feenberg marcuse ou habermas
Post on 29-May-2018
219 Views
Preview:
TRANSCRIPT
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
1/32
Para fazer qualquer reproduo de texto desta revista necessrio citar a fonte
MARCUSE OU HABERMAS: DUAS CRTICAS DA TECNOLOGIA*Andrew Feenberg
Traduo de Newton Ramos-de-Oliveira**
O debate entre Marcuse e Habermas sobre a tecnologia marcou um importante ponto de
mudana na histria da Escola de Frankfurt. Aps 1960, a influncia de Habermas cresceu
ao mesmo tempo em que a de Marcuse declinava e a Teoria Crtica adotava uma posio
bem menos utpica. Recentemente tem havido um renascimento da crtica tecnologia
bastante radical no movimento ambiental e por influncia de Foucault e do construtivismo.
Este artigo instaura um novo olhar ao debate original a partir desses desenvolvimentos
recentes. Ao mesmo tempo que muitos dos argumentos de Habermas permanecemconvincentes, sua defesa da modernidade parece agora conceder demais s exigncias da
tecnologia autnoma. Seu quadro essencialista da tecnologia como aplicao de uma forma
puramente instrumental da racionalidade no-social menos plausvel aps uma dcada de
pesquisas histricas sobre os estudos tecnolgicos. Este artigo argumenta que Marcuse
tinha razo ao afirmar que a tecnologia socialmente determinada, mesmo que no tenha
tido xito ao defender seu insight. O artigo tenta chegar a uma nova abordagem da crtica
tecnologia ao recorrer tanto ao construtivismo quanto teoria da comunicao de Habermas.
Mostra-se, agora, a essncia da tecnologia como histrica e reflexiva, semelhana de
outras instituies sociais. Por ser uma instituio, sua racionalidade sempre se implementa
em formas marcadas pelos valores e sujeitas crtica poltica.
I. INTRODUO
Nesse ensaio, comparo os pontos de vista de Marcuse e de Habermas sobre a
tecnologia e proponho uma alternativa que combina elementos de ambos. possvel tal
sntese porque os dois pensadores provm de duas tradies de crtica diferentes, mas
complementares. No entanto, como veremos, nenhum deles sai ileso quando confrontados.
A prpria crtica da tecnologia caracteriza a Escola de Frankfurt e, de maneira especial,
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
2/32
suas lideranas, Adorno e Horkheimer. Na Dialtica do Esclarecimento (1972), argumentam
que a instrumentalidade , em si mesma, uma forma de domnio, que, ao controlar os
objetos, viola-lhes a integridade, suprimindo-os e destruindo-os. Se assim for, ento a
tecnologia no neutra e seu uso j implica uma tomada de posio de valor.
A crtica da tecnologia como tal tema comum no apenas na Escola de Frankfurt mastambm em Heidegger (1977), Jacques Ellui (1964) e numa multido de crticos sociais que
poderiam ser descritos, de maneira rude, como tecnfobos. Geralmente este tipo de crtica
posto num quadro especulativo. A teoria da tecnologia de Heidegger baseia-se numa
compreenso ontolgica do ser; o mesmo papel representa para a Escola de Frankfurt uma
teoria dialtica da racionalidade. Estas teorias radicais no so totalmente convincentes, mas
tm a utilidade de oferecerem um antdoto contra a f positivista no progresso e para colocar
sob exame a necessidade de estabelecer limites tecnologia. No entanto, so
exageradamente indiscriminadas em sua condenao da tecnologia para que possam
orientar esforos de reformas. A crtica da tecnologia como tal normalmente desemboca da
esfera tcnica para a arte, para a religio ou para a natureza.
A reforma da tecnologia preocupao de uma segunda abordagem a que chamarei de
crtica projetiva. A crtica projetiva sustenta que os interesses sociais ou os valores culturais
influenciam a concretizao dos princpios tcnicos. Para alguns crticos, so os valores
cristos ou machistas que nos do a impresso de que conquistamos a natureza, uma
crena que aparece em projetos tcnicos ecologicamente mal formados; para outros, so os
valores capitalistas que tornaram a tecnologia um instrumento de dominao do trabalho e
explorao da natureza. ( White: 1972; Merchant: 1980; Braverman: 1974)
Estas teorias algumas vezes se generalizam em verses da crtica da tecnologia como
tal. Nesse caso, sua relevncia como projeto se perde por uma condenao essencialista de
toda e qualquer mediao tcnica. Mas, quando a tentao essencialista evitada e a crtica
fica restrita nossa tecnologia, esta abordagem promete um futuro tcnico radicalmente
diferente baseado em diferentes projetos que corporificam um esprito diferente. Nesse ponto
de vista, a tecnologia social da mesma maneira que a lei ou a educao ou a medicina
porque igualmente influenciada por interesses e processos pblicos. Crticos do processo
de trabalho fordista e ambientalistas tm debatido projetos tcnicos nesses termos h vinte e
cinco anos (Hirschhorn: 1984; Commoner: 1971). Mais recentemente, esta viso tem
encontrado amplo suporte emprico na sociologia da cincia e na tecnologia construtivistas.
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
3/32
Embora seja freqentemente visto como um tecnfobo romntico, Marcuse pertence a
este campo. Ele argumenta que a razo instrumental historicamente contingente e, assim,
deixa marcas na cincia e na tecnologia modernas. Cita a linha de montagem como
exemplo, mas seu objetivo no opor-se a qualquer projeto especfico e, sim, estrutura de
poca da racionalidade tecnolgica que, ao contrrio de Heidegger e Adorno, consideramutvel. Argumenta que poderia haver formas da razo instrumental diferentes das
produzidas pela sociedade de classes. Um novo tipo de razo instrumental poderia gerar
uma nova cincia e novos projetos tecnolgicos livres das caractersticas negativas de
nossas atuais cincias e tecnologias. Marcuse um advogado eloqente desta posio
ambiciosa, mas hoje a noo de uma transformao da cincia sob inspirao metafsica
encontra audincia cada vez menor e alvo de total descrdito.
Habermas oferece uma verso modesta e desmistificada da crtica da tecnologia como
tal. A ao instrumental, que inclui a ao tcnica, tem certas caractersticas que se revelam
apropriadas em algumas esferas da vida e inapropriadas em outras. A abordagem de
Habermas implica que em sua prpria esfera a tecnologia neutra, mas que fora desta
esfera causa as vrias patologias sociais que so os problemas principais das sociedades
modernas. Embora esta posio seja fortemente combatida, a idia de que a tecnologia
neutra, mesmo com as limitaes que Habermas levanta, lembrana do instrumentalismo
ingnuo que foi posto de lado pelo construtivismo.
A questo a que me refiro aqui : o que podemos aprender com estes dois pensadores
sob o pressuposto de que no somos nem metafsicos nem instrumentalistas e que
rejeitamos tanto uma crtica romntica da cincia quanto a neutralidade da tecnologia ?
Na discusso que se segue, trabalho a argumentao em trs fases. Comeo com a
crtica que Habermas faz a Marcuse em Tcnica e cincia enquanto ideologia[1] (1970),
locus clssico deste debate. Depois considero a apresentao mais profunda de temas
similares em Teoria da ao comunicativa (1984-1987) quando ele reformula o problema
em termos weberianos. evidente que Marcuse no poderia replicar a tais argumentos, logo
meu procedimento anacrnico, mas tentarei ao mximo imaginar como ele poderia ter
respondido e para isso posso usar seus argumentos quando critica Weber. A seguir, discutirei
aspectos da teoria de Habermas que podem ser reconstrudos para considerar a crtica de
Marcuse que estamos discutindo. Por fim, formulo minha proposta de abordagem
alternativa.[2]
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn3http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn4http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn3http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn4 -
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
4/32
II DE ESPERANAS SECRETAS NOVA SOBRIEDADE
Marcuse acompanha Adorno e Horkheimer na Dialtica do esclarecimento[3] aoargumentar que tanto a natureza interna quanto a externa so suprimidas na luta pela
sobrevivncia que ocorre na sociedade de classes. Para evidenciar peso crtico, esta posio
precisa implicar, se no uma unidade original entre o homem e a natureza, pelo menos a
existncia de algumas foras naturais congruentes com as necessidades humanas e que
foram sacrificadas no curso da histria. Como seus colegas da Escola de Frankfurt, Marcuse
acredita que tais foras se manifestam na arte. Mas, hoje em dia, at mesmo a conscincia
do que se perdeu no desenvolvimento da civilizao tem sido, em grande medida, esquecido.
O pensamento tcnico tem tomado de assalto toda esfera de vida, relaes humanas,
polticas e assim por diante.
EmboraA ideologia da sociedade industrial[4](1964) seja freqentemente comparada
Dialtica do esclarecimento, bem menos pessimista. Ao introduzir uma viso mais
esperanosa, Marcuse parece influenciado por Heidegger, embora no admita tal influncia,
muito provavelmente por suas profundas divergncias polticas. Em termos heideggerianos,
Marcuse prope uma nova abertura do ser por uma transformao revolucionria dasprticas bsicas. (Dreyfus: 1995). Isto conduziria a uma mudana na prpria natureza da
instrumentalidade que seria fundamentalmente modificada pela abolio da sociedade de
classes e por seus associados princpios de funcionamento. Seria possvel criar uma nova
cincia e tecnologia que seriam fundamentalmente diferentes, que nos colocariam em
harmonia com a natureza e no em conflito com ela. A natureza seria tratada como outro
sujeito em vez de meras matrias cruas. Os seres humanos aprenderiam a atingir seus alvos
atravs da realizao das potencialidades naturais inerentes em vez desperdia-las por
interesse por metas a curto prazo, como o poder e o lucro.
A prtica esttica oferece a Marcuse um modelo de instrumentalidade transformada,
diferente da conquista da natureza que caracteriza a sociedade de classes. A vanguarda
dos incios do sculo XX, especialmente os surrealistas, parece ser a fonte desta idia.
Como eles, Marcuse acreditava que a separao da arte e vida cotidiana poderia ser
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn5http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn6http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn5http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn6 -
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
5/32
transcendida pela fuso da razo e da imaginao. An essay on liberation (1969) prope a
Aufhebungda arte numa nova base tcnica. Ainda que este programa parea incrivelmente
implausvel tem um certo senso intuitivo. Por exemplo, o contraste entre a arquitetura de
Mies van der Rohe e Frank Lloyd Wright sugere a diferena entre uma tecnologia como
manifestao de uma fora incontida e outra que se harmoniza com a natureza, que procuraintegrar o humano em seus ambientes.[5]
Habermas no se deixa convencer. Em Tecnologia e cincia como ideologia, ele
denuncia as esperanas secretasde uma gerao toda de pensadores sociais Benjamin,
Adorno, Bloch, Marcuse cujo ideal implcito era a restaurao da harmonia entre o homem
e a natureza. Ele ataca a prpria idia de uma nova cincia e uma nova tecnologia como um
mito romntico; o ideal de uma tecnologia baseada na comunho com a natureza aplica o
modelo da comunicao humana a um domnio onde apenas so possveis relaesinstrumentais. Habermas acompanha o antroplogo Gehlen, para o qual o desenvolvimento
tcnico suplementa o corpo e a mente humanos com um dispositivo aps outro. Deste modo,
a tecnologia um projeto genrico, um projeto da espcie humana como um todo e no de
uma certa poca histrica determinada como a sociedade de classes ou de uma classe
social especfica, como a burguesia.
Em defesa de Marcuse, poderamos dizer que em nenhum lugar ele afirma que uma
racionalidade tcnica qualitativamente diferente e que substituiria uma relao interpessoalcom a natureza viria a substituir a objetividade caracterstica de toda ao tcnica.
Habermas quem usa a expresso relao fraternal com a natureza para descrever as
posies de Marcuse. Marcuse, na verdade, advoga uma relao com a natureza como um
outro sujeito, mas o conceito de subjetividade aqui implicado deve mais substncia
aristotlica do que idia de uma individualidade. Marcuse no recomenda uma conversa
com a natureza, mas, sim, o reconhecimento dela como possuidora de qualidades prprias
de legitimidade inerente. Esse reconhecimento deveria ser incorporado na prpria estruturada racionalidade tcnica.
Naturalmente Habermas no negaria que o desenvolvimento tecnolgico sofre
influncia das demandas sociais, mas isto bem diferente da noo de que haja uma
variedade de racionalidades tcnicas, como cr Marcuse. Assim Habermas poderia
concordar que a tecnologia pode ser projetada de maneira diferente, por exemplo, sem levar
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn7http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn7http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn7 -
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
6/32
em conta restries ecolgicas, mas insistiria que permanece essencialmente intocada por
esta ou aquela realizao especfica. A tecnologia, em resumo, sempre ser no-social,
objetivando a relao com a natureza, orientada para o xito e para o controle. Marcuse
argumentaria, ao contrrio, que a verdadeira essncia da tecnologia est em jogo na reforma
do sistema industrial moderno.
De qualquer jeito, Habermas no desconsideraria Marcuse, que, sem dvida, exerceu
uma influncia considervel sobre ele. De fato, ele encontra no conceito de
unidimensionalidade a base para uma crtica muito melhor da tecnologia do que aquela que
rejeita. Trata-se de uma verso de Marcuse quanto tese da tecnocracia segundo a qual h
uma tendncia para administrao total nas sociedades avanadas. Desenvolveu esta idia
em termos da sobre-extenso dos modos tcnicos de pensar e agir. Para Habermas, isto
implica a necessidade de limitar a esfera tcnica de modo a restaurar a comunicao em seulugar adequado na vida social.
Paradoxalmente, embora o germe da famosa tese da colonizao de Habermas
parea derivar, no mnimo, parcialmente da crtica da tecnologia por Marcuse, a prpria
tecnologia some da equao habermasiana neste ponto do tempo e nunca mais reaparece.
Como mostrarei, a teoria de Habermas poderia acomodar uma crtica da tecnologia em
princpio, mas a Teoria da ao comunicativa nem sequer menciona a palavra. Este descuido
relaciona-se com seu tratamento da tecnologia como neutra em sua prpria esfera. A tese daneutralidade obscurece as dimenses sociais da tecnologia na base da qual uma crtica
poderia desenvolver-se.
Qual o resultado deste primeiro encontro? A despeito dos problemas de sua posio,
Habermas sai-se melhor. As posies de Marcuse foram esquecidas no final da dcada de
70 e 80. Com certeza, havia algo certo com a crtica de Habermas, mas tambm contava
com um contexto histrico favorvel. Este contexto foi a retirada das esperanas utpicas
nas dcadas de 70 e 80, uma espcie de neue Sachlichkeit, ou nova sobriedade . As vises
de Habermas adaptavam-se a uma poca em que domesticvamos nossas aspiraes.
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
7/32
III RACIONALIDADE NA CRTICA DA MODERNIDADE
Habermas considera os radicais da dcada de 60 antimodernos ao mesmo tempo em
que define sua propria posio como modernidade inconclusa. Assim, A teoria da aocomunicativa desenvolve uma argumentao implcita contra Marcuse e a New Left em
nome da modernidade redimida.
Farei aqui um resumo de uma importante verso do argumento de Habermas que
explicarei na Tabela I (Figura 4 de Habermas), extrada de A teoria da ao comunicativa
(1984, 1987: I, 238).[6] Na parte superior, Habermas relacionou os trs mundos dos quais
participamos como seres humanos, o mundo objetivo das coisas, o mundo social das
pessoas, o mundo subjetivo dos sentimentos. Ns nos alternamos constantemente entre ostrs mundos em nossa vida cotidiana. Na parte lateral, relacionamos as atitudes bsicas
que tomamos quanto aos trs mundos: uma atitude objetivante quando tratamos com as
coisas, ou pessoas e sentimentos como coisas; uma atitude normativo-conformativa que os
v em termos de obrigao moral; e uma atitude expressiva que os trata de maneira emotiva.
Combinando as atitudes bsicas e os mundos teremos nove relaes com o mundo.
Habermas segue Weber ao defender que relaes com o mundo s podem ser
racionalizadas quando admitem diferenciao clara e podem ser feitas sobre as realizaesdo passado numa seqncia de desenvolvimento progressivo. A modernidade baseia-se
precisamente nestas relaes mundo racionalizveis. Aparecem nas caixas duplas:
racionalidade cognitivo-instrumental, racionalidade prtico-moral e racionalidade prtico-
esttica.
TABELA 1
Dos trs domnios possveis de racionalizao, o mundo capitalista s tem permitido
desenvolvimento integral relao objetivante aos mundos objetivo e social, relao que
produz a cincia, a tecnologia, os mercados e a administrao. A concluso de Habermas
que os problemas da modernidade capitalista derivam dos obstculos que coloca
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn8http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn8 -
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
8/32
racionalizao da esfera prtico-moral.
H, na tabela, trs Xs (em 2.1, 3.2 e 1.3) na tabela que se referem s relaes
mundo no racionalizveis. Duas dessas nos interessam. A relao 2.1 a normativo-
conformativa ao mundo objetivo, ou seja, a relao fraterna com a natureza. Embora no
mencionado explicitamente aqui, Marcuse insere-se na caixa 2.1. Outro X est colocado
em 3.2, a relao expressiva com o mundo social, bomia, contracultura, exatamente os
locais em que Marcuse e seus aliados da New Leftbuscam alternativas modernidade. Em
suma, os anos da dcada 1960 colocaram-se sob os X-s em zonas de irracionalidade que
so incapazes de contribuir para a reforma de uma sociedade moderna. De maneira mais
precisa do que seu ensaio anterior sobre Tecnologia e cincia enquanto ideologia esta
imagem explica porque Habermas rejeita a crtica radical que Marcuse faz tecnologia.
Como Marcuse teria respondido a tais afirmativas? Poderia ter usado os argumentos
contra a neutralidade da cincias e da tecnologia que desenvolveu em seu ensaio sobre
Industrializao e capitalismo no trabalho de Max Weber (1968) e em Ideologia da
sociedade industrial. Tanto em Habermas quanto em Weber, a racionalidade tcnico-
cientfica no-social, neutra e formal. Por definio exclui o social (que seria 1.2). neutra
porque representa um interesse amplo pela espcie, um interesse cognitivo-instrumental que
ignora os valores especficos de cada subgrupo da espcie humana. E formal como
resultado do processo de diferenciao pelo qual abstrai-se dos vrios contedos a queserve de mediao. Em resumo, a cincia e a tecnologia no reagem essencialmente aos
interesses sociais ou ideologia mas apenas ao mundo objetivo que representam em termos
das possibilidades de compreenso e controle.
Marcuse apresenta sua concepo de neutralidade da esfera cognitivo-instrumental no
ensaio sobre Weber, quando ele mostra que se trata de um tipo especial de iluso ideolgica.
Concede que os princpios tcnicos podem ser abstrados de qualquer contedo, ou seja, de
qualquer interesse ou ideologia. No entanto, como tais, so meras abstraes. Logo que
entram no real, assumem contedo social e histrico especfico. A eficincia, para tomarmos
um exemplo particularmente importante, costuma ser definida como proporo entre
entradas e sadas[7]. Tal definio aplica-se tanto a uma sociedade comunista quanto a uma
sociedade capitalista e, at mesmo a uma tribo da Amaznia. Parece, portanto, que a
eficincia transcende a particularidade do social. No entanto, concretamente quando algum
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn9http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn9 -
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
9/32
entra mesmo na situao de aplicar a noo de eficincia, tem que decidir que tipo de coisas
admitem entradas ou sadas, quem pode oferecer e quem pode adquiri-las e em quais
termos, o que considerar como danos e perdas e assim por diante. Todos tm sua
especificidade social e, assim tambm o conceito de eficincia em qualquer aplicao real.
Como regra geral, os sistemas formalmente racionais precisam ser contextua-lizados demaneira prtica a fim de serem usados de fato. No se trata simplesmente de uma questo
de classificar contedos sociais particulares em formas universais, mas envolve a prpria
definio daquelas formas que logo que so contextualizadas numa sociedade capitalista,
incorporam valores capitalistas.
Esta abordagem uma generalizao da crtica original de Marx ao mercado. Ao
contrrio de muito socialistas contemporneos, Marx no negava que os mercados exibem
uma ordem racional baseada numa troca igual. O problema com o mercado no se localizaneste nvel, mas concretiza-se historicamente numa forma que atrela esta troca equivalente
com o crescimento implacvel do capital s custas do resto da sociedade. Os economistas
podem deixar de lado a tendncia das atuais sociedades de mercado, mas atribuiriam a
diferena entre os modelos ideais e as realidades banais a incidentais defeitos do mercado.
O que consideram como um tipo de interferncia externa ao tipo ideal do mercado capitalista
Marx considera um aspecto essencial de seu funcionamento. Mercados em sua forma
perfeita so apenas uma abstrao de um contexto concreto a outro no qual empregam
tendncias que refletem interesses especficos de classe.
Marcuse adota uma direo similar ao criticar a noo weberiana de racionalidade
administrativa, um aspecto fundamental da racionalizao. A administrao no domnio
econmico pressupe separar os trabalhadores dos meios de produo. Tal separao
eventualmente modela tambm o projeto tecnolgico. Embora Weber chame a administrao
e a tecnologia capitalista de racional sem qualquer qualificao, elas assim so apenas num
contexto especfico no qual os trabalhadores fazem seus prprios instrumentos. Essescontextos sociais, no entanto, continuam a desviar o conceito de racionalidade de Weber por
mais que este continue a falar de um processo universal de racionalizao. A defasagem
resultante entre a formulao abstrata da categoria e sua exemplificao ideolgica.
Marcuse insiste na distino entre racionalidade geral e em sua realizao histrica num
processo de racionalizao socialmente especfico e concreto. Uma racionalidade pura
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
10/32
uma abstrao do processo de vida de um sujeito histrico. Este processo necessariamente
envolve valores que se tornam integrais racionalidade como esta se realiza.
Habermas tambm considera que a teoria da racionalizao de Weber confunde
categorias abstratas e instncias concretas, mas sua crtica difere da de Marcuse. Habermas
argumenta que por trs do processo de desenvolvimento moderno existe uma estrutura de
racionalidade que se realiza de formas especficas privilegiadas pela sociedade dominante.
(cf. Tabela 1, acima) Weber descuidou-se de movimentos sistemticos de racionalizao
potencial e normativa suprimidos pelo capitalismo e, conseqentemente confundiu os limites
do capitalismo com os limites da racionalidade como tal.
Porque Habermas no enfrenta a explicao de Weber sobre a racionalizao tcnica,
ele parece tambm identific-la com suas formas especificamente capitalistas. Marcuse, ao
contrrio, ataca a prpria compreenso que Weber tem da racionalizao. O erro de Weber
no est simplesmente em identificar um tipo da racionalizao com a racionalizao em
geral, mas mais profundamente em negligenciar a influncia dos valores sociais sobre toda e
qualquer racionalidade. A explicao de Weber sobre a cincia e a tecnologia como no
sociais e neutras, que Habermas compartilha, mascara os interesses que atuam sobre sua
formulao original e aplicaes posteriores. Da que Marcuse veria carregado de valores at
mesmo o ideal de racionalizao geral de Habermas com seus momentos tcnicos e
normativos.
Posso imaginar Habermas respondendo que tais problemas so apenas detalhes
sociolgicos inapropriados no nivel terico fundamental. Elev-los a esse nvel correr o
risco de torn-los um cavalo de Tria numa crtica romntica da racionalidade. A melhor
maneira de conservar o cavalo fora dos muros da cidade sitiada conservar uma clara
distino entre principio e aplicao. Do mesmo modo como os princpios ticos devem ser
aplicados se devem atuar na realidade, assim tambm acontece com os principios tcnicos,
econmicos ou polticos. Que as aplicaes nunca correspondam exatamente a princpios
no uma objeo sria para formular estes em tipos-ideais purificados. Nesse nvel
essencial, no h risco de confuso entre propriedades formais de racionalidade como tais e
interesses sociais especficos.
Este conceito formalista da relao entre princpio e aplicao convence mais na tica
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
11/32
do que nos estudos tecnolgicos. Princpios ticos formulados abstratamente a partir de
aplicaes fornecem critrios para julgar. Mesmo quando os prprios princpios requerem
reviso para retirada de deficincias em sua formulao costumeira, a reviso ocorre em
nome dos princpios. Assim critica-se uma compreenso deficiente da igualdade do ponto de
vista de uma compreenso mais adequada. Mas os princpios subjacentes s tecnologiasso mais instrumentais do que normativos e, portanto, somente podem corrigir lacunas
instrumentais.O cerne da teoria de Marcuse mostrar que estes princpios so insuficientes
por eles mesmos para determinar os contornos de uma forma tcnica de vida especfica.
Para tanto, outros fatores que nada tm a ver com a eficincia precisam entrar na equao.
Na verdade, esta teoria uma crtica da racionalidade e no uma regresso romntica
ao imediatismo. Ao contrrio, mudanas tcnicas implementadas no local de trabalho para
intensificar o poder gerencial so justificadas quanto eficincia no sentido de que podemaumentar o retorno de capital mesmo que tornem o trabalho mais difcil e doloroso. A
dimenso moral desse resultado abafada e no se revela pela aplicao de normas
tcnicas.
Na verdade, o uso de libis tcnicos para justificar o que na realidade so relaes de
fora um acontecimento comum em nossa sociedade. De maneira tpica, invocam-se
consideraes de eficincia para remover temas de julgamentos normativos e de discusso
pblica. At a formulao de normas morais corrompida onde esto arbitrariamenteexcludas dos domnios significativos da vida. Assim o fracasso de nossa sociedade em
julgar ambientes de trabalho conforme as normas da democracia e do respeito para com as
pessoas faz com que nossa compreenso dessas normas retrocedam e as torna vazias e
formalistas no mau sentido. O central , ento, que a tese da neutralidade sustenta um tipo
de mistificao mais do que de formalismo tico, um tipo que, por vezes, envolve abusos
formalistas e que, de qualquer maneira, bloqueia o dilogo pblico mediante libis tcnicos.
A crtica da cincia e da tecnologia de Marcuse foi apresentada num contexto
especulativo, mas sua maior afirmativa o carter social dos sistemas racionais um
lugar comum da recente pesquisa construtivista da cincia e da tecnologia. A noo de
subdeterminao central nessa abordagem (Pinch & Bijker, 1984). Se dispomos de
solues puramente tcnicas para um problema, ento a escolha entre elas torna-se tanto
tcnica quanto poltica. As implicaes polticas da escolha sero incorporadas em certo
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
12/32
sentido na tecnologia.
Embora no seja um construtivista, Langdon Winner (1986) oferece uma exemplificao
especialmente clara das implicaes polticas da tese de subdeterminao. Os projetos de
Robert Moses para uma via expressa em Nova Iorque, anos atrs, incluiam uma grande
especificao para viadutos que eram um pouco baixo demais para os nibus que circulavam
na cidade. Desta maneira, as pessoas pobres que moravam em Manhattan e que dependiam
do transporte pblico ficariam, portanto, impedidas de visitar as praias de Long Island. Desse
modo, um simples nmero num desenho de engenharia continha um desvio racial e de
classe social. Poderamos mostrar coisas similares com muitas outras tecnologias, a linha de
montagem, por exemplo, que exemplifica as noes capitalistas de controle da fora de
trabalho. Corrigir tais desvios no nos remeteria de volta a uma tecnologia pura e neutra,
mas simplesmente alterariam seu contedo valorativo numa direo menos visvel para nsporque mais de acordo com nossas prprias preferncias.
O prprio Habermas, certa vez, focalizou este fenmeno. Num ensaio antigo,
argumentou que a cincia no pode nos ajudar a decidir entre tecnologias funcionalmente
equivalentes, e que os valores podem interferir (Habermas, 1973: 270- 271). Mostrou que a
aplicao da teoria da deciso no fornece critrios cientficos de escolha, mas apenas
introduz diferentes preconceitos de valor. Mesmo em Tecnologia e cincia como ideologia,
Habermas reconhece que interesses sociais ainda determinam a direo, as funes e oritmo do progresso tcnico (Habermas: 1970, p. 105). Ele no explica como esta afirmao
se harmoniza com sua crena, expressa no mesmo ensaio, de que a tecnologia um
projeto da espcie humana como um todo (Habermas: 1970, p. 87). Mesmo esta
inconsistncia (contornvel, no h dvida) parece desaparecer em trabalhos posteriores
quando a tecnologia definida como no-social.
Mas, com certeza, a posio anterior estava certa. Se isto verdade, ento o que
Habermas chama de relao fraterna com a natureza (2.1), no deveria ter um X por cima.
Se 1.1, isto , a relao objetiva com o mundo objetivo j social, a distino entre ele e 2.1
suavizada. A pura instrumentalidade no se ope s normas sociais j que toda atitude tem
uma dimenso social. A objetividade do tipo envolvido na pesquisa cientfica natural
certamente seria diferente da relao com a natureza que Marcuse recomenda, mas num
eixo diferente daquele identificado por Habermas. A questo no , como Habermas pensa,
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
13/32
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
14/32
IV - REFORMULANDO A TEORIA DOS MEIOS
A teoria dos meios de Habermas d a base para uma sntese. Esta teoria projetada
para explicar a emergncia nas sociedades modernas de subsistemas diferenciados e que
se baseiam em formas racionais, como o intercmbio, a lei e a administrao. Esses meios
permitem que o indivduo coordene seu comportamento enquanto persegue xito individual
numa atitude instrumental diante do mundo. A interao guiada pelos meios uma
alternativa coordenao do comportamento social atravs da compreenso comunicativa,
atravs da obteno de crenas compartilhadas no curso de intercmbios mediados
linguisticamente. Resumindo grosso modo, o objetivo de Habermas corrigir o equilbrioentre estes dois tipos de coordenao racional, ambas requeridas por uma sociedade
moderna complexa.
O conceito de meios generalizado a partir de trocas monetrias ao longo de linhas que
Parson foi o primeiro a propor. Habermas argumenta que apenas o poder se assemelha
bastante ao dinheiro a ponto de qualificar-se como meio integral. Juntos, o dinheiro e o
poder adulteram e justificam a vida social ao organizar a interao por comportamentos
objetivantes. As compreenses comuns e os valores compartilhados desempenham um
papel diminuto no mercado, porque o mecanismo do mercado d um resultado
reciprocamente satisfatrio e indiscutvel. Algo similar acontece com o exerccio do poder
administrativo.
importante no exagerar as concesses de Habermas teoria sistmica. [8] Em sua
formulao, os meios no eliminam totalmente a comunicao, apenas a necessidade de
ao comunicativa. Este termo no se refere faculdade geral de usar smbolos para
transmitir crenas e desejos, mas forma especial de comunicao em que os sujeitos
buscam mtua compreenso (Habermas, 1984, 1987: I, 286). A comunicao que se refere
aos meios bastante diferente. Consiste em cdigos altamente simplificados e expresses
ou smbolos que objetivam no a compreenso mtua, mas o desempenho vitorioso. A
coordenao da ao um efeito da estrutura da mediao mais do que uma inteno
consciente por parte dos sujeitos.
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn10http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn10 -
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
15/32
Eis a base do contraste que percorre as pginas da A teoria da ao comunicativa
entre sistema, instituies racionais regulada pelos meios, e o mundo da vida, a esfera
das interaes comunicativas cotidianas. A patologia central das sociedades modernas a
colonizao do mundo da vida pelo sistema. O mundo da vida contrai-se enquanto o sistema
expande-se nele adulterando e justificando as dimenses da vida social que deveriam serlingisticamente mediadas. Habermas acompanha Luhmann ao chamar isto de tecnificao
do mundo da vida.
A teoria dos meios permite que Habermas oferea uma explicao muito mais clara das
tendncias tecnocrticas das sociedades modernas do que a Dialtica do esclarecimento
ou a Ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Usa como estratgia aqui
a mesma que empregou antes para criticar Marcuse: limitar a esfera instrumental, limit-la de
tal maneira que a ao comunicativa possa desempenhar seu papel. Mas,surpreendentemente, mesmo protestando contra a tecnificao do mundo, Habermas
quase no menciona a tecnologia. Isto me parece descuido bvio. Com certeza, a tecnologia
tambm organiza a ao humana enquanto minimiza a necessidade da linguagem.
H uma forte objeo a esta posio, a saber, que a tecnologia envolve relaes
causais com a natureza enquanto os demais meios so essencialmente sociais. Os cdigos
que governam o dinheiro e o poder so convencionais, ao passo que os que governam a
tecnologia parecem carecer de contedo comunicativo. Ou, em outras palavras, a tecnologiaalivia o esforo fsico mas no o comunicativo.
Mas, na verdade, a tecnologia atua nos dois nveis.H vrios e diferentes tipos de
contedo comunicativo. Algumas tecnologias, como automveis e escrivaninhas comunicam
o status de seus proprietrios (Forty, 1986); outras, como os cofres, comunicam obrigaes
legais; a maioria das tecnologias tambem comunicam atravs das interfaces pelas quais so
manipuladas. Um programa de computao, por exemplo, transmite a concepo do
projetista quanto aos problemas a que o programa se destina e, ao mesmo tempo, tambm
ajuda a resolver tais problemas (Suchman, 1987). Em qualquer sistema de transporte, a
tecnologia pode ser vista organizando um grande nmero de pessoas sem discusses:
precisam apenas seguir as regras e o mapa. E, ainda, os trabalhadores numa fbrica bem
projetada podem encontrar suas posies de maneira quase que por combinaes
automticas graas estrutura do equipamento e dos edifcios trata-se de uma ao
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
16/32
coordenada sem muita interao lingstica.
Na verdade, bem improvvel sugerir, como Habermas faz, pelo menos por implicao,
que pode-se descrever completamente a coordenao de ao nas esferas racionalizadas
da vida social simplesmente pelas referncias do dinheiro e do poder. Com certeza, ningum
no campo da teoria administrativa apoiaria a viso de que uma combinao de incentivos
monetrios e regras administrativas seria suficiente para coordenar a atividade econmica. O
problema da motivao bem mais complexo e, a no ser que a racionalidade tcnica do
trabalho consiga unir de maneira harmoniosa os trabalhadores para a obteno dos mesmos
objetivos, a organizao de suas atividades no pode ser restrita apenas a uma questo de
regras.
Reduzir a tecnologia simplesmente a uma funo causal perder os resultados de uma
gerao de pesquisa pela sociologia da tecnologia. Para provar o que afirmo, seria um
engano ignorar a importncia de uma compreenso dos mecanismos causais para o controle
do comportamento humano na esfera administrativa: a frase tecnologias sociais bem
escolhida. Mas se no se pode reduzir a tecnologia causalidade natural, por que exclui-la
da lista dos meios a que se assemelha em tantos aspectos? Naturalmente, trata-se de algo
bem diferente do dinheiro, meio paradigmtico, mas, se a analogia se aplica vagamente ao
poder, argumentaria que tambm pode ser estendida tecnologia. Na Tabela 2 (figura de
Habermas 37), quando Habermas define o dinheiro e o poder como meios, relacionei atecnologia com eles e encontrei uma aproximao com cada um dos termos que emprega
para descrev-los (1984, 1987: II, 274). No vou rever a Tabela toda, mas me concentrar em
trs das funes mais importantes.
Primeira: consideremos um valor instrumental generalizado. No caso do poder sua
efetividade, e a chamo de produtividade no caso da tecnologia. Os que se encarregam das
mudanas tecnolgicas (que no so necessariamente tcnicos) introduzem recursos e
comportamentos associados entre os membros da comunidade que os aliviam tanto do nvel
comunicativo quanto do fsico. Isto gera dois tipos de valor: primeiro, o comando ampliado de
recursos dos indivduos equipados e coordenados, e, segundo, o comando ampliado de
pessoas ganha os que intermediam o processo tcnico. Tal autoridade tcnica assemelha-se
ao poder poltico mas no pode ser a ele reduzido. Nem mesmo to vago quanto a
influncia e prestgio, meios sugeridos por Parsons e que Habermas no mantm. Creio que
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
17/32
sui generis.
Segunda: cada um desses meios apresenta uma reivindicao nominal. Com o dinheiro
trata-se de uma troca de valor, isto , o dinheiro demanda um equivalente; o poder coloca
decises obrigatrias que exigem obedincia; e a tecnologia gera o que chamo, como o faz
Bruno Latour (1992) prescries, regras de ao que demandam aceitao. Aceitar
instrues para operar uma mquina difere tanto de obedecer a ordens polticas quanto de
aceitar uma troca de equivalentes no mercado. Isto se caracteriza por um cdigo
especficamente prprio. A comunicao que define, aquela que corresponde mais
intimamente aos cdigos simplificados do dinheiro (comprar, no comprar) e do poder
(obedecer, desobedecer) pragmaticamente a ao certa ou a ao errada.
Terceira: existe a coluna de sano, que Habermas chama de retaguarda de reserva. Ao
reivindicar que o dinheiro tem reserva em ouro, Habermas salta sobre vinte e cinco anos da
histria econmica, mas lgico que o valor monetrio deva referir-se a algo em que as
pessoas confiam. O poder requer meios de fora; no caso da tecnologia, as conseqncias
naturais do erro tm uma funo similar, freqentemente mediada por sanes
organizacionais de alguma espcie. Se voc recusa as normas tcnicas, digamos, por dirigir
o carro pelo lado errado da rua, voc arrisca a vida. Voc sobrecarrega aqueles que seriam
auxiliados por sua adeso e que agora precisa gastar tempo ao fazerem sinais que evitem a
batida. Fracassando nessa empreitada, a natureza assume sua marcha e o acidente vemreforar as regras consolidadas na lei e na configurao tcnica das rodovias e dos carros.
Tabela 2
Se a tecnologia for includa na teoria dos meios, os limites que Habermas pretendecolocar em torno do dinheiro e do poder lhe sero tambm estendidos. certo que faz
sentido argumentar que a mediao tcnica adequada em algumas esferas e inadequada
em outras.
No entanto, tem-se objetado que, a despeito de algumas similaridades quanto ao
dinheiro e ao poder, a tecnologia est to integralmente entretecida com eles e com o mundo
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
18/32
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
19/32
objees aplicao da tecnologia ao mundo da vida. Mas a aplicao da tecnologia s
funes do mundo da vida s vezes d origem a patologias. Considere, por exemplo, a
ofensiva mdica contra a amamentao pelo peito nas dcadas de 1930 e 1940. Nessa
instncia, um aspecto da vida familiar foi invadida pela tecnologia numa crena equivocada
de que os produtos fornecidos pelas indstria eram mais saudveis do que o leite do peito.Essa mediao tcnica complicou sem necessidade os cuidados com a infncia ao mesmo
tempo que abria grandes mercados. O amplo emprego de produtos qumicos em pases sem
depsitos naturais de gua pura espalha a diarria infantil, o que, por sua vez, requer
tratamentos mdicos uma outra intromisso da tecnologia nos cuidados com a criana. Eis
uma clara interveno patolgica da tecnologia no mundo da vida.[10]
Esta seo sugeriu uma maneira de desenvolver uma teoria crtica da tecnologia numa
base terica de comunicao. Em vez de ignorar a crescente tecnificao das sociedades
avanadas, pode-se submet-la anlise e crtica. Espero que esta abordagem possibilite
que a Teoria Crtica retome a discusso interrompida da tecnologia desde quando ocorreu o
debate entre Marcuse e Habermas que mencionamos.
V - VALOR E RACIONALIDADE
Este tratamento da tecnologia como um meio melhora a teoria da ao comunicativa de
Habermas sem apagar seus contornos. No entanto, sugere alguns problemas tericos mais
profundos que pem sua estrutura sob tenso. Quero abordar tais problemas nas sees
finais desse ensaio.
A sntese que at agora esquematizamos diz respeito apenas extenso e ao alcance
da mediao instrumental e no ao projeto tecnolgico. Isto acontece porque a teoria
sistmica de Habermas no oferece base para uma crtica estrutura interna de qualquer
meio. Pode desafiar a super-extenso aos domnios comunicativos mas no seu projeto no
domnio de sua prpria competncia. Nada em sua teoria corresponde crtica que Marcuse
levanta tese da neutralidade. Mas difcil ver como uma teoria crtica da tecnologia pode
evitar questes. Ser possvel retomar o ponto essencial da crtica de Marcuse sem que
tenhamos que defender as controvertidas pressuposies com as quais ele a defende?
Argumentarei que este objetivo pode ser atingido mas apenas se abandonarmos tanto a
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn12http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn12 -
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
20/32
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
21/32
O problema no a distino em si, mas a identificao de um de seus termos
racionalidade formal e neutra. A teoria feminista contempornea, a sociologia organizacional,
a sociologia da cincia e a tecnologia tm demonstrado abundantemente que tal racionalidde
no existe. Nancy Fraser (1987), por exemplo, mostrou que o alto nvel de abstrao em que
Habermas define suas categorias serve apenas para mascarar sua realizao marcada pelognero nas sociedades concretas.O sistema e o mundo da vida, a produo material e
simblica, pblica e privada, todas essas abstraes escondem distines entre papis do
macho e da fmea que existem at na racionalidade que, aparentemente, apenas
administrativa e poltica na economia e no estado modernos. Deixar de ver este fato leva a
uma superdimensionalizao da centralidade das patologias da colonizao (reificao) e a
uma correspondente subavaliao da opresso dos grupos sociais, tais como o da mulher.
Precisamos de um jeito de falar sobre normas-projeto do tipo que caracteriza todas as
instituies sem perder a distino entre sistema e mundo da vida. Proponho aplicarmos o
conceito de desvio implementao para tal propsito. Desvios implementao entram
nos meios e nas formas especficas dos meios no como compreenses comunicativas do
tipo que caracteriza o mundo da vida. Latour (1992) chama delegao a este tipo de desvio:
as normas acabam delegadas tecnologia pelo projeto e pela configurao de recursos e
sistemas. A noo de delegao pode ser generalizada aos demais meios, de modo que
pode-se falar de delegao de normas a mercados, a leis etc. As duas formas de ao-
coordenao que Habermas identifica e os correspondentes domnios de sistema e mundo
da vida podem, assim, serem mantidos separados sem a necessidade da noo de pura
racionalidade, pois esta no convence.
Contudo, tanto quanto posso dizer, esta no a agenda de Latour. Em vez de
reconstruir a noo de racionalidade deste modo, Latour e seus colegas parecem tentar
confundir a fronteira entre racionalidade e prtica cotidiana. Como a microssociologia
construtivista, reduzem a especificidade das funes sistmicas ao mundo da vida sem
tomar em considerao as macroconseqncias da expanso sistmica nas sociedades
modernas. Na verdade, Latour (1991) intitulou um de seus livros Nunca fomos modernos.
Creio que se trata de uma hiper-reao noo de pura racionalidade. Mesmo no livro de
Latour, o socilogo no moderno acha necessrio introduzir substitutos para as distines
sistema/mundo da vida e moderno/premoderno. Por mais que sejam construdas, no tem
sentido negar as diferenas entre operaes racionalizadas pela moderna tecnologia e
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
22/32
modos de ao no tecnolgicos. Mas faz sentido, no entanto, mostrar que, a despeito das
diferenas, as operaes racionalizadas ainda esto embebidas de valores.
Exatamente como a racionalidade sistmica e a normatividade coexistem nos meios? A
charada s parece to difcil porque nossa concepo de desvio valorativo est configurado
pelos contextos e experincias do mundo da vida. Pensamos nos valores como enraizadosem sentimentos ou crenas, como expressos ou justificados, como escolhidos ou criticados.
Os valores pertencem ao mundo do deveria em contraste com o mundo do .
Naturalmente, esta noo de senso comum sobre os valores negligencia a realizao
institucional das normas num consenso objetivado de fundo que torna a vida social possvel.
A sociologia organizacional insiste sobre este ponto e Habermas concorda que as atividades
racionalizadas requerem um fundo normativo compartilhado de algum tipo, por exemplo,
consenso sobre o significado e valor das atividades. No entanto, a questo mais profunda.
Precisamos saber como instituies baseadas na racionalidade sistmica faz normas
objetivadas nos recursos e prticas, e no simplesmente em crenas individuais ou
pressuposies compartilhadas.
Uma dificuldade conceitual mais ou menos do mesmo tipo acontece em relao ao
tratamento equitativo aos grupos raciais ou tnicos. Um teste culturalmente enviezado pode
ser administrado corretamente e, no entanto, favorecer deslealmente um grupo s custas do
outro. Em tais casos, o desvio no precisa estar presente na forma cotidiana de preconceito,
nem tratar-se apenas de uma pressuposio de fundo dos aplicadores do teste. Na verdade,
esto realmente ali no prprio teste, e, contudo, isto no ser revelado por nenhum estudo
do teste ou das condies em que aplicado, pois se trata de um propriedade relacional do
teste com seu contexto social.
Proponho chamar este tipo de desigualdade desvio formal, em contraste com o
desvio substantivo que normalmente aparece no mundo da vida.[11] O desvio formal
conseqncia das propriedades formais da atividade em desvio, no como escolhas de
valores substantivos. No caso de um teste com desvio cultural, por exemplo, a escolha da
linguagem ou das questes supostamente familiares bastam para enviezar o resultado. No
preciso uma interveno substantiva como a diminuio dissimulada dos membros do
grupo minoritrio ou citaes que os excluam das posies a que o teste pretende dar
acesso.
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn13http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn13 -
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
23/32
O conceito de desvio formal pode ser generalizado para abranger desvios na
implementao de sistemas tecnicamente racionais. Seus trabalhos internos podem ser
descritos exaustivamente sem qualquer outra referncia a valores do que eficincia e
adequao cognitiva; no entanto, seus projetos revelam um contedo normativo implcito
quando colocado em seu contexto social.A teoria crtica tem lutado para trazer tal contedo conscincia desde a crtica
marxiana original quanto neutralidade do mercado. Muito do que obscuro e desafiador
em Marx e em marxistas como Marcuse parece originar-se da complexidade dessa crtica.
No tenho certeza se a teoria da ao comunicativa de Habermas reflete bem essa
complexidade. A noo de uma racionalidade instrumental no social parece retirar a ao
da crtica. Onde os projetos tcnicos incorporam desvios normativos que so tomados como
garantidos e postos fora da discusso, apenas um tipo de crtica que a teoria de Habermas
exclui que poderia abrir um dilogo verdadeiramente livre.
No caso da tecnologia, esta crtica ainda no se desenvolveu amplamente embora
algum trabalho tenha sido feito no processo do trabalho, das tecnologias reprodutivas e no
ambiente. A pesquisa parece mostrar que a moderna racionalidade tecnolgica exibe
deficincias fundamentais ao lidar com o trabalho, o gnero e a natureza. Estas deficincias
relacionam-se sistematicamente com a natureza de nossa ordem social. Determinam a
maneira pela qual pensamos sobre ao tcnica e recursos do projeto tcnico. Torna-se
necessria, portanto, uma crtica social dessas deficincias gerais.
verdade que este padro muitas vezes condenado a totalizar crticas da tecnologia
como tal. Habermas tem razo ao querer evitar a tecnofobia que s vezes se associa a tal
abordagem. No entanto, a crtica histrica de Marcuse (1964) identifica um padro
semelhante sem julgar prematuramente a possibilidade de mudana futura na estrutura da
racionaldade tecnolgica. Como vimos, baseia-se na distino quase heideggeriana entre
tecnologia como reduo a matrias primas por interesse de controle e uma tecnologia com
projeto diferente que libertaria o potencial inerente de seus objetos em harmonia com as
necessidades humanas.
Tais problemas, no entanto, no justificam voltar a uma abordagem essencialista que
defina a tecnologia abstrada de qualquer contexto socio-histrico. Nem tampouco tomar
como hiptese, la Habermas, que haja um nvel de racionalidade tcnica invariante a
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
24/32
despeito de mudanas contextuais. Enquanto haja um certo ncleo de atributos e funes
que nos permite distinguir racionalidade tcnica de outras relaes com a realidade, ele
deseja extrair demais uma crtica social completa de algumas poucas propriedades
abstratas que pertencem quele ncleo. Sem dvida de se incluir, como ele afirma, a
relao objetivante orientada ao xito quanto natureza mas precisa ser incorporada nasdisciplinas tcnicas que incluem muito mais do que prover uma base para aplicao. a
racionalidade de tais disciplinas que est em questo, j que esta a forma institucional
concreta em que a razo se torna historicamente ativa.
Seria possvel desenvolver uma crtica da racionalidade tcnica neste nvel institucional
ao mesmo tempo em que se evitaria os pontos fracos da teoria de Marcuse? Creio que isto
pode ser feito por anlise das propriedades reflexivas da prtica tcnica. Esta abordagem
pode captar algo da contribuio de Marcuse e, ao mesmo tempo, esclarecer problemas da
noo de racionalidade de Habermas.
No h dvidas de que surpreendente alegar que a tecnologia tenha propriedades
reflexivas. No entanto, se afirmamos seriamente que a tecnologia essencialmente social,
ento, como todas instituies sociais deve caracterizar-se pela reflexibilidade. Que isto
geralmente no seja reconhecido deve-se identificao da tecnologia em si com uma
ideologia especial e hostl reflexo. Heidegger o admite praticamente ao afirmar que a
essncia da tecnologia no nada tecnolgico. Ellul tambm nos adverte logo no incio de
sua obra maior: o fenmeno tcnico no tanto um assunto de recursos mas do esprito
como ocorre a sua apropriao. Mas, ao final, estes pensadores e seus continuadores
fracassam na tentativa de desenvolver uma teoria da tecnologia independente. Parecem
concluir que uma vez que a tecnologia agasalha os males que identificaram com o
positivismo, instrumentalismo, behaviorismo e com o mecnico e todas as demais doutrinas
que efetivamente criticam , a crtica a qualquer uma pode transferir-se a qualquer outra. A
esse respeito, Habermas no se diferencia muito dos que o precederam: seu modelo de
relao tcnica com o mundo positivismo e extrai pressupostos daquela doutrina sobre a
possibilidade de uma racionalidade neutra, no-social. Identifica tal ideologia com a eterna
essncia da tecnologia.
verdade que, concebida abstratamente, a tecnologia guarda uma afinidade eletiva
com o positivismo, mas isto acontece precisamente porque cada elemento da reflexibilidade
foi deixado de lado ao retirar sua essncia da histria. A essncia da tcnica em seu sentido
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
25/32
mais amplo no simplesmente aqueles aspectos distintos e constantes que se identificam
em construtos conceituais extra-histricos como os de Habermas. Com certeza, tais
construtos podem s vezes trazer algum insight, mas apenas no que chamaremos de
instrumentalizao primria que distingue a ao tcnica em geral. A tcnica inclui aquelas
caractersticas em combinaes com variveis que se desenvolvem historicamente. Apenasalgumas determinaes compartilhadas por todos os tipos de prtica tcnica no so uma
essncia anterior histria, mas simplesmente abstraes das vrias essncias concretas
historicamente concreta em seus diferentes estgios de desenvolvimento, o que inclui o atual
estgio moderno delas.
As propriedades reflexivas da tcnica permitem que ela volte-se para si mesma e para
seus usurios como inserida em seu contexto social e natural. Penso tais atributos como
formas estticas, organizao de trabalhos de equipe, investimentos vocacionais e vrias
propriedades relacionais de artefatos tcnicos. Chamo tais aspectos reflexivos da tcnica de
instrumentalizaes secundrias; sua configurao caracteriza eras distintas na histria da
racionalidade tcnica.[12] A passagem do ofcio para a produo industrial oferece um
exemplo claro: a produtividade rapidamente cresceu, uma mudana qualitativa de grande
significado no mbito da instrumentalizao primria, mas igualmente importante, as
instrumentalizaes secundrias como o design do produto, a administrao e a vida de
trabalho sofreram uma profunda transformao qualitativa. Estas transformaes no so
apenas acrscimos numa pr-social relao natureza, mas so essenciais para a
industrializao considerada exatamente em seu aspecto tcnico.
Esta posio parece mais plausvel em contraste com a de Habermas logo que algum
pergunta o que ele realmente pensa por essncia da tecnologia, isto , a relao natureza,
relao que objetivante e orientada ao xito. Existe substncia suficiente para tal definio
que possa imagin-la implementada? Ser que no , de preferncia, to vazia de contedo
que tolere uma ampla escala de realizaes, que inclui a noo de Marcuse de relacionar-se
com a natureza como a um outro sujeito? A no ser que, exemplifiquemos, que se fraude
muitas coisas no contedo histrico especfico. Eis a nica maneira de se ir do conceito
excessivamente geral de uma relao com a natureza orientada ao xito para chegar a uma
afirmativa especfica de que a tecnologia necessariamente exclui respeito pela natureza no
sentido que lhe d Marcuse. Mas este movimento reproduz o erro de que Habermas acusa
Weber, a saber: de identificar a racionalidade em geral com sua especfica realizao
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn14http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn14 -
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
26/32
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
27/32
caso. Essa posio no envolve nem o repdio da cincia, nem uma metafsica, ou um
instrumentalismo e defesas de neutralidade. Resolve o que considero os principais
problemas nas teorias sobre a tecnologia feitas por Marcuse e Habermas e oferece a base
para uma crtica radical.
Muitos dos avanos significativos de Habermas so compatveis com este alargamentoda teoria dos meios de modo a incluir a tecnologia. Em escritos recentes, j deu um passo
signficativo na direo do que descrevo como dois nveis de crtica da lei. Habermas (1994:
124) distingue entre (a) as normas morais puras que descrevem possveis interaes entre
o falar e o agir em geral e (b) normas legais que se referem rede de interaes numa
sociedade especfica. Como so a expresso concreta de um povo num tempo e espao
particulares, as normas ligam-se a uma concepo particular de vida boa, precisam
incorporar valores substantivos. Mas assim procedem de maneira legalmente destacada,
no de um jeito que venha a apagar a distino entre lei e poltica. Habermas (1994: 124)
conclui: Todo sistema legal tambm expresso de uma forma particular de vida e no
apenas um reflexo do contedo universal dos direitos fundamentais Isto no bem parecido
com a abordagem aqui defendida? Tenho argumentado que qualquer exemplificao dos
princpios tcnicos socialmente especfica, justamente como Habermas afirma da lei.
Ambos esto abertos crtica no apenas onde so aplicadas de maneira inadequada, mas
tambm em relao aos defeitos da forma de vida que envolvem.
Nesse relato, no basta amarraro sistema; preciso tambm ser estratificado com
exigncias que correspondem a uma concepo de vida boa publicamente colocada. [14]
meio obscuro saber como isto fica na teoria de Habermas original sobre os meios por causa
da falta de um conceito de desvio de implementao, mas decorre diretamente da reviso da
teoria que aqui se prope. Onde o projeto tcnico estratificado com exigncia
democrticas, divisa-se profundas mudanas sociotcnicas. Precisamos de um mtodo que
possa apreciar tais situaes, mesmo que sejam poucas e distanciadas, mesmo se no
pudermos predizer seu conseqente sucesso. Este ensaio tentou criar uma estrutura terica
para alcanar justamente isto.
Pode-se indagar porque o problema da tecnologia no foi antes tratado, neste termos
ou em similares, dado o desejo que tantos da tradio da Escola de Frankfurt tiveram por
uma ampliao do horizonte da crtica. Poderia ser que aquelas velhas fronteiras
disciplinares entre as humanidades e as cincias tenham determinado as categorias
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn16http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn16 -
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
28/32
fundamentais da teoria social? Se isto acontece, hora de pr em cheque os efeitos de tais
fronteiras em nosso campo pois essas esto destinadas a serem violadas pela prpria
natureza de seu objeto.
REFERNCIAS
ADORNO, Theodor and Horkheimer, Max (1972). Dialectic of Enlightenment. J. Cummings,
trans. New York: Herder and Herder.
BERNSTEIN, Richard, ed. (1985). Habermas and Modernity. Cambridge: Polity Press.
BRAVERMAN, Harry (1974). Labor and Monopoly Capital. New York: Monthly Review.BIJKER, Wiebe, Hughes, Thomas, and Pinch, Trevor, eds. (1989). The Social Construction of
Technological Systems. Cambridge, MA: MIT Press.
COMMONER, Barry (1971). The Closing Circle. New York: Bantam.
DREYFUS, Hubert (1995). "Heidegger on Gaining a Free Relation to Technology," in
Technology and the Politics of Knowledge, A. Feenberg and A. Hannay, eds. Bloomington
and Indianapolis: Indiana University Press.
ELLUL, Jacques (1964). The Technological Society, J. Wilkinson, trans. New York: Vintage.
FEENBERG, Andrew (1987), "The Bias of Technology," in Marcuse: Critical Theory and the
Promise of Utopia, R. Pippin, A. Feenberg, C. Webel, eds. South Hadley, Mass.: Bergin &
Garvey Press.
FEENBERG, Andrew (1991). Critical Theory of Technology. New York: Oxford Univ. Press.
FEENBERG, Andrew (1994). "The Technocracy Thesis Revisited: On The Critique of Power,"
Inquiry, vol. 37. no. 1
FEENBERG, Andrew (1995). Alternative Modernity: The Technical Turn in Philosophy and
Social Theory. Los Angeles: Univ. of California Press.FORTY, Adrian (1986). Objects of Desire. New York: Pantheon.
FOUCAULT, Michel (1977). Discipline and Punish, A. Sheridan, trans. New York: Pantheon.
FRASER, Nancy (1987). "What's Critical about Critical Theory," in Feminism As Critique, S.
Benhabib and D. Cornell, eds. Cambridge, Eng.: Polity Press.
HABERMAS, Jrgen (1970). "Technology and Science as 'Ideology'," in Toward a Rational
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
29/32
Society, J. Shapiro, trans. Boston: Beacon Press.
HABERMAS, Jrgen (1973). "Dogmatism, Reason, and Decision: On Theory and Praxis in
our Scientific Civilization," in Theory and Practice, J. Viertel, trans. Boston: Beacon Press.
HABERMAS, Jrgen (1984, 1987). Theory of Communicative Action, 2 vols., T. McCarthy,
trans. Boston: Beacon Press.HABERMAS, Jrgen (1991). "A Reply," in Communicative Action, A. Honneth., and H. Joas.
eds., J. Gaines and D. Jones, trans. Cambridge, Mass.: MIT Press.
HABERMAS, Jrgen (1994). "Struggles for Recognition in the Democratic Constitutional
State," in Multiculturalism, A. Gutman, ed. Princeton: Princeton Univ. Press.
HEIDEGGER, Martin (1977). The Question Concerning Technology, W. Lovitt, trans. New
York: Harper and Row.
HIRSCHHORN, Larry (1984). Beyond Mechanization: Work and Technology in a
Postindustrial Age. Cambridge, Mass.: MIT.
HONNETH, Axel (1991). The Critique of Power: Reflective Stages in a Critical Social Social
Theory, K. Baynes, trans. Cambridge, Mass.: MIT Press.
INGRAM, David (1995). Reason, History, and Politics: the Communitarian Grounds of
Legitimation in the Modern Age. Albany: State University of New York Press.
LATOUR, Bruno (1992). "Where Are the Missing Masses? The Sociology of a Few Mundane
Artifacts," in Shaping Technology/Building Society: Studies in Sociotechnical Change,W.
Bijker, and J. Law, eds. Cambridge, Mass.: MIT Press.LATOUR, Bruno (1991). Nous n'avons jamais t modernes. Paris: La Dcouverte.
MARCUSE, Herbert (1964). One-Dimensional Man. Boston: Beacon Press.
MARCUSE, Herbert (1968). "Industrialization and Capitalism in the Work of Max Weber," in
Negations, J. Shapiro, trans. Boston: Beacon Press.
MARCUSE, Herbert (1969).An Essay on Liberation. Boston: Beacon Press.
MCCARTHY, Thomas (1991). "Complexity and Democracy: or the Seducements of Systems
Theory," in Communicative Action, A. Honneth, and H. Joas eds., J. Gaines and D. Jones,
trans. Cambridge, Mass.: MIT Press.
MERCHANT, Carolyn (1980). The Death of Nature: Women, Ecology, and the Scientific
Revolution. New York: Harper and Row.
POLANYI, Karl (1957). The Great Transformation. Boston: Beacon Press.
PINCH, Trevor and Bijker, Wiebe (1984). "The Social Construction of Facts and Artefacts: or
How the Sociology of Science and the Sociology of Technology Might Benefit Each
-
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
30/32
Other," Social Studies of Science, no. 14.
SIMPSON, Lorenzo (1995). Technology, Time, and the Conversations of Modernity. New
York: Routledge.
SUCHMAN, Lucy (1987). Plans and Situated Actions: The Problem of Human-Machine
Communication. Cambridge, England: Cambridge Univ. Press.THOMPSON, John B. and Held, David, eds. (1982). Habermas: Critical Debates. Cambridge,
Mass.: MIT Press.
VOGEL, Steven (1995). Against Nature: The Concept of Nature in Critical Theory, Albany:
SUNY Press, forthcoming, 1996.
WINNER, Langdon (1986). "Do Artifacts Have Politics," in The Whale and the Reactor.
Chicago: Univ. of Chicago.
WHITE, Lynn (1972). "The Historical Roots of Our Ecological Crisis," in Philosophy and
Technology: Readings in the Philosophical Problems of Technology, C. Mitcham and R.
Mackey, eds. New York: The Free Press.
* Publicada no Inquiry 39, 1996: pp. 45-70. Traduo de Newton Ramos-de-Oliveira. O artigo
foi baseado numa palestra dada no Centro TMV da Universidade de Oslo e no Centro para
Estudo das Cincias e Humanidades da Universidade de Bergen. Alm dessas sesses, o
autor baseou-se tambm em discusses com Torben Hviid Nielsen, Thomas Krogh, David
Ingram e Gerald Doppelt, a quem transmite seus agradecimentos.
** Professor aposentado da Unesp e pesquisador do CNPq. E-mail: ramosoli@uol.com.br
[1] Publicado em Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jrgen Habermas
Textos escolhidos. So Paulo: Abril Cultural, 1980. Traduo de Zeljko Loparic e Andra
Maria Altino de Campos Loparic. P. 313- 343.
[2] O autor discute algumas questes correlatas na interpretao de Habermas en Feenberg
1994.
[3] ADORNO, Theodor W e HORKHEIMER, M.- Dialtica do Esclarecimento: fragmentos
filosficos. Traduo de Guido Antonio de Almeida, Rio de Janeiro, Zahar editores, 1986;
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref1http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref2mailto:ramosoli@uol.com.brmailto:ramosoli@uol.com.brhttp://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref3http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref4http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref5http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref1http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref2mailto:ramosoli@uol.com.brhttp://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref3http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref4http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref5 -
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
31/32
[4] MARCUSE, H. - A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional, Rio de
Janeiro, Zahar editores, 1986.
[5] Para um tratamento mais completo das posies de Marcuse, cf Feenberg 1987.
[6] Esta tabela foi objeto de um interessante debate entre Habermas e Thomas McCarthy. Cf.
Bernstein (1985: pp. 177 e segs e 203 e segs). Habermas confunde-se ao pedir desculpas
por estar usando a tabela para demonstrar suas prprias posies quando, na verdade,
pretendia mostrar uma explicao de Weber; mas, depois, continua a us-la para apresentar
suas prprias opinies. O debate continua inconcluso, pois, como mostrarei mais
detalhadamente abaixo, coloca a questo de uma relao normativa ao mundo objetivo em
termos da possibilidade de uma filosofia natural mais do que em termos de uma razo
tcnica revista, Cf.. tambm Thompson & Held (1982: pp. 238 e segs). Marcuse (1964: 166)
tambm no foi nada claro quanto ao que pretendia, mas, pelo menos, rejeitou
explicitamente uma regresso fsica qualitativa.
[7] No original : ratio of inputs to outputs. (nota nro)
[8] Para uma discusso desta questo, cf McCarthy: 1991 e a resposta de Habermas,
Habermas:1996.
[9] Esta objeo foi-me sugerida por Torben Hviid e Thomas Krogh.[10] Antes de deixar este ponto, faz-se talvez necessrio anteciparmo-nos a um possvel erro
de compreenso. Seria um equvoco identificar a tecnologia (ou outro meio qualquer) com a
instrumentalidade como tal. Se toda instrumentalidade for identificada como tecnolgica, no
teremos base para distinguir entre os vrios meios. Alm disso, no se pode distinguir o
amplo domnio da tcnica em geral de sua forma tecnolgica especificamente moderna. De
maneira especial, o artefato tradicional com sua tecnologia pre-moderna e o que podemos
chamar de tcnicas pessoais, precisam ser diferenciadas da tecnologia moderna, isto , o
trabalho manual e as atividades comuns do mundo da vida realizados por indivduos ou por
pequenos grupos com meios de pequena escala sob controle individual, como opostos s
atividades extraordinariamente complexas mediadas por recursos semi-automticos e
sistemas sob algum tipo de controle administrativo. No resta dvida de que a linha
nebulosa, mas esta diferenciao geral til e nos permite julgar o grau de tecnificao do
mundo da vida no sentido que lhe d Habermas. Isto fica claro no exemplo da amamentao
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref6http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref7http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref8http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref9http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref10http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref11http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref12http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref6http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref7http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref8http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref9http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref10http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref11http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref12 -
8/8/2019 FEENBERG Marcuse ou Habermas
32/32
que no deixa de ter sua tcnica., diferente na frmula, mas igualmente orientada ao xito.
Neste sentido, frmulas ao beb so tecnologia e, como tal, mediaes, ao contrrio da
amamentao pelo seio que uma tcnica pessoal. Portanto, o domnio da ao tcnica
mais amplo do que o domnio dos meios.
[11] Para um estudo desse conceito veja-se Feenberg 1991: captulo 8.
[12] J outra perspectiva bem diferente representada pelo livro de Lorenzo Simpson
Tecnologia, tempo e conversas da modernidade. Simpson nega que esteja essencializando
a tecnologia, no entanto, trabalha em todo seu livro com um conjunto mnimo de
caractersticas invariantes de tecnologia como se constituissem uma coisa da qual pudesse
falar independente do contexto socio-histrico (Simpson, 1995: 15-16 e 182). Este contexto
, ento, mostrado como apenas um nvel contingente de influncias e condies mais do
que como integrados na concepo da prpria tecnologia.
[13] Para uma interessante tentativa de defender a tica do discurso atravs do alargamento
de seu escopo de modo a incluir relaes tcnicas veja-se Ingram 1995: captulo 5.
[14] Para o conceito de estratificao, cf. Feenberg 1995, especialmente o captulo 9. b.
http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref13http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref14http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref15http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref16http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref13http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref14http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref15http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref16
top related