mal invisÍvel a difícil tarefa de combater o cyberbullying · 2013-09-27 · chamar de...

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FOLHA DIRIGIDA4 a 10 de abril de 20132 CADERNO DE EDUCAÇÃO

Sinais podem identificar vítimas

Escritor João Pedro Roriz promove palestras sobre bullying em escolas

Educadora recomendaque pais estejamatentos ao que osfilhos acessam na rede

A difícil tarefa de combater o cyberbullyingMAL INVISÍVEL | Anonimato e alcance maior das agressões morais tornam o bullying na internet mais preocupante

Ser vítima de ofensas via internet pode causar danos psicológicos graves

“O bullying é uma violência invisível”

Ana Maria Albuquerque: bullyingfaz cair rendimento escolar

ARQUIVO

Há muito conhecido peloseducadores, o bullying tem assu-mido uma face ainda mais cruele difícil de ser combatida nasescolas. A popularização do aces-so à internet por uso das maisdiferentes formas de comunica-ção móvel e o hábito cada vezmais frequente, entre jovens eadolescentes, de acessar redessociais, geraram o ambiente per-feito para o que se convencionouchamar de cyberbullying, ou seja,a realização de práticas de cons-trangimento e agressão moralpela rede.

Dois aspectos tornam, paramuitos, o cyberbullying aindamais grave que o bullying tradi-cional. Na prática, o anonimato setransforma em um incentivo amais para o agressor. Além disso,a possibilidade de o conteúdo seracessado por qualquer computa-dor ou dispositivo móvel podeaumentar em uma escala incalcu-lável o tormento das vítimas.

Para a educadora e pós-gradu-ada em Educação Infantil, emEducação e Saúde, professora Bi-anca Acampora, o acesso mais fre-quente dos jovens à tecnologia decomunicação móvel amplia, emuito, os riscos do cyberbullying.“Os meios tecnológicos que, apriori, seriam para melhorar e fa-cilitar a vida das pessoas em to-das as áreas estão sendo utiliza-dos para menosprezar e insultar”,comentou a especialista.

Autora do livro Psicopedagogiaclínica: o despertar das potencialida-des (Editora WAK), Bianca Acam-pora ressalta que a prática cyber-bullying, geralmente, é feita poradolescentes sem limites, insen-síveis e inconsequentes. “Em re-lação a colegas de escola e pro-

fessores, as difamações são inten-cionadas e visam mexer com opsicológico da pessoa, deixando-a abatida e desmoralizada peran-te os demais.”

A possibilidade de utilizar ainternet de qualquer lugar tornamais difícil, para as escolas, fis-calizar e restringir o cyberbullying.Por isso, o primeiro passo acon-selhado por especialistas é a ins-tituição verificar o uso de seuspróprios laboratórios de Infor-mática. Afinal, alunos podemutilizar os equipamentos parapostar mensagens contra algumcolega ou mesmo para acessaremails do tipo e, com isso, darpistas sobre se alguém está sen-do constrangido. “O cyberbullyingpode ser visto em comunidadescriadas com o objetivo de ofen-der e xingar pessoas, na manipu-lação de fotos e nos emails ofen-sivos que invadem o espaço ín-timo da vítima”, exemplifica Bi-anca Acampora.

Em casa, os pais podem adotarcuidados semelhantes. Mesmoaqueles que não são muito famili-

arizados com a Informática podeme devem buscar formas de sabercomo os filhos usam a internet. Éo que defende a professora AnaMaria Albuquerque, psicóloga for-mada pela Universidade de Brasí-lia e autora do livro Cyberbullying eoutros riscos na internet: despertado aatenção de pais e professores (EditoraWAK). “No que se refere à ética nainternet e o que deve ser expostopublicamente na web e o que deveficar no privado, os pais possuemum melhor discernimento do queas crianças e os adolescentes”, sali-enta a educadora, que recomendaque os pais busquem sempre teruma postura de diálogo, e não depunição, com os filhos.

“É muito comum o filho nãoexpressar os problemas ou dra-mas existenciais que esteja viven-do referentes às práticas de cyber-bullying por medo de os paisterem reações como, por exem-plo, deixar o filho de castigo, semusar o computador ou até de to-marem uma atitude mais intem-pestiva na escola”, destaca a pro-fessora Ana Maria Albuquerque.

Uma das dificuldades paraidentificar e ajudar alguém quesofre com cyberbullying é o fatode que, muitas vezes, a própriavítima prefere esconder o pesa-delo que está enfrentando. Noentanto, alguns sinais e compor-tamentos pode ajudar os pais eprofessores a saber quando al-guém é alvo de críticas, ofensase agressões morais.

Segundo a professora AnaMaria Albuquerque, existem al-guns sintomas físicos, psicosso-máticos e emocionais que podemser indicativos de bullying tantofísico quanto pela internet. Quei-xas constantes de dor de cabeça,excesso de sono ou insônia, pe-sadelos, obesidade, bulimia,ansiedade, pensamentos persecu-tórios e síndrome do pânico sãoalguns exemplos de comporta-mentos que podem indicar aocorrência do bullying, que pode,inclusive, afetar rendimento nosestudos por parte da vítima e atéde outros alunos do colégio.

“Cabe ressaltar que tanto as prá-ticas de bullying virtual como a dobullying presencial podem gerarqueda do desempenho escolarentre as vítimas, entre os agresso-res e também entre a plateia queassiste a agressão. Quando o cli-ma escolar fica inóspito e violen-to, isso diminui a capacidade deaprendizagem dos alunos em de-corrência deste tipo de estresse entreos alunos e também entre alunose educadores”, ressalta.

Ana Maria Albuquerque tam-bém trabalha com prevenção aobullying e ao cyberbullying noPortal do Professor. Mantido peloMinistério da Educação (MEC),o site possui um blog destinadoespecificamente para a prevençãoao bullying e cyberbullying, comdicas a educadores e pais sobre

como enfrentar o problema.Há outros serviços públicos que

podem ajudar vítimas, pais e es-colas a lidar problemas relacio-nados com o cyberbullying. NaSafernet, a central brasileira decibersegurança, existe um canalchamado Help Online, que possuipsicólogos especializados parareceber denúncias e auxiliar osjovens e suas famílias. Outraopção é a Polícia de Crimes Di-gitais da Polícia Federal, que cuida

de casos relacionados a ocorrên-cias pela internet, e o Disque 100,um número gratuito para denún-cia de quaisquer casos de viola-ção dos direitos humanos.

Uma estratégia que pode au-xiliar os pais a saberem se seusfilhos são vítimas de cyber-bullying é o uso de softwares decontroles, ou de parental con-trol, como são chamados. Segun-do a professora Ana Maria Al-buquerque, neste caso, é impor-tante que o programa esteja ins-talado em todas as máquinas dacasa e que elas estejam em lo-cais de comum acesso, como asala, o hall ou a cozinha. Ela, noentanto, alerta que a solução nãopode se limitar a isto. “O usode software parental control nãosubstitui o diálogo em casa so-bre vida digital.”

Indícios de ocorrência de bullying•Sintomas físicos: queixas constantes de dor de cabeça, tonturas,náuseas, diarreia, enurese (incontinência de urina), excesso de sono ouinsônia, perda de apetite, dores generalizadas no corpo, apresentararranhões ou machucados.

•Sintomas psicossomáticos: gastrite, úlcera, bulimia, anorexia, rinite,obesidade.

•Problemas de saúde mental: ansiedade, pesadelos, pensamentospersecutórios, oscilação de humor, síndrome do pânico, psicoses,depressão, pensamentos suicidas e suicídio.

•Comportamentos que podem indicar cyberbullying: apresentaransiedade após o uso da internet, aparentando perturbação; diminuir otamanho da tela sempre que um adulto passa por perto; apagar sempre ohistórico dos sites navegados; isolar-se da família e dos amigos;

SERVIÇOSafarnet: equipehelpline@safernet.org.brPolícia de Crimes Digitais da PF:www.crimespelainternet.com.br/delegacias-de-crimes-digitaisDisque Direitos Humanos: 100Blog sobre cyberbullying: e-proinfo.mec.gov.br/eproinfo/blog/bullying

DALIAN

E CASTANH

O

Errata - Na reportagem “Bullying: um mal que atormenta as escolas”, publicada pela FOLHA DIRIGIDA na última terça-feira, dia 1º, foi divulgado, de formaequivocada, que o livro Almanaque da Cidadania era da editora WAK. A publicação, na verdade, é da Editora Paulus.

GABRIEL NASCIMENTOgabriel.arouca@folhadirigida.com.br

Autor do livro Almanaque daCidadania (Editora Paulus), oescritor João Pedro Roriz tem re-alizado palestras em escolas parafalar, entre outros temas, sobre obullying. Segundo ele, a preocu-pação maior em torno da ques-tão é o fato de que as agressõessofridas, principalmente na infân-cia, ter consequências para todaa vida. “Uma situação que acon-tece dentro da escola contaminaa vida de uma criança, porque aescola é a vida dessa criança”,destacou o especialista.

FOLHA DIRIGIDA - COMO PODEMOSDIFERENCIAR O BULLYING DE UMAAGRESSÃO COMUM?João Pedro Roriz - O bullying éaquela violência que acontecetodos os dias. Existe a crise indi-vidual, ou entre dois indivíduos,que não pode ser consideradabullying. O bullying, quandoacontece, ele não é tão facilmentediagnosticado, por isso é muitodifícil você perceber o que estáacontecendo na escola. O profes-sor precisa ter muito “jogo de cin-tura” porque o bullying é umaviolência invisível, e quando vocêvê, já contaminou todo o ambi-ente. Normalmente a vítima temmedo de dizer que está sofren-do esse tipo de violência.

POR QUE ESTE PROBLEMA TEM PRE-OCUPADO TANTO AS ESCOLAS?Porque sabemos que desde a cri-ação da primeira escola, existebullying, desde o momento emque se criou a primeira comuni-dade. Bullying não é um fenôme-no que acontece apenas nas es-colas, em todo lugar em que háuma comunidade, existe obullying. O que a gente pode fa-zer é um trabalho de prevençãopara que isso não venha a ocor-rer. Qual é o porquê da preocu-pação? Nós sabemos que a cur-to, médio e longo prazo, as víti-mas do bullying sofrem traumasque podem se estender até a vidaadulta, e uma situação que acon-tece dentro da escola contaminaa vida de uma criança, porque aescola é a vida dessa criança. É alique ele tem seus melhores ami-gos, ali ele tem os primeiros con-tatos sociais, ali ele entra emcontato com o ideal de autorida-de, etc. Quando uma situação deviolência acontece e ele vê cair porterra a ideia de autoridade, opoder do Estado, ele começa aduvidar desse estado, duvida daautoridade, duvida de si, ele passaa querer fazer justiça com as pró-prias mãos. Daí até partir paravingança é um pulo. Então nós

não vemos o bullying como umproblema de escola. O bullyingé um problema socioeducativo,que quanto mais for inibido,melhor, porque nós vamos criaruma sociedade mais justa.

O SENHOR DISSE QUE ISSO COMEÇANA INFÂNCIA, MAS NÓS REPARAMOSQUE O BULLYING TEM UM PESO MUI-TO GRANDE NA ADOLESCÊNCIA. OSENHOR ACHA QUE ISSO ACONTECEDEVIDO AO PERÍODO DELICADO DETRANSIÇÃO EM QUE O JOVEM SEENCONTRA?Existe o bullying desde a primeirainfância, mas é o chamadobullying indireto. Acontecequando o bully isola a vítima, criafofocas e etc., quando a criançachega ao sexto ou sétimo ano, quesão os anos mais complicados,essas crianças estão vivendo seusprimeiros momentos de liberda-de, e com um detalhe: deixa deter aquele único professor, que oacompanhou durante toda suatrajetória no primário, que conhe-ce os pais, e passa a ter professo-res que são indiferentes ao quese passa no lar dessas crianças, eesse vácuo de poder, para algu-mas crianças, pode ser avassala-dor, então eu proponho aos paisque não se usem muito comoexemplo na hora de dar essa li-berdade aos filhos, que busquemfazer isso de acordo com a neces-sidade da própria criança, do pró-prio adolescente, porque depen-dendo de como for, ele pode sen-tir a falta dessa autoridade, e acriança e o adolescente tem ten-dência a testar o limite do adul-to o tempo inteiro, para saber atéonde ele pode agir, e ele vai fa-zer isso como o colega que estána escola. Ele irá testar o limitedo outro. Se você tem uma reli-gião e eu tenho outra, eu vou testaro seu limite para saber se você

realmente tem certeza do quevocê está falando. E daí para partirpara agressões ou preconceito,para uma situação de estresse, éum pulo. E se eu começar a fazerisso todo dia com você, ou se poracaso já fizeram isso comigo al-guma vez e eu acho que assim eucresci e eu acho que você devecrescer assim e passo a aplicar essemétodo com você, a gente vê es-tabelecida uma situação debullying na escola.

O SENHOR ACREDITA, ENTÃO, QUE ALIBERDADE DEMASIADA É UM DOSFATORES QUE PROPICIAM O DESEN-VOLVIMENTO DISSO?Eu não diria que a liberdade de-masiada, eu diria que esse é ummomento propício para que ascrianças e os adolescentes come-cem a tomar suas primeiras de-cisões e é evidente que ali have-rá erros. Mas os pais têm que es-tar atentos para continuar dandoos limites necessários, e de acor-do com a necessidade daquelacriança. Todo pai tem que ser umpouco pedagogo, essa história decriar os filhos a sua própria ma-neira não funciona bem. Eu di-ria, inclusive, que os pais deve-riam buscar base em livros depedagogia e cidadania, pois elesestão cuidando de uma vidamuito importante, porque essacriança vai se tornar um adulto eprecisará de certos elementos prase sentir seguro.

O SENHOR JÁ DEVE TER FALADO IN-CLUSIVE PARA PAIS. O SENHOR, APÓSAS PALESTRAS, NOTA ALGUM RETOR-NO POSITIVO?Sim. Eu acompanho os efeitosapós as minhas palestras, porqueo que fazemos aqui é suscitarideias para que os professoresentrem no cenário e discutam comos alunos. Nós não temos a pre-

tensão de resolver o problema enem impedir que a violênciaaconteça na escola, mas a genteplanta uma semente. Lembro deuma escola, em Presidente Pru-dente, interior de São Paulo, queum aluno se identificou comobully (o agressor) e falou quepraticava sem saber, porque, naverdade, antigamente ele tam-bém sofria bullying, então eleachava que era uma conduta na-tural. Depois de assistir à pales-tra, ele sentiu o que estava fazen-do e pediu desculpas à vítima. Foiuma cena muito bonita, e todosficaram muito emocionados. Te-nho muitas histórias para contarsobre resoluções de problemas.Há pessoas que ainda adultaslembram daquele garoto ou ga-rota que as perseguiram, isso émuito ruim.

ALÉM DE PROMOVER PALESTRAS EEVENTOS COMO ESSES, QUE OUTRASMEDIDAS O SENHOR ACHA QUE AESCOLA PODE TOMAR PARA CONSCI-ENTIZAR AS CRIANÇAS?Adoção de livros; é importante,também, identificar aquela pes-soa que tem uma propensãomaior a ser a agressora e aquelapessoa que tem a propensãomaior a ser a vítima, porque exis-tem vários tipos de vítimas. Nóstemos, na literatura de hoje damedicina comportamental, oassunto bullying sendo tratadocom muita clareza. Antigamen-te não era. Ou seja, nós temosum apoio que torna mais fácil aidentificação desses persona-gens. E depois se identificar isso,é importante ter paciência, por-que o agressor também é umaespécie de vítima das circunstân-cias. Você não sabe o que essapessoa sofre em casa, o que alevou a agir dessa forma, etc.Lembro de uma escola em Bra-sília que tinha 300 alunos mui-to bem comportados, e apenasum que não se comportava deacordo com as diretrizes da es-cola. A freira, que era professo-ra da escola, disse que no anoseguinte teria que convidá-lo ase retirar. Eu falei: “Você tem300 alunos bons e uma missão,resto está resolvido. Você temuma missão que é com esse me-nino e você vai tirá-lo da esco-la?” Ela me ouviu, depois medisse que não iria expulsá-lo. Eufiquei feliz com isso, porque nóstemos, também, que carregarnossa cruz. Há pessoas na vidada gente que nós temos que li-dar com elas, temos que apren-der a ter neuroplasticidade paralidar com essas pessoas. Pormais que você não goste de certapessoa, você deve aprender aconviver com ela.

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