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Campus Académico de Vila Nova de Gaia Escola Superior de Educação Jean Piaget/Arcozelo
Sandra Marina Parente Castelão Ramos
LITERACIA EMERGENTE EM CONTEXTOS
PRÉ -ESCOLARES INCLUSIVOS: IDEIAS
E PRÁTICAS DE EDUCADORES DE
INFÂNCIA DO ENSINO REGULAR
Mestrado em Educação Especial domínio da
Intervenção Precoce na Infância
dezembro 2013
Campus Académico de Vila Nova de Gaia Escola Superior de Educação Jean Piaget/Arcozelo
Sandra Marina Parente Castelão Ramos
LITERACIA EMERGENTE EM CONTEXTOS
PRÉ -ESCOLARES INCLUSIVOS: IDEIAS
E PRÁTICAS DE EDUCADORES DE
INFÂNCIA DO ENSINO REGULAR
Orientação: Professora Doutora Carla Elisabete Duarte Peixoto
Mestrado em Educação Especial domínio da
Intervenção Precoce na Infância
dezembro 2013
Dissertação apresentada à ESE Jean Piaget de Arcozelo, Vila Nova de Gaia como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Educação Especial
RESUMO
O presente estudo procurou conhecer as ideias e as práticas de
educadores de infância do ensino regular, em contextos pré-escolares inclusivos,
relacionadas com a literacia emergente.
Participaram 53 educadores de infância do Grande Porto a desempenhar
funções em salas de jardim-de-infância inclusivas (i.e., com crianças a usufruir de
serviços de intervenção precoce ou de educação especial). A recolha de dados
realizou-se entre maio e junho de 2013 através de um questionário, constituído por
questões de natureza fechada e aberta.
De um modo geral, os resultados obtidos a nível das ideias dos educadores
de infância indicaram que a maioria defende uma perspetiva holística de
abordagem à linguagem escrita, considerando essencial ou muito importante as
crianças possuírem à saída do jardim-de-infância competências ao nível da
linguagem expressiva e compreensiva, motivação para a leitura e para a escrita,
bem como competências de consciência fonológica. No que concerne as práticas
de literacia emergente, especificamente, a nível da organização do ambiente
educativo, verificou-se que todas as salas possuem biblioteca com uma variedade
razoável de livros, bem como diferentes materiais que proporcionam o contacto
frequente das crianças com o impresso. Além disso, verificou-se que os
educadores de infância privilegiam atividades relacionadas com a linguagem oral
em detrimento de atividades relacionadas com o conhecimento das letras,
encontrando-se diferenças estatisticamente significativas na regularidade de
algumas práticas gerais realizadas entre crianças com desenvolvimento típico e
crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento.
Finalmente, a maioria dos participantes revelou desenvolver um conjunto de
estratégias no sentido de promover o envolvimento das famílias no processo de
desenvolvimento da literacia emergente dos filhos, quer junto dos pais das
crianças com desenvolvimento típico, quer junto dos pais das crianças com
incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento.
No final do presente trabalho são salientadas as limitações do estudo e
propostas sugestões para investigação futura no domínio.
Palavras-chave: Literacia Emergente; Educação Pré-escolar; Incapacidades.
ii
iii
ABSTRACT
This study aimed to understand the ideas and practices of preschool teachers
related to emergent literacy in inclusive preschool settings.
Participated in this study 53 preschool teachers with children who were being
supported by services of early childhood intervention or special education. Data
collection took place between may and june 2013 using a questionnaire with open
and closed questions.
Regarding preschool teachers’ beliefs, the results indicated that, in general,
most of teachers consider an holistic approach to written language, as well as
essential or very important that children have language expression and
comprehensive skills, motivation for reading and writing, and phonological
awareness skills, at the end of preschool education.
In what concerns preschool teachers’ literacy practices, the results indicated
that all activities rooms have a reasonable variety of books and materials that
provide a frequent contact with printed material. The results revealed also that
preschool teachers emphasized activities related to oral language over activities
related to the knowledge of letters, and that there were statistically significant
differences in the frequency of some general practices conducted among children
with typical development and children with disabilities. Finally, most participants
revealed that develop a set of strategies to promote family involvement in the
development of emergent literacy of children with or without disabilities.
At the end of the work are pointed out the limitations of the study and are
offered suggestions for future research in the field.
Keywords: Emerging Literacy; Preschool Education; Disabilities.
iv
AGRADECIMENTOS
Mais do que um trabalho individual, esta dissertação é o resultado da
colaboração intrínseca e extrínseca de várias pessoas num percurso que foi
tudo, menos solitário. Por esta razão quero expressar os meus sinceros
agradecimentos:
Em primeiro lugar à Doutora Carla Peixoto, por partilhar o seu saber,
pelos seus valiosos conselhos, pela paciência, pela disponibilidade e pela
postura crítica com que orientou este trabalho.
À professora Florinda Maciel pelo apoio sistemático e incentivo.
À Carla pela partilha, pela troca de impressões, pela ajuda preciosa e pelo
ombro amigo.
À Isabel e à Márcia pela amizade, companheirismo e pelas palavras de
estímulo e de valorização em momentos cruciais.
À Sameiro pela doçura, generosidade, amizade e dedicação à profissão.
Sem ela este trabalho seria muito mais pobre.
A todos os colegas educadores de infância, que contribuíram para a
elaboração deste estudo, sem os quais não seria possível realizá-lo.
E, especialmente, aos meus lindos e queridos filhos Cristiana, Beatriz e
João Rafael pelo carinho, apoio incondicional, animo e motivação que me
proporcionaram em todos os momentos. Agradeço-vos por me perdoarem
pelas horas em que estive fisicamente distante, bem como por aquelas (e
foram muitas) em que, mesmo presente fisicamente, estava submersa em
papéis e, por isso, longe de vocês.
v
vi
ÍNDICE
Índice geral vi
Índice de quadros vii
Abreviaturas ix
Introdução 11
Capítulo I: ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL E EMPÍRICO 14
1. Literacia emergente: conceito e competências 15
2. A emergência da literacia em contextos pré-escolares inclusivos 21
3. Ideias e práticas de educadores de infância relacionadas com a literacia emergente 37
Capítulo II: APRESENTAÇÃO DO ESTUDO EMPÍRICO 48
1. Enquadramento e objetivos do estudo 49
2. Método 50
2.1. Participantes 50
2.2. Instrumento de recolha de dados 54
2.3. Procedimentos de recolha e análise de dados 56
2.3.1. Recolha de dados 56
2.3.2. Aná lise de dados 57
Capítulo III: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 59
1. Ideias relacionadas com a literacia emergente 60
2.Práticas de literacia emergente 62
2.1.Organização do ambiente educativo 62
2.2. Práticas gerais de literacia emergente 72
2.3.Práticas relacionadas com a atividade de contar histórias 78
2.4. Estratégias de promoção do envolvimento das famílias no desenvolvimento da literacia dos filhos
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS 86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 91
vii
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1. Investigação desenvolvida em Portugal sobre ideias e práticas de educadores de infância relacionadas com literacia emergente
41
Quadro 2. Caracterização sociodemográfica e profissional dos participantes 51
Quadro 3. Caracterização das salas dos participantes 52
Quadro 4. Motivo de referenciação das crianças abrangidas pelos serviços de intervenção precoce ou de educação especial
53
Quadro 5. Apoios que as crianças, abrangidas pelos serviços de intervenção precoce ou de educação especial, recebem para além do prestado pelo docente de intervenção precoce ou educação especial
53
Quadro 6. Estatísticas descritivas obtidas para as dimensões holísticas e tecnicistas
60
Quadro 7. Ideias relacionadas com as competências que as crianças devem possuir à saída do jardim-de-infância
61
Quadro 8. Tipos de materiais de exploração da leitura existentes na biblioteca da sala
63
Quadro 9. Uso da biblioteca da sala por crianças de desenvolvimento típico 64
Quadro 10. Uso da biblioteca da sala por crianças com incapacidades ou risco grave de atraso de desenvolvimento
64
Quadro 11. Outras áreas da sala que dispõem de materiais de leitura e de escrita
65
Quadro 12. Frequência de utilização da biblioteca da sala por crianças com desenvolvimento típico
66
Quadro 13. Frequência de utilização da biblioteca da sala por crianças com incapacidades ou risco grave de atraso de desenvolvimento
67
Quadro 14. Frequência de utilização do computador da sala por crianças com desenvolvimento típico
68
Quadro 15. Frequência de utilização do computador da sala por crianças com incapacidades ou risco grave de atraso de desenvolvimento
69
viii
Quadro 16. Exposição do material impresso na sala de atividades 70
Quadro 17. Tipo de etiquetagem dos materiais da sala 70
Quadro 18. Forma de representação do nome da criança no Quadro de presenças ou de tarefas
71
Quadro 19. Práticas gerais de literacia emergente desenvolvidas com crianças com crianças de desenvolvimento típico
72
Quadro 20. Práticas gerais de literacia emergente desenvolvidas com crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento
74
Quadro 21.
Estatísticas descritivas obtidas para as variáveis compósitas práticas gerais de literacia emergente DT e INC
77
Quadro 22. Práticas relacionadas com a leitura de histórias desenvolvidas com crianças com desenvolvimento típico
79
Quadro 23. Práticas relacionadas com a leitura de histórias desenvolvidas com crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento
80
Quadro 24. Estatísticas descritivas obtidas para as variáveis compósitas práticas relacionadas com a leitura de histórias DT e INC
81
Quadro 25. Estratégias de promoção do envolvimento parental no desenvolvimento da literacia de crianças com desenvolvimento típico
83
Quadro 26.
Estratégias de promoção do envolvimento parental no desenvolvimento da literacia de crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento
84
Quadro 27. Estatísticas descritivas obtidas para as variáveis compósitas estratégias de promoção do envolvimento parental no desenvolvimento da literacia DT e INC
85
ix
AREVIATURAS
CIF. Classificação Internacional de Funcionalidade
DGIDC. Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular
DEB Departamento do Ensino Básico
DT. Desenvolvimento Típico
EPE. Educação Pré-Escolar
INC. Incapacidades
LE. Literacia Emergente.
ME. Ministério da Educação
MEC. Ministério de Educação e Ciência
NEE. Necessidades Educativas Especiais
OCEPE. Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar
OCDE. Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico
PNL. Plano Nacional de Leitura
PISA. Programme for International Student Assessment
INTRODUÇÃO
i
11
Atualmente, sabe-se que as crianças desenvolvem desde cedo um
conjunto de competências, conhecimentos e atitudes precursores do
desenvolvimento da aprendizagem da leitura e da escrita no âmbito dos
contextos informais, como a família, e dos contextos formais, como o jardim-de-
infância (Whitehurst e Lonigan, 1998). Assim, o reconhecimento da importância
da abordagem à escrita na educação pré-escolar tem por base a referência de
que todas as crianças antes de aprenderem a ler ou a escrever formalmente,
contactam de algum modo com o código escrito (ME, 1997).
Em 1997, o Ministério da Educação publicou as Orientações Curriculares
para a Educação Pré-escolar, um dos principais documentos orientadores da
prática dos educadores de infância. Entre outras competências essenciais ao
desenvolvimento da criança, as OCEPE salientam precisamente a necessidade
da educação pré-escolar apoiar as crianças na descoberta das características
do código escrito e das suas funções. As OCEPE vieram, desta feita, ajudar a
valorizar e a ilustrar o papel da educação pré-escolar na promoção do
desenvolvimento da literacia, clarificando a importância de se desenvolverem
atividades lúdicas estruturadas e planificadas que visem a promoção de
competências de leitura e de escrita nas crianças.
Com efeito, nas últimas décadas, temos assistido a um crescente aumento
de trabalhos de investigação na área da literacia emergente, muitos deles com o
interesse em perceber a influência das experiências associadas à linguagem
escrita proporcionadas no jardim-de-infância no desenvolvimento literácito das
crianças. Alguns resultados indicam que o contacto precoce da criança com o
código escrito em ambientes ricos e estimulantes aliados a uma prática
educativa intencional, sistemática e diferenciada é fundamental para um bom
desempenho ao nível da leitura e da escrita (Fernandes, 2005; Mata, 2008).
Por sua vez, os escassos estudos que incluem crianças com incapacidades
evidenciam que estas crianças parecem não beneficiar do mesmo acesso a
materiais e atividades promotores de literacia em comparação com as crianças
com desenvolvimento típico (Justice & Kadaravek, 2004; Katims, 1996;
Koppenhaven, Hendrix, & Williams, 2002; como citados por Rhode, 2011;
Sandall, McLean, & Smith, 2000). Assim, cabe ao educador de infância promover
experiências precoces, com as adaptações curriculares que se julgarem
12
adequadas, que favoreçam a emergência da literacia, nomeadamente nos
domínios da compreensão da escrita para que se potenciem as capacidades de
aprender a ler e a escrever em todas as crianças (Sandall, McLean, & Smith,
2000).
Neste sentido, o presente trabalho de investigação visa contribuir para o
estudo da literacia emergente em contextos pré-escolares inclusivos, analisando
especificamente as ideias e as práticas relacionadas com a literacia emergente
de educadores de infância a desempenhar funções nestes contextos.
A presente dissertação encontra-se organizada em três capítulos. Assim,
no primeiro capítulo apresentamos o enquadramento conceptual e empírico de
acordo com a revisão da literatura realizada. Num primeiro momento,
enquadramos a surgimento do conceito de literacia emergente e, numa
segunda fase, contextualizamos a literacia emergente na legislação em vigor
para a educação pré-escolar, bem como no âmbito de um conjunto de
documentos orientadores da prática educativa. Num terceiro momento, e com
vista a finalizar este capítulo, apresentamos uma súmula dos principais estudos
desenvolvidos em Portugal, nos últimos anos, no domínio da literacia
emergente em contextos pré-escolares.
No segundo capítulo, apresentamos o estudo empírico, no que se refere
ao seu enquadramento, objetivo e método.
O terceiro capítulo é dedicado à apresentação e discussão dos resultados
obtidos no estudo. A dissertação termina com as considerações finais,
nomeadamente sobre a pertinência do tema, a referência a algumas limitações
do estudo e algumas pistas para futuras investigações.
13
CAPÍTULO I
ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL E EMPÍRICO
15
1. Literacia emergente: Conceito e competências
O conceito de iliteracia ou analfabetismo funcional começou a ganhar
dimensão nos anos 90 do século XX, quando se começou a olhar para o ato de
ler não como um mero processo de descodificação, mas reconhecendo ao
leitor um papel ativo na construção da sua narrativa, na medida em que o leitor
interpreta o que lê, conforme o seu próprio nível de entendimento (Prole, 2005).
Assim, o termo literacia abarca e enfatiza a componente compreensiva,
comunicativa e funcional da linguagem escrita (Mata, 1999) e encerra nele
competências específicas como a capacidade de localizar informação implícita,
construir significados, gerir informação, fazer inferências, avaliar e construir
hipóteses interpretativas (Prole, 2005). Este conjunto de competências
perpassa a aprendizagem formal da leitura e da escrita nos processos de
alfabetização e encontra-se intimamente ligado a hábitos de leitura desde a
primeira infância (Prole, 2005).
Assim, reconhecendo a distinção entre níveis de literacia e níveis de
instrução e a importância atribuída aos aspetos significativos e funcionais da
linguagem escrita, importa valorizar desde cedo as experiências precoces da
criança associadas à leitura e à escrita (Mata, 1999).
Na verdade, as competências relacionadas com a leitura e com a escrita
são consideradas, atualmente, como fundamentais para a aquisição de
conceitos promotores de capacidades transversais nos diferentes domínios,
quer do dia-a-dia quer da vida académica, sendo indiciadores do sucesso da
mesma (Cardoso, 2009). Por outro lado, é inegável a importância que o papel
da literacia assume enquanto veículo de participação plena na sociedade em
que vivemos (Peixoto, 2011).
O interesse pelo processo de aquisição da leitura desde idades pré-
escolares começou a merecer atenção especial a partir dos anos vinte, do
século passado, nomeadamente, no que diz respeito aos fatores promotores da
aquisição da leitura (Peixoto, 2011; Silva 2008; Viana, 2002). Procedido deste
interesse surge o termo “prontidão para a leitura” (reading readiness) referido
pela primeira vez, em 1925, no “Report of the National Committee on Reading
16
(Teale & Sulzby, 1986, como citados em Peixoto, 2011), sendo Arnold Gesel
um grande defensor desta teoria. Segundo este psicólogo americano, a
“prontidão para a leitura” era essencialmente o resultado de uma maturação
biológica e, nessa medida, a criança só poderia usufruir de instrução formal
quando estivesse cognitivamente madura (Fernandes, 2004; Mason & Sinha,
1992; Viana, 2002; Whitehurst & Lonigan, 1998).
Apesar do modelo biológico de aquisição de leitura e escrita proposto por
Gesell, assente na influência da maturação neural, influir em muitas práticas
educativas, Coltheart (1979, como citado em Mason & Sinha, 1992) advoga
que aguardar que a criança atinja determinado desenvolvimento maturacional
para lhe proporcionar oportunidades de leitura e escrita é desprovida de
sentido, na medida em que se é a maturação que influencia a capacidade de
aprender não podemos defender que a leitura é influenciada pela instrução. Por
outro lado a idade em que se inicia a alfabetização das crianças difere de país
para país, num intervalo de 5 a 7 anos, indicando assim, que não é líquido que
a idade maturacional ideal para a aprendizagem da leitura e escrita seja aos 6
anos.
Nos anos cinquenta e sessenta, do século XX, surgem mudanças no
âmbito dos currículos associados à educação pré-escolar que começam a fazer
referência a atividades de literacia, nomeadamente no que concerne às
questões de desenvolvimento da memória, discriminação visual e auditiva,
sensibilidade para os sons e para os nomes das letras, reconhecimento de
palavras e a coordenação motora, considerando-se estas competências como
percursoras da leitura e da escrita. Fruto do desenvolvimento de estudos na
área da psicologia da linguagem, o conceito de prontidão para a leitura foi
gradualmente contextualizado numa perspetiva desenvolvimental, sendo
progressivamente substituído pelo conceito de literacia emergente (Fernandes,
2004; Viana, 2002).
Estando as práticas educativas interligadas com o desenvolvimento das
teorias de desenvolvimento e aprendizagem, importa compreender que o
conceito de literacia emergente encontra-se sustentado na teoria de Piaget,
dado o papel ativo que atribui à criança na construção do seu próprio
17
conhecimento e linguagem, nas teorias de Bruner, nomeadamente no que
concerne à aprendizagem pelo envolvimento ativo em variadas experiências e
na teoria sociocultural de aprendizagem e desenvolvimento de Vygotsky, na
medida em que a criança realiza, de forma significativa, aprendizagens através
da relação que estabelece com o meio, com os adultos e pares de referência
(Fernandes, 2004; Mason & Sinha, 1992; Viana, 2004).
O termo literacia emergente é introduzido em 1966 por Marie Clay que
rejeita a noção de “prontidão para a leitura”, uma vez que, no seu entender,
este conceito não representa a dinâmica de um processo em desenvolvimento
(Viana, 2002). A investigadora neozelandesa afirma que as crianças
desenvolvem conceitos importantes sobre as formas e funções da escrita muito
antes de aprenderem a ler e a escrever convencionalmente, dado que
evidenciam comportamentos de imitação do adulto na manipulação de
materiais de leitura e escrita (Rohde, 2011). Por outro lado, e fruto do
desenvolvimento da investigação no âmbito da psicologia da linguagem, a
criança passa a ser vista como sujeito ativo e construtor da sua linguagem e
conhecimento, ao invés de ser uma mera recetora passiva de informação
(Viana, 2002).
Também Yetta Goodman, contemporânea de Marie Clay, nos seus
estudos sobre processos de aprendizagem da leitura (1984), percebeu que
mesmo as crianças potencialmente em risco de insucesso na aprendizagem da
leitura eram capazes de adquirir conhecimentos sobre aspetos da leitura e da
escrita, levando-a a constatar que a emergência da literacia inicia-se muito
cedo e que a aprendizagem da leitura é um processo natural (Viana, 2002).
Nesta senda de investigadores pioneiros, no domínio da emergência da
literacia, os estudos de Elizabeth Sulzby, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky
apontam para a mesma lógica de aquisição natural de competências,
conhecimentos e atitudes de escrita e leitura em que a criança, sujeito ativo do
seu desenvolvimento é o grande promotor das suas aprendizagens (Ferreiro &
Teberosky, 1997).
Whitehurst e Lonigan (1998) designam literacia emergente como o
conjunto de competências, conhecimentos e atitudes que são percursores do
18
desenvolvimento da aprendizagem da leitura e da escrita, bem como o
ambiente promotor desse desenvolvimento, num contínuo que tem início em
idades precoces da criança. Com efeito, vários estudos têm documentado que
o desenvolvimento da literacia inicia-se antes da aprendizagem formal da
leitura e da escrita, sendo importante o contacto com um ambiente literácito
rico e estimulante (Ferreiro & Teberosky, 1997; Mata, 2008; Sylva K. et al
(2007), 2003).
Mason e Sinha (1992), apoiados nos estudos de Bissex (1980), Ferreiro e
Teberosky (1979), Heath (1983) e Soderbergh (1997), sintetizam alguns
pressupostos relativamente à emergência da literacia:
(1) A literacia emergente surge antes do ensino formal da leitura e da
escrita;
(2) A literacia emergente é entendida como todo o processo de leitura e
não apenas a descodificação;
(3) O papel ativo da criança, bem como os seus interesses são
valorizados no desenvolvimento das competências literácitas;
(4) É dado relevo ao contexto social da aprendizagem.
Whitehust e Lonigan (1998) enunciam um conjunto de componentes de
literacia emergente comummente aceites por diferentes autores: a linguagem
oral, as convenções da escrita, o conhecimento das letras, a consciência
fonológica, a leitura emergente e a motivação para a escrita.
A linguagem é um elemento fulcral no desenvolvimento da literacia
emergente, na medida em que, várias competências da linguagem, tais como o
vocabulário, as competências semânticas, a compreensão e a produção de
uma estrutura da narrativa, são essenciais em diferentes fases do
desenvolvimento da literacia (Gamelas, 2010; Whitehurst & Lonigan, 1998).
Sim-Sim (2009) refere que a linguagem oral é uma capacidade que a criança
adquire de forma “natural e espontânea” e que a leitura e a escrita são “usos
secundários” da língua. Entre a aquisição natural e espontânea da língua e a
aprendizagem formal da leitura e da escrita a criança consolida as aquisições
fonológicas bem como o conhecimento das estruturas sintáticas básicas
19
favorecendo, desta forma, a compreensão e a capacidade de construção de
frases simples mas com alguma complexidade frásica.
As convenções da escrita ou conhecimento do impresso referem-se aos
conhecimentos precoces sobre a linguagem escrita, que a criança conquista
autonomamente, desde que proporcionados pelo ambiente literácito à sua volta
(Sim-Sim, 2009). As convenções de escrita dizem respeito à orientação do
texto da esquerda para a direita e de cima para baixo, à diferença entre capa e
contracapa, à existência de um título, à diferença entre imagens e letras, a
diferença entre palavra, frase, parágrafo e à pontuação (Mason & Sinha, 1992;
Whitehurst & Lonigan, 1998).
Importa, por isso, valorizar a escrita inventada, enquanto primeiras
experiências de escrita, enquanto revelador dos conhecimentos que as
crianças já detêm sobre as convenções da escrita, nomeadamente a função da
escrita, os elementos que compõe a escrita, a correspondência letra-som e
conhecimento das letras e a direccionalidade, espaços entre palavras, frases,
entre outros (Fernandes, 2004).
O conhecimento das letras ou a aquisição do princípio alfabético
pressupõe o contacto frequente e sistemático com material impresso
(Fernandes, 2004). Assim, como ler acarreta uma descodificação, ou seja,
implica a tradução das unidades da escrita em som, também escrever implica
uma codificação, ou seja, o processo de escrita envolve a tradução de
unidades de som em unidades de escrita. Tendo isto em conta, a competência
mais básica que o leitor/escritor deve possuir é o conhecimento das letras, não
só do seu grafema, bem como do seu fonema (Gamelas, 2010; Whitehurst &
Lonigan, 1998).
Whitehurst e Lonigan (1998) consideram a correspondência grafema-
fonema ou consciência fonológica como uma das competências mais
importantes na aquisição da literacia convencional, na medida em que o
conhecimento desta competência pressupõe o conhecimento não só do som de
cada letra individualmente, mas também da combinação de letras ou unidades
de som. Assim, podemos dizer que consciência fonológica refere-se à noção
que as palavras são formadas por sons que podemos manipular e alterar e que
20
cada componente sonora da palavra é formada por unidades de som distintas e
com diferentes significados, a sílaba (Mata, 2008; Peixoto, 2011).
A leitura emergente ou motivação para a leitura diz respeito às interações
que a criança realiza com o texto escrito tomando consciência da sua
importância, função e utilidade (Mata, 2008). Podemos falar de leitura
emergente quando a criança está a fazer de conta que está ler (Teale &
Sulzby, 1986, como citados em Whitehurst & Lonigan, 1998). Na verdade,
muito antes de a criança ser capaz de ler formalmente já é capaz de realizar
leitura global, lendo placards, nomes de marcas, etiquetas, bem como outros
exemplos de escrita no ambiente que rodeia a criança (Whitehurst & Lonigan,
1998). Esta competência está diretamente relacionada com a importância de se
promoverem atitudes positivas face à leitura, através da introdução de hábitos
de leitura conjunta agradáveis e positivos (Fernandes, 2004; Mata 2008).
Segundo Whitehurst e Lonigan (1998), vários investigadores na área da
literacia, defendem que as crianças mais motivadas para a linguagem escrita
evidenciam maior interesse por atividades de literacia, desenvolvendo, por isso,
um maior esforço para entender o texto escrito. Assim sendo, a motivação para
a escrita é um bom preditor para a aprendizagem da leitura e da escrita na
medida em que as crianças estão mais despertas para que, no ambiente que
as envolve, colocarem questões sobre os textos escritos, para se envolverem
em situações de leitura partilhada, bem como para despenderem mais do seu
tempo a realizarem atividades de leitura logo que sejam capazes de o fazer
autonomamente (Whitehurst & Lonigan, 1998).
Whitehurst e Lonigan (1998) referenciam ainda outros componentes
cognitivos ligados à aquisição de competências da literacia emergente, bem
como da literacia convencional, tais como: memória fonológica e a nomeação
rápida de letras, números, cores, etc. Segundo estes autores, todos estes
componentes de literacia emergente são as competências prévias que as
crianças deverão adquirir antes da aprendizagem formal da leitura e da escrita.
A literacia emergente permite aos educadores e professores olharem para
o ensino da leitura e da escrita, não como uma aprendizagem formal, num
dado momento do tempo, mas como um processo contínuo, que se inicia
21
desde o nascimento até aos 6 anos, uma vez que as crianças estão desde
sempre perante contextos informais (casa, rua, centros comerciais, etc.) e
formais (creche, jardim de infância), onde a presença da linguagem escrita
impera. Urge assim, dotar estes ambientes, nomeadamente os ambientes
formais, de organização e planeamento de atividades que favoreçam
exponencialmente o desenvolvimento de competências literácitas da criança,
na medida em que os estudos existentes comprovam que o desenvolvimento
de competências de literacia está relacionado com o futuro sucesso na
aprendizagem formal da leitura e da escrita (Sylva K. et al (2007), 2003; Sim-
Sim, 2009).
Com base nesta premissa, importa percebermos de que forma, os
documentos orientadores da educação pré-escolar encaram a promoção do
desenvolvimento de competências de literacia emergente de todas as crianças
em contexto de jardim-de-infância, uma vez que as “experiências de linguagem
e de literacia em contextos de educação pré-escolar podem ser determinantes
no desenvolvimento das crianças” (Gamelas, 2010, p. 83). De facto, a par da
família, o jardim-de-infância representa o espaço de referência propício ao
desenvolvimento da emergência da literacia na criança de forma funcional,
interessante, lúdica e desafiadora (Fernandes, 2004; Mata, 2006).
2. A emergência da literacia em contextos pré-escolares inclusivos
A educação de infância é a primeira etapa no processo de educação ao
longo da vida. É dirigida a crianças dos três anos à idade de ingresso no 1.º ciclo
do ensino básico e é ministrada em jardins-de-infância ou estabelecimentos do
pré-escolar da rede pública, solidária (Instituições particulares de solidariedade
social) ou privada.
A educação pré-escolar está juridicamente enquadrada na Lei de Bases do
Sistema Educativo (Lei 46/86 de 14 de outubro) e na Lei-Quadro da Educação
Pré-Escolar (Lei 5/97 de 10 de fevereiro).
A Lei de Bases do Sistema Educativo estabelece o quadro geral do sistema
educativo e no que diz respeito à educação pré-escolar advoga que “(…) no seu
22
aspeto formativo, é complementar e ou supletiva da ação educativa da família,
com a qual estabelece estreita cooperação" (Lei 46/86, capítulo II, art.º 4, n.º2).
A Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar consagra o ordenamento jurídico
da educação pré-escolar no seguimento dos princípios definidos na Lei de Bases
do Sistema Educativo e define como princípio geral que:
“a educação pré-escolar é a primeira etapa da educação básica no processo de
educação ao longo da vida, sendo complementar da ação educativa da família, com
a qual deve estabelecer estreita cooperação, favorecendo a formação e o
desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na
sociedade como ser autónomo, livre e solidário” (Lei n.º 5/97, capítulo II, artigo 2º).
Além destes normativos legislativos, a educação pré-escolar encontra-se
apoiada num conjunto de documentos que explicitam e orientam a prática
educativa do educador de infância.
Assim, e no seguimento da Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, o
Departamento do Ensino Básico (DEB) do Ministério da Educação (ME) edita e
publica as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE), um
documento que surgiu com o intuito de servir de apoio e orientação à prática
pedagógica de todos os educadores de infância.
No capítulo I são definidos: os princípios gerais e objetivos pedagógicos
enunciados na Lei-Quadro da educação pré-escolar; os fundamentos da
organização das orientações curriculares e estabelecidos os orientações globais
para o educador.
As OCEPE são sustentadas por um conjunto de fundamentos, entre os
quais, o da “exigência de resposta a todas as crianças o que pressupõe uma
pedagogia diferenciada, centrada na cooperação em que cada criança beneficia
do processo educativo desenvolvido com o grupo” (ME, 1997, p.14). E por um
conjunto de objetivos pedagógicos:
“a) Promover o desenvolvimento pessoal e social da criança com base em
experiências de vida democrática, numa perspetiva de educação para a cidadania;
b) Fomentar a inserção da criança em grupos sociais diversos, no respeito pela
pluralidade das culturas, favorecendo uma progressiva consciência do seu papel
como membro da sociedade;
c) Contribuir para a igualdade de oportunidades no acesso à escola e para o
sucesso da aprendizagem;
23
d) Estimular o desenvolvimento global de cada criança, no respeito pelas suas
características individuais, incutindo comportamentos que favoreçam aprendizagens
significativas e diversificadas;
e) Desenvolver a expressão e a comunicação através da utilização de linguagens
múltiplas como meios de relação, de informação, de sensibilização estética e de
compreensão do mundo;
f) Despertar a curiosidade e o pensamento crítico;
g) Proporcionar a cada criança condições de bem-estar e de segurança,
designadamente no âmbito da saúde individual e coletiva;
h) Proceder à despistagem de inadaptações, deficiências e precocidades,
promovendo a melhor orientação e encaminhamento da criança;
i) Incentivar a participação das famílias no processo educativo e estabelecer
relações de efetiva colaboração com a comunidade.
d) Estimular o desenvolvimento global da criança no respeito pelas suas
características individuais, incutindo comportamentos que favoreçam aprendizagens
significativas e diversificadas;
h) Proceder à despistagem de inadaptações, deficiências e precocidades,
promovendo a melhor orientação e encaminhamento da criança” (ME, 1997, p.15).
As OCEPE fundamentam-se no reconhecimento de que a educação pré-
escolar é a primeira etapa da educação ao longo da vida; na educação pré-
escolar as crianças aprendem a aprender, sendo elas sujeitos ativos do
processo educativo; é função da educação pré-escolar contribuir para a
dissolução de assimetrias socioculturais, criando igualdade de oportunidades
para todos aprenderem de forma efetiva e que a educação pré-escolar, não
sendo preparatória da educação formal, crie condições para que a criança
obtenha sucesso no 1.º ciclo, e isto só é possível através de uma pedagogia
estruturada onde predomine o lúdico. Outro fundamento, importante, que rege a
educação pré-escolar é o respeito e a inclusão de todas as crianças que
“se afastem dos padrões “normais” de desenvolvimento, devendo o educador
promover uma metodologia diferenciada e adaptada às especificidades de todos,
não descurando a criação de condições estimulantes para o desenvolvimento e
aprendizagem de todos” (ME, 1997, p.19).
No que diz respeito ao papel do educador de infância, e não obstante o
reconhecimento da sua autonomia enquanto gestor do próprio currículo, é
salientado, no documento, a necessidade deste profissional em observar as
crianças para as conhecer e, desta forma, promover uma pedagogia
24
diferenciada que vá ao encontro das especificidades, interesses e necessidades
de cada uma. Assim, cabe ao educador planificar o trabalho pedagógico
consoante aquilo que ele conhece do grupo em geral, mas também de cada
criança e do seu contexto familiar e social, no sentido de proporcionar o
desenvolvimento de atividades diversificadas, diferenciadas e adequadas a
todas as crianças, contribuindo, desta forma, para a igualdade de oportunidades
de todos (ME, 1997).
O capítulo II das OCEPE sistematiza e organiza a intervenção educativa da
seguinte forma: organização do ambiente educativo; áreas de conteúdo;
continuidade educativa e a intencionalidade educativa. No domínio da
organização do ambiente educativo as OCEPE fazem menção à importância da
abordagem ecológica e sistémica do ambiente educativo; da organização do
grupo, do espaço e do tempo; organização do meio institucional e da relação
com os pais e outros parceiros educativos. No domínio das áreas de conteúdo
este documento encontra-se organizado em três áreas de conteúdo: a Área da
Formação Pessoal e Social, a Área do Conhecimento do Mundo e a Área da
Expressão e Comunicação que se subdividem em Domínio das Expressões
Motora, Plástica, Dramática e Musical, Domínio da Linguagem Oral e
Abordagem à Escrita e Domínio da Matemática (ME, 1997).
Apesar de não haver uma referência clara ao conceito de literacia
emergente, as OCEPE, no enquadramento da área de conteúdo linguagem oral
e abordagem à escrita referem-se à literacia como competência global para a
leitura, como interpretação e tratamento de informação, que envolve a “leitura”
da realidade e das “imagens” e de saber para que serve a escrita, mesmo sem
que a criança saiba ler formalmente (ME, 1997, p. 68).
Desta forma, a assunção da importância da abordagem à escrita no jardim-
de-infância é feita com base na referência de que todas as crianças antes de
aprenderem a ler ou a escrever contactam, de algum modo, com o código
escrito, tendo por isso, no âmbito do pré-escolar, ideias sobre a escrita
(Fernandes, 2004; Peixoto, Silva, Leal, & Cadima, 2006; Peixoto, 2011).
Nas OCEPE é privilegiado o livro enquanto instrumento fundamental para o
desenvolvimento de competências de escrita e de leitura, sendo referido que
25
todos os tipos de livros, desde os livros de histórias, poesias até aos dicionários,
enciclopédias, jornais e revistas contribuem para que a criança compreenda a
função de cada um destes instrumentos de leitura (ME, 1997).
Prole (2005) salienta a preocupação crescente, patente nas OCEPE,
relativa à aquisição de hábitos precoces de leitura, enquanto mecanismos
facilitadores das aprendizagens formais da leitura e também no desenvolvimento
de competências cognitivas e linguísticas e sublinha a importância da educação
estética, da literacia, do caráter lúdico da linguagem, da importância das
bibliotecas e do prazer da leitura.
As OCEPE vieram ajudar a valorizar e a ilustrar o papel da educação de
infância na promoção do desenvolvimento da literacia, clarificando a importância
de se desenvolverem atividades lúdicas estruturadas e planificadas que visem a
promoção de competências de leitura e de escrita nas crianças. Não se trata de
ensinar a ler e a escrever, mas através do jogo, que é a atividade primordial da
criança, organizar um conjunto de tarefas que favoreçam o desenvolvimento
destas competências.
Sendo este um documento gerenciador da ação educativa nas suas
diferentes especificidades, o ME publica, em 2001, o Decreto-Lei 240/2001 (de
30 de Agosto) com o intuito de clarificar melhor o papel do educador de infância.
Este Decreto-Lei define os Perfis Específicos de Desempenho do Educador de
Infância e do Professor do Ensino Básico e Secundário. Entre outros aspetos,
este normativo refere que no domínio da integração do currículo (ponto 2), no
âmbito da área de conteúdo Expressão e Comunicação o educador:
“a) Organiza um ambiente de estimulação comunicativa, proporcionando a cada
criança oportunidades específicas de interação com os adultos e com as outras
crianças;
b) Promove o desenvolvimento da linguagem oral de todas as crianças, atendendo,
de modo particular, às que pertencem a grupos social e linguisticamente minoritários
ou desfavorecidos;
c) Favorece o aparecimento de comportamentos emergentes de leitura e escrita,
através de atividades de exploração de materiais escritos.”
Em 2008 e 2009, a Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento
Curricular (DGIDC) publica as brochuras para o pré-escolar, cujo objetivo
principal era apoiar a operacionalização das Orientações Curriculares, nas
26
diferentes áreas de conteúdo. Especificamente, no âmbito do Domínio da
Linguagem Oral e Abordagem à Escrita é publicado, pela mão de Lourdes Mata
(2008) a brochura A Descoberta da Escrita e de Inês Sim-Sim, Ana Silva e
Clarisse Nunes a brochura Linguagem e Comunicação no Jardim de Infância.
Com efeito, estas brochuras foram editadas e publicadas no âmbito do
trabalho desenvolvido pela DGIDC no domínio da educação pré-escolar e têm
como intuito articular a teoria e prática, facilitando aos educadores uma
ferramenta para a sua ação educativa (Mata, 2008; Sim-Sim, Silva, & Nunes,
2008).
Sim-Sim (2008) clarifica que os objetivos específicos que norteiam as
brochuras são “enquadrar e promover práticas intencionais e sistemáticas de
estimulação do desenvolvimento da linguagem e enfatizar a necessidade de
continuidade de aprendizagens no domínio da língua entre a educação de
infância e a sala de aula no 1.º ciclo da educação básica” (Mata, 2008, p.7).
Recentemente, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) sistematizou,
um conjunto de metas de aprendizagem para cada ano e para cada ciclo do
ensino básico, constituindo aquilo que serão as aprendizagens essenciais a
realizar por cada aluno. Pretende-se que as metas de aprendizagem
conjuntamente com os programas de cada disciplina ajudem os professores a
perceberem quais os conhecimentos e capacidades que devem priorizar nos
seus alunos (MEC, 2012).
Apesar da informalidade da educação de infância considerou-se pertinente
estabelecer um conjunto de aprendizagens, que as crianças deverão ter
realizado até ao final do pré-escolar, na medida em que a educação de infância
é reconhecida como a primeira etapa da educação básica e que estas
contribuem para fomentar condições favoráveis para o sucesso escolar (MEC,
2012).
As metas de aprendizagens para a educação pré-escolar estão
organizadas em função das OCEPE, pelo que foram esquematizados um
conjunto de 36 metas para a área da Linguagem Oral e da Abordagem à Escrita,
divididos em quatro domínios. O primeiro domínio é o da Consciência Fonológica
e engloba 7 metas de aprendizagem; o segundo domínio diz respeito ao
27
Reconhecimento e Escrita de Palavras e engloba 7 metas; o terceiro domínio é o
Conhecimento das Convenções Gráficas e abarca 11 metas de aprendizagem.
O quarto domínio refere-se à Compreensão de Discursos Orais e Interação
Verbal englobando 11 metas de aprendizagem. Com estas metas de
aprendizagem pretende-se que, no final da educação pré-escolar, as crianças
disponham de um conjunto de conhecimentos linguísticos imprescindíveis para a
aprendizagem da língua escrita e do sucesso escolar (MEC, 2012)
Esta distribuição remete-nos para as competências de literacia emergente
definidos por Whitehurst e Lonigan (1998) ao nível do desenvolvimento da
linguagem oral, da consciência fonológica ou correspondência grafema-fonema,
à emergência da leitura e à emergência da escrita.
Tendo em conta que a literacia emergente é um processo contínuo de
aquisição de competências de leitura e de escrita (Sandall, McLean, & Smith,
2000), as atividades de literacia fazem parte integral do dia-a-dia das crianças
com desenvolvimento típico, contudo muitos profissionais e famílias consideram
desadequadas atividades de literacia para crianças com incapacidades. Assim,
as crianças com incapacidades estão menos expostas ao contacto com o
impresso e as poucas atividades desenvolvidas em conjunto com os adultos,
relacionadas com experiências de literacia emergente, cingem-se à leitura de
histórias (Katims, 1995; Notari-Syverson & Challoner, 2005).
Contudo, e como referido anteriormente, as OCEPE advogam a escola
para todos e, por isso, é essencial que a educação pré-escolar dê resposta a
todas as crianças, no respeito pela diferença em prol de uma educação inclusiva.
Assim, é recomendada uma pedagogia diferenciada, que privilegie a
individualidade de cada um, as suas necessidades e seus interesses, que se
centre na cooperação, que apoie as aprendizagens e responda às necessidades
individuais de cada criança em particular. Para a viabilidade deste novo olhar e
pensar a escola, importa que o educador planifique as suas atividades tendo em
conta todo o grupo, realizando as adaptações que se julguem necessárias à
eliminação de barreiras à participação da criança, “tendo em vista a plena
inserção na sociedade, como ser livre, autónomo e solidário” (ME, 1997).
28
Desta feita, cabe ao educador de infância promover experiências precoces,
que favoreçam a emergência da literacia, nomeadamente nos domínios da
compreensão da escrita para que se potenciem as capacidades de aprender a
ler e a escrever em todas as crianças (Sandall, McLean, & Smith, 2000).
Sendo os processos de socialização o veículo de comunicação e interação
entre todos, importa, no decorrer destes processos, privilegiar a promoção do
respeito pelas capacidades e necessidades de cada um. Nesta premissa, cabe à
escola o papel de uma mudança filosófica que defenda a participação ativa de
todas as crianças, o respeito pela individualidade de cada um, a descoberta de
estratégias de aprendizagem e desenvolvimento da socialização em comum com
todas as crianças (Serrano & Afonso, 2010), tal como preconizado na
Declaração de Salamanca. Subscrita por 92 países, incluindo Portugal, a
Declaração de Salamanca veio impulsionar a Educação Inclusiva, definindo os
seus princípios, políticas e práticas no domínio das necessidades educativas
especiais, tendo em vista a escola do ensino regular como o espaço mais eficaz
no combate à discriminação e no fomento de comunidades abertas e solidárias
(UNESCO, 1994).
Importa destacar que na Declaração de Salamanca é realçada a
importância de se intervir o mais precocemente junto das crianças dependendo o
sucesso da escola inclusiva dessa mesma ação:
“O êxito da escola inclusiva depende muito da identificação precoce, da avaliação e
da estimulação das crianças com necessidades educativas especiais, desde as
primeiras idades. Os programas de atendimento e de educação das crianças das
primeiras idades, até aos 6 anos, deve ser desenvolvida e/ou reorientada a fim de
promover o seu desenvolvimento físico, intelectual e social e a preparação para a
escola (UNESCO, 1994, p. 35).
Todas as crianças, incluindo as crianças com incapacidades, desenvolvem-
se e aprendem por via de interações sociais, onde o adulto é o mediador e
orientador dos processos de aprendizagem (Notari-Syverson & Challoner, 2005).
Torna-se, por isso, fundamental que as crianças explorem e interajam o mais
precocemente possível com o impresso, bem como com modelos de literacia no
sentido de desenvolverem as suas competências sociais, bem como
competências académicas (Katims, 1995). Neste sentido, urge, em contexto de
29
jardim-de-infância, adotar-se metodologias diferenciadas e adaptadas à
funcionalidade, potencialidades e necessidades de cada criança, garantindo a
sua plena inclusão no grupo (Cadima, 1996; Sanches, 2005). Desta forma, o
educador de infância poderá garantir que as crianças com incapacidades são
incluídas no grupo, ainda que a planificação da sala seja desenvolvida de forma
global, é ajustada às características individuais de cada criança, proporcionando
a cada a cada uma delas a conjuntura mais propícia para o seu desenvolvimento
e aprendizagem (ME, 1997).
Tal como referido anteriormente, no sentido de se promover o
desenvolvimento de competências de literacia emergente, cabe ao educador de
infância planificar de forma sistemática e estruturada atividades, apoiadas em
estratégias diferenciadas, adequadas às particularidades de todas crianças,
assim como ser, ele próprio, um modelo de leitura e de escrita de forma
constante e prazerosa (Fernandes, 2005). Não se pretende que na educação
pré-escolar se ensine a ler ou a escrever de um ponto de vista formal, mas que
os educadores de infância promovam experiências precoces de literacia
emergente, oferecendo oportunidades para que todas as crianças possam
brincar com linguagem e com a escrita, fomentando, desta forma, reflexões
sobre a linguagem, sobre a escrita e sobre as suas convenções, de forma
contextualizada, funcional e logo significativa (Mata, 2008).
Para isso, preconiza-se uma abordagem à leitura e à escrita através da
organização de um ambiente educativo facilitador das competências emergentes
de escrita e de leitura (Sandall, McLean, & Smith, 2000), onde o impresso tenha
um papel determinante, concomitantemente, com o papel do educador que,
através de processos sustentados apoie as aprendizagens das crianças.
Segundo as OCEPE, o ambiente educativo diz respeito a vários aspetos
que interagem entre si e são eles: a organização do grupo, do espaço e do
tempo; a organização do estabelecimento educativo e a relação com os pais e
outros parceiros educativos. Sendo o ambiente educativo suporte do
desenvolvimento curricular do educador, importa que este planeie a sua
organização em função das aprendizagens que pretende promover junto das
30
suas crianças, introduzindo para isso os devidos ajustamentos e adequações
necessárias (ME, 1997).
A organização da sala de atividades influencia de forma determinante a
relação das crianças com o impresso, bem como o seu nível de motivação para
as atividades de leitura e de escrita, pelo que é importante que as salas de
atividades possuam algumas das características enunciadas por Fernandes
(2004, p. 86):
“ a) Uma percentagem significativa do espaço pedagógico é explicitamente dedicado
a atividades de desenvolvimento linguístico;
b) As competências linguísticas são exploradas ao longo das diversas atividades de
forma integrada;
c) As rotinas estabelecidas compreendem tempo de exploração linguística (registos,
hora do conto, marcação de presenças, identificação de produções, etc.);
d) Encorajamento de produções individuais;
e) As atividades propostas têm em conta os desempenhos individuais”.
Sandall e Schwartz (2003) referem a importância da existência de centros
de literacia nas salas de atividades. Estes espaços têm como objetivo facilitar o
contacto da criança com a escrita (seu objetivo, funções de escrita e
conhecimento da convenções de escrita) de forma significativa, devendo ser
espaços divertidos, calorosos, convidativos e motivadores. Para isso, aconselha-
se que este espaço disponha de uma variedade de livros (livros com sons, livros
de alfabeto, livros sensoriais, livros de rimas, livros com frases repetidas, livros
que apresentem imagens de crianças com NEE, livros que apresentem imagens
de várias identidades étnicas e culturais), que seja suficientemente grande para
permitir a leitura conjunta com pelo menos um par, bem como espaço suficiente
para o adulto se sentar a ler com uma criança ou um pequeno grupo de crianças.
As autoras salientam, igualmente, a importância de se dispor de uma mesa
adaptada ao tamanho da criança, um gravador e diários para as crianças
escreverem, bem como quadros magnéticos na parede para as crianças
poderem manipular letras e números.
Além destes elementos, Sandall e Schwartz (2003) salientam a existência
dos seguintes indicadores como importante para apoiar a emergência da
literacia: um centro de audição com leitor de cassetes ou CD, auscultadores,
cassetes e CD´S; um centro de escrita com diários individuais e muitos
31
instrumentos de escrita; livros feitos pelas crianças da sala; uma caixa para
conserto de livros; tempos programados para as crianças utilizarem os livros de
forma autónoma e para ouvirem histórias; escrita exposta na sala; pais
envolvidos nas atividades de literacia; possibilidade das crianças levarem livros
para casa; conversações significativas entre os adultos e as crianças ao longo
do dia; jogos de letras e de sons (e.g., rimas, bater palmas com sílabas de
nomes).
As atividades de literacia não devem ser circunscritas ao espaço da escrita
ou à biblioteca da sala, mas antes fazer parte de todo o ambiente educativo, bem
como da rotina diária, proporcionando desta forma o contacto significativo da
criança com o impresso (Sandall & Schwartz, 2003).
De forma global, importa que o ambiente educativo de jardim-de-infância
seja um ambiente positivo, facilitador da exploração da escrita e da leitura e que
permita a escolha individual, onde o papel do adulto é o de estimular, encorajar,
apoiar as explorações das crianças, criando oportunidades para que elas leiam e
escrevam, bem como integrem a escrita e a leitura nas vivências de jardim-de-
infância (Mata, 2008).
Justice e Pullen (2003) recomendam que os profissionais de educação
devem ser encorajados a ter uma atitude proactiva relativamente à identificação
de crianças em risco a nível do desenvolvimento de competências de literacia
emergente e ao planeamento de atividades estruturadas que otimizem as
aquisições literácitas de forma eficaz e eficiente. De acordo com estas autoras,
existem três princípios que devem orientar a prevenção e a intervenção no
domínio da literacia emergente: (1) as atividades devem ser orientadas, tanto
para a consciência da linguagem escrita, como para a consciência fonológica; (2)
as atividades devem emergir de todas as oportunidades que fazem parte do dia-
a-dia da criança e por isso devem ocorrer de forma natural, bem como através
de uma planificação cuidada e estruturada; (3) as práticas educativas devem
basear-se em evidências científicas, ou seja, o educador deve fundamentar a
sua intervenção em estratégias e procedimentos que foram estudados e que se
verificou serem eficazes quer com uma população específica, quer com uma
população geral. Assim, partindo de evidência empírica, as autoras sugerem as
32
seguintes práticas: (1) leitura conjunta de histórias; (2) brincadeiras enriquecidas
com literacia; (3) atividades de consciência fonológica.
A leitura conjunta de histórias é entendida como uma estratégia efetiva
para a promoção da literacia emergente de crianças em risco, na medida em que
promove o desenvolvimento da linguagem oral e escrita. Contudo, esta
estratégia é tão mais eficiente, quando associada à leitura dialógica, ou seja,
quando o adulto modifica o seu comportamento durante a leitura de histórias no
sentido de proporcionar a participação e envolvimento das crianças, assim como
o adulto representar um modelo de leitura. Além disso, realizar referências ao
impresso no âmbito da leitura conjunta de histórias maximiza as oportunidades
de aprendizagem, na medida em que o adulto incorpora referências verbais e
não-verbais, encorajando a criança a interagir de forma explícita ou implícita com
a linguagem oral e escrita (Justice & Pullen, 2003). Por sua vez, Sandall e
Schwartz (2003) referem as seguintes orientações básicas para a leitura
conjunta com um grupo de crianças: (1) Ler com expressão; (2) Segurar o livro
de modo a que as crianças o possam ver; (3) Apontar elementos nas gravuras e
permitir que as crianças também façam o mesmo; (4) Acompanhar, por vezes, a
leitura com o dedo (para que as crianças comecem a entender que a leitura se
faz da esquerda para direita e de cima para baixo).
Sendo o jogo lúdico a atividade primordial da criança em idade pré-escolar,
importa que as suas brincadeiras sejam enriquecidas com elementos de literacia
e mediadas pelo adulto. Assim, cabe ao educador de infância organizar o
ambiente educativo, nomeadamente, as áreas onde decorre o jogo simbólico
com adereços que fomentem a interação com o impresso (Justice & Pullen,
2003).
Justice e Pullen (2003) referem ainda que a consciência fonológica é uma
competência importante. No entanto, apesar de muitas crianças em idade pré-
escolar começarem, de forma intuitiva, a experienciar a estrutura fonológica da
linguagem oral, uma pequena percentagem de crianças apresentam dificuldades
significativas nesta área em particular. Assim, por forma a promover as bases da
consciência fonológica e circunscrever problemas tardios a este nível, cabe ao
educador de infância planificar atividades de consciência fonológica.
33
Também Sim-Sim (2009) salienta que, sendo a consciência fonológica um
bom preditor do sucesso da criança no desempenho posterior a nível da leitura,
é fundamental que o educador de infância proporcione um conjunto de
atividades que facilitem o desenvolvimento da consciência fonológica,
nomeadamente atividades de identificação e produção de rimas; segmentação
de sílabas; aglutinação de sílabas em palavras; manipulação e substituição de
sílabas em palavras; supressão e adição de sílabas em palavras; identificação
de sílabas iguais; identificação de sons iniciais iguais e associação de letras e
sons.
O facto de as crianças estarem expostas a um ambiente físico rico em
escrita não é suficiente para que as mesmas interiorizem a informação “abstrata
e generalizável sobre o impresso” e importante para a transição entre a leitura
emergente e a leitura convencional. Assim, para além de enriquecer os espaços
da sala com elementos do impresso, cabe ao educador de infância proporcionar
atividades lúdicas variadas e apelativas onde predomine o impresso, bem como
usar as histórias como veículo de desenvolvimento literácito (Cardoso, 2009).
Azevedo (2011) defende que os livros são ferramentas essenciais, na
medida em que possibilitam o desenvolvimento de um conjunto de competências
fundamentais para o desenvolvimento da literacia, nomeadamente, a linguagem
oral, o conhecimento das convenções de escrita, proporcionando também a
articulação com as vivências da criança.
Desta feita, e sendo o livro e as histórias para a infância o veículo
primordial utilizado para desenvolver competências de literacia, em 2006, o
Ministério da Educação, em articulação com o Ministério da Cultura e com o
Gabinete do Ministro dos Assuntos Parlamentares criou o Plano Nacional de
Leitura (PNL) através da publicação da Resolução do Conselho de Ministros
86/2006. Este programa dirigido aos jardins-de-infância, às escolas, às famílias e
às bibliotecas tem como pressuposto fundamental aumentar os níveis de literacia
dos portugueses, colocando Portugal a par dos restantes países europeus.
A importância deste programa é de tal forma grande que é considerada
prioridade política e um desígnio nacional, na medida em que é fomentado o
envolvimento coletivo de todos a bem do sucesso desta iniciativa. Desta feita,
34
foram delineadas um conjunto “de estratégias destinadas a promover o
desenvolvimento de competências da leitura e da escrita, bem como o
alargamento e aprofundamento dos hábitos de leitura, designadamente entre a
população escolar” (PLN, 2006).
A conjuntura que propiciou o surgimento do PNL foram os resultados do
Estudo Nacional de Literacia, bem como os resultados do PISA que mostraram a
distância entre os níveis de literacia dos portugueses e os de outros países
europeus. Aliado a estes dados, a Comissão Europeia tinha apresentado um
relatório que indicava a urgência em investir-se em programas de literacia no
nosso país (Silva, 2008).
Assim, no que diz respeito às orientações para a educação pré-escolar, no
geral, e para o trabalho do educador de infância, em particular, o PLN advoga
que:
“No âmbito das atividades de leitura: é solicitado aos educadores para escolherem
obras muito variadas para que as crianças contactem com grande diversidade de
autores, de temas, de estilos, de ilustrações. É igualmente recomendado que não
prolonguem o trabalho com um mesmo livro, para que as crianças não se macem
com aquele livro. É recomendado que promovam feiras de livros nas escolas
possibilitando o contacto com o livro, com as novidades literárias e a preços
acessíveis.”
O PLN também inclui um conjunto de objetivos que visam a promoção do
domínio de competências e da adoção de hábitos de leitura por parte das
crianças com necessidades educativas especiais, evidenciando a sua
preocupação em incluir todos os alunos nesta demanda nacional. Assim, e no
respeito pelas especificidades destas crianças, o PNL, em articulação com a
DGIDC, disponibiliza um conjunto de obras recomendadas pelo PLN em formato
adaptado.
Também o PLN faz referência ao papel determinante do educador de
infância na promoção do desenvolvimento de competências literácitas das
crianças, nomeadamente no que diz respeito à sensibilização das “(...) famílias
para a importância dos livros de histórias e outros”. De acordo com as
recomendações do PNL, esta tarefa de sensibilização pode ser implementada de
diferentes maneiras, entre as quais:
35
“(...) conversar sobre os benefícios de que os adultos leiam histórias com as crianças, ou
sobre as vantagens de promover o contacto das crianças com livros, mas tentando que
compreendam e adiram sem criticar os que não o fazem; distribuir pequenos textos com
sugestões para leitura em família; distribuir fichas para registo das leituras que as crianças vão
fazendo em casa; distribuir cópias das listas de livros recomendados; organizar empréstimo
domiciliário de livros da sala ou da biblioteca; Incentivar os pais a oferecerem um livro para a sala
ou para a biblioteca; organizar feiras do livro em ocasiões propícias como, por exemplo, as
vésperas de Natal, da Páscoa, do fim do ano letivo, convidar os pais e incentivá-los a
presentearem os filhos com um ou mais livros adequados à idade e aos interesses da criança;
organizar festas em ocasiões propícias e apresentar trabalhos realizados pelas crianças sobre os
livros que foram lidos na sala.”
Face ao exposto podemos afirmar que o desenvolvimento de competências
de literacia emergente das crianças não pode ficar circunscrito ao contexto de
jardim-de-infância sob a responsabilidade exclusiva do educador de infância. A
cooperação entre o contexto de jardim-de-infância e o contexto familiar é
fundamental, partindo do educador de infância o compromisso de encetar
momentos regulares de reuniões com as famílias, no sentido de sensibilizá-las
para a importância de motivar as crianças para o material impresso através do
contacto com a diversidade dos suportes existentes (Azevedo, 2011).
Com efeito, as crianças desenvolvem os seus conhecimentos e
competências literácitas através da exposição e interação direta com os
contextos onde estão inseridas e face às oportunidades proporcionadas pelos
adultos de referência, ou pares mais experientes, que fazem parte dos seus
contextos de vida. Na sociedade atual em que vivemos, as crianças encontram-
se cercadas de material impresso desde muito cedo, sendo na família que
ocorrem muitas vezes as primeiras interações sobre o impresso (Peixoto, 2011).
Cada contexto familiar desenvolve práticas de literacia de forma intuitiva e
não intencional, cabendo ao educador de infância, estreitar relações com as
famílias, no sentido de capacitá-las para a importância das ações que realiza,
bem como ajudá-las na construção de rotinas relacionadas não só com a leitura
do livro, mas também no contacto com materiais escritos em diversos contextos
e nas diferentes situações do quotidiano familiar (Azevedo, 2011).
No que diz respeito ao envolvimento parental na promoção da literacia das
crianças, também Morrow (2000, como citado em Peixoto, 2011) recomenda um
36
conjunto de estratégias que, de forma estruturada, intensificam os laços entre a
escola e a família e fomentam o desenvolvimento de competências de literacia
emergente nas crianças: (1) no início do ano letivo, os docentes devem enviar
para casa os objetivos a serem alcançados no domínio da literacia para aquele
ano letivo, de forma percetível a todos os pais; (2) a cada nova unidade de
ensino ou conceito a introduzir, os docentes devem enviar para casa informação
sobre o conteúdo que estão a abordar e o que os pais podem fazer para ajudar
em casa; (3) convidar os pais para workshops informativos na escola, para
reuniões onde se tomam decisões sobre o currículo, conferências para pais; (4)
convidar os pais para ajudar em atividades de literacia na sala de aula (e.g., ler
para as crianças, escrever histórias); (5) enviar para casa atividades para os pais
e as crianças desenvolverem em conjunto regularmente e que impliquem algum
feedback, aos pais ou à criança, do trabalho desenvolvido em casa (e.g.,
atividades como leitura conjunta, visita à biblioteca, escrever mensagens,
cozinhar em conjunto a partir de receitas); (6) convidar os pais para ir à escola
partilhar conhecimentos que possam ter ou experiências relacionadas com o seu
património cultural; (7) enviar mensagens para casa acerca do progresso da
criança na escola; (8) fornecer aos pais listagens de livros variados que possam
partilhar com os seus filhos; (9) organizar encontros onde os pais sejam
convidados a desenvolver projetos de literacia com os filhos; (10) incluir os pais
na avaliação do progresso da criança, disponibilizando para o efeito
instrumentos de avaliação que permitam recolher informação acerca das
atividades de literacia dos filhos e do que fazem em casa com os filhos.
Finalmente, importa referir que cabe ao educador de infância valorizar os
diferentes tipos de literacia familiar e sugerir práticas de literacia familiar
ajustadas a cada família (Fernandes, 2004; Notari-Syverson & Challoner, 2005).
Em jeito de síntese, antes de terminar este ponto do enquadramento
teórico relativo à emergência da literacia em contextos pré-escolares inclusivos,
importa destacar as recomendações elencadas no relatório sobre o estado da
literacia na União Europeia (2012), apresentado em Portugal, na VI
Conferência do PNL: (a) criar um ambiente mais alfabetizado; (b) aumentar o
nível de ensino da literacia e dar mais apoio à leitura; (c) aumentar a
37
participação e a inclusão, colmatando as lacunas socioeconómica, migrante, de
género e digital. No que diz respeito à infância, em particular, o relatório
recomenda: (a) estimular e apoiar a família através da implementação de
programas de literacia familiar, da cooperação com serviços de apoio à família,
bem como habilitar os responsáveis por serviços de apoio à família para ajudar
crianças e pais no desenvolvimento de literacia; (b) melhorar a qualidade da
educação e dos cuidados na primeira infância e providenciar o acesso gratuito
a todas as crianças, através da promoção de um currículo centrado no
desenvolvimento linguístico; (c) assegurar a deteção precoce de problemas a
nível da literacia emergente; e (d) cooperar numa perspetiva centrada na
criança, através da promoção da cooperação entre instituições de educação e
acolhimento de crianças na primeira infância, pais, serviços de saúde,
bibliotecas e outros serviços fundamentais para o desenvolvimento da criança.
3. Ideias e práticas de educadores de infância relacionadas com a
literacia emergente
O ato de educar e/ou ensinar não é apenas o reflexo das aprendizagens
efetuadas na formação académica dos educadores de infância ou dos
professores, ou dos normativos legislativos ou orientadores, mas também o
reflexo daquilo que são as suas ideias (Gamelas, 2010).
Estudos de Spodek e Brown (2002), tal como citados em Gamelas (2010),
salientam que a prática dos educadores de infância não se contextualiza numa
teoria sólida. Além disso, os mesmos autores acrescentam que estes
profissionais tendem a adotar “fórmulas” educativas que aparentemente
funcionam nos seus quotidianos educativos, fruto de um saber prático
acumulado e integrado que resulta em crenças, não só sobre os conteúdos, mas
também sobre a maneira como as crianças realizam aprendizagens e integram
os diferentes saberes (Powell, 1996 como citado em Gamelas, 2010).
Neste sentido, as ideias que os educadores de infância têm sobre a forma
como as crianças se tornam literadas pode limitar ou potenciar as oportunidades
que estes profissionais oferecem às crianças neste domínio, dado que as suas
38
ideias parecem influenciar a forma como os educadores concebem a
planificação, as estratégias, os materiais, bem como a interação da criança com
o impresso (Ure & Raban, 2001) e, por conseguinte, o desenvolvimento das
competências de literacia de emergente das crianças (Sandvik, Daal, & Adér,
2013).
Atendendo à relevância das ideias dos profissionais para a compreensão
das suas práticas, a investigação neste domínio tem procurado, nos últimos
anos, aprofundar o conhecimento sobre as ideias que os educadores de infância
possuem acerca do desenvolvimento da literacia das crianças, assim como a
sua relação com as experiências de literacia proporcionadas às crianças nos
contextos de educação pré-escolar.
Por exemplo, um estudo realizado por Ure e Raban (2001), com 62
profissionais de educação de infância, sobre as crenças e perceções dos
educadores de infância relacionadas com a literacia emergente revelou que, em
geral, os educadores de infância consideram: (a) a sua formação inicial limitada
no domínio da literacia; (b) os seus conhecimentos sobre literacia insuficientes;
(c) insegurança no papel de sensibilização ou aconselhamento aos pais no que
respeita o desenvolvimento da literacia emergente; (d) temer estar a forçar o
desenvolvimento de competências e conhecimentos desajustados à idade da
criança; (e) o desenvolvimento da literacia emergente de um modo propedêutico,
considerando nas suas planificações atividades de pré-leitura (e.g., atividades de
sequenciação) e atividades de pré-escrita (e.g., coordenação óculo-manual,
lateralidade); (f) importante que as crianças sejam capazes de reconhecer o seu
nome e escrevê-lo no final do ano-letivo; (g) que os professores não concordam
com a abordagem da leitura e da escrita antes da entrada na escola, uma vez
que, quando as crianças chegavam à escola, os professores tinham de “apagar”
tudo o que tinha sido incorretamente ensinado no jardim-de-infância ou no
contexto familiar. De acordo com os autores do estudo, algumas destas ideias
não se coadunam com a perspetiva de literacia emergente, a qual defende o
desenvolvimento da literacia enquanto conhecimento e prática social
profundamente enraizada numa sociedade dependente do impresso, pelo que
39
deverão ser organizadas estratégias para proporcionar às crianças
oportunidades de experienciar positivamente o impresso (Ure & Raban, 2001).
Rohde (2011) realizou um estudo com 68 educadores de infância a exercer
a sua atividade profissional em contextos pré-escolares inclusivos, que visava
compreender as ideias e as práticas dos educadores de infância sobre literacia
emergente. Os resultados deste estudo indicaram que os participantes indicaram
um alto nível de concordância com a necessidade de proporcionar
oportunidades de aprendizagem a nível da literacia emergente a todas as
crianças, incluindo as crianças com incapacidades. No entanto, apesar de
anuírem que as crianças com incapacidades devem ter as mesmas
oportunidades que as crianças com desenvolvimento típico no acesso à literacia
emergente, os resultados revelaram que, de uma forma global, os participantes
não desenvolviam estratégias nem providenciavam materiais adicionais para
assegurar ou incrementar o acesso das crianças com incapacidades às
aprendizagens relacionadas com a emergência da literacia. Rhode (2011)
conclui que, em geral, os educadores de infância participantes no seu estudo
encontravam-se familiarizados com conceitos e práticas atuais de literacia
emergente, contudo necessitavam de mais apoio e formação para que serem
capazes de desenvolver estratégias diferenciadas de ensino-aprendizagem para
que todas as crianças, incluindo as com incapacidades, consigam aprender.
Por sua vez, Sandvik, Daal e Adér (2013), no âmbito do seu estudo
desenvolvido junto de 90 educadores de infância, verificaram que estes
profissionais apresentavam crenças moderadamente positivas sobre a
importância da emergência da literacia no período pré-escolar, bem como do seu
papel no desenvolvimento de práticas de literacia, e que as práticas relatadas
não eram consistentes com as suas crenças. Com efeito, apesar dos
participantes referirem privilegiar na sua prática a leitura partilhada, seguido de
atividades relacionadas com a emergência da leitura e da escrita, atividades de
conhecimento das letras, de consciência fonológica, conceitos sobre o impresso
e, por fim, a literacia inserida na brincadeira, foi constatado que as crianças eram
envolvidas com pouca regularidade nestas experiências, não sendo evidente
40
uma abordagem intencional de promoção do desenvolvimento da literacia
emergente.
Também, em Portugal, alguns investigadores têm dedicado alguma
atenção às ideias e práticas de educadores de infância relacionadas com a
literacia emergente. No quadro que se segue encontram-se sintetizadas um
conjunto de trabalhos de investigação desenvolvidos em Portugal nos últimos
anos, sendo que pelo menos um destes trabalhos foi desenvolvido em contextos
pré-escolares inclusivos.
41
Quadro 1. Investigação desenvolvida em Portugal sobre ideias e práticas de educadores de infância relacionadas com literacia emergente
Autores, ano Objetivos Participantes
Técnica(s) de
recolha de dados
Principais resultados
Marques,
2011
- Caracterizar as conceções de educadores de infância sobre o desenvolvimento da linguagem escrita e analisar de que modo estas se relacionam com as práticas pedagógicas.
- 91 educadores de infância.
- Questionário.
- Conceções mais holísticas, ou seja, mais orientadas para uma perspetiva de literacia emergente do que tecnicistas, ou seja, orientadas numa perspetiva tradicional da aprendizagem da linguagem escrita; - Relação entre as conceções e as práticas de literacia emergente dos participantes: (a) os participantes com conceções mais tradicionais referiram mobilizar mais práticas baseadas nas habilidades de ensino direto, ou seja, mais tecnicistas; (b) os participantes com conceções consistentes com uma abordagem holística mostraram maior preocupação com o ambiente físico e emocional; - Relação entre os anos de experiência profissional e as conceções e práticas dos profissionais: os educadores com menos anos de serviço apresentaram conceções menos holísticas e referiram desenvolver menos atividades de literacia emergente.
Gamelas,
2010
- Descrever o ambiente de literacia e a sua qualidade, descrever a qualidade global e características estruturais de salas inclusivas de jardins-de-infância. Determinar quais as relações entre a qualidade do ambiente de literacia, a qualidade global e as características estruturais; - Descrever as ideias das educadoras acerca do desenvolvimento e práticas de literacia. Determinar quais as
- 60 salas de jardim-de- infância inclusivas, apoiadas pelos Apoios Educativos do Ministério da Educação do Grande Porto; - 19 educadores de infância.
- Observação; - Questionário; - Q-sort.
- Existência de poucos exemplos de práticas de literacia excelentes; - Cerca de 42% das educadoras situaram-se numa perspetiva de cariz mais maturacionista e de prontidão para a escola e 58% das educadoras situaram-se mais numa perspetiva de literacia emergente, valorizando o envolvimento contínuo da criança em situações significativas acerca da leitura e da escrita; - De um modo geral, as educadoras referiram abordagens mais abrangentes, centrando-se na linguagem em geral. Estratégias mais específicas relacionadas com aspetos fonológicos ou na descodificação raramente foram referidas; - Relativamente às crianças com NEE, verificou-se que a educadora da sala tem disponíveis dados da avaliação das crianças e são feitas pequenas modificações para responder às
42
relações entre essas ideias, a qualidade do ambiente de literacia e a qualidade global; - Interpretar a descrição e as relações obtidas nos objetivos anteriores com vista à obtenção de um quadro compreensivo sobre a qualidade e a adequação das experiências de literacia vividas num contexto inclusivo.
suas necessidades, registando-se algum envolvimento destas crianças nas atividades que decorrem em grande grupo; - Poucas evidências de uma abordagem intencional no apoio ao desenvolvimento da literacia em crianças de idade pré-escolar.
Santos &
Martins, 2009
- Descrever e analisar as práticas pedagógicas de educadores de infância no desenvolvimento de abordagens à linguagem escrita.
- 18 educadoras de
infância (Ilha Terceira). - Observação.
- Práticas pedagógicas dos participantes caracterizadas pela ausência de uma abordagem coerente e coesa no domínio da linguagem escrita; - Evidências da emergência da literacia em situações como a definição de objetivos que procuram o desenvolvimento das conceptualizações infantis sobre leitura e escrita ou a organização e apetrechamento de áreas de trabalho; - Perspetiva de preparação para a leitura e para a escrita fortemente associada a estratégias de intervenção direta junto das crianças onde a aprendizagem da escrita do nome ou a linguagem oral surgem como aspetos a privilegiar na potencialização de aprendizagens no domínio da linguagem escrita; - A aposta na criação de um ambiente educativo rico em linguagem escrita, cuja utilização funcional e significativa constitua o ponto de partida de uma intervenção promotora da literacia, surgiu claramente debilitada na generalidade das práticas observadas.
Moniz, 2009
- Conhecer o perfil dos educadores cooperantes e dos estagiários relativamente às habilitações académicas e à formação recebida sobre leitura e escrita;
- 20 educadores de infância cooperantes de jardins-de-infância da rede pública (Angra do Heroísmo); - 19 estagiários do curso
- Questionário; - Entrevista.
- Ao nível das habilitações académicas, a maioria dos educadores cooperantes possuem apenas o bacharelato, o que sugere ausência de atualização de conhecimentos, podendo, por consequência, estar desfasados das novas metodologias propostas para a abordagem da leitura/escrita no pré-escolar; - O investimento feito no ensino da leitura e da escrita no curso de
43
- Conhecer as conceções dos educadores cooperantes e dos estagiários sobre a abordagem da leitura e da escrita no pré-escolar; - Caracterizar o papel dos educadores cooperantes em contexto de supervisão como orientador de estágio e como promotor de leitura e de escrita; - Conhecer as atividades de leitura e escrita que os estagiários promovem na sua prática pedagógica; - Averiguar a organização dos espaços, materiais e equipamentos utilizados pelos estagiários nas atividades de leitura e de escrita, relacionando estes aspetos aos modelos curriculares de educação de infância.
de educação de infância da Universidade dos Açores; - 1 docente da Universidade dos Açores, orientador de estágio.
educação de infância da Universidade dos Açores é muito superior ao oferecido pelo antigo Magistério Primário, cumprindo deste modo com o estipulado nas orientações curriculares para o período pré-escolar, dado que o plano de estudos focaliza aspetos relacionados com o desenvolvimento das conceções infantis sobre a leitura e escrita, assim como as estratégias de intervenção para promover competências de leitura em crianças em idade pré-escolar; - Os educadores cooperantes e os estagiários concordavam que a aprendizagem da leitura e da escrita se inicia no período pré-escolar; - Os educadores cooperantes e os estagiários referiram ser importante promoverem o interesse pelos livros, criar momentos de escrita, desenvolver hábitos de leitura e promover a capacidade de compreender as regras básicas do código escrito, ainda que os educadores cooperantes tenham valorizado mais o desenvolvimento linguístico e os estagiários o reconhecimento de palavras e letras; - Os estagiários valorizavam as tentativas de leitura e de escrita por parte das crianças e as atividades mais frequentes eram o registo de letras e de palavras de forma livre, o registo de vivências e a elaboração de livros e registo de histórias; - Foram referidas as seguintes áreas da sala de atividades como propícias ao desenvolvimento da emergência da literacia: escrita, pintura, recorte/colagem, fantoches, garagem, jogos de encaixe, jogos lógicos e casinha das bonecas; - Os livros infanto-juvenis, os jogos, os jornais, as revistas e o abecedário são materiais que foram utilizados pelos estagiários como forma de promover atividades no âmbito da literacia; - O vídeo, o leitor de DVD e o computador foram descritos como equipamentos auxiliares à exploração dos processos linguísticos.
Silva, 2008
- Caracterizar as práticas de literacia observadas; - Caracterizar as ideias das educadoras acerca do
- 15 salas de jardim-de-infância (Distrito do Porto).
- Observação; - Questionário; - Entrevista.
- Qualidade baixa do ambiente de literacia nas salas observadas; - Ideias globais e pouco aprofundadas em relação ao desenvolvimento da literacia nas crianças e à forma como esta pode ser promovida no jardim-de-infância por parte dos
44
desenvolvimento da literacia; - Compreender a relação entre as ideias relatadas, as práticas relatadas e as práticas observadas.
participantes; - Evidências de algumas inconsistências entre as práticas observadas, as práticas relatadas e as ideias transmitidas pelos participantes.
Horta, 2006
- Compreender as conceções sobre o processo de transição/articulação da educação pré-escolar para o 1.º ciclo do ensino básico por parte de educadores de infância; - Identificar as principais estratégias de transição desenvolvidas pelos educadores de infância, como sendo facilitadoras da continuidade educativa, bem como conhecer as suas posições relativamente ao papel que atribuem à abordagem da linguagem escrita, realizada na educação pré-escolar, no processo de transição/articulação para o 1.º ciclo.
- 28 educadores de infância cooperantes da Escola Superior de Educação da Universidade do Algarve.
- Entrevista; - Questionário.
- A maioria dos educadores de infância afirmou conhecer as conceções precoces sobre a linguagem escrita das crianças com quem trabalha; - Relativamente ao desenvolvimento de competências no domínio da linguagem oral e abordagem à escrita, a maioria dos educadores de infância afirmou que considera importante o desenvolvimento de competências visuomotoras e visuoperceptivas, tal como de competências metalinguísticas. - Relativamente à atitude do educador perante o desenvolvimento da abordagem à escrita na educação pré-escolar, verificou-se que 55,1% dos educadores de infância apontou a atitude de encorajamento como a mais adequada perante as tentativas de escrita por parte da criança; - A maioria dos educadores de infância considerou a publicação das Orientações Curriculares como importante para a valorização da linguagem escrita na educação pré-escolar, enquanto que outros referiram que os educadores, em geral, continuam a atuar de acordo com as conceções que já possuíam face a este domínio; - Os educadores de infância referiram preocupação com a linguagem escrita no processo de transição, bem como com a segurança sentida na exploração desta área e o gosto a ela associada, revelando a vontade de aprender mais neste âmbito.
Fernandes,
2005
- Perceber a frequência das práticas de educadores de infância no âmbito da literacia emergente; - Analisar as linhas conceptuais que determinam a construção, na prática diária, de propostas
1.º momento: 340 educadores de infância. 2.º momento: 8 educadores de infância (com pelo menos 15 anos de serviço).
- Questionário; - Entrevista.
- Os educadores manifestaram alguma reserva na presença de atividades que eles não identificavam como habituais em jardim-de-infância, nomeadamente as que diziam respeito à vertente impressa, levando a um questionamento sobre as referências teóricas que organizam a prática educativa em jardim-de-infância no âmbito da literacia emergente; - As atividades de desenvolvimento da linguagem não são objeto
45
de ensino-aprendizagem na área da literacia emergente.
de planificação e intencionalidade educativa; - Tarefas de nomeação de letras, escrita e manipulação de sons e palavras parecem não ser fundamentais para a maioria dos participantes; - As práticas de literacia em educação de infância parecem ainda determinadas por uma forte fundamentação da ação em perspetivas desenvolvimentistas, pela valorização de dimensões globais de aprendizagem (conhecimento vocabular e conceptual) em paralelo com a desvalorização das aprendizagens de caráter mais discreto (conhecimento das letras, conhecimento fonológico).
Em geral, os resultados obtidos nestes estudos desenvolvidos no contexto
português documentam evidências de uma abordagem pouco intencional ao
desenvolvimento da literacia em crianças de idade pré-escolar. Embora os estudos
de Marques (2011) situem os educadores de infância em conceções mais holísticas
ao nível da literacia emergente, outros estudos têm apontado para ideias e práticas
de promoção da literacia emergente pouco intencionais e estruturadas, revelando
lacunas ao nível da planificação, da organização do ambiente educativo (Gamelas,
2010), bem como da formação inicial dos educadores de infância, conforme referido
nos estudos de Fernandes (2005) e Silva (2008).
CAPÍTULO II
APRESENTAÇÃO DO ESTUDO EMPÍRICO
49
1.Enquadramento geral e objetivos do estudo
Sabendo que as crianças adquirem conhecimentos e competências de leitura e
escrita muito antes da sua aprendizagem formal, e que estas estão associadas ao
posterior desempenho académico (e.g., Rhyner, 2009; Whitehust & Lonigan, 1998,
2001), importa perceber o papel da educação pré-escolar na promoção destas
competências. Com efeito, durante este período já se começam a notar diferenças
entre as crianças a nível dos seus conhecimentos e competências de literacia
emergente (e.g., Cohen & Cowen, 2007; Peixoto, 2011). Daí que nos últimos anos se
tenha registado um interesse crescente em estudar a emergência da literacia em
contextos de educação pré-escolar a nível internacional e nacional.
A investigação desenvolvida junto de crianças com incapacidades, apesar de
escassa, tem revelado que estas crianças podem não estar a beneficiar do mesmo
acesso a materiais e atividades promotores de literacia como as crianças com
desenvolvimento típico (Justice & Kadaravek, 2004; Katims, 1996; Koppenhaven,
Hendrix, & Williams, 2002, como citados em Rohde, 2011; Sandall, McLean, &
Smith, 2000). A falta de oportunidades de interação com materiais impressos e
atividades relacionadas com a linguagem escrita poderá estar associada a inúmeros
fatores que poderão ir desde a falta de interesse da própria criança, desvalorização
por parte dos pais e professores ou também devido a fatores físicos, cognitivos ou
sociais que impedem a criança a aceder a materiais e atividades de literacia
emergente (Rohde, 2011).
Nesta medida, e atendendo que o estudo da promoção da literacia emergente em
contexto de jardim-de-infância tem assumido um papel de destaque nos últimos anos
e que ainda é escassa a investigação desenvolvida em contextos inclusivos, o
presente estudo pretende ser mais um contributo para o estudo da literacia
emergente em contextos pré-escolares inclusivos, particularmente no nosso país.
Especificamente, com a presente investigação, pretende-se conhecer as ideias e as
práticas de educadores de infância do ensino regular relacionadas com a literacia
emergente em contextos pré-escolares inclusivos
50
2. Método
Tendo em conta os objetivos delineados, temos como intuito, neste ponto,
elucidar qual o método adotado, nomeadamente os participantes, o instrumento e os
procedimentos de recolha e de análise de utilizados.
2.1.Participantes
A seleção dos participantes do presente estudo seguiu um procedimento de
amostragem não probabilístico, tendo em conta o seguinte critério: educadores de
infância do ensino regular a desempenhar funções em salas de jardim-de-infância
inclusivas (i.e., com crianças apoiadas por serviços de intervenção precoce ou de
educação especial).
Assim, participaram no presente estudo 53 educadores de infância do ensino
regular a desempenhar funções em salas de jardim-de-infância inclusivas no Grande
Porto.
Tal como é possível verificar no Quadro 2, no que concerne o género dos
participantes, 52 eram mulheres (98,1%) e um era homem (1,9%). Em média, os
participantes tinham 39,48 anos (DP = 7,33), variando entre 24 e 54 anos.
Relativamente ao estado civil dos participantes, a maioria era casada ou vivia
em união de facto (66%). No que se refere às habilitações académicas, 84,9% dos
participantes possuíam licenciatura, sendo que mais de metade fez a sua formação
inicial em instituições de ensino privado (60,7%). A maioria dos participantes (84,6%)
não possuía formação complementar específica na área da literacia emergente ou
desenvolvimento da linguagem oral e abordagem à escrita no jardim-de-infância. O
tempo de serviço médio dos participantes era de 14,38 anos (DP = 6,98) e a maioria
dos participantes exercia a sua atividade profissional em Instituições Particulares de
Solidariedade Social (73,6%).
51
Quadro 2. Caracterização sociodemográfica e profissional dos participantes
M (DP) Min. - Max.
Idade (N = 53) 39,48 (7,33) 24 – 54
n %
Género (N = 53)
Masculino 1 1,9
Feminino 52 98,1
Estado civil (N = 53)
Solteiro 7 13,6
Casado/união de facto 35 66,0
Divorciado/separado de facto 9 16,9
Viúvo 2 3,7
Habilitações académicas (N = 53)
Bacharelato 6 11,3
Licenciatura 45 84,9
Mestrado 2 3,8
Escolas de formação inicial (N = 51)
Escolas Superiores de Educação de
Institutos Politécnicos 15 29,4
Escolas Superiores de Educação de
Institutos Privados 31 60,7
Ensino Universitário 5 9,8
Formação complementar na área da literacia emergente (N = 52)
Sim 8 15,4
Não 44 84,6
Tipo de instituição onde desempenha funções (N = 53)
Pública 7 13,2
Particular com fins lucrativos 7 13,2
Instituição Particular de Solidariedade Social
39 73,6
M (DP) Min. - Max.
Tempo de serviço (N = 53) 14,38 (6,98) 2 – 32
Aproximadamente 30% dos participantes encontrava-se a exercer a sua
atividade profissional no ano letivo 2012/2013 na sala dos 5 anos, 26,4% na sala dos
4 anos, 24,5% na sala dos 4 anos e 18, 9% na sala dos 3 anos.
A média de crianças por grupo era de 20,35 (DP = 3,57), variando entre 13 e
29. No que diz respeito ao número de crianças atendidas em intervenção precoce ou
educação especial, 69,8% das salas tinha apenas uma criança a beneficiar deste
serviço.
A maioria das salas funcionava diariamente com dois adultos (73,6%).
Quadro 3. Caracterização da sala dos participantes
n %
Sala
3 anos 10 18,9
4 anos 13 24,5
5 anos 16 30,2
Mista 14 26,4
Número total de crianças em IP ou EE no grupo
1 criança 37 69,8
2 crianças 13 24,5
3 crianças 3 5,7
Número total de adultos
1 adulto 2 3,8
2 adultos 39 73,6
3 adultos 12 22,6
M (DP) Min.-Max.
Número total de crianças 20,34 (3,57) 13 – 29
Nota. IP = Intervenção Precoce; EE = Educação Especial
No que diz respeito ao motivo de referenciação aos serviços de intervenção
precoce/educação especial das crianças com incapacidades ou em risco grave de
atraso de desenvolvimento, o atraso de desenvolvimento global verificou-se em
47,8% dos casos (ver Quadro 4).
53
Quadro 4. Motivos de referenciação das crianças abrangidas pelos serviços de intervenção precoce ou de educação especial (N = 67)
Além do apoio semanal da docente de intervenção precoce ou da educação
especial, 36,6% das crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de
desenvolvimento incluídas nas salas dos participantes recebiam apoio da terapia da
fala, sendo o apoio mais referido.
Quadro 5. Apoios que as crianças abrangidas pelos serviços de intervenção precoce ou de educação especial recebem, além do docente de intervenção precoce ou de educação especial (N = 60)
n %
Terapia da fala 22 36,6
Terapia ocupacional 5 8,3
Fisioterapia 5 8,3
Consulta de desenvolvimento 3 5
Psicologia 3 5
Neurologia 1 1,6
Reabilitação psicomotora 1 1,6
Hidroterapia 1 1,6
Hipoterapia 1 1,6
Não tem 18 30
n %
Atraso de desenvolvimento global 32 47,8
Síndrome espectro autista 10 14,9
Hiperatividade 6 8,9
Atraso na fala /linguagem 4 5,9
Indicação médica 3 4,4
Paralisia cerebral 3 4,4
Atraso psicomotor 2 3,0
Síndrome de down 2 3,0
Atrofia espinal infantil 1 1,4
Fenda do palato e atraso de desenvolvimento global 1 1,4
Distrofia muscular (tipo Duchenne) 1 1,4
Défice visual e atraso global de desenvolvimento 1 1,4
Síndrome de Kabuki 1 1,4
54
2.2. Instrumento de recolha de dados
Com o intuito de obter resposta para os objetivos delineados para o presente
estudo, foi construído um protocolo de recolha de dados constituído pelas seguintes
secções:
(I) Dados sociodemográficos e profissionais. Na primeira secção incluiu-se um
questionário constituído por questões relativas a dados sociodemográficos e
relacionadas com o exercício da profissão dos participantes (ex., sexo, idade, estado
civil, habilitações académicas, tipo de instituição onde desempenha funções,
caracterização do grupo que leciona, etc.).
(II) Ideias relacionadas com a literacia emergente. Numa segunda secção
incluiu-se a adaptação do questionário Parents’ Perceptions of Literacy Learning
Interview Schedule (PPLLIS; Lynch, Anderson, Anderson, & Shapiro, 2006) para
educadores de infância realizada por Mata e Marques (2010). Este questionário foi
inicialmente usado para analisar as conceções dos pais relativamente à forma como
as crianças aprendem a ler e a escrever e perceber que tipos de atividades de
literacia os pais desenvolvem com os filhos. A adaptação realizada por Mata e
Marques (2010) para educadores de infância tem como objetivo perceber se as
conceções dos educadores, face à aprendizagem da linguagem escrita, se situam
numa conceção de literacia emergente ou em abordagens mais tradicionais. A
medida adaptada é constituída por 15 afirmações sobre as quais os educadores têm
que mostrar o seu acordo ou desacordo, utilizando uma escala do tipo Likert de
cinco pontos (Discordo totalmente, Discordo, Não concordo nem Discordo,
Concordo, Concordo totalmente). Os itens organizam-se em duas dimensões:
conceção holística e conceção tecnicista (Mata & Marques 2010). A análise à
consistência interna (Alfa de Cronbach) dos dados obtidos no presente estudo em
cada uma das dimensões revelou valores considerados adequados (α = 0,85 para a
dimensão conceção holística; α = 0,66 para a dimensão conceção tecnicista).
(III) Ideias sobre competências essenciais à saída do jardim-de-infância. Com o
objetivo de perceber a importância atribuída pelos educadores de infância a um
conjunto de competências relacionadas com a literacia emergente, adaptou-se uma
55
secção do questionário elaborado por Rohde (2011), Preschool Teachers Beliefs and
Practices - Emergent Literacy in Inclusive Preschools. Foi solicitado aos educadores
de infância que indicassem a sua opinião sobre as competências que o educador
considera importante que as crianças possuam à saída do jardim-de-infância,
utilizando uma escala do tipo Likert de 5 pontos (essencial, muito importante,
importante, pouco importante, irrelevante).
(IV) Práticas de literacia emergente. Esta última secção do protocolo
incluiu um questionário constituído por quatro grupos de questões: (1) organização
da sala de atividades; (2) práticas gerais de literacia emergente; (3) práticas
relacionadas com a leitura de histórias; (4) estratégias de promoção do envolvimento
dos pais no processo de desenvolvimento da literacia dos filhos. Para a elaboração
da parte referente à organização da sala de atividades, adaptaram-se alguns dos
itens da Grelha de Observação de Práticas Pedagógicas no domínio da Leitura e da
Escrita em Contexto de Jardim-de-Infância desenvolvida por Martins e Santos
(2006), nomeadamente, os itens relativos à existência, organização e uso da
biblioteca da sala; existência e uso do computador da sala; etiquetagem dos
materiais e presença do alfabeto na sala. As questões incluídas na parte relativa às
práticas gerais de literacia emergente e na parte das práticas relacionadas com a
leitura de histórias foram construídas tendo por referência o questionário elaborado
por Rohde (2011), referido anteriormente. Este grupo de questões permite fazer um
levantamento da regularidade das práticas de literacia emergente em geral e das
atividades desenvolvidas especificamente em torno da leitura de histórias pelos
educadores de infância junto das crianças com desenvolvimento típico e das
crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento.
Finalmente, para conhecer as estratégias de promoção do envolvimento parental no
desenvolvimento da literacia das crianças utilizadas pelos educadores de infância
adaptou-se uma secção do questionário Preschool Literacy Practices Checklist
(PLPC): Preschool Teachers’ Self-Reported Beliefs and Practices about Literacy
Instruction (Burgess, Lundgren, Lloyd, & Pianta, 2003), traduzido por Gamelas
(2010).
56
Importa referir que antes da recolha de dados propriamente dita, o protocolo de
recolha de dados foi pilotado junto de três educadoras de infância do ensino regular
que, em anos letivos anteriores, tiveram nas suas salas de jardim-de-infância
crianças atendidas no âmbito da intervenção precoce.
2.3. Procedimentos
2.3.1. Recolha de dados
A recolha de dados decorreu entre maio e junho de 2013, tendo seguindo três
procedimentos distintos:
(1) Contactaram-se os diretores de quatro agrupamentos de escola do
concelho de Vila Nova de Gaia, para autorizarem a participação dos educadores de
infância com crianças com necessidades educativas especiais incluídas nas suas
salas, no presente estudo. Obtivemos três autorizações, mas duas delas apenas em
junho pelo que optamos por não realizar a recolha de dados nestes agrupamentos.
No agrupamento de escola, cuja autorização foi dada em tempo considerado útil, os
questionários foram entregues à coordenadora que, posteriormente, fez chegar aos
educadores de infância. Após o preenchimento dos questionários, a coordenadora
informou, via telefone, que os mesmos já podiam ser levantados.
(2) Contactaram-se duas educadoras de intervenção precoce a exercerem
funções em equipas locais de intervenção precoce, para nos ajudarem a perceber
em que jardins-de-infância estavam crianças atendidas no âmbito do Intervenção
Precoce. Depois da listagem feita, foram contactados todos os diretores dos jardins-
de-infância, a fim de se explicar o estudo e solicitar a colaboração dos educadores
de infância que reunissem os critérios referenciados. Depois de obtidas as
autorizações, os questionários foram deixados, presencialmente, nos jardins-de-
infância e recolhidos em prazo determinado pelos educadores de infância.
(3) O questionário foi distribuído a educadores de infância conhecidos através
de correio eletrónico, em formato Google docs, com o pedido de fazer passar a
57
outros educadores de infância que reunissem as condições requeridas para
participar no estudo. As respostas foram enviadas pela mesma via.
2.3.2. Análise de dados
Findado o tempo delineado para a recolha dos dados, procedeu-se à
introdução e análise de dados através do programa estatístico SPSS (Statistical
Package for the Social Sciences), versão 20.0. Tendo por referência os objetivos do
estudo, realizaram-se análises de estatística descritiva, nomeadamente medidas de
tendência central e de dispersão, assim como análises de estatística inferencial.
Uma vez que a análise exploratória de dados revelou não estarem cumpridos os
pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos, recorreu-se à
utilização do teste não-paramétrico Wilcoxon para amostras emparelhadas.
Calculou-se ainda o índice de magnitude dos efeitos através da conversão dos
valores z em valores r (r = z/√N; Rosenthal, 1991 como citado em Field, 2005). Os
resultados obtidos foram interpretados de acordo com as convenções definidas por
Cohen (1992): r de .10 é considerado pequeno revelando uma associação fraca, um
r de .30 é considerado médio e revela uma associação moderada e um r de .50 é
considerado grande e revela uma associação forte.
CAPÍTULO III
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
60
Neste capítulo são apresentados e discutidos os resultados obtidos no âmbito do
presente estudo, de acordo com a seguinte estrutura: (1) Ideias relacionadas com a
literacia emergente; e (2) Práticas de literacia emergente. O capítulo finaliza com as
considerações finais.
1. Ideias relacionadas com a literacia emergente
O Quadro 6 apresenta as estatísticas descritivas obtidas para as dimensões
holísticas e tecnicista do questionário utilizado para avaliar as conceções dos
educadores de infância sobre o desenvolvimento da literacia (Mata & Marques,
2010).
Quadro 6. Estatísticas descritivas obtidas para as dimensões holísticas e tecnicista
M (DP) Min. – Max.
Dimensão holística 4,35 (0,53) 2,13 – 5,00
Dimensão tecnicista 2,93 (0,67) 1,14 – 4,14
A análise do Quadro 6 permite constatar que, comparativamente à dimensão
tecnicista, os valores médios obtidos para a dimensão holística são relativamente
elevados (considerando que a escala utilizada é uma escala de 5 pontos). Neste
sentido, estes resultados sugerem uma maior identificação por parte dos
participantes com este tipo de abordagem. Isto é coerente com os valores
significativamente mais baixos na dimensão tecnicista. Com efeito, os resultados
obtidos através do teste de Wilcoxon para amostras emparelhadas revelaram a
existência de diferenças estatisticamente significativas e de magnitude grande entre
os valores obtidos para cada uma das dimensões (Z = -6,08, p = ,000, r = -,59).
Os resultados descritos estão de acordo com os resultados obtidos por Mata e
Marques (2010). No estudo que realizaram com 91 educadores de infância sobre
conceções relacionadas com a forma como as crianças aprendem a ler e a escrever,
as autoras perceberam que os participantes identificavam-se mais com uma
abordagem de natureza holística, tal como o verificado no presente estudo.
61
Foi também solicitado aos participantes do presente estudo que avaliassem
numa escala tipo Likert de cinco pontos (de essencial a irrelevante) a sua posição
relativamente à importância de um conjunto de competências associadas à literacia
emergente. A maioria dos participantes no estudo consideraram ser essencial ou
muito importante as crianças possuírem à saída do jardim-de-infância motivação
para a leitura e para a escrita (92,3%), competências ao nível da linguagem
expressiva e compreensiva (88,3%), competências de consciência fonológica (76%)
e competências ao nível do conhecimento do impresso (76,5%).
Quadro 7. Ideias relacionadas com as competências que as crianças devem possuir à saída do jardim-de infância
Essencial
Muito
importante
Importante Pouco
importante Irrelevante
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
Linguagem expressiva e compreensiva (N = 51)
31 (60,8) 14 (27,5) 5 (9,8) 1 (2) 0 (0)
Consciência fonológica (N = 50) 21 (42) 17 (34) 10 (20) 2 (4) 0 (0)
Conhecimento das letras do alfabeto (N = 50)
3 (6) 10 (20) 26 (52) 10 (20) 1 (2)
Conhecimento do impresso (N = 51)
14 (27,5) 25 (49) 8 (15,7) 4 (7,8) 0 (0)
Motivação para a leitura e para a escrita (N = 52)
27 (51,9) 21 (40,4) 4 (7,7) 0 (0) 0 (0)
Tal como é possível verificar no Quadro 7, existe uma maior variabilidade entre
os participantes no que se refere à importância atribuída ao conhecimento das letras,
sendo referida por metade da amostra como sendo apenas importante. Os
resultados obtidos no estudo de Rohde (2011), onde a investigadora também
questionou os educadores sobre o nível de importância de um conjunto
competências de literacia emergente, indicaram o vocabulário (linguagem expressiva
62
e compreensiva) como a competência considerada mais importante, seguida da
consciência fonológica, do conhecimento do impresso e, por fim, considerado como
menos importante o conhecimento das letras do alfabeto, tal como se verificou
presente investigação.
Estudos de Fernandes (2005a) e Guimarães e Youngman (1995, como citado
em Gamelas, 2010) também apontaram que os educadores de infância parecem
atribuir menor importância ao conhecimento das letras. Estes resultados podem
estar relacionados com um “preconceito” acerca deste tipo de aprendizagens em
contexto de jardim-de-infância, sendo visto pelos educadores como da
responsabilidade escola (Fernandes, 2005b).
Em suma, e no geral, as ideias dos educadores de infância parecem ser
concordantes com a literatura no domínio, assim como com os princípios patentes
nos normativos orientadores existentes em Portugal, nomeadamente as OCEPE
(ME, 1997) e as brochuras para a educação pré-escolar (Mata, 2008; Sim-Sim et al.,
2008), valorizando desta forma a sua pertinência como guias para a prática
educativa do educador de infância.
2. Práticas de literacia emergente
2.1. Organização da sala de atividades
Todos os participantes referiram que as suas salas de atividades possuem uma
área de leitura. Nesta área prevalecem maioritariamente livros de histórias e de
imagens, sendo que as enciclopédias, os dicionários e a banda desenhada não
parecem ocupar um lugar importante nas bibliotecas das salas dos participantes do
nosso estudo. Da lista de tipos de livros apresentados 67,9% dos participantes
revelou possuir mais de 10 livros de histórias nas suas estantes e 50% declarou não
possuir dicionários (ver Quadro 8).
63
Quadro 8. Tipos de materiais de exploração de leitura existentes na biblioteca da sala
Verificamos, assim, que as bibliotecas dos participantes apresentam alguma
variedade nos livros disponibilizados às crianças em quantidade razoável. Tal como
referido por Sandall e Schwartz (2003) é importante a seleção criteriosa de livros na
biblioteca da sala, incluindo uma diversidade enorme de livros infantis, no sentido de
auxiliar as crianças a perceberem que a escrita é utilizada de várias maneiras, tais
como: livros de contos, livros informativos, livros temáticos, livros de matemática,
livros de contos tradicionais e de contos de fadas, livros de poesia e cancioneiros.
Outros materiais, existentes na biblioteca da sala, referidos pelos educadores
foram as listas de presenças, registos de adivinhas (escritas e com imagens) e
pesquisas realizadas na internet.
No que concerne ao uso da biblioteca da sala, todos os participantes relataram
que todas as crianças com desenvolvimento típico (DT) acedem autonomamente a
Mais de 10 Entre 4 e 9 Até 3 0
n (%) n (%) n (%) n (%)
Livros de histórias (N = 53) 36 (67,9) 17 (32,1) 0 (0) 0 (0)
Livros de imagens (N = 53) 18 (34) 22 (41,5) 10 (18,9) 3 (5,7)
Livros de poesia (N = 52) 3 (5,8) 8 (15,4) 27 (51,9) 14 (26,9)
Livros de canções (N = 52) 3 (5,7) 9 (17,3) 26 (50) 14 (26,9)
Enciclopédias (N = 49) 2 (4,1) 6 (12,2) 20 (40,8) 21 (42,9)
Dicionários (N = 50) 3 (6) 5 (10) 17 (34) 25 (50)
Livros temáticos (N = 52) 4 (7,7) 24 (46,2) 16 (30,8) 8 (15,4)
Banda desenhada (N = 51) 4 (7,8) 9 (17,6) 16 (31,4) 22 (43,1)
Revistas (N = 53) 11 (20,8) 14 (26,4) 9 (17) 19 (35,8)
Listas de palavras (N = 48) 7 (14,6) 5 (10,4) 15 (31,3) 21 (43,8)
Registos de histórias (N = 48) 9 (18,8) 13 (27,1) 16 (33,3) 10 (20,8)
Fantoches (N = 49) 14 (28,6) 20 (40,8) 8 (16,3) 7 (14,3)
Outros materiais (N = 11) 5 (45,5) 3 (27,3) 1 (9,1) 2 (18,2)
64
este espaço e que 88,5% das crianças com incapacidades ou em risco grave de
atraso de desenvolvimento (INC) é que têm essa possibilidade.
Quadro 9. Uso da biblioteca da sala de atividades por crianças com desenvolvimento típico
Sim Não
n % n %
Acedem autonomamente aos livros (N = 53) 53 100 0 0
Têm um espaço cómodo para ler ou folhear livros (N = 53) 52 98,1 1 1,9
Conseguem fazer leitura partilhada com pelo menos um colega (N =
52) 51 98,1 1 1,9
Podem levar os materiais de leitura/escrita para qualquer área da sala
de atividades (N = 53) 27 50,9 26 49,1
O espaço da biblioteca da sala é considerado pela maioria dos participantes
como sendo cómodo para as crianças com DT e INC lerem ou folhearem livros e é
referido que nele as crianças conseguem fazer leitura partilhada com pelo menos um
colega. Aproximadamente metade dos educadores referiu permitir que as crianças
com DT (50,9%) e com INC (55,8%) levem os materiais de leitura/escrita para
qualquer área da sala de atividades (ver Quadros 9 e 10).
Quadro 10. Uso da biblioteca da sala de atividades por crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento
Sim Não
n % n %
Acedem autonomamente aos livros (N = 52) 46 88,5 6 11,5
Têm um espaço cómodo para ler ou folhear livros (N = 52) 49 94,2 3 5,8
Conseguem fazer leitura partilhada com pelo menos um colega (N = 52) 40 76,9 12 23,1
Podem levar os materiais de leitura/escrita para qualquer área da sala de
atividades (N = 52) 29 55,8 23 44,2
Katims (1995) refere a importância de uma biblioteca atrativa e bem
apetrechada com livros de literatura infantil clássica, poemas, fábulas, contos, livros
de imagens, livros de alfabeto, livros temáticos, livros de épocas festivas, cujo
65
espaço esteja acessível a todas as crianças, incluindo as que tem incapacidades
motoras e com livros adaptados a todas as crianças, para que todas consigam
interagir com os mesmos de forma autónoma. Os resultados do presente estudo
indicam-nos que ainda existem educadores de infância que parecem não estar
sensibilizados para esta questão, uma vez que seis participantes revelaram que as
crianças com INC não acedem autonomamente aos livros da biblioteca, três
participantes relataram que o espaço da biblioteca não é cómodo para ler ou folhear
livros e 12 participantes indicaram que as crianças com INC não conseguem fazer
leitura partilhada com pelo menos um colega. Nesta questão em particular não
conseguimos aferir, pela forma como foi colocada a questão, se isto se deve a
dificuldades das crianças em interagir com os pares ou se a organização do espaço
físico da biblioteca da sala é que impede essa interação no caso crianças em
particular. De qualquer modo cabe ao educador mediar as interações entre as
crianças, proporcionando a todas a oportunidade de partilharem leitura uns com os
outros.
No que diz respeito à existência de outras áreas com materiais de leitura e
escrita, apenas 52 participantes responderam a esta questão, sendo que 78,8%
indicou que dispõe de materiais de leitura e de escrita em outras áreas da sala, tal
como indica o Quadro 11.
Quadro 11. Outras áreas que dispõem de materiais de leitura e escrita (N = 41)
n %
Espaço da expressão plástica 13 31,7
Espaço dos jogos 8 19,5
Mesas de trabalho 6 14,6
Lojinha /espaço da casinha 3 7,3
Espaço do computador 3 7,3
Quadro 3 7,3
Placards 2 4,8
66
Espaço da matemática 1 2,4
Área da expressão livre e área da partilha de ideias e informação 1 2,4
Armário com livros da educadora 1 2,4
A partir da análise do Quadro 11, podemos constatar que 31,7% dos
participantes referiram o espaço da expressão plástica como uma área onde são
disponibilizados materiais da leitura e de escrita. Na verdade, neste espaço, é
habitual estarem disponíveis para as crianças folhas de papel e de outros tipos, lápis
de carvão, lápis de cor, marcadores, ceras, carimbos, escantilhões, revistas, jornais,
tesouras, colas, entre outros. Os instrumentos referidos são altamente potenciadores
da interação da criança com o impresso. Outros espaços referidos pelos
participantes foram o espaço dos jogos (19,5%), o espaço da lojinha/espaço da
casinha (7,3%), o quadro (7,3%), áreas, onde através da atividade lúdico, o
educador pode desenvolver diferentes competências de literacia emergente,
aproveitando as potencialidades específicas de cada espaço.
Em termos de utilização da biblioteca, 82,4% dos participantes referiram que as
crianças com DT usam este espaço, de forma autónoma, todos os dias, 43,8%
indicaram que tem que ser o educador a sugerir às crianças a sua utilização numa
base diária e 34,8% dos participantes revelaram que, pelo menos uma vez por
semana, propõem neste espaço uma atividade específica (ver Quadro 12).
Quadro 12. Frequência de utilização da biblioteca da sala por crianças com desenvolvimento típico
Todos os dias
Pelo menos 3 vezes por semana
Pelo menos 1 uma vez
por semana
2 a 3 vezes por mês
Nunca
n % n % n % n % n %
Escolhida livremente pela criança (N = 51)
42 82,4 6 11,8 2 3,9 1 2 0 0
Sugerida pelo educador (N = 48)
21 43,8 14 29,2 9 18,8 3 6,3 1 2,1
O educador propõe uma atividade específica (N = 46)
8 17,4 13 28,3 16 34,8 8 17,4 1 2,2
67
Tal como registado no Quadro 13, 62,5% dos participantes referiram que as
crianças com INC escolhem livremente a biblioteca diariamente e dois participantes
indicaram que estas crianças nunca escolhem este espaço. Trinta e sete por cento
dos participantes referiram que diariamente sugerem a estas crianças a utilização
desta área e, tal como acontece no caso das crianças com DT, 34,1% dos
participantes admitem que, pelo menos uma vez por semana, dinamizam neste
espaço uma atividade específica.
Em termos globais, e apesar das contingências relatadas no ponto anterior, no
que se refere à existência de crianças com INC que não acedem autonomamente
aos livros da biblioteca da sala e que não conseguem fazer leitura partilhada com
pelo menos um colega, verificamos que a maioria dos educadores revela que as
crianças com DT e com INC utilizam a biblioteca da sala livremente, possibilitando
desta forma à maioria das crianças o acesso a materiais de leitura.
Quadro 13. Frequência de utilização da biblioteca da sala por crianças com incapacidade ou risco grave de atraso de desenvolvimento
Apesar de verificarmos que apenas dois participantes indicaram que as
crianças com INC das suas salas nunca escolhem livremente a área da biblioteca,
nem o educador propõe uma atividade específica neste espaço, importa recordar
que sendo o jardim-de-infância um espaço inclusivo onde se deve adequar o
contexto educativo às características e necessidades de cada criança (ME, 1997),
Todos os dias
Pelo menos 3 vezes por semana
Pelo menos 1 uma vez
por semana
2 a 3 vezes por mês
Nunca
n % n % n % n % n %
Escolhida livremente pela criança (N = 48)
30 62,5 9 18,8 4 8,3 3 6,3 2 4,2
Sugerida pelo educador (N = 47)
17 37 14 30,4 10 21,7 2 4,3 3 6,5
O educador propõe uma atividade específica (N = 44)
8 18,2 12 27,3 15 34,1 7 15,9 2 4,5
68
espera-se que a organização do ambiente educativo privilegie as particularidades de
cada criança no sentido de possibilitar a exploração autónoma e livre de todas as
crianças.
É, assim, fundamental que todas as crianças tenham a possibilidade de
interagir com o material escrito, no sentido de compreenderem a sua funcionalidade
e utilidade (Sim-Sim, 2009), sendo por isso desejável que não seja vedado às
crianças com incapacidades o acesso a material impresso. O possível desinteresse
manifestado por algumas crianças face a este tipo de material deverá ser contrariado
pelos educadores através de práticas e de estratégias motivadoras e adaptadas aos
interesses, capacidades e limitações de cada criança, tal como parece acontecer
tendo em conta os resultados descritos nos Quadros 12 e 13.
Atendendo às potencialidades do computador no desenvolvimento de
competências de literacia emergente, procuramos perceber se este é uma
ferramenta presente nas salas de jardim-de-infância e de que forma é usado pelas
crianças. Vinte e cinco participantes revelaram que têm na sua sala de atividades um
computador.
Quadro 14. Frequência de utilização do computador da sala por crianças com desenvolvimento típico
Todos os
dias
Pelo menos 3 vezes por semana
Pelo
menos 1 uma vez
por semana
2 a 3 vezes
por mês
Nunca
n % n % n % N % n %
Escolhida livremente pela criança (N = 24)
9 37,5 7 29,2 5 20,8 1 4,2 2 8,3
Sugerida pelo educador (N = 23) 3 13 9 39,1 9 39,1 1 4,3 1 4,3
O educador propõe uma atividade específica (N = 24)
4 16,7 2 8,3 12 50 5 20,8 1 4,2
Em termos de utilização do computador, metade dos participantes referiu que
as crianças com DT e com INC usam esta área livremente pelo menos uma ou três
vezes por semana. Aproximadamente 38% dos participantes referiram que as
crianças com DT usam livremente o computador todos os dias.
69
Quadro 15. Frequência de utilização do computador da sala por crianças com incapacidades ou risco
grave de atraso de desenvolvimento
Todos os dias
Pelo menos 3 vezes por semana
Pelo menos 1 uma vez
por semana
2 a 3 vezes por mês
Nunca
n % n % n % n % n %
Escolhida livremente pela criança (N = 22)
6 27,3 5 22,7 6 27,3 2 9,1 3 13,6
Sugerida pelo educador (N = 23)
2 8,7 7 30,4 11 47,8 2 8,7 1 4,3
O educador propõe uma atividade específica (N = 24)
4 7,5 1 4,2 12 50 6 25 1 4,2
No caso das crianças com INC, encontramos uma maior variabilidade das
respostas face à frequência de utilização livre do computador.
A maioria dos participantes (78,2%) indicou que pelo menos uma a três vezes
por semana sugerem a utilização desta ferramenta às crianças com DT e 88,2% faz
a mesma sugestão às crianças com INC.
Pelo menos uma vez por semana, metade dos educadores de infância de
crianças referiu propor uma atividade específica com o computador às crianças com
DT e com INC (ver Quadros 14 e 15).
Estes resultados permitem concluir que embora esta ferramenta ainda não
esteja disponível em todas as salas de jardim-de-infância, nas salas em que está
presente, é dinamizada como um outro espaço pedagógico da sala de atividades.
Para o sucesso da aquisição de competências de literacia emergente é
fundamental a organização de um ambiente educativo onde o impresso tenha um
valor preponderante (Fernandes, 2004), para que as crianças beneficiem de
oportunidades para interagir com esse material, “organizando-o e analisando os seus
significados” (Viana, 2002, p. 28). Neste sentido, além das questões previamente
analisadas, os participantes foram questionados sobre a existência de locais
específicos para a afixação de registos das crianças e do abecedário na sala de
atividades, assim como sobre a etiquetagem dos materiais da sala e a existência de
Quadros de presenças e de tarefas.
70
A maioria dos participantes (98,1%) referiu que na sua sala de atividades
existem locais próprios para afixar os registos escritos das crianças e 90,2% dos
participantes referiu que estes estão ao nível dos olhos das crianças.
Quadro 16. Exposição do material impresso na sala de atividades (N = 52)
Sim Não
n % n %
Locais próprios para afixar registos escritos das crianças 51 98,1 1 1,9
Abecedário na sala 21 40,4 31 59,6
No que concerne à presença do alfabeto na sala, mais de metade dos
participantes (59,6%) revelou que não tem o abecedário afixado na sala. Dos
participantes que indicaram ter o alfabeto afixado, 84,2% afirmaram que disponibiliza
este material ao nível dos olhos das crianças. Também Gamelas (2010) no estudo
que realizou em 60 salas de jardim-de-infância inclusivos percebeu que a presença
do alfabeto na sala ao nível dos olhos das crianças era um dos itens pouco
valorizado pelos educadores.
Relativamente à etiquetagem dos materiais da sala, 73,1% dos educadores de
infância referiram que os materiais estão etiquetados, sendo que a maioria (83,8%)
combina palavra e imagem para identificar os materiais da sala (ver Quadro 17).
Fernandes (2005b) refere que o contacto frequente com materiais impressos que
agregam textos e imagens instigam a criança a descobrir que o que se lê é o texto,
possibilitando à criança o entendimento de que a leitura se realiza pelas palavras.
Quadro 17. Tipo de etiquetagem dos materiais da sala (N = 37)
n %
Apenas imagens 4 10,8
Apenas palavras 2 5,4
Palavras e imagens 31 83,8
71
No que diz respeito à existência de quadros de presenças e/ou de tarefas,
94,2% dos participantes mencionaram a sua utilização e mais de metade da amostra
referiu que combina nos mesmos nome e imagem (ver Quadro 18). A presença dos
quadros de presença e/ou de tarefas possibilita a interação mediada pelo educador
com materias escritos, possibilitando à criança a compreensão da funcionalidade da
escrita. Por outro lado, quando a escrita é contextualizada pela imagem é mais
facilmente apreendida (Martins & Mendes, 1986).
Quadro 18. Forma de representação do nome da criança no quadro de presenças e/ou tarefas (N = 49)
n %
Apenas imagens 3 6,1
Apenas o nome 13 26,5
Nome e imagem 32 65,3
Outras. Quais? Fotografia 1 2
Verificamos que a maioria das salas dos participantes está de acordo com o
que defende Mata (2008) relativamente à sala de atividades como um espaço que
deve fomentar a exploração, a reflexão e a interpretação sobre o impresso,
possibilitando que as crianças iniciem tentativas precoces de leitura e de
interpretação da escrita. Os mapas de presenças, os mapas de aniversários, os
quadros de planificação e de seleção de atividades a desenvolver, as tabelas dos
responsáveis, entre outros, são bons exemplos de instrumentos que permitem a
interação com o texto escrito, de forma integrada e funcional, na medida em que
fazem parte do contexto diário da criança.
Em geral, podemos dizer que a maioria das salas dos participantes deste
estudo encontra-se organizada de forma a proporcionar a todas as crianças, quer
com DT quer as com INC, o contacto frequente com o material escrito.
72
2.2. Práticas gerais de literacia emergente
Para perceber a regularidade das práticas de literacia emergente desenvolvidas
em salas de jardim-de-infância inclusivas, foi solicitado aos participantes que
indicassem qual a frequência com que promoviam um conjunto de atividades que se
enquadram nas componentes de literacia emergente, identificadas na literatura:
linguagem oral; consciência fonológica; conhecimento do impresso, conhecimento
das letras e motivação para a leitura.
Quadro 19. Práticas gerais de literacia emergente desenvolvidas com crianças com desenvolvimento típico
Todos os dias
Pelo menos 3 vezes por
semana
Pelo menos 1 uma vez
por semana
2 a 3 vezes por
mês Nunca
n % n % n % n % n %
1.Ensina e explora canções (N = 53)
26 49,1 16 30,2 10 18,9 1 1,9 0 0
2.Cria oportunidades para as crianças escreverem os seus nomes e/ou outras palavras (N = 52)
37 71,2 8 15,4 4 7,7 1 1,9 2 3,8
3.Incentiva as crianças a procurarem e a recortarem de jornais e revistas letras do seu nome e nomes/palavras familiares (N = 52)
8
15,4 13 25 11 21,2 17 32,7 3 5,8
4.Ensina e explora poemas (N = 53)
6 11,3 14 26,4 16 30,2 17 32,1 0 0
5.Incentiva as crianças a inventar histórias sozinhas, em pequenos grupos e/ou em grande grupo (N = 53)
11 20,8 11 20,8 15 28,3 15 28,3 1 1,9
6.Ensina e explora trava-línguas (N = 53)
9 17 15 28,3 14 26,4 14 26,4 1 1,9
7.Lê histórias (N = 52) 28 53,8 16 30,8 5 9,6 3 5,8 0 0
8.Explora jogos rítmicos de segmentação de sílabas dos nomes próprios das crianças e outras palavras familiares (N = 52)
12 23,1 13 25 17 32,7 8 15,4 2 3,8
73
Em termos globais, as práticas de literacia emergente desenvolvidas
diariamente com as crianças, por aproximadamente metade dos participantes são: a
promoção de conversas entre as crianças sobre vivências e assuntos de interesse
do grupo (crianças com DT = 79,2%; crianças com INC = 75%); a criação de
oportunidades para as crianças escreverem os seus nomes e/ou palavras familiares
(crianças com DT = 71,2%; crianças com INC = 55,8%); a leitura de histórias
(crianças com DT e crianças com INC = 53,8%) e a exploração de canções (crianças
com DT e crianças com INC = 49,1%).
Por sua vez, experiências de literacia emergente como escrever histórias
ditadas ou inventadas pelas crianças (crianças com DT = 56,%; crianças com INC =
9.Ensina e explora rimas infantis (N = 52)
11 21,2 14 26,9 17 32,7 10 19,2 0 0
10.Permite que as crianças utilizem espontaneamente escantilhões, carimbos e/ou esponjas de letras (N = 53)
9 17 9 17 7 13,2 15 28,3 13 24,5
11.Lê em voz alta histórias ditadas e/ou inventadas pelas crianças (N = 52)
12
23,1 14 26,9 9 17,3 13 25,0 4 7,7
12. Ensina e explora lengalengas (N = 53)
11 20,8 10 18,9 19 35,8 13 24,5 0 0
13. Quando as crianças escrevem (escrita inventada) pede-lhes para lerem e regista de forma convencional, a escrita da criança (N = 53)
17 32,1 12 22,6 6 11,3 11 20,8 7 13,2
14.Escreve histórias ditadas e/ou inventadas pelas crianças (N = 50)
9 18 9 18 9 18 19 38 4 8
15. Ensina e explora o abecedário (N = 52)
9 17,3 8 15,4 8 15,4 14 26,9 13 25
16. Regista por escrito com as crianças e coloca em espaço acessível às crianças canções, lengalengas e rimas (N = 52)
20 38,5 10 19,2 11 21,2 11 21,2 0 0
17. Promove conversas entre as crianças sobre vivências e assuntos de interesse do grupo (N = 53)
42 79,2 8 15,1 1 1,9 2 3,8 0 0
74
46%), realizar recorte em jornais e revistas de letras dos nomes e outras palavras
familiares (crianças com DT = 53,9%; crianças com INC = 52%), exploração de
trava-línguas (crianças com DT = 52,8%; crianças com INC = 51%) e a exploração
de rimas infantis (crianças com DT = 42,9%; crianças com INC = 55,8%) foram
relatadas como sendo desenvolvidas com menor frequência (entre uma vez por
semana a duas ou três vezes por mês) por aproximadamente metade da amostra, no
que se refere às crianças com DT e às crianças com INC.
Quadro 20. Práticas gerais de literacia emergente desenvolvidas com crianças com incapacidade ou em risco grave de atraso de desenvolvimento
Todos os dias
Pelo menos 3 vezes por
semana
Pelo menos 1 uma vez
por semana
2 a 3 vezes por
mês Nunca
n % n % n % N % n %
1. Ensina e explora canções (N = 53)
26 49,1 14 26,4 11 20,8 2 3,8 0 0
2.Cria oportunidades para as crianças escreverem os seus nomes e/ou outras palavras (N = 52)
29 55,8 9 17,3 6 11,5 3 5,8 5 9,6
3. Incentiva as crianças a procurarem e a recortarem de jornais e revistas letras do seu nome e nomes/palavras familiares (N = 52)
8 15,4 12 23,1 11 21,2 16 30,8 5 9,6
4. Ensina e explora poemas (N = 52)
6 11,5 14 26,9 15 28,8 16 30,8 1 1,9
5. Incentiva as crianças a inventar histórias sozinhas, em pequenos grupos e/ou em grande grupo (N = 53)
11 20,8 10 18,9 12 22,6 16 30,2 4 7,5
6. Ensina e explora trava-línguas (N = 53)
9 17 14 26,4 11 20,8 16 30,2 3 5,7
7. Lê histórias (N = 52) 28 53,8 15 28,8 4 7,7 4 7,7 1 1,9
75
Menos de metade da amostra indicou que nunca explora o abecedário
(crianças com DT = 25,5%; crianças com INC = 26,9%), nem permite o uso
espontâneo de escantilhões, carimbos e /ou esponjas de letras (crianças com DT =
24,5%; crianças com INC = 28,3%).
8. Explora jogos rítmicos de segmentação de sílabas dos nomes próprios das crianças e outras palavras familiares (N = 52)
13 25 10 19,2 16 30,8 10 19,2 3 5,8
9. Ensina e explora rimas infantis (N = 52)
10 19,2 12 23,1 16 30,8 13 25 1 1,9
10. Permite que as crianças utilizem espontaneamente escantilhões, carimbos e/ou esponjas de letras (N = 53)
9 17 7 13,2 9 17 13 24,5 15 28,3
11. Lê em voz alta histórias ditadas e/ou inventadas pelas crianças (N = 52)
15 28,8 13 25 9 17,3 10 19,2 5 9,6
12. Ensina e explora lengalengas (N = 53)
11 20,8 9 17 17 32,1 14 26,4 2 3,8
13. Quando as crianças escrevem (escrita inventada) pede-lhes para lerem e regista de forma convencional, a escrita da criança (N = 52)
16 30,8 10 19,2 5 9,6 12 23,1 9 17,3
14. Escreve histórias ditadas e/ou inventadas pelas crianças (N = 50)
10 20 9 18 6 12 17 34 8 16
15. Ensina e explora o abecedário (N = 52)
8 15,4 8 15,4 10 19,2 12 23,1 14 26,9
16. Regista por escrito com as crianças e coloca em espaço acessível às crianças canções, lengalengas e rimas (N = 52)
19 36,5 8
15,4 10 19,2 13 25 2 3,8
17. Promove conversas entre as crianças sobre vivências e assuntos de interesse do grupo (N = 52)
39
75 7 13,5 1 1,9 3 5,8 2 3,8
76
Importa ainda salientar que três participantes deste estudo referiram que leem
histórias apenas duas a três vezes por mês, no caso das crianças com DT, e quatro
participantes no caso das crianças com INC. Um participante refere que nunca lê
histórias no caso das crianças com INC. Apesar de ser uma percentagem reduzida,
estes resultados indicam que ainda existem educadores que não entendem a
importância da leitura de histórias. Tal como Mata (2008) defende, a leitura de
histórias é uma atividade muito rica e completa, para a promoção e desenvolvimento
da linguagem, na aquisição de vocabulário, no desenvolvimento de mecanismos
cognitivos de seleção de informação e acesso à compreensão, no desenvolvimento
de conceções sobre a linguagem escrita e no desenvolvimento da motivação para a
leitura.
Partindo do pressuposto, que aquilo que o educador faz regularmente é o que
tem mais impacto na aprendizagem da criança, podemos considerar que a
componente mais privilegiada pelos participantes parece ser a linguagem oral
(práticas 1, 5, 11, 17), seguida da componente conhecimento do impresso (práticas
2, 3, 13, 16) e da componente motivação para a leitura (práticas 7, 11, 14). De
acordo com os resultados obtidos, os educadores participantes neste estudo
parecem dar menos relevo às atividades de consciência fonológica (atividades 4, 6,
8, 9, 12) e às experiências relacionadas com o conhecimento das letras (práticas 3,
10, 15). Uma investigação realizada por Hawken, Johnston e Mcdonnell (2005) junto
de 273 educadores de infância indicou que a maioria dos educadores promovia mais
atividades sobre leitura de livros e conhecimento do impresso em detrimento de
atividades de consciência fonológica, apesar dos estudos existentes apontarem a
consciência fonológica como um bom indicador no sucesso da leitura e da escrita.
Por sua vez, o estudo de Fernandes (2005b) desenvolvido junto de 340
educadores de infância, revelou que os educadores privilegiam atividades de
conhecimento da linguagem e que as tarefas de nomeação de letras, escrita e
manipulação de sons e palavras não parecem ser fundamentais para a maioria dos
educadores de infância, apesar de serem descritas, pela literatura, como atividades
fundamentais para o desenvolvimento da literacia. Segundo o autor deste estudo,
estas práticas evidenciavam um desconhecimento por parte dos educadores de
77
infância da evidência científica obtida nos últimos anos relativamente à literacia
emergente.
No que refere ao presente estudo, com vista a verificar a significância das
diferenças entre os dois grupos de crianças a nível da regularidade das práticas
gerais de literacia, calcularam-se duas variáveis compósitas para cada grupo. Para
tal, para cada grupo de crianças, as respostas obtidas nos itens referentes a cada
tipo de prática foram somadas e o total dividido pelo número de itens, tendo sido
assim obtido um valor médio global (quanto mais elevado o valor, maior a frequência
das práticas). Os dados obtidos revelaram valores de consistência interna
adequados (cf. Quadro 21).
Quadro 21. Estatísticas descritivas obtidas para as variáveis compósitas práticas gerais de literacia
emergente DT e INC
M (DP) Min. – Max.
Práticas gerais de literacia emergente – DT (α = ,91) 3,53 (0,73) 2,12 – 5,00
Práticas gerais de literacia emergente – INC (α = ,92) 3,41 (0,81) 1,12 – 5,00
O cálculo do teste de Wilcoxon para amostras emparelhadas revelou a
existência de diferenças estatisticamente significativas e de magnitude moderada
entre a frequência das práticas realizadas com crianças com DT e com INC (Z = -
2,41, p = ,016, r = -,33). Tal como é possível verificar no Quadro 21, em termos
médios, as crianças com desenvolvimento típico são envolvidas com maior
regularidade em experiências relacionadas com a literacia emergente do que as
crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento.
Estas diferenças podem estar associadas a inúmeros fatores, entre os quais, o
tipo de incapacidade das crianças, o número de crianças na sala de atividades,
assim como a possibilidade dos educadores de infância poderem ter menos
expetativas face às capacidades de realização das crianças com INC, o que pode
levá-los a envolver menos estas crianças neste tipo de experiências. Por outro lado,
as crianças com INC poderão demonstrar menor interesse neste nas atividades
propostas pelos educadores de infância, o que poderá originar desalento nos
78
profissionais e desencorajá-los na promoção de atividades de literacia para estas
crianças (Breit-Smith et al., 2010).
Por outro lado, os educadores de infância poderão temer estar a promover o
desenvolvimento de competências e conhecimentos desajustados ao
desenvolvimento e às capacidades da criança co incapacidade ou em risco de traso
grave de desenvolvimento, bem como poderão preferir priorizar competências
relacionadas com a funcionalidade e participação da criança em detrimento de
fomentar o desenvolvimento de competências de literacia.
Estudos de Ure e Raban (2001), Fernandes (2004) e Silva (2008) referem que
a formação inicial dos educadores de infância é insuficiente no domínio da literacia.
Com base nesta evidência parece-nos que esta deficiente formação, aliada à falta de
apoio regular de outros profissionais da área (educador de intervenção
precoce/educação especial), poderá intricar a prática educativa do educador de
infância no sentido destes profissionais desenvolverem estratégias de diferenciação
de ensino-aprendizagem adequadas às necessidades e potencialidades de todas as
crianças, incluídas as com incapacidades.
Os resultados obtidos no presente estudo não são consistentes com os
resultados obtidos no estudo desenvolvido por Rohde (2011). No seu estudo, Rhode
(2011) verificou a ausência de diferenças estatisticamente relevantes entre a
frequência das práticas realizadas com crianças com DT ou com INC.
Em suma, apesar das diferenças encontradas a nível da regularidade das
práticas de literacia emergente realizadas junto de crianças com desenvolvimento
típico e de crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de
desenvolvimento, em geral, os resultados obtidos a este nível parecem ir ao
encontro das conceções sobre literacia emergente dos participantes, nomeadamente
ao nível das competências que consideram mais importante (linguagem oral) e
menos importante (identificação das letras do alfabeto) serem promovidas em
contexto de jardim-de-infância. Estes resultados não vão ao encontro dos resultados
obtidos em outros estudos desenvolvidos a nível nacional, como por exemplo,
Fernandes (2005), Silva (2008) e Gamelas (2010), os quais encontraram
inconsistências entre as ideias e as práticas relatadas pelos educadores de infância.
79
2.3. Práticas relacionadas com a leitura de histórias
No que se refere às práticas relacionadas com a leitura de histórias em
particular, verificamos que mais de metade dos participantes do estudo referiu que,
diariamente, explica o significado das palavras não familiares (crianças com DT =
78,8%; crianças com INC = 74%), faz perguntas às crianças sobre a história que leu
(crianças com DT = 71,%; crianças com INC = 73,1%), envolve as crianças em
conversas relacionadas com a história (crianças com DT = 64,2%; crianças com INC
= 64,7%) e explica o sentido direcional da leitura (crianças com DT = 52,9%; crianças
com INC = 51%).
Quadro 22. Práticas relacionadas com a leitura de histórias desenvolvidas com crianças desenvolvimento típico
Todos os dias
Pelo menos 3 vezes por
semana
Pelo menos 1 uma vez
por semana
2 a 3 vezes por
mês Nunca
n % n % n % n % n %
1.Quando está a ler uma história aponta para as letras impressas durante a leitura (N = 52)
18 34,6 13 25 6 11,5 5 9,6 10 19,2
2.Explica o sentido direcional da leitura (N = 51)
27 52,9 9 17,6 5 9,8 7 13,7 3 5,9
3.Faz perguntas sobre a história que leu (N = 53)
38 71,7 9 17 5 9,4 1 1,9 0 0
4.Utiliza outro material, para além do livro, como apoio à leitura de histórias (N = 53)
20 37,7 14 26,4 7 13,2 10 18,9 2 3,8
5.Relê a história noutros momentos, de modo a proporcionar às crianças oportunidades de se familiarizarem com elas (N = 53)
15 28,3 12 22,6 19 35,8 6 11,3 1 1,9
80
Práticas como reler as histórias noutros momentos, de modo a proporcionar às
crianças oportunidades de se familiarizarem com elas ocorrem todos os dias ou pelo
menos três vezes por semana de acordo com aproximadamente metade dos
participantes (crianças com DT = 50,8%; crianças com INC = 60,8%), bem como a
prática de reler as histórias em pequenos grupos e/ou individualmente (crianças com
DT = 50%; crianças com INC = 53,9%).
Menos de metade dos participantes indicou que diariamente desenvolve
práticas como apontar as letras impressas quando está a ler uma história (crianças
com DT = 34,6%; crianças com INC = 45, 1%). Dez participantes referiram que
nunca desenvolvem essa prática, quer se trate de crianças com DT ou com INC.
6. Relê as histórias em pequenos grupos e/ou individualmente (N = 52)
11 21,2 15 28,8 16 30,8 6 11,5 4 7,7
7.Explica o significado das palavras não familiares (N = 52)
41 78,8 5 9,6 4 7,7 2 3,8 0 0
8. Pede às crianças para efetuarem o registo gráfico (desenho) da história e depois pede à criança para explicar o que desenhou (N = 53)
20 37,7 15 28,3 15 28,3 2 3,8 1 1,9
9. Envolve as crianças em conversas relacionadas com as histórias (N = 53)
34 64,2 12 22,6 6 11,3 0 0 1 1,9
81
Quadro 23. Práticas relacionadas com a leitura de histórias desenvolvidas com crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento
Com o intuito de verificar a significância das diferenças entre os dois grupos
de crianças a nível da regularidade das práticas relacionadas com a leitura de
Todos os
dias
Pelo menos 3 vezes por semana
Pelo menos 1 uma vez
por semana
2 a 3 vezes
por mês
Nunca
n % n % n % n % n %
1.Quando está a ler uma história aponta para as letras impressas durante a leitura (N
= 51)
23 45,1 8 15,7 4 7,8 6 11,8 10 19,6
2.Explica o sentido direcional da leitura (N =49)
25 51 10 20,4 4 8,2 5 10,2 5 10,2
3.Faz perguntas sobre a história que leu (N = 52)
38 73,1 6 11,5 5 9,6 0 0 3 5,8
4.Utiliza outro material, para além do livro, como apoio à leitura de histórias (N = 51)
20 39,2 12 23,5 5 9,8 9 17,6 5 9,8
5.Relê a história noutros momentos, de modo a proporcionar às crianças oportunidades de se familiarizarem com elas (N = 51)
17 33,3 14 27,5 10 19,6 7 13,7 3 5,7
6.Relê as histórias em pequenos grupos e/ou individualmente (N = 51)
12 23,5 15 29,4 10 19,6 10 19,6 4 7,8
7.Explica o significado das palavras não familiares (N = 50)
37 74 6 12 3 6 2 4 2 4
8.Pede às crianças para efetuarem o registo gráfico (desenho) da história e depois pede à criança para explicar o que desenhou (N = 51)
16 31,4 15 29,4 15 19,4 2 3,9 3 5,9
9.Envolve as crianças em conversas relacionadas com histórias (N = 51)
33 64,7 10 19,6 5 9,8 0 0 3 5,7
82
histórias, foram calculadas duas variáveis compósitas para cada grupo. À
semelhança das variáveis compósitas relativas às práticas gerais de literacia
emergente, as respostas obtidas nos itens referentes a cada tipo de prática
relacionada com a leitura de histórias foram somadas e o total dividido pelo número
de itens, tendo sido assim obtido um valor médio global (quanto mais elevado o
valor, maior a frequência das práticas). Os dados obtidos revelaram valores de
consistência interna adequados (cf. Quadro 24).
Quadro 24. Estatísticas descritivas obtidas para as variáveis compósitas práticas relacionadas com a
leitura de histórias DT e INC
M (DP) Min. – Max.
Práticas relacionadas com a leitura de histórias – DT (α = ,82) 4,00 (0,70) 2,22 – 5,00
Práticas relacionadas com a leitura de histórias – INC (α = ,87) 3,94 (0,90) 1,33 – 5,00
De acordo com os resultados obtidos através do cálculo do teste de Wilcoxon
para amostras emparelhadas, verificou-se a ausência de diferenças estatisticamente
significativas (Z = -0.23, p = .822) a nível da regularidade de práticas relacionadas
com a leitura de histórias desenvolvidas com as crianças com desenvolvimento
típico e com as crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de
desenvolvimento.
Num estudo desenvolvido com 45 educadores de infância a exercer a sua
atividade profissional em contextos inclusivos, Rohde (2011) verificou que os
participantes referiram que as crianças com incapacidades tinham o mesmo acesso
a experiências de leitura de histórias, de escrita, de atividades de consciência
fonológica, de linguagem e de conhecimento do impresso, que as crianças com o
desenvolvimento típico. De acordo com a investigadora, estes resultados poderiam
estar relacionados com as ideias dos educadores de infância acerca das
competências de literacia que devem ser desenvolvidas nas crianças, incluindo as
crianças com incapacidades, assim como com o fato das crianças com
incapacidades estarem incluídas em salas com crianças com desenvolviemento
típico, beneficiando, por consequência, das mesmas atividades e estratégias.
83
Cadima (1996) e Sanches (2005) salientam a necessidade de se adotarem
metodologias diferenciadas e adaptadas à funcionalidade, potencialidades e
necessidades de cada criança, garantindo a sua plena inclusão no grupo.
No que se refere ao presente estudo, importa salientar que apenas um
participante refere nunca proporcionar à criança com INC ou em risco grave de
desenvolvimento o contacto com a leitura de histórias. Segundo Mata (2008), a
relação que a criança estabelece com a leitura, não só é diferente de criança para
criança, mas também depende de diversos aspetos, nomeadamente as solicitações
e as oportunidades que lhe são proporcionadas, bem como as atitudes positivas ou
menos positivas que se desenvolvem a partir destas vivências. Com isto, pretende-
se reafirmar que a leitura de histórias é um veículo privilegiado na relação
adulto/criança/impresso e criança/criança/impresso que deve ser promovida através
da utilização de múltiplas estratégias lúdicas na medida em que “ouvir ler uma boa
história, partilhar um bom livro, falar acerca dele, explorar o texto impresso, as
convenções usadas na escrita, o conceito de palavra, a articulação com as
experiências de vida constituem atividades enriquecedoras” (Azevedo, 2010, p. 6) e
fundamentais no desenvolvimento de competências leitoras.
2.4. Estratégias de promoção do envolvimento da família no desenvolvimento
da literacia dos filhos
No que diz respeito às estratégias de promoção do envolvimento da família no
desenvolvimento da literacia dos filhos a maioria dos participantes revelou que
promove um conjunto de estratégias no sentido de envolver os pais, quer das
crianças com DT quer das crianças com INC, nomeadamente ao nível do incentivo
da leitura regular com a criança (crianças com DT = 97,9%; crianças com INC =
93,5%), da sensibilização dos pais para a importância da criança participar nas
rotinas de literacia familiar, no que se refere à leitura de listas de compras,
correspondência, receitas de culinária, jornais, revistas, panfletos publicitários
(crianças com DT = 89,1%; crianças com INC = 89,4%) e a escrever listas de
compras, emails, mensagens de telemóvel, postais (crianças com DT = 86,9%;
84
crianças com INC = 84,8%), do encorajamento para emprestar livros de casa à
escola (crianças com DT = 83,7; crianças com INC = 81,3%), na possibilidade das
crianças levarem registos de histórias para casa (crianças com DT = 87,8%; crianças
com INC = 85,4%) e da participação dos pais em atividades de leitura e de
dramatização de histórias na escola (crianças com DT = 85,7%; crianças com INC =
83,3%).
Quadro 25. Estratégias de promoção do envolvimento parental no desenvolvimento da literacia de crianças com desenvolvimento típico
A estratégia de promoção de ações de formação/sensibilização para pais sobre
o desenvolvimento da linguagem oral e abordagem à escrita foi relatada por menos
de metade dos participantes relativamente às crianças com DT e às crianças com
Sim Não
n % n %
1.Encorajo os pais, ou outros adultos significativos, a lerem regularmente, para a criança em voz alta (N = 48)
47 97,9 1 2,1
2.Encorajo os pais, ou outros adultos significativos, a emprestarem livros de casa à escola (N = 49)
41 83,7 8 16,3
3.Empresto livros da escola às crianças para lerem com os pais ou outros adultos significativos (N = 49)
30 61,2 19 18,8
4.Permito que as crianças levem registos de atividades e histórias para casa para poderem partilhar com os pais ou com outros adultos significativos (N = 49)
43 87,8 6 12,2
5.Convido os pais, ou outros adultos significativos, a participarem em atividades de leitura de histórias, dramatização de teatros, etc., no jardim-de-infância (N = 49)
42 85,7 7 14,3
6.Sensibilizo os pais para a importância da participação da criança nas rotinas da família: ler a lista de compras; ler a correspondência; ler uma receita de culinária; ler um jornal, revista, panfleto publicitário, etc. (N = 46)
41 89,1 5 10,6
7.Envio para casa informação relativa às atividades de literacia desenvolvidas na sala de atividades, com o intuito de elucidar os pais como podem apoiar, em casa em atividades de literacia (N = 46)
30 65,2 16 30,2
8.Sensibilizo os pais para a importância da participação da criança nas rotinas da família: ajudar a escrever a lista de compras, escrever emails, escrever sms, postais, etc. (N = 45)
39 86,7 6 13,3
9.Promovo ações de formação/sensibilização para pais sobre desenvolvimento da linguagem oral e abordagem à escrita, etc. (N = 47)
16 34 31 66
85
INC, sendo esta a estratégia mais deficitária ao nível da articulação jardim-de-
infância- família.
Quadro 26. Estratégias de promoção do envolvimento parental no desenvolvimento da literacia de crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento
No sentido de explorar as diferenças entre os grupos de crianças, calcularam-
se duas variáveis compósitas para este conjunto de itens relativos às estratégias
utilizadas pelos participantes para envolver a família no processo de
desenvolvimento da literacia dos filhos. Neste caso, o cálculo das variáveis
procedeu-se através da soma das respostas obtidas em cada um dos itens.
Atendendo às opções de resposta nestes itens (Não e Sim), um valor total mais
Sim Não
n % n %
1.Encorajo os pais, ou outros adultos significativos, a lerem regularmente, para a criança em voz alta (N = 48)
43 93,5 3
6,5
2.Encorajo os pais, ou outros adultos significativos, a emprestarem livros de casa à escola (N = 49)
39 81,3 9
18,8
3.Empresto livros da escola às crianças para lerem com os pais ou outros adultos significativos (N = 49)
31 66 16 34
4.Permito que as crianças levem registos de atividades e histórias para casa para poderem partilhar com os pais ou com outros adultos significativos N = 49)
41 85,4 7 14,6
5.Convido os pais ou outros adultos significativos a participarem em atividades de leitura de histórias, dramatização de teatros, etc., no jardim-de-infância (N = 49)
40 83,3 8 16,7
6.Sensibilizo os pais para a importância da participação da criança nas rotinas da família: ler a lista de compras; ler a correspondência; ler uma receita de culinária; ler um jornal, revista, panfleto publicitário, etc. (N = 46)
42 89,4 5 10,6
7.Envio para casa informação relativa às atividades de literacia desenvolvidas na sala de atividades, com o intuito de elucidar os pais como podem apoiar, em casa em atividades de literacia (N = 46)
31 66 16 34
8.Sensibilizo os pais para a importância da participação da criança nas rotinas da família: ajudar a escrever a lista de comprar, escrever emails, escrever sms, postais, etc. (N = 45)
39 84,8 7 15,2
9.Promovo ações de formação/sensibilização para pais sobre desenvolvimento da linguagem oral e abordagem à escrita, etc. (N = 47)
18 36,7 31 63,3
86
elevado corresponde a um maior número de estratégias utilizadas pelos
participantes. Os dados obtidos nestas variáveis revelaram valores de consistência
interna aceitáveis (cf. Quadro 27).
Quadro 27. Estatísticas descritivas obtidas para as variáveis compósitas estratégias de envolvimento
parental no desenvolvimento da literacia DT e INC
M (DP) Min. – Max.
Estratégias de envolvimento parental no desenvolvimento da literacia – DT (α = ,70)
6,45 (2,05) 1,00 – 9,00
Estratégias de envolvimento parental no desenvolvimento da literacia – INC (α = ,71)
6,61 (2,13) 1,00 – 9,00
O cálculo do teste de Wilcoxon revelou a ausência de diferenças
estatisticamente significativas (Z = -1,20, p = .230) a nível do número de estratégias
de envolvimento parental no desenvolvimento da literacia dos filhos promovidas
pelos educadores de infância junto das famílias de crianças de desenvolvimento
típico e das famílias de crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de
desenvolvimento.
Tal como no estudo de Gamelas (2010), os resultados do presente estudo
indicaram que a estratégia de promoção do envolvimento das famílias no processo
de desenvolvimento de literacia das criança mais desenvolvida pelos educadores de
infância é o incentivo da leitura regular para a criança em voz alta e a menos
desenvolvida é a realização de ações de formação/sensibilização para os pais.
As OCEPE consideram a família e o jardim-de-infância como os principais
contextos sociais que contribuem para o desenvolvimento e aprendizagem da
criança, sendo por isso fundamental a existência de uma relação próxima entre os
dois contextos. Segundo Peixoto (2011, p. 95), é fundamental o “estabelecimento de
parcerias eficazes entre a família e a escola no sentido de promover o sucesso das
crianças no desempenho académico em geral” e em particular no domínio da
literacia. Tal como podemos constatar pelos resultados obtidos neste estudo, a
maioria dos educadores de infância fomenta um conjunto de estratégias de
promoção do envolvimento da família no domínio da literacia quer com as famílias
das crianças com DT, quer com as famílias das crianças com INC.
87
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho de investigação aqui apresentado teve como objetivo conhecer as
ideias e as práticas de educadores de infância relacionadas com a literacia
emergente em contextos pré-escolares inclusivos.
As conclusões deste estudo devem ser enquadradas nas limitações do mesmo.
O presente estudo recorreu a uma amostra não probabilística e de dimensão
reduzida, o que impede qualquer generalização dos resultados à população em
análise. Outra limitação importante refere-se à técnica de recolha de dados usada.
No presente estudo recorreu-se a uma medida de auto-relato. Importa considerar o
possível efeito da desejabilidade social nas respostas fornecidas pelos profissionais
no sentido do que é teoricamente desejável. Além disso, a questão relativa às
práticas relacionadas com a leitura de histórias, a escala de resposta utilizada para
avaliar a frequência das práticas deveria ter sido diferente, como por exemplo,
sempre, frequentemente, às vezes, raramente e nunca, dado que as questões
referiam-se a estratégias relacionadas com uma atividade.
Importa ainda referir que não controlamos nas análises o efeito do tipo de
incapacidade das crianças que frequentavam as salas dos participantes do presente
estudo.
De modo a ultrapassar as limitações encontradas no presente estudo,
investigação futura deve preocupar-se em recorrer a amostras do tipo probabilístico
e incluir outro tipo de técnica de recolha de dados, nomeadamente de caráter
qualitativo, como a observação e a entrevista de forma a aprofundar o conhecimento
sobre as práticas educativas em contexto de jardim-de-infância inclusivos.
Pese embora as limitações identificadas, importa destacar os principais
resultados:
(1) A maioria dos participantes no estudo situa-se numa perspectiva holística
de abordagem à linguagem escrita e considerou ser essencial ou muito importante
as crianças possuírem à saída do jardim-de-infância competências ao nível da
linguagem expressiva e compreensiva, motivação para a leitura e para a escrita,
bem como competências de consciência fonológica e conhecimento do impresso.
88
(2) Ao nível da organização do ambiente educativo verificamos que todas as
salas dos participantes possuem biblioteca com uma variedade razoável de livros,
metade das salas possuem computador, a maioria das salas dispõe de locais
próprios para afixar os registos das crianças e mais de metade não tem o alfabeto
afixado na sala. Mais de metade dos educadores revelou que tem os materiais
etiquetados, na sua maioria com palavras e imagens e a maioria indicou que utiliza
quadros de presenças e ou de tarefas.
(3) No que concerne às práticas gerais de literacia emergente, verificamos a
existência de diferenças estatisticamente significativas a nível da regularidade das
práticas desenvolvidas com crianças de desenvolvimento típico e com crianças com
incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento, sendo as crianças
com desenvolvimento típico aquelas que usufruem com maior regularidade de
experiências de contacto com a linguagem oral e impressa, promovidas pelos
educadores de infância.
(4) No que diz respeito às práticas relacionadas com a leitura de histórias,
verificamos a ausência de diferenças estatisticamente significativas entre a
regularidade das práticas desenvolvidas com crianças com desenvolvimento típico e
com crianças com incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento.
(5) Em termos de estratégias de promoção do envolvimento da família no
desenvolvimento da literacia dos filhos, a maioria dos participantes revelou que
promove um conjunto de estratégias junto das famílias, quer das crianças com
desenvolvimento típico quer das crianças com incapacidades ou em risco grave de
atraso de desenvolvimento, nomeadamente, incentivar a família para ler com a
criança de forma regular, sensibilizar a família para a importância da criança
participar nas rotinas de literacia familiar, bem como encorajar o empréstimo de livros
à escola.
Globalmente, podemos concluir que o estudo demonstrou que a maioria das
crianças de desenvolvimento típico e com incapacidades ou em risco grave de
atraso de desenvolvimento encontra-se a beneficiar de experiências de literacia
emergente no jardim-de-infância, embora existam diferenças estatisticamente
relevantes entre os grupos de crianças a nível da regularidade das práticas
89
desenvolvidas. No entanto, não podemos aferir se esse contacto é suficiente para
proporcionar às crianças conhecimentos e competências de literacia emergente
essenciais para que se tornem no futuro bons leitores e escritores. Importa, assim,
que investigadores neste domínio apostem em estudos de natureza longitudinal em
contexto de jardim-de-infância, envolvendo crianças com desenvolvimento típico,
assim como com incapacidades ou em risco grave de atraso de desenvolvimento, de
forma a analisar a influência do contexto de jardim-de-infância no desenvolvimento
da literacia de todas as crianças.
Interessante, também, será perceber em investigações futuras qual o papel dos
educadores de intervenção precoce ou dos professores de educação especial no
domínio de desenvolvimento da literacia emergente.
Apesar das limitações já referidas, pensamos que este estudo pode contribuir
para a reflexão em torno das questões relacionadas com o desenvolvimento
profissional do educador de infância a nível da literacia emergente, nomeadamente,
na tomada de consciência da importância da promoção de experiências de literacia
emergente em idades precoces e, consequentemente, do seu papel ao nível da
organização de um ambiente educativo rico e estimulante e da planificação e
desenvolvimento de atividades lúdicas estruturadas e adaptadas que visem a
promoção de competências de leitura e de escrita em todas as crianças.
Além disso, gostaríamos de salientar que, embora a prática educativa dos
educadores de infância se encontrem sustentada em normativos legais e
orientadores suficientes, os educadores necessitam de investir na sua formação
contínua, nomeadamente no âmbito da literacia emergente, dada a transversalidade
dos conhecimentos que lhe são subjacentes e no sentido de poderem refletir,
compreender e estruturar uma prática educativa consciente, coerente e atualizada.
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