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Jamb Cultura 2014; 4(28):217-224 217 AMB CULTURA Este caderno é parte do Jornal da Associação Médica Brasileira (JAMB) – Coordenação: Hélio Barroso dos Reis Bimestral julho/agosto de 2014 – nº 28 Uma boa notícia aos nossos associados, em especial aos ligados à cultura: foi um enorme sucesso o III Concurso Nacional de Contos e Crônicas da AMB, com maciça par- ticipação dos associados. Esperamos, no próximo núme- ro, anunciar os ganhadores desta edição. Reiteramos o convite para que o associado participe da IV Viagem Cultural da AMB, que neste ano terá como des- tino a riquíssima cultura mexicana, especialmente os sítios arqueológicos remanescentes das civilizações Maia e Asteca. Informações como roteiro, datas, preços, etc., encontram- -se na penúltima página. Nesta edição, também podemos contemplar a arte do car- diologista e professor universitário Eduardo Arguelles, cuja obra acima é denominada “Transposições”. Na seção “His- tória da Medicina”, o ginecologista pernambucano Mário V. Guimarães nos apresenta “Sim, temos um Nobel brasileiro”. As crônicas escolhidas para este número são de autoria do médico do trabalho capixaba Manoel Nascimento Ro- cha, com a obra “Inundações em Vila Velha: a solução” e “Encontro Celestial”, do também capixaba e médico pedia- tra Roberto P. do Amaral. No Espaço Poético, destaque para “Tankas”, poesia de au- toria do ginecologista paulista José Rodrigues Louza. E o con- to desta edição vem de Patos de Minas, Minas Gerais, com a obra “Maria da Glória”, do neurologista Jorge Chafick Lais. Boa Leitura! Hélio Barroso dos Reis Diretor Cultural da AMB Ortopedia e Traumatologia Vitória, ES Eduardo Arguelles, pintor brasileiro, nascido no Rio de Janeiro, médico car- diologista e professor universitário. Começou a pintar aos 48 anos, mantendo, até hoje, a sua condição de autodidata. Pela qualidade do seu desenho, pra- ticou durante vários anos o estilo clássico, passando por curto período de pintura simbolista até chegar à fase atual. Apaixonado pelo belo e pela figura, especialmente da mulher, Arguelles conseguiu criar ou recriar figuras de inu- sitada leveza e transparência, por meio da superposição com imagens, não raro, indefinidas. Disto resultou o que se poderia chamar de figurativo onírico. Em sua trajetória, o pintor participou de mais de 70 exposições individuais e coletivas. É membro da Ordem do Mérito das Belas Artes e acadêmico titular da Academia Brasileira de Belas Artes. Autor: Eduardo Arguelles Título: Transposições Dimensões: 80x60 cm Técnica: óleo sobre tela Ano: 2007 Acervo: pessoal boa leitura jamb_cultura_ed28.indd 217 8/25/14 2:18 PM

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Jamb Cultura 2014; 4(28):217-224 217

amb CulturaEste caderno é parte do Jornal da Associação Médica Brasileira (JAMB) – Coordenação: Hélio Barroso dos Reis

Bimestral julho/agosto de 2014 – nº 28

Uma boa notícia aos nossos associados, em especial aos ligados à cultura: foi um enorme sucesso o III Concurso Nacional de Contos e Crônicas da AMB, com maciça par-ticipação dos associados. Esperamos, no próximo núme-ro, anunciar os ganhadores desta edição.

Reiteramos o convite para que o associado participe da IV Viagem Cultural da AMB, que neste ano terá como des-tino a riquíssima cultura mexicana, especialmente os sítios arqueológicos remanescentes das civilizações Maia e Asteca. Informações como roteiro, datas, preços, etc., encontram-

-se na penúltima página.Nesta edição, também podemos contemplar a arte do car-

diologista e professor universitário Eduardo Arguelles, cuja obra acima é denominada “Transposições”. Na seção “His-tória da Medicina”, o ginecologista pernambucano Mário V. Guimarães nos apresenta “Sim, temos um Nobel brasileiro”.

As crônicas escolhidas para este número são de autoria do médico do trabalho capixaba Manoel Nascimento Ro-cha, com a obra “Inundações em Vila Velha: a solução” e

“Encontro Celestial”, do também capixaba e médico pedia-tra Roberto P. do Amaral.

No Espaço Poético, destaque para “Tankas”, poesia de au-toria do ginecologista paulista José Rodrigues Louza. E o con-to desta edição vem de Patos de Minas, Minas Gerais, com a obra “Maria da Glória”, do neurologista Jorge Chafick Lais.

Boa Leitura!

Hélio Barroso dos ReisDiretor Cultural da AMB

Ortopedia e TraumatologiaVitória, ES

Eduardo Arguelles, pintor brasileiro, nascido no Rio de Janeiro, médico car-diologista e professor universitário. Começou a pintar aos 48 anos, mantendo, até hoje, a sua condição de autodidata. Pela qualidade do seu desenho, pra-ticou durante vários anos o estilo clássico, passando por curto período de pintura simbolista até chegar à fase atual. Apaixonado pelo belo e pela figura, especialmente da mulher, Arguelles conseguiu criar ou recriar figuras de inu-sitada leveza e transparência, por meio da superposição com imagens, não raro, indefinidas. Disto resultou o que se poderia chamar de figurativo onírico. Em sua trajetória, o pintor participou de mais de 70 exposições individuais e coletivas. É membro da Ordem do Mérito das Belas Artes e acadêmico titular da Academia Brasileira de Belas Artes.

Autor: Eduardo ArguellesTítulo: TransposiçõesDimensões: 80x60 cmTécnica: óleo sobre telaAno: 2007Acervo: pessoal

boa leitura

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História da medicina brasileira

Anualmente, no último trimestre, a comunidade científica internacional fica tensa na expectativa da divulgação pela imprensa, com o devido destaque, dos nomes dos diver-sos ganhadores do cobiçado Prêmio Nobel, com as suas respectivas especialidades e nacionalidades; reacendendo em nosso íntimo a pergunta: por que um brasileiro nunca foi aquinhoado, se vários titulares de outros países com di-mensões e potenciais culturais menores que o nosso o fo-ram, mesmo já tendo algumas indicações? Acontece, porém, que temos um ganhador que, apesar de não ser reconheci-do oficialmente, foi gestado, parido, criado e educado no Brasil. Por que essa pessoa não é brasileira? É um incrível acidente na nossa história.

Criado em 1901, o Prêmio Nobel foi instituído por Al-fred Burnhard Nobel, intelectual e abonado industrial sueco, apaixonado por química e descobridor da dinamite. Já foi distribuído, pelo menos até 2007, conforme os dados que consultamos, a 756 pesquisadores, nas áreas de economia, f ísica, química, medicina, literatura e paz (política inter-nacional). É solenemente entregue no dia 10 de dezembro, aniversário da morte do seu criador, em Estocolmo. Só o da Paz é entregue em Oslo, capital da Noruega.

Quanto ao nosso ganhador, refiro-me a Peter Brian Me-dawar, nascido no Hospital Santa Teresa, na cidade de Pe-trópolis, RJ, em 28 de fevereiro de 1915, onde foi criado. Filho de um casal anglo-libanês, teve seus primeiros estu-dos na nossa terra, só indo para a Inglaterra por volta dos 15 anos de idade, quando seus pais o enviaram pensando em melhorar sua educação – o que era um costume tam-bém de muitas famílias brasileiras no início do século pas-sado, diante das nossas deficiências.

Lá, formou-se em biologia e zoologia, fazendo carrei-ra nas Universidades de Birmingham e Oxford, tendo sido ainda assistente de Alexander Fleming na descoberta da penicilina. Recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1960, na área de fisiologia, juntamente com Frank M. Burnet, mago da medicina australiana, pelos seus trabalhos sobre os princípios da tolerância imunológica, o que daria ori-gem ao soro antilinfocitário. A rainha Elizabeth II também os homenageou com o título honorário de Sir, que figura em suas biografias.

Consta que Sir Peter não recebeu o prêmio na con-dição de brasileiro, o que tentou junto ao nosso governo, pelo fato do então ministro da aeronáutica, Salgado Filho, ter-lhe negado a nacionalidade requerida por ele não ter prestado serviço militar no país. Daí, ele ter sido obriga-do a optar pela cidadania britânica para poder receber a consagração, de acordo com o estatuto do prêmio. O No-bel foi apenas um dos inúmeros prêmios recebidos por ele, das mais diversas entidades médicas da Europa e de ou-tros países. Em 1962, apesar de não ser médico, foi nome-ado diretor do Instituto Britânico de Pesquisas Médicas.

Sir Peter Brian Medawar ainda voltou ao Brasil em 1962 para visitar familiares, tendo inclusive tomado par-te em diversas reuniões científicas. Faleceu em Londres, no dia 2 de outubro de 1987, aos 72 anos, deixando-nos a dívida de lhe atribuir as devidas e mais do que mereci-das homenagens.

Mário V. GuimarãesGinecologia

Recife, PE

Sim, temos um Nobel brasileiro

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Crônica

Muitos prometem soluções para as inundações em Vila Ve-lha, no Espírito Santo.

Em tempo de eleições municipais, prometem dragar ca-nais, construir estações de bombeamento, diques, barreiras, enviar pesquisador a Marte para ver como eles fazem por lá...

Os investimentos para tentar controlar as inundações, que ocorrem em quase todo o município de Vila Velha, fo-ram grandes e muito ainda será necessário fazer, sem a cer-teza de se obter sucesso. É bastante dinheiro jogado no ralo, ou melhor, na maré.

Vila Velha possui 32 km de litoral e está a uma altitude de quatro metros, porém, em diversos pontos do município, a altitude é quase inferior à do nível do mar. Possui mais de 72 mil metros de canais, que atravessam mais de 25 bairros, e uma bacia hidrográfica com rios importantes, como o Jucu e outros, que já foram importantes e já praticamente mor-reram, como o rio Aribiri e o rio Marinho, que são verda-deiros esgotos a céu aberto.

Com os canais assoreados, quando a maré sobe e chove mais intensamente, não há escoamento adequado das águas, inundando diversos bairros.

A cidade de Veneza, na Itália, que possui a maior parte do seu território inundado, com os seus canais principais e secundários usados como vias de transporte, também sofre com o fenômeno da acqua alta.

Baseado no que ocorre em Veneza, tenho uma sugestão definitiva para resolver o problema das inundações no mu-nicípio capixaba: transformar Vila Velha numa nova Vene-za, inclusive com a mudança de nome, para Nova Veneza ou Veneza Velha ou Vila Veneza, a ser decidido em plebiscito.

O que hoje é um problema, passará a ser a solução. Vila Velha já tem todas as condições geográficas para se trans-formar na “Veneza brasileira”. Em vez de investir em obras faraônicas de custos elevados que, provavelmente, não con-trolarão as inundações, serão feitas adaptações, com obras

de custo menor para, efetivamente, inundar grande parte do município.

Os rios Aribiri, Marinho e Jucu serão os canais principais, com saídas para o mar. Um sistema de comportas poderá ser necessário para controlar o fluxo das águas e será a obra mais cara. Vias como a Avenida Carlos Lindemberg, Rodo-via Darly Santos, Canal Bigossi e outras serão os canais se-cundários. Outros canais e vias, que já alagam normalmen-te, serão ampliados para permitir a navegação.

O turismo será incentivado, com passeios de lanchas, gondo-leiros fazendo passeios românticos e “bares molhados”. O trans-porte coletivo, tal como acontece em Veneza, será por meio de lanchas, integradas a ônibus em determinados pontos. Ao in-vés de motos, teremos jet skis. As garagens dos prédios públi-cos e privados serão transformadas em marinas, para os barcos e lanchas. Os carros serão utilizados apenas em algumas áreas do município. Para ir à Vitória, a melhor opção será a lancha do transporte aquaviário. Futuramente, algumas ruas de Vitó-ria, que também já alagam, serão integradas ao sistema de nave-gação em canais. Uma conexão aquaviária para Cariacica tam-bém poderá ser implantada. O trânsito de carros, com certeza, melhorará em toda região da Grande Vitória.

O transporte aéreo em hidroaviões será incrementado.Esportes náuticos serão incentivados. Vila Velha será um

centro nacional desses esportes, com vistas às olimpíadas. Este é um projeto inicial de ficção. Novas ideias serão

bem-vindas e aceitas, inclusive um projeto arquitetônico e urbanístico.

Finalizando, a solução é, ao invés de “remar contra a maré”, permanecer a favor dela. Quando você não pode com o “ini-migo”, junte-se a ele.

Manoel Nascimento RochaMedicina do TrabalhoVitória, ES

Inundações em Vila Velha: a solução

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Conto

Naquele dia, havia mais gente do que o habitual em torno do balcão do Café Dia e Noite, no Centro da cidade, e a conversa parecia bastante animada. Dava para perceber que as pessoas, enquanto sorviam o seu cafezinho, falavam com um entusias-mo fora do comum e em seguida disparavam a rir, não se sa-bia ainda de quê. A curiosidade me invadiu e entrei com a des-culpa de pedir um café, mas estava mais interessado na fofoca do que naquela deliciosa bebida. Assim que cheguei junto ao balcão, um amigo se aproximou com um ar bastante excitado e me lançou a pergunta:

– Já sabe da maior?– Maior o quê? – perguntei.– Maior novidade... A Maria da Glória, ora!– E o que tem a Maria da Glória?– Ainda não sabe? Não é possível!... Tirou a roupa dentro

do Vivabela no sábado à noite. A cidade inteira está falando. O Vivabela era uma discoteca bastante badalada que ha-

via na cidade, aonde as pessoas iam para se divertirem nos fi-nais de semana.

– Você estava lá? – perguntei. – Como é que ficou sabendo?– Puxa! Mas todo mundo está sabendo. Não se fala em ou-

tra coisa.Fiquei um tanto confuso. Se todos estavam comentando, era

possível que fosse verdade. Por outro lado, conhecia bem a Da-glória (era assim que a chamávamos) e, em minha opinião, ela não seria capaz de uma loucura dessas, mesmo se estivesse bêbada.

No dia seguinte, estava descendo o calçadão central da ci-dade, local tradicional de reunião das pessoas, quando me de-parei com um grupo de conhecidos que conversavam e gesti-culavam sem parar com um vigor inusitado.

O que será que os deixava tão excitados? Aproximei-me, procurando não demonstrar interesse, para

deixá-los à vontade para contar espontaneamente o motivo de tanto entusiasmo. Logo, um velho conhecido, que adorava um malfeito, veio correndo para o meu lado quase aos gritos:

– A Daglória! A Daglória! O que você sabe dela para me contar?

Fiz-me de bobo, como se diz na região:– Não sei de nada. Pra mim, ela continua sendo a Dagló-

ria de sempre.– O quê!? Então não sabe? Caramba! Ela fez um strip-tea-

se no Vivabela na frente de todo o mundo, com a casa cheia!–Então ela ficou louca – respondi. – A família vai mandar

interná-la.

A essa altura todos no grupo olhavam para mim como se eu fosse uma raridade e com um sorriso de deboche nos lábios, como se estivessem pensando: “Coitado, esse aí é o único que não quer acreditar”.

– Mas quem foi que te contou? Você por acaso estava lá? – perguntei ao velho conhecido.

– A Daglória é meio escandalosa, mesmo. É bem capaz de aprontar uma dessas. Eu não preciso ver para acreditar... Não sou o São Tomé do Paraibuna.

(Paraibuna, para quem não sabe, é o rio que corta a região).Parecia que a história incendiara a imaginação da cidade e

fazia a delícia dos mexeriqueiros de plantão. Mas o pior estava por vir. No dia seguinte, entrei no elevador lotado de gente do Edifício Baependy para subir e falar com um professor que ti-nha o escritório no sétimo andar. E eis que esbarro em um ami-go que já estava lá, espremido entre os ocupantes. Notei que ele olhava fixo para mim, com malícia, e tinha um sorriso sar-cástico meio estranho no rosto, algo que eu nunca tinha visto nele antes. Não tive de esperar muito.

– Ahhh! Essa superou a imaginação até de Cervantes! – deu uma risadinha antes de continuar. – A Daglória levantou a saia dentro do Vivabela, tirou a calcinha e gritou para os caras que estavam lá: “Vem cá, moçada, vem comer essa fruta!”.

Disse isso e desatou a rir sem parar, loucamente, com um riso estridente que atraía os olhares das pessoas no elevador. Eu não sei se fiquei vermelho ou amarelo, mas, de qualquer jeito, fiquei alarmado e sem saber no que acreditar. Conhecia a moça, tinha boa formação, era culta, vivia bem com a famí-lia... Como era possível uma coisa dessas? Já era demais. Deci-di descobrir por mim mesmo.

No dia seguinte, à tarde, fiquei à entrada da Cultura Ingle-sa, pois sabia que a Maria da Glória estudava lá e saía das aulas às quatro horas. Não demorou e ela surgiu em meio à turma de alunos que deixavam despreocupadamente as salas de aula. Ela me viu e veio em minha direção com um olhar indiferente:

– Você por aqui? O que veio fazer?– Vim apanhar um livro de Maugham emprestado na biblio-

teca. – foi a desculpa que arranjei.– Mas... Deixa pra lá – continuei. – E você, como é que está?

Ela abaixou a cabeça meio tristonha. Não era mais aquela Da-glória risonha e expansiva que eu conheci.

– Mais ou menos – foi o que respondeu.– Mais ou menos por quê? – perguntei. – Aconteceu algu-

ma coisa?Ela começou a chorar.

Maria da Glória

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Crônica

Encontro CElEStiAlLigo a televisão. Imediatamente, sou bombardeado por notícias desagradáveis. Assaltos, assassinatos, golpes financeiros, paco-tes, etc. Quase entro em pânico ao perceber que a cada dia fica mais dif ícil sobreviver nesse “mundo cão”.

Decido, então, sonhar acordado para manter meu equilí-brio psíquico. Assim chego no céu. Lá, sob a sombra de uma nuvem, uma mesa de bar, um chapéu de palha e um charuto, esperam o seu dono. Calmamente, como se caminhasse pela sua Copacabana, chega Tom Jobim. Senta, bebe um chope ge-lado e aguarda o amigo Vinícius. Em poucos minutos, aparece o poetinha com seu violão nas costas e seu inseparável copo de uísque. Tom dedilha as teclas do seu piano, e tem início o show.

Gonzaguinha, que estava no seu quarto escrevendo poesias de esperança, decide participar. Carlos Drummond, como bom mineiro, observa em silêncio, tendo ao lado John Lennon, que começa a duvidar que o sonho tenha acabado.

Rita Hayworth chega esbanjando sensualidade, com suas lin-das curvas, confirmando que “nunca existiu uma mulher como

Gilda”. Ayrton Senna passa em alta velocidade com sua máqui-na voadora, acenando a bandeira do Brasil, mostrando, como sempre, seu imenso carisma.

Não muito longe dali, Garrincha, com suas pernas incri-velmente tortas, faz de “João” seus adversários, para alegria do povo do céu.

Como não podia faltar, Henfil, com seu sorriso satírico, de-senha no seu pasquim celestial, enquanto Betinho comanda mais uma ação pela cidadania.

Encontro também meu amigo Freud e aproveito para des-crever meu sonho. Contudo, somos interrompidos por Jung, dando início a uma calorosa discussão.

O telefone toca. Caio na real, ou melhor, no país do real, e me bate uma saudade de Fellini, que transformava em sétima arte o nosso mundo, com muito amor e sensibilidade.

Roberto Passos do Amaral PereiraPediatria

Vitória, ES

– Não sei o que está acontecendo... Estão dizendo coisas hor-ríveis de mim. Não sei de onde saiu tudo isso.

– Ouça – comecei argumentando. – Você sabe que, para você, eu sou como um irmão. Conte-me a verdade. Conte-me tudo, sem receio, exatamente como aconteceu. Prometo que isso vai ficar somente entre nós dois.

Para ser sincero, – hoje posso confessar – no íntimo bem que estava imaginando: entre nós dois e a torcida do Flamengo.

– Não aconteceu nada. Eu juro. Estava dançando na pista com o Robistek quando de repente o salto de meu sapato que-brou. Chutei os sapatos de lado e continuei a dançar. O piso é muito liso, eu escorreguei e caí deitada de costas no chão. Ao cair, sem querer, minha saia se levantou e apareceu a calcinha. Todo o mundo parou de dançar e olhou espantado. Morri de vergonha, mas o que podia fazer? Levantei-me e continuei dan-çando para despistar. Quando acabou a música, corri às pres-

sas para casa e não saí mais naquele dia. Foi o que aconteceu. Só isso e absolutamente nada mais.

Fiz uma pausa para lembrar-me da letra de uma velha canção.– Você conhece aquela marchinha de Carnaval que diz “a

água lava tudo, só não lava a língua dessa gente?” – perguntei.– Conheço, sim. Nem a água, nem o sabão de coco, nem o

detergente.– E nem a soda cáustica – acrescentei.Daglória sorriu pela primeira vez e imediatamente desa-

tamos a rir juntos e a achar tudo aquilo uma piada ridícula. A partir daquele instante, minha amiguinha voltou a ser a criatura alegre, falante e amorosa que sempre fora.

Jorge Chafick LaisNeurologia

Patos de Minas, MG

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Espaço poético

O sol no poentefaz pensar no amor latenteque inunda minha almaa deleita muito calmae muito feliz se sente.

Escondem cantatasos meus cabelos de prataque criança eu fiz.Versos para a bela atrizque meus sonhos dominou.

Pelo forte mar,o velho tronco lançadona vida perdidafaz-nos pensar e chorara esquecida guarida.Um beijo tão quentede Arlequim. Paixão candente!Um sonho de amor –de Pierrot. Todo candor!Qual o afeto que não mente?

Ventos fortes rindo.Belas ondas indo e vindo.O encanto da beira-mar.Com a luz do luarnossa vida a clarear.

José Rodrigues LouzaGinecologia

São Paulo, SP

tankas

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Viagem cultural

Visitas aos principais sítios arqueológicos remanescen-tes das culturas Maia e Asteca fazem parte do roteiro da IV Viagem Cultural da AMB ao México, de 31 de ou-tubro a 13 de novembro, com possibilidade de retorno por Miami para tour de compras. Na Cidade do Méxi-co, haverá um city tour com visitas aos principais pon-tos turísticos da capital mexicana. Bem próximo à capi-tal – cerca de 40 km –, haverá visita à zona arqueológica de Teotihuacán. Outros locais previstos no roteiro são: XoChimilco, Tula de Allende, Puebla e Cholula, Mon-te Alban, Mitla, Oaxaca, Mérida e Chichén-Itzá, Can-cún e Tulum.

IV Viagem cultural da AMBPara informações mais detalhadas sobre roteiro e pre-

ço, tratar com a Mark Travel Turismo, empresa respon-sável pela sua comercialização: (11) 3111-1852, ou pelo e-mail [email protected], com Solange.

MÉXICO*Preço por pessoa, em apartamento duplo: US$ 4.404,00

*PREÇO INCLUI:• Bilhete aéreo, em classe econômica, conforme o roteiro;• Hotéis de categoria 4 estrelas, com meia pensão (café da manhã e jantar).

Em Cancun, pensão completa (café, almoço e jantar);• Ônibus de luxo com ar condicionado em todo o roteiro;• Guias locais falando português (ou espanhol);• Todos os passeios e visitas mencionados no roteiro;• Traslados dos aeroportos aos hotéis e vice-versa;• Gorjetas a maleiros nos hotéis (uma mala por pessoa);• Guia acompanhante durante toda a viagem;• Taxas de embarque nos aeroportos do Brasil e no exterior;• Bolsa e etiqueta de viagem, capa de passaporte, porta-moeda e lenço Mark Tur®;• Gorjetas diversas;• Seguro de viagem.*Preço para mínimo de 45 passageiros

MÉXICO COM OPCIONAL MIAMI**Preço por pessoa em apartamento duplo – US$ 5.278,00

**PREÇO INCLUI: • 2 noites em hotel de categoria 4 estrelas;• Traslados aeroporto/hotel e hotel/aeroporto;• Taxas de embarque.** Mínimo de 20 passageiros

PAGAMENTOS:Cartão de crédito ou cheque (sujeito a aprovação): • 30% de entrada e o saldo parcelado em 9 vezes s/ juros.

Wik

iped

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Jim

enez

Palácio de Bellas Artes

Ruínas de Chichén Itzá, Riviera Maya, México

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ColABoRAçãoO Jamb Cultura é um espaço aberto que estimula a produção literá-ria e valoriza as manifestações culturais do Brasil. Para isso, convida-mos os médicos a enviar artigos, crônicas, poesias, textos sobre cultu-ra e história da medicina para o Conselho Editorial.A/C Hélio Barroso dos Reis (Diretor Cultural)Rua São Carlos do Pinhal, 324, Bela Vista – São Paulo, SPCEP 01333-903Ou pelo e-mail: [email protected] e colecione!

Normas para publicação de artigo no Jamb Cultura1. Ser médico(a) associado(a) à Associação Médica Brasileira pela Fe-derada de sua região.2. Enviar texto de aproximadamente uma lauda (2.100 caracteres com espaço), na fonte Arial 12.3. Se houver fotografias, favor identificá-las, colocar o crédito e en-viar em 300 dpi, à parte (anexada ao e-mail ou em CD, ou pen-drive).4. O material será apreciado pelos membros do Conselho Editorial an-tes de sua publicação.5. Ao enviar ao Conselho, informar autorização de publicação.6. Assinar o artigo com: nome, especialidade, cidade, estado e endere-ço para correspondência.

JAMB CULTURAEdição Bimestral | Julho e Agosto de 2014

www.amb.org.br | [email protected]: Florentino de Araújo Cardoso Filho

Coordenador e Diretor Cultural: Hélio Barroso dos ReisDiretora de Comunicações: Jane Maria Cordeiro LemosDiretor de Marketing: José Carlos Vianna Collares Filho

Conselho Editorial (2011-2014): Antonio Roberto Batista (Campinas/SP – região Sudeste)Armando José China Bezerra (Brasília/DF – região Centro-oeste)

Arnóbio Moreira Félix (Belo Horizonte/MG – região Sudeste)Carlos David Araújo Bichara (Belém/PA – região Norte)

Gilson Barreto (Campinas/SP – região Sudeste)Giovanni Guido Cerri (São Paulo/SP – região Sudeste)Guido Arturo Palomba (São Paulo/SP – região Sudeste)

Hélio Barroso dos Reis (Vitória/ES – região Sudeste)José Luiz Gomes do Amaral (São Paulo/SP – região Sudeste)

Murillo Ronald Capella (Florianópolis/SC – região Sul)Roque Andrade (Salvador/BA – região Nordeste)Yvonne Capuano (São Paulo/SP – região Sudeste)

Editor Executivo: César Teixeira

Editora ManoleEditor gestor: Walter Luiz Coutinho

Editora: Karin Gutz InglezProdução editorial: Julia Carvalho, Juliana Penna, Cristiana Gonzaga S. Corrêa e Juliana Morais

Projeto gráfico e diagramação: Sopros DesignTratamento de imagens: Sopros Design

O Jamb Cultura somente publica matérias assinadas, as quais não são de responsabilidade da Associação Médica Brasileira, nem da Editora Manole.

Peças com mais de 3 mil anos de história da ci-vilização Maia fazem parte da exposição Mayas: Revelação de um Tempo Sem Fim, no Museu da Cidade (prédio da Oca, no Parque do Ibi-rapuera, em São Paulo).

A exposição reúne 386 objetos, represen-tando aspectos distintos da vida da civiliza-ção Maia e da sua rica cultura, oriundas de várias instituições mexicanas, especialmente o Museu Nacional de Antropologia, na Cida-de do México.

Lá, essa mesma mostra atraiu quase 300 mil pessoas ao Palácio Nacional, ávidas por conhecer detalhes da excepcional cultura des-te povo extinto por volta do ano 900, que, en-tre outras coisas, sem ajuda de tecnologia ou telescópios, desenvolveu um ciclo solar mui-to próximo à exatidão ao criar um calendário bem mais preciso que o atual, com erro de ape-nas 17 segundos.

cULtUrA MAIA EM SÃo PAULo

Peça “Marcador do jogo de pelota”, oriunda do Museu de Chichén Itza, em Iucatã, no México

Dica cultural

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