7826 uma abordagem de tratamento psicologico para a compulsao alimentar
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ESTEFNIA BOJIKIAN SARUBBI
UMA ABORDAGEM DE TRATAMENTO PSICOLGICO
PARA A COMPULSO ALIMENTAR
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO
CAMPO GRANDE
2003
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ESTEFNIA BOJIKIAN SARUBBI
UMA ABORDAGEM DE TRATAMENTO PSICOLGICO
PARA A COMPULSO ALIMENTAR
Dissertao apresentada, como
exigncia parcial para obteno do
ttulo de mestre em Psicologia ao
Programa de Mestrado em Psicologia
- rea de concentrao
Comportamento Social e Psicologia
da Sade da Universidade Catlica
Dom Bosco sob a orientao da Prof.
Dr. Regina Clia Ciriano Calil.
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO
CAMPO GRANDE
2003
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Ficha catalogrfica Sarubbi, Estefnia Bojikian Uma abordagem de tratamento psicolgico para a compulso alimentar / Estefnia Bojikian Sarubbi; orientadora Regina Clia Ciriano Calil. Campo Grande, 2003. 150 f; il. : 30 cm; anexos. Dissertao (mestrado) Universidade Catlica Dom Bosco. Programa de Ps- Graduao em Psicologia Orientadora: Regina Clia Ciriano Calil Bibliografia: f.135 - 141
1. Distrbios psicossomticos 2. Comportamento compulsivo Alimentar 3. Obesidade I. Calil, Regina Clia Ciriano II. Ttulo
CDD 616.8526
Bibliotecria responsvel: Cllia Takie Nakahata Bezerra CRB-1/757
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BANCA EXAMINADORA
_________________________________________ Dr. Srgio Luiz Saboya Arruda
_________________________________________ Dr. Snia Grubits
_________________________________________ Orientadora: Dr. Regina Clia Ciriano Calil
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AGRADECIMENTOS
A finalizao dessa dissertao representa para mim mais um captulo em
uma histria de anos de trabalho, buscas e sonhos. Ento, gostaria de agradecer a todas as
pessoas que indiretamente ajudaram em sua construo, por fazerem parte da minha vida,
me nutrindo de estmulos e afetos. Por compartilharem dos meus ideais e acrescentarem ao
meu crescimento.
E gostaria de fazer alguns agradecimentos em especial:
A meus pais, Edna e Vicente Sarubbi, pois sem vocs, nada seria possvel.
Agradeo pelo estmulo, pela ajuda e pela compreenso. Por apoiarem e respeitarem meus
momentos de produo e construo. Pelo amor cuidadoso.
A meu irmo Vicente, pois no poderia imaginar o que eu saberia sobre o
amor se no fosse por voc. Agradeo por sonhar comigo, pelos momentos difceis e
felizes de nossas vidas, pelos ideais que temos construdo, por termos plantado juntos
muitos afetos em terrenos to ridos.
A minha av Virgnia, quem me ensinou as primeiras letras do alfabeto.
Agradeo pelo seu amor generoso e grandioso.
A Meus tios que torcem muito por mim. Agradeo pelos anos de cuidados e
carinhos.
A Elen, pois muito bom ter voc na minha vida. Agradeo por me
acompanhar em cada passo e pela sua presena nutridora.
A Glaucia, pela ajuda direta e indireta neste trabalho. Agradeo pelos anos
de amizade, confiana e trocas.
A Tatiana que acompanhou desde o incio o meu trabalho com compulso.
Agradeo por me ajudar e dividir comigo as angstias, as dificuldades e as alegrias dessa
dissertao.
A Thays pela coragem de acreditar. Agradeo por me mostrar novos
caminhos, em momentos to difceis, pelas conquistas e pelo lindo trabalho que temos
desenvolvido juntas.
A Maria de Ftima, minha primeira analista. Agradeo pelo caminho que
percorremos juntas. Pela sua presena em momentos to significativos.
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A ngela, minha analista. Agradeo pelo acolhimento e pela preciosa ajuda.
A Dr Elizabeth Wajnryt pela iniciativa de atravessar o oceano, o que me
possibilitou a vivncia da abordagem Antidieta. Agradeo, pela receptividade, pelos
ensinamentos, pela generosidade. Sua busca acendeu um facho de luz dentro de mim.
A Regina Calil, minha orientadora, por acrescentar muito ao meu trabalho.
Agradeo pelo estmulo mental e emocional, pela confiana, pelas trocas enriquecedoras,
pelas orientaes norteadoras.
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Eu no sou voc Voc no eu
Eu no sou voc Voc no eu Mas sei muito de mim Vivendo com voc E voc, sabe muito de voc vivendo comigo? Eu no sou voc Voc no eu Mas encontrei comigo e me vi Enquanto olhava para voc (...) E voc se encontrou e se viu, enquanto Olhava pra mim? Eu no sou voc Voc no eu Mas foi vivendo minha solido Que conversei com voc E voc conversou comigo na sua solido Ou fugiu dela de mim e de voc? Eu no sou voc Voc no eu Mas sou mais eu, quando consigo Lhe ver, porque voc me reflete No que eu ainda sou No que j sou e No que quero vir a ser Eu no sou voc Voc no eu (...) Somos capazes de, diferenciadamente, Eu ser eu, vivendo com voc e Voc ser voc, vivendo comigo.
Madalena Freire
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SUMRIO
CAPTULO I INTRODUO, OBJETIVOS E MTODO..........................................01
I.1. Introduo...........................................................................................................01
I.2. Objetivo geral e objetivos especficos................................................................06
I.3. Sobre o mtodo...................................................................................................07
I.3.1. A definio do objeto ................................................................................08
I.3.2. A formulao do problema........................................................................10
I.3.3. Estudo terico............................................................................................11
I.3.4. O mtodo clnico e o estudo de caso .........................................................13
I.3.5 Aspectos ticos ..........................................................................................15
CAPTULO II OBESIDADE, TRANSTORNO DO COMER COMPULSIVO,
DIETAS E SUAS IMPLICAES NA CULTURA ATUAL..........................................16
II.1. Obesidade..........................................................................................................16
II.2. Transtorno do comer compulsivo......................................................................20
II.2.1. Causas do transtorno do comer compulsivo.............................................24
II.2.1.1. O transtorno do comer compulsivo e as restries alimentares ............25
II.2.1.2. O transtorno do comer compulsivo e os estados emocionais................31
CAPTULO III ALGUNS ASPECTOS DA EVOLUO PSICODINMICA DO
INDIVDUO E DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSOMTICO................................34
III.1. O dualismo pulsional e as relaes objetais.....................................................35
III.1.1. Da simbiose normal ao processo de separao-individuao.................38
III.1.2. Da dependncia absoluta a independncia..............................................40
III.1.3. Corpo e linguagem..................................................................................45
III.2. Distrbio psicossomtico.................................................................................46
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vi
CAPTULO IV ASPECTOS PSICODINMICOS DA COMPULSO
ALIMENTAR RELACIONADOS A ALGUMAS DIFICULDADES
NO DESENVOLVIMENTO .............................................................................................57
IV.1. Falhas na representao da imagem corporal ..................................................59
IV.2. Falhas na aprendizagem da funo corporal....................................................65
IV.3. Falhas na introjeo de uma funo psquica materna tranqilizadora e do
processo de simbolizao..........................................................................................72
CAPTULO V ANTIDIETA: UMA ABORDAGEM DE TRATAMENTO
PARA A COMPULSO ALIMENTAR...........................................................................81
V.1. Histrico............................................................................................................83
V.2. As trs diretrizes fundamentais do processo.....................................................87
V.2.1. Fome ........................................................................................................87
V.2.2. Seleo .....................................................................................................92
V.2.3. Saciedade .................................................................................................96
V.3. Consideraes ao processo ...............................................................................99
V.4. O significado da gordura e da magreza para o comedor compulsivo .............102
CAPTULO VI ESTUDO DE UM CASO CLNICO DENTRO DA
ABORDAGEM PSICOLGICA DA ANTIDIETA.......................................................106
CAPTULO VII CONSIDERAES FINAIS ............................................................133
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................135
ANEXOS .........................................................................................................................142
Anexo 01- Entrevista ............................................................................................. 143
Anexo 02 Termo de consentimento livre e autorizado ....................................... 150
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RESUMO
Essa dissertao de Mestrado tem o objetivo de efetuar um estudo terico-clnico relativo a abordagem psicolgica utilizada por um tipo especfico de tratamento para a compulso alimentar a Antidieta trazendo para discusso questes relativas s diretrizes bsicas seguidas por essa abordagem, dentro de seus dois eixos, alimentar e emocional, integrando os conhecimentos tericos dentro da prtica clnica. Tambm so abordados certos aspectos referentes a algumas dificuldades no desenvolvimento, relativos a representao da imagem corporal, a funo corporal e a introjeo de uma funo psquica materna tranqilizadora e facilitadora do processo de simbolizao. Essas dificuldades podem exercer influncia na compulso alimentar e na obesidade, segundo o estudo terico realizado. Para um maior esclarecimento, procurou-se contextualizar a obesidade e a compulso alimentar na cultura atual, sendo feitos questionamentos sobre alguns aspectos relativos ao uso de dietas para emagrecer em pacientes que apresentam tais distrbios. Com este estudo pretende-se tambm conceituar alguns aspectos da evoluo psicodinmica do indivduo e do desenvolvimento psicossomtico. Para concluir, apresenta-se o estudo de um caso clnico, tendo como referencial a tcnica especfica da Antidieta para o tratamento da compulso alimentar, abrangendo tambm um referencial clnico psicodinmico, podendo-se observar uma melhora do quadro de compulso alimentar.
Palavras-Chaves: compulso alimentar; obesidade; Antidieta; distrbios
psicossomticos.
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ABSTRACT
This Master Degree dissertation has the objective to prove a clinic-theoretical study related to a psychological approach used by a specific type of treatment in compulsive eating Antidietig - bringing for discussion questions related to the basic lines followed by this approach, in both angles, nutrition and emotional, integrating the theoretical knowledge inside of the practical clinic. Its also showed certain aspects referring to some difficulties in the development, related to the representation of the corporal image, corporal function and introjection of a psychic maternal function, tranquilliser and facilitator of the symbolizing process. These difficulties can influence the compulsive eating and the obesity, according to the theoretical research carried on. For a better clarification, it was contextualized the obesity and the compulsive eating in the current culture, asking some aspects related to the application of some weight-loss diets in patients who present such disorders. This research also intend to appraise some aspects of the evolution of individual psychodynamic and the psychosomatic development. To conclude, the research presents a clinical case, having as referential the specific technique of Antidieting for the treatment of the compulsive overeating, and also enclosing a psychodynamic clinical referential, being able to observe an improvement of the compulsive eating scenery.
Key-Words: compulsive eating; obesity; Antidieting; psychosomatic disorders.
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CAPTULO I
INTRODUO, OBJETIVOS E MTODO
I.1. INTRODUO
Todo ser humano, ao nascer, sente a necessidade de ser alimentado. A primeira relao afetiva e o primeiro contato com o mundo, bem como o incio da
formao da identidade pessoal e corporal se d, em primeiro lugar, atravs da boca, com a
relao beb-seio. Quando os bebs sentem fome, choram e so alimentados, aprendem
que suas necessidades podem ser satisfeitas de maneira confivel. Desde a infncia,
alimentar-se e tranqilizar-se esto profundamente ligados. Crianas com fome sentem
medo, e, quando o mundo reage com a oferta de alimento, elas se acalmam. Para
Hirschmann & Munter (1988), a experincia de alimentao o centro de uma srie de
interaes e sentimentos que contribuem para o sentido de segurana e, durante toda a
vida, o ato de comer quando se tem fome bastante satisfatrio, tanto fsica como
psicologicamente.
No entanto, para o compulsivo alimentar a situao bem diferente. Para
Hirschmann & Munter (1988), a maioria das pessoas compulsivas raramente tem
conscincia da sua fome fisiolgica e os sinais que do origem ao seu desejo de comer vm
de qualquer lugar, menos do estmago. O compulsivo, usa a comida, consciente ou
inconscientemente, para lidar com a ansiedade, para se acalmar quando se sente estressado
e para se reconfortar quando se sente triste, solitrio ou amedrontado. A compulso se
traduz por uma alimentao fora de sintonia com as necessidades naturais do organismo e
representa uma forma de enfrentar os problemas da vida.
A alimentao compulsiva destri os padres de alimentao, provoca com
freqncia aumento de peso, perda do autocontrole alimentar e da auto-estima. De acordo
com Hirschmann & Munter (1988), pessoas compulsivas tm corpos de todos os tamanhos
e formas e no so necessariamente gordas, visto que h muitas pessoas que se alimentam
de maneira compulsiva sem que isso tenha como conseqncia a obesidade, permanecendo
magras em virtude do seu metabolismo. Entretanto, a maioria das pessoas que comem
demais pesam acima do seu peso de equilbrio, porque ingerem muito mais alimentos do
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que seu organismo exige: procuram comida quando no tm fome fisiolgica, ou ento,
continuam a se alimentar alm da saciedade fisiolgica.
Pessoas compulsivas, para Hirschmann & Munter (1988), compartilham no
apenas o mpeto de comer como tambm a maneira de ver seu problema, considerando-se
carentes de disciplina e fora de vontade, gulosas, infantis, descontroladas e fracas. E para
essas autoras, a sociedade no est interessada em saber o motivo pelo qual milhes de
pessoas sentem-se dominadas pelo desejo de comer, sendo apenas pressionadas a
controlar-se e a reduzir o peso, atravs de dietas e controles alimentares.
Como qualquer indivduo, o compulsivo tem conflitos emocionais, que
causam ansiedade. O problema, no entanto, encontra-se na dificuldade de lidar com os
sentimentos sem a ajuda da comida, e portanto, o real problema no diz respeito
alimentao. preciso fazer algo a respeito das razes emocionais da compulso, pois
nenhum controle, nenhuma restrio ou aprendizado de novos hbitos alimentares iro
modificar a necessidade de se voltar para a comida quando se est com problemas, de uma
forma eficaz e duradoura.
Infelizmente, as respostas encontradas baseiam-se na idia de que ou a
pessoa deve exercer melhor controle sobre sua nsia de comer ou, ento,
deve abdicar de seu prprio controle e submeter-se s regras de uma
dieta. Na verdade, ensina-se a condenar e restringir a alimentao
quando, de fato, o verdadeiro problema a ser tratado no o controle de
peso. (HIRSCHMANN & MUNTER, 1988, p. 30)
Desta forma, o compulsivo se v diante de um dilema, aparentemente,
insolvel, pois, de acordo com Hirschmann & Munter (1988), muitas pessoas compulsivas
tm conscincia de que sua alimentao um sintoma de outros problemas, e muitas outras
j fizeram um esforo para compreender o que as leva a comer. Mas apenas reconhecer a
fonte da ansiedade no modifica o fato de que a nica maneira que se conhece para lidar
com os conflitos seja atravs da comida. Por outro lado, usar a comida como conforto
tambm no resolve, pois no uma soluo eficiente para os desconfortos emocionais.
Devido ao fato de que as diversas solues oferecidas no passado
restries alimentares no funcionaram, tornou-se necessrio, de acordo com Orbach
(1978), o desenvolvimento de uma nova psicoterapia que lidasse com o problema da
compulso de comer, ou seja, um novo enfoque teraputico diferente dos programas de
emagrecimento. Para a autora, o enfoque psicanaltico tem muito a oferecer para a soluo
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dos problemas da compulso, pois fornece meios de investigar as razes do problema em
suas primeiras vivncias. Torna tambm possvel a compreenso da personalidade adulta,
principalmente da identidade sexual. O insight psicanaltico ajuda a compreender,
tambm, o que significa ser gordo e comer em excesso para cada pessoa individualmente,
atravs da compreenso de seus atos conscientes ou inconscientes, possibilitando a
descoberta das origens mais profundas da compulso.
Para Orbach (1978), a gordura no tem a ver com falta de controle ou falta
de fora de vontade, que um pensamento socialmente comum, mas sim com proteo,
sexualidade, fora, limites, criao, estabilidade, maternidade, afirmao e raiva.
A compulso precisa ser vista, segundo Orbach (1978), tanto como sintoma
quanto como um problema em si mesmo. sintoma no sentido de que aquele que come
por compulso, no sabe como lidar com aquilo que est por trs desse comportamento e
usam a comida como um auxlio. Por outro lado, a compulso de comer se propagou de tal
maneira e to dolorosamente absorvente que deve tambm ser abordada diretamente
como um problema. Conseqentemente, se faz necessrio abordar ambos os aspectos
envolvidos: o emocional e o alimentar. preciso desmistificar o sintoma para descobrir o
que est sendo manifestado no desejo de ser gorda, no medo da magreza e na vontade de
comer em demasia. Ao mesmo tempo, preciso intervir diretamente para que os
sentimentos e o comportamento com relao comida possam modificar-se.
O objetivo da Antidieta, consiste basicamente, de acordo com Hirschmann e
Munter (1988), em devolver o hbito de comer ao seu devido lugar, que deve proporcionar
prazer ao invs de medo e culpa, e desenvolver a conscincia de si prprio para que os
contedos emocionais possam ser pensados e simbolizados ao invs de se comer por causa
deles. Para isso, se faz necessrio voltar aos hbitos alimentares como eram no incio da
infncia e recomear, restabelecendo a relao entre o alimento e a fome, interrompida
anos atrs.
O interesse pela pesquisa surgiu da necessidade de integrar e conceituar
conhecimentos tericos dentro da prtica clnica, bem como tambm pela busca de
respostas a um problema que diz respeito, no s aos indivduos que procuram atendimento
para o transtorno da alimentao compulsiva mas, tambm, a um problema social ligado
questo da obesidade e a cultura atual, incluindo a os mtodos de tratamento, em sua
maioria atravs de dietas e frmulas medicamentosas.
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O meu interesse pelo tratamento de pacientes obesos, surgiu com a prpria
demanda dentro do consultrio, quando esses pacientes vieram buscar por tratamento. A
maioria deles j havia feito vrios tratamentos para emagrecer e, apesar de terem
conseguido perder peso, voltavam a engordar e alguns j no tinham mais nimo para fazer
uma nova dieta. Para eles, ir ao psiclogo era como o ltimo recurso que dispunham para
tentar resolver um problema que julgavam estar na cabea e no na alimentao. Alguns
pacientes iniciaram a psicoterapia juntamente com o tratamento com nutricionista ou
endocrinologista.
Iniciei o atendimento psicoterpico desses pacientes dentro da minha linha
terica que a de orientao psicanaltica, procurando ajudar o paciente a elaborar a
compulso alimentar, presente nesses pacientes, e aos aspectos inconscientes ligados
gordura e ao significado de ser magro. Porm, o tratamento se mostrava frustrante e pouco
resultado era obtido, pois, apesar de saberem o quanto e o que deveriam comer, no
conseguiam seguir a dieta, se sentiam vorazes em relao aos alimentos proibidos e
episdios de empanturramentos decorrente de ansiedades, tanto em relao alimentao,
quanto em relao s questes emocionais, eram freqentes. Conseqentemente, havia
tambm uma grande frustrao por no conseguirem perder peso.
Nessa ocasio, eu j tinha tido conhecimento da abordagem da Antidieta,
atravs dos meios de comunicao, mas foi a partir dos resultados pouco satisfatrios em
relao ao atendimento de pacientes obesos compulsivos, que fui ao encontro dessa tcnica
especfica de tratamento, atravs de supervises com a Dr. Elisabeth Chulman Wajnryt,
psicloga e psicanalista, que foi quem trouxe para o Brasil esta nova forma de
compreenso e abordagem.
A Antidieta, trouxe, ento, ao atendimento desses pacientes, um enfoque
terico em relao alimentao e aos aspectos inconscientes ligados a ela, visto que
prope uma nova abordagem, no mais centrada nas privaes e controles alimentares,
prprios da dieta, mas no autoconhecimento corporal em relao fome, a escolha
alimentar quanto ao que comer e a saciedade. Tambm trouxe um novo olhar sobre a
compulso alimentar e a sua forma de tratamento, bem como um novo entendimento sobre
a imagem corporal do obeso.
A partir desse referencial terico, que diz respeito a uma tcnica especfica
de tratamento, tive a necessidade de fazer uma ponte entre a abordagem da Antidieta e
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alguns aspectos do desenvolvimento psicossomtico, bem como de algumas falhas
encontradas no desenvolvimento primitivo desses pacientes, tendo como base o referencial
terico psicodinmico.
Neste captulo encontram-se, tambm, os objetivos e o mtodo dessa
dissertao. Essa forma especfica de tratamento ser apresentada no captulo V. No
captulo II se faz necessrio abordar a questo da obesidade e do transtorno do comer
compulsivo em relao s dietas e suas implicaes na cultura atual. No captulo III, ser
abordada a evoluo psicodinmica do indivduo e do desenvolvimento psicossomtico,
suporte terico necessrio para que se possa entender os aspectos psicodinmicos da
compulso alimentar e de algumas dificuldades no desenvolvimento, referentes ao captulo
IV. E no captulo VI ser descrita, atravs do estudo de um caso clnico, as vicissitudes do
processo de tratamento de uma paciente com transtorno do comer compulsivo tendo como
enfoque a abordagem da Antidieta.
Acho importante ressaltar que o termo falhas est sendo usado, nesse
trabalho, como sinnimo de faltas, lacunas, estando relacionado a dificuldades no processo
de desenvolvimento emocional primitivo do indivduo, sendo essas lacunas, em sua
maioria, inconscientes.
Decorrente dessa necessidade, espero que os resultados desse estudo possam
auxiliar na compreenso do quadro de compulso a comer e de alguns aspectos de seu
atendimento clnico, dentro da abordagem da Antidieta.
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I.2. OBJETIVO GERAL
Realizar um estudo terico-clnico sobre a abordagem psicolgica da
Antidieta, buscando sistematizar e organizar o conhecimento j existente sobre essa
tcnica, trazendo ainda, para discusso, questes relativas a algumas dificuldades no
desenvolvimento emocional do indivduo que podem exercer influncia na compulso
alimentar e na obesidade: falhas na representao da imagem corporal, na funo corporal
e na introjeo de uma funo psquica materna tranqilizadora.
I.2. OBJETIVOS ESPECFICOS
a) Contextualizar e relacionar a obesidade e a compulso alimentar e suas implicaes na
cultura atual.
b) Conceituar alguns aspectos da evoluo psicodinmica do indivduo e do
desenvolvimento psicossomtico para a compreenso dos transtornos psicossomticos e de
algumas dificuldades no desenvolvimento primitivo, encontradas em pacientes
compulsivos alimentares.
c) Analisar os dois nveis de atuao da Antidieta: eixo fisiolgico, atravs do
autoconhecimento corporal e alimentar; e eixo emocional, atravs da elaborao de
contedos inconscientes.
d) Relatar alguns aspectos relativos ao uso de dietas para emagrecer em um paciente que
apresenta compulso alimentar.
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I.3. SOBRE O MTODO
Para Calil (2001, p. 39), o mtodo se refere a escolha realizada na busca de
um caminho possvel para a investigao cientfica, sendo um fio condutor que esteja em
consonncia com a formao pessoal e profissional do pesquisador, bem como com os
pressupostos cientficos.
De acordo com Chizzotti (1998), a pesquisa investiga o mundo em que o
homem vive e o prprio homem. E para esta atividade, o investigador recorre observao e
reflexo que faz sobre os problemas que enfrenta, e experincia passada e atual dos
homens na soluo destes problemas, a fim de munir-se dos instrumentos mais adequados
sua ao e intervir no seu mundo para constru-lo adequado sua vida. (CHIZZOTTI, 1998,
p. 11)
A observao da conduta dos homens, de acordo com Reuchlin (1971),
transparece nitidamente como a atividade a partir da qual se diferenciam as atividades dos
psiclogos e seus mtodos especficos. O psiclogo pode limitar suas ambies,
contentando-se com o papel de simples observador, mas mesmo em tal caso no lhe ser
possvel evitar a escolha de determinadas regras s quais ter de adaptar sua conduta, nem
poder fugir escolha de um mtodo de observao. E para Minayo (1999), de acordo com
objetivos da pesquisa, deve-se estabelecer a forma e o contedo, ainda que no processo da
investigao se perceba a necessidade de realizar mudanas, atravs: da escolha do tpico
de investigao, da delimitao do problema, da definio dos objetos e objetivos, da
construo do marco terico conceitual, dos instrumentos da coleta de dados e da
explorao do campo.
Para Minayo (1999, p. 89-90), existem algumas balizas, dentro das quais se
processa o conhecimento. A primeira delas seu carter aproximado, em que o
conhecimento uma construo que se faz a partir de outros conhecimentos sobre os quais
se exercita a apreenso, a crtica e a dvida. A segunda baliza diz respeito ao carter de
inacessibilidade do objeto, que se explica pelo fato de que as idias que se faz sobre os
fatos so sempre mais imprecisas, mais parciais e mais imperfeitas que ele. Neste sentido,
o objeto de pesquisa consiste na definio e redefinio do objeto. A terceira baliza se
refere vinculao entre pensamento e ao, pois nada pode ser intelectualmente um
problema, se no tiver sido em primeira instncia, um problema da vida prtica, o que
significa que a escolha de um tema no emerge espontaneamente, mas surge de interesses e
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circunstncias socialmente condicionadas, frutos de determinada insero no real, nele
encontrando suas razes e objetivos. A quarta baliza enfatiza o carter originariamente
interessado do conhecimento ao mesmo tempo que sua relativa autonomia. Isso significa
que o olhar sobre o objeto est condicionado historicamente pela posio social do
cientista e pelas correntes de pensamento em conflito na sociedade, porm, existe uma
autonomia relativa, uma lgica interna da pesquisa cientfica, visando a descoberta da
verdade.
Para Chizzotti (1998), nas cincias humanas e sociais, a hegemonia das
pesquisas positivas, que privilegiavam a busca da estabilidade constante dos fenmenos
humanos, foi questionada pelas pesquisas que se empenharam em mostrar a complexidade
e as contradies de fenmenos singulares, a imprevisibilidade e a originalidade criadora
das relaes interpessoais e sociais. Essas novas pesquisas valorizaram aspectos
qualitativos dos fenmenos, expuseram a complexidade da vida humana e evidenciaram
significados ignorados da vida social (CHIZZOTTI, 1998, p. 78). Assim, os pesquisadores
que adotam essa orientao se dedicam anlise dos significados que os indivduos do s
suas aes, inseridas no contexto social em que estas se do.
I.3.1. A DEFINIO DO OBJETO
O objeto principal dessa pesquisa o conceito de Antidieta e alguns
aspectos da teoria relativa a essa forma especfica de abordagem psicolgica para a
compulso alimentar, bem como o procedimento clnico referido por essa abordagem,
intentando fazer uma ponte de compreenso de alguns aspectos psicodinmicos
relacionados compulso alimentar com fragmentos da clnica.
Do ponto de vista prtico o Objeto, para Minayo (1999), geralmente
colocado em forma de pergunta e se vincula a descobertas anteriores e a indagaes
provenientes de mltiplos interesses, que decorre de uma relao dialtica entre os esforos
de estabelecer marcos conceituais e de os articular prtica. Para autora, o real est sempre
colocado como premissa, embora operacionalmente se parta da elaborao do abstrato para
o concreto.
Geralmente quando nos propomos a iniciar uma atividade de pesquisa,
ns a situamos dentro de um quadro de preocupaes terico-prticas.
Ou seja, temos uma rea de Interesse que um campo de prticas, onde as questes que incitam nossa curiosidade terica se concentram. (...) No
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interior dessa rea de Interesse que acontece e ultrapassa um projeto
especfico, se situa a questo da definio do Objeto ou a definio do
Problema. Trata-se um recorte capaz de conter relaes essenciais e
expressar especificidade. (MINAYO, 1999, p. 96)
Assim, os sujeitos de investigao, primeiramente so construdos
teoricamente enquanto componentes do objeto de estudo. No campo fazem parte de uma
relao de intersubjetividade, de interao social com o pesquisador, da resultando em um
produto novo e confrontante tanto com a realidade concreta como com as hipteses e
pressupostos tericos, num processo mais amplo de construo de conhecimento
(MINAYO, 1999, p. 105). A compreenso do indivduo, para Minayo (1999), tem que ser
completada com as variveis prprias tanto da especificidade histrica como dos
determinantes das relaes sociais.
Na pesquisa qualitativa, de acordo com Chizzotti (1998, p. 83), todas as
pessoas que participam da pesquisa so reconhecidas como sujeitos que elaboram
conhecimentos e produzem prticas adequadas para intervir nos problemas que
identificam. Pressupe-se, pois, que elas tm um conhecimento prtico, de senso comum e
de representaes relativamente elaboradas que formam uma concepo de vida e orientam
as suas aes individuais. Para o autor, os sujeitos da pesquisa identificam os seus
problemas, analisam-nos, discriminam as necessidades prioritrias e propes as aes mais
eficazes. Para Reuchlin (1971), o objeto da psicologia clnica o indivduo em situao e
em evoluo
Qualquer discurso terico no a revelao total da realidade mas, de
acordo com Minayo (1999), a realizao de um real possvel ao sujeito, sob condies
histrico-sociais, em que a realidade a exteriorizao de sua interioridade, do seu tempo,
do seu meio, de suas questes, de sua insero de classe.
Para Chizzotti (1998), o pesquisador parte fundamental da pesquisa
qualitativa e deve manter uma conduta participante, que partilhe da cultura, das prticas,
das percepes e experincias do sujeito da pesquisa, procurando compreender a
significao social por ele atribuda ao mundo que o circunda e aos atos que realiza. Para o
autor, cabe ao pesquisador, tambm, identificar os problemas e as necessidades e formular
as estratgias de superao dessas necessidades.
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I.3.2. A FORMULAO DO PROBLEMA
Para Chizzotti (1998), o problema, na pesquisa qualitativa, no fruto de
um distanciamento que o pesquisador se impe para extrair as leis constantes que o
explicam e cuja freqncia e regularidade pode-se comprovar pela observao direta e pela
verificao experimental, o que implica dizer que o problema se d no decorrer da
pesquisa, pois a delimitao do problema no resulta de uma afirmao prvia e individual,
formulada pelo pesquisador e para a qual recolhe dados comprobatrios (CHIZZOTTI,
1998, p. 81).
Um problema de pesquisa no pode, desse modo, ficar reduzido a uma
hiptese previamente aventada, ou a algumas variveis que sero
avaliadas por um modelo terico preconcebido. O problema decorre,
antes de tudo, de um processo indutivo que se vai definindo e se
delimitando na explorao dos contextos ecolgico e social, onde se
realiza a pesquisa; da observao reiterada e participante do objeto
pesquisado, e dos contatos duradouros com informantes que conhecem
esse objeto e emitem juzos sobre ele. (CHIZZOTTI, 1998, p. 81)
Mas, de acordo com Minayo (1999), ningum coloca uma pergunta se nada
sabe da resposta, pois ento no haveria o que perguntar.
Todo saber est baseado em pr-conhecimento, todo fato e todo dado j
so interpretaes, so maneiras de construirmos e de selecionarmos a
relevncia da realidade. (MINAYO, 1999, p. 93)
Para Ludke & Andr (1986), o problema redescoberto no campo,
evitando assim, a definio rgida de hipteses, para que o pesquisador possa mergulhar na
situao e a partir da rever e aprimorar o problema inicial da pesquisa.
Durante os anos de atendimento na prtica clnica, com compulsivos
alimentares, que procuraram por tratamento devido obesidade, um problema se imps em
relao s formas mais conhecidas de se lidar com a compulso alimentar, que so as
dietas e frmulas medicamentosas para emagrecer, devido ao fato de que alguns pacientes
que se utilizam dessas formas de tratamento reincidem na obesidade, aps o trmino do
tratamento, evidenciando um sofrimento psquico presente. As dietas e frmulas
emagrecem, o que as tornam eficazes para o tratamento da obesidade, mas elas no
pretendem elaborar os sentimentos subjacentes em pacientes que no apresentam causas
orgnicas. Neste sentido, as dietas e as frmulas no s tm se mostrado insuficientes,
-
11
como, tambm, aparecem como agravante do problema da compulso alimentar, se
estabelecendo um crculo vicioso.
Dentro deste contexto, a delimitao do problema, nesta pesquisa, se faz
importante: seria possvel um mtodo de tratamento especfico e focal para a compulso
alimentar, como a Antidieta, que pudesse tambm focalizar alguns aspectos
psicodinmicos da personalidade dos compulsivos alimentares?
Aps a formulao e a definio do problema, alguns eixos de estudo sobre
a compulso alimentar foram levantadas, devido s mesmas dificuldades observadas e
encontradas nos pacientes em tratamento de orientao analtica, com relao a compulso
alimentar, sendo elas: o estudo terico sobre algumas dificuldades no desenvolvimento do
indivduo relativas representao da imagem corporal; relativas ao aprendizado da funo
corporal - fome-saciedade; relativa introjeo de uma funo psquica materna
tranqilizadora.
Minayo (1999, p. 95) define hipteses como afirmaes provisrias a
respeito de determinado fenmeno em estudo. So afirmaes para serem testadas
empiricamente e depois confirmadas ou rejeitadas. Uma hiptese cientfica deriva de um
sistema terico e dos resultados de estudos anteriores, mas tambm podem surgir da
observao e da experincia no jogo impreciso e inacabado que relaciona teoria e prtica.
Alm disso, para a autora, as hipteses fazem parte do quadro de preocupaes terico-
prticas do investigador, e das preocupaes dominantes em uma poca. Para a autora, na
abordagem qualitativa, as hipteses servem de caminho e de baliza no confronto com a
realidade emprica.
I.3.3. ESTUDO TERICO
Para Demo (2000, p.20), a pesquisa terica dedicada a construir teorias,
conceitos, idias, ideologias, polmicas, tendo em vista, em termos imediatos, aprimorar
prticas. Para o autor , podemos estudar conceito de algum assunto, primeiro, para
entender melhor seus contedos explcitos e implcitos, suas polmicas e acordos, e,
depois, para se ter condies mais adequadas para se contrapor, se for o caso. H a
relevncia de saber manejar criticamente conceitos e suas prticas. Trata-se de desconstruir
teorias, para reconstru-las em outro patamar e momento.
-
12
O conhecimento crtico sempre, segundo Demo (2000), pelo menos em
algum sentido, novo, j que o questionamento acrescenta-lhe alguma dimenso, algum
olhar, alguma preocupao que antes no existia ainda. Para o autor, as teorias podem
apenas ser corroboradas, no propriamente comprovadas, j que seu carter cientfico est
mais precisamente na possibilidade sempre aberta de serem refutadas. Assim o
conhecimento cientfico abre e supera horizontes.
Para Demo (2000), definir o conhecimento cientfico colocar limites e este
contm um desafio rduo: simplificar, de um lado, para ver melhor e complicar de outro,
para ser justo com a natureza do fenmeno.
S aprendemos algo quando comparando a situao anterior com a
posterior, notamos nesta algo novo. Se apenas reproduzimos
conhecimento, temos o mesmo antes e depois, possivelmente at menos
depois, porque ainda mais deturpado. Por isso dizemos que aprender
reconstruir, no sentido preciso de que a aprendizagem autntica
desconstri e reconstri constantemente seus limites. Deparamos aqui
com situao tipicamente dialtica: trabalhar com objetos bem definidos
mandamento central do conhecimento cientfico, mas objetos bem
definidos podem j ser mais artefatos metodolgicos do que reais, pois
realidade bem definida mais inventada do que real. (DEMO, 2000, p.
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Definir significa ainda, segundo Demo (2000), interferncia do sujeito no
objeto e definir conhecimento cientfico, supe o ponto de vista de quem define, visto que
para o autor, no existe definio que no tenha por trs, sujeito definidor. S se conhece
com base no que j est conhecido e s se aprende do que os outros j aprenderam. Assim,
se trata de reconstruir conhecimento, o que significa pesquisar e elaborar, sendo que
pesquisa pode ser entendida tanto como procedimento de fabricao do conhecimento,
quanto como procedimento de aprendizagem, sendo parte integrante de todo processo
reconstrutivo de conhecimento.
De acordo com Eco (2000, p. 2), a descoberta dentro da pesquisa
cientfica, em especial no campo humanista, podem ser modestas, considerando-se
resultado cientfico at mesmo uma maneira nova de ler e entender um texto clssico,
uma reorganizao e releitura de estudos precedentes que conduzem maturao e
sistematizao das idias que se encontravam dispersas em outros textos.
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Para Demo (2000), pouco til a distino entre teoria e prtica, pela razo
de que o conhecimento cientfico o que existe de mais prtico na sociedade, tomando em
conta que os dois termos necessitam um do outro, visto que teoria que nada tem a ver com
a prtica, tambm no teoria de coisa nenhuma, e prtica que no retorna teoria jamais
se renova. O autor aponta para a diferena entre teoria e teoricismo, que a reproduo
de um monte de teorias, sem pesquisa e elaborao prpria, destitudas de sentido prtico.
Do ponto de vista dialtico, de acordo com Demo (2000), o conhecimento
cientfico encontra seu distintivo maior na paixo pelo questionamento, alimentado pela
dvida metdica e os resultados do conhecimento cientfico obtidos pela via do
questionamento, permanecem questionveis, por simples coerncia de origem. Para o
autor, comum a expectativa incongruente de tudo criticar e achar que se pode oferecer
algo j no criticvel. Neste sentido, o conhecimento cientfico no produz certezas, mas
fragilidades mais controladas. Somente cientfico o que for discutvel.
I.3.4. O MTODO CLNICO E O ESTUDO DE CASO
O estudo de um caso clnico fundamental para a compreenso
aprofundada de um indivduo em um contexto especfico e se faz necessrio, nessa
dissertao, para a compreenso dos objetivos deste trabalho, visto que, a exemplificao
da vivncia da abordagem proposta tornar o trabalho de pesquisa mais compreensvel e
completo.
O mtodo clnico constitui como sua unidade, de acordo com Reuchlin
(1971, p. 105), a convico de que apenas um estudo aprofundado de indivduos isolados,
cuja individualidade seja reconhecida e respeitada e que sejam considerados em situao e
em evoluo, possibilitar a compreenso desses indivduos e, talvez, por intermdio
deles, a do homem.
Encarar a conduta em sua perspectiva particular, fazer o levantamento
to fiel quanto possvel das maneiras de ser e de reagir de um ente
humano, concreto e completo, s voltas com uma situao, procurar
estabelecer seu sentido, sua estrutura e sua gnese, descobrir os conflitos
que a motivam e as providncias tendentes a resolv-los: a est, em
resumo, o programa da psicologia clnica. (Lagache, apud Reuchlin,
1971, p. 113)
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14
De acordo com Reuchlin (1971), a atitude clnica leva a limitar e at mesmo
a rejeitar o emprego de tcnicas normalizadas que forneam resultados quantitativos,
consistindo em tomar o prprio indivduo como quadro de referncia. Muitos clnicos
exprimem a inteno de utilizar exclusivamente situaes de observao ou de exame que
sejam naturais ou concretas e, para os psiclogos de inspirao psicanaltica, a
existncia de um conflito no sujeito parece constituir um dos caracteres essenciais que
permitem reconhecer uma situao natural, concreta (Reuchlin, 1971, p. 116), e uma forma
dessa busca de conhecimento pode se dar atravs do estudo de um caso clnico. Para
(Ludke e Andr, 1946), todos os estudos de casos qualitativos so naturalsticos, visto
que se desenvolve em uma situao natural, ou seja, no ambiente em que eles ocorrem e
sem qualquer manipulao intencional do pesquisador.
Para Chizzotti (1998, p.102), atravs do estudo de caso se coletam e
registram dados de um caso particular ou de vrios casos a fim de organizar um relatrio
ordenado e crtico de uma experincia, ou avalia-la analiticamente, objetivando tomar
decises a seu respeito ou propor uma ao transformadora.
O caso tomado como unidade significativa do todo e, por isso,
suficiente tanto para fundamentar um julgamento fidedigno quanto para
propor uma interveno. considerado tambm como um marco de
referncia de complexas condies socioculturais que envolvem uma
situao e tanto retrata uma realidade quanto revela a multiplicidade de
aspectos globais, presentes em uma dada situao. (Chizzotti, 1998,
p.102)
Para Ludke e Andr (1946), os estudos de caso visam descoberta em que o
quadro terico inicial servir de estrutura bsica a partir da qual novos aspectos devero ser
detectados e novos elementos ou dimenses podero ser acrescentados, enfatizando a
interpretao em contexto, visto que para uma apreenso mais completa do objeto,
preciso levar em conta o contexto em que ele se situa, buscando, assim, retratar a realidade
de forma completa e profunda, em que o pesquisador procura revelar a multiplicidade de
dimenses presentes numa determinada situao ou problema. Para os autores, os estudos
de caso procuram representar os diferentes e s vezes conflitantes pontos de vista presentes
numa situao social, devido ao fato de que a realidade pode ser vista sob diferentes
perspectivas, no havendo uma nica que seja a mais verdadeira, atravs da utilizao de
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15
uma linguagem simples, clara e num estilo que se aproxime da experincia pessoal do
leitor.
A seleo e a delimitao do caso, segundo (Chizzotti, 1998, p.102-103),
so decisivas para a anlise da situao estudada. O caso deve ser uma referncia
significativa para merecer a investigao e, por comparaes aproximativas, apto para
fazer generalizao a situaes similares. A delimitao deve precisar os aspectos e os
limites do trabalho a fim de reunir informaes sobre um campo especfico e fazer anlises
sobre objetos definidos a partir dos quais se possa compreender uma determinada situao.
Assim, o estudo de um caso clnico, nesta dissertao, tem como inteno
ajudar a compreender o mtodo da Antidieta e elucidar alguns aspectos da compulso
alimentar e algumas dificuldades no desenvolvimento emocional, enquadrados dentro da
cultura atual.
I.3.5. ASPECTOS TICOS
O Conselho Federal de Psicologia, em resoluo n 016/2000, regulamenta a
realizao de pesquisas com seres humanos na rea da psicologia, assim como, tambm, o
Conselho Nacional de Sade em sua resoluo n 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres
humanos (Ministrio da Sade, Conselho Nacional de Sade, Resoluo n 196/96 sobre
pesquisa envolvendo seres humanos, Braslia, 1996).
Assim, tratando-se este trabalho de uma pesquisa realizada com seres
humanos, por uma profissional de psicologia, torna-se necessrio que alguns princpios
ticos sejam assegurados, visando defender a integridade dos sujeitos pesquisados.
Sendo este trabalho caracterizado por seu olhar cientfico, o mesmo seguiu
as resolues acima mencionadas, em que os procedimentos foram utilizados de acordo
com as normas e regras ticas propostas pelas resolues, acima referidas, resguardando o
estudo e a paciente de qualquer risco.
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16
CAPITULO II
OBESIDADE, TRANSTORNO DO COMER COMPULSIVO, DIETAS
E SUAS IMPLICAES NA CULTURA ATUAL II.1. OBESIDADE
O significado da obesidade ao longo da Histria da Humanidade est
implicado em diferentes qualificaes e interpretaes psicossociais, de acordo com as
regies, pocas das civilizaes, condies scio-econmicas e cultura.
Para Fisberg (1995), a obesidade provavelmente uma das enfermidades
mais antigas do homem. Desenhos rupestres mostram o homem prhistrico com aspectos
de peso excessivo para a sua altura. O homem ingeria enormes quantidades de alimentos
com o objetivo de armazenar energia para sua sobrevivncia em um meio hostil.
De acordo com Pizzinatto (1992), desde a Pr-Histria e durante a
Antiguidade o culto fertilidade foi praticado atravs de rituais mstico-religiosos a
diversas deusas retratadas sob a forma humana de opulncia corporal, representantes da
fertilidade e da agricultura e admiradas por seios, quadris e coxas obesas, o que estava
associado a um contnuo suprimento de alimentos e necessidade coletiva de abundncia,
em uma poca em que a fome era uma ameaa constante.
Na Antiguidade, quando grande parte da populao era de sditos e
escravos, sendo esses no obesos, a gordura corporal representava riqueza e poder. Na
Idade Mdia e no Renascimento, a obesidade podia ser considerada como graa divina e de
acordo com Fisberg (1995), o padro esttico feminino privilegiava a mulher com formas
arredondadas, matronais e sensuais ao mesmo tempo. Na sociedade greco-romana as
personalidades socialmente privilegiadas podiam manter hbitos alimentares excntricos,
sem restries e, segundo o autor, as orgias alimentares eram propriedades caractersticas
do excesso e do poder. E para Pizzinatto (1992), a associao psicossocial entre opulncia
corporal e riqueza material, apesar de muito antiga, tem prevalecido enquanto valor
encontrado no apenas em alguns povos ou tribos com costumes e tradies mantidos
hermeticamente, mas tambm, em sociedades contemporneas mantenedoras de hbitos
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17
orais exibicionistas. Ainda hoje, para os reis da Malsia e povos polinsios ser gordo pode
indicar extrema distino.
J, na antiga sociedade espartana, onde o culto e o treino ao corpo, enquanto
instrumento de luta e fora, eram empregados aos jovens, as atitudes em relao a
obesidade eram punitivas. Na poca do Imprio Romano as damas sofriam com jejuns
prolongados para manter o corpo magro e esbeltos, tal como era apreciado. Para
Herscovici (1997), ao longo da histria, o tamanho ideal do corpo da mulher foi variando,
em parte influenciado pela economia. Quando escasseavam os alimentos, preferiam-se as
formas arredondadas, como smbolo de fartura e poder. Em troca, nas pocas em que
abundaram os alimentos, a esbelteza era sinal de autodisciplina.
Mas, o critrio de magreza, enquanto ideal esttico, aparece como um valor
crescente nas sociedades capitalistas, sobretudo aps os anos 60, fazendo parte de uma
ideologia de massa em favor do corpo gil e da juventude como objetos de consumo. Para
Fisberg (1995), tudo se modificou com a busca do corpo magro, atltico e de formas
definidas. Assim, para o autor, de padro de beleza a vilo dos tempos modernos, o obeso
presa fcil de exploradores que lhe prometem a frmula mgica do emagrecimento sem
esforo.
Atualmente, a obsesso por uma silhueta cada vez mais magra converteu-se
em uma espcie de tirania, que afeta especialmente o sexo feminino. A sociedade exerce
uma presso implacvel sobre a mulher, no sentido que deve se conformar a um padro de
beleza estabelecido. Segundo Herscovici (1997), o paradoxo da mulher de nossa era que
apesar de haver adquirido maior independncia econmica, educao e autonomia, como
nunca antes na histria da humanidade, sente-se ainda insegura frente a seu prprio corpo e
se submete sem vacilar a este mandato cultural. Para Wajnryt (1993), a conquista de mais
direitos coincide tristemente com a proliferao das vigilncias sobre o peso e o corpo
das mulheres. Submeter-se aos padres de beleza atuais est no lugar dos antigos controles
exercidos por valores como a maternidade, a castidade e a passividade.
Segundo Pizzinato (1992), nas sociedades capitalistas ocidentais, o prazer
fsico encontra-se constantemente veiculado com um valor em si e uma forma de consumo
a ser aproveitada segundo as diferentes oportunidades. Para a autora, o papel da
publicidade exerce forte influncia e atrao, vinculando o prazer e uma pseudo-segurana
interna ao consumo generalizado, criando um forte estmulo de continuidade aos impulsos
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e desejos vorazes, associados s fantasias primitivas de unio com a imago materna
poderosa e no-frustradora e de incorporao do seio gratificante. Neste sentido, por
exemplo, as pessoas que encontram dificuldades em manter relacionamentos afetivos
compartilhados poderiam utilizar a satisfao oral como um substituto aceito socialmente.
Desta maneira, a pessoa obesa, estando presa aos prprios conflitos no resolvidos, sente-
se valorizada por ter acesso boa comida que lhe trs gratificaes. Contudo, torna-se uma
vtima paradoxal ao perceber que a silhueta est desvalorizada, sentindo-se feia e rejeitada
no seu grupo social.
Para a mesma autora, o medo arcaico de no ser suficientemente nutrido
com a energia alimentar, associada ao calor dos afetos, parece estar presente nos
primrdios do desenvolvimento psquico infantil, podendo se mesclar com o medo da
morte ou do abandono. Os sentimentos de plenitude interior proporcionado por uma vida
psquica integrada e preenchida pelos cuidados maternos so o suporte para um
desenvolvimento de uma personalidade sadia. Para Andrade (1995), a obesidade pode ser
vista como sintoma de grande ansiedade, apontando para dificuldades internas, afetivas e
relacionais.
Quanto ao conceito atual, de acordo com Coutinho (1998), a definio
clssica de obesidade o acmulo excessivo de tecido adiposo no organismo, que
atualmente, pode ser medido pelo ndice de Massa Corporal (IMC). A frmula utilizada
para o clculo desse ndice, divide o peso em quilogramas (Kg) pelo quadrado da altura em
metros (m). [IMC = Peso (kg)/Alt2] e conhecida como ndice de Quetelet.
Por meio deste ndice Halpern (1992, p. 914) classifica os tipos de obesidade:
IMC (Kg/ m2) Nomenclatura 25 29 Obesidade Leve 30 39 Obesidade Moderada 40 50 Obesidade Mrbida
> ou = 50 Super Obesidade
Apesar de ser o mtodo mais largamente utilizado, por seu um indicador de
corpulncia e no de adiposidade, o mtodo falha em no diferenciar entre massa gorda
gordura - e massa magra msculo, podendo apresentar um falso positivo, por exemplo,
em um indivduo com a massa muscular muito desenvolvida.
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Em relao s causas, para Fisberg (1995), a obesidade pode ter incio em
qualquer poca da vida e aponta alguns fatores que so determinantes para o
estabelecimento da obesidade na infncia e adolescncia. Na infncia pode estar
relacionado ao desmame precoce e introduo inadequada de alimentos no desmame,
emprego de formulas lcteas inadequadamente preparadas, distrbios do comportamento
alimentar e inadequada relao familiar. Muitas mes ainda tm a imagem do beb
rechonchudo e gordo como a imagem da sade e da beleza. No adolescente, somam-se a
isto todas as alteraes do perodo de transio para a idade adulta, a baixa auto-estima, o
sedentarismo, lanches em excesso mal balanceados e a enorme suscetibilidade
propaganda consumista.
Para o mesmo autor, o prognstico da obesidade na infncia bastante
controverso: alguns estudos mostram que aproximadamente 30% das crianas obesas
podem ser adultos obesos. Outros mostram que quanto menor a idade em que a obesidade
se manifesta e quanto maior a sua intensidade, maior a chance de que a criana seja um
adolescente e adulto obeso. Retrospectivamente, pode-se verificar que mais da metade dos
adultos obesos o foram na infncia e adolescncia.
De acordo com Pizzinatto (1992), existem diversas sndromes
neuroendcrinas ou cromossmicas que incluem algum tipo de obesidade enquanto um dos
seus muitos sintomas assim como acontece, tambm, com os distrbios hormonais. Em
todas essas sndromes ou quadros clnicos parecem existir alguns fatores orgnicos
clinicamente detectveis que provocam um quadro sintomatolgico tpico, no qual pode
figurar a evoluo de algum tipo de obesidade favorecida por fatores endgenos.
O estudo, nesta dissertao, no entanto, visa tratar da compreenso do
processo da obesidade por ingesto calrica excessiva, a qual no envolve qualquer
distrbio orgnico que possa justificar sua etiologia, sendo definida, de acordo com a
classificao estatstica internacional de doenas e problemas relacionados sade (CID
10), como: obesidade devido a excesso de calorias.
De acordo com Pizzinatto (1992), este tipo de obesidade representa o maior
ndice de freqncia causal nas diferentes populaes de pessoas obesas e est
estreitamente relacionada com o Transtorno do Comer Compulsivo (TCC). Segundo
Fisberg (1995), a obesidade exgena por ingesto alimentar excessiva responsvel
por 95% dos casos e apenas os 5% restantes seriam os obesos chamados endgenos, com
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causas hormonais e as sndromes genticas. E para Appolinrio & cols (1995), apesar do
comportamento compulsivo alimentar ser freqentemente encontrado na obesidade,
somente agora ele ganhou destaque como objeto de pesquisa generalizado.
Para Herscovici (1997), o comer compulsivo costuma ser confundido com a
obesidade, entretanto, devem ser diferenciados, pois no se equiparam necessariamente. A
obesidade, em sentido estrito, refere-se a um aumento de gordura corporal e de peso em
20% ou mais, acima do peso terico, e pode ter ou no um componente psicolgico. Uma
pessoa que come de forma compulsiva pode ser obesa ou no, segundo a seqncia de sua
conduta.
Mas segundo Appolinrio (1998), existe uma relao direta entre o grau de
obesidade e o transtorno do comer compulsivo, havendo um aumento na gravidade dos
ataques de comer, conforme aumenta o grau da obesidade medido pelo IMC (ndice de
Massa Corprea). Para Herscovici (1997), o comer compulsivo muito mais freqente
entre as pessoas com excesso de peso. E para Barcellos & cols (1996), o transtorno do
comer compulsivo parece estar fortemente associado a: obesidade, flutuao de peso, sexo
feminino, realizao de dietas, preocupaes excessivas com o peso e a forma corporal,
adies e histria de tratamento para problemas emocionais.
De acordo com Coutinho e Pvoa (1998), os compulsivos alimentares
apresentam um incio do quadro da obesidade mais precoce do que os no-compulsivos,
alm de tambm iniciarem mais cedo a prtica de dietas e a preocupao com o peso. Para
Barcellos & cols (1996), a realizao freqente de dietas e a alimentao compulsiva esto
intimamente relacionados. Os compulsivos apresentam, ainda, maior flutuao de peso e
passam mais tempo da vida adulta tentando emagrecer. Evidenciam, tambm, uma histria
de vrios tratamentos para controle de peso e maior preocupao com a forma e a imagem
corporal. Em contrapartida, para a autora, nos tratamentos atuais para a obesidade, parece
no haver preocupao em identificar um tipo de obesidade caracterizado pela presena do
transtorno do comer compulsivo.
II.2. TRANSTORNO DO COMER COMPULSIVO
O DSM IV (2002) caracteriza o Transtorno do Comer Compulsivo (TCC),
dando o nome de Transtorno de Compulso Alimentar Peridica (TCAP), apndice B, para
descrever o grande nmero de pacientes que eram diagnosticados apenas como
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Transtornos alimentares sem outras especificaes, por no possurem comportamentos
caractersticos de pacientes com bulimia e anorexia, mas possurem um comportamento
alimentar peculiar, caracterizado por Ataques de Comer. E de acordo com Barcellos &
cols. (1996), a proposta do TCC como uma nova categoria diagnstica representa uma
categoria ainda em evoluo.
Os seguintes critrios de pesquisa para o diagnstico do Transtorno do
Comer Compulsivo foram definidos no DSM IV:
A. Episdios recorrentes de Ataques de Comer, sendo que um episdio de ataque de comer
caracterizado por ambos os critrios abaixo:
(1) Comer num breve perodo de tempo (ex: num perodo de duas horas) uma
quantidade de alimento definitivamente maior do que a maioria das pessoas comeria
durante um perodo de tempo similar e em circunstncias semelhantes.
(2) Ter um sentimento de falta de controle sobre o comportamento alimentar durante
o episdio (por exemplo, a sensao de que no pode parar de comer ou controlar o que ou
quanto se est comendo).
B. Os episdios de Ataque de Comer esto associados a pelo menos trs ou mais dos
critrios abaixo:
(1) Comer mais rapidamente do que o usual;
(2) Comer at sentir-se desconfortavelmente cheio;
(3) Comer grandes quantidades de alimento, sem estar com fome;
(4) Comer sozinho por sentir-se constrangido pela quantidade que se est comendo;
(5) Sentir-se aborrecido consigo mesmo, deprimido ou muito culpado aps a
superingesto;
C. Acentuados sofrimentos relativo aos Ataques de Comer.
D. Os episdios de ataque de comer ocorrem, em mdia, no mnimo duas vezes por semana
durante seis meses.
E. O ataque de comer no deve estar associado com o uso regular e inapropriado de
comportamentos compensatrios (como por exemplo, purgao, jejum, exerccios
excessivos) e no ocorre exclusivamente durante o curso da Anorexia Nervosa ou da
Bulimia Nervosa.
Para Wajnryt (1993), a compulso de comer uma sndrome, isto , um
conjunto de sintomas do qual faz parte:
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a) Alternncia de peso, com a conseqncia psquica de uma imagem corporal distorcida.
b) Alternncias entre privaes e abusos alimentares, num crculo vicioso; assim, a cada
privao h uma correspondente voracidade no prximo ataque sem controle comida.
c) h um investimento crescente de energia psquica envolvendo as preocupaes com o
peso ou o corpo em detrimento de outros aspectos da vida, levando esta a um
empobrecimento.
Quanto ao comeo e evoluo, para Duchesne (1995) os ataques de comer
so desencadeados por inmeros fatores, como sentimentos relacionados ao peso ou
formato corporal, privao de determinados alimentos e em momentos de estresse, quando
a pessoa se sente incapaz de enfrentar certas situaes ou dificuldades. Para Barcellos &
cols (1996), alguns indivduos, entretanto, no conseguem identificar fatores precipitantes
definidos, mas apenas um sentimento inespecfico de tenso. Sob o aspecto psicodinmico,
pode ser um mecanismo defensivo e reparador para evitar sentimentos de solido, fracasso
e abandono. Neste sentido, os ataques de comer podem ser tambm uma forma de
ocupao do tempo ocioso e podem fornecer distrao para pensamentos desagradveis,
reduzindo transitoriamente estados ansiosos, sendo uma forma de se dar prazer. Para
Duchesne (1995), o compulsivo reage s situaes de acentuada tenso emocional
comendo, em vs de aplicar estratgias para a soluo de problemas. Embora o efeito
imediato seja uma sensao de relaxamento e prazer, culpa e ansiedade freqentemente se
seguem, o que leva o compulsivo a comer novamente, formando um crculo vicioso.
Para Herscovici (1997), um modo tpico de se desenvolver o TCC na
infncia, quando a criana inicia uma dieta sem o devido e cuidadoso controle de um
profissional especializado. Deste modo, pouco a pouco fica desregulado seu padro
alimentar como conseqncia da restrio de alimentos. Tal situao pode alternar-se com
perodos de empanturramentos alimentares ou binge (termo utilizado em ingls). Para
Andrade (1995), possvel que mes, com sentimentos inconscientes de rejeio, atuem
superalimentando o filho na tentativa de se sentirem menos culpadas. Outras, por se
sentirem infelizes e frustradas, precisam usar o alimento como compensao, como prazer
que preenche e conforta.
Andrade (1995), fez um estudo com 134 pacientes do ambulatrio de
Obesidade Infantil da Universidade Federal de So Paulo, dos aspectos psicognicos e
psicodinmicos da obesidade por excesso de ingesto alimentar. O estudo psicolgico
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mostrou que em pelo menos 76,8% dos casos razes emocionais importantes estavam
envolvidas. Foi possvel identificar sete quadros com aspectos semelhantes que tm em
comum algumas causas desencadeantes, alguns padres de comportamento, algumas
respostas caractersticas ou certos estados emocionais:
1- Rejeio materna e carncia de afeto: 26,1% das crianas demonstram sofrer muito de
carncia e de insegurana afetiva. Comem demasiadamente na tentativa de encontrar no
prazer oral, o afeto negado pela me e tambm satisfazer a me insatisfeita.
2- Depresso e culpa: 17,2% das crianas tm pais emocionalmente deprimidos e
angustiados. A depresso da me invade pesadamente a vida da criana que se sente
culpada por t-la abatido, buscando na comida uma sensao de plenitude e
preenchimento.
3- Angstias circunstanciais: 14,2% das crianas passam por dificuldades circunstanciais
de vida, por exemplo, a chegada de um novo irmo, demonstrando na voracidade o quanto
se sentem atingidas e angustiadas.
4- Mes simbiticas e pais superprotetores: ocorreu em 13,4% das crianas. A ansiedade e
a superproteo da me parecem impedi-la de perceber as reais necessidades do filho que
ela alimenta excessivamente. Pais que tiveram uma infncia muito sofrida e restrita, se
compensam no filho, atravs de muita comida e falta de limites.
5- Pais alcolatras: 10,4% das crianas. O vcio da ingesto, acaba sendo uma marca
familiar para lidar com a frustrao e ansiedade.
6- Criana imatura: 9,7% das crianas que demonstram um equilbrio muito instvel e
imaturo de personalidade, sendo os casos mais graves. Sofrem de grande ansiedade, tm
muita raiva contida e cimes, inveja e temores persecutrios.
7- Problemas orgnicos: 9% apresentam algum grau de deficincia mental, problemas
neurolgicos ou congnitos. Tm, portanto, dificuldade para elaborar psiquicamente seus
conflitos.
Durante a adolescncia, a preocupao pela prpria imagem corporal
um tema de interesse central e os transtornos da conduta alimentar afetam especialmente
as mulheres, por estarem mais associados presso social do que nos homens. Aos
quatorze anos, aproximadamente, as moas tomam uma nova conscincia de seu aspecto e
peso corporal e muitas comeam a experimentar mtodos simples de controle de peso, tais
como evitar comer entre refeies e fazer exerccio fsico. Aos dezessete anos, de 14 a
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30% das jovens fazem, durante alguns dias, jejum; 3% provocam vmitos e de 1 a 5%
tomam laxantes como tentativa de controlar seu peso. Aos dezoito anos, entre 14 e 46%
tm empanturramentos habituais (HERSCOVICI, 1997, p. 27).
Para Herscovici, (1997), o comedor compulsivo, em geral, j fez vrias
tentativas frustradas para mudar sua conduta alimentar. Com freqncia fazem programas
de emagrecimento intermitentes, que apenas favorecem a volta dos empanturramentos.
Nestes casos, para a autora, o erro pensar que apenas uma dieta restritiva resolver uma
problemtica muito mais complexa. A maioria dessas pessoas diz conhecer quase todos os
programas de reeducao alimentar e todos os princpios de controle de peso e, no entanto,
no conseguem deixar de ter empanturramentos. De acordo com Duchesne (1995), as
dificuldades encontradas nas tentativas de controle dos ataques de comer acabam gerando
pensamentos de autodesvalorizao e um sentimento de desamparo com a falta de fora
de vontade. E para Appolinrio & cols (1995), os pacientes obesos com comportamento
compulsivo alimentar geralmente no respondem ao tratamento convencional dos
programas de emagrecimento.
Para Coutinho & Pvoa (1998), a prevalncia do comer compulsivo chega a
quase metade dos pacientes em tratamentos para emagrecer - 45,9% - em comparao a
populao geral, com apenas 2%. Os autores sustentam a idia de que o TCC e a prtica de
dietas estejam intimamente relacionados. Teoricamente, uma ingesta diminuda de
carboidratos - que so amplamente restritos nas dietas pode reduzir o tnus setorinrgico
central e predispor o indivduo a uma compulso alimentar. Para Appolinrio & cols
(1995), os compulsivos alimentares perdem uma maior quantidade de peso durante regimes
dietticos muito restritivos. Em contrapartida, tambm so os que ganham peso com maior
facilidade no perodo de seguimento. O curso do TCC na grande maioria das vezes
crnico e est associado a causas que alm de no se resolverem atravs de controle de
peso com restrio alimentar, ainda podem ser intensificadas pelas dietas.
II.2.1. CAUSAS DO TRANSTORNO DO COMER COMPULSIVO
A partir deste estudo apresentado sobre o transtorno do comer compulsivo,
terei como enfoque, neste trabalho, alguns fatores psicolgicos que desencadeiam e
mantm o TCC, que podem ser divididos em duas causas principais:
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1) Os efeitos psicolgicos s dietas alimentares restritivas que favorecem o surgimento do
transtorno do comer compulsivo, devido ocorrncia de empanturramentos alternados com
privaes.
2) s tentativas de responder a dificuldades emocionais e conflitos de diferentes ordens,
na qual a pessoa come para acalmar ansiedades, para bloquear pensamentos ou
sentimentos dolorosos ou como alvio de tenses.
II.2.1.1. O TRANSTORNO DO COMER COMPULSIVO E AS RESTRIES
ALIMENTARES
A imagem atual que a moda dita a de uma silhueta esbelta e as pessoas,
principalmente as mulheres, adotam maciamente dietas alimentares restritivas para baixar
de peso. Para Herscovici (1997), se as dietas no fossem to comuns, os transtornos
alimentares no seriam to freqentes.
Segundo Herscovici (1997), a aceitao ou a rejeio de certos alimentos
transformou-se em um tema quase moral. As pessoas costumam pensar que deveriam
comer o que bom o que no engorda e no o que saboroso. Inversamente, a
comida saudvel considerada aborrecida. Os alimentos mais desejados so justamente
os considerados engordantes, que entram normalmente na categoria de maus.
Paradoxalmente, os seres humanos esto expostos presso publicitria, que tanto induz a
comer o doce que trs prazer e felicidade, como a fazer qualquer esforo para ser como a
modelo da moda. Desta forma, o corpo, longe de ser uma fonte de plenitude, causa de
angstia, vergonha e mal-estar.
Apesar das dietas estarem na moda e serem vistas como a soluo para a
obesidade, de acordo com Hirschmann & Munter (1995), 98% das pessoas que conseguem
emagrecer atravs delas, recuperam o peso perdido. Ento, por que a maioria das pessoas
no consegue perder peso ou manter o emagrecimento por muito tempo?
Para Hirschmann & Munter (1995), no faz sentido pensar que todas as
milhes de pessoas que esto fazendo dieta tenham algum tipo de deficincia, que no
tenham a disciplina necessria para conseguir o que tanto desejam, principalmente, quando
muitas so bem sucedidas em outras reas de suas vidas. Para as autoras, o problema
inerente prpria dieta, que aumenta e causa o desejo compulsivo por comida, alm de no
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oferecer uma soluo eficaz para a dificuldade de comer em resposta questes
emocionais.
Para Kano (1991), a preocupao com a aparncia e as dietas
emagrecedoras so amplamente respeitadas e as pessoas costumam louvar as atitudes e as
restries dietticas, estimulando e criando o modo de pensar de quem faz dieta. Para a
autora, este modo de pensar conseqncia das restries dietticas prolongadas, em que
se desenvolve uma maneira rgida e previsvel de pensar a respeito da alimentao, e
consiste em uma presso auto-imposta para no comer, ao mesmo tempo em que h um
desejo constante de comer de maneira abusiva. A mdia tambm o refora por meio da
presso para controlar dieta/peso, insistindo em que no fcil, mas voc pode
conseguir. Assim, esse modo de pensar considerado normal e bom, pelo menos at que
se torne o sintoma central de algum distrbio alimentar.
Se sentimos que devemos restringir continuamente o consumo de
alimento, estamos prontos para ciclos infindveis de odiosa autoprivao
e perda de controle. As dietas so como prises das quais todo ser
humano normal desejaria fugir. Uma vez livres, queremos ficar fora o mximo possvel e tirar o melhor proveito disso. Sabemos que, qualquer
dia, qualquer hora, podemos regressar priso. Dessa forma, o espectro
de privao passada e futura estimula a alimentao proibida. Tanto
fsica como psicologicamente, a preparao natural e a reao para a
privao de alimentos a orgia gastronmica. (KANO, 1991, p.125)
Um estudo clssico a respeito da restrio alimentar como causadora de
distrbios alimentares e psicolgicos associados, foi realizado pela Universidade de
Minnesota, na dcada de 50 (KEYS, BROZEK, HENSCHEL, MICKELSEN E TAYLOR,
apud HERSCOVICi, 1997, p. 33-34) . Trinta e seis detratores de conscincia do servio
militar se ofeream como voluntrios para esta experincia, na qual foram submetidos a
uma dieta prolongada de baixas calorias, com o objetivo de estudar as conseqncias
psicofisiolgicas da fome em sujeitos at esse momento sos e emocionalmente estveis.
Durante um perodo inicial de seis meses, a ingesto calrica lhes foi reduzida pela metade
prtica bastante comum entre as pessoas que querem emagrecer. Depois de terem
perdido, aproximadamente 25% de seu peso, comeou-se a observar neles as seguintes
mudanas: viram-se cada vez mais preocupados com a comida e o comer; colecionaram
receitas e livros de cozinha e desenvolveram novos hbitos na ingesto de alimentos;
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utilizaram um tempo desmedido em planejar suas comidas; beberam mais ch, caf e
outros lquidos; mastigaram mais chicletes e aumentaram o consumo de cigarros; alguns
tinham sonhos coloridos, nos quais viam alimentos saborosos; alguns fizeram combinaes
estranhas de comida. Durante o perodo de recuperao de peso, alguns informaram sentir
muita fome, apesar de terem-se alimentado de forma normal. Outros esconderam comida,
com a qual se deram empanturramentos. Quanto s mudanas psicolgicas, todos os
participantes desenvolveram distintos graus de irritabilidade, depresso, indeciso,
isolamento social, dificuldade para fixar a ateno e concentrar-se, pensamento obsessivo e
condutas compulsivas.
Para Herscovici (1997), o valioso desse estudo que mostra que quem quer
que se submeta a uma dieta com as caractersticas assinaladas, desenvolver a maioria
desses sintomas. Alguns podero recuperar-se sem maior dificuldade e outros correro o
risco de evoluir para algum transtorno alimentar, pois esses sintomas predispem e/ou
contribuem para a sua manuteno. Isto se torna ainda mais evidente quando se observa
que a restrio alimentar favorece o surgimento de empanturramentos, que um
comportamento comumente encontrando na compulso alimentar.
Ao comportamento alimentar excessivo, pode-se acrescentar ainda que:
O modo de pensar de quem faz dieta doloroso: um ato controlado
(menos que desejado) ou descontrolado (mais que permitido). Ou voc
est na priso da reduo de peso ou fugiu temporariamente e vai
aproveitar enquanto pode. (KANO, 1991, p. 132)
Janet Polivy e Peter Herman (apud KANO, 1991), psiclogos, realizaram
uma ampla pesquisa na Universidade de Toronto para demonstrar que as restries da dieta
levam gula, independente da personalidade, do carter ou do peso inicial da pessoa que
faz dieta. Para eles, as pessoas que fazem dieta so como molas fortemente comprimidas.
Quando se deixa a dieta a mola liberada. Quanto mais rgida for a dieta, maior a gula
precedente. Esta reao contrria privao tem uma explicao tanto fisiolgica quanto
psicolgica.
Para Herscovici (1997), fisiologicamente, o organismo reage dieta como
se a inanio tivesse se instalado. A cada vez que h uma privao alimentar, o
metabolismo abaixa com a finalidade de armazenar gordura. Assim, o efeito sanfona
(engorda-emagrece) aumenta a armazenagem de gordura, tornando mais difcil, a cada
nova dieta perder peso. Do ponto de vista da evoluo, a sobrevivncia de nossa espcie
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pode estar diretamente relacionada com a capacidade, que nosso organismo possui, de
armazenar gordura em tempos de fartura para us-la em tempos de fome.
Esta tendncia fisiolgica de resistir privao armazenando suprimentos
tem uma similar psicolgica. Assim, a maioria das pessoas, quando se v ameaada de uma
privao de alimentos, mesmo auto-imposta, lutar para preservar o que possui.
Mas, numa cultura que avidamente sustenta a dieta, a maioria das mulheres
considera sua incapacidade de manter a dieta como uma falha pessoal. Para Hirschmann &
Munter (1995), as falhas das dietas, so como uma revolta natural contra as restries, que
impe certos limites em relao aos alimentos, criando deste modo, uma nsia exagerada
pelos alimentos proibidos. Neste sentido, a compulso uma tentativa tanto consciente
quanto inconsciente, para se libertar de restries alimentares punitivas e desnecessrias.
Assim, para as autoras, a dieta uma das causas da alimentao compulsiva, por ser uma
reao privao.
Por outro lado, a restrio alimentar no pode levar a uma soluo efetiva
para a compulso alimentar. A dieta no direcionada para resolver a compulso de voltar-
se para a comida quando h sentimentos desconfortveis, mas serve apenas para limit-la.
E para Appolinrio & cols (1995), nos tratamentos para a obesidade, no h a preocupao
com o diagnstico de um tipo diferente de obesidade que caracterizada pela alterao
compulsiva do comportamento alimentar.
Para Hirschmann & Munter (1995), o destaque dado ao peso proporciona
uma distrao conveniente e culturalmente reforada das razes por que tantas pessoas se
utilizam da comida quando no esto com fome. Essas razes so mais complexas que
fora de vontade, contagem de calorias e exerccios.
Na cultura ocidental, a dieta e o emagrecimento que presumivelmente
ocorre reconhecida como uma grande panacia, uma soluo mgica para todos os
problemas. Mas, a cada dieta de sucesso, h a descoberta de que aps a euforia de
enquadrar-se, a vida volta a ser to problemtica quanto era antes. E, esta descoberta,
aliada privao alimentar, estimula a gula e leva a um crculo vicioso. Isto porque, uma
vez que se consegue o emagrecimento planejado, as pessoas se parabenizam e se sentem
bem, mas apenas por um tempo, quando voltam novamente para o antigo comportamento
que leva a engordar. Para Hirschmann & Munter (1995), a dieta, assim como uma me
superprotetora que toma todas as decises por seu filho e restringe o desenvolvimento de
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sua independncia, no fez nada para ajudar a resolver as causas que levam compulso
alimentar. A obsesso com a dieta simplesmente prorroga o problema, e continua-se a
comer de forma compulsiva assim que se v fora dela.
Ento, visto que as dietas no curam de forma definitiva a obesidade, prova
disto que uma dieta sempre seguida por uma nova dieta, e ainda cronifica o transtorno
do comer compulsivo, por que so amplamente utilizadas e, socialmente, no s aceitas,
mas, tambm, estimuladas?
De acordo com Hirschmann & Munter (1995), as dietas so viciantes porque
criam a iluso de uma estrutura segura capaz de conter o descontrole dos impulsos
alimentares, como os braos da me que determina, para o beb, os limites do seu mundo.
Indivduos que se alimentam compulsivamente sempre acreditam que, se abandonarem a
dieta e o controle alimentar, jamais iro parar de comer. A dieta oferece segurana na
forma de regras e controle. Mas, enquanto se confia nas dietas para se sentir seguro, a
liberdade real e o crescimento continuaro a ser uma iluso, como ocorre com a criana
que se agarra me e no pode arriscar a incerteza da separao.
Uma dieta semelhante a um pai opressivo e autoritrio que lhe diz o
que fazer e quando o fazer. As dietas perpetuam a criana em cada um
de ns que somos tratados com desconfiana e restries. As dietas
mantm-nos atentos ao que existe fora de ns mesmos mantm-nos
atentos ao que nos permitido comer, quando nos permitido comer e
quanto de cada coisa nos permitido comer da cada vez. As dietas
fazem com que dependamos de uma fonte externa a ns mesmos a
prpria dieta para nossa noo de bem-estar e autodignidade (...)
Quando somos bons e seguimos a dieta elogiamo-nos da mesma maneira
que nossos pais nos elogiavam quando olhvamos para ambos os lados
da rua antes de atravessarmos. Quando somos maus e desrespeitamos a
dieta, ralhamos conosco da mesma maneira que nossos pais o faziam
quando roubvamos a boneca de nossa irm. As dietas restringem nossas
escolhas e perpetuam nossa dependncia. Muitas pessoas sentem-se bem
com elas porque que vivenciam durante o processo e depois dele so os mesmos que vivenciaram a respeito de si mesmas durante toda a vida
(...) A pessoa que come de maneira desmedida, acredita no possuir
autocontrole (...) Em vez de recusar-se a fazer uma nova dieta, a pessoa
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que come compulsivamente se pune por comer demais e recomea outro regime. (ROTH, 1989, p. 146)
Na verdade, muitas pessoas, principalmente as mulheres, de acordo com
Hirschmann & Munter (1995), consideram bem vindas as regras impostas pelas dietas.
Sentem-se aliviadas quando a deciso a respeito do que, quando e quanto comer seja
retirado de suas mos. Fazem o que tm que fazer, esperam pela perda de peso e sentem-se
como boas meninas. Desta forma, no precisam se questionar o motivo pelo qual comem
ou o que se pode fazer a respeito disso. Esto apenas ordenando: pare. Assim, sem a
dieta, sentem-se sem um limite conhecido, sentem uma perda de identidade. Com a dieta,
h um sentimento de segurana e controle.
Portanto, apesar do fato das dietas serem consideradas um sinal de
responsabilidade e cuidados prprios, na verdade um meio de se transferir esta
responsabilidade para as mos de uma outra pessoa, sendo os donos dessas mos: mdicos,
nutricionistas, psiclogos e, at mesmo, revistas especializadas.
Outro agravante determinado pelo fato de vivermos em uma sociedade em
que aparncia fsica sinnimo de valor pessoal. Para Hirschmann & Munter (1995) o
corpo usado como smbolo para vender qualquer produto imaginvel, e todos os que
fazem dieta, no ntimo, esperam obter muito mais do que um corpo esguio: esperam obter
o que o corpo esguio simboliza. A dieta contm a esperana de se ter no apenas um corpo
melhor, mas tambm, uma vida nova e satisfatria. Assim, espera-se das dietas a mesma
iluso que as crianas esperam de suas mes: Poder tornar tudo melhor.
Aqueles que comem de maneira compulsiva passam a vida esperando.
Dizemos que estamos esperando ficar magros. No estamos esperando
ficar magros. Estamos esperando que nosso desejo seja acalmado.
Estamos esperando sermos aceitos. Estamos esperando sentir-nos
completos (...) Confundimos o desejo de ser amados com o desejo de ser
magros. (Roth, 1989, pg. 127).
Para Herscovici (1997), as pessoas passam a vida pensando que tm
problemas alimentares e de peso, quando na verdade, tm problemas em conseguir se
tranqilizar e lidar com os afetos, ao invs de comer por causa deles. Como veremos a
seguir, esta tentativa desviada de responder a dificuldades e conflitos emocionais o ponto
central da segunda causa da compulso alimentar.
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II.2.1.2. O TRANSTORNO DO COMER COMPULSIVO E OS ESTADOS
EMOCIONAIS
Como j foi visto anteriormente, um compulsivo alimentar pode ser definido
como algum cuja mo ou mente busca por comida apesar de no estar fisiologicamente
com fome, e/ou no consegue parar de comer depois de j estar fisicamente saciado.
Em razo dos distrbios de conscincia quanto s sensaes corporais
internas, os compulsivos alimentares apresentam dificuldades em localizar e diferenciar
suas necessidades fsicas das emocionais. Portanto, para se entender a dinmica da
compulso por comer, preciso distinguir o plano das necessidades biolgicas, do plano da
sexualidade, visto que o alimento pode saciar a fome fisiolgica e ainda continuar a ser
perseguido, porque j no se trata de uma busca meramente adaptativa. Desta forma,
quando o alimento fortemente utilizado para preencher necessidades emocionais, a
saciedade no reconhecida e o alimento adquire a funo de tranqilizador ao invs de
nutrio.
Assim, a compulso de comer passa por uma dificuldade de separar emoo
de comida, afeto de fome. Em termos psicolgicos, uma defesa, um modo de se proteger
e aliviar tenso, ansiedade e outros estados emocionais que so sentidos como
ameaadores ou desagradveis (WAJNRYT, 1993).
Para muitas pessoas, segundo Herscovici (1997), a comida adquire um
significado que vai alm de satisfazer as demandas do corpo, podendo ser utilizado para
acalmar ansiedades, como anestsico para bloquear pensamentos ou sentimentos, ou como
alvio de tenses. O disparador tpico de um episdio de empanturramento uma situao
de tenso, na qual a pessoa come ao invs de responder a ela adequadamente.
Para Duchesne (1995), importante identificar os eventos estressores,
sentimentos e pensamentos que desencadeiam os ataques de comer. Para a mesma, os
compulsivos alimentares parecem apresentar habilidades sociais problemticas defesa de
direitos, imposio de limites, negao de pedidos, expresso de raiva e discordncia - e
sentimentos de baixa auto-estima.
Os comedores compulsivos traduzem qualquer desconforto emocional em
problemas relacionados a peso e alimentao. Vo em busca de comida sem nem mesmo
perceber o que est levando a essa busca, quando no existe a real necessidade do
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organismo de se alimentar, havendo uma falha na aprendizagem emocional. Comem e
depois se sentem insatisfeitos e culpados, achando que o problema est em comer demais e
no no que os levou a comer. Assim, os compulsivos tm dificuldade para identificar
estados emocionais internos e para se tranqilizar, alm de serem relutantes quanto a
enfrentar os problemas diretamente, ao invs de comer por causa deles. Para Duchesne
(1995), a relao entre ataques de comer e dificuldades em solucionar problemas, em lidar
com a ansiedade e em operar no meio de forma eficiente, devem ser evidenciadas,
ressaltando a importncia de se abordar estas dificuldades.
Este problema encoberto e agravado ainda mais diante de uma grande
presso cultural para se comer menos e para perder peso, ao invs de se enfocar os
problemas reais q
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