artigo simpósio (observações)
Post on 15-Feb-2016
216 Views
Preview:
DESCRIPTION
TRANSCRIPT
Nome: Kamilla Thais Couto do NascimentoE-mail: millathais@gmail.com Telefone: (62) 8411-0223Instituição de origem: Universidade Federal de GoiásAtuação profissional: Educadora MusicalTemática escolhida: Musicologia e interfaces com a Educação
Nome: Fernanda Albernaz do Nascimento GuimarãesE-mail: albernaz.fn@gmail.comTelefone: (62) 99791563Instituição de origem: Universidade Federal de GoiásAtuação profissional: Professora e Pesquisadora
INICIAÇÃO INFANTIL À FLAUTA TRANSVERSAL NUMA PESRPECTIVA TRANSDISCIPLINAR
Resumo: O presente artigo um recorte da dissertação de mestrado que reflexiona acerca do ensino de flauta transversal na infância levando em conta a utilização de processos criativos. No contexto da transdisciplinaridade, o artigo em questão apresenta algumas propostas de interação com outras áreas do saber, como a litertura infantil, no processo de ensino e aprendizagem da flauta transversal. A base está nas ponderações de Volpe (2007) que chama a atenção para um saber transdisciplinar no contexto musicológico, mas que pode ser aberto para outras áreas, como a Educação Musical.
Palavras chave: Musicologia; Educação musical; processos criativos em música; ensino de flauta transversal para crianças.
Abstract: This article is an excerpt of the dissertation which reflects about flute teaching for children taking into account the use of creative processes. In the context of transdisciplinarity, this article presents some motions for interaction with other disciplines, such as child litertura, in the flute teaching. The groundwork is in the weights of Volpe (2007) calls the attention to the transdisciplinary knowledge in musicological context, but that can be opened to other areas, such as Musical Education.
Key Words: Musicology; Music Education; creative processes in music; flute teaching for children.
Introdução
A sociedade contemporânea está fortemente ligada à organização social que se
processou no final do século XVIII, consolidando-se no decorrer do século XIX com o
estabelecimento do capitalismo enquanto modo de produção dominante. No campo das ideias,
originou-se daí o chamado pensamento positivista, através dos escritos de Condorcet, Saint-
Simon e Auguste Comte (FAUSTINO; GASPARIN, 2001).
Segundo Silva (2004), o positivismo teve em Augusto Comte (1798-1857) seu
principal formulador. Suas ideias são articuladas através do uso de métodos de investigação,
como a observação, experimentação, dedução e comparação. Desta forma, o paradigma
positivista se apresentou como um instrumento capaz de desvendar, explicar e resolver os
problemas enfrentados pela humanidade, uma vez que, Segundo Castagna (2008), este
paradigma admitia como cientificamente válido apenas o conhecimento originário da
experiência, rejeitando os conceitos universais; sendo, portanto, a única realidade científica.
Os positivistas se empenharam em combater a escola humanista, religiosa, para favorecer a ascensão das ciências exatas. As ideias positivistas influenciaram a prática pedagógica na área das ciências exatas, sustentadas pela aplicação do método científico: seleção, hierarquização, observação, controle, eficácia e previsão. (ISKANDAR;LEAL, 2002 p.3).
As ideias de Augusto Comte tiveram e ainda tem reflexos na educação. O currículo
multidisciplinar, fragmentado, que restringe a relação entre diferentes disciplinas, é fruto da
influência positivista, que ao Brasil chegou no início da República, fortificando-se na década
de 1970, com a escola tecnicista.
Desse modo, é observável que o paradigma positivista influenciou também o ensino
de música nas escolas de ensino específico. Assim, a escola deveria privilegiar a busca do que
era prático, objetivo e claro. Dentro dessa ideia, nos conservatórios, onde a premissa básica
era oferecer ao aluno o caminho da performance musical, no que tange ao ensino de um
instrumento, o que reinava na maioria das escolas era uma repetição mecânica e exaustiva
com a finalidade de se conseguir transpor as dificuldades técnicas.
Percebe-se que nos últimos anos a ideia positivista influenciou o ensino e
aprendizagem de instrumentos musicais, pois se buscava apenas aquilo que fosse concreto
para se tocar de forma satisfatória. No entanto, em contraposição ao pensamento positivista e
abordando as ideias do sociólogo francês Edgar Morin, Nascimento (2012) afirma:
É preciso que as instituições formadoras saibam construir, por intermédio de seus professores, uma “cabeça bem feita”, o que significa que os alunos, em vez de meramente acumularem saber, devem dispor ao mesmo tempo de uma aptidão geral e de princípios organizadores, devem ser ensinados a viver (p.106).
Uma concepção puramente profissionalizante pode afetar a capacidade criativa do
aluno. Assim, seguindo a ideia de complexidade, atualmente vê-se a necessidade de buscar
novas formas de levar o conhecimento musical e técnico ao aluno de instrumento. A
educação influenciada pelos ideais positivistas é algo reducionista que perde uma
considerável parcela de conhecimento. Por esse motivo, a educação musical deve acontecer
dentro da ideia de transdisciplinaridade, passando pelas diversas áreas do saber (FAUSTINO;
GASPARIN, 2001).
Adentrando no campo da musicologia nota que esta já vem debatendo nos últimos
anos a questão do saber transdisciplinar. Assim, buscando base nas reflexões de Volpe
(2007), que chama a atenção para a transdisciplinaridade, este artigo objetiva despertar uma
visão integradora dos aspectos que compõem o aluno no processo educacional. Com base no
saber transdisciplinar, proposto pela musicologia, questões fragmentadoras do ensino,
provenientes do pensamento positivista, seriam minimizadas, dando lugar à liberdade e a
criatividade.
Nessa perspectiva, surge o problema de que as ideias positivistas influenciaram o
ensino de instrumentos musicais, visando puramente a profissionalização do aluno, o que por
sua vez pode afetar sua capacidade criativa. Assim, o presente estudo objetiva reflexionar
sobre o ensino de flauta transversal para crianças de cinco e a sete anos de idade, levando-se
em consideração a utilização de processos criativos como a composição e improvisação,
fundamentando-se sobretudo na ideia de transdisciplinaride, ou seja, na interação com outras
áreas de conhecimento.
Musicologia e transdisciplinaridade
A expansão da musicologia no Brasil como atividade científica foi essencialmente
orientada por uma historiografia positivista, evolucionista e eurocêntrica, com manutenção do
interesse biográfico e muito mais ênfase nos compositores do que em suas obras
(CASTAGNA, 2008). Entretanto, Castagna afirma que a musicologia, a partir da década de
1990, começou a se estabelecer no Brasil e teve como objetivo a superação do modelo
positivista e a procura por novas teorias que pudessem explicar o significado dos fenômenos
estudados. É nesse contexto que Volpe (2007) observa que, enquanto disciplina, a
musicologia brasileira necessita de um re-equacionamento de seus paradigmas e objetivos, em
consequência da crescente institucionalização da música nas universidades brasileiras. Volpe
ainda ressalta a falta de diálogo entre a musicologia e a sociedade, ou mesmo entre esta e a
comunidade acadêmica.
[...] o relativo isolamento da musicologia brasileira se deva [...], sobretudo à sua desatualização teórico-conceitual. [...] Os estudos históricos, antropológicos, sociológicos, literários e visuais [...] se alinham com as abordagens mais atualizadas de suas disciplinas e [...] manifestam substantiva transdisciplinaridade (VOLPE, 2007, p.109).
Percebe-se que num contexto transdisciplinar Volpe enxerga uma interação da
musicologia com outras disciplinas, assegurando que a transdisciplinaridade emerge da
constante busca por alternativas que permitam a elaboração de um discurso musicológico que
ultrapasse as fronteiras da disciplina. Nessa linha de pensamento, Nicolescu (2001) revela que
a transdisciplinaridade é a transposição das fronteiras entre as disciplinas numa articulação de
saberes que passa entre, além e através das disciplinas. Segundo Nicolescu, a
transdisciplinaridade está ao mesmo tempo na esfera disciplinar, entre as diversas disciplinas,
e num caminhar para além delas, buscando a compreensão do conhecimento pela
complexidade, o que supera o pensamento positivista. É nessa linha de pensamento proposta
por Volpe e Nicolescu que este trabalho visa articular o ensino da flauta transversal
interagindo com outras áreas do saber, no caso deste artigo com a literatura.
Processos criativos e interação com a litertura no ensino de flauta transversal para crianças
Segundo Santiago (2006) a composição e a improvisação são elementos relevantes
para a aquisição de conhecimento musical e de habilidades especificamente instrumentais, tais
como o desenvolvimento de habilidades técnicas. Para Brito (2003), a prática da improvisação
permite perceber, refletir e conscientizar o conceito de música e ampliar sua dimensão. É
nessa linha de pensamento que Beineke (2008) observa que os educadores e pesquisadores
estão reconhecendo que, através da composição, os alunos podem manifestar suas ideias
musicais de forma própria, revelando como pensam musicalmente.
Com base no argumento desses autores, esta proposta de ensino da flauta transversal
pretende que a aula de instrumento seja um espaço para a construção de um fazer musical
significativo. Nesse sentido, um princípio importante é o de "fazer música", isto é, aprende-se
música fazendo música, tocando, cantando, improvisando e criando. Para isso, precisamos
oportunizar as crianças ao envolvimento com práticas musicais significativas, valorizando a
sua cultura, ou seja, o que ela traz consigo, e estimulando a sua produção musical durante a
aula.
Tais processos acontecem quase sempre de forma simultânea e se dão pela necessidade
de grafar a atividade, mesmo que por meios não convencionais, para que se obtenha o registro
e que se possa preparar o aluno para as novas experiências musicais que estão por vir, como a
grafia tradicional da música, por exemplo. Tais processos acontecem quase sempre de forma
simultânea e ocorrem pela necessidade de grafar a atividade, que são realizados por meios não
convencionais, objetivando o registro inicial e a preparação do aluno para as novas
experiências musicais que estão por vir, como a grafia tradicional da música.
A partir do conhecimento do aluno é que são realizadas as propostas de atividades
com os temas da composição e improvisação. Para isso, é preciso levar em conta o
conhecimento prévio que o aluno possui acerca do instrumento como, por exemplo, quais
sons consegue produzir. Feito este rápido mapeamento, passamos então para a atividade de
improvisação e composição.
Neste primeiro momento, que acontece uma exploração sonora na flauta transversal,
é feito um “planejamento musical” que se caracteriza em delimitar os elementos que serão
utilizados na atividade. A delimitação destes elementos ocorre para mostrar à criança, por
exemplo, que ela é capaz de realizar tal atividade tocando apenas três notas ou produzindo
sons de altura indefinida utilizando partes ou somente o bocal da flauta transversal.
Os sons, que foram criados e sugeridos pelo aluno, podem ser dispostos de maneira
livre e em qualquer parte da música. Depois disso, uma partitura não convencional é realizada
pela própria criança, de maneira não restritiva de se grafar a música que ela tocou. Esse tipo
de atividade pedagógica vem promovendo o interesse do aluno para com o instrumento cada
vez mais, porque este se vê diretamente envolvido no fazer musical.
Quanto à interação com a literatura é importante ressaltar que as histórias fazem
parte do cotidiano das crianças e são um elemento do conjunto cultural que elas já trazem
consigo antes mesmo de realizarem sua primeira aula de instrumento musical. Como
professor, ao longo dos anos, procurei aplicar elementos musicais às histórias que as crianças
já sabem ou já tiveram algum contato. Estes elementos musicais fazem parte de uma série de
abordagens metodológicas para facilitar o processo de aprendizagem musical da criança à
flauta transversal. Utilizar histórias, no contexto educacional musical, é aproximar-se da
criança através de sentimentos como a emoção, a curiosidade e a afetividade.
Como toda atividade artística, a música enquanto fenômeno estético, envolve expressão emocional. (...) Considerando que há sempre um embasamento afetivo no exercício da música, este deve ser explorado pelo educador em seu trabalho educacional (...) (SEKEFF, 2004, p.59-60).
Na primeira aula de flauta transversal é mais fácil obter a atenção e o entusiasmo da
criança, propondo que ela mesma crie sonoridades relacionadas a uma história. Dessa forma,
uma criança pode se sentir encorajada a participar ativamente de uma aula de instrumento
musical até o último minuto, pois neste contexto estão sendo trabalhados elementos que
fazem parte do universo infantil. “Podemos trabalhar com histórias prontas, com contos de
fadas, recorrendo a livros só de imagens, inventando, pedindo a colaboração das crianças,
etc.” (BRITO, 2003, p. 170).
Se ao contrário dessa proposta de ensino disséssemos à criança que apenas segurasse
o bocal da flauta e o soprasse varias vezes até obter o som desejado – o que acontece
comumente em aulas iniciais de flauta transversal – em alguns minutos a criança estaria
desestimulada pela repetição cansativa e sem sentido para ela.
Uma história muito comum entre as crianças de cinco a sete anos é a dos Três
porquinhos. Abaixo está o trecho que escolhemos para trabalhar inicialmente em sala de aula.
“Quem tem medo do lobo mau!
Lobo mau, lobo mau.
Quem tem medo do lobo mau!
Lobo mau, lobo mau!...”
O trecho é cantado pela professora substituindo-se a palavra ‘mau’ por um sopro no
bocal, que deve estar destacado do corpo da flauta. A professora canta e a criança sopra,
depois os papéis são invertidos para que a criança possa observar a maneira com que a
professora emite o som com o bocal da flauta.
Dessa forma, a criança treina o ato de soprar e desenvolve gradativamente a
musculatura necessária à embocadura. Se a criança não conhece ou não lembra a história em
sua totalidade, conta-se uma versão resumida e dando ênfase ao outro trecho a ser trabalhado,
momento em que o lobo derruba a casa de palha e posteriormente a casa de madeira. Neste
caso, trabalha-se um dos parâmetros do som, que é a intensidade.
Derrubar a casa de palha exige um sopro brando, que resultará em um som piano e
derrubar a casa de madeira exige um sopro forte, que resultará em um som forte. Por fim,
pode-se contar a história inteira e criar mais sons para esta história como, por exemplo, um
som para cada personagem. Neste último contexto, proporciona-se à criança uma ampliação
de conhecimentos e uma consciência mais elaborada da compreensão de som e silêncio.
As histórias trabalhadas em aula podem advir de diversas fontes da literatura infantil,
pois caracterizam-se em um trabalho voltado para a imaginação e a fantasia. “O Flautista de
Hamelin,” por exemplo, é uma história do folclore alemão, em que um fato incomum
acontece e um flautista é chamado para salvar a cidade. Esta atividade seria feita em mais de
uma aula e poder-se-ia trabalhar alguns aspectos técnicos da flauta transversal como postura;
respiração; embocadura e outros aspectos da teoria musical como o ritmo; duração e
intensidade dos sons. Este enredo é atrativo, pois a figura do flautista é um arquétipo de
super-herói, ou seja, um modelo que faz parte do universo infantil e que as crianças apreciam
em demasia.
Diversos livros podem ser trabalhados na aula de música e o enredo da história não
precisa conter elementos musicais. Ouvir os alunos e saber quais são seus interesses é
fundamental neste processo. De nada adiantaria utilizar uma história desconhecida ou
desinteressante aos olhos infantis. Se a história não pode aproximar a criança ao que se quer
ensinar é preciso mudar de tática e buscar outro enredo. Como resultado desse processo de
interação Burnard (2000) apud Beinke (2008) afirma que as práticas musicais das crianças
levam professores a se tornarem pesquisadores, uma vez que observam e se engajam nos
mundos musicais dos alunos. Para o autor, uma consequência dessa abordagem para a
pedagogia musical é que ela será transformadora por natureza, porque está em ressonância
com a visão que os alunos têm de si mesmos.
Considerações Finais
Num contexto globalizante em que o saber se fragmenta dia após dia, a prática de
utilizar processos criativos como a improvisação e composição na iniciação infantil à flauta
transversal tem contribuído para facilitar o processo de aprendizagem, amenizando aspectos
desanimadores como a repetição continua de elementos técnicos para se obter o som no
instrumento. Antes de ensinar, devemos nos comprometer com a formação dos alunos,
facilitando o caminho para que eles sejam capazes de produzir conhecimento e dialogar
transdisciplinarmente, como menciona Volpe (2007), com outras áreas do saber como, por
exemplo, a literatura, ou mesmo a própria musicologia em sua análise dos fenômenos
musicais que perpassam num contexto social, derrubando assim muitos pressupostos
cristalizados no positivismo comtiano.
Referências
BEINEKE, Viviane. A composição no ensino de música: perspectivas de pesquisa e tendências atuais. Revista Abem, [s.n.], n. 20, set. 2008.
BRITO, Teca Alencar de. Música na educação infantil. São Paulo: Peirópilis, 2003.
CASTAGNA, Paulo. Avanços e perspectivas na Musicologia Histórica brasileira. Revista do Conservatório de Música da UFPel., Pelotas, n.1. p.32-57, 2008.
FAUSTINO Rosângela Célia; GASPARIN, João Luiz. A influência do positivismo e do historicismo na educação e no ensino de história. Acta Scientiarum, Maringá, v. 23, n. 1, p.157-166, 2001.
NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 2001.
SANTIAGO, Patrícia. A integração da prática deliberada e da prática informal no aprendizado da música instrumental. Per Musi, Belo Horizonte, n.13, p.52-62, 2006.
SEKEFF, Maria de Lourdes; ZAMPRONHA, Edson (Org.). Características psicológicas da música. In: Revista Arte e Cultura III Estudos Transdisciplinares. São Paulo: Annablume, 2004.
SILVA, João Carlos. Utopia positivista e instrução pública no Brasil. Unioeste Revista, Campinas, n.16, p. 10-16, dez. 2004.
ISKANDAR, Ibrahim; LEAL, Maria Rute. Sobre positivismo e educação. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 3, n.7, p. 89-94, set./dez. 2002.
NASCIMENTO, Fernanda Albernaz do. Educação musical sob a ótica do pensamento complexo. Revista da ABEM, Londrina, v. 20, n.27, p.105-116, jan.\jun.2012.
VOLPE, Maria Alice. Por uma nova musicologia. Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília, Brasília, ano 1, n. 1. p.107-122, 2007.
top related