a crise no setor imobiliário se manifestou depois de uma forte recuperação
da taxa de crescimento do PIB no segundo trimestre. Independentemente da discussão sobre a
possibilidade da crise, vale observar nos gráficos abaixo como se apresenta uma das fortes
economias no cenário mundial no início do século XXI.
Gráfico 5.2: Taxa de Crescimento do PIB nos EUA (1998 ao segundo trimestre de 2007)
-2
-1
0
1
2
3
4
5
6
7
8
1998 I 1999 I 2000 I 2001 I 2002 I 2003 I 2004 I 2005 I 2006 I 2007 I
Fonte: Extraído de CAPUTO (2007), p.15.
301
Gráfico 5.3: Lucros das empresas (milhões de dólares) nos EUA 1959 ao primeiro trimestre de 2004
0100200300400500600700800900
1000110012001300
1959
1962
1965
1968
1971
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
I-200
4
Ganancias (corrientes) Ganancias (US$ 2000)
Fonte: extraído de CAPUTO (idem, p.18). Conforme podemos identificar no gráfico 5.4, os lucros totais dos EUA posterior à
crise de inícios da década continuaram crescendo de forma muito significativa, inclusive em
2006, quando o setor imobiliário estava em sérias dificuldades. Os lucros no segundo
trimestre de 2007, até junho, cresceram superando a leve queda do primeiro trimestre e
superando amplamente os lucros de 2006.
Gráfico 5.4: Lucros totais dos Estados Unidos, de 1998 ao segundo trimestre de 2007
(milhões de dólares) Ajustadas por Inventários e Desgaste do Capital Fixo
802 851 818 767886
993
12311373
1554 15481642
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
199
8
199
9
200
0
200
1
200
2
200
3
200
4
200
5
200
6
2007
I
2007
II
Fonte: extraído de CAPUTO (idem, p.19).
302
De acordo com Caputo (2007), a globalização da economia mundial permitiu uma
reestruturação da economia interna dos EUA e uma grande presença na economia mundial.
Os lucros provenientes do exterior de 1998 a 2007 se apresentam de forma crescente nas
economias totais dos EUA e nos lucros da indústria doméstica, o que lhes tem permitido
enfrentar a crise do setor imobiliário e daqueles orientados para o interior em geral (ver
gráfico 5.5).
Gráfico 5.5: Estados Unidos: Lucros do Exterior 1999-2007 (milhões de dólares)
1
147 177 203 183 204
249316
359420
449 483
0
100
200
300
400
500
600
998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 I 2007 II
Lucros vindos do exterior Lucros enviados ao exterior Saldo lucros enviados e recibidos
Fonte: idem, p.20.
Se estendemos esta análise para o países do G-7, novamente Caputo (2002a), através
das estatísticas da OCDE7 destaca que a taxa de lucro aumenta fortemente a fins dos anos
1990, superando a taxa média da década de 1970. O quadro 1 e o gráfico 5.6 revelam uma
média da taxa de lucro no período de 1996-98 de cerca de 21%, enquanto a média para a
década 1970-80 foi de cerca de 17%.
7 “O autor utiliza Economic Outlook, dezembro 1997. Neste documento se assinalam alguns problemas metodológicos. Entre eles está a situação dos trabalhadores por conta própria. As séries das taxas de lucro que publica a OCDE têm diferentes magnitudes em diferentes informes, por exemplo, a de junho de 1997. Entretanto, correm mais ou menos paralelas. Como comportamento tendencial é correto fazer a análise. Em Economic Outlook de dezembro de 1999, a publicação dos quadros estatísticos sobre a taxa de lucro está suspenso temporariamente” (CAPUTO, 2002a, p.9).
303
Os dados mostram ainda que o crescimento da taxa de lucro recupera os níveis de
período prévio à crise de crescimento lento que se inicia a fins dos anos 60 e princípios dos
70. A taxa de lucro no ano de 1970 para o G-7 – de acordo com cifras da OCDE de dezembro
de 1988 e junho de 1989 – é de 23%, entretanto, este nível está muito influenciado pelo
Japão,que registra uma taxa de 37%. Quanto à taxa de 21%, no período de 1996-98 para o G-
7 está influenciada pela baixa taxa de lucro do Japão neste período relacionada com a crise
deste país.
Quadro 5.1: Taxa de lucro nos países do G7 (a) (média)
1970-80
1981-83 1984-86 1987-89 1990-92 1993-95
1996-98
% de crec. (96-8)/(70-80)
EU 19,4 18,5 21,8 22,9 23,8 26,0 28,4 46,6 Canadá 15,0 15,3 17,2 17,3 14,8 15,5 16,1 7,1 Reino Unido 10,0 9,0 9,9 10,0 9,3 11,9 12,6 25,7 Itália 11,9 11,5 13,1 14,3 13,9 14,7 15,0 26,3 França 14,3 11,7 13,0 14,9 15,3 15,4 16,1 12,4 Alemanha 13,3 11,1 12,1 12,7 13,1 13,2 15,2 14,3 Japão 16,9 13,0 13,6 14,4 14,7 13,1 12,8 -24,3 Total 16,9 14,9 17,0 18,0 18,3 19,3 20,7 22,5 Fonte: Elaborado a partir de Outlook OCDE, dezembro de 1997. (a) Trata-se da Taxa de retorno sobre o capital no setor de negócios. Extraído de CAPUTO (2002a, p.10). Podemos perceber que a taxa de lucro dos EUA sobressai frente ao resto das
economias do G-7 alcançando no período 1996-98 uma taxa de 28,4%, o que significa 47%
mais que a taxa média do período 1970-80 e cerca de 54% mais que a da crise de inícios dos
anos 80.
Segundo Caputo, este corresponde a um processo geral dos países capitalistas
desenvolvidos, ou até mesmo no mundo, encabeçados pelos EUA, seguindo com um
relativo atraso, porém de forma ascendente, o restante dos países do G-7, exceto Japão,
conforme podemos observar no quadro 1.
304
Com base no gráfico 5.7 Caputo aponta para o fato de no conjunto dos países do G-7,
com exceção dos EUA, poduzir-se uma clara tendência à igualação da taxa de lucro, a qual
deve ser entendida como um processo de igualação da taxa de lucro geralmente diferente
entre os países. Sua substância é a concorrência capitalista.
A concorrência no interior da Europa faz com que a tendência à igualação da taxa de
lucro se dê através de um processo sistemático de crescimento da taxa de lucro na década de
80 e 90, fechando com taxas entre 15% e 16% no período 1996-98.
Gráfico 5.6:
T ax a d e re to rn o so b re o ca p ita l n o sec to r d e n egó c io s :G 7 e E U A m éd ias p o r p erío d o s
1 0
1 5
2 0
2 5
3 0
1 9 7 0 -8 0 1 9 8 1 -8 3 1 9 8 4 -8 6 1 9 8 7 -8 9 1 9 9 0 -9 2 1 9 9 3 -9 5 1 9 9 6 -9 8
T o ta l E s ta d o s U n id o s
Fonte: Elaborado a partir de dados da OCDE. Extraído de CAPUTO, 2002, p.10.
Gráfico 5.7:
Evolução da taxa de retorno do capital no setor de negócios
0
10
20
30
1970-80 1981-83 1984-86 1987-89 1990-92 1993-95 1996-98
Estados Unidos Japón Alemania Francia Italia R
Fonte: Elaborado a partir da OCDE Extraído de CAPUTO (2002a, p.12)
305
(...) [queremos destacar] a tendência à igualação da taxa de lucro entre os principais países capitalistas desenvolvidos, seu vínculo com o aumento da concorrência e com a economia mundial como cenário de atuação também das categorias e leis econômicas do capitalismo. Por outro lado, o vínculo nos anos recentes entre os relativamente elevados níveis de atividade, a forte recuperação da taxa de lucro e o crescimento do investimento, em particular a privada, com o momento atual (...) (CAPUTO, 2002a, p.15)
Paralelamente a isso, mostra-se notório para o autor, que o investimento interno norte-
americano não apenas tenha crescido em termos absolutos, como também cresceu sua
participação no PIB.
Com base no conceito de investimento fixo total, o qual inclui o investimento privado
e público, Caputo (idem, p.26) compara o comportamento do investimento entre os países do
G-7 e os EUA, compreendendo, portanto, os principais países capitalistas avançados.
O crescimento dos investimentos compreende um processo muito avançado nos EUA,
forte a partir de 1992. Seguem Reino Unido e Canadá com taxas de crescimento de
investimento bastante importantes depois da crise do início dos anos 90. Nos outros países
europeus, as taxas de investimento têm um crescimento (Itália a partir de 1995, França a partir
de 1998 e Alemanha somente em 1999) e não são tão significativas, tendo em vista a
prolongada e profunda queda do investimento vinculada à “crise cíclica” do início dos anos
90 (ibid, p.27).
O quadro abaixo (no. 5.2) mostra a evolução do indicador assinalado para o G-7, na década de
90.
Quadro 5.2: Investimento fixo total no G7: taxas de crescimento anual 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
EEUU -0,4 -5,6 5,5 5,7 7,3 5,3 8,3 7,5 10,6 8,3Canadá -3,6 -3,5 -1,3 -2,7 7,4 -1,9 6,5 13,9 3,6 8,8Reino Unido -2,3 -8,7 -0,7 0,8 3,6 2,9 4,9 7,5 9,9 4,9 Itália 4,0 1,0 -1,4 -10,9 0,1 6,0 2,3 0,9 3,5 2,9França 3,2 -1,6 -1,7 -6,6 1,6 2,1 0,0 0,5 6,1 6,5Alemanha 8,5 6,0 4,5 -4,5 4,0 -0,7 -1,1 0,5 1,4 3,2
306
Cont. Japão 8,5 3,3 -1,5 -2,0 -0,8 1,7 11,1 -1,9 -8,8 1,2 Total 2,4 -2,2 2,4 0,5 4,3 3,4 6,4 4,3 5,0 5,8Fonte: OECD, “Economic Outlook”, Nº 66, dezembro, 1999. 5.3 – Ainda algumas notas sobre o capitalismo hoje: a relação capital X trabalho Devemos ressaltar desde já que o sistema internacional é regido por dinâmicas de
ascensão e declínio relativo entre potências, no qual as novas potências despontam no cenário
internacional impulsionadas, de certa forma, pela mesma dinâmica que provoca o declínio das
antigas. A história está em curso constante, sendo necessário destacar a multipolaridade do
mundo de hoje para além do olhar estreito sobre a relação entre metrópole-colônia ou centro-
periferia. Não obstante nossa perspectiva crítica em relação a alguns dos argumentos
apresentados por Dumenil e Lévy (2004), vale citar uma passagem de um artigo apresentado
no livro A finança mundializada, onde os autores afirmam, em sua introdução, que “o
imperialismo não é constituído por um país, mas por um conjunto de países. Estes
estabelecem relações de luta, indo até o confronto armado entre duas potências ou grupos de
potências” (DUMENIL e LÉVY, 2005, p. 93).
Neste mesmo sentido, Fiori (2007)8, descreve o sistema mundial a partir de uma
análise que privilegia o movimento e as contradições que o movem, descartando qualquer
possibilidade de estabilização. Afirma Fiori: “o sistema se parece com um universo em
expansão contínua, movido pela luta das grandes potências pelo poder global e que por isso
estão sempre criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, paz e guerra” (FSP, 2007, p.1).
Inicialmente, o que se considerava nos estudos sobre a globalização era o aumento das
relações econômicas internacionais, maior que o crescimento dos indicadores macro das
8 Trata-de de uma entrevista realizada pelo jornal Folha de São Paulo na ocasião do lançamento do seu livro O Poder Global (Ed. Boitempo) sobre o sistema mundial moderno.
307
economias nacionais, bem como os indicadores mais globais da economia mundial. O
fenômeno da “globalização” era explicado pelo crescimento do comércio mundial maior que
o crescimento da produção mundial, que o aumento dos investimentos estrangeiros, pelo
crescimento das transnacionais maior que o comércio e pelo crescimento do financiamento
internacional e dos movimentos monetários.
Caputo (1997), em uma de suas descrições sobre as caracterizações da globalização
atual, foca na livre circulação internacional das mercadorias, a qual proporciona a
concorrência internacional nos mercados de bens tanto em nível internacional quanto em cada
um dos mercados nacionais. Dessa forma, uma mudança muito importante diz respeito ao
tratamento ao investimento estrangeiro, dado que as empresas transnacionais constituem a
unidade básica da economia mundial e neste quadro predomina a política que promove o
investimento estrangeiro, dando liberdade às empresas na busca das melhores condições
competitivas e, segundo o autor, criando estruturas produtivas mundiais que fundamentam as
profundas modificações nas relações de trabalho.
(...) A globalização atual, ao aumentar a concorrência, pressiona em todos os elementos que constituem os custos de produção. Como na cadeia produtiva os salários são significativos e os preços dos produtos intermediários vêm determinados, a concorrência exerce pressão sobre os custos salariais. A diminuição dos custos salariais se dá através da diminuição do emprego. A concorrência nas condições da globalização atual acentua a pouca capacidade de gerar emprego, agudizada adicionalmente pelos processos de privatização, desnacionalização, concentração e centralização de capitais (...) o investimento nos meios de produção aumenta a produtividade do trabalho em um grau muito elevado, o que provoca deslocamento massivo de trabalhadores. Se este problema é grave nos países capitalistas desenvolvidos, mais ainda o é nos países atrasados na etapa de globalização e concorrência internacional atual dadas as taxas diferenciais de crescimento da população, os processos de transformação da agricultura, etc., que criavam no passado um exército industrial de reserva muito grande (CAPUTO, 1997, p.5).
Dentre as mudanças significativas na estratégia de desenvolvimento das indústrias,
complementado pelo trabalho a domicílio, e reforçada pela acentuação da diminuição da capacidade
de geração de emprego, conforme podemos ver na tabela 5.1, encontra-se a transformação do trabalho
estável e mais ou menos bem remunerado em trabalhos precários em vários sentidos: temporalidade,
remunerações, jornadas de trabalho, contratos temporais, etc. A flexibilidade do trabalho se apresenta
308
de várias formas, tais como: diminuição do salário-base e aumento do salário variável; aumento da
jornada de trabalho; deslocamento de trabalhadores antigos por jovens e mais baratos; trabalho
polivalente. E mesmo considerando que esteja havendo criação de empregos sejam industriais, sejam
de serviços (ver tabela 5.2) que trata da proporção da força de trabalho alocada na indústria e no setor
de serviços) em países “emergentes”, muito do trabalho que é produzido nos dias de hoje corresponde
a trabalho precário, acentuando a desvalorização da força de trabalho, conseqüência da necessidade da
superexploração da força de trabalho.
É dessa forma que o imperialismo responde à crise que se deu a partir do fim da década de 1990. Tabela 5.1:
Taxa de Desemprego (% da força de trabalho) OCDE Zona do Euro França Alemanha EUA Japão 1971-1980 - - 4,2* 2,6* 6,4* 1,8* 1981-1990 7,2 10,88 9,3 7,1* 7,3 2,6 1991-2000 7,1 10,5 11,2 8,1 5,7 3,3 2001-2003 6,33 8,33 9,33 8,66 5,66 5 *dados retirados de Gluckstein, 1999, p.148 Fonte : Cardeal, 2007, p.155, com base em dados do Banco Mundial – WDI (2006) Tabela 5.2: Porcentagem dos trabalhadores ativos nos setores da Indústria (Ind.) e Serviços (Serv.)
1960 1970 1980 1985 1990 1995 2002 Ind. - - 33,5 31 29,8 28,6 25,7
Serv. - - 57,8 61,3 64 66,4 70,3 Ind. 35,3* 34,3* 30,5 28 26,2 24 21,6 Serv. - - 65,9 68,8 70,9 73,1 75,9 Ind. 38,4* 39,7* 35,9 32 29,9* 23,4* - Serv. - - 55,4 60,4 - - - Ind. 47,7* 44,7* 37,6 34,8 32,3 27,4 24,1 Serv. - - 59,7 62,3 64,8 70 74,4 Ind. 33,9* 39,5* 37,9 33,6 32,3 34,1 32,1 Serv. - - 47,8 55,2 58,8 59,2 62,8 Ind. 28,5* 35,7* 35,3 34,9 34,1 33,6 29,7 Serv. - - 54 56 58,2 60,4 64,8 Ind. - - 18,2 - 18,9 21 17,7 Serv. - - 11,7 - 9,9 12,2 16,1 Ind. - - - 22,1 22,7 19,6 21,6 Serv. - - - 49,3 54,5 54,3 58,4
*dados retirados de Gluckstein, 1999, p.155 Fonte : Cardeal, 2007, p.158, com base em dados do Banco Mundial – WDI (2006)
309
Este processo se potencializa através de uma legislação que abre espaço para o
desenvolvimento da flexibilidade do trabalho. As modificações nos processos de produção
acima mencionadas constituem uma conseqüência notória da debilidade das organizações
sindicais dos trabalhadores. Através da destruição em si dos postos de trabalho e do ataque à
regulamentação do trabalho assalariado no âmbito jurídico, o imperialismo mostra sua
ofensiva contra o trabalho. Trata-se de uma tendência sistemática de destruição do estatuto do
trabalho assalariado, no que se refere às conquistas dos trabalhadores. As leis trabalhistas, os
acordos coletivos e as regulamentações são submetidas ao desmantelamento.
Neste movimento, busca-se na produção as maiores taxas de rentabilidades que
atendam à necessidade de equiparação da rentabilidade do capital na especulação, o capital
procura rebaixar o valor da força de trabalho e ampliar a produtividade (conforme podemos
observar na tabela abaixo, 5.3), a qual tende a diminuir o salário real, permitindo aos
capitalistas se apropriarem o máximo possível da mais-valia, e reforçar a ampliação do
exército industrial de reserva.
Tabela 5.3 Produtividade do trabalho no sector industrial
(% da variação anual) 1960 – 1973 1973 - 1979 1978 – 1996
EUA 2,6 0,3 0,8 Japão 8,4 2,8 2,2
Alemanha 4,5 3,1 1,1 França 5,3 2,9 2,2 Itália 6,4 2,8 2,1
Inglaterra 4,1 1,6 1,8 Canadá 2,9 1,5 1
Coréia do Sul - 6,6 5,6 EU 5,1 2,6 1,8
Fonte: Dados extraídos de Gluckstein 1999. p.168 Elaboração de Cardeal, 2007, p. 160. A busca incessante do capital para aumentar a mais-valia seja através da
subcontratação, seja através da eliminação de postos de trabalho se torna cada vez mais
importante, constituindo a forma de concorrência de empresas na contemporaneidade. Esta,
310
portanto, se encontra marcada pela superexploração do trabalho e das contradições advindas
deste processo.
Tal concorrência se expressa em um quadro de incremento da concorrência por parte
dos países, a qual passa por um desenvolvimento desigual entre as empresas, os setores e
ramos de produção. Grandes empresas que competem em todos os espaços. Grandes
monopólios que competem de todas as formas. O incremento da concorrência entre esses
grandes monopólios aprofunda as contradições no conjunto da economia mundial. Dessa
forma, vimos neste trabalho um setor que contribui para e reforça esse processo no que diz
respeito à tendência e à exasperação da concentração e a centralização do capital, aspecto
fundamental do capitalismo contemporâneo: a concentração no setor bancário.
Chesnais (1996b) informa que, desde a década de 1970, a maior parte dos
investimentos diretos no exterior (aproximadamente 80%) aconteceu entre países capitalistas
desenvolvidos, tendo como objeto a aquisição e a fusão de empresas existentes, isto é, uma
acumulação de propriedade do capital e não de novos meios de produção. O que é
característico da fase atual da mundialização do capital é a extensão de estruturas de ofertas
muito concentradas para a maioria das indústrias de “alta tecnologia” ou de produção e grande
escala, constituindo e proliferando os grandes monopólios.
O enunciado mais geral e também o mais frutífero do oligopólio (em geral grupos
financeiros predominantemente industriais, de acordo com Chesnais (2006b. p.19) assinala a
interdependência entre empresas que o monopólio abrange. O autor então define o oligopólio
como um espaço de rivalidade delimitado pelas relações de dependência mútua de mercado
que ligam entre si o pequeno número de grandes grupos que conseguem, em uma indústria
qualquer que seja o setor (ou em um complexo de indústrias de mesma tecnologia), alcançar o
estatuto de concorrente efetivo no plano mundial. A única forma de sobrevivência para
311
muitas empresas é a adesão ao processo de aquisição e fusão (F&A), tal qual vimos no
capítulo anterior, especificamente no que diz respeito ao setor bancário.
Veremos no próximo capítulo a importância da retomada das análises clássicas sobre o
imperialismo, em particular da teoria leninista, para demonstrar a exacerbação das
características próprias do capitalismo na etapa atual de seu desenvolvimento, as quais
apontam o processo acima descrito como manifestação da tendência à concentração
monopolista na fase imperialista.
312
Capítulo 6
O caráter atual do imperialismo: capitalismo monopolista na fase
imperialista
A passagem do capitalismo pré-monopolista ao imperialismo representou um salto
qualitativo frente aos limites da formação sócio-econômica burguesa presentes durante todo o
curso do seu desenvolvimento. O domínio dos monopólios, conforme salientava Lênin com
grande ênfase, exaspera a contradição fundamental do capitalismo ao seu limite extremo: o
imperialismo significa também gigantesco crescimento da socialização da produção; mas de
fato esta socialização se desenvolve na forma antagônica da apropriação privada.
Conforme escreve Lênin, na época do imperialismo, o monopólio, que se cria em
alguns setores da indústria, reforça e exaspera o caos próprio de toda a produção capitalista no
seu conjunto, o que deixa sua marca indelével sobre todos os aspectos do capitalismo
monopolista. Em suma, o jogo de alguns monopolistas sobre toda uma população se torna
cem vezes mais forte, relevante e sensível. A socialização da produção junto ao enorme peso
do capital e o desmedido poder de um punhado de negociadores financeiros que embolsam
todos os frutos do gigantesco desenvolvimento das forças produtivas são o quadro real e mais
verdadeiro do imperialismo.
Nos diversos países, a concentração da produção conduziu a um rápido crescimento do
número, relativamente exíguo, de enormes empresas em relação às quais milhões de empresas
desenvolvem um papel sempre mais subordinado e de segundo plano. A primeira guerra
mundial promove um forte impulso à concentração da produção e do capital, enquanto entre a
primeira e a segunda guerra mundial a crescente decomposição do capitalismo nas condições
313
de sua crise geral estava indissoluvelmente ligada a uma acelerada concentração nas mãos dos
monopólios de uma quota sempre maior da produção social.
Dessa forma, levou-se inevitavelmente a uma excepcional aspereza da luta pela
concorrência e ao extremo enfrentamento do problema do escoamento de mercadorias e
fornecimento de matérias-primas, além de uma aspereza particular e profundidade das crises
econômicas. Portanto, a crônica sub-utilização do aparato produtivo da indústria dos países
capitalistas, característico das crises gerais do capitalismo, proporciona a rápida ruína e queda
das pequenas e médias empresas, e a absorção das empresas menos sólidas e menos firmes
por parte de potentes trustes e consórcios. Da mesma forma, um outro importante fator de
reforço do superpoder e da opressão dos monopólios no período entre as duas guerras foi a
extrema intensificação das desigualdades de desenvolvimento entre os países na dinâmica
mundial.
6.1 - Concorrência e monopólio
Em medida ainda maior, a opressão dos monopólios é reforçada após a segunda guerra
mundial, a qual levou a uma incorporação de muitas pequenas e médias empresas e à sua
transformação em filiais de grandes monopólios. Os monopólios incorporaram uma
quantidade notável de empresas construídas nos anos da guerra com despesas do erário, ou
seja com despesas das vastas massas de contribuintes. É notório de fato que nos Estados
Unidos, as maiores corporações do país absorveram 70% das grandes empresas construídas
com os meios do Estado já no final da primeira metade do século XX. De tais concentrações,
nos Estados Unidos, contam-se neste momento 250, e elas controlam dois terços da
capacidade produtiva de emprego industrial no país.
Se já nas primeiras décadas do século XX, os EUA se definiam como o país dos
trustes, atualmente esta expressão é ainda mais verdadeira. Em 1901, de fato, apenas quatro
314
corporações industriais dispunham de um capital de 200 milhões de dólares e mais, enquanto
no início dos anos 1950 já existiam apenas 15 corporações industriais com um capital que
superava 1 bilhão de dólares e mais de 30 corporações com capital superior aos 500 milhões
de dólares.
A concentração da atividade bancária, portanto, leva inevitavelmente ao surgimento de
gigantescos monopólios bancários, e esta conclusão de Lênin foi de todo confirmada por todo
o curso do desenvolvimento da economia capitalista. O indicador tradicionalmente utilizado
para identificar a concentração bancária é a porcentagem dos depósitos e empréstimos
controlados por um número específico de bancos, num determinado período.
Faz-se necessário entender o motor do processo de concentração como sendo
alimentado sobretudo pela luta da concorrência nacional e internacional, pela força econômica
e pelas tradições comerciais e industriais de um dado país. Neste sentido não deve ser
abstraído o processo de aquisições e fusões realizado pelos grandes bancos alemães e ingleses
nos Estados Unidos e na América Latina, pelos bancos franceses na América do Norte e na
Ásia, pelos bancos espanhóis e ingleses na América do Sul ou pelos bancos italianos na
Europa do Leste. Finalmente, uma análise empírica e parcial do processo de consolidação
bancária nos Estados Unidos e na Europa nos parece indicar uma dinâmica muito similar
entre si1.
Nos EUA, a quota dos 20 maiores bancos atingiu 15% em 1900, 19% em 1929, 27%
em 1939 e em 1952, 29% dos depósitos presentes em todos os bancos americanos. Na
Inglaterra a soma dos balanços dos cinqüenta maiores bancos constituía 28%, de toda a soma
dos balanços dos bancos ingleses de depósito em 1900, 37% em 1916, 73% em 1929 e 79%
em início dos anos 1950. E isto, enquanto na França, a quota de apenas seis bancos de 1 Podemos afirmar que o processo de concentração bancária nos Estados Unidos e na Europa, quantitativamente, seguiu um andamento similar, a partir dos grandes centros financeiros e estatais, criando grandes grupos bancários e de serviços financeiros com dimensão estatal e regional, mas na consolidação em escala continental (grandes fusões interestatais); os Estados Unidos aparecem um pouco mais à frente da Europa, onde sobretudo os mercados italiano, inglês e francês se apresentam em atraso neste processo.
315
depósito, em 1952, foi responsável por 66% dos depósitos de todos os bancos franceses2. A
seguir veremos alguns dados mais recentes quanto a este aspecto.
Utilizando os dados de 2003 sobre os depósitos bancários providos pela Federal
Deposit Insurance Corporation, FDIC (2003), é possível fazer uma tentativa parcial de
confronto com o grau de concentração nos Estados Unidos.
A subdivisão, considerando os grandes Estados e sublinhando as grandes diversidades
demográficas entre estes e os estados europeus, aparece da seguinte maneira: com a exceção
da Carolina do Norte, que tem uma população de mais de 8 milhões de habitantes e registra
uma taxa de concentração de 77,3%, os grandes Estados como Califórnia e Nova York,
seguidos por Michigan, têm uma taxa de concentração que podemos definir como elevada,
com um topo de cerca de 60% dos depósitos nos primeiros cinco bancos: em um nível
intermediário podem-se colocar Massachusets, Flórida, Geórgia, Virgínia e Ohio com quotas
que variam entre 48% e 54%; finalmente Nova Jersey, Pensilvânia, Texas e Illinois registram
uma taxa de concentração mais baixa, compreendida entre 34% e 46%.
Os grandes Estados norte-americanos, com exceção do Texas e de Illinois, registram
um grau de concentração superior ao dos grandes Estados europeus. Mas se considerarmos as
regiões FDIC, que agrupam os diferentes Estados, registraremos que a região de São
Francisco (57 milhões de habitantes e 11 Estados do Oeste) tem uma taxa de concentração de
45,4%, similar a da Itália e Espanha, inferior a da França, mas superior a da Inglaterra e
2 No opúsculo As corporações militares, publicado em Nova York pela Associação Operária de Pesquisa, foi fornecida uma análise precisa do peso específico que, na economia americana, possuíam também as maiores corporações com um ativo que superava um bilhão de dólares. Aos fins de 1952, de tais corporações, contavam-se apenas 66. Estas 66 corporações – observa-se neste opúsculo, - constituíam uma quota muito pequena (1%) do número feral das corporações, - que nos EUA é de mais de 660 mil, - e todavia em 1952 a estas 66 companhias pertenciam 28,3% dos ativos de todas as corporações do país. Dessa forma, graças ao sistema da participação de filiais de empresa, com seus vínculos financeiros, vêm a controlar mais de 75% de todos os ativos das corporações”. Portanto, a maior parte destas grandes associações de capital estava ligada a um ou mais principais grupos financeiros da plutocracia americana. A soma geral dos ativos dos oito maiores grupos financeiros dos EUA (Morgan, Rockfeller, Dupont e outros) perfazia um total de 121,4 bilhões de dólares.
316
Alemanha; a região de Atlanta (49 milhões e 7 Estados do Sul) tem uma taxa de concentração
de 46,8% superior a todos os grandes Estados europeus, com exceção da França3.
Somos constrangidos ao reconhecimento dos irrefutáveis fatos atuais4 que comprovam
o domínio dos monopólios. A passagem do domínio da livre concorrência a do monopólio, ao
contrário, introduziu neste processo algumas mudanças substanciais. O sentido da existência e
o fim primeiro dos monopólios é assegurar o máximo e mais elevado lucro monopolista.
No imperialismo, o alargamento da produção, nos setores decisivos da indústria,
requer enormes investimentos de capital; e esta luta está ligada a perdas expressivas, enquanto
os desperdícios do sistema capitalista e suas despesas improdutivas alcançam proporções sem
precedentes. Em tais condições, o afluxo de sempre novos e máximos lucros permite aos
grandes monopólios atuarem, mesmo que mais ou menos regularmente, à reprodução
ampliada. Os fatos dos últimos anos indicam que os lucros dos monopólios crescem a ritmos
elevados, conforme pudemos ver nos capítulos anteriores. E isto a ponto de se reconhecer que
o sentido da existência dos monopólios reside na garantia, sempre e de qualquer modo, do
máximo lucro.
A oligarquia financeira, que nos Estados dispõe de poder mais absoluto, procura frear
o curso de um suposto desenvolvimento social, recorrendo aos experimentados métodos: a
violência, as guerras, como “saída” para suas dificuldades econômicas e como “salvação” das
crises em que se vêem. O caráter destrutivo do capitalismo monopolista, portanto, manifesta-
se de modo evidente nas guerras imperialistas.
A este nível, a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção da
sociedade capitalista, como também a contradição entre o caráter social da produção e a forma
3 Quanto à análise acerca da concentração bancária nas principais economias, ver capítulo 3 e 4 deste trabalho. 4 Dentre alguns recentes acontecimentos, podemos citar dois exemplos interessantes mesmo no rol dos países emergentes: a chinesa Chinalco, que ingressa no capital da Rio Tinto com a perspectiva de impedir que se forme um enorme monopólio mineiro-industrial (BHP+Rio Tinto) pondo em perigo a indústria chinesa, bem como, a brasileira Vale do Rio Doce e a suiça Xstrata. Exploramos outros exemplos ao longo dos anos 90 e início de 2000 nos capítulos 3, 4 e 5 do presente trabalho.
317
privada das apropriações, alcança uma acentuação extrema. Enquanto a economia capitalista
se encontra em poder dos monopólios incapazes de remover ou de domar os elementos das
leis econômicas, o poder estatal ao contrário se transforma sempre mais abertamente em uma
arma dos monopólios em sua atividade de exploração e de aspirações expansionistas, gerando
assim toda uma série de conflitos e de contradições particularmente agudas.
6.2 - Uma perspectiva crítica sobre algumas recentes contribuições quanto à dinâmica
mundial do capitalismo contemporâneo à luz do processo atual de concentração
bancária: new economy, Império, ou capitalismo monopolista da fase imperialista?
Para autores como Duménil e Levy (2005), os últimos anos do fim do milênio
assistiram a uma explosão de títulos ligados àquilo que vinha denominado new economy. A
bolha, em grande parte especulativa, foi redimensionada com extrema rapidez, causando
graves danos aos poupadores atraídos pelos ganhos fáceis e rápidos dos anos antecedentes.
Fato é que uma das condições que tornou possível a explosão dos títulos tecnológicos foi a
rapidez no movimento dos capitais que a e-economy consente. Esta situação de acentuada
mobilidade de capitais, da mesma forma que o verdadeiro salto de qualidade que se verificou
entre os séculos XIX e XX com a invenção do telefone, alcançou metas excepcionais
atualmente, trazendo duas conseqüências: antes de tudo uma posterior marginalização do
investimento produtivo, tornado excessivamente longo na rentabilidade; em segundo lugar
uma menor possibilidade de controle sobre o ciclo econômico por parte de qualquer
autoridade preposta à economia.
O crescimento da importância do mundo da finança torna sempre mais marcante a
verticalização do comando sobre a economia internacional. Poucos grupos financeiros
dominantes hoje contêm o controle da produção e do mercado, de modo que a quantidade de
318
grupos tendeu a reduzir-se. Dessa maneira, a pulverização do ciclo produtivo corresponde a
uma sempre mais acentuada centralização da propriedade.
A tendência à concentração da produção em algumas áreas de alto desenvolvimento
econômico continua a manifestar-se, convivendo em estrito contato com zonas menos
desenvolvidas ou em depressão ou recessão do ponto de vista da economia, como previsto no
ensaio de K.Ohmae (1996), O fim do Estado-Nação.
A fase de concentração da propriedade não terminou e setores industriais inteiros
passaram por reestruturação em nível internacional. O setor automobilístico, por exemplo,
entre uma crise e outra, teve que se fortalecer com a sobrevivência de apenas poucas empresas
em todo mundo. A tendência é, portanto, a de formação de monopólios de setores.
A guerra de 1914-1918 é um fenômeno econômico, social, político e militar inédito: é
a primeira guerra mundial e a primeira guerra mundial imperialista. Este fenômeno, cujas
causas econômicas Lênin caracteriza em sua teoria sobre o imperialismo sintetizando-a em
cinco grandes traços, é o resultado da concentração de capital.
Mas pela primeira vez o capitalismo gera uma guerra mundial: isto é específico, é
particular. Por que o mesmo modo de produção capitalista, que tem a tendência constante de
gerar guerra, determina um fenômeno novo, específico? Por que determina uma guerra
mundial?
Porque se desenvolveu em um processo de centralização de capital, de concentração
dos meios de produção e de fusões entre capital bancário e capital industrial.
Este processo objetivo se reflete na superestrutura, no Estado. É este o objeto de
estudo de Lênin sobre o Estado e sobre formas políticas, estudo que ocupa o período de
guerra.
Ao longo do século XX, diversos historiadores procuraram ver neste período um salto
qualitativo de Lênin que se destaca de Kautsky por restaurar a teoria marxista do Estado.
319
Outros procuraram ver um Lênin estimulado pela análise de Bukharin sobre o Estado
imperialista. Tais interpretações não são corretas: sobre a questão do Estado, não há salto
qualitativo algum em Lênin e não há qualquer ruptura com Kautsky, dado que também este
último continua a reivindicar a teoria marxista do Estado. O salto qualitativo e a ruptura com
Kautsky residem, ao contrário, nas definições das características específicas do Estado
imperialista, conforme vimos em nosso primeiro capítulo.
Ao mesmo tempo, Lênin não aceita a absolutização da teoria de Bukharin, o qual vê
apenas a tendência à forma política do Estado imperialista, ou seja a superestrutura específica
e exclusiva da concentração de capital, do capitalismo financeiro e do capitalismo estatal.
A teoria de Bukharin absolutiza uma tendência ao truste estatal capitalista e declara
superado o pequeno capitalismo e, por conseguinte, o “problema democrático” do pequeno
capitalismo, ou seja a forma política correspondente a um grau inferior de concentração de
capital e que se exprime, àquele grau, na questão nacional e na questão agrária.
Lênin não aceita a teoria de Bukharin baseada na absolutização da tendência à
concentração porque sabe que cada tendência opera no tempo histórico e não de modo
retilíneo e está sujeita a fatores que a freiam. Para Lênin, o pequeno capitalismo não só existe,
mas ressurge em conjunturas econômicas particulares como, por exemplo, a guerra e, ainda
mais, a guerra mundial imperialista. Por isso, a importância de se tratar do capitalismo
contemporâneo, conforme procedemos no capítulo 5, e compreendermos a dinâmica atual.
Nisto reside a riqueza científica.
Bukharin versa sobre a planificação da guerra; Lênin, por sua vez, com o exemplo da
Alemanha, vê o desenvolvimento do capitalismo de Estado como controle e o
desenvolvimento contemporâneo do pequeno capitalismo e, até mesmo, do escambo. A
contradição está na realidade social e não na teoria. É necessário identificar nesta realidade o
conteúdo e a forma prevalecentes porque o processo de concentração do capital não é um
320
movimento generalizado e uniforme, mas o movimento determinado pelo desenvolvimento
desigual capitalista entre empresas, setores e mercados.
Somente a análise científica concreta, e não só a identificação de uma tendência de
desenvolvimento, pode permitir encontrar os traços característicos de uma formação
econômico-social e avaliar se são prevalecentes da concentração imperialista ou do pequeno
capitalismo de grau inferior de concentração. E isto que vale para a análise da estrutura, vale
para a análise da superestrutura política, onde as formas apresentam uma história de muitos
séculos.
Não por acaso, os estudiosos do imperialismo, Hilferding, Luxemburgo, Bukharin,
Lênin têm sob os olhos um material abundante de análises a sistematizar, a classificar e a
definir. Variam as conclusões teóricas dos estudiosos da escola marxista, mas tão verdadeiro é
o confronto com a concentração que o faz não constituir o prevalecente motivo de
diferenciação. Esta, por sua vez, opera – e é um aspecto que merece profunda reflexão –
justamente na avaliação da relação entre o movimento econômico e o movimento político.
A estrutura, a lógica de funcionamento, as conseqüências e as contradições do
imperialismo contemporâneo não podem ser adequadamente compreendidos sem um releitura
de textos clássicos de Hilferding, Lênin, Bukharin e Rosa Luxemburgo.Vale ressaltar que não
podemos entender o imperialismo do começo do século XXI analisando apenas estes autores.
Mas tampouco podemos compreender o fenômeno sem eles. O objetivo é avançar em uma
formulação que, partindo da obra de Marx – que nos forneça uma chave interpretativa
imprescindível e insubstituível para explicar a sociedade capitalista, compreender o
imperialismo à luz das transformações de nosso tempo, lançando mão da herança clássica dos
estudos.
A título de síntese, podemos mencionar o argumento apresentado por Boron (2002)
para o qual os atributos fundamentais do imperialismo, apontados por estes autores clássicos
321
da época da Primeira Guerra Mundial, “continuam vigentes, uma vez que o imperialismo não
é um traço acessório nem uma política perseguida por alguns Estados, mas uma nova etapa no
desenvolvimento do capitalismo” (p.13). Tal etapa se encontra assinalada, hoje com maior
contundência que no passado, pela concentração de capital, pelo sufocante predomínio dos
monopólios, pelo crescente aumento do papel do capital financeiro5, pela exportação de
capitais e pela divisão do mundo em diferentes “esferas de influência”. O acelerado processo
designado mundialização (cf. nosso capítulo 5) ocorrido no último quarto de século, longe de
atenuar ou dissolver as estruturas imperialistas da economia mundial, potencializou
extraordinariamente as assimetrias estruturais que definem a inserção dos diferentes países
nela.
Apresentamos e alertamos para tal necessidade, ainda seguindo o argumento de Boron,
entre outras razões, devido ao surgimento de uma obra notável produzida por dois autores de
categoria intelectual, Michael Hardt e Toni Negri (2002), Império, os quais abordam o tema
deste trabalho – o imperialismo - de importância substantiva: o sistema imperialista na fase
atual, sendo este caracterizado por estes autores como império.
Trata-se de uma crítica à noção de imperialismo lançada por Hardt e Negri, segundo os
quais o imperialismo terminou com a Guerra do Vietnam. A Guerra do Golfo em 1991, em
que os Estados Unidos lançaram o seu poder militar contra o Iraque, foi, de acordo com os
autores, desencadeada não em função dos motivos nacionais dos EUA, mas em nome do
direito global. A política mundial dos EUA atua não no interesse imperialista, mas sim no
interesse imperial, ou seja, no interesse de um Império sem um centro e sem fronteiras. Neste
5 Vale lembrar que a manifestação histórica que prevalece no capitalismo contemporâneo é melhor apreendida pela categoria de capital fictício, conforme tratamos nos capítulos 2 e 5. Além disso, é fundamental ter em mente, especialmente neste momento, a forma inapropriada sob a qual alguns intérpretes bastante reconhecidos por sua “inspiração” marxista se apropriam do conceito de capital financeiro, inclusive aqueles que mencionamos neste trabalho, como é o caso de Boron, o qual revela um conceito diferente daquele produzido por Hilferding. Para maior clareza cf. nossos capítulos 1 e 2.
322
sentido, a guerra do Golfo, como George Bush apregoou, anuncia o nascimento de uma nova
ordem mundial.
Foster (2002) faz alusão à célebre declaração dos autores de Império, “Os Estados
Unidos não podem, e na verdade nenhum Estado-nação o pode hoje, formar o centro de um
projeto imperialista”. Segundo Foster:
(...) foi precisamente nesta posição – que negava qualquer relação entre os EUA e o imperialismo no sentido clássico, explorador, mas que também encarava a extensão do domínio e do poder dos EUA como um reflexo de ‘império’ e de um papel ‘civilizador’ imperial (a extensão da Constituição americana à escala global) – aquela que foi enfatizada nos generosos elogios ao livro de Hardt & Negri brotados em publicações como o New York Times, revista Time, London Observer e Foreign Affairs (FOSTER, 2002, p.8).
O sucesso editorial de Império de Negri e Hardt, e ainda mais a difusão do termo
“império” na linguagem corrente de uma certa parte da literatura sobre a dinâmica mundial do
capitalismo contemporâneo – ainda que empregado de modo pouco ou nada condizente com a
real perspectiva dos autores – podem ser interpretados à luz da confusão sobre o que se deve
entender exatamente por globalização e da exigência da uma definição quanto ao significado,
de um modo alternativo ao do establishment político e cultural.
Por outro lado, este sucesso editorial confirma e reforça o esvaziamento em certo
sentido, pelo discurso político, antagonicamente, da discussão em torno do “imperialismo”
como modalidade da existência mundial do capitalismo, como realidade estruturada em torno
da exploração do trabalho, da troca desigual, da concentração do poder econômico e político,
da hierarquia mundial pela potência político-militar e da divisão capitalista internacional do
trabalho.
O livro Império corresponde a um concentrado em versão “antagônica” dos discursos
sobre a época global e o precipitado de três décadas de constante atraso teórico. A
substituição do Império por um tipo de manifesto anticapitalista é indicativo de quão profundo
seja a devastação teórica e ideológica. Uma devastação, por sua vez, que foi e continua a ser
alimentada, seja pela ausência da capacidade de analisar o mundo real em termos de
323
antagonismos e de contradições estruturais do modo de produção capitalista, seja e ainda
mais, pelo oportunismo político, pela corrida às poltronas institucionais de todos os níveis.
Trata-se de uma época em que as tendências são tidas ainda enquanto confusas, e as
perspectivas incertas. E por isso surgem categorias e modelos explicativos “novos”, enquanto
o conceito de “imperialismo” pertenceria ao passado.
Uma das críticas assinaladas por Boron, e talvez a mais importante, nesta sua séria
análise sobre o mérito das propostas que desenvolvem aqueles autores ao longo de um livro
tão polêmico, refere-se aos graves erros de diagnóstico e à total desconexão ou
incompatibilidade entre um marco teórico de natureza indiscutivelmente conservadora,
derivada principalmente do saber convencional sobre a “globalização”, naturalizando o
capitalismo e a visão confusa de uma nova sociedade e uma nova ordem internacional a ser
construída sobre premissas radicalmente diferentes.
De acordo com Boron, Hardt e Negri parecem não ter consciência da “continuidade
fundamental que existe entre a supostamente ‘nova’ lógica global do império, seus atores
fundamentais, suas instituições, normas, regras e procedimentos, e a que existia na fase
supostamente extinta do imperialismo” (BORON, 2002, p.141). Além disso, não demonstram
conhecimento de que os atores estratégicos são os mesmos: grandes empresas transnacionais,
de base nacional, e os governos dos países, sendo as instituições decisivas, aquelas que
marcaram a fase imperialista dada como finalizada pelos dois autores. A dinâmica mundial do
capitalismo contemporâneo encontra-se marcada pela perpetuação de uma velha estrutura
imperialista, a qual os autores encobrem sob nova roupagem. A obra apresenta uma totalidade
composta de um império e a multidão, que carece de contradições estruturais ou que lhe sejam
inerentes, dado que entre um e outro, há uma contradição estrutural e irremediável.
324
Para entender o “novo imperialismo”6 – mesmo para determinar se existe ou não –
exige-se entender as especificidades do poder capitalista e a natureza da relação entre força
econômica e “extra-econômica” no capitalismo. Wood (2003) se refere a uma força
econômica do capital que não existe sem o suporte da força extra-econômica, “e força extra-
econômica é hoje, como antes, fundamentalmente fornecida pelo Estado” (p.5). Neste caso, o
argumento é justamente o contrário daquele que considera a força do capital em condições de
“globalização” fora do controle do Estado, tornando o Estado territorial crescentemente
irrelevante. A tese é a de que o Estado é cada vez mais essencial para o capital, mesmo, ou
especialmente em sua forma global.
A autora igualmente cita a obra de Negri e Hardt para tratar do equívoco cometido a
partir da noção de que o Estado-Nação vem dando espaço a uma nova forma de “soberania”
sem Estados, a qual se encontra em todo lugar e em lugar nenhum. A mesma interpretação
está presente em outra obra de referência, Guerra e Paz na História Moderna (BOBBITT,
2003) cuja premissa central corresponde à noção de que o Estado-nação territorial tem sido
substituído pelo “Estado-mercado”, basicamente, um Estado sem fronteiras.
Wood contrapõe-se a estes autores estabelecendo a premissa de que estas visões não
apenas carecem de algo verdadeiramente essencial na ordem global contemporânea, mas
também enfraquecem a resistência ao capital. Vale ressaltar que o objetivo deste trabalho não
foi apresentar um histórico do imperialismo. Apesar de muitos dos argumentos serem
históricos, a proposta desta incursão na história de imperialismo é iluminar a especificidade
do imperialismo capitalista e não outras formas imperiais.
No plano internacional, também, o Estado continua a ser vital. O “novo imperialismo”,
ao contrário de outras formas de impérios coloniais, depende mais do que nunca de um
sistema de múltiplos e soberanos Estados Nacionais. O fato de a famigerada “globalização”
6 Expressão utilizada por WOOD (2003) para designar a fase atual do capitalismo contemporâneo. Cf. também HARVEY (2004).
325
ter estendido as forças puramente econômicas do capital significa que o capital global requer
muitos Estados para construir alternativas e funções coercitivas para sustentar o sistema de
propriedade e providenciar o tipo de regularidade e a ordem legal do dia-a-dia de que o
capitalismo precisa. De acordo com Wood, “nenhuma forma concebível de ‘governança
global’ pôde prover o tipo de ordem cotidiana ou as condições de acumulação requeridas pelo
capital”(p.141).
Uma vez constituídos os Estados-economias nacionais, as competições políticas e
econômicas passaram a ser norteadas pelo objetivo da monopolização das oportunidades, o
que traz à tona o seguinte paradoxo: se a “destruição” dos adversários for efetuada, não
haverá mais meio nem para continuar o processo de acumulação de poder, nem o de riqueza.
Retomando a observação de Hilferding de que o capital financeiro tem um tríplice objetivo - a
criação de um território econômico o mais vasto possível, a defesa de tal território por meio
de barreiras aduaneiras e a sua transformação em campo de exploração para os monopólios do
país -, Fiori (2004) destaca que, do ponto de vista capitalista, o essencial é a conquista
permanente de novas posições monopólicas e, por definição, capazes de gerar lucros
extraordinários. E para conquistar tais posições, é necessário agir de maneira constantemente
“inovadora”, já que só a partir de tal ação é possível construir situações monopólicas – mesmo
que temporárias.
Baseando-se em tal idéia, podemos afirmar que o que foi designado como globalização
corresponde a “... um movimento expansivo e uma resultante transitória do processo de
competição entre as Grandes Potências e seus capitais financeiros, pela conquista de novos
“territórios econômicos”” (FIORI, 2004, p. 45). Em suma, de acordo com o autor:
(...) a expansão e a universalização do sistema capitalista não foram uma obra do “capital em geral”; foram, e serão sempre, o resultado da competição e expansão dos “estados-economias nacionais” que conseguem impor a sua moeda, a sua “dívida pública”, o seu sistema de “crédito” e o seu sistema de “tributação”, como lastro monetário de seu capital financeiro...” (Idem, pp.46).
326
Conforme Cardoso e Reis (2007), a forma de colonização não é mais territorial e sim
através da superioridade político-econômica e da força do capital financeiro do eixo central de
poder. O problema das grandes potências, neste contexto, é manter-se no poder, enquanto o
dos demais países é afirmar a própria soberania. De acordo com Wallerstein (2004), a
soberania é uma alegação e, portanto, possui pouco significado se não for reconhecida pelos
outros. “A soberania é mais do que qualquer outra coisa uma questão de legitimidade”
(WALLERSTEIN, 2004, p. 44). Para os neo-marxistas, cuja maior referência está em
Wallerstein, o sistema mundial moderno (world-system) corresponde a uma zona
espacial/temporal que recorta muitas unidades políticas e culturais e obedece a certas regras
sistêmicas7. Baseia-se na competição intercapitalista e na existência de uma hegemonia de
poder, sob comando de um líder, em cada ciclo hegemônico da história. Arrighi (1994) por
sua vez refere-se à liderança hegemônica de um Estado no sentido de que ele comanda o
sistema de Estados “numa direção desejada e, com isso, é percebido como aquele que busca o
interesse geral” (ARRIGHI, 1994, p.29).
Contudo, vale ressaltar que algumas das fundamentadas e necessárias críticas
apontadas a WALLERSTEIN podem ser encontradas em uma resenha crítica às colocações de
alguns autores (Chesnais, Duménil, Lévy e Wallerstein) em Uma nova fase do capitalismo?
(2003). Nesta resenha, Carcanholo (2006) afirma que um dos problemas presentes nas
contribuições de Wallerstein diz respeito à ausência da luta de classes em sua análise, não
obstante a menção a conflitos de interesses8. Um conflito entre uma sociedade, resultado do
interesse imediato dos capitalistas, e os interesses objetivos de um amplo bloco mundial de
forças democráticas.
7 Conforme FIORI (2007), o hífen tem a finalidade de esclarecer que os termos não se referem a sistemas, economias e impérios do mundo, mas sim a sistemas, economias e impérios que são o mundo. 8 O autor se refere em um momento ao conflito distributivo entre “classes inferiores” e “classes superiores” e à alta classe média dos anos 80.
327
Wallerstein explica o período atual do capitalismo mundial (fins dos anos 60 e início
dos anos 70), através da conjugação do ciclo Kondratiev na fase descedente com tendências
seculares. Neste sentido, a idéia é que estaríamos atualmente no limiar de uma nova fase
ascendente desse ciclo, porém o capitalismo já teria entrado “em seu período de crise
terminal”, graças às tendências seculares. Segundo Carcanholo (2006), para justificar-se, “o
autor apela para uma reedição mal elaborada da tendência decrescente da taxa de lucro”
(CARCANHOLO, 2006, p.149), fugindo da análise profunda de Marx. Para Wallerstein,
haveria uma redução da remuneração do capital, devido à tendência à elevação dos custos de
produção, por conta dos crescentes custos para os insumos; crescente dificuldade do capital
em sua estratégia de transferir investimentos para áreas na periferia (para encontrar
trabalhadores dispostos a aceitar salários relativamente reduzidos) e os crescentes gastos
estatais, devido ao crescente custo atribuído à democratização.
Carcanholo (2006) se contrapõe aos argumentos e às causas apontadas pelo autor pois,
em primeiro lugar, na periferia há um número crescente de trabalhadores cada vez mais
baratos, ainda que em ocupações mais qualificadas. O autor aponta que Wallerstein cai no
erro de considerar que as concessões que o capital fez aos trabalhadores no pós-guerra nos
países mais desenvolvidos constituiria tendência universal e secular. Segundo Carcanholo, o
autor confunde salário em termos de valor de uso com salário em termos de valor (decisivo
para a determinação da taxa de mais-valia) e esquece a questão das transferências
internacionais de valor destinadas aos países centrais. Além disso, apresenta grande
superficialidade ao considerar os crescentes custos de insumos naturais como determinante
para o valor do capital constante e sobretudo para o valor da força de trabalho9. Com base na
análise de Wallerstein, o aumento da produtividade do trabalho, a expansão das jornadas e da
intensidade do trabalho não são relevantes para aquele tipo de afirmação. 9 Carcanholo se remete à ingenuidade do pensamento ricardiano, ao “explicar a tendência à queda na taxa de lucro do capital pelo progressivo esgotamento dos recursos naturais (terras férteis e próximas), colocando em segundo lugar o avanço técnico” (CARCANHOLO, idem, p. 150)
328
Por fim, retomando a questão da competição interimperialista, devemos mencionar o
argumento de Bukharin (1984) de que a expansão capitalista possui duas forças
impulsionantes opostas que atuam no jogo competitivo internacional - a força dos objetivos
imperialistas e o fortalecimento dos blocos de capital nacional.
Vale esclarecer que nossa compreensão é a de que o sistema internacional possui um
caráter multipolar, o que torna insuficiente um olhar estreito baseado na relação entre
metrópole – colônia ou centro-periferia. E é regido por dinâmicas de ascensão e declínio
relativo entre as potências, onde há perdas relativas de poder e de proeminência em suas
trajetórias. No caso dos EUA, esse processo está em curso desde os anos 1960.
Neste sentido, afastamo-nos das recentes análises sobre o “novo imperialismo”, que
repousam sobre a equivocada compreensão de um imperialismo unipolar representado pelos
EUA, um “imperialismo atual dos EUA”, “o hegemon imperial”, o imperialismo sob a forma
de globalização”, como afirma Wood (2006, p.56). Não obstante a autora reconhece que se
trata de uma ordem econômica global administrada por um sistema de múltiplos Estados
locais, sendo este fato uma fonte de graves instabilidades e perigos para o domínio do capital
global. Vale dizer que não estamos aqui tratando do tema da “hegemonia dos EUA”, mas de
qualquer interpretação que deixe de lado a dinâmica multipolar do imperialismo tal como se
apresenta nos dias atuais, marcado pela ascensão de velhos imperialismos, tais como a
Europa, e novas potências emergentes, dentre elas China, Rússia e Índia em especial.
Jeffers (2005), em seu artigo sobre a valorização mundial dos capitais de aplicação
financeira, lembra a importância atribuída, em numerosos trabalhos e artigos, ao papel
dominante dos Estados Unidos na mundialização, dado que os mais poderosos investidores
institucionais e muitas das maiores empresas multinacionais e sobretudo a moeda
internacional lhe pertencem. Entretanto, “nesse espaço financeiro mundial, os Estados Unidos
não estão sozinhos. Existe também a Europa” (JEFFERS, 2005, p. 153). Os poucos trabalhos
329
que existem sobre a Europa, suas instituições, suas empresas e seus governos apresentavam a
Europa como uma espécie de contramodelo, uma forma de desenvolver a mundialização, em
face à hegemonia norte-americana, opondo uma versão soft da mundialização por parte da
Europa à outra hard, americana.
Segundo Jeffers, foi na City de Londres que se deu a primeira etapa da mundialização
financeira, a partir de uma economia internacional de endividamento que se desenvolve a
partir do fim dos anos 60.
Com a liberalização e a desregulamentação ocorridas na primeira metade dos anos 80, as praças financeiras da Europa continental fornecera aos investidores institucionais norte-americanos pontos de apoio preciosos para a implantação de estratégias diversificadas de aplicação. Esses investidores estavam entre os primeiros beneficiários das privatizações das empresas nacionalizadas e das empresas de serviços públicos. Inversamente, de maneira complementar, os investidores institucionais europeus puderam se apoiar tanto nas forças motrizes da mundialização financeira situadas nos Estados Unidos...(JEFFERS, 2005, pp.153-154).
Dados da OCDE (Institutional Investors Yearbook) conduzem à conclusão apresentada
por Jeffers, pois em 2003 os Estados Unidos detinham 54% do total dos ativos financeiros dos
investidores dos países da OCDE e o Japão 14%, enquanto os países da União Euopéia
detinham 27%. O Reino Unido, a França e a Alemanha aparecem ainda na frente. E dessa
forma, em menos de uma década, vimos uma reconstrução do poder da finança nos países,
conjugada à imposição de exigências aos assalariados por meio de políticas orçamentárias e
monetárias e, sobretudo, mudança nas relações salariais.
A Europa não é uma entidade homogênea: é constituída por Estados-nação que conheceram processos de acumulação financeira diferenciados, tanto no tempo quanto em suas bases (ibid., p.154).
Quanto ao termo mundialização ou globalização recorrentemente mencionados,
qualquer um poderia argumentar também que, em suma, se trata somente de uma questão
terminológica, visto o grande número de estudiosos, dado que muitos utilizam o termo
“globalização” como se fosse um sinônimo de imperialismo. Para a análise do sistema-mundo
330
(Immanuel Wallerstein, André Gunder Frank, Arrighi, Samir Amin), o capitalismo é desde o
início uma economia-mundo hierarquizada.
Além desses, devemos chamar atenção àqueles que analisam a formação de uma
burguesia transnacional em uma perspectiva neogramsciana (Robert Cox, Henk Overbeek),
ou aqueles que, partindo de um esquema marxiano das metamorfoses do capital, assumem
como cumpridos os processos de mundialização do capital-mercadoria, do capital-monetário e
do capital-produtivo, e da integração dos mercados mundiais das mercadorias, do capital e do
trabalho (Palloix, Bryan, Bina). Com base em tal perspectiva, as contradições e os
antagonismos de classe do capitalismo assumem imediatamente uma dimensão global.
Em muitos casos, entretanto, existe a impressão de uma adequação puramente formal
ao uso lingüístico dominante para facilitar a recepção dos conteúdos por parte dos ouvintes ou
dos leitores com vistas a uma melhor compreensão.
6.3 - Os traços característicos do Imperialismo na atual situação mundial
Tanto neste como em outros campos, existe um legado teórico da obra política e
intelectual de Marx, de Lênin, de Trotsky, de Rosa Luxemburgo e outros. Os três últimos
polemizaram entre eles, até mesmo com duras palavras. E existem teorias e perspectivas
políticas que refazem aqueles pensadores, freqüentemente interpretados, combinados,
criticados e “atualizados”.
A discussão, ainda que dura e polêmica, não pode ter fim, nem se pode estabelecer
uma ortodoxia, pelo simples motivo de que a própria grandiosidade e complexidade da
empresa impõe constantemente a necessidade de rever o passado à luz do presente, de
verificar hipóteses, de buscar novas perspectivas, de enfrentar problemas novos em um
mundo em contínua mudança.
331
Contudo, há uma continuidade fundamental: a do sistema, que se mantém capitalista
através de transformações que constituem a sua reprodução ampliada, no tempo e no espaço.
E se falamos da reprodução de um mesmo sistema mundial, então uma continuidade estará
também na perspectiva política fundamental daqueles que analisaram o sistema. Por este
motivo, Marx, Lênin, Rosa Luxemburgo, e outros permanecem atuais, como indivíduos que
contribuíram com a compreensão do mundo. Partindo dos conceitos apresentados por Marx,
estes autores criaram, também através daquelas polêmicas, um novo objeto de estudo e de
ação, e uma nova problemática: a do imperialismo, da forma mundial do capitalismo.
Como a problemática marxiana da crítica da economia política é política e
conceitualmente tanto distinta quanto oposta a qualquer interpretação liberal ou reformadora
do capital, assim a problemática do imperialismo é política e conceitualmente distinta e
oposta a qualquer interpretação liberal ou reformadora da economia mundial.
A interpretação de que não se pode mais falar de imperialismo, como forma mundial,
como realidade econômica e política de Estados imperialistas singulares pode conduzir à idéia
de que não se pode mais falar de capitalismo.
Nosso objetivo é justamente restituir à discussão não uma “teoria” conclusa, mas a
problemática do imperialismo em suas linhas capitalistas fundamentais, as quais se fizeram
marcantes a partir dos anos em torno da Primeira Guerra Mundial.
Ressaltamos que é necessário compreender a problemática política daqueles autores e
como a enfrentaram teoricamente. Não estamos apresentando uma reconstrução histórica da
evolução do pensamento dos teóricos “clássicos” do imperialismo. Procuramos sobretudo
alcançar uma visão (em condições de tomar sinteticamente as aquisições fundamentais), um
resultado final, por assim dizer, com o objetivo de restituir a vitalidade de conceitos de
máxima relevância para a compreensão do mundo presente e futuro.
332
Levando-se em consideração a formulação utilizada por CHESNAIS (2003), “regime
de acumulação com dominância financeira”, compreendemos a tese de que o capital
financeiro domina o ciclo de acumulação mundial, mas apenas no sentido apresentado por
Hilferding e Lênin (capital bancário + capital industrial). Entretanto, devemos ressaltar que o
capitalismo de hoje se utiliza da lógica do capital fictício para impor sua dominação e não a
do capital financeiro.
Citando Hilferding: “O capital financeiro é portanto um capital de que os bancos
dispõem e que os industriais utilizam” (1985, p.227). Lênin a complementa tratando do
aumento da concentração da produção e do capital em tão elevado grau que conduz, e tem
conduzido, ao monopólio. Porém devemos nos remeter àquela descrição feita por Lênin no
capítulo 1 deste trabalho acerca do papel dos bancos. Nela, o autor afirma que a operação
fundamental e inicial que os bancos realizavam era a de intermediários nos pagamentos. É
desta forma que convertiam o capital monetário inativo em capital ativo, ou seja, reuniam
todos os rendimentos em dinheiro e colocavam à disposição da classe capitalista.
Contudo, à medida que se desenvolvem e se concentram num número reduzido de
estabelecimentos, os bancos convertem-se, de modestos intermediários que eram antes, em
monopolistas onipotentes, que dispõem de quase todo o capital monetário do conjunto dos
capitalistas e pequenos empresários, bem como da maior parte dos meios de produção e das
fontes de matérias-primas de um ou de muitos países.
Esta transformação dos numerosos e modestos intermediários num punhado de monopolistas constitui um dos processos fundamentais [grifo meu] de transformação do capitalismo em imperialismo capitalista, e por isso devemos deter-nos, em primeiro lugar, na concentração bancária (LENIN, 1986, p.597).
Concorrência, reestruturações, crises são todos momentos conjunturais que podem
lançar um ciclo acelerado de centralização dos capitais, mas a natureza do processo é sempre
aquela.
333
A predominância dos mercados financeiros é uma das características dominantes do
capitalismo imperialista nos dias de hoje. É importante observar que a noção de mercados
financeiros resulta do modo em que o capitalismo vem tentando historicamente superar sua
própria anarquia mediante a organização da produção. Os monopólios (cartéis, trustes,
grandes grupos, hoje multinacionais ou transnacionais) substituíram as empresas individuais,
de forma que o capital bancário se uniu ao capital industrial e já na época clássica do
imperialismo a vida econômica se via dominada pela oligarquia financeira.
Para discutir a predominância deste tipo de capital pode-se recorrer a Caputo e Pizarro
(1970, pp. 241-300), que na tentativa de compreender o capitalismo pós-guerra, selecionam
alguns aspectos que segundo eles seriam vitais para esta tarefa. Dentre estes aspectos dão
especial importância a forma de capital que seria a dominante na economia. Estes autores
tomam este aspecto como central devido à necessidade que se tem de discutir com as análises
que afirmam que o capital corporativo tomou o lugar do capital financeiro como o principal
articulador e direcionador da economia mundial, em especial devido a sua capacidade de
autofinanciamento10.
Para discutir com esta afirmação, defendem que é necessário questionar onde de
encontra o centro de decisão fundamental da economia capitalista monopólica. Destacam que
“si existe el predominio del capital corporativo, el centro de decisión estará en el interior
mismo de la empresa; en cambio, si persiste la tesis clásica, el poder de decisión se
encontrará fuera de la empresa, en los ‘grupos de interés’ que forman parte de la oligarquía
financiera” (CAPUTO E PIZARRO, 1970, p.243).
O predomínio do capital financeiro significa que as decisões são tomadas fora da
empresa, produzindo uma separação da propriedade do capital e da produção que dá a
10 Convém ressaltar que Caputo e Pizarro escrevem no final dos anos 60, quando a lógica hegemônica do capital fictício, categoria fundamental para o entendimento do capitalismo contemporâneo (ao invés de capital financeiro) ainda é incipiente. O imperialismo continua sendo a fase superior do capitalismo, agora se utilizando da lógica do capital fictício para impor sua dominação, e não a do capital financeiro (ao menos em termos de manifestação, e não de conteúdo), como no início do século passado.
334
oligarquia financeira um caráter parasita e, com ela, ao conjunto do sistema. Na economia
mundial de hoje, o papel dos bancos é cada vez mais importante, segundo estes autores, se a
gerência e a administração dos capitais têm um caráter técnico, a coordenação entre estas
atividades é financeira. Além disso, mesmo que os bancos possuam apenas parte do capital
total, dos depósitos, dos fundos de terceiros, o conhecimento das empresas e dos mercados é
que lhes dão muito mais poder.
Sobre os bancos se acumulou um emaranhado de instituições financeiras como as
seguradoras, bancos de investimentos, fundos de pensão, dentre outras, que fortalecem o
poder do capital financeiro. É através destes mecanismos e em função destes que grande parte
das decisões são tomadas e os capitais são movimentados.
Da época clássica para a atualidade modifica-se o mecanismo do mercado financeiro,
mesmo que ele ainda continue desempenhando o papel do princípio do século passado, onde
os acionistas ou investidores, exigiam das empresas a maior rentabilidade possível, e a não
subordinação desta rentabilidade em relação à produção e à comercialização, buscando
ampliar cada vez mais os dividendos. Esse é o rentismo parasitário descrito por Lênin e que
ainda opera na economia mundial.
Atualmente mesmo este mecanismo ainda sendo essencial, como meio de se apropriar
da mais-valia, ele já não é mais suficiente. Na contemporaneidade os acionistas, os
investidores, por conta da massa gigantesca de capital que dispõem e da dificuldade cada vez
maior de rentabilizá-los na esfera da produção, não podem contentar-se com este sistema
clássico de inversão em ações e da rentabilidade destas ações. Hoje os “investidores” são em
primeiro lugar grupos industriais e financeiros, as multinacionais, os bancos, os fundos de
investimento (mutual funds) e os fundos de pensão. Não podem contentar-se em comprar
ações e esperar o final do período para o pagamento dos dividendos. Estes capitais necessitam
335
buscar sem cessar métodos de rentabilizar suas carteiras de títulos na especulação, sob a pena
de se desvalorizarem.
A quase totalidade dos ativos bancários, as ações por exemplo, é constituída de capital
fictício, e seu processo de valorização tende a se desviar do valor do capital real que,
formalmente, representam. A expansão do capital monetário nos dias de hoje e suas formas de
apropriação do valor produzido na esfera produtiva é discutida por diversos autores.
Serfati (1998, p.146) mostra como a frutificação desse capital dinheiro, nos dias atuais,
sob a forma de dividendos, de juros e de variedades híbridas de rendimento, se baseia no fim
das contas, no valor criado na esfera da produção de bens. A tirania dos mercados não
significa nada mais que o direito dos que centralizam esse capital-dinheiro, depois de o terem
criado e multiplicado, de arrogar para si uma parte desmesurada das riquezas criadas no
processo de produção. Para o autor, é importante distinguir os níveis de análise. Nas contas
dos grupos econômico-financeiros, os rendimentos obtidos com a valorização dos diferentes
tipos de capital são somados para formar o lucro, que resulta, assim, de uma valorização
global do capital. Mas, sob o ponto de vista da escala de conjunto do capital
(macroeconômica), é diferente. Os rendimentos financeiros, ou seja, os que são obtidos
através das diversas formas de aplicação do capital dinheiro, constituem retiradas antecipadas
sobre o valor criado na esfera produtiva.
Conforme pontuamos no capítulo 5, para alguns autores, estaríamos hoje, diante de um
novo regime de acumulação sob a égide do capitalismo financeiro. Para José Carlos Braga
(Braga, 1999, p.9), por exemplo, o modo pelo qual o capitalismo está funcionando nos
últimos 25 anos, aproximadamente, revela a existência de um processo autonomizado do
dinheiro e das finanças (capitalização financeira) que corre em paralelo ao processo de
geração de renda pela produção (lucros operacionais e salários), processando-se contudo sob
uma dominância financeira que constitui uma verdadeira “financeirização” da riqueza. Aquela
336
capitalização não seria apenas um período especulativo exacerbado e precursor último da
grande crise de desvalorização, ela seria um elemento da estrutura, essencial à gestão e
realização da riqueza e gerador de uma instabilidade característica. Ainda o autor, mostrando
como vêm sendo evitados os crashes generalizados e sobre o papel das autoridades
monetárias no processo:
Este monitoramento do dinheiro e das finanças, no que tange à geração e gestão de liquidez, dá àquelas empresas a possibilidade de não exercer plenamente os direitos de propriedade de seus títulos financeiros, quando existe ameaça de corrida desvalorizadora, coisa que se acontecesse ocasionaria um gigantesco crash financeiro. Este poder privado de liquidez explica em parte porque as grandes flutuações dos mercados acionários não se transformaram em quebras generalizadas, até porque, embora, sempre os bancos centrais compareçam com a liquidez de sua moeda central, esta liquidez pública já não é onipotente face à absurda dimensão da riqueza financeira (ibid, p.9).
Relacionado ao ponto anterior estariam, segundo o autor, as finanças públicas reféns
deste processo. Estariam sancionando os ganhos financeiros privados e ampliando a
financeirização generalizada dos mercados, a cuja especulação os bancos centrais seriam cada
vez mais vulneráveis.
O papel do capital atuante na área financeira, sempre teve sua importância destacada
pelas correntes marxistas nos processos de concentração e centralização do capital, como
aponta Klagsbrunn. Seria problemática, porém para uma “(...) análise realista e não
idealista(...) ”, a dominação da esfera produtiva pela esfera financeira. “A riqueza auferida
pela esfera financeira tem que ser antes de mais nada, produzida.” (Klagsbrunn, 1998, p.11).
Nosso trabalho teve como objetivo tentar entender a origem e o comportamento de
algumas características essenciais do processo de acumulação de capital atual. Embora tenha-
se em mente que a riqueza tem sua fonte na produção, ou seja, a valorização do capital
financeiro têm sua origem no capital produtivo, o fortalecimento do capital fictício gerou um
maior grau de autonomia da esfera financeira com relação à produtiva. Com isso, a aparência
337
de que alguns fatores de determinação do investimento produtivo passaram a ser
determinados pela lógica financeira.
Dessa forma, torna-se imprescindível retomar Lênin, ao citar Marx, quando se refere
ao papel dos bancos na fase imperialista: “Os bancos criam, à escala social, a forma, e nada
mais que a forma, de uma contabilidade geral e de uma distribuição geral dos meios de
produção” (MARX apud LÊNIN, 1986, p.602). E segundo ele, analisar a concentração
bancária, sua rede de escritórios, de filiais, etc, significa ver a contabilidade geral de toda a
classe capitalista e não só capitalista, tendo em vista que os bancos recolhem, ainda que
apenas temporariamente, as receitas monetárias de todo o gênero, tanto dos pequenos patrões
como dos empregados, e da reduzida camada superior dos operários, conforme ressalta Lênin.
Na forma, uma repartição geral dos meios de produção, no conteúdo, uma distribuição dos
meios de produção privada, conforme os interesses do grande capital. E ainda:
Na socialização da economia capitalista, começam a competir com os bancos as caixas econômicas e os estabelecimentos postais, que são mais “descentralizados”, isto é, que estendem a sua influência a um número maior de localidades, a um número maior de lugares distantes, a setores mais vastos da população” (LÊNIN, idem, p. 603).
Como podemos ver esta é natureza de um dos processos fundamentais de
transformação do capitalismo em imperialismo. Hoje temos “novos” sujeitos, protagonistas da
concorrência.
Considerando que Marx considera que o sistema do crédito é uma potência
absolutamente nova, uma arma temível na luta da concorrência, um mecanismo social
grandioso para a centralização dos capitais, os fundos de pensão e os fundos de aplicação
financeira devem ser analisados neste sentido.
Estes últimos, posteriormente, utilizam créditos dos grandes bancos para operar na
Bolsa, conquistar empresas, tornando ativos capitais individuais, familiares ou dos fundos de
pensão que eram temporariamente inativos; conduzem as empresas fora da Bolsa,
centralizando capitais e concentrando produção, para reintroduzir enfim novas empresas
338
centralizadas e concentradas na Bolsa. Tanto Marx quanto Lênin se referem à “alta técnica”,
de centenas, de milhares de pessoas especializadas na ilusão financeira. Vários escândalos
financeiros mundiais têm antecipado cada uma das legislações bancárias ou financeiras.
Hoje no mercado mundial temos uma grande liquidez de capitais e assim vemos estes
“novos” estabelecimentos muito operativos, mas atrás deles estão sempre os grandes bancos
(fornecedores dos créditos para cada operação).
Trata-se de analisar como agem, como operam. Chesnais, por exemplo, alude a novas
formas de relações entre acionistas, dirigentes e assalariados. O ativismo dos hedge funds, dos
fundos de aplicação financeira, hoje, está mudando aquelas relações (benefícios, planos
acionários para os dirigentes, etc), pondo em primeiro lugar antigas relações entre acionistas e
dirigentes, passando de uma ditadura dos dirigentes à velha ditadura dos acionistas, utilizando
os créditos dos grandes bancos. Antes, muitos teóricos das “novidades” analisavam
justamente esta mudança da seguinte maneira: os acionistas não detinham mais o controle das
sociedades; ao contrário, os dirigentes eram os que possuíam o controle absoluto, em parte,
graças à neutralidade dos fundos de pensão.
Assim se dá no uso dos produtos financeiros como os derivativos. Dessa forma,
analisando os fundos de pensão, percebemos que agem como bancos para seus sócios
(créditos imobiliários, para o consumo, etc), e possuem grandes bancos como fiduciários,
investem em todos os setores industriais e de serviços, tornando ativos capitais inativos
(aqueles dos empregados). Não se trata mais de uma reduzida camada superior dos
trabalhadores, mas de amplas camadas destes operários em muitos setores industriais.
Conforme identifica a teoria do imperialismo apresentada em O Imperialismo: fase superior
do capitalismo (op.cit.), a competição cresce com novos protagonistas: ou seja que os fundos
de pensão recolhem receitas monetárias dos empregados e operários, antes, inativas.
339
Consideremos um pouco o fundo de pensão norte-americano CalPERS11: possui
investimentos para 212 bilhões de dólares (o seu banco fiduciário é State Street Bank &
Trust), assim partilhados: 1,4% investimento de curto prazo, 40% ações nacionais, 21,2%
ações internacionais, 21,9% títulos da dívida nacional, 2,6% títulos da dívida internacional,
7,2% investimento imobiliário, 5,7% investimentos alternativos. Isto é, a maioria dos
investimentos encontra-se em ações nacionais e internacionais. A CalPERS tem um programa
Member Home Loan iniciado há 25 anos para financiar ou re-financiar a aquisição da casa
para os seus membros: de 1981 foram oferecidos mais de 129.000 empréstimos imobiliários
com um valor de mais de 20 bilhões de dólares, trabalhando com 37 instituições fornecedoras
de empréstimos.
Os materiais inflamáveis para uma crise hoje crescem incessantemente. Pretendemos
lembrar dessa forma a colocação deste mesmo autor citado anteriormente, em março de 1919,
no Relatório sobre a revisão do programa do Partido (2003a), referindo-se explicitamente a
Bukharin: “O imperialismo puro, sem o fundamento do capitalismo, nunca existiu, não existe
em lugar algum, e não poderá nunca existir”. A guerra destrói “este aparato artificioso e
ressuscita o velho capitalismo” (ibid.). Isto é, a fase monopolista se enxerta no próprio
capitalismo, e portanto, suas leis não mudam.
Lênin aprofunda a colocação:
É um erro natural no qual se cai muito facilmente. Se estivéssemos em frente a um imperialismo integral que tivesse transformado de cima a baixo o capitalismo, nossa tarefa seria muito fácil. Teríamos um sistema no qual tudo seria submetido apenas ao capital financeiro. Então seria suficiente suprimir a parte superior e entregar o restante nas mãos do proletariado... [na realidade] O imperialismo é uma superestrutura do capitalismo. Quando sacode, estamos frente à destruição da parte superior e à base posta a nu (ibid, tradução nossa).
Ou seja, Lênin afirma que o essencial pode ser analisado na base do imperialismo,
porém na realidade existe o subsolo do velho capitalismo. Isto é, podemos analisar o
desenvolvimento geral do mercado dominado pela lógica do capital fictício, mas não podemos
11 Dados extraídos da própria instituição: ver www. calpers.ca.gov.
340
esquecer que existe uma acumulação grandiosa do velho capitalismo: grande parte do
mercado chinês, índico, brasileiro, bem como o russo e Europa de Leste, etc.
Chesnais (2003) identifica uma realidade já analisada por Marx, “a nova potência do
crédito”; outros falam de domínio de um capital monetário, tais como Braga e Serfati, sem
compreender onde surge a atual liquidez do capital em forma-dinheiro e como esta se
transforma em capital ativo, operante em todo os setores do capitalismo. Esta descrição
portanto apresenta um sério problema teórico: para Marx, a propagação do capital acionário e
com isso da forma “mística” da mais-valia, o juro, constitui uma causa que se opõe à queda
tendencial da taxa de lucro. Isso pois se reduz à concorrência entre empresas “onde o capital
constante é proporcionalmente tão grande em relação ao capital variável”, e outras empresas
individuais menos concentradas. Isto põe a nu uma série de fenômenos (sociedades por ações
– spa -, concentração industrial, sistema do crédito concentrado, desenvolvimento da sub-
categoria do juro, etc) que se entrelaçam no nó comum do crédito e do seu fundamento, isto é
a estrutura monopolista assumida pelo capitalismo.
Neste sentido, Lênin referia-se quando observava, sobre a expressão utilizada de
Hilferding na definição do capital financeiro, que “não é completa porque não indica um dos
aspectos mais importantes: o aumento da concentração da produção e do capital em tão
elevado grau que conduz e tem conduzido ao monopólio” (1986, p. 610), transformando-a em
“Concentração da produção; monopólios que dela resultam; fusão ou interpenetração dos
bancos com a indústria: tal é a história do aparecimento do capital financeiro e do conteúdo
deste conceito” (ibid, p.610). Marx e Engels ofereceram a lei geral do crédito que é comum
seja às Spa e às maiores combinações industriais, seja ao sistema do crédito strictu sensu.
Fala-se hoje de uma suposta “concentração puramente monetária de capital que
demanda a intermediação de múltiplos papéis de propriedade, impondo porém a todos uma
alta liquidez, isto é, sua imediata conversibilidade em moeda internacional, que exige uma
341
frenética e dispersa atividade (em operação) de extração de trabalho excedente” (cf.
FONTES). Fala-se de uma “desvalorização relativa do capital constante” destinado à infra-
estrutura, bens e equipamentos, em especial no âmbito das infra-estruturas fixas. Parece-nos
suficiente lembrar de uma outra colocação fundamental e esclarecedora. No debate já citado
para a revisão do programa de Partido, Lênin em outubro 1917, criticando Sokolnikov, alega
que é um erro afirmar que no mercado mundial são injetadas massas de mais-valia
acumulada: “Efetivamente, os capitalistas não podem realizar sem dificuldade e sem crises
não só a mais-valia, mas também o capital variável e o capital constante. No mercado são
injetadas massas de mercadorias que são não apenas valor acumulado, mas também valor que
reproduz capital variável e capital constante. Por exemplo, no mercado mundial são injetadas
massas de ferro ou aço que precisam ser realizadas através da troca de bens de insumo para os
operários ou de outros meios de produção (...)” (LÊNIN, op.cit, s.p).
Hoje a alta liquidez no mercado é originada no enorme desenvolvimento da produção
de mercadorias (seria suficiente pensar na produção mundial de aço, de automóveis, etc) e na
troca mundial, no comércio mundial. Por exemplo, a crise atual dos mercados imobiliários
indica que a queda dos preços no mercado imobiliário apenas nos EUA (superprodução
imobiliária no mercado) precede a crise financeira dos empréstimos imobiliários não
assegurados e dos seus derivativos e por conseguinte a crise dos bancos mais expostos e a
queda dos preços nas Bolsas, sendo a primeira a causa principal da mesma crise. As
intervenções do FED e do BCE pretendem restabelecer uma liquidez mínima no mercado das
Bolsas. Isto é, a superprodução imobiliária é a causa fundamental, provocando a crise
financeira. A queda dos preços imobiliários desvaloriza todo o sistema de empréstimos
imobiliários e de seus derivativos provocando vendas imediatas e uma exposição dos bancos.
O imperialismo não deve ser visto apenas através dos aspectos político-militares,
alguns dos quais, pelo contrário, estão se transformando (vide o colonialismo); deve ser
342
considerado principalmente como fenômeno econômico. Ressaltamos esta necessidade, tendo
em vista uma das críticas apontadas por Boron (2007) à teorização clássica do imperialismo.
Segundo este autor, “a rivalidade econômica entre as grandes potências metropolitanas já não
se traduzia em conflitos armados como a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais” (BORON,
2007, p.4), dado que o que agora ocorre é uma concorrência econômica, por vezes de extrema
ferocidade, mas que nos últimos cinqüenta anos jamais se traduziu em um entendimento
armado entre as mesmas. Ou seja, segundo Boron, esta seria a grande marca da “diferença
entre o cenário dos tempos da Primeira Guerra Mundial (sobretudo) e o acontecido nos
últimos anos”, os enfrentamentos econômicos não desembocaram em um conflito armado.
Contudo, conforme a mesma clássica teorização do imperialismo, este fenômeno é,
essencialmente, conquista ou partilha do mercado e conseqüente luta com meios pacífico–
diplomáticos ou coercitivo–militares: conquista e partilha que se realiza através da supremacia
nas trocas comerciais e a exportação de capitais pelos países mais industrializados.
Levando-se em conta esse aspecto da teoria marxista e leninista, evitamos considerar
imperialismo somente aquilo que se manifesta nas velhas formas colonialistas, limitadas a
uma determinada conjuntura, e podemos caracterizá-lo em todas as formas econômicas pelas
quais, substancialmente, é constituído.
Em outras palavras, trata-se de restabelecer a definição de imperialismo referindo-se
às mesmas fontes da teoria marxista e às leis objetivas que esta identificou no processo de
produção capitalista.
Restabelecer a definição de imperialismo, compreender esta afirmação significa
retomar as contribuições de Marx e Engels e o debate sobre o imperialismo. Em particular
parece-nos necessário recordar não somente a luta teórica contra Kautsky mas também o
debate teórico frente ao economismo imperialista (Bukharin-Kíevski/Piatakov) em 1916 e nos
anos seguintes. Em síntese, de acordo com Lênin (2003b), Kíevski/Piatakov confunde a
343
essência econômica do imperialismo com suas tendências políticas, identificam no
imperialismo um “sistema de política externa”12. Trata-se de uma repetição errada de uma
idéia errônea de Kautsky13. Uma definição puramente política, apenas política, do
imperialismo, que vai desembocar na teorização do ultraimperialismo. A conseqüência desta
formulação reside em grande parte nas recentes (século XXI) análises equivocadas sobre a
dinâmica mundial contemporânea. O melhor exemplo a título de ilustração para nossa
contestação diz respeito novamente à obra Império de Negri e Hardt (op.cit.)
Resumindo a definição do imperialismo de acordo com a teoria leninista do
imperialismo:
Economicamente o imperialismo (ou “época” do capital financeiro, a questão não está na palavra) é o grau mais elevado do desenvolvimento do capitalismo, precisamente o grau em que a produção se tornou tão grande e imensa que a libertade de concorrência é substituída pelo monopólio. É nisto que reside a essência econômica do imperialismo [grifo nosso]. O monopólio manifesta-se nos trusts, consórcios etc, na onipotência de bancos gigantescos, na apropriação das fontes de matérias-primas, etc, na concentração do capital bancário, etc. Toda a questão está no monopólio econômico...(Lênin, idem, p.621).
O imperialismo é, economicamente, o capitalismo monopolista. Os monopólios lutam
para eliminar os concorrentes não apenas do mercado interno, mas também do mercado
externo, de todo o mundo. Quanto a este tema, Lênin se coloca a seguinte questão: existe a
possibilidade econômica, na era do capital financeiro de eliminar a concorrência mesmo num
Estado estrangeiro? A resposta é positiva e o meio é a dependência financeira (bancos e
monopólio das ações) e a apropriação das fontes de matérias-primas e depois de todas as
empresas do concorrente, etc.
Mas seria o mais profundo dos erros considerar que o monopólio dos trusts é economicamente factível com métodos de luta puramente econômicos? Pelo
12 Este texto foi escrito em resposta a um artigo de Pyatakov (P. Kievsky), The Proletariat and the 'Right of Nations to Self-Determination, in the Era of Finance Capital (1916). Posteriormente, Lênin escreveu um outro artigo em resposta a Kievsky, A Caricature of Marxism and Imperialist Economism. 13 Kautsky declarou na controvérsia com os elementos da esquerda que o imperialismo é “apenas um sistema de política externa” (a saber, de anexação), que se pode chamar imperialismo a um certo estágio econômico, um grau de desenvolvimento, do capitalismo.
344
contrário, a realidade demonstra a cada passo que isto é “factível”...Aqui está uma análise puramente econômica da força dos trustes e da sua ampliação. Aqui está uma via puramente econômica da ampliação: o monopólio de empresas, de estabelecimentos, de fontes de matérias-primas (idem, p.631).
O grande capital financeiro de um país pode sempre se apropriar dos concorrentes de
um país estrangeiro politicamente independente e o faz sempre. Economicamente isto é
plenamente factível. “A ‘anexação’ econômica é plenamente ‘factível’ sem a anexação
política e encontra-se constantemente”. O autor nos fornece o exemplo da
Argentina/Inglaterra e de Portugal/Inglaterra, sobre os quais adverte que com a anexação
política, a anexação econômica é freqüentemente mais cômoda, mais barata, sendo mais fácil
subornar funcionários, conseguir concessões, fazer aprovar leis vantajosas, etc., mais
conveniente, mais tranqüila.
Teoricamente vemos a luta pela partilha mundial como um fenômeno econômico
factível, apesar das anexações políticas. Lembramos que, a luta pelas colônias, pelos países
débeis já existia antes da época do imperialismo. Naquele momento histórico, a característica
do imperialismo contemporâneo era de que toda a terra se encontrava ocupada por este ou
aquele Estado, já se encontrava totalmente partilhada. Apenas por isso, a nova partilha
mundial não tem sido possível senão com uma guerra mundial. E ainda, os trustes, os cartéis
organizados internacionalmente existiam já antes do imperialismo: toda SpA com a
participação de capitalistas internacionais é uma união de capitalistas organizados em escala
internacional.
O que caracteriza o imperialismo é algo que antes do século XX não existira: isto é “a
partilha econômica do mundo entre os trustes internacionais, a partilha dos países entre esses
trustes na base de um acordo entre eles, como regiões de escoamento” (LÊNIN, 2003c).
Agora nos parece suficiente afirmar que a lei do desenvolvimento desigual do
capitalismo na época imperialista permitiu uma análise concreta e real dos anos 50-80. Hoje
todo o mercado mundial é capitalista, novas potências imperialistas surgiram e outras estão
345
em via de amadurecimento, com seus trustes, monopólios e bancos lutando pela partilha do
mesmo mercado mundial, no sentido descrito pela teoria do imperialismo. Entretanto, as
batalhas para conquistar grupos mineiros, bancos, indústrias não são resultado da ilusão de
ganhar dinheiro sem a mediação do processo de produção, mas da luta por uma nova partilha
econômica do mercado mundial. A lógica do capital continua a impor sua dominação no
mercado mundial, bem como a globalização da categoria do capital fictício. A bolha
imobiliária sacode o “castelo de papel” do capital fictício fazendo os grupos financeiros dos
velhos imperialismos perderem força e permitindo a “nova proteção” dos capitais financeiros
dos novos imperialismos.
Uma das críticas apontadas por aqueles que negam a teoria do imperialismo afirma
que este não pode ser identificado como fase particular do capitalismo, como fase histórica do
mesmo. O argumento é reiterado com a afirmação de que não é possível relacionar a lei de
acumulação capitalista à idéia de um imperialismo enquanto fase. Ao contrário dos ciclos de
acumulação, constituídos de períodos de expansão financeira, marcados por diferenças
quantitativas, de crescente intensidade, e, por conseguinte qualitativamente diferentes entre si,
conforme Arrighi e Silver (2001).
Pretendemos lembrar que o próprio Engels relaciona a lei de acumulação a toda uma
serie de modificações sobrevindas a 1865, quando o Livro III de O Capital foi escrito.
Escreve Engels: “(...) transformação gradual da indústria em empresas por ações. Um ramo
após o outro vai ao encontro de seu destino” (MARX, 1996, L.III, p.506). Engels especifica
os ramos historicamente: siderurgia, indústria química, indústria têxtil, cervejarias. Assim
temos os trustes que criam empresas gigantescas com direção comum. O mesmo se dá com o
comércio, com as lojas de varejo. O mesmo com bancos e outros estabelecimentos de crédito
inclusive na Inglaterra. Inúmeros estabelecimentos novos, todas as ações delimitadas.
Continua:
346
O mesmo na área da agricultura. Os bancos que se expandiram enormemente sobretudo na Alemanha (com vários nomes burocráticos), tornam-se cada vez mais portadores de hipotecas; com suas ações, o verdadeiro domínio sobre a propriedade fundiária é transferido à Bolsa, e isso vale mais ainda quando as terras caem nas mãos dos credores. Atua aqui poderosamente a revolução agrícola do cultivo das estepes. Continuando assim, é de se esperar o dia em que também as terras da Inglaterra e da França estarão em poder da Bolsa (MARX, ibid.).
Tais linhas parecem-nos bastante semelhantes à caracterização do imperialismo
relacionada aos cinco traços fundamentais da definição de imperialismo. Parafraseando,
podemos assim esquematizar: Bolsa = oligarquia financeira (utilizando-se da lógica de capital
fictício para impor sua dominação); trustes = monopólios; investimento no exterior =
exportações de capitais; colonização+Bolsa = partilha do mundo;
Marx analisa seja a natureza seja o desenvolvimento do crédito e a natureza e o
desenvolvimento das empresas por ações num único contexto lógico, assimilando para
algumas funções essenciais, bancos, instituições financeiras e empresas por ações. No sentido
que trata Marx, o sistema de crédito precisa ser percebido em sentido amplo, incluindo não só
os bancos, mas também os organismos de todo o mercado financeiro. Enfim, no capítulo
sintético do papel do crédito na produção capitalista (Livro III), a nota de Engels explica o
desenvolvimento, a partir do que escreveu Marx, de novas formas de empresa industrial “que
representam a segunda e a terceira potência da sociedade por ações”, a formação dos
monopólios que substituem a concorrência. Segundo ele a continuidade entre a primeira, a
segunda e a terceira potência das sociedades por ações não é dada necessariamente pelas
formas jurídico-institucionais particulares surgidas nas diversas formas emergentes de
organização industrial. Não é fundamental que um cartel ou truste assuma a forma de
sociedade por ações; o que conta essencialmente nas diversas formas de organização
industrial é o grau de concentração da produção e da troca, e assim o crescente grau de
monopólio.
347
É interessante nos remetermos àquela cronologia que Lênin descreve da formação dos
monopólios (apresentada no capítulo 1). De fato, certamente após a segunda guerra mundial,
o fenômeno da cartelização e dos monopólios assumiu uma dimensão menor em relação aos
anos precedentes, mas foi só o resultado da destruição dos monopólios japoneses, alemães e
do enfraquecimento do francês e inglês, posteriormente debilitados através das lutas nacionais
nas colônias e a substituição deles com a hegemonia, influência norte-americana ou russa.
Mas a partir dos anos 60 e 70, cartéis e monopólios passaram a ser novamente uma das bases
de toda a vida econômica mundial. Não podemos afirmar que os traços do imperialismo se
faziam marcantes neste período? Os monopólios nos EUA e na URSS não estavam presentes?
Não existia então a exportação de capitais dos imperialismos dos EUA e da URSS?
Outra crítica (ARRIGHI e SILVER, 2001) direcionada à teoria do imperialismo se
refere à limitação do conceito de capital financeiro às condições de um determinado país, a
Alemanha. Primeiramente, faz-se necessário esclarecer alguns elementos em relação à noção
de capital financeiro.
Com base em Hilferding, Lênin escreve com clareza: “Os bancos, em todo o caso, em
todos os países capitalistas, qualquer que seja a diferença entre as legislações bancárias,
intensificam e tornam muitas vezes mais rápido o processo de concentração do capital e de
constituição de monopólios” (LENIN, 1986, p.605). Mas se essas operações se tornam cada
vez mais freqüentes e mais firmes, se o banco “reúne” em suas mãos imensos capitais; se as
contas correntes de uma empresa permitem ao banco – e assim sucede – conhecer, de modo
cada vez mais pormenorizado e completo, a situação econômica do seu cliente, o resultado é
uma dependência cada vez mais completa do capitalista industrial em relação ao banco.
Paralelamente, desenvolve-se, por assim dizer, a união pessoal dos bancos com as
maiores empresas industriais e comerciais, a fusão de uns com as outras pela compra de
348
ações, mediante a entrada dos diretores dos bancos nos conselhos de administração das
empresas industriais e comerciais, e vice-versa.
Parece-nos muito claro que, tendo em conta a teoria do crédito de Marx-Engels, os
autores acima, em sua noção de capital financeiro, consideram os “bancos” e o crédito em
geral, sem se limitar ao banco misto alemão ou ao banco universal francês. Os autores se
referem à fusão ou interpenetração, de domínio do capital financeiro sobre a vida econômica
de um país e, neste sentido, não há diferença se nesse domínio, a fusão ou interpenetração se
dá entre um banco de depósito/comercial ou um banco de investimento ou de
desenvolvimento com a indústria. Toda a história financeira dos EUA ou da Inglaterra foi
uma história de como ultrapassar a legislação bancária para financiar, dominar, acompanhar,
fundir-se com os grupos industriais. Isto seja durante o período 1900-1920 seja durante os
anos 1930-1960. Os grandes bancos de depósito/comerciais criaram escritórios particulares
(trustes: fundos de pensão, trustes pessoais, trustes por conta de sociedades) para financiar os
grupos industriais; depois os mesmos grupos se estruturaram em “holding” com o mesmo fim;
os empréstimos a curto prazo renovados em intervalos regulares não seriam e não são um
instrumento de controle? Durante os anos 60, corroborando a interpenetração pessoal entre os
maiores 50 bancos comerciais e as 200 maiores sociedades industriais, nota-se que 15 bancos
estavam representados nos conselhos de administração de pelo menos 10 sociedades através
de 1 ou muitos diretores; 14 bancos estavam representados num total de 297 sociedades (ver
capítulo 3). Inúmeros estudos analisam o poder de controle, a influência pesada e em geral do
capital financeiro sobre as sociedades industriais. Portanto, o banco de investimento
encontrava-se e encontra-se coligado a um banco comercial (os exemplos americanos são
inúmeros). A afirmação de Lênin “qualquer que seja a diferença entre as legislações
bancárias” não só nós parece coerente mas fundamental. O mesmo fenômeno do
autofinanciamento, sempre citado (SWEEZY, 1977) para afirmar a menor dependência frente
349
ao capital financeiro, na realidade histórica, torna-se uma fusão direta com o capital bancário:
na Alemanha dos primeiros anos 20, alguns Konzern criaram os próprios bancos; no segundo
pós-guerra grandes grupos industriais criaram suas próprias estruturas de crédito. Durante os
anos 80 foi decretada a falência do banco (no sentido do banco comercial) e a alavancagem
dos assim chamados serviços financeiros: na realidade, o resultado foi uma eliminação
gradual das legislações restritivas dos anos 30 e o ponto de partida de um longo processo de
centralização em todo o setor.
Atualmente, podemos afirmar não existir mais uma tal diferença na legislação seja nos
EUA, seja na Inglaterra, na Europa ou no Japão. A união pessoal entre banco (no sentido mais
amplo) e indústria salta aos olhos de todos. Só um pequeno exemplo referente à composição
do conselho de administração do Citigroup (aquele mesmo que abordamos nos capítulos 3 e
4): o presidente do grupo financeiro é membro do conselho da companhia Johnson &
Johnson; um diretor é membro do conselho da Ford; o Presidente do Banamex, filial do
Citigroup, é membro dos conselhos de Gruma e Televisa; os presidentes de Alcoa, United
Technologies, Siemens AG, Dow Chemical, Xerox Corp e Time Warner são membros do
conselho Citigroup, o mesmo antigo presidente da Chevron. Portanto, Gerald Ford, antigo
presidente dos EUA, faz parte do mesmo conselho14.
O advento da fase imperialista não significa que se unifiquem os ritmos de
desenvolvimento dos diferentes países. É justamente o contrário. A dominação dos trustes
reforça as diferenças entre os ritmos de desenvolvimento dos diversos elementos da economia
mundial. Concomitantemente se insere a tendência geral de uma hiper-concentração
monopolista.
Mandel (1982) refere-se a um modelo de concorrência interimperialista contínua sob
novas formas históricas. Para este autor, tal dinâmica se caracteriza pelo fato de que, embora a
14 Fonte: FED, setembro 2003.
350
fusão internacional de capital tenha sido suficiente para substituir grande número de grandes
forças imperialistas dependentes por pequeno número de superpoderes imperialistas, a força
contrária do desenvolvimento desigual do capital impediria a formação de uma verdadeira
comunidade global de interesses capitalistas, o modelo do ultra-imperialista, o qual conforme
dissemos anteriormente, se aproxima muito da noção de Império de Negri e Hardt.
A novidade da moderna concorrência intercapitalista, em comparação com o imperialismo clássico que Lênin analisou, consiste em primeiro lugar no fato de que apenas três forças mundiais se confrontam na economia imperialista internacional, quais sejam, o imperialismo norte-americano (que controla grande parte do Canadá e da Áustria), o imperialismo japonês e o imperialismo europeu ocidental (MANDEL, 1982, p.234).
Isso se justifica ao se analisar que em nível mundial, a concorrência EUA-Japão-
Europa Ocidental, e mais fortemente EUA- União Européia, vem se intensificando, e de
forma ainda mais evidente com a consolidação, inclusive com a moeda e Banco Central
Único, não podendo deixar de estender tal concorrência ao lembrarmos do amadurecimento
imperialista de alguns dos denominados países emergentes, tais como China e Índia.
351
Considerações finais
“Se fosse necessário dar uma definição o mais breve possível do imperialismo, dever-
se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo” (LÊNIN, op.cit, p.641).
A expansão do capital monetário nos dias de hoje e suas formas de apropriação do
valor produzido na esfera produtiva é discutida por diversos autores.
As crises, as aquisições e fusões dos últimos anos e em curso estão redesenhando todo
o quadro do sistema financeiro em nível mundial. As relações de força, codificadas por
antigas leis bancárias e financeiras de decênios foram imersas em novas formas de emprego
de investimento e de poupança, pela expansão dos mercados financeiros, dando origem,
assim, a uma fase aguda de guerra financeira e do ciclo de concentração do setor.
A expansão cada vez maior do comércio, já apontada por Marx como uma das
características fundamentais do capitalismo, “a criação do mercado mundial”, se efetua na
atualidade dentro de uma conjuntura nova, que requer novas técnicas por parte dos
monopolistas. Para isso, têm recorrido a novas formas de investimentos e operações privadas,
e também a novos tipos de relações econômicas e financeiras entre os governos.
Entretanto, conforme ressalta FONTES, “a financeirização não deve ser lida de
maneira imediata, como nos impele o senso comum, que a considera como o ‘predomínio do
dinheiro sobre a produção’” (2006, p.2). Para Marx, as diferentes formas
(autonomizadas/substantivadas) do capital e, em especial, o setor bancário e o industrial
consistiam em diversas facetas do mesmo fenômeno, inseparáveis.
Conforme discutimos mais pormenorizadamente nas seções anteriores, de acordo com
Marx, seguido de Hilferding, a produção industrial no século XIX atingiu uma tal escala a
ponto de transformar os bancos rapidamente, retirando-os da função usurária central que
352
exerciam, convertendo-os em pólos principais (juntamente com o Estado) de financiamento
do processo produtivo.
Os bancos mudaram de papel, constituindo parte fundamental do capital produtivo, apesar da aparência de “descolamento” em relação ao próprio processo produtivo. Essa aparência revela claramente as contradições entre o setor produtivo, isto é, extrator de mais-valia e o setor que somente extorque juros; porém essa contradição atua no interior de uma unidade orgânica. Essa unidade, que se dá entre o processo produtor de mais-valia, satisfazendo necessidades sejam do estômago sejam da fantasia, como ressaltava Marx, e o capital em geral, que precisa valorizar-se (ainda que sob a forma de capital bancário ou monetário), Hilferding e Lênin definiam como capital financeiro (FONTES, 2006, p.3)
Atualmente, conforme mencionamos ao longo do trabalho, um dos pontos nevrálgicos
quando se discute os temas relacionados à dinâmica do capitalismo contemporâneo, reside na
idéia de financeirização. Retomando Fontes, a financeirização atual deve ser lida como uma
variação de “escala no processo da acumulação de capital e, portanto, uma necessidade
imperiosa para portadores de capital de ‘remunerar-se’ tendo como ponto de partida massas
gigantescas (e crescentes) de recursos” (ibid. p.2). Para estas, ‘render’ torna-se
imprescindível, isto é, valorizar-se, produzir mais-valia, produzir sobretrabalho em escala,
ritmo e extensão correspondentes à suas dimensões.
Neste sentido, a financeirização é entendida como o predomínio do “mega-capital
concentrado”, reunido sob a forma de “capital monetarizado”, “o que significa uma exigência
de sua conversão a cada dia mais rápida em extração de sobretrabalho e reconversão quase
instantânea em dinheiro, ou ‘capital monetarizado + juros’ ” (ibid., p.2). O capital apresenta-
se dessa forma e domina, controla, diretamente ou não vinculado à propriedade direta e
imediata, através do mega-capital, da totalidade das empresas produtivas. As grandes
empresas foram acopladas ao que foi enfatizado por Fontes como “capital monetarizado” e
por ele dominadas através de holdings.
No capítulo 10 de “O Imperialismo”, Lênin escreve:
É geralmente conhecido até que ponto o capitalismo monopolista agudizou todas as contradições do capitalismo. Basta indicar a carestia da vida e a opressão dos cartéis. Esta agudização das contradições é a força motriz mais poderosa do período histórico
353
de transição iniciado com a vitória defnitiva do capital financeiro mundial ( LÊNIN, 1986, p.668).
A tendência à forte expansão dos países emergentes por sua vez provocou, por um
lado, uma intensificação do papel dos bancos sobre o investimento nesses países, com a
abertura de filiais que tendem a se valer dos rápidos processos de acumulação destes países;
por outro, a concentração em metrópoles, com formação de trustes internacionais de bancos.
Os bancos, na busca da repartição dos mercados caracterizada pelos conflitos
imperialistas, têm um papel determinante, pois asseguram o fornecimento de crédito à
exportação de capital e investimentos. Faz-se necessário identificarmos não só o resultado
final, mas a totalidade do processo caracterizado pela inevitabilidade da transformação da
concorrência em concentração e formação de cartéis, monopólios, etc. Isto fica evidente se
retomamos o caso específico da Europa, onde a revolução tecnológica, o advento do Euro e a
abolição das barreiras comerciais, além do processo de consolidação transformaram o banco
em uma indústria global, enquanto que uma concorrência sem precedentes tem redefinido
todo o setor. A expansão dos bancos segue a expansão dos principais grupos imperialistas dos
quais fazem parte.
Trata-se aqui do resultado qualitativo e quantitativo da ascensão do capital financeiro
em concorrência crescente por esferas de influência e quotas de mercado mundial. Este não
seria um fenômeno novo na história do imperialismo, mas o que poderia sim caracterizar a
fase atual é a generalização de um tal fenômeno e seu acrescentar-se quantitativamente.
Se o processo de concentração e centralização do capital, que opera de modo desigual
e desequilibrado nas empresas e nos setores industriais e comerciais, determina a formação
dos grandes grupos que se internacionalizam e competem entre si e com os grandes grupos
internacionais, não se deve esquecer que este processo é só o ápice da pirâmide; que apesar de
a concentração não excluir a formação dos pequenos capitais, a formação dos grandes grupos
354
concentrados e centralizados no capital financeiro se desenvolve incessantemente sobre a
extensão do capitalismo, sobretudo nesses mercados ascendentes.
No caso particular da centralização de capitais dentro do sistema bancário existem
algumas especificidades. Toda a unidade econômica que compõe o sistema é, por si só,
centralizadora dos recursos de diferentes fontes. “Um banco representa por um lado, a
centralização do capital circulante dos prestamistas e, por outro, a centralização dos
prestatários”(MARX, 1985, p.372). O regime creditício, em seu conjunto, representa uma
enorme centralização que confere aos que o controlam um grande poder sobre o processo
geral de acumulação e reprodução de capital. De fato, associada à concentração vem a
formação de estruturas monopolísticas ou oligopólicas. É significativo que, quando esses
processos ganham demasiada evidência no sistema bancário, é posto em relevo nas discussões
o problema do monopólio do crédito. O desenvolvimento capitalista transforma o sistema de
crédito em “uma arma nova e terrível na luta pela concorrência” e “um enorme mecanismo
social pela centralização do capital”.
Retomando o objetivo que assumimos no presente texto, podemos compreender como
os fenômenos advindos no bojo do atual e recente processo de concentração bancária
poderiam ser caracterizados como a manifestação da tendência da concentração monopolista
no período do imperialismo. Este processo, com efeito, tem desenvolvido uma variedade de
instrumentos que pode utilizar, sobretudo, através do aparato estatal. Assim, transformações e
novas configurações diretamente relacionadas àqueles conceitos discutidos ao longo deste
trabalho, capital financeiro, capital fictício, concorrência e monopólio poderiam ser apontadas
como mudanças que resultam no imperialismo tal como se apresenta hoje, isto é, a forma
contemporânea do capital financeiro e do imperialismo, capital fictício.
A possibilidade de maior acumulação assim como da concentração relaciona-se com a
massa de capital social que um banco pode dispor, e portanto, a sua concentração. Autores,
355
tais como Soares (1996), Quartim De Moraes (1996) e Serfati (1998), partindo do arcabouço
analítico marxiano, apontam o fenômeno da concentração bancária como indicador de uma
tendência à concentração monopolista, característica da fase imperialista. Teria hoje a teoria
do imperialismo qualquer poder explicativo para o caso da consolidação bancária e da
“popularmente denominada ‘globalização financeira’ e/ou financeirização do capital” ? A
partir dos autores citados e conceitos desenvolvidos no texto, podemos compreender a
consolidação bancária como indicação de um dos fatos e processos recentes e atuais a
confirmar uma tendência à concentração de capitais intrínseca ao imperialismo.
Contudo, podemos dizer que a acumulação será maior ou menor dependendo de outros
fatores conjunturais, fatores estes apontados pelos autores citados na introdução a ao presente
trabalho, Paula e Marques (2006), entre outros, precisamente como as razões da consolidação
bancária, por exemplo: taxa de juros vigente no mercado, grau de monopolização ou
oligopolização da oferta de crédito, condições vigentes nas relações dos prestamistas e
prestatários, política monetário-financeira do governo, atuação das instituições financeiras por
ele controladas e, condições salariais vigentes. Na medida em que estes fatores promovem
favoravelmente a acumulação de capitais, dar-se-á também uma maior possibilidade de
concentração de recursos sob o controle dos grandes bancos.
A hipótese levantada e perseguida empírico e teoricamente neste trabalho foi a de que
os processos contemporâneos de concentração bancária são uma manifestação da tendência à
concentração do capital em sua fase imperialista, guardando o conjunto das características
essenciais dos processos de concentração bancária que engendraram o capital financeiro na
virada do século XIX para o século XX. Há alguns novos elementos na lógica dominante da
economia mundial, porém hoje se vive mais do que uma continuidade, mas um
aprofundamento da era imperialista, seja através do aumento incessante da superexploração
da força de trabalho, inclusive nos grandes centros capitalistas e países emergentes, seja
356
através da “expansão” do capital de forma fictícia a fim de se contornar a dificuldade de
realização e os constrangimentos da produção de riqueza; um remédio aparente, entretanto,
que na realidade tende a aprofundar a desigualdade nos ritmos de crescimento da economia
mundial, intensificando ainda mais as disputas e os conflitos imperialistas e as crises.
A oligarquia financeira que já era dominante aquela época, hoje, através da
propagação da lógica financeira e da concentração de capitais permitida pela criação destes
fundos, atinge patamares ainda mais significativos, de forma que se pode perceber claramente
que as próprias políticas “sugeridas” pelas instituições “multilaterais” ou pelas potências
imperialistas são justamente as políticas que beneficiam esta camada específica da burguesia.
A exportação de capitais atinge cada vez mais novas perspectivas, na medida em que a
dominação e a apropriação do excedente global se dão na atualidade através da transferência
da mais-valia produzida em todo o globo, que é apropriada, via mecanismos financeiros
(através da especulação, dos pagamentos de royalties, dividendos, juros, e lucros dentre outras
formas características do imperialismo) nos centros do capitalismo, Estados Unidos e Europa,
e ainda, nos países emergentes.
O domínio do mundo pelas associações monopolistas e a partilha territorial do globo
entre as principais potências imperialistas acabam se combinando. Isso ocorre na medida em
que o domínio do globo (não necessariamente territorial da forma clássica) se dá,
preferencialmente, através destas associações monopolistas, que se apóiam em seus Estados
sedes. Isto se dá também através de conquistas diretas, ou seja, através das guerras
imperialistas e intervenções militares, muitas delas em nome de uma prevenção (as guerras
preventivas protagonizadas pelos EUA) ou humanitária, tais como a ocupação militar do
Brasil no Haiti.
357
Para compreender esta dinâmica, sobre a qual tratamos ao longo deste trabalho, foi
imprescindível a releitura das contribuições dos clássicos do imperialismo, observando em
especial o aprofundamento de suas tendências, dentre elas, a consolidação bancária.
358
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