concepções orientações curriculares de mato grosso
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Apresentao
Orientaes Curriculares para a Educao Bsica do Estado de Mato Grosso
As Orientaes Curriculares para a Educao Bsica do Estado de Mato Grosso surge
fundamentada na deciso poltica de fazer chegar ao cho da escola um texto claro e conciso
que, a par dessa clareza e conciso, oferea ao professor uma viso inequvoca do homem e
da sociedade que se quer formar.
Um retrospecto histrico da educao brasileira, desde a colonizao aos dias atuais,
permite a visualizao de um pas aparentemente dual, tanto nas polticas econmicas, quanto
sociais.
Na concepo de Francisco de Oliveira (1981), por detrs da aparente dualidade,
existe uma integrao dialtica que permite a convivncia entre o atrasado e o desenvolvido,
com maior privilgio para aqueles que detm o poder econmico. No caso da educao, essa
dualidade revela-se nas diferentes concepes entre redes de ensino, entre entes federados, e,
especialmente, entre os diversos modelos de ensino oferecido, que separam trabalho manual
de trabalho intelectual.
Na ltima dcada do sculo XX, o Estado de Mato Grosso acompanhou as discusses
nacionais, procurando criar para a educao uma identidade conceitual que potencialize
esforos capazes de superar a dicotomia existente entre gesto educacional e organizao
poltico-pedaggica, sem superar, contudo, as razes estruturais que dificultam a qualidade do
ensino para a maioria da populao.
A economia brasileira j esteve sob a gide do capitalismo agrrio. A elite dirigente j
conviveu sem preocupao com o grande percentual de cidados analfabetos exrcito de
reserva necessrios para o crescimento das grandes empresas e do capital internacional. Nas
ltimas dcadas, com o impacto dos avanos tecnolgicos, o Brasil, como a maioria dos
pases do mundo, vem promovendo reformas nos seus sistemas educacionais, com o discurso
de superar a herana de uma educao seletiva, excludente e, acima de tudo, dualista.
As mudanas que tm ocorrido na sociedade e no trabalho tm mostrado que o homem
necessrio para o trabalho mecnico est em fase de superao. As mudanas da tecnologia
com base na microeletrnica, mediante a informatizao e a robotizao, alm de
revolucionar as reas da qumica e da gentica, modificam os meios de sustentao do capital,
alterando tambm os paradigmas sociais e cientficos, exigindo assim um novo trabalhador.
A educao em seu papel preponderante de formao humana v-se instada a atender
s novas necessidades sociais e econmicas, aliando-se aos aspectos da tica, da
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solidariedade, da gesto compartilhada das polticas sociais, das utopias e das tecnologias a
favor da vida, como verdadeiros aspectos do que se possa constituir como uma sociedade
sustentvel, a despeito do fenmeno da globalizao econmica que, embora anunciada como
triunfante ao final do sculo XX, vem revelar, atravs dos capitais fictcios, das inesperadas
falncias, da esquizofrenia do mercado financeiro derrubando as bolsas, sua fragilidade e
contradio, como sistema capaz de promover justia social com igualdade de oportunidades
para todos, conservados os valores humanos e sociais indispensveis vida e sobrevivncia
planetria.
Em Mato Grosso, as polticas e prticas educacionais tm buscado responder a essa
nova realidade. Desde a aprovao da Lei de Diretrizes e Base da Educao Nacional
(LDBEN/1996), novas possibilidades para a organizao da educao foram abertas. A
Constituio Estadual passou a permitir a organizao da educao na forma de gesto
compartilhada, indicando um sistema nico de ensino, no sentido de superar a dicotomia entre
as redes, possibilitando uma abordagem sistmica da educao, cuja poltica educacional
priorize a formao da pessoa humana.
A gesto compartilhada da educao, articulando as redes municipal e estadual,
fomentou discusses com a base na escola, gerando documentos de referncia para o sistema
nico de ensino, acordado com o Sindicato dos Trabalhadores na Educao Pblica (SINTEP)
e demais instituies representativas.
Foram construdas propostas educacionais para o ensino fundamental na inteno de
superar a escola seriada, norteando a organizao escolar por ciclos de aprendizagem de
durao trienal, antecipando o ensino de nove anos, posteriormente adotado pelo pas. Foi
pactuada a proposta de ensino mdio integrado, com o intuito de superar a separao entre os
que pensam e os que fazem, entre o trabalho manual e o intelectual. Enfim, o Estado
incorporou as premissas para um novo modelo de sociedade, que passaram a orientar a
formulao das polticas e o desenvolvimento de programas e projetos.
Como as mudanas estruturais, necessrias s mudanas polticas, encontravam-se
reguladas pelo movimento de insero do Brasil e do Estado na internacionalizao da
economia, as propostas no atingiram a profundidade necessria que possibilitasse ultrapassar
o patamar alcanado no final do sculo XX e incio do XXI, detendo-se na ante-sala do
sistema nico de ensino. Assim, a implementao de uma proposta realmente capaz de romper
as barreiras entre o pensar e o fazer, na superao de uma prtica educacional destinada a
reforar a lgica de formao de duas espcies de homem, aquele que deve ser formado para o
trabalho manual e o outro que pensa e para o qual se destina o trabalho intelectual, v-se,
minimizada em sua aplicao. Mesmo assim, o movimento realizado pelo Estado, marca
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fundamentalmente a concepo de educao presente nos projetos pedaggicos das escolas e
nas organizaes estruturais nos municpios de Mato Grosso. O debate educacional que se
desenvolveu nos ltimos anos permite visualizar a incorporao de concepes construdas no
coletivo do sistema pblico: prxis pedaggica, politecnia, escola unitria, sistema nico de
ensino...
No incio do sculo XXI, ano de 2002, chega ao poder no pas uma nova proposta de
organizao poltica, redefinindo o papel do estado e conseqentemente o da educao. Aos
poucos as discusses vo novamente tomando corpo, agora de forma mais amadurecida. A
populao discute o sistema nacional de educao, que incorpora, em grande parte, as
discusses que Mato Grosso realizou no incio da ltima dcada do sculo XX.
Em Mato Grosso h novamente uma efervescncia de idias. Retoma-se a discusso
da colaborao entre os entes federados, ocorre a aproximao com o SINTEP para a
construo de polticas alternativas. No obstante as diferenas h avanos significativos nos
pactos realizados, tendo em vista o compromisso com a qualidade da educao pblica.
O Governo do Estado, atravs da Secretaria de Educao, estabelece dilogo franco e
direto com o Ministrio da Educao e Cultura (MEC), construindo plano de ao articulada
com todos os 141 municpios de Mato Grosso. Constri com as universidades pblicas,
SINTEP, Conselho Estadual de Educao, (CEE), Centro de Educao Federal Tcnica,
(CEFETs/INFETs), entre outras entidades, plano de formao de professores e avana na
organizao das Orientaes Curriculares para a Educao Bsica, uma histrica solicitao
das escolas, pois os documentos produzidos na esfera nacional, apesar de bem
fundamentados, no respondem ao cotidiano da escola mato-grossense, no se constituindo
como referncia suficiente para a elaborao da proposta curricular da Educao Bsica no
Estado.
Para atender a essa solicitao, algumas decises polticas foram tomadas: primeiro,
considerar o trabalho entendido como prxis humana como categoria organizadora do
processo de construo das diretrizes, concebendo o humano por sua capacidade de intervir na
natureza e transform-la, e, no caso de Mato Grosso, transform-la em favor da
sustentabilidade entendida a partir dos aspectos aqui destacados.
Desta opo epistemolgica, decorre como princpio pedaggico, a busca da superao
da diviso entre trabalho manual e intelectual, concebidos como as duas dimenses que se
articulam dialeticamente para constituir a prxis humana. Ou seja, compreender que a
educao no pode ser ofertada de forma desigual em funo da origem de classe dos alunos,
desenvolvendo projetos que formem para o exerccio de funes intelectuais ou operacionais,
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separando atividade intelectual de atividade prtica. Ao contrrio, o desafio propiciar a
todos Educao Bsica de qualidade, como expresso do compromisso com a incluso social.
Em seguida, h que definir uma estrutura organizacional da escola que guarde
coerncia com a concepo adotada. O estado de Mato Grosso incorpora de forma definitiva a
organizao estrutural atravs dos ciclos de formao humana, valendo-se do percurso
histrico da rede que h mais de dez anos, trabalha com a organizao de ciclos, condio que
se avalia mais inclusiva e voltada para a promoo humana.
Entende-se que a escola local de promoo, no de reteno. Entretanto, toda
promoo deve ser acompanhada da qualidade necessria para a vida cidad. Portanto, a
escola dispor dos elementos necessrios para promover a superao das dificuldades
apresentadas pelos alunos, condio essencial para que a organizao por ciclos de formao
humana apresente os resultados esperados.
As orientaes curriculares apontaro perfil de entrada e de sada de cada ciclo e as
estratgias e os recursos necessrios destinados apropriao por parte dos alunos dos
conhecimentos nele veiculados, de modo a no permitir a excluso por falta de conhecimento.
Concebe-se a educao como elemento propiciador de conhecimento sobre a realidade, pelo
debruar-se sobre ela, a fim de extrair contextos significativos para a formao humana.
Conforme Frigotto (2005), nesta concepo, o trabalho engendra um princpio
formativo. Desde a infncia fundamental educar as crianas para que compreendam que os
seres humanos so seres da natureza, e que, portanto, tm necessidades de protegerem e
proverem a sua subsistncia, condio comum a todos os seres humanos, superando a idia de
que normal uns viverem do trabalho dos outros.
Para atender s perspectivas histricas do trabalho de construo das orientaes
curriculares, entende-se pertinente, retomar os conceitos discutidos com base nas escolas
pblicas de Mato Grosso ao longo da dcada de 90 do sculo passado, considerando-se, em
sua possvel reconfigurao, a atual conjuntura econmica, poltica e social.
Como primeiro passo do processo de construo coletiva das Orientaes
Curriculares, apresentamos para a escola um texto preliminar que incorpora as dimenses
anteriormente apresentadas. Esse texto servir como ponto de partida e motivao a uma
ampla e aprofundada discusso coletiva e interativa entre os que esto no cho da escola e os
dirigentes estaduais da educao.
Assegurando a liberdade de opinio e o processo de construo coletiva, o texto,
amplamente discutido, dever incorporar, resguardada a sua coerncia interna e sua
adequao realidade, as propostas de modificao, de forma a contemplar tanto quanto
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possvel, as variadas formas de prticas pedaggicas existentes no cotidiano da escola pblica
de Mato Grosso.
Entende-se que compete ao estado a gesto das Orientaes Curriculares, de modo a
assegurar sua implantao. Para tanto, a Secretaria de Estado de Educao prope-se a
assegurar que todos os profissionais tenham possibilidade de participar da discusso do texto
preliminar nos horrios de sesses pedaggicas na escola, bem como de intervir apresentando
sugestes para a sua redao. Posteriormente ao processo de discusso, compromete-se com a
viabilizao de formao continuada dos professores e profissionais da educao, visando
consolidao das orientaes na prxis pedaggica, que ter como referncia o Projeto
Poltico Pedaggico das escolas.
A coordenao das aes referentes ao dilogo dos profissionais com o texto
preliminar mediante apresentao de sugestes, realizar-se- pela Superintendncia de
Educao Bsica, (SUEB), e pelos consultores das diversas reas do conhecimento. A
consolidao das orientaes acontecer em parceria entre SUEB, Superintendncia de
Formao e Superintendncia de Gesto, por meio das assessorias pedaggicas, dos Centros
de Formao e Atualizao dos Professores, (CEFAPROS-MT), e, nas escolas, atravs do
Projeto Sala do Professor.
Pensar uma sociedade altrusta, solidria e humanizada, onde a incluso social, poltica
e econmica so condies essenciais para a existncia humana, tambm tarefa da
Educao. Conscientes dessa responsabilidade, convidamos todos os parceiros para juntos
definirmos o que deve conhecer cada estudante, nas idades em que se organizam os ciclos de
formao humana, definio esta que se destina a propiciar condies ideais para que possam
conviver em situao de igualdade na sociedade em que todos so partcipes e, na qual, devem
exercer liderana.
Professor, voc o protagonista dessa ao, portanto, nosso principal convidado.
ProfMs. Rosa Neide Sandes de Almeida
(Secretria Adjunta de Polticas Educacionais-SAPE)
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1. A Educao Bsica no Estado de Mato Grosso
Diferentemente da filosofia pragmtica e tecnicista que presidiu a Lei de Diretrizes e
Bases, (5692/71-LDB), a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, (9394/96-
LDBEN), prima por uma educao integral, tendo como finalidade o pleno desenvolvimento
do educando, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho,
inspirada nos princpios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana (Art. 2.),
enfatizando o carter formativo da Educao Nacional. Fortemente enraizada em
conhecimentos scio-antropolgicos, originrios das discusses em pauta nas cincias
humanas e sociais, a Lei enfatiza princpios como: igualdade de condies para o acesso e
permanncia na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber; pluralismo de idias e de concepes pedaggicas; respeito
liberdade e apreo tolerncia; valorizao da experincia extra-escolar; vinculao entre a
educao escolar, o trabalho e as prticas sociais (Art. 3.). Em sntese, ecos do vigoroso
debate, travado nas universidades brasileiras ao longo dos anos oitenta, acerca dos rumos da
educao ps-ditadura militar, fazem-se ouvir por entre as letras da Lei 9394/96.
Em seu artigo 22 reafirma os princpios da educao nacional acima enfatizados,
estabelecendo as finalidades da Educao Bsica. A educao bsica tem por finalidades
desenvolver o educando, assegurar-lhe a formao comum indispensvel para o exerccio da
cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
a concepo de educao bsica que assegura a organicidade da Educao Nacional,
atravs do princpio da integrao das etapas Educao Infantil, Ensino Fundamental e
Ensino Mdio e das modalidades e especificidades Ensino Mdio Integrado Educao
Profissional, Educao do Campo, Educao Especial, Educao de Jovens e Adultos e
Educao Escolar Indgena.
Por compreender a educao como totalidade, j no primeiro captulo a LDBEN a
define em seu conceito mais amplo, admitindo que ela supera os limites da educao escolar
por ocorrer no interior das relaes sociais e produtivas. Reconhece, pois, as dimenses
pedaggicas do conjunto dos processos que se desenvolvem em todos os aspectos da vida
social e produtiva. Essa concepo incorpora a categoria trabalho, reconhecendo a sua
dimenso educativa, ao tempo que reconhece a necessidade da educao escolar vincular-se
ao mundo do trabalho e prtica social.
A incorporao de todas as modalidades de educao na concepo de educao
bsica, estabelecendo sua integrao e assegurando sua organicidade, decorre dessa
concepo de educao como totalidade. Isso significa organizar a educao bsica como um
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sistema que no admite formas paralelas que comprometam a assumida integrao entre os
nveis e modalidades de ensino oferecidas pela educao escolar e as demais aes educativas
que ocorrem no conjunto das prticas sociais. Pretende assegurar, dessa forma, tanto a
organicidade interna educao bsica, entre seus nveis e modalidades, quanto a
organicidade externa, articulando, pela mediao da educao, conhecimento, trabalho e
cultura.
Buscando garantir e objetivar essa concepo, a Unio chama a si, a coordenao da
poltica nacional da educao, com a finalidade de assegurar a articulao dos diferentes
nveis, modalidades e sistemas de ensino, no que expressa a letra do artigo 8 1:
Art. 8 A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios organizaro, em regime de colaborao, os respectivos sistemas de ensino. 1 Caber Unio a coordenao da poltica nacional de educao, articulando os diferentes nveis e sistemas e exercendo funo normativa, redistributiva e supletiva em relao s demais instncias educacionais. (Lei 9394/96).
Com base na Poltica Nacional de Educao, compete s Unidades Federadas
organizar, manter e desenvolver os rgos e instituies oficiais dos seus sistemas de ensino,
definindo, com os Municpios, as formas de colaborao que possibilitem a progressiva
extenso da oferta pblica e gratuita. Para tanto, dever propor e executar polticas, diretrizes
e planos educacionais, integrando e coordenando as suas aes Unio e aos seus
Municpios. (Lei 9394/96 - art. 10).
O compromisso com a democracia se expressa na idia da gesto democrtica do
ensino, cujas normas e projetos pedaggicos devero ser definidos com a participao dos
profissionais da educao, da comunidade escolar e da comunidade local, de modo a
assegurar progressivos graus de autonomia pedaggica e administrativa e de gesto
financeira, no que reza os artigos 14, 15 da LDBEN e seus incisos.
Ciente de suas responsabilidades e assumindo os princpios democrticos que tm
pautado as aes do Governo na rea da Educao, a Secretaria de Estado de Educao,
entrega para a discusso da comunidade, uma proposta de Orientaes Curriculares para a
Educao Bsica, que contempla os princpios de integrao, organicidade e democratizao
da gesto.
Com o intuito de assegurar o cumprimento desses princpios, o texto foi organizado da
seguinte forma: inicialmente, foram contempladas as questes conceituais de natureza
epistemolgica e metodolgica que devero nortear as prticas pedaggicas em toda a
Educao Bsica, tendo a emancipao humana como finalidade. Ainda na primeira parte so
apresentadas as concepes por etapas e modalidades. Por etapas so apresentados o Ensino
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Fundamental organizado por ciclos de formao humana, e o Ensino Mdio de Educao
Geral. Por especificidade e modalidades, para atender s diversidades: Ensino Mdio
Integrado Educao Profissional, (EMIEP), Educao do Campo, Educao Escolar
Indgena, Educao Especial, Educao de Jovens e Adultos (EJA/Proeja). As etapas,
especificidades e modalidades contemplam as concepes que fundamentam a construo das
Orientaes Curriculares para a Educao Bsica, apresentadas no texto.
A segunda parte apresenta as Orientaes Curriculares das reas, que abrangem todas
as etapas, especificidades e modalidades da Educao Bsica. Espera-se, dessa forma,
mediante o tratamento articulado entre etapas, especificidades, modalidades e reas, assegurar
a necessria organicidade que conferir identidade Educao Bsica. Assim, pelo
entrecruzamento de todas essas dimenses, espera-se que cada professor possa apreender a
forma como as concepes, os contedos e as atividades se integram na etapa, especificidade/
modalidade em que ele atua, e como esse seu espao de atuao articula-se com o
subseqente. Do mesmo modo, ele poder verificar como as capacidades e contedos por ele
trabalhados integram-se em sua rea e como se relacionam com as demais reas, de modo a
compreender sua prtica como parte integrante da totalidade representada pela Educao
Bsica. Dessa forma, pretende-se superar a fragmentao e a desarticulao que tm marcado,
historicamente, as prticas pedaggicas no sistema educacional brasileiro.
Esse texto, que resulta da contribuio de um grupo de professores da rede, das
universidades e de especialistas da SEDUC, constitui-se, portanto, em pr-texto e pretexto
para um ampliado e profundo debate, que comear nas escolas, passar pela discusso nos
Municpios e culminar em Seminrios Regionais, at que, produzindo os consensos
possveis, o texto final possa ser assumido como documento organizador da Educao Bsica
no Estado de Mato Grosso, por expressar no apenas a posio do Governo, mas a vontade
das escolas e das comunidades acerca da educao que podemos oferecer, principalmente, a
educao que queremos oferecer, na perspectiva da emancipao humana, viabilizada por
uma organizao social cada vez mais justa e democrtica.
1.1 Breve Contexto da Educao em Mato Grosso
O Governo do Estado de Mato Grosso, atravs da Secretaria de Estado de Educao
busca responder aos desafios de transformar a escola em um espao propcio aprendizagem
de todos, inspirando-se no que a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, apresenta
como finalidades da educao bsica em seu artigo 22, citado pgina 1 desse documento. A
par dessa intencionalidade a permear as vontades e aes polticas no atual contexto,
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necessrio melhor situ-lo historicamente, para que se perceba processualmente sua
instalao.
Diante dos vrios problemas detectados pelo governo do Estado em 1997, tais com
alto ndice de evaso (14,9%) e repetncia (19,5%) alcanando 34,4% de fracasso escolar1 e
aps a aprovao da Lei 9394/96 (LDBEN), foram elaboradas e executadas metas de curto,
mdio e longo prazo. Inicialmente so institudas as Leis Complementares 49/98, e 50/98, que
regulamentam, respectivamente, o Sistema de Ensino e a carreira dos profissionais da
educao. Na esteira dessas medidas, outras foram criadas no sentido de implementar
polticas que promovessem a expanso da oferta de vagas da educao bsica e instalao de
mecanismos de permanncia da criana na escola, em todas as suas etapas e modalidades de
ensino.
A partir daquele ano foram dados os primeiros passos no sentido da reorganizao do
Ensino Fundamental em Ciclos, com a introduo do Ciclo Bsico de Aprendizagem (CBA),
que se constituiu numa importante iniciativa para o enfrentamento dos problemas de evaso e
repetncia, eliminando a reprovao no primeiro ano de escolaridade, contribuindo assim para
a permanncia das crianas em idade escolar no sistema de ensino e na continuidade do
processo de alfabetizao. Dando seqncia a esse processo, a Seduc, em 1999, prope a
implantao dos Ciclos de Formao em todo o ensino fundamental, para que os alunos ao
conclurem o CBA, continuassem seus estudos no mesmo ritmo da proposta do Ciclo Bsico
de Alfabetizao.2 A maturao e aprofundamento desse processo ganham corpo nas atuais
Orientaes Curriculares, que pretendem instalar no cotidiano da escola, as discusses
fundamentais ao aprimoramento da organizao escolar baseada em Ciclos de Formao
Humana, em toda a rede estadual de ensino.
Quanto ao Ensino Mdio, tambm, desde 1998, teve incio o processo de expanso de
sua oferta de vagas. No excessivo recordar que o Estado de Mato Grosso no final de 1995,
atravs da portaria 1266/95 determinou o encerramento dos cursos profissionalizantes na rede
estadual, antecipando-se ao que viria a ocorrer atravs do Decreto Federal 2208/97. As
discusses s foram retomadas em 2004, atravs do Decreto 5154/04, que resgata a proposta
de Ensino Mdio Integrado e traz considerao das polticas pblicas posturas calcadas no
respeito s diferenas e diversidades que compem a complexidade social, a exigir esforos
no sentido de incentivar e apoiar alternativas diferenciadas de organizao escolar e de
preparao dos professores para atuao na Educao do Campo, Educao Escolar Indgena,
1 IN MT, Seduc. Escola Ciclada de Mato Grosso: novos tempos e espaos para ensinar aprender a sentir, ser e fazer. Cuiab: Seduc. 2001.2 Ibdem
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Educao Especial, Ensino Mdio Integrado Educao Profissional e na Educao de Jovens
e Adultos.
As principais aes da atual gesto, abrangendo todas as etapas e nveis de ensino,
desde a educao bsica nas suas diversas especificidades/modalidades at a educao
superior e tendo como foco a universalizao da educao bsica e a qualidade do ensino, tm
garantido recursos para fortalecer e acompanhar o currculo da escola, oferecer e subsidiar a
formao continuada dos professores, equipar as escolas com laboratrios, dotar de acesso
Internet todas as escolas estaduais, adquirir e instalar as bibliotecas escolares, adquirir
materiais didticos, fortalecer o quadro de pessoal, estabelecer parcerias com instituies
educacionais, criar o Centro de Recursos Didticos de Lngua Espanhola, criar os Centros de
Educao de Jovens e Adultos(CEJAs), implantar o Ensino Mdio Integrado Educao
Profissional e promover a incluso social por meio do atendimento s diferentes demandas
dessa rea.
Portanto, com o intuito de viabilizar e garantir um sistema de ensino capaz de
promover a melhoria da qualidade de vida do ser humano, que os esforos e investimentos
aplicados pelo atual governo do estado de Mato Grosso se voltam para as dimenses do
modelo de educao definidas no Plano Estadual de Educao de Mato Grosso.
1.2 Os desafios a serem enfrentados na proposio de Orientaes
Curriculares para a Educao Bsica
As novas determinaes do mundo social e produtivo, contempladas pela LDBEN,
apontam duas linhas a orientar a elaborao das Orientaes Curriculares para a Educao
Bsica:
metas claras e democraticamente estabelecidas no sentido de orientar a ao poltica
do Estado em todas as instncias, particularmente no tocante a investimentos;
uma concepo formulada de modo a integrar todos os saberes, articulando
formao cientfica, tecnolgica e cultural, com vistas a superar a ruptura historicamente
determinada entre uma escola que ensine a pensar atravs do domnio terico-metodolgico
do conhecimento, socialmente produzido e acumulado e, uma escola que ensine a fazer,
atravs da memorizao de procedimentos e do desenvolvimento de habilidades psicofsicas.
A elaborao desta nova sntese no um problema pedaggico, mas um problema
poltico, uma vez que, a dualidade estrutural que historicamente determinou a oferta de duas
redes desiguais, em funo das necessidades de formar diferentemente trabalhadores e
intelectuais, tem suas razes na forma de organizao da sociedade, expressando as relaes
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entre capital e trabalho. Em que pese os avanos decorrentes da ampliao da oferta e da
melhoria da qualidade mediante polticas pblicas, preciso compreender que no possvel
superar a dualidade estrutural a partir da escola, seno a partir das mudanas na sociedade.
Contudo, preciso reconhecer que a escola se constitui no nico espao em que os
filhos dos que vivem do trabalho podem ter acesso ao conhecimento sistematizado, tal como
ele foi produzido pela humanidade ao longo dos anos. Assegurar essa possibilidade, mantendo
a qualidade da oferta pblica da educao para a maioria da populao, crucial para que a
possibilidade da transformao social seja concretizada. Neste sentido, a educao de
qualidade, embora no tenha autonomia para, por si mesma, mudar a sociedade, importante
estratgia de transformao, uma vez que a incluso na sociedade contempornea no se d
sem conhecimento.
Do ponto de vista da nova concepo, preciso ter claro que ela s ser plenamente
possvel em uma sociedade em que todos desfrutem igualmente das mesmas condies de
acesso aos bens materiais e culturais socialmente produzidos e em que os jovens possam
exercer o direito diferena sem que isso se constitua em desigualdade, de tal modo que as
escolhas por determinada trajetria educacional e profissional, no sejam socialmente
determinadas pela origem de classe. Ou, exemplificando, que a deciso de no cursar o nvel
superior corresponda ao desejo de desempenhar uma outra funo que exija qualificao mais
rpida, mas que seja igualmente valorizada socialmente, de modo a propiciar trabalho e vida
digna. Isso exigiria que potencialmente existissem vagas para todos que desejassem ingressar
em qualquer nvel e/ou etapa e modalidade de ensino, possibilidade a que o Brasil,
particularmente, ainda se encontra muito distante.
A seletividade configura uma situao em que o acesso a diferentes nveis, e em
particular aos cursos tcnicos e superiores que exigem tempo integral, escolaridade anterior de
excelncia e financiamento de material tcnico e bibliogrfico, alm de cursos
complementares formao, reservado queles com renda mais alta.
Ao mesmo tempo, o mundo do trabalho reestruturado, no mbito da globalizao da
economia, restringe cada vez mais o nmero de empregos formais, criando ou recriando na
informalidade, um sem nmero de ocupaes precrias que, embora ainda sirvam
sobrevivncia, longe esto de permitir um mnimo de dignidade e cidadania.
com essa realidade que a Educao Bsica dever trabalhar, ao estabelecer suas
Orientaes Curriculares: um imenso contingente de crianas e jovens que se diferenciam por
condies de existncia e perspectivas de futuro desiguais. a partir dessa realidade que se
h de tratar a sua concepo.
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Se por um lado, a existncia de duas redes de ensino qualitativamente diferentes para
filhos de trabalhadores e para os filhos da burguesia, mostra seu carter perverso por
reproduzir desigualdades, por outro, simplesmente estabelecer um modelo igual para todos
no resolve a questo, posto que, submeter os desiguais a igual tratamento, naturaliza a
desigualdade em direo sua permanncia e aceitao.
O que est em jogo a recriao da escola, que, embora no possa por si s resolver as
desigualdades sociais, poder, ao dar acesso ao conhecimento, cultura e ao trabalho, ampliar
as condies de incluso social. Escola nica nos ciclos iniciais de formao humana, para
que no tenha diferentes formas de organizao a contemplar diferentes qualidades destinadas
formao da burguesia ou dos trabalhadores. Escola de formao humana para trabalhadores
intelectuais e operacionais.
Para o nvel mdio, reconhecido o seu carter de parte integrante da educao bsica,
bem como a necessidade de assegurar sua oferta para todos, a prpria LDBEN aponta para a
possibilidade de ofertar distintas modalidades de organizao, inclusive a qualificao
tcnica, com o intuito de tratar diferentemente os desiguais, conforme seus interesses e
necessidades, para que possam ser iguais do ponto de vista dos direitos.
Importante destacar, contudo, que a oferta de diferentes modalidades no Ensino Mdio
continua mantendo a concepo de escola nica, uma vez que, mesmo que assim as oferte,
no as atrela origem de classe dos alunos, como a escola dual fazia, ao ofertar formao
profissional para os trabalhadores e Ensino Mdio de educao geral para os que ocupariam
na sociedade as funes dirigentes. Todos os alunos, independentemente de sua classe social,
tm o direito de escolher a modalidade que melhor atenda suas motivaes e especificidades e
todas as modalidades devero articular trabalho intelectual e atividade prtica. A possibilidade
de mltiplas formas de organizao na educao para os adolescentes e jovens reconhecida
por Gramsci, o intelectual que formulou a concepo de escola nica, ao apontar a
necessidade de construir progressivamente a autonomia intelectual e tica nessas fases da
formao humana. Afirma o autor que a escola para adolescentes e jovens no
antidemocrtica pelo contedo que oferece, mas por oferecer diferentes propostas com
diferentes qualidades, conforme se destinem aos trabalhadores intelectuais ou operacionais.
(Gramsci, 1978).
Assim, a organizao da Educao Bsica em Mato Grosso, para atender aos desafios
apontados, contemplar, no mbito do Ensino Fundamental, os ciclos de formao humana, e
no mbito do ensino Mdio, as distintas possibilidades propostas no Decreto 5154/04, de
modo a considerar as diferentes realidades dos jovens mato-grossenses, com vistas sua
incluso social. Para tanto, as orientaes curriculares priorizam a formao cientfico-
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tecnolgica e cultural para todos, visando construir uma equidade que no est dada no ponto
de partida, e que, por essa mesma razo, exige mediaes diferenciadas no Ensino
Fundamental organizado por ciclos de formao humana e no Ensino Mdio para atender
demandas diferenciadas e desiguais.
2. Orientaes Curriculares para a Educao Bsica: concepes
epistemolgicas3 e metodolgicas
2.1 Os eixos estruturantes: Conhecimento, Trabalho e Cultura
A concepo mais ampla de educao, considerada aqui como ponto de partida
conforme indicado na concepo de Educao Bsica (item1), de modo a incorporar todas as
dimenses educativas que ocorrem no mbito das relaes sociais que promovem a formao
humana na dimenso scio-poltico-produtiva, implica adotar o trabalho como princpio
educativo, como categoria orientadora das polticas, projetos e prticas dos nveis e das
modalidades que integram a Educao Bsica. Trata-se de reconhecer que cada sociedade,
cada modo de produo e regimes de acumulao4, dispem de formas prprias de educao
que correspondem s demandas de cada grupo e das funes que lhes cabe desempenhar na
diviso social e tcnica do trabalho. O exerccio dessas funes no se restringe ao carter
produtivo, mas abrange todas as dimenses comportamentais, ideolgicas e normativas que
lhe so prprias, elaborando a escola sua proposta pedaggica a partir das demandas sociais.
Como demonstra Gramsci, velha escola humanista tradicional correspondia
necessidade socialmente determinada de formar os grupos dirigentes, que no exerciam
funes instrumentais. A proposta pedaggica da escola, portanto, no tinha por objetivo a
formao tcnico-profissional vinculada a necessidades imediatas, e sim formao geral da
personalidade e o desenvolvimento do carter atravs da aquisio de hbitos de estudo,
disciplina, exatido e compostura.
3 A epistemologia o ramo da filosofia que estuda o conhecimento: o que , como produzido, suas fontes, sua validade. Ver VAZQUEZ, A. S. Filosofia da praxis .Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1968.
4 Um regime de acumulao caracteriza pela estabilidade, por um longo perodo, entre as formas de produzir mercadorias e as normas e comportamentos dos trabalhadores para produzi-las e consumi-las, tendo em vista a acumulao do capital. Implica, portanto, nos modos de organizar e gerir o trabalho, no uso das tecnologias disponveis, nas leis e normas e nos processos educativos. Este texto contrape dois regimes de acumulao, o taylorista/fordista, rgido, e o atual, denominado acumulao flexvel, que se apia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e dos padres de consumo. Esta flexibilizao demanda novas formas de disciplinamento dos agentes econmicos e polticos, ou seja, novos processos educativos que permitam ao capital se acumular. Para a escola, o dilema est em aproveitar as possibilidades trazidas pela flexibilizao, mas contrapor-se s suas negatividades, mediante uma prtica pedaggica emancipatria. Ver HARVEY, D. A condio ps-moderna. Loyola, So Paulo, 1992.
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No mbito das formas tayloristas/fordistas5 de organizar o trabalho capitalista no
sculo XX, desenvolveu-se uma rede de escolas de formao profissional em diferentes
nveis, paralela rede de escolas destinadas formao propedutica, com a finalidade de
formar os trabalhadores para atender aos diversos ramos profissionais demandados pela
diviso do trabalho. Os profissionais que deveriam executar as funes intelectuais tinham
educao mais prolongada em cursos de nvel superior, estabelecendo diferenciao de
escolas e redes que atendem s demandas de formao, a partir do lugar que cada classe social
vai ocupar na diviso do trabalho, determinando assim o carter antidemocrtico do
desdobramento entre escolas propeduticas e profissionais, cujas propostas se diferenciavam
em funo da classe social a que se destinavam. Assim que, o conhecimento tecnolgico de
ponta, embora organicamente vinculado ao trabalho, no era democratizado, por destinar-se
formao dos dirigentes, estando restrito por longo tempo formao de nvel superior.
Gramsci, ao analisar o americanismo e o fordismo, j demonstrava a eficincia dos
processos pedaggicos no processo de valorizao do capital, medida que, a partir das
relaes de produo e das formas de organizao e gesto do trabalho, ento dominantes,
eram concebidos e veiculados novos modos de vida, comportamentos, atitudes, valores. O
novo tipo de produo racionalizada, com base no trabalho parcelado organizado nas linhas
de montagem, exigia um novo tipo de homem, capaz de ajustar-se aos novos mtodos da
produo. O arteso, que tinha conhecimento e domnio da totalidade do seu trabalho,
autonomia para organizar seus tempos e liberdade para comercializar seus produtos, com a
organizao taylorista/fordista tinha que ser reduzido a um trabalhador que dominava apenas
um fragmento do processo de trabalho, sem ter o controle sobre ele e sobre o que produzia,
que era comercializado pelo capitalista. Para reduzir o arteso ao trabalhador fragmentado,
mostra Gramsci, os mecanismos de coero social j no eram suficientes. Era necessrio
educar este trabalhador para a nova forma de organizar a produo: desenvolver novas
competncias articuladas a novos modos de viver, pensar e sentir, adequados aos novos
mtodos de trabalho, caracterizados pela automao. Esses novos mtodos implicavam na
ausncia de mobilizao de energias intelectuais e criativas no desempenho do trabalho.
Havia que memorizar e repetir de forma mecnica os movimentos necessrios produo.
5 Taylorismo/fordismo: regime de acumulao que se inicia no incio do sculo XX com os estudos de Taylor e Ford, materializados inicialmente na linha de montagem de automveis, e que, expandindo-se para as demais esferas de trabalho, impacta a organizao econmica e social, passando a ser dominante nos anos de 1945 a 1980; caracteriza-se por exercer rgido e desptico controle sobre o trabalho, atravs da fragmentao das tarefas, da desqualificao do trabalhador, do pagamento por produo e do controle das condutas dos trabalhadores. Ver GOUNET, T. Fordismo e toyotismo na civilizao do automvel. So Paulo, Boitempo, 1999.
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O pensamento hegemnico6, alm de expressar uma reforma econmica, assume as
feies de uma reforma intelectual e moral. nesse sentido que Gramsci prope como
categoria para a compreenso da educao, o trabalho como princpio educativo, mostrando
que os projetos pedaggicos se originam nas necessidades do mundo da produo da
existncia, o que implica no s no desenvolvimento de capacidades tcnicas, mas
principalmente de uma concepo de mundo que aceite o trabalho dividido como natural, e
no como necessidade do modo de produo capitalista, para melhor explorar o trabalho, e
assim valorizar-se.
Se o fundamento do trabalho taylorista/fordista a fragmentao, posto que, da
manufatura fbrica moderna, a diviso capitalista faz com que a atividade intelectual e
material, o gozo e o trabalho, a produo e o consumo caibam a indivduos distintos, tanto as
relaes sociais e produtivas como a escola, passam a educar o trabalhador para essa diviso.
Em decorrncia, a cincia, e o desenvolvimento social que ela gera, ao pertencerem ao capital,
aumentando a sua fora produtiva, colocam-se em oposio objetiva ao trabalhador. Assim, o
conhecimento cientfico e o saber prtico so distribudos desigualmente, contribuindo ainda
mais para aumentar a alienao dos trabalhadores.
A escola, por sua vez, se constituiu historicamente como uma das formas de
materializao desta diviso, ou seja, como o espao por excelncia, da distribuio desigual e
do acesso ao saber terico, divorciado da prtica, representao abstrata feita pelo pensamento
humano, e que corresponde a uma forma peculiar de sistematizao do conhecimento,
elaborada a partir da cultura da classe dominante que, no por coincidncia, a classe que
detm o poder material e que possui tambm os instrumentos materiais para a elaborao do
conhecimento. Assim a escola, fruto da prtica fragmentada, passa a expressar e a reproduzir
essa fragmentao, atravs de seus contedos, mtodos e formas de organizao e gesto,
mediante um projeto pedaggico que tem sido denominado por Kuenzer de taylorista/fordista.
(Kuenzer, 2000).
Considerar o trabalho como princpio educativo, se por um lado implica em uma
postura metodolgica que permite analisar os projetos educativos a partir das demandas dos
processos social e produtivo, os quais, no capitalismo, implicam na explorao dos
trabalhadores, por outro lado aponta para a possibilidade da construo de projetos
alternativos que atendam s necessidades dos que vivem do trabalho, o que implica buscar o
6 Hegemonia: concepo desenvolvida por Gramsci para caracterizar uma forma especfica de dominao de uma classe social sobre a outra: a dominao consentida, resultante da combinao de processos de coero exercida pelo Estado, e de consenso, desenvolvido pelas instituies que compe a sociedade civil, dentre elas a escola. Na sociedade capitalista, a hegemonia exercida pela burguesia, mediante a ideologia, tendo em vista dar coeso aos comportamentos e concepo de mundo da classe trabalhadora, tendo em vista a acumulao do capital. Ver GRAMSCI, A. Maquiavel, a poltica e o estado moderno. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1988.
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enfrentamento da escola dual mediante a construo de uma educao bsica que articule
conhecimento, cultura e trabalho.
Contudo preciso ter alguns cuidados: ver o trabalho como princpio educativo no
significa sucumbir s propostas que articulam escola e produo. Ao contrrio, como afirma
Kuenzer, a finalidade da escola que unifica conhecimento, cultura e trabalho a formao de
homens desenvolvidos multilateralmente, que articulem sua capacidade produtiva s
capacidades de pensar, de relacionar-se, de desenvolver sua afetividade, de estudar, de
governar e de exercer controle sobre os governantes. Ou seja: trabalho na perspectiva da
prxis humana e no apenas como prtica produtiva, mas, como uma das aes, materiais e
espirituais, que os serem humanos, individual e coletivamente desenvolvem, para construir
suas condies de existncia.
Ao fazer essa afirmao, a autora se refere escola nica como a proposta a ser
defendida a partir da tica dos que vivem do trabalho. Com base em Gramsci a escola
unitria, ou de formao humanista, ou de cultura geral, deveria propor-se tarefa de
propiciar a insero dos jovens na atividade social, na criao intelectual e prtica e no
desenvolvimento de uma certa autonomia de orientao e iniciativa, paralelamente s suas
conquista de desenvolvimento de um certo grau de maturidade e capacidade.
Concebida dessa forma, a escola nica de Educao Bsica, propiciar uma slida
formao geral inicial que proporcionar criana e ao jovem um desenvolvimento amplo e
harmonioso que lhes confira a capacidade de atuar intelectual e praticamente. Na primeira
etapa, hoje correspondente ao Ensino Fundamental, a escola propiciar a aquisio das
capacidades bsicas necessrias apropriao da cultura: ler, escrever, calcular, situar-se
histrica e geograficamente, bem como o desenvolvimento das primeiras noes de Estado e
Sociedade, sob a forma de direitos e deveres. Tudo isso, com uma finalidade de iniciar a
elaborao de uma nova concepo de mundo que supere as desigualdades sociais.
No artigo 32 da LDBEN, o legislador incorpora esta concepo ao definir os objetivos
do Ensino Fundamental, que poder ser organizado em ciclos:
Art. 32. O ensino fundamental obrigatrio, com durao de 9 (nove) anos, gratuito na escola pblica, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, ter por objetivo a formao bsica do cidado,mediante:I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios bsicos o pleno domnio da leitura, da escrita e do clculo;II - a compreenso do ambiente natural e social, do sistema poltico, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisio de conhecimentos e habilidades e a formao de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vnculos de famlia, dos laos de solidariedade humana e de tolerncia recproca em que se assenta a vida social. (LDBEN/1996 modificado pela Lei 11.274/2006).
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J na terceira etapa da educao bsica (ensino mdio), a mesma concepo constitui-
se na idia/concepo de escola nica, em fase transitria, de fundamental importncia para a
formao da autodisciplina intelectual e da autonomia moral, valores fundamentais para a
constituio de uma nova sociedade e base necessria para a especializao posterior, tanto na
Universidade quanto no processo produtivo. Nessa fase, outra orientao ser necessria em
substituio ao dogmatismo da fase anterior possibilitando o trabalho criador,
predominantemente autnomo e independente, que se desenvolver com o apoio de
bibliotecas e laboratrios e por meio de seminrios e debates. (Gramsci, 1978).
Essa concepo conduz ao conceito de politecnia, que, como afirma Saviani, toma
como pressuposto a possibilidade de que o processo de trabalho e o processo educativo dele
decorrente, desenvolvam-se de modo a assegurar a indissociabilidade entre atividades
manuais e intelectuais. O conceito de politecnia, que significa no o domnio de todas as
tcnicas e sim o domnio intelectual da tcnica, encontra suporte em Gramsci (1978), que, ao
apontar o trabalho como princpio educativo, afirma no existir, no trabalho humano, a
possibilidade de dissociao entre o trabalho manual e o intelectual, medida que, mesmo no
trabalho fsico mais brutal e repetitivo, o pensamento se faz presente.
O compromisso com uma educao bsica pblica e de qualidade, ao ter como
princpio educativo o trabalho, implica desenvolver um percurso educativo em que estejam
presentes e articuladas as duas dimenses, a terica e a prtica, em todos os momentos da
formao, contemplando ao mesmo tempo slida formao cientfica, cultural e tecnolgica,
sustentadas em um consistente domnio das linguagens e dos conhecimentos scio-histricos.
Isso significa afirmar que, a proposta poltico-pedaggica da Educao Bsica ter como
finalidade o domnio intelectual da tecnologia, a partir da cultura, contemplando o currculo
de forma terico-prtica em seus fundamentos, bem como os princpios cientficos e
linguagens das diferentes tecnologias que caracterizam o processo de trabalho
contemporneo, em suas relaes com a cultura, considerados sua historicidade. Dessa forma,
permitir ao aluno da educao bsica, compreender os processos de trabalho em suas
dimenses cientfica, tecnolgica, cultural e social, como parte das relaes sociais.
Essa concepo tambm est presente na LDBEN, no artigo 1o quando afirma que a
educao abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na
convivncia humana, no trabalho, nas instituies de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizaes da sociedade civil e nas manifestaes culturais.
Da mesma forma, o art. 35, ao definir as finalidades do ensino mdio, revela a
mesma concepo, uma vez que essa etapa da educao bsica, alm de propiciar a
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consolidao e o aprofundamento dos conhecimentos e capacidades cognitivas adquiridos no
ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos, dever promover:
- a preparao bsica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condies de
ocupao ou aperfeioamento posteriores;
- o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formao
tica e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crtico;
- a compreenso dos fundamentos cientfico-tecnolgicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prtica, no ensino de cada disciplina.
Ao referir-se ao currculo do ensino mdio, o art. 36 dispe em seus incisos que este
observar as seguintes diretrizes:
- destacar a educao tecnolgica bsica, a compreenso do significado da
cincia, das letras e das artes; o processo histrico de transformao da sociedade e da cultura;
a lngua portuguesa como instrumento de comunicao, acesso ao conhecimento e exerccio
da cidadania;
- adotar metodologias de ensino e de avaliao que estimulem a iniciativa dos
estudantes;
- ser includa uma lngua estrangeira moderna, como disciplina obrigatria,
escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em carter optativo, dentro das
disponibilidades da instituio.
- sero includas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatrias em
todas as sries do ensino mdio. (Item includo pela Lei n 11.684, de 2008)
Ainda o 1 desse mesmo artigo determina que os contedos, as metodologias e as
formas de avaliao sero organizados de tal forma que ao final do ensino mdio o educando
demonstre:
- domnio dos princpios cientficos e tecnolgicos que presidem a produo
moderna;
- conhecimento das formas contemporneas de linguagem.
2.2 Do taylorismo/fordismo s novas formas de organizao do trabalho na
sociedade contempornea: novas exigncias para a Educao Bsica.
As mudanas ocorridas no mundo do trabalho tm apontado novas direes para a
construo do Projeto Poltico Pedaggico escolar, e em particular para a Educao Bsica.
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Partindo do pressuposto de que cada etapa de desenvolvimento das foras produtivas
determina a forma de educao dos intelectuais que vo exercer as funes fundamentais
produo material e no material e conferir unidade e coeso ao projeto hegemnico, h que
considerar que as mudanas ocorridas no mundo do trabalho configuram novas bases
materiais a exigir um novo tipo de intelectual, que a pedagogia nascida das formas
tradicionais de organizao e gesto da vida social e produtiva j no consegue formar.
A comprovao da veracidade desta afirmao est na crise em que esto imersas as
escolas de todos os nveis em todos os pases do mundo. Evidentemente no Brasil essa crise
assume contornos mais dramticos em virtude da no democratizao da educao em todos
os nveis, como demonstra os indicadores educacionais que nos colocam entre os piores do
mundo. O pas, portanto, tem duas ordens de problemas a enfrentar: a universalizao da
Educao Bsica e a reformulao do Projeto Poltico Pedaggico escolar. As presentes
Orientaes tm por finalidade enfrentar esta segunda questo.
O desafio a ser enfrentado, como mostram as pesquisas que tm sido realizadas sobre
as novas demandas de educao a partir das mudanas no mundo do trabalho, est em
desenvolver prticas pedaggicas que permitam estabelecer novas relaes entre o homem e o
conhecimento, diferentes das estabelecidas pelo taylorismo/fordismo7.
O princpio educativo que decorre da forma taylorista/fordista de organizao e gesto
do trabalho, dominante at 1980, tinha por finalidade atender a uma diviso social e tcnica
do trabalho em que a fronteira entre trabalho manual e intelectual claramente demarcada.
Em decorrncia, a relao entre o homem e o conhecimento era determinada pelo lugar que
cada um ocupava na hierarquia do trabalho coletivo. Os trabalhadores responsveis pelas
aes instrumentais estabeleciam relaes com o conhecimento atravs do fazer, uma vez que
as caractersticas do processo produtivo, dividido, relativamente estvel e de base rgida,
atrelavam o trabalhador a uma ocupao determinada, praticamente durante toda a sua vida
laboral.
Esse trabalhador, que precisava de pouca escolaridade e muita experincia,
desenvolvia a sua competncia memorizando e repetindo as aes tpicas de sua tarefa, do que
resultavam destrezas psicofsicas, tais como acuidade auditiva, visual, coordenao motora
fina, fora fsica, resistncia ao trabalho repetitivo, concentrao e assim por diante. As
habilidades cognitivas superiores no eram demandadas, em funo do que ele pouco se
relacionava com o conhecimento cientfico-tecnolgico e scio-histrico. Como a diviso do
trabalho exigia que os trabalhadores operacionais dominassem fazeres geralmente
7 Ver KUENZER, op. cit
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fragmentados, no se exigia deles que dominassem os princpios terico-metodolgicos que
fundamentavam a sua prtica.
O princpio educativo que determinou o projeto pedaggico taylorista/fordista, ainda
dominante em nossas escolas, deu origem s tendncias pedaggicas conservadoras em suas
distintas manifestaes, que sempre se fundaram na diviso entre pensamento e ao, a partir
da distribuio diferenciada do conhecimento. O que era estratgico para a classe dominante,
que mantinha o monoplio do saber cientfico, no podia ser democratizado, j que o acesso
aos nveis superiores de ensino sempre foram controlados, com a intervenincia do Estado
que mantinha a oferta de ensino superior gratuito nos limites das demandas do capital, por
meio de um sistema educacional que se caracterizava pela seletividade.
Essa pedagogia foi dando origem a projetos poltico-pedaggicos ora centrados nos
contedos, ora nas atividades, sem propiciar relaes entre o aluno e o conhecimento que
integrassem efetivamente contedo e mtodo, ou mesmo se constitussem em mediaes
significativas que se concretizassem em aprendizagem. Dessa forma, no chegavam a
propiciar o domnio intelectual das prticas sociais e produtivas para a maioria do alunado,
que iria complementar sua educao para o trabalho em cursos especficos, treinamentos ou
atravs da prtica no prprio trabalho. Relaes significativas entre o aluno e a cincia s
iriam ocorrer nos cursos superiores, para os poucos que demonstrassem mrito.
Em decorrncia de sua desvinculao da prtica social e produtiva, a seleo dos
contedos obedecia a critrios formais fundados na lgica positivista, em que, cada objeto do
conhecimento, origina uma especialidade que desenvolve seu prprio quadro conceitual e se
desvincula dos outros objetos e da prtica que o gerou.
Concebidos dessa forma, os diferentes ramos da cincia deram origem a propostas
curriculares onde as disciplinas eram rigidamente organizadas e sequenciadas segundo sua
prpria lgica. Os contedos assim organizados eram repetidos, ano aps ano, de forma linear
e fragmentada, predominantemente por meio do mtodo expositivo combinado com a
realizao de atividades que iam da cpia de parcelas de texto resposta padronizada de
questes, em que mais importava cumprir a tarefa do que estabelecer profcua relao com o
conhecimento, tanto para o aluno quanto para o professor.
Para um processo produtivo estvel no qual a maioria desempenharia tarefas parciais e
repetitivas decididas por especialistas, tinha lgica ser a memorizao de procedimentos nem
sempre compreendidos, atravs de exerccios de fixao, a habilidade cognitiva fundamental.
Nesse contexto, a avaliao s poderia ser a verificao do que foi memorizado, por um
avaliador externo ao processo, tal como faziam os inspetores de qualidade nos processos
produtivos taylorizados. Nos processos pedaggicos tradicionais, os diretores de escola
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faziam exames orais de leitura e as provas eram preparadas por especialistas ou inspetores,
sem a participao do professor, que tambm era avaliado.
Embora nos processos pedaggicos mais recentes o professor passe a avaliar usando
um nmero maior de procedimentos que podem incluir a autoavaliao, a lgica permanece
a mesma: o controle externo e pontual daquilo que foi memorizado ou automatizado.
A essas categorias da pedagogia taylorista/fordista somavam-se outras, que tambm
contribuiriam para definir contedos e mtodos: uma concepo unilateral de homem, cuja
inteligncia exclusivamente lgico-formal, fruto de uma concepo que considera apenas a
dimenso cognitiva como constitutiva do ser humano. Consequentemente, uma viso de
comportamento como obedincia s ordens, submisso, disciplina e cumprimento das
responsabilidades, leva a considerar o comportamento divergente como patolgico, que deve
ser tratado, e uma concepo de espao escolar como ambiente rigidamente normatizado,
onde as decises so centralizadas em uma autoridade superior.
Essa proposta pedaggica expressa uma concepo de educao como pr-
disciplinamento, tendo em vista as caractersticas de um processo social e produtivo
fortemente marcado pela estabilidade e rigidez, a demandar respostas socialmente
estabelecidas e relativamente uniformes para situaes geralmente conhecidas, em que o
espao para a criatividade e para a originalidade era restrito a atividades de natureza
intelectual, decorrentes do exerccio das funes de direo tcnica e poltica, portanto, para
poucos. Foi, ao longo dos anos, reconhecidamente orgnica s demandas de uma sociedade
cujo modo dominante de produo, a partir de uma rigorosa diviso entre as tarefas
intelectuais e as operacionais, caracterizava-se por uma tecnologia de base rgida,
relativamente estvel, que demandava comportamentos operacionais pr-determinados e com
pouca variao.
Compreender os movimentos necessrios a cada operao, memoriz-los e repeti-los
ao longo do tempo, no exigia outra formao escolar e profissional a no ser o
desenvolvimento da capacidade de memorizar conhecimentos e repetir procedimentos em
uma determinada sequncia.
A globalizao da economia e a reestruturao produtiva, princpios organizadores do
novo padro de acumulao capitalista a partir dos anos 80, transformaram radicalmente essa
situao, imprimindo vertiginosa dinamicidade s mudanas que ocorrem no processo
produtivo, a partir da crescente incorporao de cincia e tecnologia em busca de
competitividade. So descobertos novos materiais, criados novos procedimentos e
equipamentos. Os processos de trabalho de base rgida, fundamentados na eletromecnica e
adequados a situaes pouco dinmicas, cedem lugar a processos com base microeletrnica,
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que asseguram amplo espectro de solues possveis, desde que haja domnio da cincia e da
tecnologia pelo trabalhador. Os sistemas de comunicao disponibilizam toda a sorte de
informaes em tempo real.
Em decorrncia, passa-se a exigir um cidado/trabalhador que tenha mais
conhecimentos, saiba comunicar-se adequadamente, trabalhe em equipe, avalie seu prprio
trabalho, adapte-se a situaes novas, crie solues originais, e, de quebra, seja capaz de
educar-se permanentemente.
A produo flexvel8 passa a exigir que os cidados/trabalhadores tenham autonomia
intelectual para resolver problemas usando o conhecimento cientfico, autonomia moral para
enfrentar situaes que exijam posicionamento tico e compromisso com o trabalho.
Do ponto de vista da construo da nova proposta pedaggica para a Educao Bsica,
essas mudanas trazem novos desafios. Sem sombra de dvida, a exigncia de mais domnio
de conhecimentos cientfico-tecnolgicos e do desenvolvimento de competncias cognitivas
complexas atravs da expanso da escolaridade, principalmente na etapa correspondente ao
ensino mdio, positiva. O problema que no , necessariamente, para todos.
A escola, no entanto, no pode continuar assumindo a funo de distribuir
desigualmente o saber em face da diviso entre atividades intelectuais e manuais, tal como
ocorria, e ainda ocorre, na sociedade global, que no superou o paradigma taylorista/fordista,
embora ele no seja mais dominante. Ao contrrio, ela deve projetar-se para as futuras
transformaes, preparando os jovens para enfrentar a excluso e ao mesmo tempo, atravs da
organizao coletiva, super-la.
A partir dessa anlise, uma primeira concluso se impe: no possvel enfrentar os
novos desafios com a proposta pedaggica do taylorismo/fordismo. Ao contrrio, preciso
um novo projeto poltico-pedaggico comprometido com a formao humana em sua
integralidade, que prepare as crianas e os jovens para ao mesmo tempo, enfrentar os desafios
da vida social e da vida produtiva.
Para tanto, a proposta de Educao Bsica dever contemplar:
- os princpios cientficos gerais sobre os quais se fundamentam os processos
sociais, culturais e produtivos;
- as habilidades tecnolgicas bsicas;
- as formas de linguagem prprias das diferentes atividades sociais e produtivas;
- as categorias de anlise que propiciem a compreenso histrico-crtica da sociedade
e das formas de atuao do homem, como cidado e trabalhador, sujeito e objeto da histria.
(Kuenzer, 1997).8 Ver nota 5.
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A rigidez ser substituda pela maleabilidade, a unidade de respostas pela convivncia
com a pluralidade, a intransigncia pela construo da unidade na diversidade.
Assim compreendida a Educao Bsica, a sua concretizao implica em intensivo
trabalho coletivo dos profissionais da educao que atuam em todos as suas etapas
especificidades e modalidades e na implementao de polticas pblicas que objetivem a
formao humana, na perspectiva da incluso social.
2.3 Os princpios metodolgicos
Como evidenciou-se no item anterior, um dos grandes desafios postos Educao
Bsica pelas mudanas no mundo do trabalho a superao da pedagogia taylorista/fordista,
cujos princpios so a separao entre formao intelectual e formao prtica, a
fragmentao da formao, a memorizao atravs da repetio, a nfase nas dimenses
psicomotoras e cognitivas, ou seja, no desenvolvimento de capacidades lgico-formais, sem a
considerao da dimenso afetiva, ou comportamental.
Sem desconsiderar essas dimenses, mas rearticulando-as em uma concepo que
tome o processo educativo em sua dimenso de totalidade a partir de uma concepo histrica
de homem em sua integralidade, que o compreenda como sntese do desenvolvimento social e
individual, e, nesse sentido, como sntese entre a objetividade das relaes sociais e
produtivas e as subjetividades, h que se construir um processo educativo que o leve a
dominar as diferentes linguagens, desenvolver o raciocnio lgico e a capacidade de usar
conhecimentos cientficos, tecnolgicos, scio-histricos e culturais para compreender e
intervir na vida social e produtiva de forma crtica e criativa, construindo identidades
autnomas intelectual e eticamente, capazes de continuar aprendendo ao longo de suas vidas.
Assim, a pedagogia dever permitir ao aluno compreender que, mais do que dominar
contedos dever aprender a se relacionar com o conhecimento de forma ativa, construtiva e
criadora.
Torna-se necessrio, portanto, discutir a questo do mtodo. Como ponto de partida
preciso apontar que no se trata de discutir procedimentos didticos ou uso de materiais, mas
a prpria relao que o aluno estabelecer com o conhecimento em situaes planejadas pelo
professor ou em situaes informais. Adentramos, pois, no terreno da epistemologia, em que
estabelecer consensos no tarefa simples.
Sem a inteno de impor uma concepo epistemolgica, buscar-se- delinear os
pressupostos que tm orientado os profissionais comprometidos com a transformao das
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relaes sociais que esto dadas, na perspectiva da emancipao humana e da construo de
uma sociedade mais justa e igualitria.
Com base no entendimento de que o trabalho cientfico necessita, tanto de regras
rigorosas de deduo, como de sistemas de categorias que sirvam de base imaginao
produtiva e atividade criadora do pensamento, no domnio dos novos objetos a serem
conhecidos, compreendemos que a metodologia da cincia no se esgota no pensamento
lgico-formal, cuja finalidade mostrar as leis sincrnicas do conhecimento atravs da lgica
simblica. Ser preciso complement-la com outra lgica, no racional, oriunda de
percepes, sentimentos e intuies que permitam apreender o novo.
Dessa forma compreende-se que o mtodo de produo do conhecimento um
movimento, no um sistema filosfico fechado, que leva o pensamento a transitar
continuamente entre o abstrato e o concreto, entre a forma e o contedo, entre o imediato e o
mediato, entre o simples e o complexo, entre o que est dado e o que se anuncia. Esse
movimento de ascenso das primeiras e precrias abstraes compreenso da rica e
complexa teia das relaes sociais concretas, no apenas a passagem do plano sensvel, em
que tudo caoticamente intudo ou percebido, para o plano racional dos conceitos que se
organizam em sistemas lgicos e inteligveis.
Desse movimento decorre uma concepo metodolgica que pode ser sistematizada da
seguinte forma:
- o ponto de partida sincrtico, nebuloso, pouco elaborado, senso comum; o ponto de
chegada uma totalidade concreta, onde o pensamento re-capta e compreende o contedo
inicialmente separado e isolado do todo; sempre sntese provisria, essa totalidade parcial ser
novo ponto de partida para outros conhecimentos;
- os significados vo sendo construdos atravs do deslocamento incessante do
pensamento das primeiras e precrias abstraes que constituem o senso comum, para o
conhecimento elaborado atravs da prxis, que resulta no s da articulao entre teoria e
prtica, entre sujeito e objeto, mas tambm entre o indivduo e a sociedade em um dado
momento histrico;
- o percurso vai do ponto de partida ao ponto de chegada, possuindo uma dupla
determinao, finita ou infinita; pode-se buscar o caminho mais curto ou se perder, marchar
em linha reta, seguir uma espiral ou manter-se no labirinto; ou seja, construir o caminho
metodolgico parte fundamental do processo de elaborao do conhecimento; no h um
nico caminho para se chegar a uma resposta, como h vrias respostas possveis para o
mesmo problema.
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Essa concepo compreende o processo de produo do conhecimento como resultante
da relao entre o homem e as relaes sociais em seu conjunto, atravs da atividade humana.
O ponto de partida para a produo do conhecimento, portanto, so os homens em sua
atividade prtica, aqui compreendido como o trabalho, em todas as formas da atividade
humana por meio das quais o homem apreende, compreende e transforma as circunstncias,
ao mesmo tempo em que transformado por elas. Em sntese, o trabalho compreendido como
prxis humana, portanto, o eixo sobre o qual ser construda a proposta poltico-pedaggica,
que integrar trabalho, cincia e cultura, atravs de criteriosa seleo de contedos e de seu
tratamento metodolgico.
Portanto, trata-se de uma concepo epistemolgica que rejeita tanto o entendimento
que o conhecimento se produz atravs da mera contemplao, como se bastasse observar a
realidade para apreender o que nela est naturalmente e a priori inscrito, como o
entendimento que o conhecimento mero produto de uma conscincia que pensa a realidade,
mas no nela e a partir dela, porm metafisicamente elaborada.
As duas concepes acima descritas predominam nos processos pedaggicos em geral
em que, quem ensina, considera-se iluminado pela posse do conhecimento que j encontra
elaborado. Dificilmente analisa e critica, estuda e prepara. Exaure-se em explicaes que o
educando deve ouvir, absorver e repetir, mais como um ato de f do que como resultado de
sua prpria elaborao. Com o intuito de simular situaes prticas, o aluno deve fazer
exerccios, resumos ou outras atividades, sempre repetindo uma lgica e uma trajetria que
no a sua, mas a expresso da relao que o professor, em seu modo singular de conhecer,
estabeleceu com o objeto a ser conhecido.
As mudanas que decorrem desse processo de anlise, reforam a necessidade da
superao de uma concepo de cincia enquanto um conjunto de verdades, ou sistemas
formais de natureza cumulativa, em nome da compreenso de que as teorias cientficas que se
sucedem ao longo da histria so modelos explicativos parciais e provisrios de determinados
aspectos da realidade.
Particularmente no final desse sculo, esses modelos que se superam com especial
dinamismo, passam a exigir o desenvolvimento da capacidade individual e coletiva de
relacionar-se com o conhecimento de forma crtica e criativa, substituindo a certeza pela
dvida, a rigidez pela flexibilidade, a recepo passiva pela atividade permanente na
elaborao de novas snteses que possibilitem a construo de condies de existncia cada
vez mais democrticas e de qualidade. Em decorrncia, se as formas tradicionais de relao
com o conhecimento que se pautavam na absoro passiva de contedos parciais formalmente
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organizados j eram criticadas de longa data, nessa etapa elas so inadmissveis, at mesmo
por demanda do desenvolvimento capitalista.
H que apontar, ainda, para o fato de que a seqncia metodolgica preleo, fixao,
avaliao, toma por objeto o conhecimento sistematizado no seu mais alto grau de abstrao
e generalidade, o que equivale dizer, como resultado final de um processo de construo que
articulou inmeros e diversificados movimentos do pensamento coletivo e deu-se em um
determinado tempo e espao para satisfazer a uma determinada necessidade da existncia
humana. Descolado desse movimento e dessa prtica, e, portanto, de sua historicidade, esse
conhecimento dificilmente ter significado para um estudante que recebeu a tarefa de
incorpor-lo a partir de sua expresso mais formalizada e esttica, enquanto formulao
terica. Da as crticas feitas escola sobre a sua dificuldade de ensinar os alunos a
relacionarem os contedos das disciplinas com as relaes sociais e produtivas, que
constituem sua existncia individual e coletiva.
Da mesma forma, a dinamicidade da produo cientfico-tecnolgica contempornea
aponta para um princpio educativo que, sem chegar ao exagero de tomar os contedos como
pretexto, privilegia a relao entre o que precisa ser conhecido e o caminho que precisa ser
trilhado para conhecer. Prioriza-se assim a relao entre contedo e mtodo, na perspectiva da
construo da autonomia intelectual e tica.
Se o homem s conhece aquilo que objeto de sua atividade, e conhece porque atua
praticamente, a produo ou apreenso do conhecimento produzido no pode se resolver
teoricamente atravs do confronto dos diversos pensamentos. Para mostrar sua verdade, o
conhecimento tem que adquirir corpo na prpria realidade, sob a forma de atividade prtica, e
transform-la. A partir dessa afirmao, h duas dimenses a considerar.
A realidade, as coisas, os processos, so conhecidos somente na medida em que so
criados, reproduzidos no pensamento, adquirindo assim significado. Essa recriao da
realidade no pensamento um dos muitos modos de relao sujeito/objeto, cuja dimenso
mais essencial a compreenso da realidade enquanto relao humano/social. Em
decorrncia, a relao entre o aluno e o conhecimento antes construo de significados do
que construo de conhecimentos, posto que esses resultam de um processo de produo
coletiva que se d por todos os homens ao longo da histria.
Em segundo lugar, preciso considerar que a prtica no fala por si mesma; os fatos
prticos, ou fenmenos, tm que ser identificados, contados, analisados, interpretados, j que
a realidade no se deixa revelar atravs da observao imediata; preciso ver alm da
imediaticidade para compreender as relaes, as conexes, as estruturas internas, as formas de
organizao, as relaes entre parte e totalidade, as finalidades, que no se deixam conhecer
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em um primeiro momento quando apenas se percebem os fatos superficiais, aparentes, que
ainda no se constituem em conhecimento. O ato pois de conhecer, no prescinde do trabalho
intelectual, terico, que se d no pensamento e que se debrua sobre a realidade a ser
conhecida. Os significados so construdos nesse movimento do pensamento, que partindo
das primeiras e imprecisas percepes para relacionar-se com a dimenso emprica da
realidade que se deixa parcialmente perceber, por aproximaes sucessivas, cada vez mais
especficas, e, ao mesmo tempo, mais amplas.
Nesse processo, portanto, para que seja possvel a aproximao produtiva da prtica na
perspectiva da produo do conhecimento, preciso alimentar o pensamento com o que j
conhecido, quer ao nvel do senso comum, quer do conhecimento cientfico, com contedos e
categorias de anlise que permitam identificar e delimitar o objeto a ser conhecido e traar o
caminho metodolgico para chegar a conhecer. Esse trabalho terico, que por sua vez no
prescinde da prtica, que determinar a diferena entre trilhar o caminho mais curto ou
permanecer no labirinto. ele tambm que determinar a diferena entre prtica enquanto
repetio reiterada de aes que deixam tudo como est, e prxis enquanto processo resultante
do contnuo movimento entre teoria e prtica, entre pensamento e ao, entre velho e novo,
entre sujeito e objeto, entre razo e emoo, entre homem e humanidade, que produz
conhecimento e por isso revoluciona o que est dado, transformando a realidade.
Finalmente, h que observar que esse processo no apenas racional, nele intervindo
afetos e valores, percepes e intuies, que embora fruto das experincias inscreve-se no
mbito das emoes, ou seja: no campo do sentido, do irracional. Dessa perspectiva, o ato de
conhecer resulta do desejo de conhecer, de uma vasta e por vezes impensvel gama de
motivaes e profundamente significativo e prazeroso enquanto experincia humana.
Do ponto de vista metodolgico, de fundamental importncia reconhecer que a
relao entre o homem e o conhecimento d-se mediada pela linguagem, em suas mltiplas
formas de manifestao: a lngua, a matemtica, as artes, a informtica. Uma das grandes
contribuies das teorias scio-interacionistas reside em apontar a interao que existe entre
as linguagens, a constituio de conceitos e o desenvolvimento das capacidades cognitivas
complexas.
Segundo Vygotski, (1984), a cultura fornece aos indivduos os sistemas simblicos de
representao e suas significaes, que se convertem em organizadores do pensamento,
instrumentos aptos para representar a realidade.
As linguagens, portanto, estabelecem as mediaes entre o aluno e o conhecimento de
todas as reas, bem como entre a situao na qual o conhecimento foi produzido e as suas
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novas formas de utilizao na prtica. Tambm pela linguagem que o conhecimento tem
conscincia de si mesmo, diferenciando-se do senso comum.(Vygotsky, 1984).
A questo que se apresenta, como fazer para que a autoridade do professor, no
sentido da sua relao com o conhecimento e do seu desenvolvimento cognitivo, seja usada
no para impor as suas idias, mas para propor situaes problemticas que tirem o aluno da
inrcia e o levem a sentir necessidade de reelaborar o conhecimento, pondo em ao suas
prprias conceituaes, mesmo que errneas, e de confront-las com outros conhecimentos,
at que construa respostas satisfatrias.
As consideraes de ordem epistemolgica e metodolgica aqui levadas a efeito
podem ser sintetizadas em um conjunto de pressupostos a ser considerado na elaborao do
Projeto Poltico Pedaggico para todos os nveis e modalidades de ensino:
1. O Conhecimento fruto da atividade humana, compreendida em sua dimenso
prxica, resultante da articulao entre sujeito e objeto, pensamento e ao, teoria e prtica,
homem e sociedade. No h conhecimento fora da prxis. Portanto, h que superar o trabalho
escolar enquanto contemplao, absoro passiva de sistemas explicativos complexos
desvinculados do movimento da realidade histrico-social, organizando o professor situaes
significativas de aprendizagem onde estas dimenses estejam articuladas, possibilitando, em
particular, a insero do aluno na prtica social de sua comunidade, para que ele possa
dimensionar a possibilidade de transformao a partir do conhecimento, do compromisso
poltico e da organizao.
2. O conhecimento a compreenso das leis que regem os fenmenos, no apenas
em um dado momento, mas no movimento de sua transformao. Assim, o mtodo a busca
do movimento, das interrelaes, das estruturas que regem os fenmenos em suas mltiplas
determinaes, na sua concreticidade reproduzida pelo pensamento.
3. O Conhecimento de fatos ou fenmenos o conhecimento do lugar que eles
ocupam na totalidade concreta. Se, para conhecer, preciso operar uma ciso no todo,
isolando temporariamente os fatos, este processo s ganha sentido enquanto momento que
antecede reunificao do todo a partir de uma compreenso mais ampliada das relaes
entre parte e totalidade. Pela anlise da parte atinge-se uma sntese qualitativamente superior
do todo; parte e totalidade, anlise e sntese, so momentos entrelaados na construo dos
conhecimentos. Essa categoria mostra a falcia da autonomizao das partes em que foi
dividida a cincia, a serem ensinadas apenas lgico-formalmente, atravs de sua apresentao,
memorizao e repetio, segundo uma seqncia rigidamente estabelecida; ao contrrio,
indica a necessidade de articulao entre os diversos campos atravs da inter e da
transdisciplinaridade, ao mesmo tempo em que ocorrem aprofundamentos em campos
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especficos do conhecimento. Melhor explicando, organizar o processo pedaggico escolar, e,
em decorrncia, organizar a prpria escola, de modo a articular momentos disciplinares,
absolutamente necessrios enquanto resposta necessidade de formalizao, a momentos
inter ou transdisciplinares, enquanto espaos de articulao com as prticas sociais, culturais,
polticas e produtivas.
4. O Conhecimento produzido ou apropriado atravs do pensamento que se move
do mais simples para o mais complexo, do imediato para o mediato, do conhecido para o
desconhecido, de uma viso confusa e sincrtica do todo, para o conhecimento mais profundo
e substancial dos fenmenos da realidade que ultrapassa a aparncia para deixar ver as
conexes, as relaes internas, as dimenses estruturais e formas de funcionamento, no
sentido da aproximao da verdade. H que se colocar, portanto, a importncia do ponto de
partida, que no poder ser o conhecimento em sua forma mais abstrata, organizado em
rgidos sistemas tericos, em que os contedos aparecem rigorosa e formalmente organizados.
O ponto de partida uma situao ou conhecimento de domnio do educando e, sempre que
possvel, sob a forma de problema, indagao ou desafio que mobilize suas energias mentais e
capacidades cognitivas tendo em vista a produo de uma resposta a partir da busca de
informaes, de discusses com os pares, com o professor ou com membros da comunidade,
no sentido de superar o senso comum em busca do conhecimento cientfico. Para que tal
acontea, alm de exercer seu papel de organizador de atividades mediadoras, propondo
questes, disponibilizando informaes, discutindo e orientando, o professor dever ser um
estimulador de motivaes e desejos. Para que o processo ocorra, no basta a conscincia da
necessidade de conhecer, preciso ter o desejo de faz-lo. E tudo isso leva tempo. Um aluno
no passa de um estado de relativa ignorncia sobre um tema para o seu conhecimento no
curto espao de uma aula, atravs de uma exposio ou de uma nica atividade. Isto significa
proceder a uma mudana radical na concepo curricular: desviar o enfoque da quantidade de
contedos a aprender para o da qualidade dos processos que conduzam construo de
significados e ao desenvolvimento das capacidades cognitivas complexas atravs no s da
aprendizagem de conhecimentos, mas do exerccio do mtodo cientfico.
5. O Conhecimento exige o desenvolvimento da capacidade de construir o caminho
metodolgico atravs da compreenso da relao entre concreto e abstrato e entre lgico e
histrico. J se afirmou anteriormente que o pensamento, no processo de conhecer, parte de
precrias e provisrias abstraes resultantes de saberes e experincias anteriores, para,
atravs de uma profunda imerso na realidade emprica, atingir outro patamar de compreenso
dessa mesma realidade, que Kosik9 denomina de real pensado, ou seja, agora conhecido. No
9 Ver KOSIK, op. cit.
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processo de conhecer, portanto, o pensamento transita das primeiras abstraes para o real
pensado (concreto) atravs da mediao do emprico, voltando sempre ao ponto de partida
porm, em nveis superiores de abstrao, ou seja: de compreenso, de sistematizao. Ao
buscar o conhecimento, portanto, o educando precisa dominar o mtodo, enquanto resultado
da articulao de momentos no lineares, mas de idas e vindas que transitam da identificao
do problema e de seu recorte busca de referncias tericas de informaes em distintas
fontes, at que se chegue construo da resposta procurada. Nesse processo de construo
do caminho metodolgico, h que se considerar a relao entre as dimenses lgica e histrica
na produo do conhecimento. Por histrico entende-se o objeto em processo de construo
no transcurso de seu desenvolvimento em tempo real, com toda a sua complexidade e
contradies. Por lgico entende-se o esforo do pensamento em sistematizar, ordenar o
movimento histrico, atribuindo-lhe forma, de modo a apresent-lo com clareza em tempo
virtual. O movimento histrico no linear; cheio de desvios, catico e desordenado. O
lgico ordena o histrico, pe-lhe racionalidade, recupera-lhe a coerncia. O histrico
corresponde ao momento da investigao; o lgico, ao da exposio. O domnio das formas
metodolgicas que correspondem a estas duas lgicas, diferentes, mas, complementares,
parte constitutiva do processo de produo/apropriao do conhecimento, fundamental para o
desenvolvimento da autonomia moral e intelectual. o desenvolvimento dessa capacidade
que conferir especificidade ao Ensino Mdio enquanto etapa final da educao bsica.
6. O Conhecimento dever promover a passagem da aceitao da autoridade para a
autonomia, na perspectiva da autonomia tica, permitindo que o sujeito avance para alm dos
moldes sociais em suas atividades, criando novas possibilidades fundadas em slidos
argumentos, sem ferir as constries sociais necessrias vida coletiva. Isso significa
possibilitar a passagem de um estgio onde as normas so obedecidas em funo de
constrangimentos externos, para um estgio onde as normas so reelaboradas e internalizadas
a partir do convencimento de que elas proc
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