alterações não são solução

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O agregador da advocacia 38 Maio de 2011 www.advocatus.pt Debate Alterações não são solução Novas alterações ao processo civil não são a solução e impedem a sedimentação da prática processual, necessária para uma (re)adaptação de todos os agentes judiciários (advogados, juízes, funcionários, agentes de execução) sempre que é introduzida uma alteração Provavelmente ao contrário de muitos, entendo que o nosso sis- tema jurídico-civil, comparado com outros sistemas da Europa continental, é um sistema moder- no, dotado de mecanismos legais que permitem o andamento relati- vamente rápido dos processos. Desde 1995, temos vindo a assis- tir a diversas alterações ao Código de Processo Civil (CPC), algumas das quais com bastante profundi- dade. Ao nível da acção declarativa, a reforma de 1995/1996, “des- formalizou” o processo, reduziu prazos e introduziu novidades im- portantes como a possibilidade de aditamento ou alteração do rol de testemunhas. Entretanto, em 2003, foi introduzida uma profun- da alteração à acção executiva, com a criação do solicitador de execução (à semelhança do sis- tema francês). Em 2007, foi a vez do regime dos recursos, o qual foi, profundamente, alterado com a criação de um sistema monista de recurso. Em 2008, o processo executivo voltou a sofrer altera- ções, tendo sido formalmente in- troduzida a arbitragem na acção executiva (mas que, até hoje, não passou da letra da lei). No âmbito dos processos espe- ciais, nestes últimos anos, hou- ve alterações importantes, quer ao nível do processo de divórcio, passando os divórcios por mú- tuo consentimento a correr nas Conservatórias de Registo Civil e ficando nos tribunais, apenas, o divórcio e separação sem con- sentimento do outro cônjuge, quer ao nível do processo de inventário que passa a ser apresentado em determinados serviços de registo ou cartórios notariais. Natália Garcia Alves Sócia da Abreu Advogados. Licenciada Direito FDUL (1995). Pós graduação em Direito de Consumo na Autónoma de Lisboa. Áreas de prática: Contencioso (Contencioso de Cobrança, Contencioso Civil), Direito Comercial (Insolvência e Recuperação de Empresas), Direito do Trabalho “Parece-me que não necessitamos de mais alterações legislativas ao nível do processo civil e, muito menos, de um novo Código de Processo Civil” “Provavelmente ao contrário de muitos, entendo que o nosso sistema jurídico-civil, comparado com outros sistemas da Europa continental, é um sistema moderno, dotado de mecanismos legais que permitem o andamento relativamente rápido dos processos” A par das alterações ao CPC, têm sido introduzidas inovações no sistema jurídico e judiciário no sentido de o agilizar e modernizar. Pensemos em algumas das mais recentes - a reforma do mapa judi- ciário, com a criação de três gran- des comarcas, Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande Lisboa No- roeste, a introdução de alterações à Acção Executiva, a publicação de um (novo) Regulamento de Custas Processuais e a criação de uma plataforma informática que permite o envio e recepção de pe- ças processuais informaticamen- te, bem como o tratamento dos processos, pelos magistrados, através de meios informáticos – o CITIUS. Parece-me que não necessitamos de mais alterações legislativas ao nível do processo civil e, muito menos, de um novo código de pro- cesso civil. O que precisamos, por um lado, é de sedimentar a prá- tica processual e implementar as infra-estruturas necessárias à exe- cução das alterações legislativas que foram sendo introduzidas, e, por outro, que se insista na adop- ção de medidas que permitam, efectivamente, o descongestiona- mento dos tribunais e imprimam celeridade processual como, por exemplo, promovendo a instala- ção dos centros de arbitragem na acção executiva ou criando outros meios de resolução alternativa de litígios dedicados exclusivamen- te à “litigância de massa”, na sua forma mais comum de cobrança de dívida, a qual tem uma grande quota-parte de responsabilidade no congestionamento dos tribu- nais. Novas alterações ao processo civil não são, na minha opinião, a solu- ção e impedem aquela sedimenta- ção já que, sempre que é introdu- zida uma alteração, é necessária uma (re)adaptação de todos os agentes judiciários – advogados, juízes, funcionários, agentes de execução – ficando inacabado o trabalho iniciado.

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Alterações não são solução

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O agregador da advocacia38 Maio de 2011

www.advocatus.ptDebate

Alterações não são soluçãoNovas alterações ao processo civil não são a solução e impedem a sedimentação da prática processual, necessária para uma (re)adaptação de todos os agentes judiciários (advogados, juízes, funcionários, agentes de execução) sempre que é introduzida uma alteração

Provavelmente ao contrário de muitos, entendo que o nosso sis-tema jurídico-civil, comparado com outros sistemas da Europa continental, é um sistema moder-no, dotado de mecanismos legais que permitem o andamento relati-vamente rápido dos processos.Desde 1995, temos vindo a assis-tir a diversas alterações ao Código de Processo Civil (CPC), algumas das quais com bastante profundi-dade.Ao nível da acção declarativa, a reforma de 1995/1996, “des-formalizou” o processo, reduziu prazos e introduziu novidades im-portantes como a possibilidade de aditamento ou alteração do rol de testemunhas. Entretanto, em 2003, foi introduzida uma profun-da alteração à acção executiva, com a criação do solicitador de execução (à semelhança do sis-tema francês). Em 2007, foi a vez do regime dos recursos, o qual foi, profundamente, alterado com a criação de um sistema monista de recurso. Em 2008, o processo executivo voltou a sofrer altera-ções, tendo sido formalmente in-troduzida a arbitragem na acção executiva (mas que, até hoje, não passou da letra da lei).No âmbito dos processos espe-ciais, nestes últimos anos, hou-ve alterações importantes, quer ao nível do processo de divórcio, passando os divórcios por mú-tuo consentimento a correr nas Conservatórias de Registo Civil e ficando nos tribunais, apenas, o divórcio e separação sem con-sentimento do outro cônjuge, quer ao nível do processo de inventário que passa a ser apresentado em determinados serviços de registo ou cartórios notariais.

natália garcia Alves

Sócia da Abreu Advogados. Licenciada Direito FDUL (1995). Pós graduação em

Direito de Consumo na Autónoma de Lisboa. Áreas de prática: Contencioso

(Contencioso de Cobrança, Contencioso Civil), Direito Comercial (Insolvência e

Recuperação de Empresas), Direito do Trabalho

“Parece-me que não necessitamos de mais

alterações legislativas ao nível do processo civil e,

muito menos, de um novo Código de Processo Civil”

“Provavelmente ao contrário de muitos, entendo que o nosso sistema jurídico-civil,

comparado com outros sistemas da Europa

continental, é um sistema moderno, dotado de

mecanismos legais que permitem o andamento

relativamente rápido dos processos”

A par das alterações ao CPC, têm sido introduzidas inovações no sistema jurídico e judiciário no sentido de o agilizar e modernizar. Pensemos em algumas das mais recentes - a reforma do mapa judi-ciário, com a criação de três gran-des comarcas, Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande Lisboa No-roeste, a introdução de alterações à Acção Executiva, a publicação de um (novo) Regulamento de Custas Processuais e a criação de uma plataforma informática que permite o envio e recepção de pe-ças processuais informaticamen-te, bem como o tratamento dos processos, pelos magistrados, através de meios informáticos – o CITIUS.Parece-me que não necessitamos de mais alterações legislativas ao nível do processo civil e, muito menos, de um novo código de pro-cesso civil. O que precisamos, por um lado, é de sedimentar a prá-tica processual e implementar as infra-estruturas necessárias à exe-cução das alterações legislativas que foram sendo introduzidas, e, por outro, que se insista na adop-ção de medidas que permitam, efectivamente, o descongestiona-mento dos tribunais e imprimam celeridade processual como, por exemplo, promovendo a instala-ção dos centros de arbitragem na acção executiva ou criando outros meios de resolução alternativa de litígios dedicados exclusivamen-te à “litigância de massa”, na sua forma mais comum de cobrança de dívida, a qual tem uma grande quota-parte de responsabilidade no congestionamento dos tribu-nais.Novas alterações ao processo civil não são, na minha opinião, a solu-

ção e impedem aquela sedimenta-ção já que, sempre que é introdu-zida uma alteração, é necessária uma (re)adaptação de todos os agentes judiciários – advogados, juízes, funcionários, agentes de execução – ficando inacabado o trabalho iniciado.