aquiferos transfr das regiões norte e centro-oeste do brasil final
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PANORAMA DA GESTÃO DE AQÜÍFEROS TRANSFRONTEIRIÇOS-
ENFOQUE NAS REGIÕES CENTRO-OESTE E NORTE DO BRASIL
Adriana Niemeyer Pires Ferreira1; Claudia Ferreira Lima2; Fabrício Bueno da Fonseca Cardoso3; Hélio José de Oliveira Júnior4; Julio Thadeu Silva Kettelhut5
Resumo
Aqüíferos transfronteiriços é um assunto muito pouco explorado no mundo e no Brasil a
situação não é diferente. O país possui inúmeros sistemas transfronteiriços, mas há muito pouco
conhecimento técnico acerca destes, principalmente nas regiões centro-oeste e norte do país. Desta
maneira, no escopo do Programa Internacional de Gerenciamento de Aqüíferos
Transfronteiriços das Américas - ISARM Américas (Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura - UNESCO) estão sendo recentemente, desenvolvidos esforços para
identificar, caracterizar e elaborar esboços dos limites dos aqüíferos com maior importância
regional nos países. Deste exercício resultou um Inventário Preliminar de Aqüíferos
Transfronteiriços das Américas a ser brevemente publicado pela UNESCO, que na região norte do
Brasil identificou e caracterizou os aqüíferos Costeiro, Grupo Roraima, Boa Vista-Serra do
Tucano/North Savanna e Amazonas, e no centro-oeste o Pantanal.
Este artigo pretende mostrar como este trabalho foi desenvolvido e busca divulgar as
principais informações levantadas, apresentado aspectos legais, envolvendo acordos internacionais
e legislação nos diversos países e estados brasileiros da região, além de apresentar alguns projetos
em negociação neste contexto. Além disso, procura abrir um espaço para discussão com toda a
comunidade científica envolvida, de forma a aperfeiçoar o entendimento dos aqüíferos
transfronteiriços tanto no Brasil, como nos países vizinhos.
Ressalta-se que há pouca informação disponível sobre a maior parte destes sistemas aqüíferos,
tornando-se, portanto, imprescindível a realização de mais estudos para a caracterização e
delimitação destes sistemas.
1 Geóloga, Mestre em Gestão Ambiental e Territorial - UnB, Secretaria de Recursos Hídricos, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091816, adriana.ferreira@mma.gov.br.
2 Geóloga, Mestranda em Hidrogeologia e Meio Ambiente - USP, Secretaria de Recursos Hídricos, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091816, claudia.lima@mma.gov.br.
3 Geólogo, Doutor em Geotecnia - UnB, Secretaria de Recursos Hídricos, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091816, fabricio.cardoso@mma.gov.br.
4 Eng. Florestal, Especialista em Sensoriamento Remoto e Sistema de Informações Geográficas – INPE, Secretaria de Recursos Hídricos, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091816, helio-jose.oliveira@mma.gov.br.
5 Eng. Civil, Mestre em Recursos Hídricos - Massachussets Institute of Technology, Secretaria de Recursos Hídricos, Diretor de Projetos e articulação, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091347, julio.kettelhut@mma.gov.br.
VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 1
Abstract
Transboundary aquifers are an issue weekly explored in the world, and in Brazil this situation
is not different. The country has innumerous transboudary systems, but there is very few technical
understanding related to them, mainly in the north and center west regions of the country. In the aim
of the International Shared Aquifer Resource Management Americas Programme - ISARM
Americas, (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization -UNESCO) have been
recently developed efforts to identify, characterize and elaborate drafts of the aquifers regionally
important in the countries. The result is a Preliminary Inventory of the Transboundary Aquifers of
Americas, which should be shortly published by UNESCO, that in the north region of Brazil
identified and characterized the Costeiro, Grupo Roraima, Boa Vista-Serra do Tucano/North
Savanna and Amazonas Aquifers, and in center west region the Pantanal Aquifer .
This article intends to present how this work has been developed and aims to show the major
information surveyed, introducing legal aspects, involving international treaties and legislation of
the countries and brazilian states in this regions, and presents some projects that have been
negotiated in this context. Besides it aims to open a space for discussion to all scientific community,
in order to improve the development of this work in Brazil and in the neighbor countries.
It is also important to emphasize that there is few available information about the most part of
these aquifer systems, therefore it is necessary the achieving of more studies for the characterization
and delimitation of these aquifers.
Palavras-chave
Aqüíferos transfronteiriços, gestão de recursos hídricos transfronteiriços, águas subterrâneas.
VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 2
1. Introdução
Este artigo foi desenvolvido em conjunto a outro relativo ao mesmo tema para a região sul do
Brasil (vide Panorama da Gestão de Aqüíferos Transfronteiriços - Enfoque na Região Sul do
Brasil), tendo o mesmo objetivo, que é o de informar e discutir o estado do conhecimento da gestão
de recursos hídricos subterrâneos transfronteiriços, além de tratar da integração e evolução da
discussão deste assunto com outros países. Desta forma, dando continuidade ao outro artigo, serão
enfocadas as regiões centro-oeste e norte do Brasil, com apresentação de uma breve descrição da
metodologia utilizada para a identificação dos sistemas aqüíferos tratados, elencando suas principais
características, aspectos legais da gestão de recursos hídricos dos países e estados envolvidos, além
do escopo de projetos em negociação no Brasil.
Como apontado anteriormente, alguns programas têm sido desenvolvidos no sentido de
discutir o tema entre os países das Américas, especialmente América do Sul, como o Projeto de
Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aqüífero Guarani e o Programa
Internacional de Gerenciamento de Aqüíferos Transfronteiriços das Américas (ISARM Américas),
a fim de que a sociedade e os tomadores de decisão fiquem cientes da importância da gestão
compartilhada de aqüíferos e da importância da água subterrânea para estes países como reserva
estratégica.
2. O Programa International Shared Aquifer Resource Management Américas
Os objetivos do ISARM Américas são o de identificar e caracterizar os aqüíferos
transfronteiriços, divulgar a sua importância estratégica para a sociedade e tomadores de decisão,
bem como delinear escopos de projetos a serem apresentados aos organismos internacionais de
financiamento. Neste sentido, o programa procura ampliar o conhecimento dos pontos de vista
científico, ambiental, legal, institucional e social, obter e validar informação para a elaboração de
um Inventário dos Aqüíferos Transfronteiriços das Américas, além de selecionar estudos de casos
prioritários para a implementação de projetos piloto (OEA, 2004).
Conforme apresentado, nos Workshops de Coordenação do Programa foram identificados
preliminarmente 59 aqüíferos transfronteiriços, sendo: 35 na América do Sul, 13 na América
Central, 3 no Caribe, e 8 na América do Norte. Além disso, nestes eventos foram discutidas e
compatibilizadas as informações e mapas destes aqüíferos pelos países de ocorrência.
Os primeiros casos de estudo escolhidos foram os aqüíferos Pantanal (transfronteiriço
entre Brasil, Bolívia e Paraguai), Zarumilla (entre Equador e Peru) e Ostua-Metapan (entre El
Salvador e Guatemala).
Os aqüíferos preliminarmente identificados no Brasil foram o Amazonas (formações
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Solimões, Içá e Alter do Chão, compartilhado entre Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e
Venezuela), Pantanal (formação homônima entre Brasil, Paraguai e Bolívia), Boa Vista-Serra do
Tucano/North Savanna (formações de mesmo nome, entre Brasil e Guiana), Grupo Roraima (grupo
homônimo, entre Brasil, Guiana e Venezuela), Costeiro (formação homônima, entre Brasil e Guiana
Francesa), Aquidauana/Aquidabán (formação de mesmo nome, entre Brasil e Paraguai),
Litorâneo/Chuy (formações homônimas entre Brasil e Uruguai), Permo-Carbonífero (reúne as
formações permianas brasileiras e permo-carboníferas uruguaias), Serra Geral (formação de mesmo
nome, entre Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina), Guarani (No Brasil: formações Pirambóia e
Botucatu) e Caiuá-Bauru/Acaray (formações homônimas entre Brasil, Uruguai, Paraguai e
Argentina).
3. Escolha e delimitação dos aqüíferos transfronteiriços
As bases para a identificação dos aqüíferos transfronteiriços nas regiões norte e centro-
oeste do Brasil foram o Mapa Hidrogeológico da América do Sul, na escala 1:5.000.000 (Programa
Hidrológico Internacional, UNESCO, CPRM, DNPM, 1996) e o Zoneamento Econômico-
Ecológico da Região Central do Estado de Roraima (CPRM, 2002). Além disso, para o esboço dos
mapas foram utilizados os mapas geológicos do Brasil, na escala 1:5.000.000 (CPRM; 2001) e
1:1.000.000 (CPRM; 2005).
A identificação preliminar foi efetuada por meio da troca de informações e discussão entre
a Secretaria de Recursos Hídricos, do Ministério do Meio Ambiente, e outras instituições, como o
Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e seus escritórios regionais, e a Associação Brasileira de
Águas Subterrâneas (ABAS).
Desta forma, a primeira etapa desenvolvida de forma conjunta ao trabalho da região sul,
foi constituída da identificação preliminar dos aqüíferos transfronteiriços de importância regional,
junto aos escritórios regionais do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). A segunda teve como base
o questionário acordado no escopo do Programa ISARM Américas, que foi preliminarmente
preenchido pelos técnicos dos países para cada um dos aqüíferos. Em seguida iniciou-se a
elaboração dos esboços dos mapas geológicos e inferência dos limites de cada sistema aqüífero.
Neste ponto, é importante enfatizar que os resultados são preliminares e portanto passíveis
de discussões, adequações e mudanças, e que os esboços dos aqüíferos foram propostos, na maior
parte dos casos, por meio dos limites das formações geológicas, e em outros com base em aspectos
como a geomorfologia da região, destacando-se neste caso os aqüíferos Pantanal e Amazonas. Além
disso, procurou-se agrupar aqüíferos com características físicas e hidrogeológicas similares, tais
como, Solimões-Içá-Alter do Chão e Boa Vista-Serra do Tucano.
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Após a elaboração dos esboços seguiu-se uma etapa de sistematização de informações
adicionais nos questionários de cada sistema aqüífero. Observa-se que esta atividade se estendeu
durante todo o período de desenvolvimento do Inventário, entretanto, especificamente com relação
aos aqüíferos deste artigo, muito pouca referência foi encontrada acerca do tema.
A Etapa Final se iniciou no III Workshop de Coordenação do Programa ISARM
Américas, realizado em São Paulo, no período de 29 de novembro a 01 de dezembro de 2005, onde
estas informações foram discutidas e complementadas e os esboços de mapas compatibilizados
entre os países participantes. Posteriormente, cada país teve um período para reavaliação das
informações e complemento dos vazios identificados.
O resultado de todo este trabalho será um Inventário Preliminar dos Aqüíferos
Transfronteiriços das Américas, a ser lançado pela UNESCO. No presente artigo foi dado um
enfoque aos aqüíferos transfronteiriços das regiões centro-oeste e norte do Brasil, que serão
apresentados no próximo item.
4. As características dos aqüíferos transfronteiriços identificados no ISARM
Os aqüíferos com maior expressão regional na região norte do Brasil se localizam na
região hidrográfica do rio Amazonas, e os da região centro-oeste nas regiões hidrográficas do
Paraguai e Amazonas.
O primeiro aqüífero preliminarmente identificado foi o Sistema Aqüífero Grupo Roraima,
na fronteira do Estado de Roraima com a Guiana e a Venezuela, que apresenta uma extensão
aproximada de 70.000 km2. É constituído por rochas sedimentares do Paleoproterozóico, compostas
de quartzo arenitos, arenitos arcoseanos, arenitos conglomeráticos, conglomerados, siltitos,
argilitos, folhelhos e piroclásticas do Supergrupo Roraima.
Trata-se de um aqüífero intergranular/fraturado. Embora seja constituído por sedimentos,
acredita-se que a permeabilidade atribuída aos poros esteja parcialmente comprometida devido aos
processos geológicos sofridos desde o Paleoproterozóico. Dessa forma, tais rochas tenderiam a se
comportar como aqüíferos fraturados, onde o armazenamento e a transmissão de água estão
condicionados às fraturas, embora possa haver uma participação, de menor expressão, da
porosidade primária no armazenamento e na transmissão de água. Devido à escassez de dados, já
que na região não foram encontrados poços que captem água deste aqüífero, a potencialidade deste
domínio é desconhecida (CPRM, 2002).
O Sistema Aqüífero Boa Vista-Serra do Tucano / North Savanna tem extensão de
aproximadamente 24.000 km2, sendo 14.000 km2 no Brasil e 10.000 km2 na Guiana, sendo formado
basicamente por rochas do Neógeno da Formação Boa Vista (arenitos conglomeráticos, arenitos
arcoseanos e siltitos), as quais são designadas na Guiana por North-Savanna Formation (Berrangé,
VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 5
1973). Encontra-se associado a depósitos aluvionares, a Formação Areias Brancas (depósitos de
areias na forma de dunas eólicas ativas ou fósseis) de idade quaternária e as Formações mesozóicas
Serra do Tucano (arenitos conglomeráticos, arenitos arcoseanos, siltitos e argilitos) e Apoteri
(derrames de basaltos e andesitos), conforme pode ser observado na Figura 01. É um sistema
aqüífero do tipo livre com grande variações de vazões e elevada capacidade específica,
apresentando importância hidrogeológica regional alta e grande vulnerabilidade a contaminação
pelo uso de agrotóxicos e expansão da fronteira agrícola na região.
Trata-se de um sistema aqüífero estratégico para o abastecimento público da cidade de Boa
Vista (capital do Estado de Roraima-Brasil). A espessura média deste sistema, na área urbana e nas
suas proximidades, é de 40 metros. Comporta-se, predominantemente, como um aqüífero livre à
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Figura 01 - Esboço geológico das Formações Boa Vista-North Savanna e Serra do Tucano.
semiconfinado, com valores de transmissividade da ordem de 1,3 a 3 x 10 -2 m2/s e permeabilidade
de 6,7 a 8 x 10-4 m/s. Acredita-se que a zona de recarga do sistema corresponda a toda sua área de
extensão, a qual vem sendo comprometida com a impermeabilização da cidade (asfaltamento). A
vazão de produção média dos poços da Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (CAER) na área
urbana de Boa Vista é de 50 m3/h e a vazão específica média é de 3,5 m3/h/m. As águas
subterrâneas desse sistema aqüífero apresentam, de modo geral, baixo teor de sais dissolvidos e pH
inferior a 5, sendo classificadas como cloretadas sódicas (CPRM, 2002).
O Sistema Aqüífero Costeiro situa-se no Estado do Amapá-Brasil, na fronteira com a
Guiana, com extensão aproximada de 27.000 km2. É um aqüífero do tipo livre, com variações de
vazão entre 20 e 200 m3/h, sendo constituído de sedimentos aluvionares semi-consolidados a
consolidados. Abastece as cidades do litoral do Estado do Amapá (Brasil) e sua capital, Macapá.
As bacias sedimentares do Amazonas e Orinoco são recobertas por sedimentos cretáceos a
terciários consolidados a não consolidados, com espessura de até 2.200 metros. O conhecimento
hidrogeológico local é reduzido, devido principalmente a ser uma região pouco habitada e de difícil
acesso. Formam aqüíferos livres e localmente encontram condições confinantes. As vazões dos
poços se situam entre 10 e 400 m3/h. Os aqüíferos mais importantes são os referentes às formações
homônimas Solimões, Alter do Chão e Içá, os quais formam o Sistema Aqüífero Amazonas (Figura
02). Esse sistema aqüífero tem aproximadamente uma extensão de 3.950.000 km2, ocorrendo em
terras do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.
A Formação Alter do Chão ocorre sotoposta à Solimões. No Brasil aflora na região centro-
norte do Pará e leste do Amazonas, apresenta grande disposição areal (cerca de 2.000.000 km2) e
espessura máxima de 1.250 metros (ANA, 2005), formando um aqüífero do tipo livre constituído
por arenitos e argilitos não consolidados. Esse aqüífero participa no abastecimento das cidades
brasileiras de Manaus, Belém, Santarém e da Ilha de Marajó. A cidade de Manaus possui algumas
centenas de poços, que constituem uma importante fonte de abastecimento da população e das
indústrias. A vazão média dos poços é de 54 m3/h para profundidade em torno de 133 metros.
A Formação Solimões está localizada no topo da seqüência sedimentar da Bacia do
Amazonas, com ampla área de ocorrência, de cerca de 750.000 km2. No Brasil corresponde ao
Estado do Acre e parte do oeste do Estado do Amazonas. A espessura máxima dos sedimentos
atinge 2.200 metros. É constituída por arenitos, conglomerados, siltitos, argilitos e calcários siltico-
argilosos. Em geral, é explotado como aqüífero livre, entretanto também ocorre em condições
confinadas. A vazão média dos poços é de 27 m3/h e a profundidade média de 56 metros (por
motivos de ordem técnica e econômica a maioria dos poços apresenta pequenas profundidades,
porém não se pode desprezar o grande potencial desta formação). A utilização desse aqüífero é
principalmente para o abastecimento doméstico, sendo fonte importante para a cidade de Rio
Branco no estado do Acre (Brasil).
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A Formação Içá é constituída por sedimentos fluvio-aluvionares do Pleistoceno, composta
de arenitos e argilitos intercalados e camadas de turfa. Esta formação confere à região a
característica de planície extensa e monótona sobre a qual se instala o reservatório. A região é
pouco habitada e de difícil acesso. Segundo CPRM (2002), ensaios de bombeamento realizados em
Caracaraí, ao sul do Estado de Roraima, e abastecida completamente por poços tubulares sobre essa
formação, foram obtidos valores de transmissividade de 4,5 x 10 -2 m2/s e permeabilidade de 3 x 10-3
m/s. A vazão de produção dos poços nesse sistema pode chegar a 113 m3/h (poços da CAER, em
Caracaraí). As águas subterrâneas da Formação Içá apresentam, de modo geral, baixo teor de sais
dissolvidos e pH inferior a 5, sendo classificadas como cloretadas sódica.
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Figura 02 - Esboço geológico dos sedimentos cenozóicos que compõe o Aqüífero Amazonas.
A qualidade química das águas do Sistema Aqüífero Amazonas é boa, entretanto, nas
grandes áreas urbanas, há limitações em termos microbiológicos, devido à elevada vulnerabilidade
natural (aqüífero freático com nível da água raso, próximo à superfície) e o alto potencial de
contaminação proveniente de poços mal construídos, ausência/inadequação de proteção sanitária e
carência de saneamento básico. Em Manaus amostras de águas subterrâneas comprovam a
expressiva contaminação por coliformes termotolerantes.
O Sistema Aqüífero Pantanal está localizado na bacia hidrográfica do Rio Paraguai, desde o
Rio Apa ao Sul, na fronteira do Brasil e Paraguai, até a região de Cáceres nos limites entre Bolívia e
Brasil. Sua área estimada é de aproximadamente 117.500 km2 (102.000 km2 no Brasil, 14.000 km2
na Bolívia e 1.900 km2 no Paraguai).
A importância do Sistema Aqüífero Pantanal reside na manutenção do ecossistema Pantanal,
a maior área úmida do mundo, declarada Patrimônio Natural da Humanidade, Reserva da Biosfera e
designada sítio pela Convenção de Áreas Úmidas (Convenção RAMSAR) no ano de 1993, assim
como na regulação natural do regime de chuvas e abastecimento das comunidades locais e
populações indígenas.
O sistema aqüífero é freático, sendo constituído por sedimentos tercio-quaternários (Figura
03) não consolidados a semi-consolidados, predominantemente arenosos, com espessuras que
atingem até 300 metros e com bom potencial hidrogeológico e vazões de mais de 30 m3/h, para
poços com menos de 50 metros (FGV, 1998). O fluxo, na maioria dos casos, tem direção no sentido
do rio Paraguai, com direção geral aproximada SW desde o lado brasileiro, e SE desde os lados
boliviano e paraguaio. O ecossistema Pantanal está atualmente ameaçado de várias formas, algumas
das quais também afetam as águas subterrâneas. Um exemplo é o excesso de sedimentação dos rios
em áreas úmidas, provocado pela erosão acelerada gerado pelo grande desmatamento nas zonas
altas (Planaltos), o que influi no aqüífero, diminuindo a infiltração e conseqüente recarga.
Em geral as águas subterrâneas são de boa qualidade, localmente apresentando teores
elevados de ferro, carbonato, matéria orgânica e salobridade. Por ser um aqüífero freático, apresenta
grande vulnerabilidade a contaminação, em particular relacionada a atividades agrícolas
(agroquímicos) e criação de gado.
Como base de entendimento para uma possibilidade futura de construção de um marco de
gestão conjunta entre os países de abrangência dos sistemas aqüíferos tratados neste artigo, serão
apresentados, a seguir, os principais diplomas legais na gestão de recursos hídricos brasileira e
destes países, com enfoque na gestão de águas subterrâneas.
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5. Escopo legal da gestão de recursos hídricos no Brasil, com ênfase nos estados das
regiões norte e centro oeste do país
A gestão de recursos hídricos no Brasil tem como bases legais principais o Código de Águas
de 1934, a Constituição Federal de 1988 (Art. 21, inciso XIX) e a Lei das Águas nº. 9.433 de 08 de
janeiro de 19976, sendo que a dominialidade das águas subterrâneas é estadual.
Considerando este último aspecto faz-se a seguir uma breve descrição dos arcabouços legais e
institucionais da gestão destes recursos nos Estados de abrangência dos aqüíferos considerados
neste artigo.6 Para maiores detalhes vide o Artigo “Panorama da Gestão de Aqüíferos Transfronteiriços - Enfoque na Região
Sul do Brasil”.
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Figura 03 - Esboço geológico dos sedimentos tercio-quaternários da Formação Pantanal.
As regiões norte e centro oeste do país foram contemplados com uma grande disponibilidade
hídrica, com destaque para os recursos superficiais, tais como, a Bacia Amazônica, com área total
no território brasileiro de aproximadamente 4.718.000 Km2. Por este motivo, aliado a baixa
densidade populacional e à escassez de dados e estudos específicos, a maioria dos estados não
dispõe de legislação de recursos hídricos regulamentada.
Com base em levantamentos feitos na internet no site dos órgãos estaduais de recursos
hídricos/meio ambiente e das assembléias legislativas de cada estado, apresenta-se a seguir um
esboço das legislações estaduais de recursos hídricos.
Na região norte, o estado do Acre apresenta Sistema Estadual de Meio Ambiente, Ciência e
Tecnologia e Sistema Estadual de Recursos Hídricos implantados. Entretanto, a Política Estadual de
Recursos Hídricos, que foi criada pela Lei nº. 1.500/03, ainda carece de regulamentação,
destacando-se aspectos como a gestão integrada. Desta forma não possui Conselho Estadual de
Recursos Hídricos nem instrumentos de gestão implementados.
O Amapá a exemplo do Acre também não regulamentou a sua Política Estadual de Recursos
Hídricos, que foi criada pela Lei 686/02, sendo que esta estabelece a gestão integrada de recursos
hídricos superficiais e subterrâneos e proíbe a outorga de lançamento de poluentes nas águas
subterrâneas.
No estado do Amazonas o Conselho de Recursos Hídricos está em atividade, devendo ser
ressaltado que a Política Estadual de Recursos Hídricos, instituída pela Lei nº. 2.712/01, por meio
de um capítulo específico, cria mecanismos para a proteção e gestão das águas subterrâneas, sendo
que as normas de cadastro de poços foram criadas por meio da Portaria SDS/IPAAM/nº001/05.
Roraima é o único estado brasileiro que não possui legislação de recursos hídricos, contando
apenas com uma lei que disciplina a proteção ao meio ambiente (Lei Complementar nº 007 /94) que
institui o Código de Proteção ao Meio Ambiente para a Administração da Qualidade Ambiental,
Proteção, Controle e Desenvolvimento do Meio Ambiente e uso adequado dos Recursos Naturais do
Estado de Roraima.
O estado do Pará por sua tradição minerária já dispunha desde 1994 um Conselho de Política
Minerária e Hídrica. Entretanto, com o advento da Política Nacional de Recursos Hídricos, este
estado promulgou, em 2002, a sua a Política Estadual de Recursos Hídricos (Lei nº 6381/01),
regulamentada pelo Decreto nº 2.070/06, que cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Além
disso, possui uma lei que estabelece normas para a preservação de áreas dos corpos aquáticos,
principalmente as nascentes (Lei nº 5.630/90) e outra que disciplina a conservação e proteção de
depósitos de águas subterrâneas (Lei nº 6.105/98).
Como o Pará, Rondônia regulamentou a Política Estadual de Recursos Hídricos (Lei
Complementar nº 255/02 e o Decreto nº 10.114/02). Além disso, a Portaria nº 0038/04 aprova as
normas que disciplinam o uso dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos de Rondônia.
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Os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul da região centro-oeste regulamentaram
suas Políticas Estaduais de Recursos Hídricos (Lei nº 6.945/97 e Lei nº 2.406/02, respectivamente),
possuem Conselhos Estaduais (Decreto n º6.822/05 e Decreto nº 11.621/04) e Sistemas de
Informações de Recursos Hídricos, estando em fase de elaboração/negociação de seus Planos
Estaduais de Recursos Hídricos.
O Mato Grosso dispõe ainda de uma lei específica sobre a administração e conservação de
águas subterrâneas (Lei nº 8.097/04), e a Política Estadual de Recursos Hídricos do Mato Grosso do
Sul tem como uma de suas diretrizes básicas a gestão integrada de águas superficiais e subterrâneas,
além de estabelecer que o Plano Estadual de Recursos Hídricos deva contemplar programa de
gestão de águas subterrâneas.
Conforme exposto, a gestão de recursos hídricos ainda está em fase bastante inicial de
desenvolvimento nas regiões em foco, com poucos instrumentos de gestão implementados e pouca
experiência na gestão destes recursos.
Para uma melhor caracterização do panorama da gestão de recursos hídricos transfronteiriços
destaca-se a celebração de tratados internacionais, pertinentes ao tema, bem como uma visão geral
da legislação dos países envolvidos, o que será feito a seguir.
7. Escopo legal da gestão de recursos hídricos nos outros países e Tratados Internacionais
na área em questão
No escopo dos tratados internacionais das áreas em questão, ressalta-se o Tratado de
Cooperação Amazônica, assinado em 1978 e em vigor desde 1980, pela Bolívia, Brasil, Colômbia,
Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. No Brasil, foi promulgado pelo Decreto nº 85.050,
de 18/08/1990.
Este Tratado é concebido como um regime internacional, por tratar-se de “um conjunto de
princípios, normas, regras de procedimentos de tomada de decisão, explícitos ou implícitos, em
relação aos quais convergem as expectativas dos atores” (Krasner, 1983, Apud Yahn Filho, 2005),
destina-se a:
a) reforçar a autonomia de cada uma das partes signatárias em relação ao desenvolvimento
de seus respectivos territórios amazônicos;
b) promover a utilização racional dos recursos naturais desses territórios, de modo a
preservar o equilíbrio entre as necessidades do desenvolvimento e a conservação do meio
ambiente;
c) favorecer a troca de informações entre as partes signatárias no que tange às iniciativas
nacionais de desenvolvimento dos referidos territórios (Montenegro, 2000, Apud Yahn Filho,
2005).
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Outro diploma legal que merece destaque é o Tratado da Bacia do Prata foi firmado em
Brasília (Brasil), em 1969, por chanceleres dos cinco países da bacia e tem como objetivo “permitir
o desenvolvimento harmônico e equilibrado, assim como o melhor aproveitamento dos recursos
naturais da região e assegurar sua preservação para as gerações futuras por meio da utilização
racional dos aludidos recursos”.
Com base no documento “Estabelecendo Estágios para Mudanças7” (GWP, 2006) e outras
referências, faz-se a seguir uma descrição das políticas de recursos hídricos daqueles países de
abrangência desse artigo, de forma a dar uma idéia das bases legais existentes para a possível
construção de marco legal conjunto.
Na Bolívia a Lei das Águas que data de cem anos atrás (1906), está em processo de revisão.
Entretanto o país conta com um Conselho Interinstitucional de Águas (CONIAG) sob a direção do
Ministério de Desenvolvimento Sustentável. Este Conselho tem aberto espaço de diálogo entre o
governo e outros atores na formulação de um arcabouço legal, e adaptação dos arcabouços
institucional e técnico existentes, no sentido de organizar a futura regulação para o gerenciamento
de recursos hídricos.
Esta futura política prevê a descentralização, a troca de informações com o público, bem
como, a participação e empowerment dos atores, instituição de responsabilidades diferentes para o
gerenciamento e uso da água, além de incluir uma contribuição financeira dos usuários para o
gerenciamento dos recursos hídricos.
A Lei de Águas no Peru carece de uma aproximação integrada para o gerenciamento deste
recurso. O desenvolvimento de uma nova lei de águas se iniciou em 1993 e está em processo de
aprovação pelo Congresso. Em 2004 foi preparada pelo governo uma Estratégia Nacional para o
Gerenciamento dos Recursos Hídricos, mas este processo não incluiu a participação dos atores. Esta
ainda não foi implementada e necessita de uma estratégia financeira para tanto.
No Paraguai não existe legislação nacional de recursos hídricos, entretanto há um conjunto
de legislações e regulamentos específicos relacionados à gestão ambiental e outros mais específicos
(Tucci, 2004). O Código de Águas e o arcabouço institucional para a gestão de águas foram
recentemente submetidos ao Parlamento, que poderão ser aprovados ainda este ano.
A Venezuela não possui uma Política Nacional de Águas, porém existe uma proposta que
foi submetida à Assembléia Nacional (2001), e ainda não foi aprovada. Esta se baseia em aspectos
tais como: troca de informações públicas, participação, empowerment dos atores, gerenciamento por
bacias hidrográficas, descentralização e na distinção entre as responsabilidades da gestão e uso da
água, seu uso eficiente e em contribuições financeiras pelos usuários da água.
Na Colômbia ocorre a mesma situação do Paraguai e Venezuela, pois esta não dispõe de lei
de águas, entretanto, um processo para o seu desenvolvimento teve início em 2004 e uma proposta
7 No original “Setting the stage for change”, Global Water Partnership (2006).VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 13
foi submetida ao Parlamento em 2005, pelo Ministério de Meio Ambiente, Habitação e
Desenvolvimento Territorial. Ressaltam-se neste texto aspectos tais como: participação e
empowerment dos atores, gerenciamento por bacias hidrográficas, descentralização e distinção entre
as responsabilidades da gestão e uso da água.
No Equador a Lei das Águas promulgada em 1972, regula o uso de águas marinhas,
superficiais, subterrâneas e de chuva em nível federal (OEA, 2006). Segundo o Relatório Avaliação
dos Recursos Hídricos do Equador (USACE, 1998), o governo define os direitos de água no seu uso
histórico, requerendo que seja cobrado pelo uso da água para fins industriais e de irrigação. Uma
nova lei está sendo desenvolvida e poderá permitir a implantação de projetos por meio deste sistema
de cobrança, e estabelecer uma vazão mínima e regulação quanto a alguns aspectos ambientais.
Na Guiana a lei que regula a propriedade, gerenciamento, controle, proteção e conservação
dos recursos hídricos disciplina também a gestão e controle de esgotos, sendo denominada Código
de Águas e Esgotos, promulgada em 2002 (OEA, 2006). Esta norma prevê a instituição de um
Conselho Nacional de Recursos Hídricos, determinando que a Política Nacional seja desenvolvida
pelo ministério responsável e o Conselho, de acordo com os princípios básicos estabelecidos nesta.
Outras determinações deste Código são a instituição de um Departamento Hidrometeorológico e o
estabelecimento de um Sistema Nacional de Monitoramento, entre diversos outros aspectos.
Os direitos de uso da água na Guiana são geralmente referenciados como de propriedade do
Estado. O Código de Águas disciplina estes direitos de uso por meio de um sistema de
licenciamento e as águas superficiais são tratadas de forma um pouco diferente das subterrâneas
(Janki, 2006).
Diante do exposto, percebe-se que um esforço para a promulgação de leis de recursos
hídricos nos países, onde estas não existem, torna-se uma tarefa indispensável para a discussão
futura de marcos legais conjuntos ou tratados de gestão destes recursos (ou outros instrumentos
legais).
Neste contexto, a realização de projetos de gestão transfronteiriça pode ajudar na divulgação
desta situação, e até mesmo auxiliar na iniciativa dos tomadores de decisão no sentido de
estabelecer normas legais e arcabouços institucionais para a gestão de recursos hídricos,
especialmente das águas subterrâneas. Princípios como a gestão descentralizada, participativa e
integrada podem servir de base para um futuro marco de gestão.
7. Projetos no Brasil em negociação no âmbito do Programa ISARM Américas
No ano de 2004, a Secretaria de Recursos Hídricos, do Ministério do Meio Ambiente
apresentou à Agência Interamericana para Cooperação e Desenvolvimento o Projeto “Proteção
Ambiental e Gestão Sustentável do Sistema Aqüífero Transfronteiriço Boa Vista - North Savanna”,
VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 14
com o objetivo de elaborar um modelo de gestão conjunta deste Sistema, bem como o de criar
mecanismos para sua proteção e preservação ambiental, realizar a sua caracterização geológica e
hidrogeológica (hidrodinâmica e hidrogeoquímica), criar uma rede de monitoramento e banco de
dados, além do levantamento dos aspectos institucionais e legais para a gestão conjunta.
Este projeto foi proposto diante da importância deste sistema aqüífero para a cidade de Boa
Vista e pela possibilidade de maior desenvolvimento econômico da região frente a projetos como o
Arco Norte, que representa um esforço de integração entre o mercado da região amazônica com o
mercado do Planalto das Guianas. Devido à sua posição estratégica, Roraima poderá dar
continuidade a sua política de intercâmbio comercial com seus vizinhos, tendo a rodovia BR-174
como uma via de desenvolvimento interligada à BR-401 (que ligará Boa Vista às Guianas por meio
do Arco Norte). Estas estradas possibilitarão também a articulação local com a região do Caribe,
somada a construção de uma ponte sobre o Rio Tacutu, possibilitando o escoamento dos produtos
da Zona Franca de Manaus para a região.
No âmbito do Programa ISARM Américas o Aqüífero Pantanal foi um dos sistemas
transfronteiriços selecionados para desenvolvimento de estudos iniciais, devido à expansão
desordenada e rápida da agropecuária, principalmente na área de seu entorno, com a utilização de
agroquímicos, além da exploração de diamantes e de ouro nos planaltos, com uso de mercúrio, que
são responsáveis por profundas transformações regionais.
A remoção da vegetação nativa nos planaltos para a implementação de lavouras e pastagens,
sem considerar a aptidão das terras, aliadas a falta de práticas de manejo e conservação do solo,
acelerou os processos erosivos nas bordas do Pantanal. A conseqüência imediata tem sido o
assoreamento dos rios com a intensificação das inundações causando sérios prejuízos a fauna, flora,
regime hídrico e economia do Pantanal.
Em geral, as águas das chuvas e dos rios que drenam a bacia são consideradas os principais
componentes do regime hidrológico do Pantanal. Entretanto, a formação de lagoas, como as da
região de Nhecolândia, e as oscilações nos níveis freáticos nos períodos de chuva e seca apontam no
sentido de que a maior contribuição para estes sistemas é proveniente das fontes subterrâneas.
Diante destas ameaças e da importância das águas subterrâneas para a manutenção dos
diversos ecossistemas pantaneiros, o Projeto Aqüífero Pantanal pretende avançar no conhecimento
dos recursos hídricos subterrâneos e sua interconexão com as águas superficiais e contribuir para a
sustentabilidade deste ecossistema, por meio do acordo de ações prioritárias estabelecendo um
mecanismo de consulta e troca de informações entre os países.
8. Conclusões
VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 15
Como exposto anteriormente, a evolução dos mecanismos e experiências em gestão de
aqüíferos hídricos transfronteiriços ainda está em sua fase inicial, principalmente em relação às
regiões centro-oeste e norte do Brasil, que são as com maiores carências legais, institucionais e
técnicas.
A ampliação do conhecimento hidrogeológico torna-se necessidade imediata a fim de que se
possa realizar uma efetiva gestão dos recursos subterrâneos e para a implementação da gestão
integrada.
O Programa ISARM Américas por meio de seus objetivos de identificação e caracterização
de aqüíferos transfronteiriços, bem como, o fomento à elaboração de projetos pilotos, é de suma
importância para a implementação de experiências de gestão e aumento do conhecimento básico
hidrogeológico em aqüíferos pouco estudados e/ou com conflitos potenciais.
Dentre os aqüíferos definidos pelo programa ISARM na região norte citam-se os Sistemas
Aqüífero Grupo Roraima, Boa Vista-Serra do Tucano/North Savanna, Costeiro, Amazonas, bem
como, o Pantanal, que se destaca pela sua importância na manutenção do ecossistema pantaneiro.
Para tanto, como referenciado anteriormente, é crucial o conhecimento do escopo legal da
gestão de águas, principalmente na questão de águas subterrâneas e recursos hídricos
transfronteiriços. Deve ser destacado, ainda, que o Brasil conta com um sistema de gerenciamento
de recursos hídricos e com instrumentos de gestão amplamente aplicados, como o Plano Nacional
de Recursos Hídricos, recém lançado, e o desenvolvimento de normas específicas relativas à gestão
de águas subterrâneas, como de outorga e proteção.
Ressalta-se, ainda, a existência de Tratados de Cooperação para a gestão de recursos
hídricos transfronteiriços, como é o caso do Tratado Amazônico e da Bacia do Prata, que podem
servir de partida para uma estratégia de gestão conjunta entre os países de abrangência destes
aqüíferos.
Entretanto, deve ser mencionado que no Brasil a gestão das águas subterrâneas é de domínio
dos estados, tendo a União o papel de coordenação, principalmente no caso de aqüíferos
transfronteiriços. Além disso, nos outros países da região considerada, os sistemas de gestão se
encontram em estágios de desenvolvimento bastante diferenciados. Desta forma, torna-se necessário
verificar uma forma de articulação legal e institucional para o estabelecimento de um marco de
gestão conjunta dos países ou de um modelo de cooperação efetiva de forma que a gestão
sustentável desses aqüíferos possa vir a ser uma realidade.
Pelo exposto conclui-se que para uma adequada gestão é necessário conhecer melhor estes
sistemas aqüíferos, bem como, a sensibilização dos tomadores de decisão e da sociedade para a
importância estratégica das águas subterrâneas.
9. Referências bibliográficas
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