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São Paulo, 05 a 11 de julho de 2013 12 Alfabetização no Brasil segue tropeçando Maioria das crianças do 3° ano do ensino fundamental não apresenta proficiência adequada em leitura, escrita e matemática Mariana Sales Mais da metade dos alunos entre oito e nove anos não sabe ler, escrever ou fazer contas básicas. Os dados são da segunda edição da Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização) – inicia- tiva do Todos Pela Educação – realizada no final do ano passado. Participaram da avaliação 54 mil crianças do 2º e 3º ano – período considerado limite para a alfabe- tização, de acordo com o Pnaic (Pacto Na- cional pela Alfabetização na Idade Certa) – de escolas públicas e privadas em 600 municípios de todo o país. “Esses resultados vêm demonstrar a verdadeira tragédia do sistema educacio- nal brasileiro, principalmente no que se refere ao ensino básico. O baixo desem- penho pode ser explicado pela deficiente formação inicial da maioria dos profes- sores, sistema pedagógico ultrapassado e um ambiente escolar pouco atraente e prazeroso”, explica Isaac Roitman – coor- denador do Núcleo do Futuro e professor emérito da Universidade de Brasília. Alfabetizado? O objetivo da avaliação foi traçar um diagnóstico da alfabetização dos alunos nos primeiros anos do Ensino Funda- FOTO: DANILO VERPA FOLHAPRESS mental, com base em exames de leitura, escrita e matemática. “Há um debate em torno do que é ou não estar alfabetiza- do. O que estamos considerando como plenamente alfabetizado aqui é o aluno que já tem autonomia para seguir apren- dendo. Não podemos confundir isso com letramento”, afirma Nilma Fontanive, consultora da Fundação Cesgranrio e coordenadora da Prova ABC. Os alunos que alcançaram a pon- tuação 175 na prova são considerados aqueles que leem e escrevem de tal forma que podem seguir desenvolven- do sua capacidade de se expressar, compreendem as situações numéricas mais corriqueiras do nosso cotidiano e que, na trajetória escolar, podem seguir adiante na aprendizagem de conceitos mais complexos. Resultados Em se tratando de leitura, só 44,5% das crianças que fizeram a prova atin- giram esse nível na escala. E as de- sigualdades regionais aparecem em todos os resultados da avaliação. En- quanto o Norte tem o menor percentual, com 27,3% de crianças que apresen- tam proficiência em leitura, o Sudeste apresenta o maior, 56,5%. Em matemática, a porcentagem dos alunos que atingiram 175 pontos é me- nor do que o de leitura, somente 33,3%. E, novamente, a pior taxa é foi registra- da na Região Norte, 16,5%, e a maior – mesmo que não passe da metade, na região Sudeste, 47,4%. Além disso, todas as crianças que participaram da prova fizeram uma reda- ção, avaliada de 0 a 100 pontos. O de- sempenho esperado de um aluno do 3º ano é de, no mínimo, 75 pontos. Do total, apenas 30% das crianças conseguiram. Mudanças Para mudar esse cenário – nada bo- nito da educação básica brasileira – é preciso reformar e modernizar o ensi- no. “Valorizar os professores por meio de salários dignos. Tornar o ambiente escolar agradável e fazer com que a escola possua equipamentos adequa- dos como biblioteca, computadores e ambientes para a prática de esporte e artes”, diz Isaac Roitman. Além disso, “a escola deve ter uma gestão profissional e eficiente. A intera- ção com a família também é fundamen- tal. As ações mencionadas são conhe- cidas há muito tempo. O que é preciso é transformar a retórica em ações”, co- menta o coordenador. A partir do próximo ano, a prova dei- xará de ser realizada pelo Todos Pela Educação, pois o MEC (Ministério da Educação) criou a ANA (Avaliação Na- cional da Educação) como um dos eixos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Mas é importante deixar claro que “qualquer que seja o método avaliativo, o resultado será semelhante se não forem efetuadas as ações de mu- dança”, aconselha Isaac Roitman. O Conselho de Graduação da USP (Universidade de São Paulo) aprovou a criação de um bônus que pode elevar a nota em até 5% dos vestibulandos que se declararem pretos, pardos ou indíge- nas e tenham cursado integralmente o ensino básico em escolas públicas. FOTO: CARLOS CECCONELLO - FOLHAPRESS Cota Os resultados mostram que as crianças escrevem pior do que leem e indicam certo abandono do ensino da matemática

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Page 1: Alfabetização no Brasil segue tropeçando€¦ · Alfabetização no Brasil segue tropeçando Maioria das crianças do 3° ano do ensino fundamental não apresenta proficiência

São Paulo, 05 a 11 de julho de 201312

Alfabetização no Brasil segue tropeçandoMaioria das crianças do 3°

ano do ensino fundamental não apresenta proficiência adequada em leitura, escrita e matemática

Mariana Sales

Mais da metade dos alunos entre oito e nove anos não sabe ler, escrever ou fazer contas básicas. Os dados são da segunda edição da Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização) – inicia-tiva do Todos Pela Educação – realizada no final do ano passado. Participaram da avaliação 54 mil crianças do 2º e 3º ano – período considerado limite para a alfabe-tização, de acordo com o Pnaic (Pacto Na-cional pela Alfabetização na Idade Certa) – de escolas públicas e privadas em 600 municípios de todo o país.

“Esses resultados vêm demonstrar a verdadeira tragédia do sistema educacio-nal brasileiro, principalmente no que se refere ao ensino básico. O baixo desem-penho pode ser explicado pela deficiente formação inicial da maioria dos profes-sores, sistema pedagógico ultrapassado e um ambiente escolar pouco atraente e prazeroso”, explica Isaac Roitman – coor-denador do Núcleo do Futuro e professor emérito da Universidade de Brasília.

Alfabetizado?O objetivo da avaliação foi traçar um

diagnóstico da alfabetização dos alunos nos primeiros anos do Ensino Funda-

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mental, com base em exames de leitura, escrita e matemática. “Há um debate em torno do que é ou não estar alfabetiza-do. O que estamos considerando como plenamente alfabetizado aqui é o aluno que já tem autonomia para seguir apren-dendo. Não podemos confundir isso com letramento”, afirma Nilma Fontanive, consultora da Fundação Cesgranrio e coordenadora da Prova ABC.

Os alunos que alcançaram a pon-tuação 175 na prova são considerados aqueles que leem e escrevem de tal forma que podem seguir desenvolven-do sua capacidade de se expressar, compreendem as situações numéricas mais corriqueiras do nosso cotidiano e que, na trajetória escolar, podem seguir adiante na aprendizagem de conceitos mais complexos.

ResultadosEm se tratando de leitura, só 44,5%

das crianças que fizeram a prova atin-giram esse nível na escala. E as de-sigualdades regionais aparecem em todos os resultados da avaliação. En-quanto o Norte tem o menor percentual, com 27,3% de crianças que apresen-tam proficiência em leitura, o Sudeste apresenta o maior, 56,5%.

Em matemática, a porcentagem dos alunos que atingiram 175 pontos é me-nor do que o de leitura, somente 33,3%. E, novamente, a pior taxa é foi registra-da na Região Norte, 16,5%, e a maior – mesmo que não passe da metade, na região Sudeste, 47,4%.

Além disso, todas as crianças que participaram da prova fizeram uma reda-ção, avaliada de 0 a 100 pontos. O de-sempenho esperado de um aluno do 3º ano é de, no mínimo, 75 pontos. Do total, apenas 30% das crianças conseguiram.

MudançasPara mudar esse cenário – nada bo-

nito da educação básica brasileira – é preciso reformar e modernizar o ensi-no. “Valorizar os professores por meio de salários dignos. Tornar o ambiente escolar agradável e fazer com que a escola possua equipamentos adequa-

dos como biblioteca, computadores e ambientes para a prática de esporte e artes”, diz Isaac Roitman.

Além disso, “a escola deve ter uma gestão profissional e eficiente. A intera-ção com a família também é fundamen-tal. As ações mencionadas são conhe-cidas há muito tempo. O que é preciso é transformar a retórica em ações”, co-menta o coordenador.

A partir do próximo ano, a prova dei-xará de ser realizada pelo Todos Pela Educação, pois o MEC (Ministério da Educação) criou a ANA (Avaliação Na-cional da Educação) como um dos eixos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Mas é importante deixar claro que “qualquer que seja o método avaliativo, o resultado será semelhante se não forem efetuadas as ações de mu-dança”, aconselha Isaac Roitman.

O Conselho de Graduação da USP (Universidade de São Paulo) aprovou a criação de um bônus que pode elevar a nota em até 5% dos vestibulandos que se declararem pretos, pardos ou indíge-nas e tenham cursado integralmente o ensino básico em escolas públicas.

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Os resultados mostram que as crianças escrevem pior do que leem e indicam certo abandono do ensino da matemática

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