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9 ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS DECORRENTES DA INFECÇÃO PELO VÍRUS DA LEUCEMIA FELINA 1. Introdução O vírus da leucemia felina (FeLV) pertence à família Retroviridae e ao gênero Gammaretrovirus, infecta gatos domésticos e, esporadicamente, felídeos selvagens (HARTMANN, 2012b). É um dos principais agentes infecciosos de gatos e apresenta ocorrência mundial (GLEICH & HARTMANN, 2009). Foi descrito pela primera vez em 1964, por Jarret e colaboradores que observaram as partículas virais na superfície de linfoblastos malignos de um gato com linfoma. A prevalência e a importância da infecção por FeLV na Europa e nos Estados Unidos vem diminuindo com o passar dos tempos, graças aos testes diagnósticos disponíveis, programas de remoção de gatos positivos e melhor compreensão da patogenia da infecção, além do controle por meio de vacinação (HARTMANN, 2012b; LUTZ et al., 2009). No Brasil, um cenário diferente é observado, a infecção por FeLV na população felina brasileira ainda é uma questão importante. Este vírus responde pelo maior número de síndromes clínicas que qualquer outro agente infeccioso de gatos (ROJKO & HARDY, 1994). Os sinais clínicos associados com a infecção por FeLV podem ser classificados em neoplasias, imunossupressão, doenças hematológicas, doenças imunomediadas, e outras síndromes (incluindo neuropatias, desordens reprodutivas e síndrome “fadding kitten”) (HARTMANN, 2012a). Embora a nomenclatura do vírus esteja relacionada com neoplasia contagiosa, a maior parte dos gatos são apresentados ao clínico por alterações decorrentes de anemia e imunossupressão, e não por neoplasias (COTTER, 1991). Este estudo tem por objetivo realizar uma breve revisão de literatura a cerca da infecção por FeLV com ênfase nas alterações hematológicas decorrentes da infecção por este retrovírus.

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9

ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS DECORRENTES DA INFECÇÃO PELO VÍRUS

DA LEUCEMIA FELINA

1. Introdução

O vírus da leucemia felina (FeLV) pertence à família Retroviridae e ao gênero

Gammaretrovirus, infecta gatos domésticos e, esporadicamente, felídeos selvagens

(HARTMANN, 2012b). É um dos principais agentes infecciosos de gatos e apresenta

ocorrência mundial (GLEICH & HARTMANN, 2009). Foi descrito pela primera vez em

1964, por Jarret e colaboradores que observaram as partículas virais na superfície de

linfoblastos malignos de um gato com linfoma.

A prevalência e a importância da infecção por FeLV na Europa e nos Estados Unidos

vem diminuindo com o passar dos tempos, graças aos testes diagnósticos disponíveis,

programas de remoção de gatos positivos e melhor compreensão da patogenia da infecção,

além do controle por meio de vacinação (HARTMANN, 2012b; LUTZ et al., 2009). No

Brasil, um cenário diferente é observado, a infecção por FeLV na população felina brasileira

ainda é uma questão importante.

Este vírus responde pelo maior número de síndromes clínicas que qualquer outro

agente infeccioso de gatos (ROJKO & HARDY, 1994). Os sinais clínicos associados com a

infecção por FeLV podem ser classificados em neoplasias, imunossupressão, doenças

hematológicas, doenças imunomediadas, e outras síndromes (incluindo neuropatias,

desordens reprodutivas e síndrome “fadding kitten”) (HARTMANN, 2012a). Embora a

nomenclatura do vírus esteja relacionada com neoplasia contagiosa, a maior parte dos gatos

são apresentados ao clínico por alterações decorrentes de anemia e imunossupressão, e não

por neoplasias (COTTER, 1991). Este estudo tem por objetivo realizar uma breve revisão de

literatura a cerca da infecção por FeLV com ênfase nas alterações hematológicas decorrentes

da infecção por este retrovírus.

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1. Revisão de literatura

1.1.Etiologia

Com propriedades oncogênicas, o FeLV é um vírus RNA de fita simples que encontra-

se protegido por um envelope, que mede 110 nm de diâmetro. Os retrovírus dependem de um

DNA intermediário para a replicação. O genoma de RNA de cadeia simples é transcrito de

forma inversa pela enzima transcritase inversa em DNA, o qual normalmente é integrado no

genoma da célula hospedeira (provírus). A infecção de uma célula por um retrovírus

normalmente não acarreta em morte celular (LUTZ et al., 2009).

O genoma do FeLV contém três genes: o gene do envelope (env), que codifica a

glicoproteína de superfície gp70 e a proteína transmembrana p15E; o gene da polimerase

(pol), que codifica a transcriptase reversa, protease e integrase; e o gene grupo antígeno

específico (GAG), que codifica as proteínas internas do vírion, incluindo a proteína do

nucleocapsídeo (N) (FENNER, 2011). A ligação do vírus à célula hospedeira é realizada por

glicoproteínas encontradas no envelope viral (SOUZA & TEIXEIRA, 2003). A proteína p27,

codificada pelo GAG, é rotineiramente utilizada para o diagnóstico da infecção, esta proteína

é produzida em grandes quantidades pelas células infectadas pelo vírus (HARTMANN,

2012b).

Conforme as diferentes sequências de nucleotídeos da região N-terminal da

glicoproteína de superfície, este vírus foi classificado em 4 subgrupos, sendo: FeLV-A,

FeLV-B, FeLV-C e FeLV-T (LEVY, 2008). O subgrupo A é o mais comum e é o único que é

transmitido de gato para gato, enquanto que os subgrupos B e C originam-se do A, através de

recombinação e mutação, respectivamente. O subgrupo C é responsável por anemia não-

regeneretiva fatal, este subgrupo é raro e praticamente não é mais transmitido. O subgrupo B,

quando presente com o subgrupo A, foi associado a um prognóstico ruim e a um risco maior

de desenvolvimento de linfoma, em contraste com gatos com infecção apenas pelo subgrupo

A (JARRET et al.,1978; SHEETS et al., 1993). O subgrupo A esté presente e todas as

infecções (LUTZ et al., 2009). O subgrupo T é altamente citolítico aos linfócitos T e está

associado com doenças imunossupressoras (DONAHUE et al., 1991).

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1.2. Epidemiologia:

O FeLV apresenta distribuição mundial e sua prevalência é grandemente influenciada

pela densidade populacional. Nos Estados Unidos, estudos recentes indicam uma prevalência

de infecção de 2% em gatos saudáveis e até 15% em gatos com alto risco ou doentes

(CRAWFORD, 2011).

Na Europa, várias pesquisas foram realizadas acerca da frequência do FeLV nas

populações de gatos, mostrando resultados bem variados. No Reino Unido, pesquisadores

testaram 1.204 gatos doentes e 1.007 saudáveis e verificaram uma prevalência de 18% e 5%

entre os gatos doentes e saudáveis, respectivamente (HOSIE et al., 1989). Na Alemanha, de

17.462 gatos domiciliados testados, a prevalência foi de 3,6% (GLEICH et al., 2009). Na

Finlândia, 196 amostras de soro de gatos não-domiciliados foram submetidas ao teste de

ELISA e apenas 1% mostrou-se positiva (SUKURA, et al., 1992). Na Itália, 18% de um total

de 277 gatos domiciliados também atestaram positividade para o antígeno do FeLV

(BANDECCHI et al., 1992). Em estudo realizado por TURRAS (2014) com 88 gatos errantes

de Portugal, 5,7% mostraram-se positivos para FeLV.

No Brasil, vários estudos sobre a ocorrência do vírus da leucemia viral felina foram

realizados. Hagiwara e colaboradores (1997) obtiveram 12,5% de positividade ao avaliarem a

infecção em 298 gatos de São Paulo. Uma baixa frequência da infecção foi observada no

interior do estado de São Paulo, em Araçatuba apenas 0,33% dos 38 gatos estudados foram

positivos para o FeLV (SOBRINHO et al., 2011). Outra pesquisa demonstrou uma

prevalência de 10,8% em 65 animais de Porto Alegre (SILVA, 2007). No estado de Minas

Gerais; também foi observada uma variação na ocorrência da infecção; 47,5% de positividade

de um total de 1072 gatos avaliados em Belo Horizonte (COELHO et al., 2011) e 12,6% em

125 animais de Uberlândia (BARBOSA et al., 2001).

1.3. Transmissão

O FeLV normalmente é transmitido por contato oronasal, sendo a transmissão

horizontal a mais importante, já que os gatos virêmicos liberam constantemente os vírus,

mesmo não apresentando sinais clínicos. A transmissão primária é pela saliva, onde a

concentração de vírus é maior que no plasma, mas também há grande número de vírus

presentes nas secreções respiratórias. Outras potenciais vias de transmissão, porém menos

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comuns, são a venérea, fecal, urinária, vetorial (pulgas e mosquitos) e a iatrogênica; por meio

de agulhas e instrumentos contaminados, fômites e transfusão sanguínea (SILVA, 2007).

No entanto, a transmissão do vírus da leucemia felina depende de diversos fatores,

como carga viral, via de exposição ao vírus, estado imunológico do animal, a presença de

doenças concomitantes e, em especial, a idade do animal no momento da exposição. Em uma

infecção experimental, 85% dos gatos com idade de 2 a 8 semanas se tornaram virêmicos

persistentes, enquanto que em gatos com idade entre 4 e 12 semanas esse percentual foi de

apenas 15% (TURRAS, 2014; WILLETT & HOSIE, 2013).

Apesar de gatos machos adultos e com acesso à rua serem os mais predispostos à

infecção retroviral, a maioria dos gatos possui algum grau de risco de contágio, seja pelo

contato com portadores assintomáticos por meio da saliva, pelos hábitos de higiene ou pelo

uso em comum de caixas sanitárias e vasilhas de água e de comida (CRAWFORD, 2011;

SOUZA & TEIXEIRA, 2003).

1.4. Patogenia

A classificação da infecção pelo FeLV é baseada no tipo de resposta imunitária do

hospedeiro, e é definida como infecção abortiva, infecção regressiva, infecção progressiva e

infecção focal ou atípica (HARTMANN, 2012b; TURRAS, 2014).

1.4.1. Infecção Abortiva

O vírus inicia a sua replicação nos tecidos linfóides da orofaringe. Em alguns gatos

imunocompetentes, a replicação viral pode ser percebida pela resposta imune humoral e

celular, ambas eficazes, mas esses gatos nunca se tornam virêmicos, devido possuírem altos

níveis de anticorpos neutralizantes. Nem o antígeno do FeLV, o RNA viral ou o DNA

proviral podem ser detectados no sangue, a qualquer momento. A infecção abortiva ocorre,

provavelmente, quando o animal é exposto a baixas doses do vírus. Ainda não se sabe com

qual frequência essa situação ocorre naturalmente. Na verdade, o vírus ainda pode ser

encontrado posteriormente nesses gatos em amostras de tecido. Assim, é provável que

nenhum ou pouquíssimos gatos eliminem a infecção de todas as células (HARTMANN,

2012a).

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1.4.2. Infecção Regressiva

Neste caso uma resposta imune efetiva limita a replicação viral antes que a infecção

alcance a medula óssea. Antígenos do FeLV e vírus infectivos geralmente são detectados no

sangue periférico em 2 a 3 semanas após a exposição ao vírus, mas desaparecem de 2 e 8

semanas mais tarde ou, em casos raros, após muitos meses (CRAWFORD, 2011).

A infecção latente ocorre quando o provírus é inserido no genoma do gato, mas este

não se torna virêmico. A antigenemia transitória segue-se o estabelecimento de cargas

provirais baixas a moderadas. Esses gatos não-virêmicos que foram “recuperados” da

infecção transitória geralmente se tornam portadores latentes do vírus por um período variável

de tempo. Neste caso, o provírus do FeLV não-replicante permanece dormente no DNA de

determinadas células linfóides e da medula óssea dos gatos, só sendo possível detectar essa

latência por meio de técnicas de cultura celular especializada ou de ensaios de PCR

quantitativo, os quais estão proporcionando uma visão mais profunda da natureza do processo

de recuperação natural da infecção (SHERDING, 1998; WILLETT & HOSIE, 2013).

Os ensaios de PCR mostram que os linfócitos circulantes contêm pequenas

quantidades de DNA proviral e transcritos de RNA (CRAWFORD, 2011). Os animais que se

recuperam da infecção e se tornam negativos aos testes de antígeno viral plasmático, mas

permanecem com níveis detectáveis de DNA proviral, tem maior risco de reativação da

infecção latente do que os gatos com provírus indetectável após a recuperação (WILLETT &

HOSIE, 2013).

Clinicamente, para esses animais, essa latência significa minimização do risco de

desenvolverem doenças relacionadas ao FeLV e também do risco de transmitirem o vírus por

contato. Entretanto, o estado de latência pode ser revertido pela imunossupressão com

corticosteroides, além de, ocasionalmente, possibilitar a transmissão do vírus aos filhotes

ainda no útero ou por meio do leite durante a amamentação, em gatas com infecção latente

(SHERDING, 1998; WILLETT & HOSIE, 2013).

1.4.3. Infecção Progressiva

A resposta imune insuficiente específica ao FeLV resulta na replicação viral extensa,

que primeiro ocorre nos tecidos linfóides e, em seguida, na medula óssea. A disseminação

ocorre nos tecidos glandulares e mucosa. A excreção do vírus ocorre em várias secreções

(saliva, fezes, urina, leite) praticamente ao mesmo tempo que a infecção na medula óssea, e

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esta resulta em viremia secundária, com leucócitos e plaquetas com altas cargas de RNA viral

e DNA proviral. Os gatos progressivamente infectados se tornam persistentemente virêmicos

e podem ser uma fonte de contaminação por toda a vida para outros gatos. Os animais com

infecção progressiva desenvolvem doenças associadas ao FeLV e a maioria deles morre

dentro de alguns anos (CRAWFORD, 2011; HARTMANN, 2012a)

As infecções progressiva e regressiva podem ser distinguidas através da repetição dos

testes sorológicos em sangue periférico; gatos com infecção regressiva se tornam negativos

em, no máximo, 16 semanas pós-infecção, enquanto que gatos com infecção progressiva

continuarão positivos. Inicialmente, em ambas, há a persistência do DNA proviral no sangue,

detectado pela técnica de PCR, mas que posteriormente estão associadas a diferentes cargas

virais quando avaliadas pela PCR quantitativa, onde a infecção regressiva apresenta-se com

baixas cargas e a progressiva, com altas cargas do vírus (HARTMANN, 2012a).

1.4.4. Infecção Focal ou Atípica

Ocorre em menos de 10% dos gatos infectados, esta forma de infecção é caracterizada

por uma replicação viral atípica persistente, localizada em epitélios, como das glândulas

mamárias, das salivares e da vesícula urinária, mas esses animais não apresentam a doença,

nem a transmitem. O vírus encontra-se sequestrado no tecido epitelial e continua se

replicando, mas é incapaz de deixar as células devido à produção de anticorpos. As infecções

atípicas representam infecção sequestrada em vários focos por uma resposta imune

parcialmente protetora, o que pode levar a níveis baixos ou intermitentes de antígeno e,

consequentemente, estes gatos podem apresentar resultados positivos ou fracamente

discordantes em testes sorológicos, ou alternância entre resultados positivos e negativos

(HARTMANN, 2012b; SOUZA & TEIXEIRA, 2003).

1.5. Sinais clínicos

Está claro que o curso clínico da doença é determinado pela combinação de fatores

virais e do hospedeiro. Algumas dessas diferenças podem estar relacionadas às propriedades

do próprio vírus, como os subgrupos, que determinam diferenças nos quadros clínicos

(HARTMANN, 2011). Provavelmente, o principal fator relacionado ao hospedeiro que irá

determinar o resultado clínico é a idade do animal no momento da infecção. Neonatos

desenvolvem visível atrofia do timo após a infecção, resultando em severa imunossupressão,

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fraqueza e morte prematura. Conforme amadurecem, os gatos adquirem resistência

progressiva. Quando os gatos se infectam mais velhos, tendem a apresentar a forma abortiva

ou regressiva da infecção ou desenvolvem a forma progressiva, apresentando sinais pelo

menos mais leves e um período assintomático maior (HARTMANN, 2012 a).

Os sinais clínicos de gatos positivos para o FeLV são atribuídos às síndromes clínicas,

que ocorrem em função dos efeitos específicos do vírus, ou devido às infecções secundárias e

oportunistas, e variam enormemente, dependendo do tipo de doença e dos órgãos envolvidos.

De um modo geral, os gatos apresentam mucosas pálidas, dispnéia, letargia, anorexia,

emagrecimento progressivo, febre, gengivite/estomatite, uveíte (invasão linfossarcomatosa no

trato uveal), diarreia e abscessos que não cicatrizam. À palpação podem ser observadas

massas no interior do abdômen e aumento do tamanho de órgãos como baço, fígado e rins

(SOUZA & TEIXEIRA, 2003). Segundo Lutz et al (2009), os sinais clínicos mais comuns da

infecção por FeLV são decorrentes da imunossupressão, anemia e linfoma.

1.5.1. Alterações hematológicas

1.5.1.1. Citopenias

As doenças hematológicas não-neoplásicas descritas como associadas ao FeLV

incluem anemia (não-regenerativa ou regenerativa), síndrome da anemia mielodisplásica,

anemia aplásica (pancitopenia), neutropenias cíclicas, persistentes e transitórias, síndrome da

panleucopenia e anormalidades plaquetárias (trombocitopenia e anormalidades nas funções

das plaquetas). De acordo com a literatura, a anemia é a principal complicação não-

neoplásica, ocorrendo em mais de 50% dos gatos sintomáticos infectados por FeLV

(HARTMANN, 2011; STÜTZER et al., 2010).

Em um estudo realizado com 104 gatos positivos para FeLV foi observado que estes

apresentaram elevado risco para o dessenvolvimento de citopenias, com número de hemácias,

concentração de hemoglobina, hematócrito, número de plaquetas e neutrófilos diminuídos,

quando comparados com os gatos negativos para os retrovírus (GLEICH & HARTMANN,

2009). As citopenias também estiveram presentes em outro estudo realizado com 37 gatos

com FeLV, no qual observou-se anemia hipoplásica, trombocitopenia e, dentre as doenças

relacionadas, a micoplasmose hemotrópica foi a mais comum (HAGIWARA et al., 1997).

A maioria das anemias em gatos com FeLV é não-regenerativa, causadas pela

supressão da medula óssea, efeito de infecção primária das células tronco e células estromais,

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as quais são primordias para formação das células hematopoiéticas ou devido a infiltração

neoplásica na medula óssea levando a anemia aplásica ou pancitopenia severa (COTTER,

1998; JACKSON et al., 1996). Na anemia aplástica, as células da medula óssea estão

hipoplásicas ou aplásicas, com aumento de tecido adiposo e ligeira infiltração de linfócitos e

plasmócitos. Suspeita-se que a necrose da medula óssea pode estar associada à infecção por

FeLV, onde o mecanismo de aparecimento da mesma ainda não está bem esclarecido, porém

sugere-se que a oclusão da microcirculação medular ou a presença de indutores de necrose,

como o fator de necrose tumoral, desempenham um papel nesta doença (SHIMODA et al.,

1999). Aplasia de células vermelhas, provoca anemia não-regenativa severa (hematócrito <

15%), e ocorre em infecções pelo subgrupo FeLV-C (PAN et al.,2003). Anemia por doença

crônica ou inflamatória também pode ser observada e, nesse caso, é não-regenerativa e

ocasionada pela produção excessiva de citocinas em gatos FeLV positivos em decorrência de

inflamação (JACKSON et al., 1996).

Aproximadamente 10% das anemias associadas ao FeLV são regenerativas, associadas

a uma alta contagem de reticulócitos, alto volume corpuscular médio e com presença de

anisocitose, eritrócitos nucleados e policromasia (SARMA et al, 1978). Anemia por perda

sanguínea (regenerativa) pode ocorrer em alguns felinos infectados e é comumente observada

em animais com trombocitopenia ou disfunção plaquetária associadas ao FeLV (PAN et

al.,2003).

Anemia hemolítica imunomediada (regenerativa) causada por infecção secundária

pode ocorrer em gatos imunossuprimidos. Os sinais clínicos nesse caso são: anorexia,

letargia, depressão, mucosas pálidas, desidratação, icterícia e esplenomegalia. O principal

agente etiológico da anemia hemolítica em gatos infectados pelo vírus da leucemia é

Mycoplasma spp. Este micro-organismo nem sempre é encontrado no exame direto com

esfregaço sanguíneo, sendo necessária a PCR para concluir o diagnóstico (GEORGE et al.

2002). Contudo, anemia hemolítica imunomediada induzida pelo próprio FeLV (regenerativa)

também já foi descrita (TARTAGLIA et al.,1993).

Outras alterações hematológicas decorrentes da infecção por FeLV são as anomalias

leucocitárias, com diminuição de neutrófilos ou linfócitos, ou mesmo debilidade de suas

funções (QUACKENBUSH, et al., 1990). A linfopenia ocorre pela replicação do vírus nos

linfócitos. Gatos acometidos podem, por isso, apresentar atrofia de timo e depleção da zona

paracortical de linfonodos. Em alguns casos, a linfopenia pode ser caracterizada pela perda de

CD4+

helper das células T (HOOVER, et al., 1991). A neutropenia é um achado comum em

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gatos infectados e, geralmente, ocorre de forma isolada ou acompanhada de outras citopenias.

Em alguns casos, hipoplasia mielóide de todas as fases granulocíticas pode ser observada.

Neutropenia cíclica também já foi reportada em gatos com FeLV e pode ser tratada com

glicocorticoide, sugerindo que mecanismos imunomediados podem estar envolvidos nessa

alteração leucocitária (COTTER, 1998). Alguns gatos infectados por FeLV apresentam

panleucopenia ou mieloblastopenia, que consiste numa leucopenia severa (<3000

leucócitos/µl) associada a uma enterite pela destruição das células das criptas do epitélio

intestinal pelo próprio vírus, assemelhando-se a panleucopenia causada pelo vírus da

panleucopenia felina (LUTZ et al., 1995).

Alterações plaquetárias também estão presentes na infecção por FeLV; a

trombocitopenia pode ocorrer devido a alteração na produção de plaquetas pela supressão da

medula óssea causada pelo vírus, ou pela infiltração da mesma por células neoplásicas. Outro

tipo de trombocitopenia é a imunomediada, uma variação que raramente ocorre de forma

isolada, sendo mais comumente observada, associada a síndrome da anemia hemolítica

imunomediada em gatos infectados (RICKARD et al.,1969).

1.5.1.2. Neoplasias hematopoiéticas

As neoplasias hematopoiéticas (desordens mieloproliferativas), incluindo a leucemia,

também podem causar síndromes da supressão da medula óssea, devido ao descontrole

mitótico e consequente aumento do número de células, levando à competição por espaço.

Síndrome mielodisplásica, caracterizada por citopenias e mudanças displásicas na medula

óssea, é um pré-estágio da leucemia mielóide aguda (HARTMANN, 2012 b). Leucemia

mieloblástica aguda foi descrita em um gato positivo para FeLV (MYLONAKIS et al. 2008).

A mielofibrose, outro caso de mielossupressão, é caracterizada por uma proliferação anormal

de fibroblastos, resultando em estimulação crônica da medula óssea, tal como a atividade

crônica desta na regeneração hiperplásica ou neoplasia causada pelo FeLV (HARTMANN,

2012 b) Leucemia eosionofílica crônica (SWENSON et al., 1993) e leucemia mielóide

crônica (FINLAY 1985) também foram associadas à infecção por FeLV.

Na tabela 1 estão apresentadas mais informações sobre as alterações hematológicas

observadas em animais infectados pelo FeLV.

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Tabela 1. Alterações hematológicas relacionadas à infecção pelo vírus da leucemia felina

Causas Mecanismo Alterações hematológicas e

tratamento

ANEMIA

Anemia hemolítica causada por

infecção secundária

(regenerativa)

Imunossupressão causada

pelo vírus favorece a

reprodução de Mycoplasma

spp., causando doença.

Achados: Anemia regenerativa,

icterícia e hemoglobinemia

variáveis, Mycoplasma spp.

Tratamento: Doxiciclina.

Anemia hemolítica imunomediada

(regenerativa)

Expressão antigênica

induzida pelo vírus na

superfície eritrocitária.

Achados: anemia regenerativa

(macrocitose e reticulocitose),

icterícia e hemoglobinemia

variáveis, resultado positivo no

teste de Coombs.

Tratamento: drogas

imunossupressoras (ex.

glicocorticoides).

Anemia por perda sanguínea

(regenerativa)

Supressão da produção de

plaquetas pela medula óssea

induzida pelo vírus ou defeito

funcional de plaquetas pelo

FeLV.

Achados: anemia regenerativa,

trombocitopenia (< 50.000

plaquetas/µL), diminuição do nível

de proteína sérica.

Tratamento: Transfusão de sangue e

tratar a causa base da

trombocitopenia

Aplasia de células vermelhas (não-

regenerativa)

Comum em infecção por

FeLV-C, interação do FeLV-

C com os receptores da

superfície celular, bloqueando

a diferenciação de

precursores eritróides.

Achados: anemia não-regenerativa

com macrocitose (alto índice de

volume corpuscular [VCM]),

outras células normalmente dentro

dos valores de referência.

Tratamento: transfusão sanguínea;

pode ser responsiva a drogas

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imunossupressoras.

Anemia da doença crônica ou

anemia da inflamação crônica

(não-regenerativa)

Estímulo pelo vírus, infecção

bacteriana ou neoplasia

secundária na produção de

citocinas inflamatórias que

sequestram ferro

Achados: anemia não-regenerativa.

Tratamento: remoção ou tratamento

do tumor ou doença inflamatória

coexistente, não responsivo a

eritropoietina.

Anemia por mielofitise

(não-regenerativa)

Linfoma ou leucemia assim

como doenças infecciosas, tal

como micoses sistêmicas ou

micobacteriose, levando à

infiltração da medula óssea e

a mieloftise.

Achados: anemia não-regenerativa.

Tratamento: remoção ou tratamento

de infecção secundária ou tumor

coexistente.

ANOMALIAS PLAQUETÁRIAS PURAS

Trombocitopenia Trombocitopenia

imunomediada induzida pelo

vírus ou diminuição da

produção de plaquetas pela

supressão da medula óssea

pelo FeLV ou pela infiltração

leucêmica.

Achados: trombocitopenia pura

Tratamento: imunossupressão (ex.,

glicocorticoides) em casos de

destruição imunomediada;

tratamento de doenças adjacentes

(ex., terapia antineoplásica)

Trombocitopatia Replicação de FeLV nas

plaquetas, provocando

deficiência funcional e

diminuição de vida útil

plaquetária; algumas vezes

trombocitose devido a

proliferação neoplásica de

megacariócitos induzida pelo

vírus.

Achados: deficiência da função

plaquetária (ex. tempo de

sangramento de mucosas

prolongados), nos casos de

neoplasia, acentuada trombocitose

(> 600.000 plaquetas/ µl).

Tratamento: no caso de neoplasia,

há pouca resposta à quimioterapia

antitumoral.

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ANORMALIAS LEUCOCITÁRIAS PURAS

Linfopenia Destruição linfocitária por

replicação direta do vírus nos

linfócitos.

Achados: linfopenia pura

Tratamento: quimioterapia antiviral.

Neutropenia Provavelmente pela

neutropenia cíclica ou

persistente imunomediada,

induzida pelo vírus, frequente

após episódio de estresse.

Achados: neutropenia pura, que

pode ocorrer com ou sem desvio à

esquerda; nenhuma alteração em

outras linhagens celulares.

Tratamento: imunossupressão (ex.

glicocorticoides)

Síndrome semelhante a

panleucopenia felina, também

conhecida como enterite associada

ao FeLV ou mieloblastopenia.

Causada por infecção

secundária pelo vírus da

panleucopenia felina (FPV)

Achados: severa leucopenia (<3000

células/µL) com presença de

enterite e destruição do epitélio das

criptas intestinais, com vômito e

diarreia, mimetizando a

panleucopenia felina.

Tratamento: tratamento sintomático

com tratamento da sepse.

PANCITOPENIA

Anemia aplásica e pancitopenia

severa

(não-regenerativa)

Alteração da expressão

genética hematopoiética

induzida pelo vírus

(comumente pelo FeLV-C)

que afeta os primeiros

precursores hematopoiéticos;

afeta múltiplas linhagens

celulares (desde o nível de

células-tronco).

Achados: anemia não regenerativa,

trombocitopenia, leucopenia.

Tratamento: pouca resposta aos

estimulantes da medula óssea ou

terapia imunossupressora ou

transplante de medula óssea.

Leucemia Processo neoplásico induzido

pelo vírus envolvendo

linhagens celulares mieloides

Achados: anemia-não regenerativa,

comumente também há neutropenia

e trombocitopenia, com grande

21

ou linfoides. aumento de linfócitos ou

precursores de granulócitos em

sangue periférico.

Tratamento: pouca resposta para

terapia antitumoral.

Doença mieloproliferativa

(eritroleucemia/mielose eritrêmica,

reticuloendoteliose, leucemias

granulocíticas variadas).

Transformação neoplásica de

precursores de eritrócitos,

granulócitos, ou precursores

plaquetários, oude células

tronco, ou de todas essas

linhagens de células; induzida

pelo vírus.

Achados: anemia-não regenerativa,

frequentemente com macrocitose e

variados números e tipos de

eritrócitos nucleados e células

neoplásicas em esfregaços

sanguíneos.

Tratamento: pouca resposta para

quimioterapia antitumoral.

Mielofibrose Proliferação anormal de

fibroblastos resultante de uma

estimulação crônica da

medula óssea, como atividade

crônica da medula devido a

uma regeneração hiperplásica

ou neoplásica causada pelo

FeLV.

Achados: Pancitopenia severa,

superfície endosteal com

obliteração da cavidade medular.

Alterações geralmente não

diagnosticadas em aspirado de

medula, necessitando de biópsia.

Tratamento: prognóstico ruim;

tratamento da condição clínica

subjacente.

FONTE: Hartmmann 2012 a, 2012.

1.5.2. Alterações não hematológicas

As alterações não hematológicas observadas em gatos com FeLV são

imunossupressão, doenças imunomediadas, desordens reprodutivas, neuropatias, e tumores

não hematológicos (HARTMANN, 2012 a, LUTZ et al., 2009).

22

1.6. Diagnóstico:

A maioria dos testes diagnósticos de rotina utiliza anticorpos poli ou monoclonais

contra a proteína mais importante do núcleo do FeLV, a p27, a qual é detectada em amostras

de soro, plasma ou sangue total (CRAWFORD, 2011; SOUZA & TEIXEIRA, 2003). Essa

proteína é abundante no plasma e no citoplasma das células infectadas durante a fase aguda da

infecção e nos gatos progressivamente infectados. As técnicas utilizadas para a detecção da

proteína viral são a imunomigração rápida, a imunofluorescência indireta (IFI) e o teste de

imunoadsorção enzimática (ELISA), sendo os dois últimos os mais utlizados (SOUZA &

TEIXEIRA, 2003).

Geralmente, os testes de triagem que detectam antígenos solúveis são reagentes em 30

dias após a exposição viral, mas o desenvolvimento de antigenemia é variável, especialmente

em gatos com infecção regresiva. Os filhotes podem ser testados a qualquer momento, porque

os anticorpos maternos adquiridos passivamente contra o FeLV não interferem com o teste

para antigeno viral. No entanto, os filhotes infectados como resultado da transmissão materna

podem ser negativos nos testes durante semanas a meses após o nascimento (CRAWFORD,

2011).

Felinos que apresentam resultados positivos para ELISA deverão estar sob infecção

transitória ou estão persistentemente infectados. Trinta por cento desses gatos podem

converter para um estado negativo, devido à infecção transitória ou ao desenvolvimento de

uma infecção latente. Gatos positivos no ELISA, principalmente animais com sintomatologia

clínica do FeLV, deverão ser novamente testados para o vírus pela IFI e/ou ELISA quatro a

oito semanas depois, para detectar se a viremia é transitória ou persistente (SILVA, 2007).

Os felinos com resultados positivos na técnica de ELISA que posteriormente se

tornam negativos, provavelmente desenvolveram anticorpos neutralizantes, e estão com

infecção latente ou com infecção sequestrada. Os felinos com infecção latente ou localizada

podem ser imunodeficientes ou podem se tornar virêmicos (IFI e ELISA positivos) após

receberem corticoides ou em consequência de estresse externo (NELSON & COUTO, 2006).

Os testes que utilizam a metodologia ELISA são altamente sensíveis, detectando quase

100% dos gatos antigenêmicos. No entanto, a especificidade desses teste é baixa, já a IFI

apresenta alta especificidade. Os gatos com infecção regressiva serão negativos nos testes que

detectam os antígenos virais, e esses gatos devem ser testados com técnicas mais sensíveis,

como a PCR (WILLETT & HOSIE, 2013).

23

Alguns estudos sugerem que a infecção latente por FeLV pode ser detectada por PCR

no sangue. Entretanto, estudos posteriores mostram que a PCR da medula óssea continua

sendo a ferramenta diagnóstica mais sensível para detectar infecções latentes do que a PCR de

células sanguíneas. Isto talvez seja observado pelo fato de que amostras de sangue contém

menos células do que as amostras de medula óssea por volume, o que explicaria a diferença

na sensibilidade (STÜTZER et al., 2010).

A American Association of Feline Practitioners (AAFP) (LEVY et al., 2008) e

o European Advisor Board on Cat Diseases (ABCD) (LUTZ et al., 2009) recomendam que o

diagnóstico de FeLV deve ser realizado com teste de triagem pela detecção de antígeno por

ELISA, sendo todo resultado positivo confirmado com um segundo teste para detectar o

antígeno p27 ou o DNA proviral por PCR, após um período de um mês do teste de triagem. A

PCR é recomendada para diagnóstico precoce, uma vez que detecta DNA proviral na primeira

semana após infecção.

1.7. Tratamento

1.7.1. Tratamento de suporte

O tratamento de suporte dos gatos infectados pelo FeLV visa conter as infecções

secundárias e oportunistas, como também a desidratação, a anemia e a desnutrição. A decisão

de quando iniciar o tratamento paliativo e sintomático nos gatos com infecções concomitantes

não depende apenas da positividade do exame para o FeLV, embora a infecção por esse

retrovírus possa influenciar no prognóstico do paciente. O aspecto essencial na terapia é o

diagnóstico preciso da causa da doença (SOUZA & TEIXEIRA, 2003).

Fluidoterapia, administração de vitaminas, antibióticos, antifúngicos, antiparasitários e

outros fármacos que tratam as infecções secundárias são a base da terapia de suporte de gatos

com FeLV. Cabe ressaltar que a antibioticoterapia deve ser instaurada de forma agressiva,

longa duração e com doses muito elevadas (CASTRO, 2012).

A transfusão de sangue total pode ser necessária, visto que muitas doenças

relacionadas ao FeLV são acompanhadas por anemia não-regenerativa ou síndrome

panleucopênica. Adicionalmente, gatos com FeLV podem ter anemia hemolítica em

consequência do vírus, por si só, pelos micoplasmas hemotrópicos, os quais respondem bem à

terapia com doxiciclina (SOUZA & TEXEIRA, 2003). Na tabela 1 encontram-se outras

recomendações de tratamento para as alterações hematológicas.

24

1.7.2. Tratamento antiviral

A eficácia dos agentes antivirais é limitada e muitos gatos apresentam efeitos

colaterais graves (HARTMANN, 2006). Um antirretroviral rotineiramente utilizado no

exterior é o AZT (3’-azido-2’,31-dideoxitimida) (LUTZ et al., 2009), contudo, no legislação

brasileira proibe a prescrição desse medicamento por médicos veterinários (TURRAS, 2014).

1.8. Prevenção e controle

Por se tratar de um vírus envelopado, o FeLV é muito sensível ao meio externo.

Detergentes e alvejantes podem facilmente eliminá-lo, reduzindo a chance de contaminação

de gatos por exposição ao vírus no ambiente (HARTMANN, 2006; FENNER, 2011).

A identificação precoce de gatos com resultado positivo permite a implantação de

ações para prevenir a disseminação da infecção pela segregação e otimização dos cuidados de

saúde dos gatos infectados (CRAWFORD, 2011). O método ideal de controle do FeLV

consiste em evitar o contato entre os gatos infectados com os não-infectados, e isolar todos os

animais virêmicos, sendo o teste repetido a cada 3 meses, até todos se tornarem negativos

(CASTRO, 2012).

Os gatos infectados pelo FeLV devem ser mantidos domiciliados, sem acesso à rua

para evitar a contaminação de outros gatos e a exposição à agentes oportunistas. O controle de

pulgas deve ser realizado para se evitar a exposição aos micoplasmas hemotrópicos. Aos

felinos já infectados pelo vírus, não deve ser permitida a caça ou a alimentação com carnes

mal cozidas, para se evitar a contaminação por Toxoplasma gondii, Cryptosporidium parvum,

Giardia spp. e outros agentes infecciosos transmitidos por carnes (NELSON & COUTO,

2006).

As vacinas essenciais (panleucopenia, calicivirose e rinotraqueíte viral felina) e a

vacina antirrábica devem ser administradas aos gatos assintomáticos positivos para o FeLV,

preferencialmente, devem ser utilizadas as vacinas inativadas. Ultimamente sugere-se uma

mudança no protocolo vacinal, sendo que após o primeiro reforço anual, as imunizações

seguintes devem ter um intervalo de três anos (SOUZA & TEIXEIRA, 2003). Este intervalo

maior entre as revacinações se deve a uma preocupação sobre o excesso de vacinação em

animais de companhia, em particular, a ocorrência nos gatos de sarcoma nos locais de

25

aplicação das vacinas. Devido uma potente resposta inflamatória no local da injeção ocorre a

predisposição ao desenvolvimento de sarcomas de tecidos moles, causados, principalmente,

pelos adjuvantes indutores de marcada resposta inflamatória e imunógenos (WILLETT &

HOSIE, 2013).

Nenhuma vacina promove 100% de proteção e nem previne a infecção, mas previne o

desenvolvimento de antigenemia persistente. Desta forma, os gatos vacinados tem menor

risco de desenvolver doenças relacionadas ao FeLV e tem maior sobrevida. A indicação é de

que filhotes devem receber a 1ª dose a partir da oitava semana de vida e a 2ª após a quarta

semana, com reforço anual. A vacinação não é obrigatória e as vacinas não interferem nos

testes de diagnóstico. Assim, a decisão de vacinar ou não deve ser tomada considerando-se,

principalmente, o estilo de vida do animal, onde os gatos com aceso à rua ou os que vivem em

abrigos com rotatividade e animais devem ser vacinados (FIGUEIREDO & ARAÚJO

JÚNIOR, 2011).

26

CONCLUSÕES

O vírus da leucemia felina (FeLV) é um patógeno importante para os gatos

domésticos, devido a sua alta infectividade, patogenicidade e ausência de terapia antiviral

específica. Um grande espectro de manifestações clínicas pode ser observado em decorrência

da infecção pelo FeLV. A anemia é a alteração hematológica mais comumente observada em

gatos com FeLV, porém outras citopenias também podem estar presentes. Outra manifestação

hematológica importante é a neoplasia hematopoiética que é responsável por síndromes de

supressão da medula óssea. A compreensão dos mecanismos patogênicos do vírus sobre o

sistema hematopoiético é de fundamental importância para se estabelecer o tratamento

adequado. Todos os gatos, em pelo menos um momento da vida, devem ser testados para

determinar o seu status com relação à esta importante infecção, pois a identificação precoce

de gatos com resultado positivo permite a implantação de ações para prevenir a disseminação

da infecção pela segregação e otimização dos cuidados de saúde dos gatos infectados.

27

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