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Universidade Estadual de Maringá 24 a26 de setembro de 2008 1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CODEX IURIS CANONICI E SUA INFLUÊNCIA NA SOCIEDADE CRISTIANIZADA MACIEL, Cássia Giseli Beraldo Pereira. 1 COSTA, Célio Juvenal 2 Uma das características que diferencia uma sociedade politicamente organizada daquelas consideradas bárbaras, é que nas primeiras, as regras e normas sejam de procedência jurídica, sejam religiosas, se fizeram presentes para a regulação das relações sociais, da organização política e administrativa das cidades e acima de tudo para a preservação do homem enquanto indivíduo inserido num contexto coletivo. Podemos constatar isso não só na Idade Média, palco de profundas invasões bárbaras, mas até mesmo no período antigo. O Direito instituído diferenciou, por exemplo, o império romano das demais monarquias. Portanto, o Direito é considerado um fenômeno cultural, cujo papel de destaque é justamente se fazer presente para responder às necessidades da sociedade naquilo que se volta para as questões de ordem jurídica e administrativa, tanto na esfera individual quanto coletiva. Assim, para cada sociedade e para cada época, ele caminha conforme as necessidades e complexidades que vão surgindo entre os homens. Porém, é um fato histórico que, além do entendimento das leis civis que foram sendo criadas em tempos determinados, juntamente com elas foram surgindo as leis religiosas e doutrinárias, baseadas em regras morais, cuja predominância encontramos com bastante ênfase nas Sagradas Escrituras, muito manuseada no período antigo e medieval da era cristã. Até porque, era uma fonte de consulta disponível que supriu em muito as necessidades daquela sociedade, que ainda não dispunha de outras fontes como ocorreria a partir dos séculos XII e XIII em diante. Por isso, ao voltarmos nossos olhos para a antiguidade cristianizada, ao analisarmos, por exemplo, o pensamento de Santo Agostinho, toda sua filosofia cristã pauta-se no entendimento de que o conhecimento era dom de Deus e este o único mestre capaz de 1 Aluna do Mestrado em Educação da UEM 2 Professor Doutor do Mestrado em Educação da UEM– orientador

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Universidade Estadual de Maringá 24 a26 de setembro de 2008

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CODEX IURIS CANONICI E SUA

INFLUÊNCIA NA SOCIEDADE CRISTIANIZADA

MACIEL, Cássia Giseli Beraldo Pereira.1 COSTA, Célio Juvenal 2

Uma das características que diferencia uma sociedade politicamente organizada

daquelas consideradas bárbaras, é que nas primeiras, as regras e normas sejam de

procedência jurídica, sejam religiosas, se fizeram presentes para a regulação das

relações sociais, da organização política e administrativa das cidades e acima de tudo

para a preservação do homem enquanto indivíduo inserido num contexto coletivo.

Podemos constatar isso não só na Idade Média, palco de profundas invasões bárbaras,

mas até mesmo no período antigo. O Direito instituído diferenciou, por exemplo, o

império romano das demais monarquias.

Portanto, o Direito é considerado um fenômeno cultural, cujo papel de destaque é

justamente se fazer presente para responder às necessidades da sociedade naquilo que se

volta para as questões de ordem jurídica e administrativa, tanto na esfera individual

quanto coletiva. Assim, para cada sociedade e para cada época, ele caminha conforme

as necessidades e complexidades que vão surgindo entre os homens.

Porém, é um fato histórico que, além do entendimento das leis civis que foram sendo

criadas em tempos determinados, juntamente com elas foram surgindo as leis religiosas

e doutrinárias, baseadas em regras morais, cuja predominância encontramos com

bastante ênfase nas Sagradas Escrituras, muito manuseada no período antigo e medieval

da era cristã. Até porque, era uma fonte de consulta disponível que supriu em muito as

necessidades daquela sociedade, que ainda não dispunha de outras fontes como

ocorreria a partir dos séculos XII e XIII em diante.

Por isso, ao voltarmos nossos olhos para a antiguidade cristianizada, ao analisarmos, por

exemplo, o pensamento de Santo Agostinho, toda sua filosofia cristã pauta-se no

entendimento de que o conhecimento era dom de Deus e este o único mestre capaz de

1 Aluna do Mestrado em Educação da UEM 2 Professor Doutor do Mestrado em Educação da UEM– orientador

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ensinar. Porém, devido ao próprio desenvolvimento civilizatório e das próprias

necessidades que foram surgindo, todo o conhecimento que até então era fundado nas

bases agostinianas ganham um novo espaço, uma renovação de saberes, como

exemplifica Jacques Verger3. Novos mestres surgem para efetuarem uma exegese mais

profunda dos textos das autoridades antigas e manuscritos antigos são retomados para

uma releitura voltada a atender os interesses sociais cada vez mais exigentes.

Dentro da perspectiva do ensino jurídico, por exemplo, o Corpus Iuris Civilis, uma

compilação de direito romano realizada pelo imperador Justiniano no século VI, torna-

se a base do ensino jurídico na universidade de Bolonha a partir do século XIII. Mas

antes desse renascimento do direito romano, e usamos esta expressão devido ao fato de

que o direito romano havia caído em desuso na sociedade antiga cristianizada e no

decorrer da baixa Idade Média, imperaram as leis eclesiásticas, que perdurou do século I

ao XI na esfera do ensino. Aqui entendemos que o período antigo alcança do século I ao

V e a baixa Idade Média do século VI ao XII, conforme entendimento da historiografia

francesa.

Os saberes até então se baseavam nas três artes do trivium, que abrangia a Gramática, a

retórica e a dialética, e as do quadrivium, considerada as artes das coisas e dos

números, como a aritmética, a música, a astronomia e a geometria. A Teologia e a

Filosofia era a fonte dos debates. O ensino do Direito se pautava na análise do Direito

Canônico, voltado para os Decretos de Graciano.

Dentro do tema proposto, voltaremos nosso interesse para o do Direito Canônico.

Numa visão jurídica voltada para as relações privadas, o direito civil sem dúvida seria o

ponto de partida, por ser um instrumento dinâmico no seio de qualquer sociedade,

porém o direito que estava inserido no contexto do ensino teológico do século XII ainda

era o canônico.

Assim, é primordial esclarecer que, ao se falar em direito canônico, não é afirmar que o

mesmo nasceu nesta sociedade medieval, pelo contrário, o direito, enquanto mecanismo

regulador das relações é bem mais remoto, cuja base encontra-se tanto no Código de

3 Jacques Verger nasceu em outubro de 1943, em Talence, Gironde, França. Estudou na Ècole Normale Superieure e foi professor assistente da Universidade de Nancy. È Doutor em Letras, lecionando na Universidade de Paris.www.fe.unb.br, acessado em 04/07/08.Revista de Pedagogia.

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Hamurabi4 quanto nas leis deuteronômicas do Antigo Testamento. Mas reconhecemos

como fruto do período medieval as compilações eclesiásticas que resultaram no decreto

de Graciano e posteriormente no Código canônico, inclusive instrumento até hoje

existente na Igreja Católica Romana. Foi o monge Graciano quem produziu pela

primeira vez a compilação do direito canônico, cujo trabalho acadêmico ficou

conhecido como Decreto de Graciano.

O Direito Romano nada mais era do que um Código, cuja compilação havia sido feita

sob as ordens do Imperador Justiniano em Constantinopla por volta do ano 500 d.C.

Este código foi a compilação de todas as leis anteriores do Império Romano, cuja obra

final ficou conhecida como Codex Juris Civilis, que até hoje é a fonte de estudo do

direito romano. Este Código Romano e o Decreto de Graciano passaram a ser a fonte de

estudo e comentários dos professores e alunos da Universidade de Bolonha. Foi por

este motivo que Bolonha recebeu incentivos da monarquia, que buscava descobrir uma

maneira de se impor sobre os senhores feudais, legalizando através de leis o poder

soberano do monarca. Para tanto, se utilizavam do pensamento intelectual da

universidade para firmarem suas pretensões.

É dentro deste contexto que nos ensinos universitários nota-se a tendência imposta tanto

do direito canônico quanto do secular. Dos estudos do decreto de Graciano, os alunos

têm acesso aos elementos jurídicos do Código de Justiniano.

Num período em que as incursões nômades retalhavam o império romano, e neste

preponderava também as influências helênicas e bizantinas, romanizar talvez tenha sido

a idéia central de Justiniano, para manter viva a idéia de império. Neste aspecto, é de se

reconhecer que seu nome se perpetuou. Esta fase permanece até o século VI, onde então

as leis canônicas começam a ter um espaço significativo, moldando toda a concepção

filosófica do período, sendo que somente no século XIII, vai ocorrer uma retomada

desta ciência jurídica no curso de Direito em Bolonha.

Durante toda a República, o direito sofre várias influências novas, deixando cada vez

mais o primitivismo da Idade Antiga, e uma assimilação começa ocorrer com outros

4 O Código de Hamurabi é um dos mais antigos conjuntos de leis já encontrados, e um dos exemplos mais bem preservados deste tipo de documento da antiga Mesopotâmia. Segundo os cálculos, estima-se que tenha sido elaborado por Hamurabi por volta de 1700 a.C.

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povos, como os gregos, por exemplo. As regras muito rígidas, formais, que espelhavam

um período mais antigo, começam a se abrandar com os princípios helênicos, e um novo

processo jurídico toma forma, para regular as relações sociais. O nascimento de um

direito, chamado pretoriano, permite aos magistrados ir além da letra fria da norma, e o

princípio da equidade encontra sua raiz, no senso de Justiça. Vale ressaltar o comentário

de Silvio Meira (p.25):

O magistrado não se limitava a aplicar o dispositivo legal, por vezes injusto. Supria-lhe as lacunas, corrigia as suas injustiças, abrandava a sua cruel rigidez. Servia-se, para isso, dos editos ( Edicta repentina, translatícia e perpetua). Ao tempo do Império tão volumoso e complexo se tornara o direito pretoriano que Adriano entregou ao jurisconsulto Sálvio Juliano a tarefa de promover a sua codificação, surgindo, assim o famoso Edictum Perpetuum de Sálvio Juliano.

Mas o direito romano sofre uma decadência, iniciando-se com Diocleciano, estendendo-

se até Justiniano, onde os grandes jurisconsultos, sistematizadores e magistrados deixam

de existir. Um novo tipo de intérprete surge: o compilador. Justiniano, então, no século

VI, encerra sua obra de compilação, criada através de pessoas por ele constituídas, nas

quais se encontravam advogados, professores, juristas e organizou dois códigos,

conhecidos como as Institutas e o Digesto ou Pandecta.

O objetivo de Justiniano foi promover a atualização de todo o direito acumulado através

dos séculos. O Corpus Iuris Civilis continha todas as Constituições; as Institutas era

um manual para se estudar o Direito e o Digesto continha toda a doutrina dos

jurisconsultos clássicos, devidamente catalogada.

Mas a influência do império bizantino e das várias regiões bárbaras que não se

utilizavam de um direito específico, o direito romano sofreu várias deformações. Por

isso, na faculdade de Direito de Bolonha, surge o interesse de se voltar para o estudo

dos clássicos da antiguidade, e uma nova releitura começa então a se efetuar, baseando-

se na letra da lei, para que, com uma racionalidade necessária, a sociedade medieval

pudesse obter respostas que o direito canônico já não poderia fornecer na sua

concretude. Ocorre que durante o tempo em que o direito romano esteve em desuso,

predominou o direito canônico. Somente no século XIII irá se retomar novamente o

direito romano, mas sem destituir o canônico.

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Tanto é que no período do século I ao XI podemos encontrar uma perspectiva

classificatória para o Direito Canônico, que foi a fase de formação. Mas a partir do

século XI e XII, ele começa a se estabilizar, para então se consolidar nos séculos XIII e

XV, recebendo uma renovação no século XVI. Mas o século de maior destaque

consideramos o XI, se levarmos em conta que foi neste período que se realizaram as

compilações de todas as regras, concílios e normas da Igreja, que encontravam-se

esparsas. Também consideramos que a Igreja, neste período, passava por uma profunda

crise política.

Segundo Roesler (2004, p.11), Graciano:

foi um monge camaldolese que viveu em Bolonha e do qual pouco se sabe. Reporta-se que teria nascido em Chiusi, mas não se sabe precisamente a data, assim como não se consegue precisar a data de sua morte, embora se saiba que ocorreu antes do Concílio de Laterano, ocorrido em 1179. Foi monge no convento dos Santos Nabor e Felix em Bolonha onde teria ensinado Direito Canônico.

Quanto ao Decreto, o mesmo é datado por volta do século XII, entre os anos de 1140 e

1145. Entende-se por direito canônico o ensino das doutrinas religiosas que têm força de

lei, extraída das normas, regras e atos normativos da Igreja. Sua base pode estar tanto

nas Escrituras, cujo caráter seria divino, quanto nas regras de natureza administrativa,

portanto consideradas laicas, por serem criações da razão humana.

Seu nascimento justifica-se pela própria necessidade que a Igreja teve de se auto-

administrar no decorrer de sua História, bem como manter a unidade de seu pensamento

e a regulação do próprio clero. Suas normas tinham abrangência, portanto, não só para

as questões eclesiásticas internas, como a estruturação hierárquica da Igreja, mas

também noções de direito natural, civil e costumeiro. Essa estreita ligação que o direito

canônico vai ter com o romano justifica-se pelo reconhecimento que a Igreja vai receber

enquanto instituição pelo Império Romano, através do Edito de Milão de 313. Assim,

nada mais oportuno e urgente do que criar as novas normas de sua composição

eclesiástica e de firmar o seu pensamento teológico, até porque o ensino partia da Igreja.

Através dos vários Concílios que surgiram no decorrer da História da Igreja, as suas

normas necessitaram ser sistematizadas no século XII, para que a Igreja pudesse ter um

documento jurídico que regulasse não só a sua estrutura interna, mas a sua própria

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relação com a sociedade medieval. Além das normas criadas pelos concílios, somam-se

as doutrinas construídas pelos Pais da Igreja.

O fato do século XI ter sido farto de acontecimentos históricos, como a reforma da

Igreja, o feudalismo e o surgimento das cidades por toda a Itália, nada além do direito

para regular as novas relações, porque sabemos que o mesmo tem como característica

esta importância, de se adequar às necessidades de cada época, para trazer respostas

sociais. Com a influência cada vez maior da filosofia dentro do pensamento da Igreja, a

retomada de textos aristotélicos, a discussão sobre fé e razão, o espaço aberto para o

início dos novos ensinos laicos, tudo isso proporciona a estruturação do direito como

um ensino autônomo. E não seria diferente com o ensino canônico, desvinculando-se

cada vez mais da teologia para se firmar como um conjunto de regras jurídicas próprias

aplicáveis à Igreja e à sociedade.

Outrora, onde houve uma incompatibilidade do direito romano com o canônico, no de

correr dos séculos seguintes percebe-se uma harmonização cada vez mais crescente, que

irá pautar a característica da universidade medieval naquilo que se volta para o ensino

jurídico, e o direito canônico juntamente com o romano serão o parâmetro para regular

as relações de uma sociedade complexa, cuja grande marca inicia-se com a disputa entre

Igreja e monarquia.

Roesler (2004, p.24) explica que “o decreto, como repositório dos resultados da luta

travada durante os séculos que o procederam, pode ser entendido como tentativa de

harmonização e conciliação doutrinária entre as diversas forças que existiam dentro da

Igreja em sua época.” O decreto é longo, totalizando 3.548 textos, e possui uma

racionalidade muito bem demonstrada, caracterizada pelas compilações anteriores do

contexto interno da Igreja. Posteriormente, o Código foi modernamente codificado em

1917 pela Igreja Católica Romana, como explica o texto abaixo:

Seria, contudo, o Papa Bento XV, em 1917, pela Constituição "Providentissima Mater Ecclesia" (27/05/1917), quem promulgaria o primeiro Código de Direito Canônico da Igreja Católica, que passou a vigorar no ano seguinte (19/05/1918). Finalmente estavam integradas e sistematizadas as leis da Igreja Católica dispersas em diversos documentos exarados pelo magistério eclesiástico ao longo de sua história bimilenar. Em 1983 o Papa João Paulo II promulgou o segundo Código de Direito Canônico da Igreja latina, revogando o de

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1917. Código Canônico atualmente em vigor, que incorporou as diretrizes do Concílio Vaticano II e as decisões posteriores do supremo magistério eclesiástico, associadas às deliberações deste Concílio. (Código Canônico. In: Doutrina Católica )

O Decreto de Graciano, até então, eram textos que serviam para o ensino do Direito

Canônico, sendo mais tarde incorporado como Código Canônico ou Codex Iuris

Canonici. Ilustramos agora alguns trechos do Código, traduzidos pela Igreja Romana,

sobre a composição hierárquica da Igreja, cuja autoridade está na pessoa do sumo

pontífice, o papa:

PARS II DE ECCLESIAE CONSTITUTIONE HIERARCHICA

SECTIO I DE SUPREMA ECCLESIAE AUCTORITATE

CAPUT I DE ROMANO PONTIFICE DEQUE COLLEGIO EPISCOPORUM

Can. 330 - Sicut, statuente Domino, sanctus Petrus et ceteri Apostoli unum Collegium

constituunt, pari ratione Romanus Pontifex, successor Petri, et Episcopi successores

Apostolorum, inter se coniunguntur.

Art. 1

DE ROMANO PONTIFICE

Can. 331 - Ecclesiae Romanae Episcopus, in quo permanet munus a Domino

singulariter Petro, primo Apostolorum, concessum et successoribus eius

transmittendum, Collegii Episcoporum est caput, Vicarius Christi atque universae

Ecclesiae his in terris Pastor; qui ideo vi muneris sui suprema, plena, immediata et

universali in Ecclesia gaudet ordinaria potestate, quam semper libere exercere valet.

Can. 332 - § 1. Plenam et supremam in Ecclesia potestatem Romanus Pontifex obtinet

legitima electione ab ipso acceptata una cum episcopali consecratione. Quare, eandem

potestatem obtinet a momento acceptationis electus ad summum pontificatum, qui

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episcopali charactere insignitus est. Quod si charactere episcopali electus careat, statim

ordinetur Episcopus.

§ 2. Si contingat ut Romanus Pontifex muneri suo renuntiet, ad validitatem requiritur ut

renuntiatio libere fiat et rite manifestetur, non vero ut a quopiam acceptetur.

Can. 333 - § 1. Romanus Pontifex, vi sui muneris, non modo in universam Ecclesiam

potestate gaudet, sed et super omnes Ecclesias particulares earumque coetus ordinariae

potestatis obtinet principatum, quoquidem insimul roboratur atque vindicatur potestas

propria, ordinaria et immediata, qua in Ecclesias particulares suae curae commissas

Episcopi pollent.

§ 2. Romanus Pontifex, in munere supremi Ecclesia Pastoris explendo, communione

cum ceteris Episcopis immo et universa Ecclesia semper est coniunctus; ipsi ius tamen

est, iuxta Ecclesiae necessitates, determinare modum, sive personalem sive collegialem,

huius muneris exercendi.

§ 3. Contra sententiam vel decretum Romani Pontificis non datur appellatio neque

recursus.

Can. 334 - In eius munere exercendo, Romano Pontifici praesto sunt Episcopi, qui

eidem cooperatricem operam navare valent variis rationibus, inter quas est synodus

Episcoporum. Auxilio praetera ei sunt Patres Cardinales, necnon aliae personae itemque

varia secundum temporum necessitates instituta; quae personae omnes et instituta,

nomine et auctoritate ipsius, munus sibi commissum explent in bonum omnium

Ecclesiarum, iuxta normas iure definitas.

Can. 335 - Sede romana vacante aut prorsus impedita, nihil innovetur in Ecclesiae

universae regimine: serventur autem leges speciales pro iisdem adiunctis latae.

Na versão traduzida pela Igreja Católica Romana, em língua castelhana, podemos

observar os seguintes preceitos:

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PARTE II

DE LA CONSTITUCION JERARQUICA DE LA IGLESIA

SECCION I

DE LA SUPREMA AUTORIDAD DE LA IGLESIA (Cann. 330 – 367)

CAPÍTULO I

DEL ROMANO PONTÍFICE Y DEL COLEGIO EPISCOPAL

330 Así como, por determinación divina, San Pedro y los demás Apóstoles constituyen un Colegio, de igual modo están unidos entre sí el Romano Pontífice, sucesor de Pedro, y los Obispos, sucesores de los Apóstoles.

Art. 1

DEL ROMANO PONTÍFICE

331 El Obispo de la Iglesia Romana, en quien permanece la función que el Señor encomendó singularmente a Pedro, primero entre los Apóstoles, y que había de transmitirse a sus sucesores, es cabeza del Colegio de los Obispos, Vicario de Cristo y Pastor de la Iglesia universal en la tierra; el cual, por tanto, tiene, en virtud de su función, potestad ordinaria, que es suprema, plena, inmediata y universal en la Iglesia, y que puede siempre ejercer libremente.

332 § 1. El Romano Pontífice obtiene la potestad plena y suprema en la Iglesia mediante la elección legítima por él aceptada juntamente con la consagración episcopal. Por lo tanto, el elegido para el pontificado supremo que ya ostenta el carácter episcopal, obtiene esa potestad desde el momento mismo de su aceptación. Pero si el elegido carece del carácter episcopal, ha de ser ordenado Obispo inmediatamente.

§ 2. Si el Romano Pontífice renunciase a su oficio, se requiere para la validez que la renuncia sea libre y se manifieste formalmente, pero no que sea aceptada por nadie.

333 § 1. En virtud de su oficio, el Romano Pontífice no sólo tiene potestad sobre toda la Iglesia, sino que ostenta también la primacía de potestad ordinaria sobre todas las Iglesias particulares y sobre sus agrupaciones, con lo cual se fortalece y defiende al mismo tiempo la potestad propia, ordinaria e inmediata que compete a los Obispos en las Iglesias particulares encomendadas a su cuidado.

§ 2. Al ejercer su oficio de Pastor supremo de la Iglesia, el Romano Pontífice se halla siempre unido por la comunión con los demás Obispos e incluso con toda la Iglesia; a él compete, sin embargo, el derecho de determinar el modo, personal o colegial, de ejercer ese oficio, según las necesidades de la Iglesia.

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§ 3. No cabe apelación ni recurso contra una sentencia o un decreto del Romano Pontífice.

334 En el ejercicio de su oficio están a disposición del Romano Pontífice los Obispos, que pueden prestarle su cooperación de distintas maneras, entre las que se encuentra el sínodo de los Obispos. Le ayudan también los Padres Cardenales, así como otras personas y, según las necesidades de los tiempos, diversas instituciones. Todas estas personas e instituciones cumplen en nombre del Romano Pontífice y con su autoridad la función que se les encomienda, para el bien de todas las Iglesias, de acuerdo con las normas determinadas por el derecho.

335 Al quedar vacante o totalmente impedida la sede romana, nada se ha de innovar en el régimen de la Iglesia universal: han de observarse, sin embargo, las leyes especiales dadas para esos casos.

É muito interessante o texto que consta no artigo primeiro, da Parte II do Livro II do Código. Ali

vemos instituída a hierarquia da Igreja Católica Romana, seu poder espiritual e supremo na terra,

bem como o poder espiritual do papa sobre os homens, ao receber o título de vicário de Cristo e

Pastor universal da Igreja na terra. Neste primeiro artigo, a base canônica para instituir o papa

está no entendimento de que por ordem divina, o apóstolo Pedro e os demais apóstolos são os que

formam o Colégio representativo da Igreja. Unindo a eles, encontra-se o papa, considerado sumo

pontífice romano, como sendo o sucessor de Pedro e os bispos sendo sucessores dos apóstolos.

Aqui o interesse exegético volta-se para a questão da composição eclesiástica da Igreja. Podemos

notar aqui a fonte que fundamentou este artigo, ao analisarmos o texto do Evangelho de Mateus5,

capítulo 1, versículo 18, em que consta:

Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as

portas do inferno não prevalecerão contra ela.

O entendimento do artigo primeiro do Código canônico ainda é o que prevalecesse na Igreja

Romana, instituído como lei. No período medieval, esta influência na sociedade cristianizada foi

motivo de profundas discussões. Por conta disso, os papas detinham poderes considerados

espirituais e terrenos, cuja potestade alcançava a pessoa do monarca. A partir do século XIII, as

influências papais na política foram questionadas de tal forma que originou o cisma entre Igreja e

Estado, ao travarem as relações de qual poder detinha o poder terreno ou secular.

5Bíblia de Estudo Vida, versão Almeida Revista e Atualizada, 1998.

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Mas o entendimento teológico que hoje predomina na Igreja reformada sobre a autoridade papal

como sucessor de Pedro não é aceita. Naquilo que a exegese tem oferecido sobre o texto de

Mateus, é que a pedra que Cristo ali aponta não é a pessoa de Pedro, mas a Dele próprio, como

observamos no próprio texto gramatical do versículo “...também eu te digo que tu és Pedro e

sobre esta pedra edificarei minha igreja...” Ao fazermos uma análise gramatical, “esta pedra”

refere-se à autoridade que falava com o discípulo naquele momento, que era Jesus.

Evidentemente, considera-se Pedro um dos primeiros a iniciar os trabalhos realizados pela igreja

primitiva, mas a autoridade espiritual não vinha dele próprio, mas de Cristo sobre ele. Na

verdade, o que se percebe é que Jesus deixava claro para os discípulos a sua identidade enquanto

“cabeça”6 da Igreja. Se voltarmos para os versos anteriores, quando Jesus pergunta aos discípulos

quem Ele é, Pedro responde que ele é o Filho de Deus. Vemos aqui o reconhecimento de Pedro

sobre a pessoa de Jesus como autoridade enviada por Deus e que era Ele mesmo a pedra

fundamental que daria inicio à existência da Igreja. E Ele mesmo enquanto “cabeça”, lhe

conferiria poderes espirituais sobre o inferno.

Não há aqui referência suficiente para considerarmos Pedro como o primeiro papa, mas sim como

um dos líderes da igreja, até porque temos a presença de Paulo e de outros apóstolos fundando a

igreja nas diversas regiões da Judéia, Grécia e Itália. O que fica claro é que o Código Canônico é

um produto do período medieval e que a Igreja Romana, ao continuar adotando-o demonstra que

suas bases são mantidas pela tradição. Quando esta Igreja defende que ao papa confere toda a

autoridade espiritual sobre a igreja, concorda que até mesmo os seus decretos não sofrem

alterações em decorrência de qualquer apelação ou recurso, inclusive sendo isto proibido.

Este ponto sobre a autoridade papal foi uma das várias teses apresentadas no século XVI por

Martinho Lutero que provocaram o cisma da Igreja Romana, originando a Igreja reformada, hoje

considerada como apostólica, porém não romana. Assim, as regras jurídicas do Código Canônico

só têm influência sobre a sociedade cristianizada pertencente à Igreja Romana, e não mais aos

demais cristãos que não fazem parte deste corpo eclesiástico. Sua aplicabilidade, portanto, é

relativa e não mais absoluta como foi no passado medieval.

6 Termo usado na Bíblia pelo Apóstolo Paulo em várias passagens no Novo Testamento, indicando Cristo como o representante maior da Igreja. Paulo escreveu: “como também Cristo é o cabeça da Igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo” (Efésios 5:23–25). O termo “cabeça” também remete Cristo como a autoridade suprema.

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A INFLUÊNCIA DO CÓDIGO CANÔNICO PARA A TEOLOGIA

Evidentemente, o Código Canônico teve a sua relevância e continua tendo, na medida em que ele

está ainda em aplicabilidade na Igreja Católica Romana, apesar de alterações sofridas no século

XX, para efeito de adequação. Na sociedade medieval, era o instrumento que regia as regras de

condutas e suas leis ali expressas, manifestavam o pensamento da Igreja no decorrer dos séculos.

Apesar de ser definitivamente instituído somente no século XII, ele era a sistematização das

regras, normas e leis da Igreja que já vinham sendo aplicadas na sociedade.

A diferença que devemos entender é que nos séculos anteriores, sua finalidade era reger as vidas

daqueles que se sujeitavam às leis da Igreja, ou seja, a uma sociedade cristianizada. Mas com o

surgimento de uma sociedade cada vez mais complexa, novas reestruturações vão sendo

necessárias. Para a Teologia, sem dúvida contribuiu para firmar posicionamentos, seja no âmbito

religioso, seja dentro da própria universidade no século XIII. Foi através de documentos como

este, que a Teologia começou a ter um caráter de ciência, apesar de que somente no século XVIII

ela começa ser considerada como tal.

Mas no século XIII, o teólogo Tomás de Aquino requereu este caráter para a Teologia. Até então,

via-se a Teologia somente através de dogmas de fé, de doutrinas e pressupostos construídos pelos

Pais da Igreja e pelo estudo das Escrituras. Tomás de Aquino de posiciona em favor da Teologia

como ciência ao defender que, assim como as outras ciências nasciam à luz da razão, a teologia

nascia à luz da fé.7 Outros defensores como Hales e Boaventura também defenderam esta idéia,

explicando que a Teologia possui um caráter também prático.8

O Código Canônico tem, portanto, sua importância, na medida em que, sendo instrumento da

teologia, esta se relaciona com as demais ciências humanas, sociais e de linguagem, apesar de

que no período medieval estes termos ainda não estavam presentes. Mas ele cumpriu o seu papel

e temos que reconhecer que foi um elemento utilizado para o ensino teológico. Um grande

exemplo disso é a questão do debate sobre a usura que toma fôlego no século XII, condenada

pela Igreja e pela tradição cristã. Le Goff explica que no século XIII, onde o valor da pobreza 7 Roldan assim explica em sua obra Para que serve a Teologia? 8 Por “prático” eles entendiam o despertamento do temor e do amor a Deus (Roldan, 2004, p. 32)

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retoma seu lugar, o desprezo pelo usuário será muito forte, e um sentimento de indignação é

crescente contra aquele que empresta ao pobre sob a condição de cobrança de juros.

Porém, no século XIII, a economia monetária tem um giro mais forte do que no século XII, por

exemplo. Neste, eram os padres que emprestavam dinheiro em troca de arrendamentos, mas

naquele, como salienta Le Goff (1989, p.24) a Senhora Usura ganha destaque nos séculos

seguintes. Como a Igreja vai se posicionar fortemente contra a usura, o então recente Direito

Canônico e a escolástica também se opõem a tal prática, vindo em auxílio da teologia cristã.

A igreja se revolta com isso, o Direito Canônico nascente e em breve a escolástica, que se esforça para pensar e ordenar as relações da nova sociedade com Deus, procuram reprimir a expansão usuária. Listo aqui a litania das principais medidas conciliares e dos textos mais importantes apenas para assinalara extensão e a força do fenômeno, e a obstinação da Igreja em combatê-lo.(LE GOFF, 1989, p.24)

Quando percebemos os muitos instrumentos que foram e continuam sendo usados para auxiliar o

ensino teológico, podemos considerar o argumento de Roger Haight, sobre a dinâmica da

Teologia,

A Teologia é uma disciplina atípica. Ao contrário do que sucede com muitas outras formas de busca de sabedoria,mesmo seus princípios mais fundamentais são objeto de controvérsia por parte dos que atuam na área. Isso não resulta apenas em um mero pluralismo de teologias cristãs, no sentido de diferentes concepções acerca do conteúdo da fé cristã. Dá ensejo também ao pluralismo na compreensão mesma do que seja teologia. Em certo sentido, não existe uma única disciplina da teologia. A teologia cristã consiste em um conjunto assistemático de diversos paradigmas semelhantes de que se lança mão para levar a cabo a tarefa de interpretar a visão cristã da realidade.( HAIGHT, 2004, p. 237).

Assim como temos hoje parâmetros diversos para estudar os conceitos de fé e os paradigmas que

envolvem a teologia, temos que entender que no passado os recursos não foram os mesmos. A

vida cristã medieval era pautada na questão do caráter, da conduta, das regras ditadas pela Igreja,

nos ensinos dos teólogos e na interpretação das Escrituras. O Código canônico teve, assim, sua

influência na sociedade do século XII em diante, na medida em que trouxe respostas para seu

tempo.

Universidade Estadual de Maringá 24 a26 de setembro de 2008

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REFERÊNCIAS

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HAIGHT, Roger. Dinâmica da teologia. São Paulo: Paulinas, 2004.

INTERNET. Site www. Geocities.com. Acessado em 16/06/08

_________. Site www. Doutrinacatólica.com.br. Acessado em 16/06/08

LE GOFF, J. A bolsa e a vida. São Paulo: editora Brasiliense, 1989.

MADEIRA, H. M. F. Digesto de Justiniano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: Osasco: Centro Universitário FIEO, 2002.

MEIRA, S. A. B. História e Fontes do Direito Romano. São Paulo: Editora Saraiva, 1966.

ROESLER, C. R. A estabilização do Direito Canônico e o Decreto de Graciano. Artigo Publicado na Revista Seqüência, nr. 49, p. 9-32, dez 2004.

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VERGER, J. CHARLE, Christophe. História das Universidades. São Paulo: Editora Unesp, 1996.

________________Homens e Saber na Idade Média. São Paulo: Editora Unesp.