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EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROVISÓRIA TRABALHISTA – LIMITES DA CLT,
AVANÇOS DO CPC E SUA NECESSÁRIA APLICAÇÃO AO PROCESSO DE EXECUÇÃO
TRABALHISTA
Marcos Neves Fava
Juiz do trabalho titular da 89ª vara de São Paulo,
mestre em direito do trabalho pela USP, professor da
Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares
Penteado – FAAP.
Sumário. 1. Introdução. 2. Correção: execução de sentença
provisória, não execução provisória de sentença. 3.
Superioridade dos créditos trabalhistas. 4. Inovações do
processo executivo civil comum. 5. Aplicabilidade genérica do
novo sistema de cumprimento da sentença ao processo do
trabalho. 6. Mudanças do regime de cumprimento definitivo de
sentença provisória no código de processo civil reformado. 7.
Conclusão: paradoxo de inversão dos valores constitucionais. 8.
Conclusões. 8. Bibliografia mencionada.
Palavras-chaves: execução, fase provisória, avanços da
legislação comum, aplicação do novo processo executório civil à
execução trabalhista.
1. Introdução.
O tempo assombra o processo.
Assim como o poeta constatou que “lutar com
palavras é a luta mais vã”1, mas insiste em com elas batalhar, “mal
rompe a manhã”, o processo trava sangrenta guerra contra o tempo,
que, em regra, viola, dilacera e prejudica o direito.
1 Carlos Drummond de Andrade, “O lutador”.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO2 ensina, estribado em
CHIOVENDA, que apto é o processo que consiga dar a quem tem
direito, tudo o que lhe for devido “onde for possível produzir
precisamente a mesma situação que existiria se a lei não fosse
descumprida, que sejam proferidas decisões nesse sentido e não
outras meramente paliativas”.
Como lembra BARBOSA MOREIRA3, para atestar que
a crise invasora do processo contemporâneo guarda íntima ligação
com a perda de sua eficácia:
“a preocupação de tornar mais efetivo o
processo vem sendo ultimamente em nosso País e
no estrangeiro, nota constante na produção
doutrinária no pensamento de quantos
participam da atividade forense”.
VINCENZO VIGORITTI4 identifica duas dimensões
para o tempo, em sua relação com o processo:
“em um nível estrutural, se distingue entre
tempo de espera e tempo técnico. Os tempos de
espera são aqueles necessários para que a causa
ritualmente introduzida seja tomada em
consideração, e os tempos técnicos são aqueles
necessários à decisão”
Não se trata, apenas, de solucionar-se a crise
estrutural pela qual atravessa o Judiciário, há décadas, sendas
2 A instrumentalidade do processo. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, pp. 297/8 3 “Efetividade do processo e técnica processual”. in Revista da Procuradoria Geral do
Estado de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, dezembro de 1994, página 151. 4 “Notas sobre o custo e a duração do processo civil na Itália”. in Revista de Processo.
São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 11, número 43, julho-setembro de 1996, p. 145.
estreitas e sem visão de um horizonte aprazível, como adverte
MONIZ ARAGÃO5, que o aumento do número de juízes “não é solução
para o crescimento do volume de litígios”. É da extensão do tempo
técnico, que abalroa a ordenação do próprio processo, em seus
ritos, prazos e, sobretudo, na leitura judicial que for realizada
desses mesmos tropeços.
KAZUO WATANABE alerta que a busca da ordem
jurídica justa6, deve preponderar sobre o mero 'acesso ao
judiciário', marcando como importantes, para efetividade de tal
princípio, (a) a criação de instrumentos processuais capazes da
útil, justa e tempestiva prestação jurisdicional; (b) a
proporcionalidade entre a estrutura da organização judiciária e o
volume dos serviços judiciários; (c) o recrutamento adequado de
servidores e magistrados; (d) a remoção de óbices ao acesso à
justiça; e (e) a pesquisa sobre causas dos litígios e sobre os
meios de sua solução judicial ou não.
Os muitos instrumentos de mudança do processo,
havidos e evoluídos nas últimas décadas, acenam para a melhora do
cenário, na 'luta vã' que trava a justiça com o tempo, sempre
perdida, ao cabo, porque a delonga não prejudica quem não tem
direitos tuteláveis e sempre menoscaba quem os tenha.
A presente reflexão centra-se num dos aspectos
da abreviação do processo, identificado com a execução provisória
de sentença, a partir da ótica comparativa dos sistemas
executórios trabalhista e civil comum, com vistas a propor a
5 “As tendências do processo civil contemporâneo”. In Revista Gênesis de Direito
Processual Civil, v. 11, jan-março de 1999, p. 155. 6 “Tutela antecipatória e tutela específica nas obrigações de fazer” in TEIXEIRA, Sálvio
de Figueiredo. Reforma do CPC . São Paulo: Saraiva, 1996, p. 20.
incidência do último sobre o primeiro, galgando-se, neste, maior
efetividade.
2. Correção: execução de sentença provisória,
não execução provisória de sentença.
A consagrada expressão, no uso corrente do
estudo do processo, “execução provisória de sentença”, merece uma
ressalva inicial, vez que os atos são definitivos, pendendo com
caráter provisório a ordem de que emanam, isto é, a própria
sentença. Da ensinança de MARINONI e ARENHART7 colhe-se que “os
atos executivos alteram a realidade física, e, portanto, não podem
ser classificados como provisórios e definitivos”. Tais autores
indicam no artigo 64, § 2º da lei 8245/91, expressivo exemplo do
viés definitivo dos atos da execução, o qual permite, no caso de a
execução provisória do despejo restar revista em apelação, à parte
despejada apenas a indenização, não o retorno ao imóvel. Em nada
se confundem os conceitos de imutabilidade dos efeitos da sentença
e condição de sua eficácia. A pronta execução de sentença pendente
de recurso é eficaz, embora ainda não cristalizada pelos efeitos
imutáveis que lhe atribuirá, afinal, o trânsito em julgado. Tanto
a provisória, quanto a sentença definitiva NÃO se distinguem, no
que toca ao plano da efetividade, como lecionam MARINONI e
ARENHART8, com apoio em LIEBMAN:
“É um grande equívoco imaginar que a execução
não pode atingir seu fim apenas porque é
fundada em sentença provisória. A
7 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Execução – 2ª ed. revista atualizada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008, p. 367. 8 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Execução – 2ª ed. revista atualizada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008, 371.
provisoriedade da sentença se liga à sua
imutabilidade e não à sua eficácia. Uma
sentença pode ser provisória ou mutável e levar
à realização do direito do autor”
Se a execução será definitiva, ainda que de
comando sentencial provisório, mais correto é falar-se em execução
de sentença provisória, em lugar de execução provisória da
sentença. O caráter definitivo da execução sobrepuja o traço
provisório do provimento em que se funda.
3. Superioridade dos créditos trabalhistas.
Dizer super-privilegiados, os créditos
trabalhistas, é dizer o óbvio.
Desde a definição do direito social, em que se
inserem os direitos trabalhistas, tem-se apreendido o caráter
elevado deste objeto de tutela.
CESARINO JÚNIOR9, ao sustentar a adequação da
nomenclatura “direito social” para a cadeira recém instalada de
direito do trabalho na Faculdade de Direito da USP, assim
desenhava o direito social:
“direito social é a ciência dos princípios e
leis geralmente imperativas, cujo objetivo
imediato é, tendo em vista o bem comum,
auxiliar as pessoas físicas, dependentes do
produto de seu trabalho para subsistência
própria e de suas famílias, a satisfazerem
convenientemente suas necessidades vitais e a
9 Direito social. São Paulo: LTR/EDUSP, 1980, pp 48 e 49.
ter acesso à propriedade privada”
MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA e JORGE LUIZ
SOUTO MAIOR10 lecionam, cotejando direito social e direito liberal:
“O fato é que, como se pode ver, o Direito
Social não se restringe às normas de Direito do
Trabalho e do Direito da Seguridade Social.
Trata-se, isto sim, de uma regra de caráter
transcendental, que impõe valores à sociedade
e, conseqüentemente, a todo ordenamento
jurídico. E que valores são estes? Os valores
são: a solidariedade (como responsabilidade
social de caráter obrigacional), a justiça
social (como conseqüência da necessária
política de distribuição dos recursos
econômicos e culturais produzidos pelo
sistema), e a proteção da dignidade humana
(como forma de impedir que os interesses
econômicos suplantem a necessária
respeitabilidade à condição humana)”
Ministra MARIO GARMENDIA ARIGÓN11 a necessidade
de centralizar-se o homem, na incidência do ordenamento jurídico,
sem prescindir, para isto, da prevalência do encurtamento do tempo
na satisfação de seus direitos:
“A presença da pessoa humana como eixo
fundamental do sistema determina o envolvimento
10 “O que é direito social”, in CORREIA, Marcus Orione Gonçalves (org.). Curso de direito
do trabalho. Volume 1 – teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2007, p. 26.
11 Ordem pública e direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2003, p. 78.
de uma série de valores profundos que exigem e
merecem tratamento privilegiado da parte do
ordenamento jurídico, pois fazem parte do que
habitualmente costuma chamar-se consciência
jurídica coletiva ou patrimônio jurídico da
humanidade”.
Para modificar, transformar, revolucionar, o
direito social impõe-se a partir de resistência12 plena, não
parcial, nem transversal, assumindo característica de elemento da
ordem pública, não como a concebem os liberais – a ordem de
organização do Estado e seus conseqüentes –, mas como revolução
desse mesmo conceito, inovadoramente, como acentua MARIO GARMENDIA
ARIGÓN:
“A grande contribuição que dá o direito do
trabalho para a evolução do pensamento jurídico
é precisamente a de questionar o sentido e os
conteúdos que a escola liberal havia atribuído
à noção de ordem pública e postular sua
redefinição a partir de premissas e finalidades
substancialmente distintas das anteriores. É o
surgimento do que haveria de se denominar a
ordem pública social”
Para concluir:
“Uma vez mais, o Direito do Trabalho contradiz
os ideais de práticas do liberalismo, ao
defender que a única forma de garantir uma 12 Conceito desenvolvido com completude por VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência:
possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. São Paulo: LTR, 1996.
verdadeira igualdade é regulamentar, limitar e
conduzir o âmbito reservado á autonomia da
vontade. O novo Direito adverte que não é
precisamente o valor liberdade que se tutela
quando se habilita o trabalhador para
manifestar “livre” e “eficazmente” sua vontade
para se obrigar a realizar longas jornadas de
trabalho em troca de salários deploráveis e
tampouco de amparar esse valor essencial quando
a esse mesmo trabalho se reconhece a
discricionariedade para dispor do esforço
laboral de seu filhos menores”13.
O artigo 100, da Constituição da República,
regula os precatórios, excluindo deles as prestações alimentícias
e se expressa, quanto a estas, no parágrafo:
“§ 1º-A. Os débitos de natureza alimentícia
compreendem aqueles decorrentes de salários,
vencimentos, proventos, pensões e suas
complementações, benefícios previdenciários e
indenizações por morte ou invalidez, fundadas
na responsabilidade civil, em virtude de
sentença transitada em julgado”
Alimentares, os direitos trabalhistas gozam de
superioridade inquestionável no plano constitucional, a começar
pela abertura da Carta, em que se preconiza, como fundamento do
estado, o respeito à dignidade do homem e ao 'valor social do 13 AGIRÓN, Mario Garmendia. Ordem pública e direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2003,
pp. 73 e 72.
trabalho', pedra de toque, depois, da ordenação da economia
nacional, no artigo 170.
De direitos especiais, cuida, pois, a execução
trabalhista, a dela exigir presteza, efetividade e abreviação.
4. Inovações do processo executivo civil comum.
Desde a década de noventa, o processo civil
comum transforma-se, por meio de leis esparsas que alteram o corpo
geral do código de processo civil, em direção do aprimoramento da
prestação jurisdicional nesta seara. Em muitos aspectos, estas
modificações transmudaram o rito comum em algo parecido com o
processo ordinário do trabalho, de que são exemplos a citação por
correio e a audiência prévia de conciliação, sem contar a fiel
cópia do sistema trabalhista levada a cabo pela lei dos juizados
especiais (9.099).
Num particular, no entanto, avançou o código de
processo civil reformado em relação do processo judiciário do
trabalho, e tal aspecto relaciona-se com o procedimento
executório. Com efeito, as leis transformadoras do processo
comum,11.187, 11.232, 11.276, 11.277 e 11.280, todas de 2006,
criaram novíssimos critérios procedimentais para esta 'fase',
mostrando-se mais avançadas, superiores em eficácia e úteis ao
deslinde acelerado do litígio.
Enxergam-se quatro colunas, nas modificações
legislativas:
(1) a reunião dos qualificativos da sentença
aos elementos constituintes do antigo 'processo de execução', no
que se convencionou chamar de 'sentença sincrética', contentora de
força de exigibilidade;
(2) a simplificação da passagem de uma fase a
outra do processo – do conhecimento à execução – por mera
intimação do executado, por meio de publicação na imprensa
oficial, em nome de seu advogado;
(3) o aprofundamento dos atos executórios no
cumprimento de sentenças provisórias; e
(4) a melhora nos meios de expropriação,
abrindo-se novas alternativas à vetusta hasta pública.
No primeiro plano, em nada se modificou a
compreensão trabalhista do tema, já que, nesta seara, sempre a
execução foi tomada como mero desdobramento da sentença da fase de
conhecimento, ao revés do que antes preceituava o direito
processual comum. A inadequada expressão 'citação', contida no
artigo 880 da Consolidação das Leis do Trabalho, não
obstaculizava, desde sempre, a fixação doutrinária de que, no
procedimento trabalhista, esta nova fase seguia-se, num só corpo,
à anterior, de conhecimento. Inegável, no entanto, que o avanço na
intimação da parte por meio de seu advogado, represente efetivo
ganho na superação dos obstáculos que o tempo impõe à tramitação
do procedimento. Os atos físicos de expedição, assinatura,
encaminhamento, distribuição ao oficial de justiça, localização do
réu, intimação, ciência do ato, retorno para penhora, intimação da
penhora, redação da certidão e devolução à origem implicam, não
raro, dias, semanas ou meses de demora. Uma publicação, hoje
enviada eletronicamente à imprensa oficial, resolve-se em poucos
segundos e gera efeitos a partir de 48 horas, intervalo usual
entre a requisição e a publicação.
A melhoria nos atos expropriatórios, decorrente
da criação de mecanismos alternativos à hasta pública, como a
adjudicação imediata pelo credor, ou por sua indicação, a nomeação
de corretor e o usufruto14, concede ao processo abreviação
considerável, tendo-se em vista que a licitação exige formalidades
minudentes – edital, descrição do bem, intimação de todos os
relacionados com a posse ou a propriedade, realização de ato
público, designado com antecedência etc –, indica-o a prática,
mitiga o preço dos bens e atrai poucos interessados. Importantes
modificações que guardam aplicação ao processo do trabalho, mas
cuja análise, para os limites deste artigo, não se apropria.
A modificação que tem que tomar foco nasce com
o aprofundamento das regras da execução provisória, retius,
execução de sentença provisória.
Significativa é a regra de abertura, lançada no
artigo 475-O: “a execução provisória da sentença far-se-á, no que
couber, do mesmo modo que a definitiva”. Em seção própria,
analisam-se as modificações daí emergentes e seus impactos no
processo do trabalho. Mister enfrentar, antes, a possibilidade de
incidência das regras novas ao processo especializado.
5. Aplicabilidade genérica do novo sistema de
cumprimento da sentença ao processo do trabalho.
Para aplicação de quaisquer normas processuais
comuns ao processo do trabalho, a regra central de supletoriedade
14 Medidas previstas no artigo 647 do código de processo civil, que tem aplicação sobre o
cumprimento da sentença, embora se localize no capítulo da execução de título extrajudicial, por força do artigo 475-R do mesmo código.
emerge do texto do artigo 769 da Consolidação das Leis do
Trabalho, que exige dupla condição: afinidade principiológica e
omissão legislativa específica. Não é preciso empregar mais do que
uma linha para concluir que um procedimento mais célere e eficaz
guarda relação de 'afinidade principiológica' com o processo do
trabalho.
Já a investigação sobre a existência de omissão
no texto consolidado exige maiores cuidados.
Pondere-se, inicialmente, que a regra em
comento encetou-se para proteger o sistema processual, então muito
mais avançado do que o civil comum, de ritualizações indevidas.
Uma regra de blindagem do sistema especializado, para que ele não
se contaminasse com os retrocessos do outro ordenamento. Apenas um
de tantos exemplos desta proteção pode ser identificado na
concepção, já mencionada, de que 'execução' fosse, no processo do
trabalho, fase do feito de conhecimento, enquanto o código de
processo civil apregoava a necessidade de uma 'nova ação de
execução', para cumprimento da sentença.
Veio, assim, para proteger, não para isolar sem
quaisquer fundamentos, o método trabalhista contra investidas
retrógradas do sistema comum. Ora, se veio a proteger, esta
conclusão não pode ser perdida de vista, quando se examina a
hipótese de desnecesidade de proteção. Com efeito, se uma regra
processual comum apresenta-se mais benéfica aos fins do próprio
processo do trabalho, mister que se enxergue, aí, a
'desnecesisdade de proteção' do último dos modelos, para acolhê-
la.
O artigo 461 do código de processo civil,
alterado na década de noventa, foi acolhido com exaltação pelos
doutrinadores, em que pese já existir, então há anos, um sistema
de execução, que abrangia as obrigações de fazer, tipicamente
trabalhista. MANUEL ANTÔNIO TEIXEIRA FILHO15, processualista que,
hodiernamente, resiste à acolhida do processo comum no processo do
trabalho, esteve entre os que festejaram a aplicação do novel
sistema de cumprimento das obrigações de fazer, em franca
contradição com os argumentos destes dias, atestando que “no
processo do trabalho, essa faculdade do juiz poderá ter aplicação
ampla”.
Em que pese a inexistência de omissão
legislativa material – porque vigora, ainda, o decreto-lei 779/69,
específico de aplicação à Justiça do Trabalho – as modificações do
artigo 475 do código de processo civil, para limitar as hipóteses
de remessa voluntária, restaram acolhidas pelo sistema processual
especializado, com consagração até mesmo de súmula do Tribunal
Superior do Trabalho:
“Nº 303 - FAZENDA PÚBLICA. DUPLO GRAU DE
JURISDIÇÃO. I - Em dissídio individual, está
sujeita ao duplo grau de jurisdição, mesmo na
vigência da CF/1988, decisão contrária à
Fazenda Pública, salvo: a) quando a condenação
não ultrapassar o valor correspondente a 60
(sessenta) salários mínimos; b) quando a
15 As alterações no CPC e suas repercussões no processo do trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTR, 1995.p.93.
decisão estiver em consonância com decisão
plenária do Supremo Tribunal Federal ou com
súmula ou orientação jurisprudencial do
Tribunal Superior do Trabalho”.
Estes dois exemplos indiciam a possibilidade de
reconhecimento de que há omissões que não se traduzem por
inexistência de lei vigente, as chamadas omissões materiais ou
objetivas.
A evolução da idéia de lacuna no direito, vem
bem apreendida por MARIA HELENA DINIZ16:
“Assim sendo, o problema teórico da lacuna
jurídica aparece no século XIX, marcado pelo
fenômeno da positivação representada pela
crescente importância da lei e caracterizado
pela libertação que sofre o direito de
parâmetros imutáveis. De fato, com a
positivação cresce a disponibilidade temporal
do direito, pois sua validade se torna
maleável, podendo ser limitada no tempo,
adaptada a prováveis necessidades de futuras
revisões, institucionalizando a mudança e a
adaptação através de procedimentos cambiáveis,
conforme as diferentes situações,
possibilitando com isso um alto grau de
pormenorização dos comportamentos como
16 DINIZ, Maria Helena. DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 7ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2002. pp. 17-18.
jurisdificáveis, não dependendo mais o caráter
jurídico das situações de algo que sempre tenha
sido direito. O direito torna-se um instrumento
da modificação planificada da realidade,
abarcando-a nos seus mínimos aspectos”.
A concepção de ordenamento jurídico, com
requisitos de unidade, completude e coerência, inaugura-se nessa
fase da construção do direito. E BOBBIO17 demonstra que a
característica mais importante da teoria do ordenamento encontra-
se no erigir da idéia de completude, pois “representa o ponto
central, o coração do coração (se é lícita uma tal expressão) do
positivismo jurídico”.
O surgimento de uma sociedade mais complexa – e
cada vez mais complexa – trouxe um impeditivo claro à validade da
teoria inicial sobre a idéia de completude do ordenamento
jurídico, porque a velocidade de transformação da vida em grupo
(civilizada) não é acompanhada pela atualização das normas
positivas. Daí porque surgiram modelos teóricos alternativos que
visam a combater o dogma da completude, com destaque para a Escola
de Direito Livre, desenvolvida especialmente na Alemanha e na
França, cujos defensores sustentavam que para preenchimento das
lacunas, de que está cheio o direito, “é necessário confiar
principalmente no poder criativo do juiz” 18
Lacunas que devem corresponder à tríade que se
estabelece em qualquer ato jurídico, resultante da reunião das
17 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo:
Ícone, 1995, p. 207. 18 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10ª ed. Brasília: Editora da
Universidade de Brasília, 1999, p. 123.
idéias de norma-valor-fato, como expôs com maior clareza MIGUEL
REALE19 em sua teoria tridimensional do direito.
Se o fenômeno jurídico resulta da soma norma-
valor-fato, a ausência de um dos elementos enseja o reconhecimento
de lacuna. Noutras palavras, mesmo presente a norma (objetiva,
material), com o requisito da vigência, esvaziar-se-á sua
validade, ou se perderá sua eficácia, se não mais estiverem
aprumados e vigentes os fatores 'valor' e 'fato'. Surgem, no
ideário teórico, os conceitos de lacuna axiológica e lacuna
ontológica, para corresponder à ausência de fundamento do ato
jurídico, respectivamente, por superação dos valores em que se
fundou sua inauguração e de existência de novidades no mundo
fenomenológico que não mais justificam a coleta de validade à
norma positiva.
Sintetize-se: ainda que haja regra normativa
escrita vigente, a hipótese incidirá em lacuna, se os fatos novos
tiverem superado as razões de aplicação da lei ou se os valores
sociais houverem avançado para rumos que não se vislumbravam por
ocasião da positivação do texto. Um exemplo, para concretização do
argumento, simples e intransponível: a outorga uxória, autorização
da mulher casada, concedida pelo marido para que ela trabalhasse
fora, vigorou, como texto positivo, até a reforma da lei civil
comum, em 2002 – vigência a partir de janeiro de 2003 – e, ainda
assim, nenhum empregador, ao menos a partir da segunda metade do
século XX, exigia das empregadas tal autorização, porque os
valores sociais não mais admitiam eficácia à norma positiva.
19 Teoria Tridimensional do Direito, 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2003
Possível, pois, encontrar-se lacuna, quando da
existência material de norma expressa, qualificada como
formalmente vigente.
É o que se dá, no plano ontológico – alteração
dos fatos – com a execução trabalhista. Vige, mas não pode colher
efetividade, ante à existência, concomitante, de fato novo
(sistema processual civil mais avançado e que melhor atende às
finalidades do próprio processo).
6. Mudanças do regime de cumprimento definitivo
de sentença provisória no código de processo civil reformado.
O regime processual20 instituído pela
Consolidação das Leis do Trabalho indica, ao tratar do efeito
geral dos recursos trabalhistas, a execução, na pendência de
recurso, deve prosseguir até a penhora21, impedindo, com isto, atos
característicos da expropriação, como a liberação de valores ou a
alienação dos bens apresados. Já foi apresentada, no capítulo III,
a fundamentação teórica que sustenta a inaplicabilidade destes
regramentos, após a inovação do processo civil comum, razão pela
qual não se a repetirá nesta altura, sendo bastante a citação da
síntese esperançosa de LUCIANO ATHAYDE CHAVES22:
“Na Justiça do Trabalho, onde a legislação
admite a execução provisória somente até a
penhora, as normas do Códio, que deverão ser
adotadas por supletividade, dão um alento à
20 Esta seção, com algumas modificações formais, foi escrita pelo autor em sua tese de
doutoramento perante a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 21 Artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho: “os recursos serão interpostos por
simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora”.
22 A recente reforma no processo comum – reflexos no direito judiciário do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 48.
jurisdição executiva, que poderá avançar um
pouco mais”
Em que pese a crítica formulada por alguns23, a
reforma instituída pela lei 11.232/05 reveste-se de importante
novidade, porque desconstrói o incorreto paralelismo entre
sentença provisória-execução incompleta x sentença transitada em
julgado-execução completa. Em clássico magistério, LIEBMAN24
delineava a importância da distinção:
“o resultado do processo de conhecimento, a
declaração da verdade e do direito, como todas
as suas conseqüências, são assim deslocados do
momento da coisa julgada formal, que é o efeito
mecânico da omissão de um ato da parte, de
tempestivo ataque à sentença, ao ato do juiz
que instruiu e julgou a lide. O verdadeiro ato
jurisdicional, em que a lei encontra sua
atuação, reside na sentença, obra do juiz, ato
culminante do processo, e não na omissão da
impugnação e no decurso de prazo”.
Com efeito, o artigo 475-O estabelece que (a)
não há diferença entre o processamento da execução provisória (de
23 Como, por exemplo, lê-se em HERTEL, Daniel Roberto. Execução cível – estudos em
homenagem a Humberto Teodoro Júnior. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 731: “penso que o legislador foi tímido ao reformar a execução provisória. (...) Perdeu, de fato, excelente oportunidade para estabelecer, por exemplo, como regra geral, o recebimento da apelação no efeito somente devolutivo, invertendo-se a regra prevista no artigo 520 do CPC”.
24 Eficácia e autoridade da sentença – e outros escritos sobre a coisa julgada (com aditamentos relativos ao direito brasileiro), 2ª edição. Tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires – Tradução dos textos posteriores À edição de 1945 e notas relativas do direito brasileiro vigente de Ada Pellegrini Grinover. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 283.
sentença provisória, retius) e a definitiva (caput25), (b) a
execução incompleta faz-se por iniciativa, conta e risco do credor
(inciso I), (c) suspende-se, imediatamente, com a reforma da
decisão exeqüenda (inciso II), mediante (d) a liquidação de
eventuais prejuízos causados ao devedor nos mesmos autos.
A referência à 'iniciativa da parte' pode ser
mitigada no processo do trabalho, ante a regra geral de
disponibilidade dos atos executórios pelo juiz, contida no artigo
878 da Consolidação das Leis do Trabalho, eis que, não havendo
qualquer diferença ontológica entre a execução de sentença
incompleta e a daquela que já transitou em julgado, detendo o
magistrado do trabalho autorização para iniciar e conduzir ex
officio a segunda, tanto assim poderá fazê-lo. Tal conclusão
encontra resistências veementes26, mas, até de quem a abone27, colhe
restrição de prudência:
“em conclusão à questão posta, afirma-se que a
princípio a Consolidação das Leis do Trabalho
admite que a execução provisória decorra da
iniciativa do Juiz, de ofício. Porém, esta
iniciativa não se mostra recomendável (...)”
A iniciativa do juiz, quanto aos atos
executivos em sede de cumprimento de sentença incompleta,
possibilita criar dúvida, quanto ao dever do credor de indenizar a
parte contrária dos prejuízos por esta enfrentados, em razão dos
25 Artigo 475-O, caput: “A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do
mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas” 26 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Execução no processo do trabalho. São Paulo: Ltr, 2004, p. 205-06. 27 MORI, Amaury Haruo. “Execução provisória”, in SANTOS, José Aparecido dos (coord) Execução
trabalhistas – homenagem aos 30 anos da AMATRA IX, São Paulo: LTR, p. 701.
mesmos atos, o que torna mais prudente a conclusão de que a
autorização do artigo 878 limita-se às sentenças completas, as já
transitadas em julgado.
O restante do dispositivo aplica-se sem
tergiversações ao processo do trabalho, retirando-se a pronta
suspensão da execução provisória, da reforma ou anulação do
julgado exeqüendo, tanto como resolvendo-se nos mesmos autos os
prejuízos advindos da cobrança antecipada.
A execução de sentença provisória poderá
comportar, nos termos da lei em comento, atos expropriatórios,
como a liberação de depósitos em dinheiro e a alienação de bens,
como se lê no inciso III28 do artigo 475-O, mediante o oferecimento
de caução suficiente e idônea, nos próprios autos29. Tal caução
converte a execução provisória em definitiva30. Registre-se que em
cumprimento de sentenças contentoras de obrigação de fazer – como,
tipicamente, a de reintegrar empregado – os prejuízos não se
apreendem ordinários, porque os pagamentos que se realizam
correspondem ao serviço que o reintegrado desempenhará na
pendência da confirmação definitiva da decisão. A garantia exige-
28 “III - o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem
alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos”.
29 O que já foi reconhecido em algumas, raras, decisões trabalhistas: “AÇÃO CAUTELAR – CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO DE PETIÇÃO – IMPROCEDÊNCIA – Não se justifica a concessão de efeito suspensivo a agravo de petição na presente hipótese, haja vista que a decisão impugnada, que possibilitou a liberação de valores aos exeqüentes, ainda que em sede de execução provisória, está autorizada pelo art. 475-O, III, do CPC”. (TRT 8ª R. – AC 00354-2008-000-08-00-6 – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Marcus Augusto Losada Maia – DJe 18.08.2008)
30 “AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE SENTENÇA – LEVANTAMENTO DE QUANTIA PENHORADA – OFERECIMENTO DE CAUÇÃO – PREENCHIDOS REQUISITOS DO INCISO III DO ARTIGO 475-O DO CPC – RECURSO PROVIDO – Nos termos do artigo 475-O do CPC, é admitido, mediante a execução provisória, e desde que atendidos os requisitos legais, o levantamento de valores em dinheiro e a prática de atos de alienação, desde que não resulte em dano grave ao executado, fazendo-se regra o oferecimento de caução idônea como garantia da parte adversa (artigo 475-O do CPC)”. (TJMS – AG 2008.013078-5/0000-00 – Campo Grande – Rel. Des. Hamilton Carli – J. 21.07.2008)
se na hipótese de execução de obrigação de pagar.
A lei nova, no entanto, vai além e permite, em
duas situações, que a caução seja dispensada pelo magistrado31.
A primeira delas diz respeito ao exeqüente que
demonstre situação de necessidade, titular de crédito de natureza
alimentar ou decorrente de indenização por ato ilícito, até o
limite de sessenta vezes o salário mínimo. A demonstração do
'estado de necessidade' já se fez presente no ordenamento
brasileiro, na longínqua década de cinqüenta, quando promulgada a
lei 106032, que tratava da justiça gratuita. Naquela época, a lei
determinava que o interessado provasse seu estado de necessidade,
mencionando os encargos próprios e os da família, informando seus
vencimentos e acostado 'atestado' de que conste “conste ser o
requerente necessitado”. A evolução de tal diploma legislativo
acabou por extirpar a exigência da 'demonstração' do estado de
necessidade, bastando, desde 1986, que simples alegação da parte33.
Não há motivo para retrocesso e as hipóteses aproximam-se por
analogia, impondo-se a conclusão de que a mera alegação do
31 Que se encontram no parágrafo segundo do artigo 475-O: “§ 2º A caução a que se refere
o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada: I - quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade; II - nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação”.
32 Eis o texto, hoje revogado, do artigo 4º e seu parágrafo: “A parte, que pretender gozar os benefícios da assistência judiciária, requererá ao Juiz competente lhes conceda, mencionando, na petição, o rendimento ou vencimento que percebe e os encargos próprios e os da família. § 1º A petição será instruída por um atestado de que conste ser o requerente necessitado, não podendo pagar as despesas do processo. Este documento será expedido, isento de selos e emolumentos, pela autoridade policial ou pelo Prefeito Municipal, sendo dispensado à vista de contrato de trabalho comprobatório de que o mesmo percebe salários igual ou inferior ao dobro do mínimo legal regional”.
33 A declaração faz presunção relativa, podendo ser o interessado, em caso de demonstração em sentido contrário, apenado com até dez vezes as custas de que ficou dispensado, como se lê na atual redação do parágrafo primeiro do artigo 4º: § 1º. “presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais”.
interessado34 pode autorizar a dispensa da caução.
Cediço o caráter alimentar das prestações
trabalhistas, inclusive porque com este epíteto as trata a
Constituição da República, no já mencionado artigo 100, parágrafo
1º-A35. Ao lado destes, que compõem a maciça maioria dos títulos
executivos tramitantes na Justiça do Trabalho, aditem-se os que
decorrem de indenização por ato ilícito, que passam a surgir com
maior freqüência no processo do trabalho, ante a explicitação de
sua competência para julgar as lides oriundas em acidentes de
trabalho (artigo 114, VI). Em ambas as hipóteses, declarado o
estado de necessidade, até o limite equivalente a sessenta vezes o
salário mínimo, a execução torna-se definitiva, levantando-se
numerário, empreendendo-se praça ou leilão ou realizando-se carta
de fiança36.
A segunda hipótese, prevista pelo inciso II37
do artigo 475-O, não oferece qualquer limite (sessenta salários),
não identifica estado de necessidade do credor, tampouco indica o
objeto da sentença exeqüenda. Com efeito, o regramento que se põe
em estudo singelamente autoriza a conversão da execução provisória
em definitiva, isto é, o empreendimento de atos expropriatórios,
quando pender, apenas, agravo de instrumento em trâmite no Supremo
34 Daí a importância da cautela de intimar a parte contrária, para ciência e, no prazo
assinalado, comprovar a inexatidão do estado declarado pelo exeqüente. 35 “Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários,
vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado”.
36 Caso a execução seja superior, quando a carta de fiança será do importe total, a ordem judicial será de depósito, em Juízo, pelo fiador, do importe total da execução, liberando-se 60 salários mínimos e se mantendo o restante em conta vinculada ao processo.
37 II - nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.
Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça. A aplicação do
dispositivo ao processo do trabalho, proveitosa, há de observar
“que o agravo de instrumento deverá ser aquele em trâmite no
Supremo Tribunal Federal ou no Tribunal Superior do Trabalho, este
último que é o equivalente ao Superior Tribunal de Justiça para os
feitos que tramitam pelo processo comum”38.
A evolução legislativa toma em conta ser
reduzido o número de agravos de instrumentos que são conhecidos e,
ainda mais diminuto o dos que são providos, presumindo-se que, se
a sentença não foi alterada em instâncias ordinárias e, ainda, o
juízo de admissibilidade inicial não deu acolhimento aos recursos
extraordinários – o próprio, o especial e o de revista –,
dificilmente haverá alteração de rumos a essa altura.
Importa destacar que a expropriação não será
deferida, quando dela resultar risco de grave dano ou de difícil
ou incerta reparação. No processo do trabalho, a prática indica, a
liberação de valores ao reclamante, que em regra necessita deles
para sobrevivência e não dispõe de patrimônio a garantir qualquer
dívida, a incidência do dispositivo ocorrerá com ponderação, que
se tomará com base no conteúdo dos recursos interpostos. O risco
não se encontra na dificuldade de reparação da dívida, apenas, mas
será desencadeado, mais diretamente, pela probabilidade de revisão
do julgado, com o provimento das medidas recursais.
Superam-se, com isto, dois impeditivos
correntes no processo do trabalho, um de origem legal, outro,
38 CHAVES, Luciano Athayde. A recente reforma no processo comum – reflexos no direito judiciário do trabalho. São
Paulo: LTr, 2006, p. 47..
jurisprudencial. No plano da lei, o artigo 89939 da Consolidação
das Leis do Trabalho impede que se avance, em execução
'provisória', para além da penhora, ato que, realizado, paralisa o
feito, até o trânsito em julgado do comando sentencial. Já a
jurisprudência impõe uma inexplicável barreira à penhora em
dinheiro, bem preferencial, segundo o artigo 655 do código de
processo civil, durante a fase provisória de execução da sentença,
como se lê na súmula 417, III do Tribunal Superior do Trabalho.
Duas singelas medidas, que se traduzem em eficácia contumaz.
7. Conclusão: paradoxo de inversão dos valores
constitucionais.
A Constituição da República tutela, com ampla
força, o valor social do trabalho, reconhecido no Texto como
fundamento do Estado de Direito e como esteio da organização da
economia nacional – artigos 1º, IV e 170.
Desta perspectiva, os bens e valores
circundantes ao 'valor trabalho' merecem tratamento positivamente
diferenciado de todo o ordenamento. Aplicar-se ao processo comum,
que veicula dívidas patrimoniais disponíveis, em regra, medidas
procedimentais mais céleres do que as que incidem sobre a cobrança
dos haveres trabalhistas significa inverter a lógica
constitucional, em menoscabo à normatividade que se extrai, na
hermenêutica hodierna, do Texto Maior.
Suponha-se que o empregador deva, ao lado de
títulos rescisórios a seus empregados, alugueres vencidos.
39 Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo,
salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora.
Submeter-se-á, na cobrança judicial dos últimos, a uma execução
muito mais eficaz, do que aquela que, feita a penhora do bem – e,
em execução de sentença provisória, nunca em pecúnia – estacam-se
os atos procedimentais. Diante de tal circunstância, dando ouvidos
ao que o próprio ordenamento sugere, pagará, com prioridade, os
alugueres, encostando-se confortável no barranco da mítica
'execução provisória', até que sobrevenha o trânsito em julgado, o
que pode custar alguns anos.
Nem a lei ordinária, nem sua interpretação,
podem resultar e mitigação dos comandos constitucionais, o que se
revela incidente, quando o método de exigibilidade de créditos não
alimentares cumpre-se com maior efetividade do que os direitos
trabalhistas.
A imperatividade de aplicação das noveis regras
do processo comum ao processo do trabalho opera-se, não no plano
da opção interpretativa infraconstitucional, mas na esfera do
poder normativo da Constituição. Negar sua incidência é, pois,
militar em inconstitucionalidade.
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estudos em homenagem a Humberto Teodoro Júnior. São Paulo: Revista
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sentença – e outros escritos sobre a coisa julgada (com
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MORI, Amaury Haruo. “Execução provisória”, in
SANTOS, José Aparecido dos (coord) Execução trabalhistas –
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