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PANORAMA DA GESTÃO DE AQÜÍFEROS TRANSFRONTEIRIÇOS-ENFOQUE NAS REGIÕES CENTRO-OESTE E NORTE DO BRASIL Adriana Niemeyer Pires Ferreira 1 ; Claudia Ferreira Lima 2 ; Fabrício Bueno da Fonseca Cardoso 3 ; Hélio José de Oliveira Júnior 4 ; Julio Thadeu Silva Kettelhut 5 Resumo Aqüíferos transfronteiriços é um assunto muito pouco explorado no mundo e no Brasil a situação não é diferente. O país possui inúmeros sistemas transfronteiriços, mas há muito pouco conhecimento técnico acerca destes, principalmente nas regiões centro-oeste e norte do país. Desta maneira, no escopo do Programa Internacional de Gerenciamento de Aqüíferos Transfronteiriços das Américas - ISARM Américas (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO) estão sendo recentemente, desenvolvidos esforços para identificar, caracterizar e elaborar esboços dos limites dos aqüíferos com maior importância regional nos países. Deste exercício resultou um Inventário Preliminar de Aqüíferos Transfronteiriços das Américas a ser brevemente publicado pela UNESCO, que na região norte do Brasil identificou e 1 Geóloga, Mestre em Gestão Ambiental e Territorial - UnB, Secretaria de Recursos Hídricos, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091816, [email protected]. 2 Geóloga, Mestranda em Hidrogeologia e Meio Ambiente - USP, Secretaria de Recursos Hídricos, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091816, [email protected]. 3 Geólogo, Doutor em Geotecnia - UnB, Secretaria de Recursos Hídricos, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091816, [email protected]. 4 Eng. Florestal, Especialista em Sensoriamento Remoto e Sistema de Informações Geográficas – INPE, Secretaria de Recursos Hídricos, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091816, helio- [email protected]. 5 Eng. Civil, Mestre em Recursos Hídricos - Massachussets Institute of Technology, Secretaria de Recursos Hídricos, Diretor de Projetos e articulação, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091347, [email protected]. VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 1

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Page 1: Aquiferos transfr das regiões norte e centro-oeste do Brasil final

PANORAMA DA GESTÃO DE AQÜÍFEROS TRANSFRONTEIRIÇOS-

ENFOQUE NAS REGIÕES CENTRO-OESTE E NORTE DO BRASIL

Adriana Niemeyer Pires Ferreira1; Claudia Ferreira Lima2; Fabrício Bueno da Fonseca Cardoso3; Hélio José de Oliveira Júnior4; Julio Thadeu Silva Kettelhut5

Resumo

Aqüíferos transfronteiriços é um assunto muito pouco explorado no mundo e no Brasil a

situação não é diferente. O país possui inúmeros sistemas transfronteiriços, mas há muito pouco

conhecimento técnico acerca destes, principalmente nas regiões centro-oeste e norte do país. Desta

maneira, no escopo do Programa Internacional de Gerenciamento de Aqüíferos

Transfronteiriços das Américas - ISARM Américas (Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura - UNESCO) estão sendo recentemente, desenvolvidos esforços para

identificar, caracterizar e elaborar esboços dos limites dos aqüíferos com maior importância

regional nos países. Deste exercício resultou um Inventário Preliminar de Aqüíferos

Transfronteiriços das Américas a ser brevemente publicado pela UNESCO, que na região norte do

Brasil identificou e caracterizou os aqüíferos Costeiro, Grupo Roraima, Boa Vista-Serra do

Tucano/North Savanna e Amazonas, e no centro-oeste o Pantanal.

Este artigo pretende mostrar como este trabalho foi desenvolvido e busca divulgar as

principais informações levantadas, apresentado aspectos legais, envolvendo acordos internacionais

e legislação nos diversos países e estados brasileiros da região, além de apresentar alguns projetos

em negociação neste contexto. Além disso, procura abrir um espaço para discussão com toda a

comunidade científica envolvida, de forma a aperfeiçoar o entendimento dos aqüíferos

transfronteiriços tanto no Brasil, como nos países vizinhos.

Ressalta-se que há pouca informação disponível sobre a maior parte destes sistemas aqüíferos,

tornando-se, portanto, imprescindível a realização de mais estudos para a caracterização e

delimitação destes sistemas.

1 Geóloga, Mestre em Gestão Ambiental e Territorial - UnB, Secretaria de Recursos Hídricos, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091816, [email protected].

2 Geóloga, Mestranda em Hidrogeologia e Meio Ambiente - USP, Secretaria de Recursos Hídricos, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091816, [email protected].

3 Geólogo, Doutor em Geotecnia - UnB, Secretaria de Recursos Hídricos, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091816, [email protected].

4 Eng. Florestal, Especialista em Sensoriamento Remoto e Sistema de Informações Geográficas – INPE, Secretaria de Recursos Hídricos, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091816, [email protected].

5 Eng. Civil, Mestre em Recursos Hídricos - Massachussets Institute of Technology, Secretaria de Recursos Hídricos, Diretor de Projetos e articulação, SGAN 601, Lote 1, 4 andar, cep. 70830-901, Brasília-DF, telefone 40091347, [email protected].

VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 1

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Abstract

Transboundary aquifers are an issue weekly explored in the world, and in Brazil this situation

is not different. The country has innumerous transboudary systems, but there is very few technical

understanding related to them, mainly in the north and center west regions of the country. In the aim

of the International Shared Aquifer Resource Management Americas Programme - ISARM

Americas, (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization -UNESCO) have been

recently developed efforts to identify, characterize and elaborate drafts of the aquifers regionally

important in the countries. The result is a Preliminary Inventory of the Transboundary Aquifers of

Americas, which should be shortly published by UNESCO, that in the north region of Brazil

identified and characterized the Costeiro, Grupo Roraima, Boa Vista-Serra do Tucano/North

Savanna and Amazonas Aquifers, and in center west region the Pantanal Aquifer .

This article intends to present how this work has been developed and aims to show the major

information surveyed, introducing legal aspects, involving international treaties and legislation of

the countries and brazilian states in this regions, and presents some projects that have been

negotiated in this context. Besides it aims to open a space for discussion to all scientific community,

in order to improve the development of this work in Brazil and in the neighbor countries.

It is also important to emphasize that there is few available information about the most part of

these aquifer systems, therefore it is necessary the achieving of more studies for the characterization

and delimitation of these aquifers.

Palavras-chave

Aqüíferos transfronteiriços, gestão de recursos hídricos transfronteiriços, águas subterrâneas.

VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 2

Page 3: Aquiferos transfr das regiões norte e centro-oeste do Brasil final

1. Introdução

Este artigo foi desenvolvido em conjunto a outro relativo ao mesmo tema para a região sul do

Brasil (vide Panorama da Gestão de Aqüíferos Transfronteiriços - Enfoque na Região Sul do

Brasil), tendo o mesmo objetivo, que é o de informar e discutir o estado do conhecimento da gestão

de recursos hídricos subterrâneos transfronteiriços, além de tratar da integração e evolução da

discussão deste assunto com outros países. Desta forma, dando continuidade ao outro artigo, serão

enfocadas as regiões centro-oeste e norte do Brasil, com apresentação de uma breve descrição da

metodologia utilizada para a identificação dos sistemas aqüíferos tratados, elencando suas principais

características, aspectos legais da gestão de recursos hídricos dos países e estados envolvidos, além

do escopo de projetos em negociação no Brasil.

Como apontado anteriormente, alguns programas têm sido desenvolvidos no sentido de

discutir o tema entre os países das Américas, especialmente América do Sul, como o Projeto de

Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aqüífero Guarani e o Programa

Internacional de Gerenciamento de Aqüíferos Transfronteiriços das Américas (ISARM Américas),

a fim de que a sociedade e os tomadores de decisão fiquem cientes da importância da gestão

compartilhada de aqüíferos e da importância da água subterrânea para estes países como reserva

estratégica.

2. O Programa International Shared Aquifer Resource Management Américas

Os objetivos do ISARM Américas são o de identificar e caracterizar os aqüíferos

transfronteiriços, divulgar a sua importância estratégica para a sociedade e tomadores de decisão,

bem como delinear escopos de projetos a serem apresentados aos organismos internacionais de

financiamento. Neste sentido, o programa procura ampliar o conhecimento dos pontos de vista

científico, ambiental, legal, institucional e social, obter e validar informação para a elaboração de

um Inventário dos Aqüíferos Transfronteiriços das Américas, além de selecionar estudos de casos

prioritários para a implementação de projetos piloto (OEA, 2004).

Conforme apresentado, nos Workshops de Coordenação do Programa foram identificados

preliminarmente 59 aqüíferos transfronteiriços, sendo: 35 na América do Sul, 13 na América

Central, 3 no Caribe, e 8 na América do Norte. Além disso, nestes eventos foram discutidas e

compatibilizadas as informações e mapas destes aqüíferos pelos países de ocorrência.

Os primeiros casos de estudo escolhidos foram os aqüíferos Pantanal (transfronteiriço

entre Brasil, Bolívia e Paraguai), Zarumilla (entre Equador e Peru) e Ostua-Metapan (entre El

Salvador e Guatemala).

Os aqüíferos preliminarmente identificados no Brasil foram o Amazonas (formações

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Solimões, Içá e Alter do Chão, compartilhado entre Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e

Venezuela), Pantanal (formação homônima entre Brasil, Paraguai e Bolívia), Boa Vista-Serra do

Tucano/North Savanna (formações de mesmo nome, entre Brasil e Guiana), Grupo Roraima (grupo

homônimo, entre Brasil, Guiana e Venezuela), Costeiro (formação homônima, entre Brasil e Guiana

Francesa), Aquidauana/Aquidabán (formação de mesmo nome, entre Brasil e Paraguai),

Litorâneo/Chuy (formações homônimas entre Brasil e Uruguai), Permo-Carbonífero (reúne as

formações permianas brasileiras e permo-carboníferas uruguaias), Serra Geral (formação de mesmo

nome, entre Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina), Guarani (No Brasil: formações Pirambóia e

Botucatu) e Caiuá-Bauru/Acaray (formações homônimas entre Brasil, Uruguai, Paraguai e

Argentina).

3. Escolha e delimitação dos aqüíferos transfronteiriços

As bases para a identificação dos aqüíferos transfronteiriços nas regiões norte e centro-

oeste do Brasil foram o Mapa Hidrogeológico da América do Sul, na escala 1:5.000.000 (Programa

Hidrológico Internacional, UNESCO, CPRM, DNPM, 1996) e o Zoneamento Econômico-

Ecológico da Região Central do Estado de Roraima (CPRM, 2002). Além disso, para o esboço dos

mapas foram utilizados os mapas geológicos do Brasil, na escala 1:5.000.000 (CPRM; 2001) e

1:1.000.000 (CPRM; 2005).

A identificação preliminar foi efetuada por meio da troca de informações e discussão entre

a Secretaria de Recursos Hídricos, do Ministério do Meio Ambiente, e outras instituições, como o

Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e seus escritórios regionais, e a Associação Brasileira de

Águas Subterrâneas (ABAS).

Desta forma, a primeira etapa desenvolvida de forma conjunta ao trabalho da região sul,

foi constituída da identificação preliminar dos aqüíferos transfronteiriços de importância regional,

junto aos escritórios regionais do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). A segunda teve como base

o questionário acordado no escopo do Programa ISARM Américas, que foi preliminarmente

preenchido pelos técnicos dos países para cada um dos aqüíferos. Em seguida iniciou-se a

elaboração dos esboços dos mapas geológicos e inferência dos limites de cada sistema aqüífero.

Neste ponto, é importante enfatizar que os resultados são preliminares e portanto passíveis

de discussões, adequações e mudanças, e que os esboços dos aqüíferos foram propostos, na maior

parte dos casos, por meio dos limites das formações geológicas, e em outros com base em aspectos

como a geomorfologia da região, destacando-se neste caso os aqüíferos Pantanal e Amazonas. Além

disso, procurou-se agrupar aqüíferos com características físicas e hidrogeológicas similares, tais

como, Solimões-Içá-Alter do Chão e Boa Vista-Serra do Tucano.

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Após a elaboração dos esboços seguiu-se uma etapa de sistematização de informações

adicionais nos questionários de cada sistema aqüífero. Observa-se que esta atividade se estendeu

durante todo o período de desenvolvimento do Inventário, entretanto, especificamente com relação

aos aqüíferos deste artigo, muito pouca referência foi encontrada acerca do tema.

A Etapa Final se iniciou no III Workshop de Coordenação do Programa ISARM

Américas, realizado em São Paulo, no período de 29 de novembro a 01 de dezembro de 2005, onde

estas informações foram discutidas e complementadas e os esboços de mapas compatibilizados

entre os países participantes. Posteriormente, cada país teve um período para reavaliação das

informações e complemento dos vazios identificados.

O resultado de todo este trabalho será um Inventário Preliminar dos Aqüíferos

Transfronteiriços das Américas, a ser lançado pela UNESCO. No presente artigo foi dado um

enfoque aos aqüíferos transfronteiriços das regiões centro-oeste e norte do Brasil, que serão

apresentados no próximo item.

4. As características dos aqüíferos transfronteiriços identificados no ISARM

Os aqüíferos com maior expressão regional na região norte do Brasil se localizam na

região hidrográfica do rio Amazonas, e os da região centro-oeste nas regiões hidrográficas do

Paraguai e Amazonas.

O primeiro aqüífero preliminarmente identificado foi o Sistema Aqüífero Grupo Roraima,

na fronteira do Estado de Roraima com a Guiana e a Venezuela, que apresenta uma extensão

aproximada de 70.000 km2. É constituído por rochas sedimentares do Paleoproterozóico, compostas

de quartzo arenitos, arenitos arcoseanos, arenitos conglomeráticos, conglomerados, siltitos,

argilitos, folhelhos e piroclásticas do Supergrupo Roraima.

Trata-se de um aqüífero intergranular/fraturado. Embora seja constituído por sedimentos,

acredita-se que a permeabilidade atribuída aos poros esteja parcialmente comprometida devido aos

processos geológicos sofridos desde o Paleoproterozóico. Dessa forma, tais rochas tenderiam a se

comportar como aqüíferos fraturados, onde o armazenamento e a transmissão de água estão

condicionados às fraturas, embora possa haver uma participação, de menor expressão, da

porosidade primária no armazenamento e na transmissão de água. Devido à escassez de dados, já

que na região não foram encontrados poços que captem água deste aqüífero, a potencialidade deste

domínio é desconhecida (CPRM, 2002).

O Sistema Aqüífero Boa Vista-Serra do Tucano / North Savanna tem extensão de

aproximadamente 24.000 km2, sendo 14.000 km2 no Brasil e 10.000 km2 na Guiana, sendo formado

basicamente por rochas do Neógeno da Formação Boa Vista (arenitos conglomeráticos, arenitos

arcoseanos e siltitos), as quais são designadas na Guiana por North-Savanna Formation (Berrangé,

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1973). Encontra-se associado a depósitos aluvionares, a Formação Areias Brancas (depósitos de

areias na forma de dunas eólicas ativas ou fósseis) de idade quaternária e as Formações mesozóicas

Serra do Tucano (arenitos conglomeráticos, arenitos arcoseanos, siltitos e argilitos) e Apoteri

(derrames de basaltos e andesitos), conforme pode ser observado na Figura 01. É um sistema

aqüífero do tipo livre com grande variações de vazões e elevada capacidade específica,

apresentando importância hidrogeológica regional alta e grande vulnerabilidade a contaminação

pelo uso de agrotóxicos e expansão da fronteira agrícola na região.

Trata-se de um sistema aqüífero estratégico para o abastecimento público da cidade de Boa

Vista (capital do Estado de Roraima-Brasil). A espessura média deste sistema, na área urbana e nas

suas proximidades, é de 40 metros. Comporta-se, predominantemente, como um aqüífero livre à

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Figura 01 - Esboço geológico das Formações Boa Vista-North Savanna e Serra do Tucano.

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semiconfinado, com valores de transmissividade da ordem de 1,3 a 3 x 10 -2 m2/s e permeabilidade

de 6,7 a 8 x 10-4 m/s. Acredita-se que a zona de recarga do sistema corresponda a toda sua área de

extensão, a qual vem sendo comprometida com a impermeabilização da cidade (asfaltamento). A

vazão de produção média dos poços da Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (CAER) na área

urbana de Boa Vista é de 50 m3/h e a vazão específica média é de 3,5 m3/h/m. As águas

subterrâneas desse sistema aqüífero apresentam, de modo geral, baixo teor de sais dissolvidos e pH

inferior a 5, sendo classificadas como cloretadas sódicas (CPRM, 2002).

O Sistema Aqüífero Costeiro situa-se no Estado do Amapá-Brasil, na fronteira com a

Guiana, com extensão aproximada de 27.000 km2. É um aqüífero do tipo livre, com variações de

vazão entre 20 e 200 m3/h, sendo constituído de sedimentos aluvionares semi-consolidados a

consolidados. Abastece as cidades do litoral do Estado do Amapá (Brasil) e sua capital, Macapá.

As bacias sedimentares do Amazonas e Orinoco são recobertas por sedimentos cretáceos a

terciários consolidados a não consolidados, com espessura de até 2.200 metros. O conhecimento

hidrogeológico local é reduzido, devido principalmente a ser uma região pouco habitada e de difícil

acesso. Formam aqüíferos livres e localmente encontram condições confinantes. As vazões dos

poços se situam entre 10 e 400 m3/h. Os aqüíferos mais importantes são os referentes às formações

homônimas Solimões, Alter do Chão e Içá, os quais formam o Sistema Aqüífero Amazonas (Figura

02). Esse sistema aqüífero tem aproximadamente uma extensão de 3.950.000 km2, ocorrendo em

terras do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.

A Formação Alter do Chão ocorre sotoposta à Solimões. No Brasil aflora na região centro-

norte do Pará e leste do Amazonas, apresenta grande disposição areal (cerca de 2.000.000 km2) e

espessura máxima de 1.250 metros (ANA, 2005), formando um aqüífero do tipo livre constituído

por arenitos e argilitos não consolidados. Esse aqüífero participa no abastecimento das cidades

brasileiras de Manaus, Belém, Santarém e da Ilha de Marajó. A cidade de Manaus possui algumas

centenas de poços, que constituem uma importante fonte de abastecimento da população e das

indústrias. A vazão média dos poços é de 54 m3/h para profundidade em torno de 133 metros.

A Formação Solimões está localizada no topo da seqüência sedimentar da Bacia do

Amazonas, com ampla área de ocorrência, de cerca de 750.000 km2. No Brasil corresponde ao

Estado do Acre e parte do oeste do Estado do Amazonas. A espessura máxima dos sedimentos

atinge 2.200 metros. É constituída por arenitos, conglomerados, siltitos, argilitos e calcários siltico-

argilosos. Em geral, é explotado como aqüífero livre, entretanto também ocorre em condições

confinadas. A vazão média dos poços é de 27 m3/h e a profundidade média de 56 metros (por

motivos de ordem técnica e econômica a maioria dos poços apresenta pequenas profundidades,

porém não se pode desprezar o grande potencial desta formação). A utilização desse aqüífero é

principalmente para o abastecimento doméstico, sendo fonte importante para a cidade de Rio

Branco no estado do Acre (Brasil).

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A Formação Içá é constituída por sedimentos fluvio-aluvionares do Pleistoceno, composta

de arenitos e argilitos intercalados e camadas de turfa. Esta formação confere à região a

característica de planície extensa e monótona sobre a qual se instala o reservatório. A região é

pouco habitada e de difícil acesso. Segundo CPRM (2002), ensaios de bombeamento realizados em

Caracaraí, ao sul do Estado de Roraima, e abastecida completamente por poços tubulares sobre essa

formação, foram obtidos valores de transmissividade de 4,5 x 10 -2 m2/s e permeabilidade de 3 x 10-3

m/s. A vazão de produção dos poços nesse sistema pode chegar a 113 m3/h (poços da CAER, em

Caracaraí). As águas subterrâneas da Formação Içá apresentam, de modo geral, baixo teor de sais

dissolvidos e pH inferior a 5, sendo classificadas como cloretadas sódica.

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Figura 02 - Esboço geológico dos sedimentos cenozóicos que compõe o Aqüífero Amazonas.

Page 9: Aquiferos transfr das regiões norte e centro-oeste do Brasil final

A qualidade química das águas do Sistema Aqüífero Amazonas é boa, entretanto, nas

grandes áreas urbanas, há limitações em termos microbiológicos, devido à elevada vulnerabilidade

natural (aqüífero freático com nível da água raso, próximo à superfície) e o alto potencial de

contaminação proveniente de poços mal construídos, ausência/inadequação de proteção sanitária e

carência de saneamento básico. Em Manaus amostras de águas subterrâneas comprovam a

expressiva contaminação por coliformes termotolerantes.

O Sistema Aqüífero Pantanal está localizado na bacia hidrográfica do Rio Paraguai, desde o

Rio Apa ao Sul, na fronteira do Brasil e Paraguai, até a região de Cáceres nos limites entre Bolívia e

Brasil. Sua área estimada é de aproximadamente 117.500 km2 (102.000 km2 no Brasil, 14.000 km2

na Bolívia e 1.900 km2 no Paraguai).

A importância do Sistema Aqüífero Pantanal reside na manutenção do ecossistema Pantanal,

a maior área úmida do mundo, declarada Patrimônio Natural da Humanidade, Reserva da Biosfera e

designada sítio pela Convenção de Áreas Úmidas (Convenção RAMSAR) no ano de 1993, assim

como na regulação natural do regime de chuvas e abastecimento das comunidades locais e

populações indígenas.

O sistema aqüífero é freático, sendo constituído por sedimentos tercio-quaternários (Figura

03) não consolidados a semi-consolidados, predominantemente arenosos, com espessuras que

atingem até 300 metros e com bom potencial hidrogeológico e vazões de mais de 30 m3/h, para

poços com menos de 50 metros (FGV, 1998). O fluxo, na maioria dos casos, tem direção no sentido

do rio Paraguai, com direção geral aproximada SW desde o lado brasileiro, e SE desde os lados

boliviano e paraguaio. O ecossistema Pantanal está atualmente ameaçado de várias formas, algumas

das quais também afetam as águas subterrâneas. Um exemplo é o excesso de sedimentação dos rios

em áreas úmidas, provocado pela erosão acelerada gerado pelo grande desmatamento nas zonas

altas (Planaltos), o que influi no aqüífero, diminuindo a infiltração e conseqüente recarga.

Em geral as águas subterrâneas são de boa qualidade, localmente apresentando teores

elevados de ferro, carbonato, matéria orgânica e salobridade. Por ser um aqüífero freático, apresenta

grande vulnerabilidade a contaminação, em particular relacionada a atividades agrícolas

(agroquímicos) e criação de gado.

Como base de entendimento para uma possibilidade futura de construção de um marco de

gestão conjunta entre os países de abrangência dos sistemas aqüíferos tratados neste artigo, serão

apresentados, a seguir, os principais diplomas legais na gestão de recursos hídricos brasileira e

destes países, com enfoque na gestão de águas subterrâneas.

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Page 10: Aquiferos transfr das regiões norte e centro-oeste do Brasil final

5. Escopo legal da gestão de recursos hídricos no Brasil, com ênfase nos estados das

regiões norte e centro oeste do país

A gestão de recursos hídricos no Brasil tem como bases legais principais o Código de Águas

de 1934, a Constituição Federal de 1988 (Art. 21, inciso XIX) e a Lei das Águas nº. 9.433 de 08 de

janeiro de 19976, sendo que a dominialidade das águas subterrâneas é estadual.

Considerando este último aspecto faz-se a seguir uma breve descrição dos arcabouços legais e

institucionais da gestão destes recursos nos Estados de abrangência dos aqüíferos considerados

neste artigo.6 Para maiores detalhes vide o Artigo “Panorama da Gestão de Aqüíferos Transfronteiriços - Enfoque na Região

Sul do Brasil”.

VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 10

Figura 03 - Esboço geológico dos sedimentos tercio-quaternários da Formação Pantanal.

Page 11: Aquiferos transfr das regiões norte e centro-oeste do Brasil final

As regiões norte e centro oeste do país foram contemplados com uma grande disponibilidade

hídrica, com destaque para os recursos superficiais, tais como, a Bacia Amazônica, com área total

no território brasileiro de aproximadamente 4.718.000 Km2. Por este motivo, aliado a baixa

densidade populacional e à escassez de dados e estudos específicos, a maioria dos estados não

dispõe de legislação de recursos hídricos regulamentada.

Com base em levantamentos feitos na internet no site dos órgãos estaduais de recursos

hídricos/meio ambiente e das assembléias legislativas de cada estado, apresenta-se a seguir um

esboço das legislações estaduais de recursos hídricos.

Na região norte, o estado do Acre apresenta Sistema Estadual de Meio Ambiente, Ciência e

Tecnologia e Sistema Estadual de Recursos Hídricos implantados. Entretanto, a Política Estadual de

Recursos Hídricos, que foi criada pela Lei nº. 1.500/03, ainda carece de regulamentação,

destacando-se aspectos como a gestão integrada. Desta forma não possui Conselho Estadual de

Recursos Hídricos nem instrumentos de gestão implementados.

O Amapá a exemplo do Acre também não regulamentou a sua Política Estadual de Recursos

Hídricos, que foi criada pela Lei 686/02, sendo que esta estabelece a gestão integrada de recursos

hídricos superficiais e subterrâneos e proíbe a outorga de lançamento de poluentes nas águas

subterrâneas.

No estado do Amazonas o Conselho de Recursos Hídricos está em atividade, devendo ser

ressaltado que a Política Estadual de Recursos Hídricos, instituída pela Lei nº. 2.712/01, por meio

de um capítulo específico, cria mecanismos para a proteção e gestão das águas subterrâneas, sendo

que as normas de cadastro de poços foram criadas por meio da Portaria SDS/IPAAM/nº001/05.

Roraima é o único estado brasileiro que não possui legislação de recursos hídricos, contando

apenas com uma lei que disciplina a proteção ao meio ambiente (Lei Complementar nº 007 /94) que

institui o Código de Proteção ao Meio Ambiente para a Administração da Qualidade Ambiental,

Proteção, Controle e Desenvolvimento do Meio Ambiente e uso adequado dos Recursos Naturais do

Estado de Roraima.

O estado do Pará por sua tradição minerária já dispunha desde 1994 um Conselho de Política

Minerária e Hídrica. Entretanto, com o advento da Política Nacional de Recursos Hídricos, este

estado promulgou, em 2002, a sua a Política Estadual de Recursos Hídricos (Lei nº 6381/01),

regulamentada pelo Decreto nº 2.070/06, que cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Além

disso, possui uma lei que estabelece normas para a preservação de áreas dos corpos aquáticos,

principalmente as nascentes (Lei nº 5.630/90) e outra que disciplina a conservação e proteção de

depósitos de águas subterrâneas (Lei nº 6.105/98).

Como o Pará, Rondônia regulamentou a Política Estadual de Recursos Hídricos (Lei

Complementar nº 255/02 e o Decreto nº 10.114/02). Além disso, a Portaria nº 0038/04 aprova as

normas que disciplinam o uso dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos de Rondônia.

VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 11

Page 12: Aquiferos transfr das regiões norte e centro-oeste do Brasil final

Os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul da região centro-oeste regulamentaram

suas Políticas Estaduais de Recursos Hídricos (Lei nº 6.945/97 e Lei nº 2.406/02, respectivamente),

possuem Conselhos Estaduais (Decreto n º6.822/05 e Decreto nº 11.621/04) e Sistemas de

Informações de Recursos Hídricos, estando em fase de elaboração/negociação de seus Planos

Estaduais de Recursos Hídricos.

O Mato Grosso dispõe ainda de uma lei específica sobre a administração e conservação de

águas subterrâneas (Lei nº 8.097/04), e a Política Estadual de Recursos Hídricos do Mato Grosso do

Sul tem como uma de suas diretrizes básicas a gestão integrada de águas superficiais e subterrâneas,

além de estabelecer que o Plano Estadual de Recursos Hídricos deva contemplar programa de

gestão de águas subterrâneas.

Conforme exposto, a gestão de recursos hídricos ainda está em fase bastante inicial de

desenvolvimento nas regiões em foco, com poucos instrumentos de gestão implementados e pouca

experiência na gestão destes recursos.

Para uma melhor caracterização do panorama da gestão de recursos hídricos transfronteiriços

destaca-se a celebração de tratados internacionais, pertinentes ao tema, bem como uma visão geral

da legislação dos países envolvidos, o que será feito a seguir.

7. Escopo legal da gestão de recursos hídricos nos outros países e Tratados Internacionais

na área em questão

No escopo dos tratados internacionais das áreas em questão, ressalta-se o Tratado de

Cooperação Amazônica, assinado em 1978 e em vigor desde 1980, pela Bolívia, Brasil, Colômbia,

Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. No Brasil, foi promulgado pelo Decreto nº 85.050,

de 18/08/1990.

Este Tratado é concebido como um regime internacional, por tratar-se de “um conjunto de

princípios, normas, regras de procedimentos de tomada de decisão, explícitos ou implícitos, em

relação aos quais convergem as expectativas dos atores” (Krasner, 1983, Apud Yahn Filho, 2005),

destina-se a:

a) reforçar a autonomia de cada uma das partes signatárias em relação ao desenvolvimento

de seus respectivos territórios amazônicos;

b) promover a utilização racional dos recursos naturais desses territórios, de modo a

preservar o equilíbrio entre as necessidades do desenvolvimento e a conservação do meio

ambiente;

c) favorecer a troca de informações entre as partes signatárias no que tange às iniciativas

nacionais de desenvolvimento dos referidos territórios (Montenegro, 2000, Apud Yahn Filho,

2005).

VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 12

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Outro diploma legal que merece destaque é o Tratado da Bacia do Prata foi firmado em

Brasília (Brasil), em 1969, por chanceleres dos cinco países da bacia e tem como objetivo “permitir

o desenvolvimento harmônico e equilibrado, assim como o melhor aproveitamento dos recursos

naturais da região e assegurar sua preservação para as gerações futuras por meio da utilização

racional dos aludidos recursos”.

Com base no documento “Estabelecendo Estágios para Mudanças7” (GWP, 2006) e outras

referências, faz-se a seguir uma descrição das políticas de recursos hídricos daqueles países de

abrangência desse artigo, de forma a dar uma idéia das bases legais existentes para a possível

construção de marco legal conjunto.

Na Bolívia a Lei das Águas que data de cem anos atrás (1906), está em processo de revisão.

Entretanto o país conta com um Conselho Interinstitucional de Águas (CONIAG) sob a direção do

Ministério de Desenvolvimento Sustentável. Este Conselho tem aberto espaço de diálogo entre o

governo e outros atores na formulação de um arcabouço legal, e adaptação dos arcabouços

institucional e técnico existentes, no sentido de organizar a futura regulação para o gerenciamento

de recursos hídricos.

Esta futura política prevê a descentralização, a troca de informações com o público, bem

como, a participação e empowerment dos atores, instituição de responsabilidades diferentes para o

gerenciamento e uso da água, além de incluir uma contribuição financeira dos usuários para o

gerenciamento dos recursos hídricos.

A Lei de Águas no Peru carece de uma aproximação integrada para o gerenciamento deste

recurso. O desenvolvimento de uma nova lei de águas se iniciou em 1993 e está em processo de

aprovação pelo Congresso. Em 2004 foi preparada pelo governo uma Estratégia Nacional para o

Gerenciamento dos Recursos Hídricos, mas este processo não incluiu a participação dos atores. Esta

ainda não foi implementada e necessita de uma estratégia financeira para tanto.

No Paraguai não existe legislação nacional de recursos hídricos, entretanto há um conjunto

de legislações e regulamentos específicos relacionados à gestão ambiental e outros mais específicos

(Tucci, 2004). O Código de Águas e o arcabouço institucional para a gestão de águas foram

recentemente submetidos ao Parlamento, que poderão ser aprovados ainda este ano.

A Venezuela não possui uma Política Nacional de Águas, porém existe uma proposta que

foi submetida à Assembléia Nacional (2001), e ainda não foi aprovada. Esta se baseia em aspectos

tais como: troca de informações públicas, participação, empowerment dos atores, gerenciamento por

bacias hidrográficas, descentralização e na distinção entre as responsabilidades da gestão e uso da

água, seu uso eficiente e em contribuições financeiras pelos usuários da água.

Na Colômbia ocorre a mesma situação do Paraguai e Venezuela, pois esta não dispõe de lei

de águas, entretanto, um processo para o seu desenvolvimento teve início em 2004 e uma proposta

7 No original “Setting the stage for change”, Global Water Partnership (2006).VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 13

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foi submetida ao Parlamento em 2005, pelo Ministério de Meio Ambiente, Habitação e

Desenvolvimento Territorial. Ressaltam-se neste texto aspectos tais como: participação e

empowerment dos atores, gerenciamento por bacias hidrográficas, descentralização e distinção entre

as responsabilidades da gestão e uso da água.

No Equador a Lei das Águas promulgada em 1972, regula o uso de águas marinhas,

superficiais, subterrâneas e de chuva em nível federal (OEA, 2006). Segundo o Relatório Avaliação

dos Recursos Hídricos do Equador (USACE, 1998), o governo define os direitos de água no seu uso

histórico, requerendo que seja cobrado pelo uso da água para fins industriais e de irrigação. Uma

nova lei está sendo desenvolvida e poderá permitir a implantação de projetos por meio deste sistema

de cobrança, e estabelecer uma vazão mínima e regulação quanto a alguns aspectos ambientais.

Na Guiana a lei que regula a propriedade, gerenciamento, controle, proteção e conservação

dos recursos hídricos disciplina também a gestão e controle de esgotos, sendo denominada Código

de Águas e Esgotos, promulgada em 2002 (OEA, 2006). Esta norma prevê a instituição de um

Conselho Nacional de Recursos Hídricos, determinando que a Política Nacional seja desenvolvida

pelo ministério responsável e o Conselho, de acordo com os princípios básicos estabelecidos nesta.

Outras determinações deste Código são a instituição de um Departamento Hidrometeorológico e o

estabelecimento de um Sistema Nacional de Monitoramento, entre diversos outros aspectos.

Os direitos de uso da água na Guiana são geralmente referenciados como de propriedade do

Estado. O Código de Águas disciplina estes direitos de uso por meio de um sistema de

licenciamento e as águas superficiais são tratadas de forma um pouco diferente das subterrâneas

(Janki, 2006).

Diante do exposto, percebe-se que um esforço para a promulgação de leis de recursos

hídricos nos países, onde estas não existem, torna-se uma tarefa indispensável para a discussão

futura de marcos legais conjuntos ou tratados de gestão destes recursos (ou outros instrumentos

legais).

Neste contexto, a realização de projetos de gestão transfronteiriça pode ajudar na divulgação

desta situação, e até mesmo auxiliar na iniciativa dos tomadores de decisão no sentido de

estabelecer normas legais e arcabouços institucionais para a gestão de recursos hídricos,

especialmente das águas subterrâneas. Princípios como a gestão descentralizada, participativa e

integrada podem servir de base para um futuro marco de gestão.

7. Projetos no Brasil em negociação no âmbito do Programa ISARM Américas

No ano de 2004, a Secretaria de Recursos Hídricos, do Ministério do Meio Ambiente

apresentou à Agência Interamericana para Cooperação e Desenvolvimento o Projeto “Proteção

Ambiental e Gestão Sustentável do Sistema Aqüífero Transfronteiriço Boa Vista - North Savanna”,

VIII Congresso Latino americano de Hidrologia Subterrânea e Expo Água 2006 14

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com o objetivo de elaborar um modelo de gestão conjunta deste Sistema, bem como o de criar

mecanismos para sua proteção e preservação ambiental, realizar a sua caracterização geológica e

hidrogeológica (hidrodinâmica e hidrogeoquímica), criar uma rede de monitoramento e banco de

dados, além do levantamento dos aspectos institucionais e legais para a gestão conjunta.

Este projeto foi proposto diante da importância deste sistema aqüífero para a cidade de Boa

Vista e pela possibilidade de maior desenvolvimento econômico da região frente a projetos como o

Arco Norte, que representa um esforço de integração entre o mercado da região amazônica com o

mercado do Planalto das Guianas. Devido à sua posição estratégica, Roraima poderá dar

continuidade a sua política de intercâmbio comercial com seus vizinhos, tendo a rodovia BR-174

como uma via de desenvolvimento interligada à BR-401 (que ligará Boa Vista às Guianas por meio

do Arco Norte). Estas estradas possibilitarão também a articulação local com a região do Caribe,

somada a construção de uma ponte sobre o Rio Tacutu, possibilitando o escoamento dos produtos

da Zona Franca de Manaus para a região.

No âmbito do Programa ISARM Américas o Aqüífero Pantanal foi um dos sistemas

transfronteiriços selecionados para desenvolvimento de estudos iniciais, devido à expansão

desordenada e rápida da agropecuária, principalmente na área de seu entorno, com a utilização de

agroquímicos, além da exploração de diamantes e de ouro nos planaltos, com uso de mercúrio, que

são responsáveis por profundas transformações regionais.

A remoção da vegetação nativa nos planaltos para a implementação de lavouras e pastagens,

sem considerar a aptidão das terras, aliadas a falta de práticas de manejo e conservação do solo,

acelerou os processos erosivos nas bordas do Pantanal. A conseqüência imediata tem sido o

assoreamento dos rios com a intensificação das inundações causando sérios prejuízos a fauna, flora,

regime hídrico e economia do Pantanal.

Em geral, as águas das chuvas e dos rios que drenam a bacia são consideradas os principais

componentes do regime hidrológico do Pantanal. Entretanto, a formação de lagoas, como as da

região de Nhecolândia, e as oscilações nos níveis freáticos nos períodos de chuva e seca apontam no

sentido de que a maior contribuição para estes sistemas é proveniente das fontes subterrâneas.

Diante destas ameaças e da importância das águas subterrâneas para a manutenção dos

diversos ecossistemas pantaneiros, o Projeto Aqüífero Pantanal pretende avançar no conhecimento

dos recursos hídricos subterrâneos e sua interconexão com as águas superficiais e contribuir para a

sustentabilidade deste ecossistema, por meio do acordo de ações prioritárias estabelecendo um

mecanismo de consulta e troca de informações entre os países.

8. Conclusões

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Como exposto anteriormente, a evolução dos mecanismos e experiências em gestão de

aqüíferos hídricos transfronteiriços ainda está em sua fase inicial, principalmente em relação às

regiões centro-oeste e norte do Brasil, que são as com maiores carências legais, institucionais e

técnicas.

A ampliação do conhecimento hidrogeológico torna-se necessidade imediata a fim de que se

possa realizar uma efetiva gestão dos recursos subterrâneos e para a implementação da gestão

integrada.

O Programa ISARM Américas por meio de seus objetivos de identificação e caracterização

de aqüíferos transfronteiriços, bem como, o fomento à elaboração de projetos pilotos, é de suma

importância para a implementação de experiências de gestão e aumento do conhecimento básico

hidrogeológico em aqüíferos pouco estudados e/ou com conflitos potenciais.

Dentre os aqüíferos definidos pelo programa ISARM na região norte citam-se os Sistemas

Aqüífero Grupo Roraima, Boa Vista-Serra do Tucano/North Savanna, Costeiro, Amazonas, bem

como, o Pantanal, que se destaca pela sua importância na manutenção do ecossistema pantaneiro.

Para tanto, como referenciado anteriormente, é crucial o conhecimento do escopo legal da

gestão de águas, principalmente na questão de águas subterrâneas e recursos hídricos

transfronteiriços. Deve ser destacado, ainda, que o Brasil conta com um sistema de gerenciamento

de recursos hídricos e com instrumentos de gestão amplamente aplicados, como o Plano Nacional

de Recursos Hídricos, recém lançado, e o desenvolvimento de normas específicas relativas à gestão

de águas subterrâneas, como de outorga e proteção.

Ressalta-se, ainda, a existência de Tratados de Cooperação para a gestão de recursos

hídricos transfronteiriços, como é o caso do Tratado Amazônico e da Bacia do Prata, que podem

servir de partida para uma estratégia de gestão conjunta entre os países de abrangência destes

aqüíferos.

Entretanto, deve ser mencionado que no Brasil a gestão das águas subterrâneas é de domínio

dos estados, tendo a União o papel de coordenação, principalmente no caso de aqüíferos

transfronteiriços. Além disso, nos outros países da região considerada, os sistemas de gestão se

encontram em estágios de desenvolvimento bastante diferenciados. Desta forma, torna-se necessário

verificar uma forma de articulação legal e institucional para o estabelecimento de um marco de

gestão conjunta dos países ou de um modelo de cooperação efetiva de forma que a gestão

sustentável desses aqüíferos possa vir a ser uma realidade.

Pelo exposto conclui-se que para uma adequada gestão é necessário conhecer melhor estes

sistemas aqüíferos, bem como, a sensibilização dos tomadores de decisão e da sociedade para a

importância estratégica das águas subterrâneas.

9. Referências bibliográficas

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