alvares, j. p. -- amores que matam - um estudo psicológico acerca da personalidade do uxoricida

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"AMORES QUE MATAM: UM ESTUDO PSICOLÓGICO ACERCA DA PERSONALIDADE DO UXORICIDA" JULIA PAGLIOZA ALVARES* Formada pela Faculdade de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil-ULBRA Revisado pelo Prof. Dr. Jorge Trindade " (...)quando o irreparável está feito, cessam-se as dores vendo-se que poderia ter sido pior aquilo que no fim confiou-se em um desejo ardente" (Shakespeare, 1564-1616, p.32). O presente trabalho tem o intuito de embasar teoricamente as questões norteadoras acerca dos fenômenos psicológicos que levam um homem a praticar um crime contra seu objeto de amor. Trata- se do estudo de quatro detentos do Presídio Central de Porto Alegre, que haviam cometido homicídio contra suas esposas ou companheiras. Através da análise psicodinâmica dos conteúdos retirados de entrevistas semi-estruturadas aplicadas nos participantes, destacou-se o entendimento dos possíveis mecanismos psicológicos que os levaram à consumação uxoricida. Com base no estudo comparativo destes casos, destacaram-se os pontos comuns que foram interpretados à luz dos referenciais teóricos da psicanálise. Assim, entendeu-se que o motivo destes delitos relacionaram-se como forma de alívio de um sentimento de culpa proveniente do complexo edípico, onde se constituíam as duas grandes intenções criminosas, o de matar o pai e ter relações sexuais com a mãe. Um pouco além disso, pode-se mesmo estimar, no âmbito restrito da amostra coletada, que os participantes revelaram uma estrutura superegóica arcaica, presidida por uma lei muito severa que bem pode lembrar o princípio taliônico: "Olho por olho, dente por dente". 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem o intuito de embasar teoricamente as questões norteadoras acerca dos fenômenos psicológicos que levam um homem a praticar um crime contra seu objeto de amor. Nesta proposta, levantaremos questões, do âmbito exploratório, relacionadas aos fatores psicodinâmicos que gravitam em torno do funcionamento da personalidade do indivíduo uxoricida. Dentre as diversas abordagens referentes a este tema, nos deteremos aos elementos fundamentais que compõem a teoria do crime, tanto no sentido jurídico, quanto aos fatores desencadeantes que o explicam, conforme uma análise investigativa embasada na teoria psicanalítica. Para esse fim, realizou-se um breve apuração histórica da origem das prisões e sua evolução com o passar do tempo. Posteriormente foram referidas as contribuições teóricas sustentadas por Freud, Klein e Winnicott, consideradas fundamentais para o entendimento dinâmico e psicanalítico da funcionamento do uxoricida. Acrescenta-se, ainda, relato e análise de entrevistas semi-estruturadas realizadas no Presídio Central de Porto Alegre, com 4 homens entre 24 e 62 anos de idade que praticaram a conduta descrita no art. 121 do Código Penal Brasileiro (homicídio) contra suas esposas ou companheiras. Trata-se, como se vê, de um problema que suscita interesse não somente de ordem social e epidemiológica, mas também, que coloca em discussão aspectos emocionais, psicológicos, jurídicos e ideológicos, para os quais até agora não se pode falar em termos de solução. 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

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Page 1: Alvares, J. P. -- Amores que matam - Um estudo psicológico acerca da personalidade do uxoricida

"AMORES QUE MATAM: UM ESTUDO PSICOLÓGICO ACERCA DA PERSONALIDADE DO UXORICIDA"

JULIA PAGLIOZA ALVARES*

Formada pela Faculdade de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil-ULBRA

Revisado pelo Prof. Dr. Jorge Trindade

" (...)quando o irreparável está feito, cessam-se as dores vendo-se que poderia ter sido pior aquilo que no fim confiou-se em um desejo ardente"

(Shakespeare, 1564-1616, p.32).  

O presente trabalho tem o intuito de embasar teoricamente as questões norteadoras acerca dos fenômenos psicológicos que levam um homem a praticar um crime contra seu objeto de amor. Trata-se do estudo de quatro detentos do Presídio Central de Porto Alegre, que haviam cometido homicídio contra suas esposas ou companheiras.

Através da análise psicodinâmica dos conteúdos retirados de entrevistas semi-estruturadas aplicadas nos participantes, destacou-se o entendimento dos possíveis mecanismos psicológicos que os levaram à consumação uxoricida.

Com base no estudo comparativo destes casos, destacaram-se os pontos comuns que foram interpretados à luz dos referenciais teóricos da psicanálise. Assim, entendeu-se que o motivo destes delitos relacionaram-se como forma de alívio de um sentimento de culpa proveniente do complexo edípico, onde se constituíam as duas grandes intenções criminosas, o de matar o pai e ter relações sexuais com a mãe.

Um pouco além disso, pode-se mesmo estimar, no âmbito restrito da amostra coletada, que os participantes revelaram uma estrutura superegóica arcaica, presidida por uma lei muito severa que bem pode lembrar o princípio taliônico: "Olho por olho, dente por dente".

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o intuito de embasar teoricamente as questões norteadoras acerca dos fenômenos psicológicos que levam um homem a praticar um crime contra seu objeto de amor. Nesta proposta, levantaremos questões, do âmbito exploratório, relacionadas aos fatores psicodinâmicos que gravitam em torno do funcionamento da personalidade do indivíduo uxoricida.

Dentre as diversas abordagens referentes a este tema, nos deteremos aos elementos fundamentais que compõem a teoria do crime, tanto no sentido jurídico, quanto aos fatores desencadeantes que o explicam, conforme uma análise investigativa embasada na teoria psicanalítica.

Para esse fim, realizou-se um breve apuração histórica da origem das prisões e sua evolução com o passar do tempo. Posteriormente foram referidas as contribuições teóricas sustentadas por Freud, Klein e Winnicott, consideradas fundamentais para o entendimento dinâmico e psicanalítico da funcionamento do uxoricida. Acrescenta-se, ainda, relato e análise de entrevistas semi-estruturadas realizadas no Presídio Central de Porto Alegre, com 4 homens entre 24 e 62 anos de idade que praticaram a conduta descrita no art. 121 do Código Penal Brasileiro (homicídio) contra suas esposas ou companheiras.

Trata-se, como se vê, de um problema que suscita interesse não somente de ordem social e epidemiológica, mas também, que coloca em discussão aspectos emocionais, psicológicos, jurídicos e ideológicos, para os quais até agora não se pode falar em termos de solução.

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 Concepção Histórica das Prisões

"A forma prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento dos novos códigos. A forma-prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. (...) A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência" (Foucault, 1977, p. 207).

A pena, como refere Pimentel (1977), é uma instituição muito antiga, cuja origem se perde nos séculos de sua história, e sua aplicação remonta aos primórdios da civilização, uma vez que em todas as passagens históricas, sempre se enfrentou a problemática do crime.

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Existe a falta de dados a respeito da origem das prisões, mas sabe-se que os povos primitivos a desconheciam, e que ela vai surgindo à medida que cresce a vida coletiva, aparecendo, assim, em palácio dos reis, dependência de templos, muralhas, torres e fortalezas que cercavam as cidades.

Como nota Funes (1953), a prisão apenas tomou formas na sociedade cristã, quando a igreja instaurou, com a prisão canônica, em um sistema de solidão e silêncio. Estas não obedeciam a nenhum princípio penitenciário, de hoje conhecido. Não haviam normas de higiene, tampouco moral.

As questões geralmente, encontravam-se em locais subterrâneos e escondidos. Daí a falta de condições mínimas de sobrevivência, fazendo com que se propagassem as febres infecciosas entre os cárceres, dizimando os reclusos transmitindo para fora este mal, causando dano a população em geral.

Somente no século XVIII, pela primeira vez, registrou-se um movimento revolucionário na Inglaterra em pró à humanização do regime prisional da época. Estas idéias tiveram continuidade com Geremias Bentham (1748-1832), que instaurou o modelo arquitetônico panótico, constituindo-se de um modelo rígido, onde construía-se uma torre no centro com um só vigilante, e percebia-se o movimento geral das celas. Este modelo foi pela primeira vez construído nos Estados Unidos em 1800.

Foucault (1977) definiu prisão como um quartel um "pouco estrito", ou seja, desde o início serviu como uma detenção legal encarregada de um suplemento corretivo. Em suma, desde o início do século XIX, recobriu ao mesmo tempo a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos.

Para Funes (1953), houve diversas fases referentes ao perfil das prisões. Com o passar dos tempos novas modalidades foram surgindo. Em 1790 instaurou-se o regime de isolamento absoluto estimulando somente a leitura da Bíblia, no Estado da Filadélfia (EUA). Em contraponto, no ano de 1821, em Nova York, surgiu uma nova categoria que permitia o trabalho e a realização de refeições em comum. Apenas em 1846, registrou-se o aparecimento do Sistema Progressivo Inglês (Austrália), onde o cumprimento da pena se dividia em três etapas: isolamento completo, isolamento noturno e trabalho durante o dia, e por último liberdade condicional. Este sistema foi adotado pelo Código Penal Brasileiro.

A prisão semi-aberta, conforme afirma Lengruber (1983), nasceu na Suíça nesta mesma época. Ela caracteriza-se em fornecer remuneração aos condenados que trabalhavam ao ar livre, em uma zona rural com vigilância reduzida. Posteriormente surgiu a modalidade de prisão aberta, reconhecida no Brasil como Prisão Albergue, introduzida pela lei n. 6.416, de 24/5/1977.

Frente à crise universal, a pena-prisão ficou reservada apenas a crimes mais graves e, nos demais casos, deve-se aplicar penas alternativas tais como: multas, interdições, etc.

"O importante é apenas reformar o mau. Uma vez operada essa reforma, o criminoso deve voltar à sociedade" (Foucault, 1977, p. 218).

 

É importante também que os indivíduos condenados a penas mais leves não se encontrem presos no mesmo local que o criminoso condenado a penas mais graves, pois o objetivo principal da prisão está centrado na reparação do crime e pretende também que o culpado se corrija. É o chamado fim social da pena.

Como afirma Neuman (1995), existe uma estratégia de controle. De um lado encontra-se o poder, a imposição de castigos, e do outro, o exercício técnico deste poder. Mas, vale ressaltar, nesta condição o Estado apropria-se não mais da liberdade, mas sim da vida do indivíduo.

Porém, é importante não esquecer que quem ingressa na prisão deixa de ser homem. Converte-se numa categoria legal, ou seja, o castigo que recebe o indivíduo que cometeu o fato criminoso é de alta gravidade, mas a punição recai estritamente sobre sua vida e socialmente não se resgata mais.

"Os condenados são... outro povo num mesmo povo: que tem seus hábitos, seus instintos, seus costumes à parte" (Foucault, 1977, p. 224).

2.2 Uxoricídio - definições

Ferreira (1986) define uxoricídio como assassinato da mulher pelo próprio marido.

De acordo com o Código Penal Brasileiro (1998), está previsto o art. 121, que trata do homicídio, que é o gênero, onde o uxoricídio (contra a esposa) é uma das espécies do gênero. A pena varia de 6 a 20 anos de reclusão, na forma simples, ou de 12 a 30 anos de reclusão, na forma qualificada.

Do ponto de vista estritamente jurídico, Mirabete (1999) refere que condenação é o ato do juiz através do qual impõe uma sanção penal ao sujeito ativo de uma infração. Produz ela, como efeito principal, a imposição de penas para os imputáveis, ou, eventualmente, medidas de segurança para os semi-imputáveis, e como efeitos secundários, conseqüências de natureza penal

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ou extra-penal.

Para Gran Bretaña apud Feldman (1989) a definição de delito se caracteriza por um ato suscetível de ser cometido a juízo, tendo como conseqüência, os procedimento penais.

Jozef et al (2000) definem comportamento violento como o uso intencional de força ou ação física contra uma pessoa, provocando dano físico ou moral na vítima.

Em particular o homicídio, o autor acrescenta que é universalmente considerado um crime capital, trazendo importante carga de violência implícita sobre a vítima.

Mullen (2000) complementa, que a maior parte dos homicídios relacionados ao contexto de confronto, se refere à violência doméstica.

 

Outro fator a ser considerado é a idade, pois está relacionado à inclinação de controle sobre a vítima, como aponta Wilson et al (1995).

Com relação à emoção no crime, Almeida Junior (1991) refere que agrava-se a severidade da lei em relação ao homem que pratica um crime independentemente da emoção, e bem assim àquele em que a emoção, embora responsável pela intenção delituosa, tenha sido tempo suficiente para acalmar-se.

Foucault (1977) acredita que por traz do infrator, revela-se o caráter delinqüente cuja lenta formação transparece na investigação biográfica.

Menciona, ainda que, "existe um criminoso antes do crime", e a partir daí uma causalidade psicológica vai acompanhando a determinação jurídica.

Mira y Lopez (1947) refere que o futuro de um delinqüente acha-se menos condicionado pela qualificação que mereça seu delito no Código do que pela ação que sobre sua consciência moral exerçam os conhecimentos provocados pela intervenção criminológica.

Cohen (1999) aponta que a avaliação da periculosidade humana envolve não só a observação da periculosidade pós-delitiva do indivíduo, mas também a pré-delitiva, ou seja, a tarefa preventiva da capacidade do ser humano delinqüir.

Ainda é importante ressalta, a necessidade do trabalho em equipe com profissionais da saúde e justiça, uma vez que sabe-se muito pouco a respeito da problemática psicossocial envolvida na periculosidade pré-delitiva nos seres humanos.

Para ele, a transgressão ao ilícito penal somente poderá ser alcançado através de um maior conhecimento a respeito da personalidade das pessoas que os cometem, e de uma melhor classificação das características comuns a estas personalidades.

Tanto para Winnicott (1987) quanto para Bowlby (1988), a acolhida para uma instituição que desempenha um cuidado adequado daquele que vivenciou falhas ambientais importantes que ocasionaram tal comportamento, sendo possível, assim, a melhora.

2.3 Amores que matam

"A emoção atua como a água que rompe os seus diques; a paixão, como um rio que pouco a pouco vai cavando o próprio leito (...) a emoção é uma embriaguez; a paixão é um envenenamento" (Kant apud Almeida Junior, 1991, p.452).

 

O tema abordado neste trabalho é encontrado em vários textos da literatura universal. Boechat (1982) cita, como exemplo, a clássica obra "Otelo" de Shakespeare, assim como "O Túnel" de Sábato. Ambos retratam o relacionamento entre um homem consumando um crime contra seu objeto de amor.

"De todas as tendências humanas, a agressividade, em especial, é escondida, disfarçada, desviada, atribuída a agentes externos, e quando se manifesta é sempre uma tarefa difícil de identificar suas origens" (Winnicott, 1987).

Esta idéia, também é apontada por Gomes (2000), pois refere que pouco se sabe a respeito das profundas motivações da "alma humana", e muito do que se sabe, pode se tornar insatisfatórias, pois baseiam-se em extratos superficiais da mente,

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permanecendo obscura a maior parte das vezes, a motivação inconsciente.

Freud (1916) escreveu um revelador artigo titulado "Criminosos em conseqüência de um sentimento de culpa", onde trouxe surpreendente descoberta de que o crime tinha sua origem na necessidade de causar um "alivio mental" no indivíduo. Porém, este sofria de um sentimento de culpa cuja origem estava ligada a algo, consequentemente apresenta a tese de que a culpa não surge do crime, mas sim o crime da culpa, sendo este seu motivo.

Posteriormente, o pai da psicanálise apontou a origem do sentimento de culpa proveniente do complexo edípico, onde constituía às duas grandes intenções criminosas de matar o pai e ter relações sexuais com a mãe. Porém, ressalta que este sentimento induz à busca de punição, e que estas são realmente criadas pelo sujeito, ou seja, oferecer punição com uma nova base psicológica.

Para Enriquez (1999), a culpa encontra-se centrada na interdição, herdeira do complexo de édipo, ela testemunha a articulação estrutural entre o desejo e sua condenação.

No texto "Totem e Tabu" (1913), Freud discute as proibições de infringir o Tabu, e como defesa contra nossas tendências criminosas inconscientes. Os desejos inconscientes por retaliação e retribuição são instilados pelo medo do poder contagioso do crime ou, melhor dito, pela causa ontogênica desse medo, o sentimento de culpa que aflora pela supressão de desejos esquecidos na infância. A punição, muitas vezes, faz o punitor cometer o mesmo crime que pretende punir.

Este quadro psicológico também é descrito nas obras literárias, como descreve Caputti Filha (1982), quando se refere ao "Édipo-Rei" de Sófocles, uma importante história que narra a relação vítima-agressor.

"O resultado invariável do trabalho analítico era demonstrar que esse obscuro sentimento de culpa provinha do complexo de édipo e constituía uma reação às duas grandes intenções criminosas, de matar o pai e de ter relações sexuais com a mãe" (Freud, 1916, p. 376).

Figueiredo et al (1982) apontam que a resolução do conflito com o pai é um dos processos básicos para o crescimento de um indivíduo, porém, quando não elaborado, devido a intensos impulsos agressivos, pode desencadear ansiedades psicóticas na tentativa de alívio destas tensões, resultando nas atuações homicidas.

Como se sabe, a função do pai é representada pela lei, pois devido a uma ineficaz internalização da metáfora paternante, levará o sujeito a buscar no mundo externo, na polícia, na justiça aqueles suprimentos que não encontrou dentro de si.

Meneghini (1972) confirma que a atuação criminal pode surgir em decorrência ao alívio destas fortes tensões conflituosas, atribuindo a um superego exigente e severo.

Klein (1934), também adotou a opinião de Freud. Acredita que as tendências criminais se dão, a partir de uma situação interna que surge de um superego extremamente severo, resultando, assim, a proximidade entre níveis inconscientes tanto de culpa quanto de paranóia dos pacientes psicótico.

Pode-se pensar, como refere Amaral Dias (1990), na utilização de defesas como identificação projetiva desses sujeitos servido como um mecanismo patológico para aliviá-los, que quando acessado, liberta-se de si (do self, afetos e objetos internos) e os deposita no interior do outro para desconhecer a si mesmo, um exemplo seria o esquizofrênico paranóide.

Enriquez (1999) complementa dizendo que muitas vezes a culpa referente ao desejo inconsciente encontrará uma expressão privilegiada em um masoquismo moral particularmente intenso.

 

Meneghini (1972) partindo das idéias de Freud, e acrescenta que o ato criminoso pode surgir como uma solução para forte tensão conflituosa decorrente de um superego exigente, ou ainda, ser a reação a um sentimento de passividade, sentimento vivenciado como idêntico a impulsos homossexuais, ou até mesmo estar associado e constituir a medidas defensivas contra sentimentos depressivos decorrentes da perda de algum objeto amado ou valorizado.

Como disse Garma apud Trindade (1998):

"Cada um ama, mas também agride o seu próximo como a si mesmo".

Klein (1934), em seu artigo "Sobre a Criminalidade", refere que o criminoso encontra-se na posição de odiar e perseguir seu próprio objeto amoroso, já que para o bebê este objeto odiado e perseguidor era original. Porém, essa posição lhe é insuportável, consequentemente toda memória e consciência de amor por qualquer objeto deve ser suprida.

Refere ainda que essas fantasias persecutórias são comuns, pois sentindo-se perseguido, tenta destruir os outros, sendo este espírito destrutivo, no seu ponto de vista, justificado pois a atitude o alivia. Lembra, ainda que o ódio é usado como disfarce mais eficiente para o amor, e para a pessoa que se encontra sob pressão contínua da perseguição, a segurança do próprio ego

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é a primeira e única consideração.

No livro "0 Túnel", referido por Boechat (1982), aparece clara a motivação do personagem uxoricida em praticar um delito devido às vivências prévias de abandono em circunstâncias de uma perda real ou imaginada.

"(...) um ego que for amado sente-se forte; um ego abandonado é fraco e está exposto ao perigo. Um ego que é amado teme a possibilidade do abandono" (Fenichel, 1997, p.39).

Feldman (1989) refere estes aspectos relacionados à teoria de Bolwbi, no que diz respeito a relação existente entre falta de afeto materno e condutas delituosas, homicidas ou psicopáticas, pois o abandono maternal se define como um estado não tem esta relação, principalmente se está relacionado ao rechaço paterno. Ainda afirma que a teoria do abandono maternal omite qualquer consideração do processo de educação social ou dos métodos de educação formal.

"O pensamento é, pois, a transformação da frustração pela rêverie materna (...) e o pensamento emerge do impacto da não gratificação, isto é, com a não disponibilidade de um seio gratificante" (Trindade, 1999, p.11 e 15).

 

Boechat (1982), seu artigo, sugere considerações de outros autores a respeito da relação existente entre o uxoricídio e o matricídio, uma vez que a atuação homicida estaria relacionada a conflitos primitivos da etapa oral do desenvolvimento, a partir da relação do assassino com a própria mãe projetadas na figura da vítima, pois no homicídio de mulheres por homens encontram-se presentes fantasias de resgate da mãe que foi perdida de forma real ou de forma fantasiada pelo indivíduo.

Ainda relaciona regressão à fase oral no momento do delito à uma possível perda do objeto amoroso.

Jimenez de Asúa (1947) complementa supondo que o homicídio cometido por um homem contra sua esposa/amante revela um desejo incestuoso com sua mãe proveniente do complexo edípico. Esta conduta violenta tem o intuito de identificar esta mulher com sua mãe.

Relata, ainda, que projeta os sentimentos de culpabilidade

Bowlby (1988) também considera que não só as perdas de objetos reais e separações são prejudiciais, mas também as rejeições, como perda do amor e de afeição. Acredita, ainda, que as conseqüências podem ser desde o sentimento de angústia e instabilidade emocional, até uma incapacidade total para o estabelecimento de relações afetivas saudáveis.

Com relação a esta idéia, Boechat (1982) refere em seu artigo que o homicídio serve de defesa contra ansiedades psicóticas, ou seja, este delito alivia uma grave tensão intrapsíquica que ameaça o ego, evitando, assim, a confirmação do surto psicótico.

Klein (1927) também estabelece uma ligação entre a criminalidade e a psicose, pois refere, a partir de conclusões anteriores, que as tendências criminosas das crianças normais, são uma realização detalhada das fantasias sádicas arcaicas que fazem parte do desenvolvimento normal, que soma aos dois crimes inconscientes do incesto e do parricídio cometidos durante o complexo de édipo, onde Freud relaciona com o sentimento interior de culpa.

Ainda complementa dizendo, que tão grande é o medo do superego, seja por motivos internos ou intrapsíquicos, que o indivíduo pode ser capaz de destruir pessoas e esta compulsão pode formar a base para o desenvolvimento seja no âmbito do comportamento criminoso, ou até uma psicose.

 

Dalmau (1955), apud Meneghini, (1972, p.85) conclui:

"A conduta criminal pode ser usada pelas pessoas como um modo de aliviar grave tensão intrapsíquica que ameaça o ego, e assim evitar um surto psicótico. O ato criminoso serve portanto como um "equivalente psicótico", enquanto que a integridade do ego fica conservada".

Amaral Dias (1990) complementa ao mostrar que o psicótico desconhece-se para sobreviver ao ódio incurável, desintegrador e explosivo, pois na identificação projetiva é anticomunicante, antiempática, evacuadora desse ódio, mostrando-se com aspectos desintegradores.

Winnicott (1987) auxilia, com sua teoria do apego, salientando que a tendência anti-social está inerentemente ligada à privação.

Em suma, ainda relaciona o ato anti-social com uma inconformidade com a perda, de voltar a uma época anterior à frustração, numa tentativa de retomar a mãe, e que através de suas defesas, ficou endurecido.

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Para Jozef et al (2000), o transtorno de personalidade anti-social se constitui num distúrbio socialmente devastador, definido por uma constelação de características afetivas, interpessoais e comportamentais, incluindo algumas aspectos tais como: egocentrismo, impulsividade, ausência de empatia, culpa ou remorso, mentira persistente e patológica, assim como, violação de normas e expectativas.

Mullen (2000) refere que uxoricida ou femicida como também nomeia, apresenta uma tendência "passivo-agressivo" que está relacionada ao tipo de personalidade, podendo ser do tipo paranóide ou anti-social.

Cabe aqui projetar o transtorno de Personalidade Anti-social, consoante descrito nos critérios diagnósticos-DSM IV (1995).

■ 301. 7 Transtorno de Personalidade Anti-Social .

A . Um padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros, que ocorre desde os 15 anos, como indicado por pelo menos três dos seguintes critérios:

1. fracasso sem conformar-se às normas sociais com relação a comportamentos legais, indicado pela

execução repetida de atos que constituem motivos de detenção; 2. propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros para

obter vantagens pessoais ou prazer; 3. impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro; 4. irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas; 5. desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia; 6. irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral

consistente ou honrar obrigações financeira; 7. ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado

outra pessoa.

B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade

C. Existem evidências de transtorno de conduta com início antes dos 15 anos de idade

D. A ocorrência do comportamento anti-social não se dá exclusivamente durante o curso de Esquizofrenia ou Episódio Maníaco.

.

Fonte: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM IV. (1995)

Kernberg (1995) leva em consideração os traços anti-sociais em razão de sua gravidade. Assim, propõe também a vinculação deste transtorno ao transtorno narcisista de personalidade, pois estão marcados pela auto-referência, egocentrismo, do ponto de vista do ego, sendo acompanhado pelo vazio e sentimentos difusos. A agressividade consequentemente é expressada como raiva.

Por sua vez, Albergaria (1988) apresentou ousadia em profetizar a idéia de que há ausência, na personalidade criminal, de responsabilidade e culpabilidade, além de incapacidade de julgar um problema moral.

Caputti Filha (1982), na mesma linha, referiu que de certa forma a vítima molda o criminoso, serve como estímulos de agentes provocadores.

Feldman (1989) considera que algumas importantes influências levam ao ato delitivo, esta estão relacionados às experiências de aprendizagem e aos estímulos situacionais do momento em que lhe afetam.

 

Gattaz (1999) refere um estudo realizado por Steadman (1998), em Nova York, onde há evidências de potencialização da violência em populações que indivíduos abusam o uso de álcool/drogas. E, ainda ressalta, que o maior risco ocorre da combinação com transtornos de personalidade anti-social.

Torres et al (1999) referem que os "crimes de paixão" relacionam-se a idéias paranóides de ciúmes em relações amorosas simbióticas, em geral cometidos por homens na vigência de alguma substância psicoativa, usualmente o álcool.

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Feldman (1989) também concorda com esta teoria, referindo que o consumo de álcool conduz a um incremento dos sentimentos e da conduta agressiva, ou seja, o álcool pode aflorar uma resposta agressiva existente na pessoa.

A agressão pode ser um sintoma de medo, como refere Winnicott (1987), assim por outro lado, o amor e o ódio envolvem agressividade. Conflito entre amor e ódio constituem os principais elementos a partir dos quais se constróem as relações humanas.

Para Kernberg (1992), o ódio ocuparia uma posição central no comportamento humano; sendo derivada a agressividade, o afeto primário, em torno do qual, a pulsão de agressão se agrupa.

Amaral Dias (1990) também ressalta a importância dos afetos (amor e ódio) ao tipo de relação com esses objeto, referindo-se à problemática da culpabilidade inconsciente e aos aspectos masóquicos sempre presentes.

Para Klein, apud Hinshelwood (1992), a agressão é considerada como pulsional, pois enfatiza as fantasias inconscientes, ou seja, cada indivíduo se empenha em sua própria luta pessoal contra seus próprios impulsos agressivos, sendo da opinião de que a destrutividade constituía um importante fator no desenvolvimento da libido.

Assim, para Kernberg (1992), os impulsos são supra-ordenadores dos afetos, pois há dois grandes tipos de impulsos: os agressivos e os libidinais, os quais condicionam os afetos em afetos agressivos (raiva, ódio, por exemplo) e afetos libidinais (amor).

Freud (1915) refere que os impulsos instintuais libidinais sofrem a vicissitude da repressão patogênica se entram em conflito com as idéias culturais e éticas do indivíduo, pois a repressão provém do ego, assim, pode-se dizer que provém do amor-próprio do ego.

 

Foucault (1977) acredita ainda, que o delinqüente está "amarrado" a seu delito por feixe de fios complexos tais como instintos e pulsões.

Freud (1920), menciona que a civilização está construída sobre a renúncia do instinto, ou seja, através das exigências da repressão que persistem por toda a vida e constituem o superego, assim, acarretará na cristalização de um código moral-social.

Concluindo, quando levamos em conta o superego, estamos dando um importante passo para a compreensão do comportamento social da humanidade. Uma vez instalado, transmutam-se as funções mentais e parte da ansiedade transformar-se em sentimento de culpa. Assim fica claro entender que uma das atividades do superego é a necessidade inconsciente de punição do ego, que expressa sentimentos de culpa, salientando, como conseqüência, que a carreira criminosa de uma pessoa pode ter origem na sua necessidade inconsciente de punição, pois a renúncia ao instinto não basta para aplacar a culpa que se mantém em razão da persistência do desejo.

E, para finalizar, Freud (1915, p.107) mostra que:

"Só podemos percebe-lo em duas condições: se vier combinado com os instintos eróticos; ou (...) se estiver voltado contra o mundo exterior sob a forma de agressividade (...). A agressividade impedida (...) parece envolver um grave dano (...), é como se fosse necessário para nós destruirmos uma outra coisa, uma outra pessoa para não destruirmos a nós mesmos, a fim de nos protegermos, mas contra o impulso de autodestruição".

2.4 Contribuições da Teoria Psicanalítica

Winnicott (1988) refere os trabalhos de Freud ao afirmar que o crime verdadeiro não é a causa do sentimento de culpa, mas o resultado desta culpa que pertence à intenção criminosa. Somente a culpa legal se relaciona com o crime, a culpa moral se relaciona com a realidade interna. Este sentimento é uma ansiedade sentida devido o conflito entre amor e ódio. Complementa dizendo que o sentimento de culpa implica a tolerância da ambivalência.

Freud (1915) propõe a definição de ambivalência para Bleuler, distinguindo em três espécies: 1) emocional, isto é, oscilação entre o amor e o ódio; 2) voluntária, ou seja, incapacidade para decidir quando a uma ação; e 3) o intelectual, crença em proposições contraditórias.

Complementa dizendo que a ambivalência do amor e do ódio se explica pelas suas evoluções específicas, ou seja, o ódio encontra sua origem em pulsões de autoconservação e o amor encontra nas pulsões sexuais. O autor tende a dar à ambivalência maior importância na clínica e na teoria do conflito. O conflito edipiano, nas suas raízes pulsionais, é concebido como conflito de ambivalência.

Laplanche e Pontalis (1997) definem complexo de édipo como um conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente pelos pais, este termo surgiu apresentada na história do Édipo-Rei. O complexo de édipo ocorre durante a fase fálica, e simultaneamente à formação do superego, que desempenha um papel fundamental na estruturação da personalidade e no desejo do ser humano. A primeira manifestação do superego se dá a partir da culpa sentida face ao sentimento de ter

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danificado o objeto.

Citam ainda, a partir das idéias de Freud, que o superego é o herdeiro do complexo de édipo, se enraizando no ego, onde será interiorizadas as interdições parentais e a lei do grupo. Assim, as ansiedades também serão vividas no ego, e é contra ela que será utilizado uma série de mecanismos de defesa.

Meneghini (1972) também aborda em sua obra, trabalhos de Schilder e Keiser (1936), onde referem claramente a idéia de que a atuação criminal serve como um mecanismo de defesa. Ressaltam ainda, a presença de mecanismos acentuados pela oralidade, neste caso, estão relacionados à vingança pela negação oral. Em suma, serve como uma defesa patológica do ego deste indivíduo.

A psicanálise sempre se baseou teoricamente na idéia de conflito mental para descrever o significado de ambivalência, ou seja, sustentação de estados contraditórios de sentimento no relacionamento com determinado objeto. Freud (1915) descrevera bissexualidade do organismo humano, a dar origem tanto ao complexo edípico normal quanto ao invertido, com o resultado de que o amor e ódio podem ser sentido por ambos os genitores. Essa idéia foi gradativamente realçada pelo postulado da existência de uma dualidade pulsional descrito como libido e pulsão de morte.

Portanto, para Freud (1920) a descoberta dos instintos de vida ou libido (Eros) tem a finalidade de preservar a vida e manter a espécie, opondo-se aos objetivos do instinto destrutivo, os quais tendem a levar o organismo à morte, estas energias básicas que produzem os impulsos determinando o comportamento que se encontram no sistema inconsciente do sujeito, sendo ele o núcleo ativo da personalidade.

Para Winnicott (1994), a ambivalência será um estado que surge pela primeira vez no ego original não-cindido, em relação não com o objeto externo, mas com um objeto pré-ambivalente internalizado.

Já em 1916, Freud discutiu alguns aspectos relacionados aos mecanismos psicológicos do crime, concluindo que essas ações são cometidas para provocar alívio no sujeito. Ainda conceituou criminalidade como sendo uma forma de externalização de culpa oriunda de fontes inconscientes.

Com relação à fontes inconscientes, a partir do conceito Kleiniano de identificação projetiva e dos estudos sobre contratransferência na década de 50, mudou-se o enfoque a respeito deste termo, passando a contratransferência a ser encarada como um instrumento de compreensão do paciente através da totalidade de reações que este provoca.

Para Torres et al (1999), ciúmes também são reações provocadas, ou seja, é um conjunto de pensamentos, emoções e ações, desencadeado por alguma ameaça à estabilidade de um relacionamento, sendo dividida em 3 elementos: 1) ser uma reação frente a uma ameaça percebida; 2) haver um rival real ou imaginário; 3) a reação visa eliminar a perda do amor.

Klein (1957), escreveu um conceito sobre ciúmes referindo que, tal como na culpa, existe um espectro de afetos que parte da perseguição, passa por vários graus de intensidade de ciúme, sendo realçada por ela distinguindo da inveja primária como sendo uma invasão arbitrária que estraga o objeto bom, bem como a maneira pela qual contribui para a extremidade persecutória do ciúmes.

Esta angustia é descrita por Freud , tendo sua origem na cena primária, ou seja, Laplanche e Pontalis (1997, p. 62) definem como:

"Uma cena do relacionamento sexual entre os pais, observada ou suposta seguido determinados índices e fantasiada pela criança, que é geralmente interpretada por ela como um ato de violência por parte do pai".

Complementam sugerindo, que estas fantasias trazem uma resposta para o problema das origens.

3 METODOLOGIA

 

 

Este trabalho obedeceu uma metodologia do tipo qualitativo-exploratório, onde houve uma compreensão psicodinâmica acerca do funcionamento da personalidade do uxoricida, com base em estudos de casos e conseqüente análise dos dados provenientes de entrevistas semi-estruturadas. Através de um referencial teórico, seguido pelo entendimento psicanalítico, o estudo destes participantes averiguou as questões norteadoras que os envolveram na prática do delito.

Para tanto, foram entrevistados quatro participantes entre 24 e 62 anos de idade que praticaram a conduta descrita no art. 121 do Código Penal Brasileiro (homicídio). Tal amostra caracterizou-se de homicidas definidos como participantes, que, na condição de marido ou companheiro, consumaram a morte de sua mulher ou companheira, ato esse denominado uxoricídio. Para os fins deste trabalho, também foram considerados aquelas pessoas que praticam o delito, mesmo não estando formalmente na situação de casados, mas vivendo "more uxório", condição suficiente para que, do ponto de vista jurídico, sejam

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equiparados àqueles legalmente unidos, ou ainda, aqueles que mantenham um relacionamento afetivo-sexual.

Segundo Ludke e André (1986), a pesquisa semi-estruturada é baseada em questões norteadoras, desenvolvidas mediante um esquema básico, permitindo a captação imediata e corrente das informações desejadas, e, ainda, possibilita uma flexibilidade de adaptações para o aprofundamento de pontos levantados.

Para essa investigação, fez-se importante a prática de uma pesquisa do tipo exploratória, na qual se realizaram descrições precisas, com um planejamento flexível, sem a elaboração de hipóteses. Lakatos (1991) conceitua os estudos exploratórios da seguinte forma:

"(...) são investigações de pesquisa empírica cujo objetivo é a formulação de questões ou de um problema, com tripla finalidade: desenvolver hipóteses, aumentar a finalidade do pesquisador com um ambiente, fato ou fenômeno, para realização de uma pesquisa futura mais precisa ou modificar e clarificar conceitos" (Lakatos, 1991, p.188).

Nas idéias desse autor, a análise da literatura e a realização de entrevistas junto às pessoas que apresentam o problema, possibilitam uma formulação mais precisa das questões a serem abordadas acerca do tema.

Esta pesquisa, de cunho qualitativo, buscou a descrição dos dados coletados, tornando o pesquisador seu principal instrumento, visto que deve conhecer o significado que as pessoas dão à sua vida. Consequentemente a análise dos dados seguiu um processo indutivo, conforme o método de Bogdan e Biklen (1982).

4- PROCEDIMENTO

O trabalho foi realizado através da coleta dos dados de quatro internos do Presídio Central de Porto Alegre denominados de uxoricidas ou conjucidas. Estes foram submetidos a uma entrevista semi-estruturada (anexo), onde nortearam questões relacionadas ao perfil destes participantes. A análise foi elaborada de forma psicodinâmica conforme a teoria psicanalítica, dos conteúdos retirados das entrevistas que, por sua vez, apresentaram subsídios necessários para sustentar este estudo. Foi realizada uma exploração do modo de funcionamento da personalidade desses participantes, onde buscou-se a descrição dos dados coletados, através do estudo de casos com cunho qualitativo, cuja pesquisadora tornou-se o principal instrumento.

Acrescenta-se, nesta análise, aspectos contratransferenciais da entrevistadora que também contribuíram para o entendimento adotado, pois existe sempre uma ação subjetiva do pesquisador no objeto de sua investigação.

Salienta-se ainda que esta monografia foi norteada pelos princípios éticos de respeito e sigilo, visando sempre à proteção dos envolvidos na pesquisa, respeitando-se os dados que possam identificar os participantes.

5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

5. 1 Dados Objetivos dos Casos

As tabelas abaixo apresentadas referem-se a dados coletados através da aplicação de quatro entrevistas semi-estruturadas (anexo), onde as questões visaram o entendimento do funcionamento do indivíduo uxoricida. Desta forma, foram organizadas cinco tabelas divididas de acordo com a elaboração das perguntas, para facilitar a visualização da apresentação dos resultados.

5.1.1 Tabela 1 – Dados de Identificação

Na tabela a seguir compilam-se os dados de identificação dos quatro participantes como forma de facilitar a visualização. Dados referentes às perguntas 1 à 4.

 

 

 

   

CASO I

CASO II CASO III 

CASO IV

NOME

(iniciais)

   P. L.

 

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A . S. T. P. F. S.

 

IDADE

 

24 anos

 

62 anos

 

25 anos

 

59 anos

 

ESTADO CIVIL

(tempo)

 

"ajuntado"

2 a 4 m

 

casado

30 anos

 

"ajuntado"

9 anos

casado

(2º casam.)

24 anos

 

FILHOS

(quantos/idades na época do crime)

 

1 menina

1 mês

 

1 mulher

30 anos

2 homens

28 e 21 anos

 

1 menino

4 meses

 

1º casam: 5

2º casam: 3

(21, 14 e 10 anos)

 

ANTECEDENTE

CRIMINAL

 

registro de espancamento na esposa

 

 

nega

 

 

nega

registro de desrespeito

a um "brigadiano"

 

ATIVIDADE PROFISSIONAL/TEMPO

 

dono de uma firma de segurança

(+ ou – 5 anos)

 

aposentado

(1 ano)

 

aux. técnico em telefonia

(3 anos)

 

carpinteiro

(não informa o tempo)

5.1.2 Tabela 2 – Relacionamento Conjugal com a Vítima

Na tabela abaixo referem-se aos dados relacionados à forma de relacionamento que o uxoricida mantinha com sua vítima. Dados provenientes das perguntas 5 e 6.

 

CASO I

CASO II CASO III 

CASO IV

 

DESENTENDI-MENTO

 

Sim

 

Sim

 

Sim

(com amante)

 

Sim

 

TIPO

 

discussões, bate-boca

 

discussões

 

discussões

 

"retrucava"

         

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FREQÜÊNCIA seguido, quase todos os dias

as vezes muito todos os dias

 

MOTIVO

 

"por qualquer coisinha"

 

filhos

 

para separar-se da esposa

 

bebida

 

 

AGRESSÕES

FÍSICAS

 

Sim

afirma "tapas"

(há suspeita de hematomas e fraturas)

 

 

Nega

 

 

Nega

 

Sim

referiu apenas 1 episódio

 

 

 

5.1.3 Tabela 3 – Dados Relacionados ao Delito

 

A seguir, na tabela abaixo, constam os dados referentes a confirmação, motivo, circunstâncias e a forma de como os participantes praticaram o delito, assim como, os sentimentos despertados pelo que ocorreu e atual situação jurídica. Estes referem-se às respostas obtidas nas perguntas 7 à 11.

 

 

 

   

CASO I

CASO II CASO III 

CASO IV

 

CONFIRMAÇÃO DO HOMICÍDIO

 

justifica

"foi um acidente"

 

não confirma

(réu não confesso)

justifica

"foi baleada por acidente"

 

justifica

"não foi por querer (...)"

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MOTIVO

 

estava magoado devido a insultos e mentiras

 

 

(...)

 

para se defender "de um monte de caras"

 

para se defender de "coices" de um outro

homem

 

HÁ QUANTO TEMPO OCORREU

 

1 mês

 

6 anos

 

1a e 5m

 

3 meses

 

COMO PRATICOU O DELITO

 

 

faca

 

 

faca

(outro homem utilizou)

 

 

arma de

fogo

 

 

arma de

fogo

 

JULGADO/ CONDENADO/ HÁ QUANTO TEMPO

 

1ª audiência será no dia

7/1/2001

 

condenado há 18 anos (recorreu, cumprirá 15

a)

 

condenado há 11 anos (está recorrendo)

 

aguarda julgamento

(está preso + ou – 80 dias)

 

SENTIMENTO PELO QUE OCORREU

 

impotência

gr. vazio

sentim. perda

 

refere não se conformar

(chora)

 

"chateado"

 

deseja morrer

(chora)

 

 

 

5.1.4 Tabela 4 – Distúrbios Psicológicos ou Emocionais

 

A tabela abaixo refere-se a dados referentes a uso de bebida alcóolica ou drogas, assim como, questões relacionados a problemas de ordem psicológica ou emocional. Dados referente às perguntas 12 à 14.

 

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CASO I

CASO II CASO III 

CASO IV

 

 

USO DE ÁLCOOL OU DROGAS

 

Sim

(cigarro, bebida alcóolica somente fins-de-semana)

 

Sim

(cerveja socialmente nos fins-de-semana)

 

Sim

(cerveja somente fins-de-semana)

 

Sim

(bebida alcóolica e cigarro todos os dias)

 

PROBLEMAS PSICOLÓGICOS OU

EMOCIONAIS

 

 

Nega

 

 

Nega

(realizou aval. no IPF)

 

 

Nega

 

 

Sim

QUAL

PROBLEMA___ ___ ___

com

álcool

5.1.5 Tabela 5 – Padrão de Relacionamento

Na tabela a seguir compilam-se os dados de identificação dos quatro participantes como forma de facilitar a visualização dos dados referentes às perguntas 1 à 4.

 

   

CASO I

CASO II CASO III 

CASO IV

COMO CLASSIFICA REL. COM VIZINHOS,

COLEGAS(...)

 

não se envolve,

discutia com amigas da esposa

 

muito

bom

 

bom,

considera-se extrovertido

 

muito

bom

 

COMO CLASSIFICA REL. COM OS PAIS

normal

(saiu de casa para ser independente aos 16

anos de idade)

muito bom

(saiu de casa para trabalhar)

ótimo

(sua mãe faleceu de câncer no útero

quando ainda era bebê)

bom

(pai alcoolista, seus pais se opõem ao seu

1º casamento)

5.2 Dados Subjetivos dos Casos

A seguir, os casos estão organizados conforme os sentimentos contratransferenciais despertados pela entrevistadora no momento da aplicação das entrevistas. Também encontram-se um entendimento psicanalítico das cenas do íntimo de cada um dos participantes, que, com o ato uxoricida, constituíram o seu teatro, cenário interno e externo de suas existências. Esses casos são discutidos separadamente como seguem abaixo:

 

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5.2.1 Caso I

 

Nome (iniciais): A . S.

Idade: 24 anos

Estado civil: "ajuntado"

No. filhos: 1

Antecedente criminal: registro de espancamento

Atividade exercida: dono de firma de segurança

 

Sentimentos Contratransferenciais

 

Este entrevistado apresentava-se adequadamente vestido, e com boa higiene corporal. Inicialmente verbalizava poucas palavras mantendo sua cabeça baixa. No decorrer de suas respostas mostrava-se na posição de vítima, sentindo-se "enganado" por sua esposa ao declarar que não tinha conhecimento de que a mesma era usuária de drogas injetáveis e portadora do vírus da AIDS.

Da mesma forma, refere, posteriormente, que quando sair da prisão deseja "ajudar" outras pessoas com a mesma dificuldade que sua companheira, mais uma vez se colocando em posição de vítima, de "marido enganado/traído despertando na entrevistadora, sentimentos de rejeição às informações que, de certa forma, se pareciam fantasiosas, pois, no decorrer das perguntas, enfatizava aspectos "chocantes" da cena do crime, assim como, de seu relacionamento conjugal, caracterizando, uma necessidade de impressionar a entrevistadora.

Ao seu final, questiona da possibilidade de haver outras perguntas neste questionário. Neste momento, enfatiza-se, novamente, o contrato de sigilo, e que estas informações são suficientes para a pesquisa, e caso sinta necessidade de relatar mais alguma questão reforço a importância de procurar o serviço de psicologia do presídio. No mesmo instante, a psicóloga do local se aproxima da sala, o que causa a entrevistadora grande alívio devido ao desconforto de querer intimidar com suas palavras.

Psicodinâmica

Com base na informações coletadas da entrevista, unida aos sentimentos contratransferenciais da entrevistadora, pode-se questionar psicodinâmicamente o discurso deste homicida. Na pena relacional ele incorpora a figura de "o marido ideal", "certinho", posicionando-se como vítima de sua esposa assassinada, uma vez que ela possuía uma vida promíscua e inconseqüente, pois saía com outros homens para comprar drogas. Da mesma forma, relata, ainda, episódios de condutas masoquistas relacionados à auto-agressão, o que poderia lhe comprometer diante das denúncias previamente realizadas por ela.

Da mesma forma em que não se compromete com a idéia de se um crime intencional, pode-se remete-lo a um padrão de funcionamento referente a este tema, ou seja, ele não se responsabiliza por seus atos; "foge" deles, assim como fugiu de uma figura de autoridade ("brigadiano") em episódios anteriores. Um policial representa a lei, a ordem; a proteção, aquilo que o ameaça. Representa a figura do pai. Da mesma forma como ocorre o crime, revive a cena primária matando sua esposa, que ameaça sua integridade moral, ele o faz com uma faca, ou seja, com um objeto fálico.

Outro aspecto importante a ser considerado, refere-se a sua atividade profissional, ou seja, ele é dono de uma firma de segurança, incorporando, assim, o papel de "defensor", para a elaboração do seu conflito latente.

Pode-se perceber, em seu relato, contradições nas informações, ou seja, ele afirma que sua esposa discutia muito com ele, e que apenas se comportava de forma passiva, ficando quieto. Por outro lado, refere, logo a seguir, que, quando se irritava, "dava uns 2 ou 3 tapas" na vítima. Assim, deduz-se que o relacionamento conjugal caracterizava-se de forma violenta. A agressão não era estranha à relação, como num primeiro momento ele tenta passar.

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Estes dados apenas corroboram a impressão transmitida à entrevistadora, ou seja, inicialmente, suas respostas ao questionário não se pareciam reais, onde pode-se formular um entendimento no sentido de ser a utilização de mecanismos para se defender, previamente, em relação ao ato que consumou. Tais aspectos só nos faz pensar na distância existente entre seu comportamento real e o apresentado no transcorrer da entrevista. Esses aspectos apontam o caráter fantasioso, reconhecido como um ideal, para justificar-se internamente diante dos sentimentos de culpa evocados pelo crime, se é que isso é realmente autêntico e verdadeiro. Este sentimento apresenta-se de forma racionalizada.

Quando refere que, ao sair da prisão, deseja ajudar outras pessoas, com o mesmo problema que sua esposa, sugere mecanismos de racionalização, cujas bases não se pode afirmar que sejam compatíveis. Em resumo, uma tríade, amor, culpa e reparação, onde esses vértices são referidos, mas nunca se poderá saber, ao certo, sobre sua autenticidade.

5.2.2 Caso II

 

Nome (iniciais): T. P.

Idade: 62 anos

Estado civil: casado

No. filhos: 3

Antecedente criminal: nega

Atividade exercida: aposentado

Sentimentos Contratransferenciais

 

Este participante comporta-se adequadamente no transcorrer de toda a entrevista. Mostra-se disponível para responder todas as questões, porém, dispersando-se em alguns momentos, pois costumava ilustrar cada detalhe que o remetia a um passado "aparentemente normal". Diante deste impasse, havia constantemente a necessidade de centrá-lo nas questões perguntadas, pois não poderia ficar muito tempo com cada interno deste estabelecimento, e consequentemente deveria "obedecer" ao protocolo de perguntas.

Quando relata a cena do crime, mostra-se emocionado, chorando, o que pode ser capaz de sensibilizar, pois aparenta muita tristeza relacionado ao que ocorreu, transparecendo um grande, mas talvez aparente, sentimento de culpa e arrependimento. Porém, quando afirma não ter praticado o delito contra sua esposa, faz a entrevistadora, pela via da "contratrasferência", sentir-se "traída" por seu discurso, o qual não parece verdadeiro, pelo contrário, traz uma conotação falsa, uma vez não mais acreditar em sua declaração, transformada especialmente, diante do fato de já ter sido julgado e condenado como um homicida.

Psicodinâmica

De acordo com seu relato, entende-se que a negação de ter praticado este delito serve como uma defesa "psicótica" perante a culpa do ato homicida. Parece que este recurso serviu como justificativa para explicar a manifestação do impulso, assim como a insistência de ilustrar todas as perguntas, como se fosse necessário repetir e detalhar para tornar-se real toda sua fantasia referente ao que lhe representava a cena do crime. O entrevistado, pode-se dizer, é centrífugo em relação ao crime. Foge dele constantemente e o faz através de detalhes, aparentemente místico, mas que não contribuem para a entrevista.

No decorrer do questionário refere "que um outro homem matara sua esposa", ou seja, como se este homem, fosse uma latente parte obscura que até então não tivera contato ou simplesmente negara.

Quando menciona a "luta corporal" para se defender, pode-se relacionar tal recurso a uma ambivalência no controle de seus instintos de vida e morte, como se fosse necessário matar para viver, na tentativa de resolver tensões conflituosas arcaicas relacionada à situação edípica, onde ocorre um forte processo de identificação com a figura do pai e o desejo incestuoso por sua mãe. Porém, no momento em que atacasse o objeto com quem se identifica, estaria matando a si mesmo, ou seja, o "homem" ( "seu pai ") que se encontrava em sua casa e sobre uma mulher, o faz fantasiar o ato sexual, revivendo o processo primário. Neste momento, completa-se a triangulação, onde uma terceira pessoa estava envolvida neste relacionamento tão primitivo.

Acredita-se que o mecanismo de negar ter assassinado sua esposa elimina o desejo incestuoso de querer a mãe, relacionando-se, assim, ao processo de castração, aspecto pelo qual admite sua condenação (no presídio).

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Diante disso, entende-se a relação existente entre o local e a arma do crime, pois o assassinato ocorreu na mesma cidade em que nascera, e a arma utilizada foi uma faca, cenário perfeito para se reeditar a situação edípica favorecida também por um objeto fálico.

 

5.2.3 Caso III

Nome (iniciais): P. L.

Idade: 25 anos

Estado civil: "ajuntado"

No. filhos: 1

Antecedente criminal: nega

Atividade exercida: auxiliar técnico em telefonia

Sentimentos Contratransferenciais

Inicialmente, a entrevistadora sentia-se confusa com sua história, pois a idade de sua filha e tempo de permanência na prisão não coincidiam com a lógica, havendo a necessidade de afirmar que o crime cometido foi contra sua amante, tornando-se, assim, secundária sua relação com a esposa nesta amostra.

A entrevistada mostra-se, ao longo da entrevista, vítima do "amor insaciável" daquela mulher, pois, ele encontrava-se diante da necessidade de cumprir seu "papel de homem", e ao mesmo tempo escravo do desejo, que referia como não correspondido. Tal sujeito comporta-se diante da entrevistadora com condutas narcisistas e histéricas no sentido de que deveria ser "bajulado", mesmo afirmando não querer, tornando-se, assim, passivo nesta relação e sem aparente satisfação, da mesma forma como conduziu esta história, de maneira distanciada e inabalável diante do crime que cometera.

Psicodinâmica

Entende-se deste caso, a falta de comprometimento deste indivíduo nas suas relações, pois não se encontrava formalmente casado com sua esposa, tão pouco afetivamente vinculado com sua amante. Esses fatores tornam previsível ter se justificado diante do crime.

Com relação ao ciúmes de sua amante, esse aspecto apenas fortalecia seu narcisismo e a convicção de que a possuía, alimentando, assim, sua vaidade, indo ao encontro da rivalidade de um homem que a desejava mas não a tinha. Confirma-se, então, a triangulação.

Diante deste conflito, a luta pela sobrevivência revigora seu sentimento de desapego pelo ocorrido, retratando o perfil de sua personalidade que corrobora a impressão contratransferencial de que não necessita do outro. Este impasse pode ser entendido à luz da falta de vinculação mãe-bebê que se estabelece, precocemente, nas relações objetais. Entretanto, o fato de sua mãe estar enferma durante sua gestação com câncer no útero, serve de alimento às fantasias da falta de proteção e à necessidade de sobreviver sozinho, uma vez que não suportou suas ansiedades catastróficas e de aniquilação, após seu nascimento.

Com tais vivências, o abandono de sua mãe transporta-se novamente à falta de proteção contra os perigos externos, como ocorreu durante a cena do crime, pois sua amante fora atingida por um tiro, ou seja, também não foi capaz de sobreviver, chegando, assim, ao óbito, consumando-se a falha no afeto quando refere apenas ter ficado "chateado" com o que ocorreu, mascarando, novamente, a culpa de "ter matado sua mãe".

5.2.4 Caso IV

Nome (iniciais): F. S.

Idade: 59 anos

Estado civil: casado

No. filhos: 8

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Antecedente criminal: registro de desrespeito a um policial

Atividade exercida: carpinteiro

Sentimentos Contratransferenciais

 

Este participante despertou na entrevistadora, desde o primeiro momento, sentimentos de compaixão. Vestia-se de forma humilde, apenas com bermudas, camiseta e chinelos. Apresentava-se com um caminhar "cabisbaixo" e com um ar sofrido.

Parecia não entender seu destino. Uma sensação de um homem sem rumo e sem presumo.

Esta "impressão" mobilizou a entrevistadora a pensar de que ele não pertenceria àquela realidade, pois diante de suas verbalizações referia-se a outro contexto social. Respondia prontamente a todas as questões, relatava "fumar cigarro de palha" e utilizava termos de forma "rústica", tais como "retrucar e coices", vocabulário típico da comunidade interiorana.

É importante acrescentar que não somente seu aspecto físico foi capaz de despertar esse sentimento, mas também, o entendimento do ciclo patológico que se instaurou no seu núcleo familiar, onde a presença marcante do pai alcoolista se vigorava de forma autoritária.

Este "padrão de funcionamento", pode-se supor, comprometia-o. Alcoolista assumido, com sucessivas internações para tratamento, sem aparente sucesso, reforçava o paradoxo existente entre força autoritária, como seu pai, e de fraqueza diante da bebida. Estímulo reforçado por sua esposa para torná-lo ainda mais impotente. Uma forma de compulsão à repetição; um eterno retorno.

A dinâmica do alcoolismo familiar repetiu-se nas outras gerações, causando grande sofrimentos e deterioração moral e intelectual ao entrevistado. Um destino que o remete a cumprir uma pena durante toda a vida, ou seja, agora de caráter criminal, e por ser alcoolista também. Ambos degradantes a quem "sofre para sempre".

Psicodinâmica

Acredita-se que este indivíduo se concentra residindo em dois pólos psicodinâmicos para o entendimento de seu ato delitivo. Em primeiro lugar, deve-se considerar o fracasso que resultou ao desafiar a figura de seu pai, quando tende ir contra sua vontade, sair de casa para se casar. Neste momento, rompeu com paradigmas familiares, onde este representava uma figura de autoridade, acarretando "punição" a esta ousadia, ao flagrar sua esposa com outro homem em sua cama. Reviveu a sua maneira, a cena primária.

 

Outro aspecto que está intimamente relacionado ao delito, refere-se ao uso de bebida alcoólica. Assim como seu pai, este sujeito diretamente se identifica com aquela figura, punindo-se ao agredir todos aqueles que possam representá-lo, como no caso do desrespeito a um policial.

O rompimento de paradigmas relaciona-se com sua conduta delitiva, no sentido de também mostrar-se "contra", ao assassinar sua esposa. Neste momento, a presença de um terceiro elemento representa novamente a reedição do complexo edipiano, onde a luta corporal o faz reviver a traição de sua primeira esposa e consequentemente a cena primária. Da mesma forma, a maneira como sua mulher se coloca diante da consumação de tal ato, não sendo capaz de impedi-lo, sofrendo tal punição.

6 DISCUSSÃO

"Não é possível julgar um delito sem compreendê-lo, mas para isso é preciso não só conhecer os antecedentes da situação, mas também o valor de todos os fatores determinantes da reação pessoal que antes estudamos" (Mira y Lopez, 1945, p. 103).

As entrevistas realizadas ilustram dados biográficos de indivíduos uxoricidas. Desta forma, pretende-se aqui discuti-los com base nos referenciais teóricos apresentados, a fim de um melhor entendimento acerca do funcionamento psicológico dos Amores que Matam.

Inicia-se esta discussão a partir do entendimento teórico desta dinâmica, onde, aos poucos, iremos aliar aos casos apresentados.

Salienta-se que este discutível tema nos faz pensar no famoso ditado: "Os fins justificam os seus meios". Será? Percebe-se que todos os entrevistados manifestaram certo grau de "culpa" pelo ocorrido em suas verbalizações, mas cabe apontar que esta culpa encontra-se como seu motivo, ou seja, o crime surgiu da culpa, como refere Freud (1916). Nos deparamos, aqui, com

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uma primeira questão contraditória, também relacionada à dinâmica deste homicida, que posteriormente iremos abordar.

Retomando às questões relacionadas ao sentimento de culpa, cabe enfatizar que sua origem provém do complexo edípico, onde há um desejo em matar o pai e ter relações sexuais com a mãe, um duplo "crime" ocorre nesta instância, sendo corroborado pela triangulação durante a cena do crime, ou seja, a presença de um terceiro elemento verbalizado como presente durante o homicídio. Assim, acarretando a necessidade da indução à punição ou condenação, para alivio desta tensão.

Diante disto, o indivíduo necessita de mecanismos para defender seu ego, assim, devido a severidade e exigência do superego, estará mais suscetível a se aproximar dos níveis inconscientes de culpa e paranóia, utilizando-se da consumação do ato homicida para defesa contra ansiedades psicóticas. Como Boechat (1982) refere: "mata para não psicotisar", ou seja, "destrói para não destruir a si mesmo", como aponta Freud (1915). Com esta atitude, consequentemente o levará à punição, seja no âmbito moral ou penal.

Outro mecanismo utilizado para seu alívio, se refere à identificação projetiva, como aponta Amaral Dias (1990), pois deposita no outro para desconhecer o que é seu.

Com relação a este aspecto, tornam-se nítidas evidências relacionadas aos mecanismos de projeção utilizados pelos participantes. No primeiro caso, nota-se seu posicionamento como "marido ideal e certinho", referindo que sua esposa que apresentava condutas masoquistas e de auto-agressão. Da mesma forma como se relaciona as condutas deste indivíduo, quando utiliza-se da reparação ao verbalizar que deseja ajudar outras pessoas com a mesma dificuldade que sua esposa. Vale lembrar, que anteriormente, de modo "inconsciente" sua atividade profissional estava ligada a esta reparação, ou seja, tinha uma firma de segurança, porém encontramos episódios em que "fugiu de policiais", papel representativo da figura do pai.

O pai assume uma postura de diferenciador do vínculo mãe-filho, sendo o pai o resultado de acesso à ordem simbólica e que faz o indivíduo ingressar no mundo da cultura pela penalização da cena edípica, como referiu Trindade (1998), ressaltando ainda, que a lei é do parentesco, e da proibição do incesto.

O pai é um representante da lei. Como esta figura não encontrava-se internalizada, necessitou consumar o delito para ser punido e "buscar" o que não possuía dentro de si. Não estando elaboradas estas questões, o alívio das tensões somente ocorre com a atuação do homicídio.

Pois o superego, enquanto instância moral, reedita a severidade paterna, e na ausência ou fraqueza do pai, implicará na formação de um superego indulgente, ou retaliador e tirânico.

Da mesma forma, pode-se contextualizar os outros casos, uma vez que todos os participantes não mencionaram muitos dados a respeito do relacionamento com seus pais, o que podemos pressupor, como falta de questões significativas acerca deste tema que os fizessem recordar tais vivências, por não pareceram prazerosas, ou seja, acredita-se ter supostamente sofrido o rechaço paterno e déficit no relacionamento afetivo com a mãe, como sendo de suma importância para o desenvolvimento sócio-afetivo do indivíduo.

Porém, apesar de todos afirmaram de forma positiva e restritiva as verbalizações a respeito da figura parental, pode-se perceber através das investigações provenientes das entrevistas, que serve como um mecanismo de negação a esta realidade. Salienta-se, por exemplo, que o participante identificado como caso IV mencionou pai alcoolista, e da mesma forma este também encontrava-se em tal condição, corroborando para a teoria da compulsão à repetição.

Pode-se ilustrar também, que no caso III, houve a privação da figura materna, uma vez que esta falecera de câncer no útero logo após o nascimento deste participante. O que faz pensar que desde sua concepção, encontrava-se envolto de um útero enfermo, servindo de alimento às fantasias de falta de proteção, ou seja, o seio materno não mostra-se como gratificante. como aponta Trindade (1999).

A dinâmica do uxoricídio está intimamente relacionada à do matricidio, uma vez que encontram-se ligados à conflitos primitivos da etapa oral do desenvolvimento, perda do objeto, projetando, assim, na figura da mãe. Devido esta "negação oral", Keiser referiu à necessidade de atuar esta vingança, sendo ela na conduta violenta como um desejo de identificar a esposa com a mãe, idéia apontada por Jimenez Asúa (1947).

Nesta tentativa de reencontrar a mãe, o uxoricida vislumbra a cena primária para este resgate. Uma importante evidência deste quadro podemos nos remeter ao caso II, onde o réu, ao negar o crime, refere entrar em luta corporal com um outro homem que supostamente refere ser o assassino de sua esposa. Podemos considerar que esta cena parece-nos o ato sexual entre os pais sendo visualizada pela criança diante das circunstâncias do crime. Importante considerar o que Winnicott (1987) aponta como sendo agressão, definindo como um sintoma de medo. Tal qual que este caso encontra-se conflituado com a cena, e confirma o desejo incestuoso de matar o pai (agride o "assassino" da esposa) para ficar com a mãe. Tanto é seu medo que se defende negando a acusação de que matara sua esposa. Esta agressão ainda é confirmada pelo objeto fálico representado pela faca, objeto do crime.

Todos estes sentimentos conflitantes são devidos à exigência do superego que, tendo de se defender da perda do objeto amado, sente-se fragilizado. Como Fenichel (1997) diz: "Ego abandonado é ego fraco".

Finalmente, o sentimento inconsciente de culpa, como o motivo do delito, apontado por Freud (1916), encontra-se nítido na dinâmica de todos os casos, servindo-se, assim, o crime como uma forma de alívio das ansiedades destes indivíduos,

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representando irrisória a condenação social frente ao pior que poderia ter representado diante da punição feita pelo superego frente às fantasias inconscientes.

Porém, discute-se, aqui conforme Klein, que tanto o desenvolvimento de um comportamento criminoso quanto a psicose, provém de um mesmo vértice, o medo do superego devido a uma grande culpa originário no complexo de édipo. Assim, as raízes psicológicas podem desenvolver-se para a paranóia ou para a criminalidade. Certos fatores tenderão, no criminoso, a uma maior tendência a suprir fantasias inconscientes e a fazê-las atuar na realidade. Fantasias de perseguição são comuns em ambas as condições, pois o delinqüente se sente perseguido, tratando de destruir os outros.

Assim, retoma-se a pergunta inicial: podemos estimar sim que os fins explicam os seu meios, porém nossa proposta não está em justificá-los, apenas discuti-los.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho não se buscou conclusões acerca dos casos apresentados, mas, pretendeu-se, tão somente, gerar um estudo exploratório da amostra coletada. Os entendimentos psicodinâmicos foram aplicados com base no referencial teórico e conforme as entrevistas realizadas, sendo importante frisar que as questões levantadas têm validade apenas para os casos estudados, mas parece existir aspectos paralelos relevantes.

Pode-se, referir, portanto, que a partir da análise das entrevistas e da própria expressão dos participantes, notou-se que todos eles viveram numa cena do seu íntimo que se organizou a partir de um superego rígido e arcaico, onde a culpa desempenhou, juntamente com outros fatores, um motivo racionalizado para a conduta uxoricida.

Instintos arcaicos, com certeza, que, se forem perscrutados mais a fundo, falarão de um teatro primitivo onde a lei que se inscreveu é do tipo taliônica e punitiva, "olho por olho, dente por dente".

Desta forma, pôde-se estimar que este trabalho atingiu seu objetivo, contribuindo para o aprofundamento dos conhecimentos acerca da personalidade do uxoricida, um assunto complexo e que, por certo, passa e perpassa pelo dito de Garma, citado por Trindade (1998): "Cada um ama , mas também agride o seu próximo como a si mesmo".

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ANEXOS

QUESTIONÁRIO:

Este questionário consiste de 16 perguntas abertas, que serão lidas pelo entrevistador mediante o esclarecimentos de todas as dúvidas surgidas no decorrer deste processo.

Salienta-se que a amostra somente será utilizada para fins científicos e de pesquisa, não possuindo nenhum caráter jurídico que possa comprometer o entrevistado, tais como informar processos ou quaisquer outros. Ademais, todas as informações estão protegidas pelo sigilo.

Caso I:

Nome (iniciais): A . S.

Idade: 24 anos

1- Qual era seu estado civil antes de ser encaminhado para o Presidio Central? (se casado, quanto tempo)

R-Eu era "ajuntado", já fazia 2 anos e 4 meses que estávamos morando juntos.

2- Você tinha filhos? Quantos? Que idades?

R-Tenho uma menina. Na época ela tinha um mês de idade.

3- Você tem algum outro tipo de antecedente criminal?

R- Só fui "fichado", mas "não deu nada", é que umas amigas da minha mulher chamou uma vez a "brigada" dizendo que eu estava ameaçando ela. Eu fiquei apavorado na hora, até tentei fugir mas me pegaram. Mas depois, na frente do juiz, ela tirou a queixa e ficou assim.

4- Nesta época você trabalhava, ou exercia algum tipo de atividade?

R- Eu tenho uma firma minha de segurança já faz mais ou menos 5 anos, até tive problema aqui porque preso não gosta de segurança e quando descobriram me pegaram (seu rosto está todo inchado). Até já tomei um tiro uma vez trabalhando, foi na cabeça.

5- Você e sua esposa/companheira se desentendiam? Com que freqüência? Por quê?

R - Ela discutia muito comigo, cobrava minha presença em casa, mas eu tinha que trabalhar, eu ficava quieto, ela que brigava,

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bate-boca, era bem seguido quase todos os dias, por qualquer "coisinha

6- Alguma vez vocês trocaram agressões físicas?

R- Não, só que ela queria que eu fosse buscar droga prá ela e eu não buscava. Ela queria tudo: cocaína, maconha, e bebia muito também. Isso me irritava, aí eu dava uns 2 ou 3 tapas nela com o tempo foi aumentando porque ela fazia tudo pá consegui a droga Com 3 meses de gravidez ela taba bem "sadia" e registrou ocorrência de que eu tinha agredido ela, só que ela se batia prá ficar com marcas e depois com 7 meses de gravidez ela caiu e quebrou o braço, e denunciou que eu que tinha quebrado, inclusive uma vez ela me fez uma proposta de transar com as amigas dela, porque elas que forneciam prá minha mulher. E eu fiquei sabendo que a mãe dessas amigas dela gerenciava as meninas, mas que ela tinha que continuar fazendo programa porque ameaçavam ela de mostrar as fitas gravadas para a família. Ela começou a me irritar me chamou de "trouxa" e que saia com outros homens prá comprar droga. Isso foi quando ela ficou sabendo que eu não tinha o vírus HIV, porque quando a menina (filha) nasceu ela "tava" com HIV e o médico nos chamou prá avisar, e ela não me falava nada, só disse que sabia que tinha e que fazia bastante tempo. Só aí que eu fiquei sabendo que ela usava drogas injetáveis. Fiquei desesperado. Fui fazer o exame que deu negativo, graças a Deus prá mim.

7- Você matou sua esposa/companheira?

R- Foi um acidente.

8- Quando isso aconteceu?

R- Já faz 1 mês. Nesse dia eu estava magoado com ela por causa disso tudo. O meu problema é que eu sempre fui certinho. Ela tentou transar comigo, queria que eu pegasse o vírus, mas eu neguei. Nesse dia eu vi que ela tinha marcas de seringa nos pés e na virilha. Aí eu fui fazer o leite da neném, e ela veio atrás de mim sempre tentando transar comigo, e eu neguei de novo. Estava muito magoado. Aí ela se irritou e jogou o leite na minha cara saiu prá rua pegou um pedaço de pau e começou a quebrar todos os vidros do carro, pegou uma faca e furou os pneus também.

9- Como você praticou este delito? Com arma de fogo, faca, (...).

R- Depois que ela furou os pneus ela veio com a faca prá cima de mim e pegou nas minhas costas (ele mostra a cicatriz). Tentei tirar a faca dela a gente estava lutando aí a faca escorregou e ela caiu em cima da faca. Saí pela janela prá tentar ligar e pedir ajuda, porque ela tinha trancado a porta de entrada da casa e escondido a chave. Voltei e ela estava no quarto, eu só pedia prá ela me dar a chave da casa, ela não falava, saí de novo já que eu estava sem carro e, quando vi, a brigada estava chegando. Tentei despistar. Falei que era só uma briguinha de marido e mulher, fiquei com medo, porque eles não iam acreditar em mim, até porque ela tava toda marcada no corpo iam pensar que eu que tinha batido nela, mas eles entraram e já foram me prendendo, e eu dizia que tinham que socorrer ela, só que demoraram muito e me levaram prá delegacia, tentaram me enrolar dizendo que ela não tinha resistido no hospital, mas eu sei que ela morreu em casa porque não chegaram a tempo.

10- Você foi julgado? E condenado? Quantos anos?

R- Minha primeira audiência será no dia 7/1

11- Você sente algum tipo de sentimento pelo que ocorreu? (remorso/tristeza...)

R- Sinto muito de não ter conseguido ajudar ela. Quero ajudar outras pessoas que usam drogas quando eu sair daqui. Tentei levar ela no psiquiatra que marquei no postão mas ela não queria saber Eu sinto um grande vazio, um grande sentimento de perda.

12- Você ingeria bebida alcóolica ou algum outro tipo de substância ilícita?

R- Eu fumo cigarro, cerveja só nos fins-de-semana, mas umas 3 garrafas junto com outra pessoa. E whisky umas 2 ou 3 doses mas só em eventos.

13- Você tinha algum tipo de problema psicológico na época do fato?

R- Não nunca tive nada nem tomei nenhum tipo de remédio só prá asma que já curei.

14- Que tipo de problema?

R- Nega qualquer tipo de problemas psicológicos ou emocionais.

15- Como era seu relacionamento com vizinhos, colegas de trabalho (...)?

R- Não me envolvo na vida de ninguém, nem falo da vida dos outros. Só as vezes eu discutia com as amigas da minha esposa

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porque elas que forneciam drogas prá ela.

16- Como era seu relacionamento com seus pais?

R- Normal, eu vivi com eles até os 16 anos. Saí de casa porque tinha arranjado um emprego e queria ser independente. Eu tenho 2 irmãos e 2 irmãs.

Muito obrigado por sua colaboração.

QUESTIONÁRIO:

Este questionário consiste de 16 perguntas abertas, que serão lidas pelo entrevistador mediante o esclarecimentos de todas as dúvidas surgidas no decorrer deste processo.

Salienta-se que a amostra somente será utilizada para fins científicos e de pesquisa, não possuindo nenhum caráter jurídico que possa comprometer o entrevistado, tais como informar processos ou quaisquer outros. Ademais, todas as informações estão protegidas pelo sigilo.

Caso II:

Nome (iniciais): T. P.

Idade: 62 anos

1- Qual era seu estado civil antes de ser encaminhado para o Presidio Central? (se casado, quanto tempo)

R- Eu era casado no papel e fazia 30 anos.

2- Você tinha filhos? Quantos? Que idades?

R- Tenho 3 filhos, 2 homens e 1 mulher, a menina era a mais velha ela estava com 30 anos, e os meninos um tinha 28 e o outro 21 anos.

3- Você tem algum outro tipo de antecedente criminal?

R- Nunca, não tenho nada, nada.

4- Nesta época você trabalhava, ou exercia algum tipo de atividade?

R- Eu trabalhava na organização do laboratório da UFRGS, e em 1993 eu me aposentei. Minha esposa trabalhava em serviços gerais.

5- Você e sua esposa/companheira se desentendiam? Com que freqüência? Por quê?

R- Classifico como ótimo meu casamento, prá uma pessoa ficar casada 30 anos tem que ser bom. As vezes nós discutíamos por causa dos filhos, que andavam com más companhias, o filho mais moço se envolveu com drogas, uma vez ele chegou em casa com os olhos vermelhos. Mas era normal nosso casamento.

6- Alguma vez vocês trocaram agressões físicas?

R- Nunca, era só algumas discussõeszinhas por causa dos filhos, ela defendia eles.

7- Você matou sua esposa/companheira?

R- Não, eu não sou réu confesso, mas se estou aqui vou até o fim, não acreditaram em mim. Eu recebo visitas e tudo. Não fui eu quem matou ela.

8- Quando isso aconteceu?

R- Foi em agosto de 1994, nós tínhamos uma casa em Itapuã, como eu estava aposentado eu ficava lá, e a minha esposa ia na Sexta-feira à noite pois ela ainda trabalhava. Nesse dia ela chegou e me comentou que um homem tinha seguido ela desde a parada do ônibus que fica mais ou menos uns 100 metros da casa, mas ela foi fazer o jantar e eu fui lá prá fora numa obra que estávamos fazendo, e fui no banheiro, 20 minutos depois ouvi uns gritos e fui ver o que era que estava acontecendo dentro de

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casa, e entrei "em luta corporal" com um homem que tinha agredido minha mulher com uma faca, ele me acertou também (mostra uma cicatriz), só que o homem conseguiu fugir, e eu fui ver a minha mulher e ela estava estirada no chão da garagem, só que eu acabei desmaiando, e eu acordei depois só no hospital, os meus irmãos que me levaram pois um vizinho bateu na porta da nossa e casa chamou eles. Eu não sei bem como foi, não me lembro.

9- Como você praticou este delito? Com arma de fogo, faca, (...).

R- Não fui eu, foi esse homem que nunca acharam, ele que matou minha mulher com uma faca.

10- Você foi julgado? E condenado? Quantos anos?

R- Saí do hospital e fiquei no nosso apartamento aqui na Tristeza em Porto Alegre, respondi o processo em liberdade, mas em julho de 1999 fui condenado a 18 anos de prisão. Meu advogado recorreu e baixou pá 15 anos, mas estou quase cumprindo 1/6 da pena.

11-Você sente algum tipo de sentimento pelo que ocorreu? (remorso/tristeza...)

R- Não consigo me conformar (começa a chorar), no depoimento meus filhos disseram que eu e minha esposa tínhamos briguinhas rotineiras, mas não era bem assim, era normal, briguinha de casal.

12- Você ingeria bebida alcóolica ou algum outro tipo de substância ilícita?

R- Bebia socialmente só uma cervejinha as vezes no fim-de-semana. Minha mulher que bebia de tudo, dizem que no dia da morte dela ela bebeu pois encontraram uma garrafa de whisky do lado dela.

13- Você tinha algum tipo de problema psicológico na época do fato?

R- Não nunca tive nada nem tomei remédio. Fiz até avaliação na época (no Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso) e não deu nada.

14- Que tipo de problema?

R- Nega qualquer tipo de problemas psicológicos ou emocionais.

15- Como era seu relacionamento com vizinhos, colegas de trabalho (...)?

R- Sempre muito bom, um de meus vizinhos foi testemunha a favor no meu julgamento e disse que não ouviu nada.

15- Como era seu relacionamento com seus pais?

R- Muito bom, eu nasci em Itapuã, mas com 10 anos fui para Porto Alegre trabalhar como entregador de leite, fiquei morando na casa do patrão, mas eu via minha família mais ou menos uma vez por mês. Eu tinha 11 irmãos, 8 homens e 3 mulheres.

Muito obrigado por sua colaboração.

 

QUESTIONÁRIO:

Este questionário consiste de 16 perguntas abertas, que serão lidas pelo entrevistador mediante o esclarecimentos de todas as dúvidas surgidas no decorrer deste processo.

Salienta-se que a amostra somente será utilizada para fins científicos e de pesquisa, não possuindo nenhum caráter jurídico que possa comprometer o entrevistado, tais como informar processos ou quaisquer outros. Ademais, todas as informações estão protegidas pelo sigilo.

Caso III:

Nome (iniciais): P. L.

Idade: 25 anos

Page 25: Alvares, J. P. -- Amores que matam - Um estudo psicológico acerca da personalidade do uxoricida

1- Qual era seu estado civil antes de ser encaminhado para o Presidio Central? (se casado, quanto tempo)

R- Era casado, ajuntado né, há 9 anos.

2- Você tinha filhos? Quantos? Que idades?

R- Tenho um filho que tinha 4 meses.

3- Você tem algum outro tipo de antecedente criminal?

R- Não, sou réu primário.

4- Nesta época você trabalhava, ou exercia algum tipo de atividade?

R- Trabalhava, eu era auxiliar técnico em telefonia, já fazia 3 anos.

5- Você e sua esposa/companheira se desentendiam? Com que freqüência? Por quê?

R- Com a minha esposa eu me dava super bem, mas eu tô aqui por causa de outra pessoa, eu traía ela. Eu estava saindo com uma "amiga" ela era mais velha tinha 35 anos, era uma "amiga de festa" sabe como é, só que ela era muito ciumenta, discutia muito, queria que eu me separasse da minha esposa, mas eu ficava quieto.

6- Alguma vez vocês trocaram agressões físicas?

R- Não, eu tentei me afastar dela só que ela ia atrás, e me ameaçava com um amigo que era apaixonado por ela e que recém tinha saído da prisão, era estuprador, um cara perigoso, então eu tinha medo, por isso eu sempre ficava quieto e tentava me afastar.

7- Você matou sua esposa/companheira?

R- Não, ela foi baleada por acidente.

8- Quando isso aconteceu?

R- Um dia fui visitar minha avó e no caminho, eu estava sozinho, quando eu vi, estava recebendo tiro, então também atirei prá me defender, pois fazia uma semana que eu andava armado, era de um rapaz que mora perto da minha casa que me emprestou. Tinha um monte de caras, uns 2 na minha direção e mais alguns em cima de uma árvore. Ela (a amante) estava passando e foi atingida assim como o cara que era apaixonado por ela e que morreu na hora. Eu consegui fugir.

9- Como você praticou este delito? Com arma de fogo, faca, (...).

R- Ela foi atingida por uma bala mas sem querer, era contra o rapaz.

10- Você foi julgado? E condenado? Quantos anos?

R- Fui condenado a 11 anos mas estou apelando. 3 meses depois do ocorrido que foram na minha casa e eu tive prisão preventiva, eu confessei tudo. Já estou aqui há 1 ano e 2 meses.

11-Você sente algum tipo de sentimento pelo que ocorreu? (remorso/tristeza...)

R- Fiquei chateado.

12- Você ingeria bebida alcóolica ou algum outro tipo de substância ilícita?

R- Só agora depois que vim prá cá que comecei a fumar cigarro, antes só tomava cerveja umas 2 ou 3 garrafas entre 2 ou 3 amigos nos fins-de-semana.

13- Você tinha algum tipo de problema psicológico na época do fato?

R- Nada, nem tomo nenhum tipo de remédio.

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14- Que tipo de problema?

R- Nega qualquer tipo de problemas psicológicos ou emocionais.

15- Como era seu relacionamento com vizinhos, colegas de trabalho (...)?

R- Era bom, sempre fui extrovertido, nunca tive problemas.

16- Como era seu relacionamento com seus pais?

R-Ótimo, minha mãe morreu logo depois que eu nasci, ela tinha câncer no útero, aí fui morar com minha avó até os 10 anos de idade, só que ficava muito longe prá mim poder trabalhar, então fui morar com meu pai que tinha casado de novo. Eu tinha 5 irmãos e depois com esta outra esposa do meu pai, teve mais 4.

Muito obrigado por sua colaboração.

QUESTIONÁRIO:

Este questionário consiste de 16 perguntas abertas, que serão lidas pelo entrevistador mediante o esclarecimentos de todas as dúvidas surgidas no decorrer deste processo.

Salienta-se que a amostra somente será utilizada para fins científicos e de pesquisa, não possuindo nenhum caráter jurídico que possa comprometer o entrevistado, tais como informar processos ou quaisquer outros. Ademais, todas as informações estão protegidas pelo sigilo.

Caso IV:

Nome (iniciais): F. S.

Idade: 59 anos

1- Qual era seu estado civil antes de ser encaminhado para o Presidio Central? (se casado, quanto tempo)

R- Fui casado duas vezes, na primeira vez foram 8 anos. Me separei porque peguei ela na cama com um pião. Fui embora com a roupa do corpo. E no segundo casamento foram 24 anos.

2- Você tinha filhos? Quantos? Que idades?

R- Do primeiro casamento eu tinha 5 filhos de 7 anos e o mais novo com 4 meses quando nos separamos. E do segundo casamento eles tinham 21, 14 e 10 anos na época que tudo aconteceu.

3- Você tem algum outro tipo de antecedente criminal?

R- Só uma vez que eu estava bêbado e desrespeitei um "brigadiano", e foi registrado.

4- Nesta época você trabalhava, ou exercia algum tipo de atividade?

R- Sim, como carpinteiro numa firma que prestava serviços para a PUC.

5- Você e sua esposa/companheira se desentendiam? Com que freqüência? Por quê?

R- Nos desentendíamos todos os dias porque eu bebia. Mas eu "retrucava" então ela me dava mais bebida para mim caí. Mas faz tempo que eu não bebo mais.

6- Alguma vez vocês trocaram agressões físicas?

R- Uma vez ela me deu uma paulada na cabeça, porque o meu filho estava com uma periquita no pescoço e a periquita mordeu e ele gritou, e a minha mulher achou que eu que tinha batido ele, e ela saiu de casa mais ou menos uns 20 dias.

7- Você matou sua esposa/companheira?

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R- Não foi por querer.

8- Quando isso aconteceu?

R- Foi em junho deste ano, eu estava indo visitar a minha filha em São Leopoldo, e eu recém tinha comprado uma arma porque estava acontecendo muitos assaltos perto da minha casa. Quando peguei um ônibus de São Leopoldo para Alvorada, tinha um cara que no caminho veio em cima de mim e me dava "coices", esse cara foi preso e achava que eu que tinha denunciado ele, aí eu puxei a arma para me defender, não atirei para matar e pegou em 2 pessoas e minha esposa também estava no ônibus mas eu não tinha visto ela, e na hora dos tiros ela se meteu na frente e foi atingida. Depois que eu fiquei sabendo que ela tinha morrido. Eu tinha bebido um pouco de cachaça com mel, pois eu estava doente e dizem que faz bem

9- Como você praticou este delito? Com arma de fogo, faca, (...).

R- Foi com arma, mas ela que se meteu na frente eu não queria atingir.

10- Você foi julgado? E condenado? Quantos anos?

R- Estou aguardando julgamento, já estou mais de 80 dias aqui preso.

11- Você sente algum tipo de sentimento pelo que ocorreu? (remorso/tristeza...)

R- Eu quero morrer (começa a chorar), sem ela eu não consigo viver.

12- Você ingeria bebida alcóolica ou algum outro tipo de substância ilícita?

R- Bebia desde os 13 anos de idade. Também fumava cigarro e fumo de palha. Eu bebia mais ou menos meia garrafa de cachaça por dia, uma vez cheguei a tomar 8 litros de vinho sozinho. Mas faz 14 anos que parei de beber.

13- Você tinha algum tipo de problema psicológico na época do fato?

R- Não, só quando eu bebia que eu cheguei a ser internado duas vezes no Hospital Espírita e uma vez na Pinel.

14- Que tipo de problema?

R- Só o de álcool, quando bebia.

15- Como era seu relacionamento com vizinhos, colegas de trabalho (...)?

R- Muito bom, nunca tive problemas.

16 - Como era seu relacionamento com seus pais?

R- Sempre foi bom. Morei até os 22 anos com eles. Só o meu pai que bebia. Saí de casa para casar com minha primeira mulher, mas eles não queriam que eu casasse.

Muito obrigado por sua colaboração

É uma monografia de curso de aperfeiçoamento/especialização

ALVARES, J. P.; BARROS, Carlos Alberto Sampaio Martins de. Participação em banca de Julia Paglioza

Alvares. Amores que matam um estudo psicológico acerca da personalidade do uxoricida. 2000.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) - Universidade Luterana do Brasil

Retirado de www.psicologia.org.br/internacional/pscl11.htm em 20/10/2008