as constituições do brasil
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DIREITO CONSTITUCIONAL
As Constituições do Brasil De 1.824 a E.C. de 1.969.
por Igor Dias
AS CONTITUIÇÕES DO BRASIL - DE 1824 A E.C. 1969 RGM 1340697 | Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL)
Igor Dias
5
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 6
AS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS .................................................................................................... 7
C.F. DE 1824 E O BRASIL IMPÉRIO ............................................................................................... 7
C.F. DE 1891 – A PRIMEIRA REPUBLICANA .............................................................................. 11
A CONSTITUIÇÃO DE 1934 ............................................................................................................ 16
O ESTADO NOVO E A CONSTITUIÇÃO DE 1937 ...................................................................... 20
A CONSTITUIÇÃO DE 1946 ............................................................................................................ 24
1964, O ANO DITATORIAL, A CONSTITUIÇÃO DE 1967 E A EC DE 1969 ........................... 28
História ............................................................................................................................................. 29
O aspecto legal do Regime Militar ............................................................................................... 32
E. C. 1969 – Constituição ou não, eis a questão ...................................................................... 36
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ............................................................................................ 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 43
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................... 45
ANEXOS .............................................................................................................................................. 47
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INTRODUÇÃO
No ordenamento jurídico como um todo, a constituição é a le i
maior entre as leis de um país. Isso por seu caráter de organizar o
Estado e garant ir direitos a todos os integrantes desse Estado, quer
sejam natos, natural izados ou estrangeiros. A própria Constituição
Federal vigente no Brasil desde 1988, traz em seu corpo, no art. 5º a
declaração de que todos são iguais perante a lei, surgindo, assim, um
dos principais princípios norteadores no Direito Brasileiro.
Art . 5 º Todos são iguais p eran te a l e i , sem d is t i nçã o de
qual quer natu reza , ga rant indo-se aos bras i l e i ros e aos
es t range i ros res identes n o Pa ís a inv io lab i l id ade do
d i re i t o à v ida , à l i be rdad e, à igua ldade, à segurança e à
p ropr ied ade, nos ter mos segui ntes :
Essa igualdade de direitos estende-se a brasi leiros e
estrangeiros (a toda a população brasileira), conferindo-lhes o direito à
vida, igualdade, à segurança e à propriedade. É, sem dúvidas, um
marco de grande expressão, analisando-se a contextualização histórica
vivenciada pelo país, que viveu por anos à sombra de uma Ditadura
Mili tar de grande expressividade e de punhos extremamente rígidos.
E, na história do Direito Const itucional brasi leiro, as
características de cada uma das ”cartas” const itucionais vêm
demarcadas nas letras do texto const itucional de cada uma delas. Um
bom exemplo disso e que permite verif icar essas diferenças se dá com
os textos outorgados e os promulgados. As Constituições promulgadas
têm caráter mais democrático, dada sua estrutura e sua f isiologia
morfológica própria; já as outorgadas, carregadas de caráter imperat ivo
desde sua concepção, visto que são uni laterais (uma vez que não tem
o caráter democrático em sua ideia, concepção, feitura,
desenvolvimento e aplicação), mostram características históricas
singulares de um país que viveu, em boa parte, sob a mão de
dirigentes cuja vida pública foi pautada e regrada pela ditadura. E isso
f ica óbvio, por exemplo, em 1964 após o golpe mil itar que destitui a
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democracia brasi leira, estendendo-se até a promulgação da atual
constituição, t ida como uma das mais democrát icas e mais sociais por
alguns doutrinadores.
AS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS
Basicamente, a atual Constituição é a mais cidadã de todas as
que vigoraram no país. Fora promulgada no governo de José Sarney,
hoje Senador Federal. É a sétima1 na l inha histórica do Brasil e um dos
mais importantes instrumentos posit ivos do ordenamento jurídico, tendo
caráter analít ico, isto é, trata de temas específicos da organização do
Estado, garant indo direitos, mas, ainda, sobre outros temas diversos
em sua extensão.
Mas, num primeiro momento, vejamos, na História, a respeito
dessa discipl ina e como se desenvolveu até que chegássemos à
Constituição Cidadã.
C.F. DE 1824 E O BRASIL IMPÉRIO
A primeira Constituição, outorgada em 1824 por D. Pedro I, foi
um dos primeiros e mais importantes mecanismos legais do Brasil, que,
recentemente, v ivenciara a sua independência de Portugal (7 de
setembro de 1822). Aqui, D. Pedro I instaura o Poder Constituinte,
tendo, posteriormente, dissolvido-o.
Apo ia do p elo Par t i do Por tugu ês, cons t i tu ído por r ic os
come rc iantes po r tugueses e a l tos f unc ionár i os pú bl ic os ,
D. Pedro I d isso lveu a Assemb le ia Const i t u in te em 1823
e impôs seu p rópr io p ro je to , que se to rnou a p r ime i ra
Const i tu ição do Bras i l . Apesar de aprovad a por a lgumas
1 Alguns Doutrinadores a consideram como sendo a sétima, outros como a oitava. Isso porque, em linhas gerais,
a Constituição Federal de 1988 é a sétima, com a ressalva de que a EC de 1969 tem corpo constitucional independente, sendo considerada por grande parte dos doutrinadores como uma Constituição. Assim considerada, diz-se que o país teve, ao todo, 8 constituições que vigoraram no país: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988.
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Câma ras Munic i pa is da conf iança de D. Pedro I , essa
Car t a , data da de 25 de março de 1 824 e con tendo 179
a r t i gos , é cons ide ra da pe los h i s tor iad ores como uma
impos ição do i mperador .
( S e n a d o F e d e r a l d a R e p ú b l i c a F e d e r a t i v a d o B r a s i l , 2 0 1 3 )
Essa Constituição traz, em seu texto o fortalecimento da f igura
do imperador, cr iando o Poder Moderador, sobrepondo-se aos Poderes
Executivo, Legislat ivo e Judiciário. Além disto, cada uma das
províncias era governada por presidentes, nomeados pelo próprio
imperador.
Mesmo o voto era indireto, concedido a poucos homens. Para
ter esse direito, era necessário ser l ivre e proprietár io de bens, que
eram fixados de acordo com o nível de renda e quantia l íquida anual de
100 mil réis. E, mesmo quem queria ser eleito, deveria ter renda
compatível com o cargo que pretendia.
O d i re i to ao voto era concedido so mente aos homens
l i v res e p ropr i e tá r ios , de acordo com seu níve l de
renda , f i xado na quant ia l íqu id a anua l de cem mi l ré is
por bens de ra i z, i ndús t r ia , comérc io o u empreg os. Para
ser e le i t o , o c idadão também t inha que comprovar renda
mín i ma p roporc i ona l ao ca rgo p retendi do . Essa f o i a
Const i tu ição com du raçã o mais long a na h is tór ia do
país , num tota l de 65 anos.
( S e n a d o F e d e r a l d a R e p ú b l i c a F e d e r a t i v a d o B r a s i l , 2 0 1 3 )
Essa, segundo registros, foi uma das const ituições mais
longas que o país já teve, tendo vigência de 65 anos. A atual
Constituição possui apenas 25 anos vigorando com diversas emendas
feitas a seu texto original.
Segundo o João Carlos Jarochinski Silva, mestre em Direito
Internacional e doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SP, num
artigo publicado na Revista Ponto e Vírgula, nesta constituição D.
Pedro I instaura o poder absoluto2 no Brasil, dado que não se exime de
2 É o Estado Absoluto. Na Europa, muitos governos foram absolutistas, gerando revoltas que, mais tarde,
geraram grandes e profundas transformações no cenário político e econômico. O Estado Absoluto se traduz na figura do rei, monarca que detém todo o Poder político e que se vale deste poder para fazer seus mandos e desmandos. Este Poder, conferido ao rei, permite-lhe atuar em todas as esferas jurídicas, assim, pode legislar, julgar e administrar todo o reino. Com base nisto, juridicamente, há efeitos limitadores do poder punitivo do Estado, observados no Código Penal Brasileiro (entre esses dispositivos, interligado à Constituição Federal,
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seu cargo executivo e se cinge como o representante do Poder
Moderador. Ainda segundo o Prof. João Carlos Jarochinski Silva, a
Soberania Popular se ausenta da carta constitucional de 1824. O
imperador D. Pedro I, com medo de perder seu poder, dissolve a
Assembleia Const ituinte.
Não se pode esquece r de que Dom Pedro I era um
monarca eur opeu , a tento aos acontec imentos do ve lho
cont inente, como a Res tauração, o f i m do per íodo
napoleônico e a Revo lução do Por to em 182 0, podendo-
se conc lu i r que essa at i t ude de ser o ju i z d os ou t ros
poder es e n ão abd ic ar de seu poder execu t i vo rev e la
c la rame nte uma pos tu ra absolu t i s t a po r pa r te de le .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
A pr i mei ra Cons t i tu i ção f o i fe i ta em 1824. E la es t ava
inser i da no contex to de pós- indepen dênc ia d o Bras i l e
para cons t i tu í - l a ocor reu um grande conf ronto ent re as
p r inc ipa is forç as po l í t icas da época. Po r ex is t i r esse
conf l i to de in te resses Dom Pedro I com medo de p erde r
poder , d isso lve a Assemble ia Cons t i tu i n te Bras i l e i ra
que já es tava f ormada, convoca a lguns c i dad ãos
conhec i dos por e le , e d e por tas fechadas co meçam a
red ig i r o que se r ia a nossa p r i mei ra Cons t i tu ição. Essa
cons t i tu ição é co nhec ida por es tabelece r no B ras i l u m
governo d e Mon arqu ia heredi t ár i a e ap l icar qu at ro
poder es , execut i vo , l eg is la t i vo, j ud ic iár io e moderador
que era exerc i do pe lo imperador (D. Pedro ) .
( R O D R I G U E S , P e d r o A u g u s t o R e z e n d e ; )
O Brasil de 1824 é ainda, num contexto de vida enquanto
Estado, um mero infante. A precária industrial ização do país, entre
outros aspectos econômicos, bem como de outros institutos como a
Educação, ainda não são tão fortes, dado que o processo de
industrialização tem início, de maneira mais efet iva, com a vinda da
família real ao Brasil , fugindo de Napoleão. E, embora esse cenário, os
avanços denotam a maturação do país frente às novas necessidades.
Mesmo a coroa portuguesa, segundo alguns historiadores, levou um
tempo para admitir a independência do Brasil.
temos o Princípio da Legalidade, presente no Art. 1º do Código Penal, entre outros princípios também presentes no ordenamento jurídico brasileiro).
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Os Es tados Un idos , qu e at ravés da Dout r ina Mon roe,
defe ndiam a a utonomia do con t inen te a mer i ca no, f ora m
os p r ime i r os a acei t ar a emanc ipaçã o po l í t i ca do Bras i l .
A Cor oa Po r tug uesa some nte reconheceu a
independênc ia do Bras i l em agosto de 1825, a pós
in tervenção da I ng la t er ra , que obteve ass im i númeras
vantagens comerc ia is . Por tugal também recebe u 2
mi l hões d e l i b ras , a t í tu lo de inden izaç ão.
( P o r t a l B r a s i l )
Quanto ao controle de constitucionalidade, percebe-se que a
Carta Const itucional de 1824 tem diferença muito intr igante aos
padrões que adotamos hoje, conferindo ao Poder Legislat ivo esse
controle. Atualmente, esse controle é exercido por meio do Congresso
Nacional (que o exerce pelas Comissões de Const ituição e Justiça de
cada uma das casas legislat ivas), do Poder Executivo (veto
presidencial quando analisada a possibi l idade de inconstitucionalidade
de algum projeto de lei, tendo esta análise efetuada por uma comissão
que dá suporte ao Presidente da República) – ambas de caráter
preventivo, e, de forma repressiva, pelo Supremo Tribunal Federal; ou
seja, esse controle é ou pode ser exercido pelos 3 poderes da
República.
Vê-se que o cont ro le da c ons t i tuc iona l i dad e das l e i s no
Impér io e ra exerc i do pe l o própr io Poder Leg is la t i vo , o
qual dever ia in te rpre tar as le i s (em in te rp retação d i ta
autê nt i ca , como fe z na L e i de I n te rpretação, de 1 840,
que l im i tou o a lcance do A to Adic iona l de 1834 , es te a
ún ica e menda fo rmal à Car ta de 1 824) e a té mesmo
leg is la r sem rece io de que a le i fosse d i ta “ i r ra zo áve l ” ,
como fo i no caso da Le i da Ma io r idade, t ambém de
1840, que dec larou qu e o jovem Pedro de A lcânt ara,
entã o com 14 anos, passava a ser ma io r , ass im
p reenchendo o re quis i to cons t i t uc iona l de que o
Imper ador dev er i a conta r , ao men os, com 18 anos para
que sub isse ao Trono e , des ta f orma, cessando a
anarq uia que ca rac te r i zou os pe r íodos de Regênc ia. . .
( F IL H O , 2 0 0 8 )
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C.F. DE 1891 – A PRIMEIRA REPUBLICANA
Os crescentes anseios pela República e a assinatura da Lei
Áurea em 1888 marcam a queda da monarquia no Brasil. E, em 1889,
ascende à história do país o pr imeiro presidente republicano. Mais do
que uma mudança de governo e de regime, uma nova cultura passa a
fazer parte da rot ina de todos. Entre os mais importantes feitos, a
abolição da escravatura tem um papel principal dentro do novo cenário
econômico-cultural do Brasil-república. Ressalte-se que é um
importante marco anterior à República a Abolição da Escravatura no
país, tendo sido este um dos últ imos atos monárquicos do Brasil,
assinado pela Princesa Isabel. Após essa postura de dizer não ao
trabalho escravo, a família real deixa o país e a história da monarquia
no Brasil se f inda, ao menos até 1988, quando a Constituição, por meio
de ADCT, prevê a possibil idade de retomada da Monarquia no país por
meio de plebiscito (ocorr ido em 7 de setembro de 1993)3.
Após a p roc lamaçã o da Repú bl ica, e m 15 de novembro
de 1889, h ouve mudanças s ign i f i cat ivas no s is tema
pol í t i co e econô mico d o paí s , com a ab ol ição do
t raba lh o escravo , a a mpl iação da ind ús t r ia , o
des locamento de pessoas do mei o ru ra l pa ra cent ros
u rban os e tamb ém o su rg ime nto da in f l ação. Ou t ra
mudança fo i o abandono do modelo do par la menta r i smo
f ranco-b r i t ân ico , e m provei to do pres idenc ia l i smo nor te -
amer i ca no.
( S e n a d o F e d e r a l d a R e p ú b l i c a F e d e r a t i v a d o B r a s i l , 2 0 1 3 )
E, no texto const itucional, grandes diferenças começam a
surgir, entre elas, o estabelecimento de uma nova forma de governo, a
República, a independência dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciár io. Mesmo o voto, nesta nova Lei, passa a ter características
menos restri t ivas e mais amplas.
As pr inc ipa is inovaçõ es dessa nova Cons t i tu ição, […] ,
são: ins t i tu ição da fo rma federa t i va de Es tado e da
3 Data que era prevista na ADCT, mas que foi adiantada por meio de Emenda Constitucional (EC 2/92) para o dia 21 de abril de 1993.
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f orma repub l i cana de governo; es tabelec ime nto da
independênc ia dos Po deres Execut i vo , L egis la t ivo e
Judic iár io ; c r iação do su f rág io com menos res t r i çõ es ,
impedi ndo a inda o vo to aos mendigos e anal f abe tos ;
separação ent re a I gre ja e o Es tado, não sendo ma is
assegurado à re l i g i ão ca tó l ica o s ta tus de re l i g ião
o f i c ia l ; e i ns t i tu i çã o do h abeas corpus (ga ran t ia
concedi da sempre q ue a lgu ém es t i ve r so f ren do ou
ameaçado de sof rer v io lên c ia ou coação em seu d i re i to
de l ocomoção – i r , v i r , pe rma necer – , p or i l ega l i dade ou
abuso de p oder ) .
( S e n a d o F e d e r a l d a R e p ú b l i c a F e d e r a t i v a d o B r a s i l , 2 0 1 3 )
Essas novas tendências, exercidas a partir da Proclamação da
República, tiveram, além de grande expressão no conjunto histórico,
uma forte ligação com o modelo estadunidense, rompendo com os
padrões europeus que vigoraram no país enquanto a monarquia existia
nas terras tupiniquins.
Adotou a Co nst i t u i ção de 24 de fever e i ro de 1891, sob
a insp i ração de Rui B arbosa, não s ó d enominação
s imi la r p ara o País (Es tados Unidos do B ras i l ) como as
ins t i tu i ções da re púb l i ca , federação , pr es ide nc ia l is mo e
a té mesmo o mode lo , t í p i co do s i s tema do Common
Law, da ju r i sd ição un ive rsa l ( j ud ic i a l rev iew) , es te a
permi t i r a o ju i z a ma is ampl a cogn ição, aos t r i buna is
comu ns se submetendo to das as causas , 4 d i versamente
do s is te ma f rancês q ue, a té h o je , separa a ju r isd i ção
comu m da admin is t ra t i va e que, no Impér i o , de fe r i a ao
Conse lho do Estado o po der de p rocessa r e ju l ga r as
causas públ i cas . Gr i f o meu .
( F IL H O , 2 0 0 8 )
Como as mudanças não se restringem apenas a estas
características, outras importantes alterações emergem no Brasil logo
no início da história republicana. Enquanto nos Estados Unidos a U.S.
Court trouxe para si a responsabil idade de julgar atos de controle de
constitucionalidade, aqui o Legislat ivo atribuiu ao Judiciário este dever.
Isso ocorre porque o legislador entendeu que os atos de julgar a
procedência de constitucionalidade ou não cabe ao Poder Judiciário
segundo i lustra o desembargador Nagib Slaibi Fi lho. Basicamente, de
4 Presente no texto constitucional em vigor (Constituição Federal de 1988), no art. 5º, XXXVI.
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maneira mais concreta, é a República Velha que inaugura o que hoje
entendemos pelo conceito por trás das ações e do estudo do Controle
de Constitucionalidade, muito embora, à época, esse exercício tenha
sido quase inexistente, pois os juízes ainda estavam acostumados com
os padrões trazidos pela Civi l Law5.
A Repúbl i ca ve lha teve a honra de i n t rodu zi r em nosso
s is tema o con t ro le ju d ic ia l de cons t i tuc iona l i dad e, como
herança do pad rão es tadun id ense de o rgani zaç ão do
Poder . Mas esse co nt ro le , naque le per íodo, f o i mu i to
res t r i t o , quase inex is ten te , não só p e la f o rma ção
p r ivat ís t ica do ju i z acos tu mado ao s is tema jur í d i co do
C iv i l Law, como pela fa l t a de ins t rumentos ju r í d icos que
permi t i ssem aos t r i bunais – e pr i nc ipa lmente o Supremo
Tr ibuna l Federa l – a p lena efet i v ida de de t a i s funções.
( F IL H O , 2 0 0 8 )
Cabe dizer, também, que a primeira Constituição republicana
ainda traz uma profunda mudança no padrão polít ico e do Poder
soberano do Estado brasi leiro. Isso se deu pela ext inção da
quadripartição de Poder, t irando de cena o Poder Moderador, que era
desempenhado pelo soberano da nação, o Imperador. Como a
Monarquia não mais tem valor dentro do contexto histórico-social e
cultural, a f iguração deste Poder perde a força automaticamente,
permitindo, ainda que inicialmente, certa equivalência dos 3 Poderes.
Outra impor tante mudança fo i o f i m da d iv i são
quadr ipa r t i da do Poder pa r a uma t r i pa r t i da , confo rme os
moldes t eó r icos de Montesquieu. Isso é reve lador da
busca de mai or equ i l íb r io en t re os poder es ,
des tacando -se que , em nenhum out ro pe r íodo h is tó r i co,
a Un ião, t anto na sua ma ni fes tação como P oder
Execu t i vo, como de P oder Legis la t i vo, t ev e uma
a tuação tão l i mi tada do pon to d e v is ta fo rmal e prá t i co.
Não que o govern o fed era l tenha f i cado com um pa pel
de f igu ran te somente, po is , caso i sso ocorresse , e
havendo g rupos in teressados nessa h ipótese, como os
pos i t i v i s tas gaúchos, ocorr er ia o es face lamento do
poder cen t ra l , o que e ra per igoso para a o l i garqui a que
5 Civil Law – Diz-se de sistema jurídico em que a lei positivada é a fonte principal do Direito, contrapondo-se à
Common Law, cujo sistema jurídico tem por base os costumes (Direito Consuetudinário), com origem na Inglaterra, sendo as leis escritas de caráter suplementar.
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cont ro l ava gover no e economia. Para resguardar o
Poder ce nt ra l , fo i - l he dad a a facu l dade de in terv i r nos
Es tados para res tabelecer a o rdem, demonst rando
a inda ex is t i r o rece io com re lação à un id ade t er r i to r ia l ,
t ão du ra mente mant ida du rante o pe r íod o Monár quico .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
Essa faculdade dada, em que o Poder-central poderia intervir
nos estados-membros, de forma a restabelecer a ordem, vem ser feita
por meio de uma correção dada por Arthur Bernardes6 em 5 de
setembro de 1926 por meio de Emenda. Isso foi observado graças às
tendências separatistas que poderiam esfacelar a Repúbl ica, ainda
recém-formada.
Ta l f roux idão cons t i tuc i onal qu anto ao cont ro le de
va l idade da Le i Maio r pe rmi t iu na Repúb l i ca Velha as
conhec i das c r ises f edera t i vas e a prevalênc ia das
o l i garquias es taduais sobre o Gove rno Cent ra l , o que,
a l i ás , decorr i a do ac ordo de von tade ent re os do is
maio res Es tados – São Paulo e Min as Gera is – na
a l i ança que f i co u conhec i da co mo a po l í t ica do café
com le i t e e cu jo ideal i zador f o i o paul i s t a Pr uden te de
Mora is , o p r i mei ro c i v i l ocupant e do ca rgo de
Pres iden te da Repúbl ica.
A r t hu r Bernardes , que governou de 192 2 a 192 6 sempre
em reg ime de es tad o de s í t i o , prov idenc iou a Emenda
de 5 de set embro de 1926 , da ndo a o Supremo Tr ibu nal
Fe dera l o poder de d i r i mi r os conf l i tos ent re os ju í zes
f ede ra is e dos Es tados , bem como conhecer dos
recu rsos das dec isões do s ju í zes e t r i bunais federa is ,
cabendo a es tes p rocessa r e ju l ga r as causas em que
a lguma das par tes fun dar a ação , ou a de fes a, e m
d ispos ição da Const i t u i ção Federa l .
( F IL H O , 2 0 0 8 )
Ainda na esfera polít ica, outro importante avanço em relação à
Carta de 1824 está no Direito Eleitoral, em que, com os novos ideais,
atribui-se a maiores de 21 anos o direito ao voto (com certas exceções
como analfabetos, mendigos e praças militares).
De certa forma, aqui é instaurada a laic idade do Estado
brasi leiro, uma vez que o soberano deixa de ser o Imperador (cujo
6 Arthur Bernardes – Presidente da República que governou o país entre 1922 e 1926.
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Poder que lhe atribui o dever de reger a nação), passando a f igurar o
Presidente da República, escolha oriunda da democracia, do povo. É a
instauração do Posit ivismo no Brasil (conf irmado pelos dizeres da
própria Bandeira do país: Ordem e Progresso7).
Mesmo com estes avanços, todos importantes não apenas à
Histór ia, mas também ao Direito, outros pontos deixaram de ser
trazidos pela Constituição de 1891: os direitos sociais. Embora a
constituição anterior não efet ivasse estes direitos na prática, ela os
trazia em suas l inhas. Isso demarca um retrocesso no campo das ideias
de auxí lio social pós-Revolução Industrial. Lembremo-nos que, neste
cenário pós-monarquia, a Lei Áurea trouxe sérios problemas sociais
com a proibição da mão-de-obra escrava: os escravos, agora livres,
tornam-se marginais8. Isso ocorre porque não recebem a adequada
educação e aprendizado de outras funções que viabi l izariam seu
sustento, levando muitos, à época, a furtar e roubar para sua sub-
existência, ou, ainda, em alguns casos, a preferirem viver como
escravos.
Assim, seria de grande necessidade que o legislador
verif icasse esse novo cenário em que o país passou a viver, no qual a
l iberdade se confrontava com o direito à vida (e, numa questão cultural,
mais atrelada ao direito de sobreviver do que propriamente viver, uma
vez que os escravos, até então, eram tidos como mercadorias). E isso
gerou, nos tempos atuais, grandes discrepâncias com os negros, pois,
com o crescente desenvolvimento econômico, muitos foram esquecidos
pela História. E, como forma de reparar tal atrocidade, inst ituiu-se a
polít ica de quotas raciais em universidades e escolas/faculdades
técnicas no século XXI (uma medida que deveria ter acontecido, ao
menos na sua concepção de garantir/resguardar o direito à Vida, aos
negros do f inal do século XIX e início do século XX – f inal do Brasil
Império e início do Brasil República). Basicamente, esta dívida social
7 Este dizer é embebido do Liberalismo, movimento surgido na Europa e que ganha expressividade com os
ideais da revolta burguesa ocorrida em 1789 (Revolução Francesa). O mundo, a partir desta revolta, transforma-se significativamente, dada a expressividade nela contida. Ainda aqui, os Estados Unidos da América conseguem sua liberdade, o que traz um novo cenário mundial, lembrando que essa independência influenciará profundamente o Brasil, que conquista sua liberdade de Portugal em 1822. 8 Leia-se: ficam à mercê, estão sendo postos à margem da sociedade.
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está sendo paga, ainda que tardiamente, àqueles que eram mais
frágeis – base do Direito Social.
O pro ble ma é que aos des prov idos do poder econômico
não lhes é garant ido seque r a e fet iv id ade de seus
d i re i t os l ibe ra is , o qu e d eno ta que há no Bras i l , ma is
uma ve z, uma leg is lação que se r eve la n ão efe t i va no
se io soc ia l .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
Segundo Rui Barbosa, a Const ituição de 1891 teve como
caráter instaurar a República de forma const itucional para obtenção de
crédito no exterior.
A CONSTITUIÇÃO DE 1934
Talvez uma das mais signif icativas conquistas trazidas pela
Constituição de 1934 seja a extensão do direito ao voto às mulheres,
instaurando o novo processo eleitoral nacional. Ressalte-se que, em
1927, a primeira mulher vota no Brasil , tendo feito isso por meio de
legislação local (pelo estado do RN).
Com relação aos Poderes da República, Legislativo, Executivo
e Judiciário, importantes mudanças também passam a fazer f igurar no
contexto prático e na atribuição de funções:
Com re lação aos Poderes , que con t inuaram sendo
d iv id idos em t rês , pe rcebem-se i mp or ta ntes mud anças:
no âmbi to do execut ivo f edera l , há um c la ro aumento de
sua es fera d e a tuação , o que nos leva a conc lu i r se r
es te um fa to que in f l uenc ia rá a pos ter i or acumula ção
que ocorre rá nesse poder com o a dvento do Es tado
Novo; com re lação ao Legis la t i vo há a ex t inção do
b icamer a l is mo r í g id o, po is o Senado passa a se r
apenas um ó rgão aux i l i a r a Câmar a dos Dep utados ; j á o
Poder Judic iá r io , j untamente com o M in is tér io Publ i co,
recebe u ma sé r ie de garant ias p ro f i ss io nais , há a
c r iação de órgãos f eder a is e o reco nhec i mento dos
ó rgãos es tadua is d e Jus t iça.
(S ILVA J . C. , 2011 )
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Outras características importantes trazidas no texto
constitucional de 1934 se dão em diversos aspectos, entre elas:
princípios constitucionais da República, autonomia dos Municípios,
atribuição de poder aos Tribunais e do Ministério Público Estaduais.
Al teraçã o que d i re tame nte nos in te ressa fo i a
i n t rodução da rep resentaç ão para i n terve nção da Un ião
no Es tado-membro como ins t ru ment o ju r íd ico para a
execução de ordens e de c isões dos ju í zes e t r i buna is
f ede ra is e , pr i nc ipa lme nte , t ambém assegura r a
observânc ia dos pr i nc íp i os cons t i tuc ionais da f o rma
repub l i cana rep resen ta t iva, independê nc ia e
coordenação dos Poderes , t emporar ied ade das f unções
e le t i vas , au ton omia dos Mun ic íp ios , ga ran t i as do Poder
Judic iár io e do Min is tér io Púb l i co es tadua is , p res tação
de contas da admi n is t ração, poss ib i l i dade de re fo rma
cons t i tuc iona l e competên c ia do Poder L egis la t iv o para
decretá- la e rep resen tação das p rof i ssões nos ó rg ãos
leg is la t i vos segun do o padrão f ede ra l .
( F IL H O , 2 0 0 8 )
Algumas heranças foram conferidas à Constituição Federal de
1988, como o Direito à Educação, f icando à União a responsabilidade
de traçar um Plano Nacional de Educação e, ainda, inst ituindo-se a
gratuidade do Ensino Fundamental (chamado de Ensino Primário).
Surgem, também, no aspecto social, as normas que deram
origem à organização sindical, as primeiras normas trabalhistas
reguladas pela Constituição, incluindo a regulamentação de um Órgão
Público para proteger os direitos trabalhistas.
i ) comérc io ex te r io r e i n te res tad ual , i ns t i tu iç ões
de c r éd i t o ; câmbi o e t rans ferênc ia de va lo res para f ora
do País ; normas gerais s obre o traba lho , a p rodu ção
e o consumo, pode ndo es tabel ecer l im i tações ex i g i das
pe lo be m p úbl ico;
(g r i f o me u ) – A r t . 5º , X I X – C . F . d e 1 9 34
34) A t odos cabe o d i re i t o de p rover à p róp r ia
subs is tênc ia e à de sua famí l ia , me diante t raba lho
hones to . O Poder Públ ico deve ampara r , na fo rma da
le i , os que es te jam em ind igênc ia .
A r t . 113 – C . F . d e 19 34
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Cria-se aqui o Mandado de Segurança, garant ido também pelo
texto de 1988 como uma prerrogativa dada a todos os cidadãos.
Nos aspec tos t écn ic os jur í d icos des taca-se a c r iação do
Mandado de Segura nça , ins t i t u to des t inado à def esa
dos d i re i tos da pessoa humana, a se r usado todas as
vezes que oc or resse fa to que ameaçasse ou v io lasse os
d i re i t os dos c idadãos por a to ma ni fes tamente
incons t i tuc ional ou i l egal de qualquer a uto r id ade. O
Mandado de Segurança a inda hoj e é uma pr er rogat i va
dada a t odos os c idad ãos pe la Cons t i tu i ção Fe dera l .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
A promulgação desta Const ituição f igura entre as reportagens
da época, contrapondo-a, inclusive, à Constituição Federal anterior.
[…]
Ass im já p recei t uav a a leg is lação b ras i l e i ra ante r io r po r
es tas pa lav ras : “Durante as sessões , o mandato
leg is la t i vo é i nco mpat íve l com o exerc íc io de qualque r
out ra f uncção públ ica, co ns ide rando-se como re nunc ia
de mand ato semel hante exerc íc io depois de conhec ido
o de putado ou senador ”. (Const i t u ição de 24 de
f evere i ro , ar t . 25… )
[…]
Em se t ra tando, po rém, de membros da mag is t ra tura e
do M in is tér i o Públ ico dos Es tados, do exerc íc io de
cargos de aux i l i a res dos r espect ivos govern os ,
emquanto não se votarem as cons t i tu ições es tadua es,
será observada a ac tua l le g is laçã o sobre
incompat i b i l i dad es, po is a nova Const i tu ição, nos ar t .
96, a t t r i bue aos Es tados a competênc ia pa ra l eg is la r
sobre sua d iv isão e o rgan isação jud ic iá r i a e prover os
respect ivos (Cons t i tu i ção a r t . 19 5) .
( O E s t a d o d e S ã o P a u l o - a c e r v o , 1 9 3 4 )
As publicações de alguns eram otimistas, dado o clima
vivenciado pelo país internamente: dois anos antes, os paulistas
haviam saído às ruas pedindo por uma nova Const ituição, tendo este
episódio sido conhecido como Revolução Const itucionalista.
Es tá t erminada a t a re fa cons t i tuc iona l . Segunda- fe i ra
será promu lgada a Car ta Magn a do Br as i l , cessand o os
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poder es d isc r i c ioná r ios , que ha quas i quat ro annos se
v inham exerce ndo no pa i z. […] A São Pau lo cab e a i nda
a maio r somma de g ló r ia e sac r i f í c ios . Gl ór i as pe la
v ic tó r ia i de al , pe l a ac tuação ef f icaz e b r i l hante d a sua
bancada ; sacr i f í c ios , pe lo sangue derr amado, pe la lu ta ,
dôr e sof r i men to.
[…]
O Bras i l resp i rará , f i na lmen te, a p lenos pu lmõ es:
o lhemos o f u tu ro com esp erança, conf iemos no va l o r da
raça , esperemos melh ores d ias pa ra o nosso pa i z.
( F o l h a d a M a n h ã - A c e r v o , 1 9 3 4 )
O excerto acima, retirado do Jornal Folha da Manhã,
atualmente conhecido como Folha de São Paulo, mostrou o peso da
Revolução Const itucional ista, demarcando não apenas a atuação dos
polít icos da época, mas a força trazida pelo povo paulista, que fez de
seu lema uma verdade (non dvcor dvco – Não sou conduzido, conduzo).
No dia seguinte, o jornal não circulou, mas, no dia posterior (17 de
julho), estampa em sua capa a manchete: A Assembléa Nacional
promulgou hontem a nova Const ituição Republicana (Vide anexo 1).
Contudo, com o poder dado a Vargas pela Constituição, trouxe
problemas justamente pelos medos advindos do contexto global, em
que o social ismo começa a se solidif icar em diversas partes do mundo.
Além disso, o medo foi grande colaborador para que o texto
constitucional de 1934 perdesse força e desse o pontapé inicial a um
novo instrumento constitucional, originando o início da Ditadura de
Vargas e o Estado Novo.
Acredi ta mos que o medo r evo luc ionár io fo i que m
cont r ibu iu d e ma nei ra ef i ca z pa ra o surg iment o da
d i t adur a de V argas , po is , fo ram es tes que co locara m
nas mãos do chefe do Poder Execut i vo , uma sé r ie de
ins t ru mentos , mui tos adv indos d e c r i ações f asc is tas ,
para serem u m f re io a eventu ais revo l uções e levan tes
popula res , ab r indo cami nho p ara o surg i mento do
Es tado Novo. O golpe que pôs f im à v i gênc i a do te x to
de 193 4 fo i rea l i za do pe lo p rópr io poder d i r igente , que
es tava inves t ido de cont ro la r os con f l i t os soc ia is .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
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O ESTADO NOVO E A CONSTITUIÇÃO DE 1937
O caráte r aut or i t ár io e cen t ra l i zador da Car ta de 10 de
nove mbro de 1937 , ou tor gada por Getú l io Vargas em
momento ex t r emo da po l í t i ca nac iona l , f o i avesso ao
cont ro l e da cons t i t uc ional i dade das le i s , mes mo porque
duran te a sua v igênc ia não se e legeram os i n teg ran tes
do Par lamento , f icando auto r i zado o Che fe do Execut i vo
a d i spor so bre todas as matér ias , i nc lus ive emendas
cons t i tuc iona is , a t ravés de decre tos - le is .
( F IL H O , 2 0 0 8 )
O autoritarismo começa a dar novas caras ao Brasil. Vargas.
Com seu poder aumentado por meio da Constituição Federal, houve
maior dif iculdade na propositura de inconstitucionalidade das leis. Isso
se verif ica, por exemplo, no art. 96 da Constituição de 1937:
Art . 96 . Só po r mai or ia abso luta de votos da t o ta l i dade
dos seus ju í zes poderã o os t r i bun ais dec lar ar a
incons t i tuc ional i dade da le i ou de ato do Pres iden te da
Repúbl ic a.
Parágra fo ún ico. No caso d e se r dec la rad a a
incons t i tuc ional i dade de u ma le i que , a ju í zo do
Pres iden te da Repúbl i ca, se ja necessár ia ao b em-es tar
do p ovo , à p romoção ou defesa de in te resse nac io nal
de a l ta mo nta , poderá o Pres ide nte da Repúb l i ca
submetê - la novamente ao exame do Pa r la mento; se
es te a conf i rmar po r do is t erços de votos em cada uma
das Câ maras , f i ca rá sem e fe i t o a dec isão do Tr i bun al .
Mesmo que os juízes decretassem a lei ou atos do Presidente
da República como inconst itucionais, verif ica-se que, por meio do texto
constitucional, Vargas conseguiria derrubar as decisões do Poder
Judiciár io, uma vez que diminui a atuação deste poder, pois o
restringe. Não há l imitação ao Executivo.
Esse texto surge pouco tempo depois da promulgação da
Constituição de 1934, quando uma frente tentará dar um golpe no
regime de Vargas. Graças a isso, o presidente decreta estado de sít io,
permitindo-lhe a outorga do texto de 1937.
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Em 1935, a A l iança Nac ional L ibe r tadora (A NL)
p romoveu uma tent at i va de g o lp e con t ra o governo
Getú l i o Vargas – a In tentona Comunis ta . Ge tú l io
aprovei tou o ep isódi o pa ra dec la rar es tado de s í t i o e
ampl ia r se us poderes po l í t icos . Nessa época, Ge tú l io
adot ou um d iscurs o nac ional i s ta e começou a a r t i cu la r
um mov imento pe l a sua permanênc ia no carg o. Mas em
1945, o Exérc i to der rubou o pres idente.
( P o r t a l B r a s i l )
O interessante nisto é que o texto desta constituição está
fortemente ligado com o que o mundo vivia na esfera polí t ica
internacional. Hit ler, na Alemanha, neste período, incita a população
contra os “impuros” e começa sua corrida nazista, período dos mais
negros da história mundial. E, no Brasil , Vargas chega a contr ibuir com
o governo alemão ao deportar Olga Benario9, que morre nos campos de
concentração em 1942.
Segundo artigo do Professor João Carlos J. Si lva, havia a
previsão legal de um plebiscito10 para referendar o novo texto
constitucional, mas isso jamais ocorreu.
I n i c ia l ment e, sua aprova ção fo i cond ic io nada a um
p leb isc i to q ue ser i a convo cado para r e fe rendar o te x to
Const i tuc iona l , num pra zo máx imo de se is anos. Porém,
t a l p leb isc i t o j amais f o i convocado e um dos e l emen tos
essenc ia is pa ra que a car ta ob t i vesse a l guma
par t i c ipação po pul ar de ixo u de ex is t i r .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
Uma importante característica desta Constituição é que ela
manteve alguns dos direitos sociais previstos no texto da sua
antecessora. Sobretudo, aqueles que estavam atrelados ao Trabalho.
Como Silva diz, t irá- los seria um verdadeiro “golpe fatal na
popularidade” que Getúl io logrou com alguns de seus atos como
9 Olga Benario: revolucionária alemã que viveu no Brasil. Nascida em 1908, morre nos campos de concentração na Alemanha nazista. No Brasil, Olga é também conhecida como Olga Bernario Prestes. Em 1929, conhece Luís Carlos Prestes, importante opositor de Getúlio Vargas. Em 1936, após um período de clandestinidade e algumas importantes insurgências, Prestes e Olga são presos. Mesmo grávida de Prestes, ela é presa e deportada, dando à luz a sua filha (Anita) na Alemanha. 10 Plebiscito: Forma de consulta popular garantida pela atual Constituição Brasileira, que previu, por meio de ADCT, a realização deste meio de consulta em 7 de setembro de 1993.
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presidente. Afinal, Vargas instaura a polít ica populista no país, de
forma que tais atos derivam até mesmo mecanismos legais, como a
CLT.
Quanto aos Poderes da República, estrangula os Poderes
Legislat ivo e Judiciário. Em contrapartida, amplia a força do Poder
Executivo por ele chefiado.
Seus atos à frente da República brasi leira são vivenciados por
todos os brasileiros mesmo nos dias atuais. Grande foi sua
contr ibuição ao arcabouço jurídico, uma vez que, por meio de decretos,
mostra ser o maior representante do Poder Legislat ivo (entenda-se que
ele part icipa muito mais da função do que outros membros do
Legislat ivo da época).
Pela expos ição , perceb e-se que quem rea lme nte
leg is lou fo i o P res idente, a t ravés de seus dec retos- l e i s ,
mui t os dos quais t iveram mui to ma is in f l uênc ia ju r í d i ca
que a p ró pr i a Cons t i tu ição , como é o caso da , a inda em
v igor , Le i d e I n t rodução ao Códi go C iv i l .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
O Poder Legislat ivo volta a ter uma estrutura bicameral, mas
tem atrelado a ele o Poder Executivo, que assume a função do Senado.
Talvez isso responda à premissa constante no excerto acima.
No Legis l a t i vo , há a re tomada o b i camera l i smo, só que
agora com a f i gu ra do co nse lho de Estado fa zendo às
vezes de Senado Federa l , conse lho esse que t i nha
g rand e par te de seus membros , inc lus ive o seu
p res idente , escolh idos pe l o che fe do Poder Execut iv o.
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
Mas as ações de Vargas não terminam aqui. Na esfera do
Poder Judiciário, o Presidente ext ingue a Justiça Federal e a Just iça
Eleitoral, sendo essa outra maneira de diminuir a força do Poder
Judiciár io. Além disso, uniformiza os Processos Civi l e Penal e
discipl ina os tribunais Estaduais no exercício da Magistratura.
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Na tentat i va de combater as e l i tes reg io nais e a
auto nomia do Poder Judic iár io , i nse r i ram-s e na
leg is lação fe dera l os ins t rumentos d a d isc ip l ina
p rof i ss iona l da Mag is t ra tur a, apes ar d as Jus t i ças serem
agora apenas Es tadua is , l imi tando suas gar ant ias e
f unções , e u n i f o rmi zando os Processos C iv i l e Pena l .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
Neste momento, o poder conferido ao Presidente da República
é quase que absoluto, uma vez que ele pode intervir na vida social dos
cidadãos.
Art 74 - Compete p r i va t i vamente ao Pres id ente da
Repúbl ic a:
a ) sanc ionar , p romul gar e fa ze r publ i car as le i s e
expedi r decr etos e regu lamentos para a sua
execução;
b ) exped i r dec retos - le is , n os te rmos dos a r ts . 12 e 1 3;
c ) mante r re lações com os Es tados es t rangei ros ;
d ) ce le brar conve nções e t ra tados in te rnac i ona is ad
re fe rendu m d o Poder Legis la t ivo;
e ) exerce r a chef ia supr ema das f orç as a rmadas da
União, admin is t ran d-as por in te rméd io dos ó rgãos do
a l t o comando;
f ) decre ta r a mobi l i zação d as forças a rmadas;
g ) dec l ara r a guer ra, dep ois de au to r i zado pel o Poder
Legis l a t ivo, e , i nd epe nden temente de autor i zação , em
caso de invasã o o u agressão es t range i ra ;
h ) f a ze r a paz a d refer endum do Poder Leg is la t i vo;
i ) pe rmi t i r , ap ós auto r i zação do Poder Leg is la t ivo , a
passage m de fo rças es t rangei ras pe lo t er r i t ó r io
nac ion al ;
j ) i n t erv i r nos Es tad os e ne les executa r a in tervenção,
nos ter mos cons t i tuc iona is ;
k ) dec ret ar o es tado d e emergênc ia e o es tado de
guerra nos te rmos do ar t . 166;
l ) p rover os ca rgos f eder a is , sa lvo as exceções
p rev is tas na Cons t i tu i ção e nas le is ;
m) au tor i za r b ras i l e i ros a acei ta r pe nsão, emp rego ou
comissão de governo es t r ange i ro ;
n ) de terminar que ent rem p rov iso r iamente em execução,
antes de aprovad os pe lo Par lame nto , os t ra tados ou
convenções i n te rnac ionais , se a is to o aconselharem os
in teresses do Pa ís .
A r t 75 - Sã o p re r ro gat ivas do Pres idente da Repúb l i ca :
a ) in d icar um dos cand id atos à Pres idênc ia da
Repúbl ic a;
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b) d i sso lve r a Câmara dos Depu tados no caso do
parág rafo -ún ico do ar t . 167 ;
c ) nomear os M in is t ros de Estado ;
d ) des ignar os memb ros do Conse lho Federa l
rese rvados à sua esco lha ;
e ) ad ia r , pror rogar e convocar o Pa r la mento;
f ) exerce r o d i r e i t o d e g raç a.
( C o n s t i t u i ç ã o F e d e r a l d e 1 9 3 7 , 1 9 3 7 )
A concentração de Poder no representante do Executivo é de
gigante expressão. Essa burocracia tecnocrata favoreceu à maquina
estatal frente aos seus cidadãos, gerando grande desequilíbrio, no qual
temos o Autoritarismo e a Tecnocracia burocrática.
Segundo Edgard Carone, o trabalho de Francisco Campos é
uma amálgama entre fórmulas fascistas, nacionalistas e de caráter
l iberal, a últ ima como solução de camuflagem. Esse conjunto de
fórmulas, é subordinado a uma estrutura legal totali tária, onde o
Executivo é o poder dominante11.
Basicamente, o que se vivenciou deste período, no que tange
à apl icação da Lei-mor, foi a at iv idade do Poder Executivo segundo
Francisco Campos, confessando que tendo sido ou podendo ter sido,
deixou de o ser ou não chegou a ser jurídico, por não haver adquirido
ou haver perdido a sua vigência.
A CONSTITUIÇÃO DE 1946
O Brasil , assim como os demais Estados, vive um momento
conturbado, originado pela crise mundial terminada em 194512. A
Segunda Grande Guerra desestabil iza concretamente o ordenamento
jurídico de diversos países, mas concretiza uma certeza: os direitos da
humanidade. Com base nisto, começa-se, ainda que de maneira
genérica, a se pensar nos direitos individuais de cada Homem. Embora
ferrenha e ácida, a Alemanha de Hit ler foi quem abriu o entender
11
Trecho retirado do artigo do Prof. Silva referente ao livro de Edgard Carone (Livro: A terceira República, Edgard Carone, 1982) 12
1945 – Neste ano, se finda o período da Segunda Grande Guerra. E, a partir dela, novos horizontes começam a ser traçados para a História da Humanidade. Com saldo de milhões de mortos nas câmaras de gás, esse foi um dos períodos mais negros da História, sendo uma guerra com perfil tecnológico muito grande, diferindo-se da Primeira Guerra Mundial, basicamente, pautada em trincheiras.
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desses direitos, ainda que com requintes de crueldade extrema
proporcionada por um dos episódios mais negros da História.
Deposto, Vargas sai do cenário polít ico e, com isso, em 1945,
é convocada a Constituinte.
Uma das p r imei ras med id as do p rocesso de
redemocra t i zação do paí s f o i a conv ocação , para
deze mbro de 194 5, de e le ições para p res ident e e para
senadores e pa ra deputados federa is que co mpor iam a
f u tu ra Assembl e ia Nac iona l Cons t i tu i n te .
(NICOLAU, 2004)
A part ir daqui, seria feito todo o processo de
redemocrat ização por meio da Assembleia Nacional Constituinte para a
feitura de uma nova Const ituição Federal. Mas se engana quem pensa
que esse processo foi conquistado tranquilamente. Vargas é
pressionado a fazer alterações à Carta outorgada em 1937. E, com a
edição da Lei Constitucional nº 9 (um arcabouço de emendas à
Constituição, tendo como mais signif icativa e relevante posição a
f ixação de eleições diretas), Vargas perde seu poderio, uma vez que
abre a possibi l idade de voto direto.
Ass im é qu e edi tou a Le i Cons t i tuc ional n º 9 , e m
fevere i ro de 194 5, co ntendo vá r ias eme ndas à
Const i tu ição, sendo a ma is i mpor tan te de l as a que
f ixava e le i ções d i re tas pa ra o mês de de ze mbro do
mesmo ano. Demais d i sso , em abr i l de 1945 concedeu
l i be rdade aos p resos po l í t icos , den t re e les Lu is Car los
Pres tes , o Caval e i ro da Esperança, pres iden te do
p roscr i t o Par t ido Comun is ta Bras i l e i ro – PCB –, que , em
uma “ jo gada pol í t i ca ” un i u-se ao seu a l go z, du rant e a
camp anha e le i t ora l , e m um mov imento den omi nado
quere mis ta qu e t i nha por ob je t ivo mant er o Pres idente
Vargas no poder .
( M A S C A R E N H A S , 2 0 1 0 )
O Prof. Si lva, em seu artigo, diz que esta foi a primeira vez
que a Const ituição Federal foi construída sem a feitura de um
anteprojeto. Segundo ele, essa Const ituição teve por base o texto
constitucional da Consti tuição de 1934, tendo expressivo valor pela
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retomada de um processo pensado para o país, um projeto que,
abruptamente, foi interrompido pela ditadura de Vargas. José Afonso
da Silva, em seu l ivro, mostra que, além da Constituição de 1934, há
clara referência ao texto de 1891.
Serv iu -se, par a sua f o rmação , das Cons t i tu i ções de
1891 e 19 34. Vo l t ou-se, ass im, às f ontes fo rmais do
passado , que ne m semp re es t ivera m con fo rmes co m a
h is tór ia rea l , o que cons t i tu iu o maio r e r ro daqu ela
Car t a Magna , que nasceu de cos tas pa ra o fu turo
f i t and o saudosamente os reg imes an te r io res , que
p rovaram ma l .
( S I L V A J . A . , 2 0 0 5 )
E, ainda assim, outras questões f izeram com que a
Constituição de 1946 não fosse tão ef icaz em alguns pontos.
A redemoc rat i zação do Pa ís , em decor rênc ia do t r i unfo
dos A l ia dos sobre os Es tados to ta l i t á r ios do na zismo e
do f asc ismo, con fe r iu à Const i t u i ção p romu lgada em 18
de se tembro d e 194 6 ca ráter po l í t i co- l i be ra l ,
descent ra l i zador em reação ao cen t ra l i smo da
Const i tu ição de 1 937, f ede rat ivo, ga rant ido r dos
d i re i t os ind iv idua is , rep r is t i nan do as inovações t ra zi das
pe la Const i t u i ção d e 1934 , sem permi t i r , no en tan to , a
so lução das c r i ses ins t i t uc ionais que s e tor naram
cons tantes .
( F IL H O , 2 0 0 8 )
Interessante observar isto, dado que, na Europa, os
movimentos do pós-guerra se voltaram ao Bem-estar social, originando
novas const ituições. Aqui, ao contrár io, o pós-segunda guerra parece
não ter inf luenciado tanto aos constituintes, dado que a Const ituição
Federal está mais voltada para necessidades já observadas antes, sem
perspectiva de abrangência das que poderiam emergir futuramente a
este período. Ainda mais se observarmos que o Brasil foi um dos
países que mais receberam estrangeiros fugitivos de guerra (prát ica
vista mesmo hoje).
Contudo, como ressalta José Afonso, a Carta de 1934 serve
para a redemocrat ização brasi leira. E o consenso existente entre os
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doutrinadores é que, sob análise do período histórico com base nos
entendimentos da época, a necessidade de haver a reconstrução das
inst ituições era latente.
José Dua r te i n fo rma em sua obra Const i t u i ção
Bras i le i ra de 1946, qu e hav ia a p reocupação por p ar te
de t odas as correntes po l í t i cas presen tes à cons t i t u in te ,
de so l i d i f i car as bases do s is tema rep rese nta t i vo;
es tabel ecer a ha rmoni a e a independênc ia dos poder es ;
a conservação do equ i l íb r io po l í t i co do Bras i l , a t ravés
de um leg is la t i vo b icamera l rep resen tat ivo e de uma
pol í t i ca qu e va lor i zava a autonom ia e o pape l dos
munic íp ios ; a r ev isão do q uadr o esque mát ico da
dec la ração de d i re i tos e garant ias fu ndamenta is e ;
p r inc ipa l men te, a imp oss ib i l i dade de haver , ma is uma
vez, a h i pe r t ro f i a d o Pod er Execut i vo (S i l va, 20 01, p .
85) . Ex is t i a o consenso de que as ins t i tu ições
b ras i l e i ras prec isavam ser recr i adas .
[…]
O leg is lador não se apercebe u de que a pós o v io lento
conf l i to encerr ado em 1945 o mundo e ra ou t ro ,
comp letame nte d i fe rente da que le que per meou os
debates das Cons t i t u i ções ante r io res . Não
comp reen deu que do po nto de v i s ta h is tó r ico o reg ime
de Vargas era p lenamente coerente co m o momento
v iv ido no Oc iden te i n te i ro , e q ue era o momento de se
dar um passo à f rente, po is o mu ndo n ão re to rnar ia às
e tap as an te r ior es . Essa f a l ta de v i são do leg is l ador
cons t i tu in te t ambém é responsáve l pe la fa lênc ia do
p ro je to po l í t i co democrá t i co da te rce i ra repúbl ica.
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
Mas, as diversas crises dentro do cenário polít ico brasi leiro
despertam diversas insurgências que culminam, mais tarde, no Golpe
de 1964, em que, mais uma vez, o Brasil vivencia a instauração da
ditadura. Dentre as crises, a promulgação da Emenda Const itucional nº
4, estabelece o sistema parlamentarista no Brasi l, tendo sido derrubada
em 1963 pela EC nº 6.
Basicamente, a polít ica nacional se pautava no
estabelecimento de critérios conservadores. Tanto que,
economicamente, o projeto de desenvolvimento de Vargas era mantido.
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No campo econômico e s tabeleceu c r i té r ios para o
aprovei tamento dos rec ursos minera is e de ener g ia
e lé t r i ca, o que acabou sendo uma cont inuação do
p ro je to desenvo lv iment i s ta in i c iado po r Var gas .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
Outra importante discussão levantada na Assembleia
Constituinte foi a questão do divórcio. Com grandes e acalorados
discursos manteve-se, por pressão da Igreja Católica, indissolúvel
desse instituto jurídico.
Quanto ao controle de constitucionalidade, percebe-se:
a . rep resen tação para in tervenção da Un ião no Es tado
e des te no Mu nic íp io (ar t s . 7º e 23 ) , exc lu ído o D is t r i to
Fe dera l cu jo Pre fe i to e ra no mead o e demiss íve l ‘ad
nutu m’ pe lo Pres iden te da Repúbl i ca;
b . o poder do Senado de s uspende r , no t odo ou e m
par te , a execução de le i s ou dec retos achados
incons t i tuc ionais por dec isão def i n i t i va do Supremo
Tr ibuna l Federa l (ar t . 6 4) ;
c . o recurso ex t rao rd i ná r io das causas dec id id as e m
única ou ú l t i ma ins tânc ia por out ros t r ib una is e ju í zes
(a r t . 101, I I I ) ; e
d . o pr i nc íp io da reserva de p lenár io (a r t . 20 0) .
( F IL H O , 2 0 0 8 )
1964, O ANO DITATORIAL, A CONSTITUIÇÃO DE 1967 E A EC DE 1969
Com diversas instabil idades no plano polít ico brasileiro,
Jango, em 1964, sofre um golpe e é deposto pelos mil itares. É, mais
uma vez, a Ditadura dando suas caras. Talvez seja este um dos mais
duros e ferrenhos golpes à democracia brasileira.
Esse período, com duração de 1964 a 1985, foi recheado por
Atos Insti tucionais, muitos dos quais estabelecidos com grande força
de perseguição polít ica. Muitos foram asilados em outros países,
dentre os quais, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, entre outros. Isso sem contar nos diversos mortos
e desaparecidos polít icos. Const itucionalmente, o país foi regido pela
Carta outorgada em 1967 (com seus respectivos AI ’s, bem como a
Emenda Const itucional de 1969) até 1988, quando, pelo Senador
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Ulisses Guimarães, a atual Const ituição Federal foi promulgada;
portanto, com vigência de 21 anos.
História
Em 31 de março de 1964, um duro golpe estoura no Brasil ,
dando início ao período ditatorial no Brasi l. Na madrugada do dia 31 de
março de 1964, um golpe militar foi def lagrado contra o governo
legalmente const ituído de João Goulart. A falta de reação do governo e
dos grupos que lhe davam apoio foi notável. Não se conseguiu articular
os mil i tares legalistas. Também fracassou uma greve geral proposta
pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) em apoio ao governo
(CASTRO, 2013).
Com isso, João Goulart parte do Rio para Brasíl ia no dia 1º de
abri l (data em que, historicamente, passa a ser conhecida como a
instauração do regime militar no Brasil ). Ele também vai para Porto
Alegre, encontrar-se com Brizola, que tentava deflagrar a resistência.
Mesmo com a insistência de Leonel Brizola, João Goulart desiste e se
dirige ao Uruguai, de onde retorna em 1976. E antes de Goulart sair do
país, o Presidente do Senado, Auro Moura de Andrade, declara a
vacância do cargo de Presidente da República. Graças a isso, Ranieri
Mazzil l i , Presidente da Câmara, ascende interinamente ao cargo,
conforme previsto na Constituição de 1946.
Abr in do-se um par ênt ese , os f a tos ocor r idos na D i t adura p odem se r l embrados at rav és do
Museu da Res is tênc ia , loca l i zado na Zona Cent ra l da c idade de São Paulo . Lá , por mei o
de d iv ersos recurs os mid iá t icos , é poss íve l te r uma idé ia do qu e e ra o Reg ime Mi l i t ar
dent ro e fo ra do p aís . As própr ias ce las em qu e os presos e ram j ogados t raduzem bem o
que fo i o pe r íodo d i t a to r ia l dent ro do país .
O Me m o r i a l d a R e s i s t ê n c i a d e S ã o P a u l o , u m a i n i c i a t i v a d o G o v e r n o d o E s t a d o d e S ã o P a u l o p o r m e i o d e s u a
S e c r e t a r i a d a C u l t u r a , é u m a i n s t i t u i ç ã o d e d i c a d a à p r e s e r v a ç ã o d e r e f e r ê n c i a s d a s m e m ó r i a s d a r e s i s t ê n c i a e
d a r e p r e s s ã o p o l í t i c a s d o B r a s i l r e p u b l i c a n o ( 1 8 8 9 à a t u a l i d a d e ) p o r m e i o d a m u s e a l i za ç ã o d e p a r t e d o e d i f í c i o
q u e f o i s e d e , d u r a n t e o p e r í o d o d e 1 9 4 0 a 1 9 8 3 , d o D e p a r t a m e n t o E s t a d u a l d e O r d e m P o l í t i c a e S o c i a l d e S ã o
P a u l o – D e o p s / S P , u m a d a s p o l í c i a s p o l í t i c a s m a i s t r u c u l e n t a s d o p a í s , p r i n c i p a l m e n t e d u r a n t e o r e g i m e m i l i t a r .
- i n http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8&Itemid=14 grifo meu
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Os primeiros atos foram de violenta repressão aos setores
polít icos. Muitos foram presos i legalmente e casos de tortura passam a
f igurar a recente História do golpe de 1964.
Nos pr i mei ros d ias após o go lpe, uma v io l enta
rep ressão at ing iu os se tores po l i t i camente ma is
mobi l i za dos à esquerda no espec t ro po l í t i co, como po r
exemp lo o CGT, a União Nac i ona l dos Es tudan tes
(UNE), as L igas Camponesas e g rupos ca tó l i cos como a
Juventude Un ive rs i t ár ia Cató l ic a (JUC) e a Ação
Popul ar (AP) . Mi lh ares de pessoas f ora m p resas de
modo i r regu la r , e a ocor rênc ia de casos de to r tu ra f o i
comu m, espec ia lmen te no Nordes te. O l íde r comuni s ta
Gregó r io Be zer ra, po r exempl o, fo i ama rrado e
a r ras tad o pelas ruas de Rec i f e .
( C A S T R O , 2 0 1 3 )
O Comando Supremo da Revolução, composto por Francisco
de Assis Correia de Melo (Brigadeiro da Força Aérea), Augusto
Rademaker (vice-Almirante da Marinha) e Artur da Costa e Silva
(General do Exército), inicia a edição dos Atos Inst itucionais, meio
inventado à época sem fundamentação jurídica alguma e que não era
previsto pela Constituição Federal v igente, cujo objetivo era justi f icar
os atos adotados pelo governo ditatorial. À época, foram abertos
diversos Inquéritos Policiais-Mil itares, conhecidos como IPM’s, com a
f inal idade de se verif icar atos considerados subversivos.
Quanto ao Direito, esse é um dos mais devastadores da
Histór ia recente do país. Isso porque muitos dos Direitos Fundamentais
são esquecidos, rasgados pelos “soberanos” da nação. Aqui, o
processo democrát ico é esquecido e o Poder Soberano está,
novamente, centralizado. Diversos cidadãos brasi leiros t iveram
suspensos seus direitos polít icos, parlamentares têm seus mandatos
cassados, muitos servidores (públicos, mil i tares e civis) são demit idos
ou aposentados.
Apesar de truculento, houve aceitação de alguns setores da
sociedade brasileira.
Ent retanto, o go lp e mi l i ta r f o i saudado por i mpor tan tes
seto res da soc ie dade b ras i l e i ra . Grande p ar te do
empresar i ad o, da imprensa, dos propr ie tá r ios ru ra is , da
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I gre j a cató l ica, vá r ios governadores de es tados
impor tan tes (como Car lo s Lacerda , da Guanab ara,
Magal hães Pinto, de M inas Gera is , e Ademar d e B ar r os ,
de São Paul o) e amplos se tores de c lasse mé dia
pedi ram e es t imu la ram a in te rve nção mi l i t ar , como
forma de pôr f i m à a meaça de esquerd i zação do
governo e de cont ro lar a c r i se econômic a.
(CAS TRO, 2 013)
Além disso, até mesmo governos de outros Estados passam a
aceitar o Golpe de 1964.
O go lpe t ambé m f o i receb ido com a l ív io pe l o governo
nor te -amer icano , sat is fe i t o de ve r que o Bras i l não
segu ia o mes mo cami nho de Cuba, onde a gue r r i lha
l i de rada por F ide l Cast ro hav ia consegu id o toma r o
poder . Os Estados Unidos acompanha ram d e per to a
conspi ração e o desenro lar dos acon tec imen tos ,
p r inc ipa l men te a t ravés de seu emb aixad or no Bra s i l ,
L inco l n Gordon, e do ad ido mi l i t ar , Vernon Wa l ters , e
hav iam dec id i do , a t r avés da sec reta "Operaç ão B ro ther
Sam", dar a poi o logís t i co aos mi l i ta res go l p is tas , caso
es tes en f rentasse m uma l onga res is tênc ia por pa r te de
f orças lea is a Jango .
( C A S T R O , 2 0 1 3 )
Foi um dos períodos mais negros da história. E, mesmo diante
de profundas transformações oriundas do pós-guerra, lembrando que a
Segunda Grande Guerra fora f inalizada em 1945, quase 20 anos antes
do Golpe Mil itar, o Brasil ainda se prolongou num regime totali tár io,
marcado por diversos momentos conturbados tanto no cenário polít ico
como no social. E, embora o país experimentasse um boom econômico
com o crescimento da economia, período chamado de O Milagre
Brasileiro, instaurara-se a involução democrática da qual, ainda hoje,
se contabil iza o saldo com a tentativa de se abrir os registros of iciais
que estão sob sigi lo.
E, em meados dos anos 1980, após diversos acontecimentos,
a queda do Regime Mil itar é vista com a eleição de José Sarney para o
cargo de Presidente da República.
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O aspecto legal do Regime Militar
Os AI’s foram normas expedidas entre os anos de 1964 e
1969. Esses atos t inham, por imposição do governo mil itar, a
equivalência de lei const itucional, sendo sua natureza considerada
como norma const itucional. Ao todo, foram editados e aceitos 17 Atos
Institucionais, regulamentados por 104 complementares.
Com a saída de Goulart do poder, tendo Mazzil l i ocupado seu
cargo (de forma constitucional), a junta de revolucionários, composta
por 3 mi li tares, just if icam a tomada do poder com o objetivo de
combater a corrupção e a “infi l tração comunista” na administração
pública, nos sindicatos, nos meios mili tares e em todos os setores da
vida nacional (CALICCHIO, Vera, 2013).
E, em 9 de abril, é editado o primeiro dos Atos Institucionais,
composto por 11 artigos, cujo Preâmbulo era afi rmativo, dizendo que
ser indispensável fixar o conceito do movimento civi l e mil itar que
acaba de abrir ao Brasil uma nova perspect iva sobre o seu futuro. O
que houve e continuará a haver neste momento, não só no espíri to e no
comportamento das classes armadas, como na opinião pública
nacional, é uma autênt ica revolução - (Acervo da Ditatura, 1964). No
art. 2º, já havia a previsão de eleições indiretas, desenhando, assim,
aquilo que seria o início, ao menos nos aspectos legais, do Regime
Mili tar Brasi leiro.
A e le i ção do Pres id ent e e do V ice-Pres iden te da
Repúbl ic a, cu jos mandatos t ermina rão em 31 ( t r i n ta e
um) de janei ro de 1966, será rea l i zad a pela ma io r ia
abso lu ta dos membros do Congresso Nac i ona l , de n t ro
de 2 ( do is ) d ias , a conta r des te A to, em sessão púb l i ca
e vo tação nomina l .
( A c e rv o d a D i t a t u r a , 1 9 6 4 )
Embora este tenha sido o primeiro, outros foram mais
pontuais. O AI-2, editado em 27 de outubro de 1965, vem e dissolve a
estrutura eleitoral brasi leira13, dando f im aos partidos polí t icos do país.
13
Composto de 33 artigos, o AI-2 redefiniu de forma autoritária os termos do AI-1, estabelecendo a eleição indireta para a presidência da República, a dissolução de todos os partidos políticos então existentes, o aumento do número de ministros do STF de 11 para 16 — o que garantia ao governo a maioria nesse tribunal e
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Dia a dia, os Atos Inst itucionais vão se intensif icando e
mostrando a real face do Regime Militar. Com os novos moldes de
governo, sob a premissa de que a Revolução necessitava de maior
substância jurídica, é redigido o AI-3 (editado em fevereiro de 1966).
Esse ato foi feito com vistas à eleição de um Poder Const ituinte, ainda
que de maneira subjetiva, conforme inscrito em seu preâmbulo:
CONSIDE RANDO que o Poder Const i t u i n te da
Revol ução lhe é i n t r í nseco, nã o apenas para
ins t i tuc ional i zá- la , mas p ara assegura r a cont inu idade
da ob ra a que se prop ôs, confo rme expresso no A to
ins t i tuc ional n º 2 – g r i f o meu.
(Acerv o da D i ta t ura, 19 64)
Neste cenário em que temos o país envolto por um regime
total itário, obviamente, ainda faltava a edição Constitucional, sendo
clara a evidência, um ano antes, de sua edição iminente pelo Ato
Institucional nº 3.
Apesar disto, fazendo um parêntese analít ico proposto por
Leonardo Augusto Barbosa14, cabe não apenas ver o regime e seus
aspectos legais de maneira superf ic ial, sendo necessário se debruçar,
pensar e tentar enxergar mais a fundo todo o Regime e as leis que nele
vigoraram, tarefa esta que, como diz Leonardo, f icou atrelada apenas,
ao que parece, para historiadores e cientistas sociais, uma vez que
este período histórico é possuidor de uma enxurrada de leis. Contudo,
deixemos isto para uma outra oportunidade, visto que é, de fato,
necessário fazermos essa análise mais profunda, mas que essa análise
obscurecia a distinção entre justiça ordinária e justiça revolucionária —, a reabertura do processo de punições dos adversários do regime e a impossibilidade de reeleição do presidente da República. Ainda segundo o documento, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, o presidente poderia decretar o estado de sítio por 180 dias sem consulta prévia ao Congresso, ordenar a intervenção federal nos estados, decretar o recesso do Congresso e demitir funcionários civis e militares “incompatíveis com a revolução”, além de emitir atos complementares e baixar decretos-leis sobre “assuntos de segurança nacional”. (CALICCHIO, Vera, 2013) 14 Os vinte e quatro anos que separam o golpe militar de 1964 e a promulgação da Constituição de 1988 constituem um período sobre o qual os juristas brasileiros pouco se debruçaram, em especial após a redemocratização. A mais longa ditadura brasileira conta, é claro, com os indefectíveis “comentários” à Constituição, como testemunham os trabalhos de Pontes de Miranda ou Themístocles Cavalcanti, mas a tarefa de pensar o regime militar parece ter ficado para os historiadores e cientistas sociais. Mesmo nesse campo, levou tempo até que o “cerco do esquecimento” se enfraquecesse. – in (BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade, 2012)
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não configura, ao menos seguindo este critério mais profundo, objeto
deste trabalho.
Após o AI-3, uma propositura de Constituição começa a f igurar
dentro do cenário jurídico brasi leiro. Um pré-projeto, iniciado em
meados 1966, começa a ser produzido para a feitura de um novo texto
constitucional, incorporando todos os elementos permanentes dos atos
inst itucionais e complementares, bem como os diversos decretos e leis
promulgados a partir de 1964 (CALICCHIO, Vera, 2013). E, em 6 de
dezembro daquele mesmo ano, o projeto, escrito por Francisco Campos
e Carlos Medeiros da Silva15, foi publicado.
Logo após a publicação do anteprojeto, como nomeia João
Carlos J. Silva, muitos foram os protestos, até mesmo de alguns
setores do ARENA, dadas as extravagâncias absurdas, como cita o
refer ido professor, existentes no texto do que, então, poderia se tornar
a Constituição do país.
Há ex t ravagânc ias absurdas no ante pro je to , que
superam em mui to a da Cons t i tu ição Polaca qu e a
in f luenc iou , co mo a não inc lusão de um cap í tu lo sobre
os d i re i tos e ga ran t ias ind iv id uais , po r ach ar , o seu
auto r , qu e isso era maté r ia de le i ord inár ia . Co nsegue-
se com esse p ro j e to a des t ru ição de mais de 200 a nos
de avanços na Te or i a Cons t i tuc iona l .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
Ainda segundo João Carlos J. Si lva, a maior preocupação
estava em estabelecer a normalização tr ibutária. E que a função desta
constituição não era a de organizar, mas a de just if icar o ato de 1964.
É ponto pac í f i co que o p r inc ipa l o b je t i vo dessa
cons t i tu ição não era a ga rant ia de d i re i t os , n em a
regulamentação do exerc íc io de f unções do Poder , nem
impr imi r um pro je to ao Bras i l , t ra ta -se de u ma das
e tap as f undament a is na busca de se ins t i tuc i onal i zar o
mov i mento de 1964 . Por ta nto , um tex to que só me rece
ser l embrado para que nã o se co metam novamente os
mesmo er ros .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
15 Carlos Medeiros Silva – Ministro da Justiça do Brasil que editou o pré-projeto do texto constitucional, publicado em dezembro de 1966.
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É interessante, ainda, observar que no texto, logo no art. 1º,
no §1º, a inscrição de que todo poder emana do povo. Analisando o
cenário, era justamente o que não se observava, dado que os Direitos
não foram respeitados, tão pouco observados pelo Estado Ditatorial.
Mas, ainda, o pior estava guardado. Outros Atos Institucionais
foram sendo editados até 1969 (com especial atenção ao AI-5, que
torna o Regime Mil itar ainda mais t irano), ano em que se edita a EC de
1969, que, basicamente, f igura, segundo algumas correntes
doutrinárias, como uma nova Constituição, dado que seu texto altera
praticamente quase que toda a Carta de 1967.
Ainda em 1967, com a insurgência de frentes opostas à
Ditadura, setores da sociedade começam, um ano mais tarde, a apoiar
com maior aceitação, a se opor ao regime ditator ial. Diversos são os
conf li tos estudantis e a represália ditator ial é aumentada. Proíbe-se,
em 5 de abri l de 1967, por meio da Portaria nº 177, manifestações
públicas organizadas pela Frente Ampla. Até mesmo, na eleição
sindical, o governo passou a exigir um atestado de ideologia, como
forma de reprimir toda e qualquer oposição ao regime.
Em setembro de 1968, o Deputado Márcio Moreira Alves
(MDB) conclama o povo a um “boicote ao mil itarismo”, de maneira que
a população não participasse dos movimentos comemorativos de 7 de
setembro. Seu pronunciamento foi considerado um verdadeiro ultraje,
sendo ofensivo “à dignidade das Forças Armadas”. Em 12 de dezembro,
a Câmara nega o pedido de dar l icença para o Governo de processar o
deputado e, no dia seguinte, em resposta, edi ta-se o AI-5, um dos
piores editados até então. Vale ressaltar que o discurso do deputado
foi apenas um subterfúgio para que o regime pudesse estender ainda
mais seus atos e sua força dentro do cenário polít ico nacional.
Relac ion and o d i re tamente sua ed içã o com o inc idente
na Câmara — na ve rd ade o d iscurso de M ore i ra A lves
f o i ape nas um p retex to, já que as med idas r e lac iona das
e ram as mesmas defe ndi das pe los mi l i t a res desde ju lho
— o A I -5 au to r i zou o p res id ente da Repúbl i ca,
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i ndependente de qua lquer aprec iação ju d ic ia l , a
decretar o recesso do Congresso Nac ional e de out ros
ó rgãos leg is la t ivos , a in te rv i r nos es tados e mun ic íp ios
sem as l imi tações prev is tas na Cons t i tu i çã o, a cas sar
manda tos e le t ivos e a suspender por de z anos os
d i re i t os po l í t i cos de qua lquer c idadão, a dec reta r o
conf isco de “bens de todos quantos t enha m enr iquec ido
i l ic i t amente ” e a suspender a ga ran t ia de habeas -
corpus . Ainda no d ia 13 de dezembro , o AC-38 d ecretou
o recesso do Congre sso Nac iona l po r t empo
indeter minado.
( C A L I C C H IO , V e r a , 2 0 1 3 )
Avassalador, o AI-5 destituiu o Congresso e ainda deu mais
espaço ao mil itar ismo no país, além de prender diversos membros da
polít ica e de outros setores da sociedade. De maneira bem sucinta,
esse ato gerou diversos outros e, genericamente falando, ainda
permitiu a edição da EC-1969, que quase revoga a carta constitucional
de 1967.
Com os acon tec iment os ocorr idos no Bras i l e no mundo
em 1968, a junta mi l i ta r de gover no sent iu -se acuada e
dec ide , l ide rada por seu novo pres iden te, o Genera l de
l i nha d ura, Ar thu r da Cos ta e S i l va, o f echamento t o ta l
do reg ime, es te que ve i o expresso no A to I ns t i tuc io nal
n º 5 , de 13 de de ze mbro de 196 8, a t ravés do qua l a
Const i tu ição de 1967 de ixou de v igora r d e f a to .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
E. C. 1969 – Constituição ou não, eis a questão
Profunda instabilidade começa a assolar o cenário polít ico
brasi leiro, muito embora o país esteja, no aspecto econômico,
vivenciando o Milagre Brasileiro, cujo crescimento econômico variava
entre 7% e 13% ao ano, entre 1969 e 1973 aproximadamente. Era a
colheita do que fora invest ido em infraestrutura até então.
Mas, apesar de a economia do país estar propensa a bons
frutos, não se diz o mesmo no campo polít ico. A truculência do governo
está aumentando a insat isfação de diversos setores sociais e
manifestações diversas ocorrem, mesmo com o duro e pesado crivo da
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censura, nas mais variadas formas, seja pela arte, pela música ou
qualquer outro instituto.
Com o AI-5, houve a suspensão do Habeas Corpus para
crimes políticos, a segurança nacional, a ordem econômica e social. O
Ato ainda dá margem para a intervenção do Estado na propriedade, por
meio de conf iscação, que poderia ser decretada pelo Presidente da
República, devendo o interessado a defesa de seu direito à
propriedade legit imando sua aquisição e, assim, podendo reavê-los.
É mais evidente, no campo da prática, que o Poder é imposto
ao Povo e não originado dele, ainda que, em l inhas gerais, a Carta
Constitucional declare que o Poder emana do povo (art. 1º, §1º da
Constituição Federal de 1967, tendo-se mantido este artigo).
E, embora a EC 1969 tenha sido assim denominada, diz J.
Afonso da Silva que ela é, a bem da verdade uma nova Constituição,
alegando que apenas houve, aí, um mecanismo de outorga. Segundo
ele, por ter se promulgado o texto inteiro reformulado, deve-se atribuir
a ela esse status de Const ituição Federal no aspecto técnico-teórico.
Assim, muitos doutrinadores a denominam como Carta Ditatorial.
Dado seu status , além da força que lhe foi imputada, houve aí
um mecanismo de supremacia que regeu o país até a promulgação da
atual Constituição Federal, fazendo com que essa Carta-Emenda
tivesse grande importância, dado que seus poderes superaram,
segundo João Carlos J. Silva, à Const ituição Imperial e mesmo a
Constituição de 1937.
As carac te r ís t i cas re l evan tes da Car ta Di ta tor ia l são a
supremac ia e a cent ra l i zação de poderes no Poder
Execu t i vo, o que lhe con fer i u uma enorme a uto r id ade,
t ornando-o o ún ico rea lme nte efe t i vo. Essa exper iênc ia
f orma l i za da na Car t a supe ra em mu i t o a da Const i t u i ção
de 1824 e mesmo a de 1937, reve lando qu e esse f o i o
per íodo d e nossa h is tór ia em que t ivemos o governo
mais a uto r i t á r io .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
Ressalte-se, pois, que a não reação ao regime imposto pelos
mili tares é, talvez, expl icável pelo cenário contemporâneo vivenciado
AS CONTITUIÇÕES DO BRASIL - DE 1824 A E.C. 1969 RGM 1340697 | Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL)
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pelo Povo à época, haja vista que diversos países estavam regidos por
esta égide. Lembremo-nos que a América Latina vive esse contexto
apoiada pelos Estados Unidos, cujo respaldo se baseia no fantasma da
Guerra Fria. Ainda há de se lembrar de que alguns autores dizem que,
no Brasil, a Ditadura foi mais branda que em outros países como a
Argentina por exemplo. Contudo, há de se levar em consideração os
contextos internos e não externos, além de se verif icar outro fator
determinante: o Brasil ainda desconhece a extensão do que foi o
Regime Mili tar Brasi leiro, pois muitos arquivos ainda estão fechados,
outros foram perdidos e alguns, segundo fontes de imprensa (inclusive
not iciadas em televisão), queimados ou enterrados para o não
conhecimento públ ico.
Basicamente, até aqui, dentro do Regime Ditatorial, as
pseudo-promulgações tentam transmitir um Brasil democrát ico que não
existe. O clamor do Povo não é ouvido pelos seus “representantes”,
que tentam, com mão de ferro, manter a ordem total i tária pela ode de
que o governo mil i tar instalado no Brasil é a melhor escolha. Contudo,
as revoltas e movimentos começam a cr iar mais força.
E, após diversas emendas em sua estrutura, a Const ituição-
Ditatorial perde seu poder, pois, f inalmente, em 1987, o Poder
Constituinte inicia-se novamente. Agora, com novas aspirações, o país
se vê num momento único. Os anseios de um país em que os direitos
fossem respeitados e a voracidade pela retomada democrática,
traduzem bem o que, mais tarde, se tornaria na atual Carta
Constitucional, promulgada em 1988, depois de diversos movimentos
sociais conseguirem, realmente, fazer valer a premissa de que o Poder
emana do Povo (dispostas mesmo nas Const ituições do Regime
DOCUMENTOS DA DITADURA MILITAR QUEIMADOS/ESCONDIDOS
Folha de São Paulo - http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1912200402.htm Jornal A Tarde - http://atarde.uol.com.br/noticias/1322261 Isto É - http://www.istoe.com.br/reportagens/259689_DOCUMENTOS+SECRETOS+DA+DITADURA
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Mili tar). Com isso, o paradoxo existente entre o que dizia o cenário e o
art. 1º da Const ituição, f inalmente deixou de existir, pois, de fato,
compôs-se a f igura de que o Poder emanava, ali, do Povo.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
É evidente a necessidade de conhecermos ainda mais nossa
história, sobre quem somos e, talvez mais, sobre o que conquistamos.
Ao longo dos anos, o Brasil conseguiu sair de ditaduras, das quais o
sangue se misturou ao grito de l iberdade. Querer comparar a História
dos diversos povos sem valorizar a Histór ia do Brasi l é, a bem da
verdade, a maior estupidez que muitos brasi leiros, infel izmente, fazem.
Assim, dizer não ter havido luta e que o Brasil é omisso em lutar por
seus direitos é jogar fora a dedicação de muitos que morreram e de
muitos que, mesmo vivos, clamaram por um Estado Democrático de
Direito.
Como muito maravilhosamente i lustra Leonardo Augusto de
Andrade Barbosa, a análise do Regime Mil itar f icou restr ita demais aos
historiadores e cientistas sociais, devendo ser melhor analisada, com
os devidos cr itérios, por juízes e doutrinadores do Direi to. Até porque,
sob o ponto de vista da Ciência Jurídica, foi um período rico em
diversos aspectos, entre eles, os mecanismos de controle social, como,
por exemplo, os Atos Institucionais, além, é claro, das demais leis que
foram vigentes no país à época. E mesmo antes da Ditadura Mil itar,
observa-se uma riqueza sem precedentes à Ciência Jurídica, dado que
temos diversos aspectos a serem conhecidos ao longo da História
Jurídica Brasileira.
Com base nas Constituições, desde a primeira, outorgada em
1824, até a atual, percebe-se a evolução conquistada por todos os
brasi leiros, tanto no aspecto jurídico quanto no aspecto científ ico da
Polít ica. O atual texto constitucional, embora não tenha sido o objeto
de estudos deste trabalho, nos mostra conquistas, analisadas pelo
conhecimento das demais Cartas Constitucionais, sem precedentes, de
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riqueza imensurável. A Const ituição de 1988 traz consigo uma evolução
gigantesca, sendo amplamente caracterizada não apenas por uma
evolução histórica, mas social e cultural do país, conferindo-lhe a
característica de ser, por isso, eclética16 segundo alguns doutrinadores.
Quanto aos Direitos Fundamentais, acredito, que esses
acontecimentos da História tenham sido de grande importância para a
construção do atual Diploma Const itucional. Af inal, o caráter social de
nossa Constituição também se dá pela observação do cenário global
em que o Brasi l v ive. Até porque, diferentemente da Constituição de
1964, o Brasil passou a olhar o mundo de outra maneira, com visões
projetadas para o futuro da nação. Tanto o é que, em sua estrutura, é
possível observar os Fundamentos da República, com nít ida l igação ao
passado, mas, além, os Objet ivos Fundamentais da nação, mostrando
esse caráter vis ionário para garantir direitos a serem conquistados aos
seus no futuro.
Assim, com base na anál ise histórica das const ituições,
percebe-se claramente que houve mais do que uma evolução no
pensamento e ordenamento constitucional, uma vez que os
constituintes conseguiram observar para mais do que a necessidade
presente, enxergando as possibil idades que poderiam e ir iam surgir,
permitindo a posit ivação de direitos que possam emergir ao longo de
sua vigência, tornando o Estado Brasileiro em Estado Democrático de
Direito.
Além disso, pode-se, ainda, verif icar que o caráter socia l
adquir ido pela Carta Constitucional de 1988, sendo ela conhecida como
Constituição Social e Cidadã, dado que suas garantias fundamentam-se
no bem estar de todos e, de fato, conferindo o Poder ao Povo. É a
retomada da Democracia no Brasil.
16 Diz-se que a Constituição Federal é eclética justamente por se interligar com a ideia democrática dos movimentos sociais que surgiram com as passeatas e manifestações exigindo eleições diretas, movimento este denominado Diretas Já. Esse anseio popular por um novo momento e uma nova concepção derruba o Regime Militar instaurada em 1964, permitindo, mais tarde, a criação da Constituição de 1988, também conhecida no ramo do Direito como a Constituição Cidadã. Assim, nas palavras de Dirley da Cunha Júnior, a Constituição é aquela que logra contemplar, plural e democraticamente, várias ideologias aparentemente contrapostas, conciliando as ideias que permearam as discussões na Assembléia Constituinte. Em outras palavras, ela é eclética. – Disponível em http://www.editorajuspodivm.com.br/i/f/CONST-%20OAB%20-%20SITE.pdf
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O interessante neste período e, em particular, na Constituição
Federal de 1988, é que há grande part icipação popular, fato que
demonstra o claro anseio do povo brasi leiro por mudanças e por
melhores condições sociais e jurídicas.
Porém, a nova Const i t u in te j á se in ic ia com g rande
par t i c ipação popu la r , po is a popu lação acompanh ava
passo a passo os t rabalhos da assemble ia q ue e legeu
de manei ra l iv re e d i re ta , a t ravés do r ád io no p ro grama
A Voz do Bras i l ou a t ravés das cons tan tes in ter rupç ões
para as t ra nsmissõ es dos t raba lhos na te l ev isão.
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
E isso foi proporcionado pelo enfraquecimento do regime e
pela força que ganhou o movimento Diretas Já, que abarcou milhões de
pessoas com as mais variadas visões polít icas.
Talvez, uma das mais claras e evidentes formas de mostrar a
não aceitação do regime ditatorial se vê na questão da pluralidade
partidária, dado que, com o AI-5, houve quase que a ext inção partidária
no país.
E, num ponto de vista histórico, a retomada de diversos
inst itutos jurídicos mostra a evolução constitucional do período. Há,
ainda, de se trazer a questão da criação do Mandado de Injunção, um
disposit ivo novo trazido pelo novo texto constitucional. Disposit ivo este
muito polêmico entre os doutrinadores neste momento.
Dent ro dos c i tados avanços t razi dos pe la Magna Car ta
o mais s i gn i f i cat i vo é o Mandado de In junçã o, po is a lém
de se r uma inovação j ur í d i ca, é funda menta l para a
e fet iva rea l i zação dos precei tos Const i t uc ionais . Tra ta -
se de uma ação cons t i t uc iona l que f o i co locada a
d ispos ição d e qu em se cons ide re t i tu la r de qualque r
d i re i t o , pre r rog at i va ou l i berd ade não v iáve is po r fa l ta
de norma in fer io r ex ig i da pe la própr ia Const i t u i ção . Os
dout r in adores d ebatem sobre a sua au to -ap l icab i l ida de,
ou se essa inovaçã o, apesar de seu conteúdo, t ambé m
necess i t a de regu la mentação. Dev i do à na tur eza do
ins t i tu to nos pos ic ionamos fav oráveis a p r ime i ra
corrente qu e en ten de que sua es fe ra d e a tuação não
necess i t a de regulamentação c omplementa r , po r
j us tamente combate r a ne cess idade de regulamenta ção
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dos D i re i tos gar ant idos na Const i t u i çã o para que esses
se jam efe t i vos .
( S I L V A J . C . , 2 0 1 1 )
E, com o dizer de Ulisses Guimarães, um dos constituintes,
José Afonso da Silva diz:
É a ‘Const i tu ição C idadã ’ , na expressão de U l i sses
Gui marães, P res i den te da Assemble ia Cons t i tu in te que
a p rodu ziu, porque teve a mpl a pa r t i c ipação popul ar em
sua e l aboração e espec ia lmente po rque se vo l ta
dec id i damente pa ra a p l en a re a l i zação da c idadania.
( S I L V A J . A . , 2 0 0 5 )
Outra importante característica desta Carta é a ratif icação
pelo Povo Brasi leiro. Esse mecanismo, o plebiscito, não era previsto
nas cartas que foram outorgadas; essa possibi l idade ocorreu pela
ADCT (Atos das Disposições Constitucionais Transitórias), prevendo a
realização da escolha popular pelo sistema e pela forma de governo
(república/monarquia; presidencial ismo/parlamentarismo), tendo esta
consulta sido prevista para 7 de setembro de 1993 (mas, efet ivamente,
adiantada para 21 de abri l do mesmo ano – 1993 – pela EC 2/92), ou
seja, c inco anos depois da promulgação da Const ituição.
E, embora atualmente esteja sendo comentada a possibil idade
de mudanças no texto constitucional, muito há de se falar, dado que,
num artigo17, o atual vice-presidente da República diz ser impossível
efetuar mudanças em alguns pontos da Constituição, sobretudo no que
tange à Reforma Polít ica. Interessante é ver que os anseios do Povo
apontam para uma reforma polít ica, tendo apoio de alguns
doutrinadores para a possibi l idade de mudanças18 nas cláusulas
pétreas (desde que estas mudanças não sejam negativas, ou seja, não
agridam a tudo o que se conquistou e que se melhorem os direitos e se
amplie sua concretização), alguns polít icos ainda não se posicionam
17
Temer, Michel. Não à Constituinte Exclusiva. Disponível em http://www2.camara.leg.br/a-camara/presidencia/gestoes-anteriores/michel-temer-2009-2010/artigos/NaO%20A%20CONSTITUINTE%20EXCLUSIVA.pdf 18 Dada por uma interpretação recente do Supremo Tribunal Federal, tendo como um dos defensores o Ministro Gilmar Mendes.
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nem em favor nem contra, dada a possibi l idade polêmica aventada pela
presidente Dilma Roussef (que, diante de protestos que eclodiram em
todo o país, como saída, sugeriu uma constituinte exclusiva).
Provavelmente, pela clara contradição entre o que disse Temer quando
era Deputado Federal.
Ainda, o mais interessante em nossa atual Const ituição
Federal é seu caráter social. Ela, sem dúvidas, abarca os ideais
l iberais oriundos da Revolução Francesa (Igualdade, Fraternidade e
Liberdade) sem que, com isso, se esqueçam as reais necessidades
sociais dos indivíduos, sobretudo, observadas ao longo da evolução
histórica vivenciada por todo o mundo com o advento da Revolução
Industr ial.
É dizer, em outras palavras, que nossa Carta Const itucional
traz consigo valores inestimáveis de proteção à vida, emanadas pela
carta dos Direitos do Homem e Cidadão, respeitando-o em sua
completude, garant indo Direitos Fundamentais adquiridos no processo
evolutivo da Histór ia da Humanidade. É uma Constituição regada pelos
valores que dela emanam. José Afonso da Silva, em Direito
Constitucional Esquematizado , denomina que tais valores são
supremos, inserindo-os em seu preâmbulo.
Além disso, outro importante marco na Const ituição de 1988
foi a instauração do federal ismo de 3º grau, conferindo aos municípios,
novamente, autonomia e os inserindo como entes federativos. Com
isso, eles têm administração própria e autônoma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É nít ida a evolução histór ica vivenciada pelo sistema jurídico
brasi leiro. E essa clareza se mostra, sobretudo, por sua lei maior, a
Constituição da República Federativa do Brasil , promulgada em 1988.
Nela, temas diversif icados são abrangidos, não f icando apenas
dispostos os mecanismos organizadores do Estado. Cabe dizer que
esses mecanismos que organizam o Estado brasi leiro se pode ver ao
longo da propositura de todas as constituições que vigoraram no país,
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mostrando que, tradicionalmente, temos herdado um sistema jurídico
complexo, no qual as Cartas demonstram clara preocupação não
apenas com a questão estrutural do Estado Brasileiro, mas com o bem-
estar de seus cidadãos, óbvio que, em casos específ icos, não se viu
essa f inalidade (caso, por exemplo, da CF de 1967, que teve um cunho
mais de posit ivar e justi f icar o golpe de 1964).
Embora a anseio por democracia do povo brasileiro tenha sido
alcançada, ao menos no diploma legal, ainda há desafios a serem
conquistados. Mas se observa clara evolução dos Direitos desde a
Constituição Imperial até a Constituição Federal de 1988, havendo
garantias importantes conferidas ao povo brasileiro, previstos
praticamente de forma integral no art. 5º do Diploma vigente.
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O Estado de São Paulo - acervo. (12 de 07 de 1934). Na Assembléa Constituinte discutiram-se problemas Políticos. Acesso em 05 de 09 de 2013, disponível em O Estado de São Paulo: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19340712-19853-nac-0001-999-1-not/busca/Constitui%C3%A7%C3%A3o+Federal Portal Brasil. (s.d.). Portal Brasil. Acesso em 03 de 09 de 2013, disponível em Portal Brasil: http://www.brasil.gov.br/sobre/o-brasil/periodos-historicos/imperio RODRIGUES, Pedro Augusto Rezende;. (s.d.). Constituições Brasileiras. Acesso em 03 de 09 de 2013, disponível em InfoEscola: http://www.infoescola.com/direito/constituicoes-brasileiras/ Senado Federal da República Federativa do Brasil. (2013). Senado Federal. Acesso em 21 de 08 de 2013, disponível em Senado: http://www12.senado.gov.br/noticias/entenda-o-assunto/constituicoes-brasileiras SILVA, J. A. (2005). Curso de Direito Constitucional Positivo (25ª ed., Vol. 1). São Paulo: Malheiros Editores Ltda. SILVA, J. C. (2011). Análise histórica das Constituições brasileiras. Ponto e Vírgula, 217 a 244. UOL. (s.d.). UOL Educação. Acesso em 05 de 09 de 2013, disponível em Uol Educação - Biografias: http://educacao.uol.com.br/biografias/olga-benario.jhtm
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ANEXOS
I . Capa do Jornal Folha da Manhã em julho de 1934, um dia após a
cerimônia de promulgação da Constituição Federal de 1934, a
segunda do período republicano brasi leiro.
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I I . O Estado de São Paulo – Publicação veiculada em 18 de julho de
1934 sobre a Const ituição
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I I I . Folha da Manhã – 10 de novembro de 1937
Diferentemente da Promulgação da C. Federal anterior, o jornal
não estampa na capa nenhuma menção á promulgação de uma
nova Const ituição.
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IV. Olga Benario
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V. Angel i – Charge sobre a Ditadura
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VI. Foto de: Alessandro Santana da Cunha – Disponível em:
http://www.google.com.br/imgres?sa=X&biw=1366&bih=643&tbm=isch&tbnid=cb8Wmu8YjHUFSM:&imgrefurl=http://tudoehist
oriasjc.blogspot.com/2010/09/uma-noite-em-64-ditadura-militar-
no.html&docid=a8hTw2o5Rb8WjM&imgurl=http://4.bp.blogspot.com/_FUwFxKcovto/TIq3gt4FDqI/AAAAAAAAAZk/jNNNwYQJLc
A/s320/golpe%252Bmilitar.jpg&w=400&h=279&ei=ssQ0UuqiIoLa9ASj2oGADg&zoom=1&ved=1t:3588,r:3,s:0,i:97&iact=rc&page=
1&tbnh=174&tbnw=254&start=0&ndsp=10&tx=130&ty=89
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VII. Protesto na Praça da Sé
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VIII. Diretas Já
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