alfabetizaÇÃo dos surdos por meio da lÍngua …

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1 ALFABETIZAÇÃO DOS SURDOS POR MEIO DA LÍNGUA PORTUGUESA COMO L2 COM O APOIO DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS (ELS - SIGN WRITING) Leoni Ramos Souza Nascimento 1 Genivaldo Oliveira Santos Filho 2 Rozilda Ramos dos Santos Oliveira 3 Eixo temático: GT7 - Educação, Linguagens e Artes RESUMO: Neste artigo objetivou-se em apresentar a Escrita da Língua de Sinais (ELS - SIGN WRITING) como suporte didático para aprendizagem da Língua Portuguesa (LP) escrita. A escrita surge a partir das preocupações nas civilizações em registrar os acontecimentos. No entanto, ossurdos brasileiros não possuem habilidades em adquirir a escrita da LP tal qual um nativo, pelo fato da LP possuiruma estrutura que se enquadra em Língua Oral. Logo, a ELS dará este suporte para escrever a LP como segunda língua (L2). Para alcançar este objetivo, fizemos uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfico. Contamos com teóricos a exemplo de Capovilla (2006);Stumpf (2005); Dallan (2010); Quadros e Karnopp (2004); Strobel e Fernandes (1998) e outros. PALAVRAS-CHAVE:Escrita da Língua de Sinais (ELS - SIGN WRITING). Língua Portuguesa (LP). Surdo.Escrita. ABSTRACT: This article aims to present in Writing Sign Language (ELS - SIGN WRITING) as a teaching support for learning Portuguese Language (LP) writing. The writing comes from concerns civilizations to record the events. However, Brazilian deaf don’t have skills in acquiring the writing of LP just like a native, because the LP has a structure that fits in Oral Language. Therefore, the ELS will give this support to write the LP as a second language (L2). To accomplish this, we have made a qualitative research of bibliographical. We’ve theoretical example ofCapovilla (2006); Stumpf (2005); Dallan (2010); Qaudros and Karnopp (2004); Strobel and Fernandes (1998) and others. KEYWORDS: Sign Writing (SW). Portuguese Language (LP).Deaf. Writing. 1 Graduado em Letras LIBRAS-Licenciatura, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor Auxiliar Efetivo da Universidade Federal de Rondônia. Pós-Graduado Lato Senso em LIBRAS: Educação Inclusiva, Faculdade São Luís de França. E-mail: [email protected] 2 Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Especialistaem Libras - Língua Brasileira de Sinais. Graduação em Letras/ Português. Proficiência em Tradução/intérprete de Libras (PROLIBRAS) e Proficiência em professor de Libras (PROLIBRAS) - realizado pelo MEC - Secretária de Educação Especial. Ex. Presidente da AILES - Associação dos Interpretes de Língua Brasileira de Sinais do Estado de Sergipe. Membro do grupo NUPPIEPED da UFS. E-mail: [email protected]. 3 Graduada em Letras/Português. Pós-Graduada Lato Senso em LIBRAS. Proficiência de Uso e Ensino de LIBRAS, Nível superior (PROLIBRAS). Intérprete no Tribunal de Justiça de Sergipe e Programa Câmara em Ação (TV ATALAIA). Associada da AILES - Associação dos Interpretes de LIBRAS de Sergipe. Drª Honorária em Direitos Humanos. E-mail: [email protected]

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ALFABETIZAÇÃO DOS SURDOS POR MEIO DA LÍNGUA PORTUGUESA COMO L2

COM O APOIO DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS (ELS - SIGN WRITING)

Leoni Ramos Souza Nascimento1

Genivaldo Oliveira Santos Filho2

Rozilda Ramos dos Santos Oliveira3

Eixo temático: GT7 - Educação, Linguagens e Artes

RESUMO:

Neste artigo objetivou-se em apresentar a Escrita da Língua de Sinais (ELS - SIGN WRITING) como

suporte didático para aprendizagem da Língua Portuguesa (LP) escrita. A escrita surge a partir das

preocupações nas civilizações em registrar os acontecimentos. No entanto, ossurdos brasileiros não

possuem habilidades em adquirir a escrita da LP tal qual um nativo, pelo fato da LP possuiruma

estrutura que se enquadra em Língua Oral. Logo, a ELS dará este suporte para escrever a LP como

segunda língua (L2). Para alcançar este objetivo, fizemos uma pesquisa qualitativa do tipo

bibliográfico. Contamos com teóricos a exemplo de Capovilla (2006);Stumpf (2005); Dallan (2010);

Quadros e Karnopp (2004); Strobel e Fernandes (1998) e outros.

PALAVRAS-CHAVE:Escrita da Língua de Sinais (ELS - SIGN WRITING). Língua Portuguesa

(LP). Surdo.Escrita.

ABSTRACT:

This article aims to present in Writing Sign Language (ELS - SIGN WRITING) as a teaching support

for learning Portuguese Language (LP) writing. The writing comes from concerns civilizations to

record the events. However, Brazilian deaf don’t have skills in acquiring the writing of LP just like a

native, because the LP has a structure that fits in Oral Language. Therefore, the ELS will give this

support to write the LP as a second language (L2). To accomplish this, we have made a qualitative

research of bibliographical. We’ve theoretical example ofCapovilla (2006); Stumpf (2005); Dallan

(2010); Qaudros and Karnopp (2004); Strobel and Fernandes (1998) and others.

KEYWORDS: Sign Writing (SW). Portuguese Language (LP).Deaf. Writing.

1Graduado em Letras LIBRAS-Licenciatura, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor Auxiliar

Efetivo da Universidade Federal de Rondônia. Pós-Graduado Lato Senso em LIBRAS: Educação Inclusiva, Faculdade São Luís de França. E-mail: [email protected] 2Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Especialistaem Libras - Língua Brasileira

de Sinais. Graduação em Letras/ Português. Proficiência em Tradução/intérprete de Libras (PROLIBRAS) e Proficiência em professor de Libras (PROLIBRAS) - realizado pelo MEC - Secretária de Educação Especial. Ex. Presidente da AILES - Associação dos Interpretes de Língua Brasileira de Sinais do Estado de Sergipe. Membro do grupo NUPPIEPED da UFS. E-mail: [email protected]. 3Graduada em Letras/Português. Pós-Graduada Lato Senso em LIBRAS. Proficiência de Uso e Ensino de LIBRAS,

Nível superior (PROLIBRAS). Intérprete no Tribunal de Justiça de Sergipe e Programa Câmara em Ação (TV ATALAIA). Associada da AILES - Associação dos Interpretes de LIBRAS de Sergipe. Drª Honorária em Direitos Humanos. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

Alfabetização dos surdos requer, sobretudo, um conjunto de práticas de

comunicação sociocultural, com utilização de materiais didáticos, sejam eles escritos ou

materiais visuais. Os surdos como minoria linguística, compartilham de singularidades típicas

de uma comunidade que tem como marca principal o uso de uma língua, a Língua de Sinais

(LS). Portanto, elementos linguísticos e culturais distintos se encontram nessa minoria. As

estratégias metodológicas para a alfabetização do surdo se percorrem no contexto do

desenvolvimento social, histórico, cultural, e internalizadas a partir de uma linha de

pensamento contínuo, não determinado, como práticas sociais orais e escritas, diluindo assim

o universo da escrita (KLEIMAN, 1995; ROJO, 2001; SIGNORINI, 2001).

Neste universo da alfabetização, a problemática que vem sendo combatida é a

questão da Língua de Sinais (LS) serem ágrafas. Os desconhecedores desta língua, a julgam

como inferior, incompleta, ou ainda como um conjunto de códigos criados para suprir uma

necessidade comunicativa familiar, e que LS não possuem um sistema de escrita. No entanto,

desde a década de 1970, a Escrita da Língua de Sinais (ELS) ou Sign Writing (SW) vem

sendo aceito pela comunidade surda. Ressaltamos que outras propostas de Escrita de Sinais

foram criadas, anteriormente ou posteriormente do surgimento SW, focamos somente no SW

pelo fato que esse sistema ter contribuído em estudos como sistema lingüístico de escrita e

possibilitar uma analise descritiva dos elementos manuais e não manuais constitutivos dessa

língua. Sendo assim, a escrita ainda não é um sistema lingüístico oficial brasileiro, devido a

esta situação, a problemática da língua ainda se mantém.

A realização deste trabalho justifica-se devido à necessidade de maior

compreensão sobre a utilização educacional da ELS. Sabemos que conforme a Lei 10. 436/22

de Abril de 2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como língua oficial

das comunidades surda do Brasil, a Língua Portuguesa (LP) não pode ser substituída, em seu

uso oficial, pela Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), mas os surdos, em sala de aula,

poderão desenvolver-se melhor com o registro de sua língua natural, atingindo, assim, a

aprendizagem significativa. Presume-se que seja relevante o conhecimento da ELS, para que

na inclusão educacional dos surdos, estes estejam contemplados em uma proposta que almeja

a utilização, na sala de aula, de uma escrita que expresse sentimentos, ideias e opiniões e

principalmente a cultura e a identidade surda.

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O papel ainda é um recurso bastante utilizado para registrar informações, na nossa

sociedade. Por este motivo, a ELS em sincronia com a LIBRAS, possibilita a assimilação do

português como Segunda Língua (L2). Pois a partir do conhecimento linguístico de uma

Língua Natural (LN), o individuo tem habilidade cognitiva para adquirir conhecimentos

linguísticos de uma L2. Isto é muito diferente de meramente utilizar desenhos das

configurações de mãos, como o alfabeto manual. Embora, os vídeos ilustrativos produzidos

em LIBRAS e a interação da língua dentro da sala de aula, são instrumentos impar para a

reflexão do valor da LS para o surdo. No entanto a utilização da ELS torna-se fundamental

para a continuidade do processo de alfabetização. A ELS, assim como a LIBRAS, expressa no

papel características peculiar das LS como as Configurações de Mãos (CM), Ponto de

Articulação (PA), Movimentos (M), Orientações da Mão (Or.) e as Expressões Não manuais

(ENM). Para o surdo ter sucesso no desempenho linguístico no processo de aquisição de uma

segunda língua, a ELS é uma ferramenta indispensável. Por envolver uma composição de

unidades mínimas de significado, ela consegue compor textos.

Para alcançar o objetivo deste artigo, fizemos uma pesquisa qualitativa do tipo

bibliográfico. Contamos com teóricos a exemplo de Capovilla (2006); Stumpf (2005); Dallan

(2010); Quadros e Karnopp (2004); Strobel e Fernandes (1998) e outros.

1. CRIANÇA SURDA VESUS CRIANÇA OUVINTE: PARADGMA DA

APRENDIZAGEM

No processo da educação infantil ao promover experiências significativas de

aprendizagem da Língua Portuguesa (LP), dar-se por meio de um trabalho com a língua oral e

escrita, uma vez que a ampliação das capacidades de comunicação e expressão e de acesso ao

mundo letrado pelas crianças se institui na sala de aula do ensino regular.

Ser alfabetizado nessa concepção nos indaga a pensar como a noção de

aprendizagem, sobre a qual a aprendizagem do LP escrito venha ser uma representação da

fala, criando uma dicotomia entra a oralidade e a escrita. Nesta perspectiva, a alfabetização, às

vezes, está relacionada ao desenvolvimento das capacidades ligadas às quatro competências

linguísticas fundamentais: ler e escrever, falar, escutar (MELLO; MILLER, 2008).

A criança no processo de aquisição da língua que seja oral ou escrita, idealizamos

que a criança ao chegar à escola já possui um conhecimento sobre a língua, tanto por meio da

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língua oral durante a interação entre falantes da língua, quanto no convívio com a língua

escrita na interação com os outros seres humanos na sociedade. Sendo assim, a criança ao

entrar na escola, o professor deve investigar o que ela já sabe a respeito da língua oral ou

escrita para dar continuidade ao processo de aprendizagem.

Para Vygotsky (2007) a criança ao rabisca constrói um significado naquilo que

esta rabiscando, porem não compreende o objeto como uma representação. Para que a criança

consiga alcançar o progresso da aprendizagem, segundo Vygotsky (2007), deve descobrir o

além do rabiscar, ou seja, é que a criança também pode desenhar a fala.

No entanto, faz-se necessário que a criança através das descobertas consiga uma

aprendizagem eficaz. O que propomos é “ensinar às crianças a linguagem escrita, e não

apenas a escrita das letras”. (Vygotsky, 2007, p.157). Segundo Cummins (2000), seria eficaz

se a criança fosse alfabetizada em sua própria língua. No entanto vale ressaltar que a escrita

alfabética não consegue captar as relações de significados da LS. Porem se torna

extremamente importante os surdos adquirirem conhecimentos do português como segunda

língua na modalidade escrita, para assim socializar-se com melhor desenvoltura, criando uma

independência social. O processo de aprendizagem individual do aluno depende diretamente

das ferramentas desenvolvidas pelo professor. Este conhecimento empírico serve de base para

possíveis intervenções para um entendimento melhor da própria prática em sala de aula.

Segundo Capovilla (2006) existe uma continuidade quando a criança ouvinte

pensa, fala e escreve tudo em sua língua. Codificar e decodificar grafemas com os fonemas

favorece a aquisição fonológica da língua. Sendo que com as crianças surdas esse fenômeno

inexiste pelo fato dela pensar e falar em LS, cujo canal de produção difere das Línguas Orais

(LO). As interações comunicativas entre as LS e a LP escrita possibilitam a conscientização

do valor das respectivas línguas e suas especificidades. Essas interações em prática trarão

base para aquisição da leitura em ELS, da mesma forma para a o desenvolvimento da leitura e

escrita da LP como segunda língua.

O que nos preocupam é em vê nos ambientes educacionais onde o surdo está

inserido. Adquirir um nível de alfabetização é participar das práticas discursivas, seja ela oral

(domínio da Língua de Sinais) ou escrita (ELS).

2. ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS (ELS – SIGN WRITNG): SISTEMA

LINGUISTICO

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A Escrita da Língua de Sinais (ELS) é sistema linguístico carrega todos os

elementos que compõe os sinais, uma vez que o estudo sobre a ELS teve início em 1960, pelo

linguista americano William Stokoe, abrindo caminho para outros estudos fonológicos,

morfológicos, sintáticos, semióticos, pragmáticos, etc.

Esse sistema de escrita difere dos ideogramas em que várias frases e informações

podem se resumir em um símbolo, pois expressa na escrita tudo o que for sinalizado. O fato

da LIBRAS possui uma gramática com estrutura própria, facilitando assim o manuseara ELS,

ou seja, garante o registro da estrutura sinalizada da LIBRAS para a escrita, sem perder

nenhum detalhe, tornando possível que pessoas registrem informações de uma língua visual-

espacial.

Segundo os estudiosos Viader, Pertusa e Vinardeledo (1999) assunto, são

possíveis o uso da ELS, pois:

“usando suas estruturas, sintaxe e gramáticas próprias, sem o uso simultâneo

e alternativo da língua falada. Respeita-se seu status linguístico como língua.

Se expressa com elementos prosódicos e reflexões próprias” (VIADER,

PERTUSA e VINARDELE, 1999, p. 54).

Se refletíssemos sobre que os surdos deveriam utilizar a escrita conforme a “fala”

da LP, seria quase impossível, pois como poderiam expressar-se por regras gramaticais de

uma língua oral auditiva à qual não tem acesso natural? Portanto, podemos afirmar que a ELS

torna possível a inserção do sujeito surdo num processo de alfabetização que respeita suas

especificidades linguísticas.

O estudioso Stokoe (apud Quadros e Karnopp, 2004), ao propor a composição

dos sinais, apresentou em três parâmetros principais: configuração de mão – CM; locação da

mão – L; movimento da mão – M. Posteriormente, outros parâmetros foram acrescentados às

pesquisas da fonologia de sinais, são eles: orientação da mão – O; expressões faciais e

corporais – EFC.

Classificados como Unidades mínimas de significado, os parâmetros da LS, como

são conhecidos, são compostos pelos cinco itens citados acima. Sendo definido da seguinte

forma: a Configuração de Mãos (CM), de acordo com Strobel e Fernandes (1998), é definida

como a forma tomada pela mão no decorrer da articulação de um sinal. O Ponto de articulação

(PA) é o lugar do corpo ou espaço neutro onde o sinal será executado. Já o Movimento

demonstra o deslocamento da mão e do corpo durante a execução do sinal, possuindo

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diferentes formas e direções. Além disso, os sinais podem ter, ou não, movimentos.

Orientação (O), de acordo com Quadros e Karnopp (2004), significa a direção que a palma da

mão indica na realização do sinal; as Expressões Faciais e Corporais (EFC) distinguem

significados entre sinais. Três são seus parâmetros principais ou maiores: a CM, o M e o PA;

e outros dois constituem seus parâmetros secundários ou menores: O e EFC (FERREIRA-

BRITO, 1990).

Trazendo à tona informações acerca da LIBRAS e da ELS, podemos observar que

a ELS permite um decalque de todos os elementos linguísticos presentes na sinalização em

LS. De acordo com Silva (2012), o Movimento (M) pode ser classificado em duas categorias:

movimentos de dedos e de mãos. O movimento acontece num espaço de sinalização,

correspondente à área onde os sinais são realizados, ou seja, a distância que o braço do

sinalizador alcança à frente, acima e abaixo. Esse espaço pode estar representado no plano

paralelo à parede (vertical), com movimentos para cima e para baixo, escritos com setas

duplas, ou ao plano paralelo ao chão (horizontal), com movimentos para frente e para trás,

escritos com setas simples. Vejamos a figura 1 e 2 abaixo:

Figura 1: O sinal de Curso Figura 2: O sinal de CASA

FONTE: SILVA; GAUTO; SILVA; PATERNO,

2007 p. 34

FONTE: SILVA; GAUTO; SILVA; PATERNO,

2007 p. 34

Nos últimos anos, verificaram que as mudanças significativas por parte da

sociedade no contexto da inserção do surdo, principalmente quanto ao uso da LS. Há muito

tempo a LIBRAS, era considerada um tabu e não língua com estrutura e cognição. Falcão

(2010) argumenta que como ferramenta cognitiva visual, a LIBRAS permite à pessoa surda

viver de forma consciente, participativa, colaborativa e criativa, tornando-se construtora do

próprio ser enquanto sujeito cidadão. Como diz Quadros:

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A voz dos surdos são as mãos e os corpos que pensam, sonham e expressam.

As línguas de sinais envolvem movimentos que podem parecer sem sentido

para muitos, mas que significam a possibilidade de organizar as ideias,

estruturar o pensamento e manifestar o significado da vida dos surdos.

Pensar sobre a Surdez requer penetrar no “mundo” dos surdos e ouvir as

mãos que com alguns movimentos nos dizem o que fazer para tornar

possível o contato entre os mundos envolvidos. Permita-se a “ouvir” estas

mãos. Somente assim será possível mostrar aos surdos como eles podem

“ouvir” o silêncio da palavra escrita. (1997, p.119)

Ferreira-Brito também diz que "a língua é um dos mais importantes veículos de

comunicação e de identidade do indivíduo com sua cultura, seu meio, enfim, de inter-relação

com a comunidade a que pertence" (1990, p.91). É nisso que reafirmamos a nossa

credibilidade e respeito ao cidadão “surdo”: na sua autonomia, como qualquer outro cidadão,

com identidade própria e sendo agente numa sociedade que não deveria discriminá-lo pelo seu

jeito próprio.

Stumpf (2005) relata que surgiram vários sistemas de notação com a tentativa de

romper a problemática da afirmação acerca das LS serem ágrafas. O primeiro foi o de

François Neve (1996); o segundo o de Hamburg Notation System – Ham NoSys; o terceiro

Sistema D` Sing de Paul Jouison, (1990). Por último, o sistema Stokoe Notation, escrito por

Stokoe. De acordo com a mesma autora, de 1919 a 2000, uma equipe de linguistas da

Universidade Gallaudet, juntamente com Stokoe, criaram uma notação que parte de cinco

elementos: o lugar - correspondendo a 12 posições; as configurações de mãos, que são dez; os

movimentos indicando ação, contendo 22 símbolos; e a orientação - com 04 indicações.

Segundo Stumpf, este sistema foi criado com o intuito de estudar as LS. Nesse aspecto, os

estudos de Stokoe são referenciais para alguns pesquisadores das línguas de sinais.

No entanto, preocupados com a maneira de consolidar os sinais coletados e

elaborados, surdos dinamarqueses encontraram uma solução de registrar os sinais da Língua

de Sinais Dinamarquesa– LSD (DanskTengsprog – DTS). Exatamente na década de 1970, a

Senhora Valerie Sutton, criadora de um sistema de escrita para passos de dança

(Dancewriting), em visita a Dinamarca, possibilitou que estes pesquisadores surdos a

procurassem, para expor suas implicações e analisar se havia possibilidade para a adaptação.

A comunidade surda Dinamarquesa, em contato com a Valerie Sutton, encontrou uma solução

para registrar a Língua de Sinais Dinamarquesa através de um novo sistema de escrita, o SW.

Como exemplo do trabalho executado por Sutton, vejamos abaixo nas figuras 3 e

4, com alguns exemplos do Dancewriting:

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Figura 3: Representação escrita dos passos de

dança.

Figura 4: representação da dança

Fonte: Stumpf, 2007, p. 30 Fonte: Stumpf, 2007, p. 30

Com a ajuda de Sutton foi criado o “CommitteeActionDeaf (DAC)”, referência

mundial a respeito do SW. Em seguida, a ELS ganhou espaço na comunidade surda

internacional. Atualmente esse sistema de escrita faz parte do universo cultural dos surdos.

Desde então, o SW tem sido aceito e disseminado.

A ELS é divulgada para todo o mundo através de um portal na web. Vários países

do mundo reconhecem o uso e o benefício dessa modalidade, entre eles se destacam: os

Estados Unidos, Alemanha, Brasil, Dinamarca, Portugal, Arábia Saudita e China. Na década

de 1990, mais precisamente de 1996, a escrita das línguas de Sinais começou a ser pesquisada

e difundida em território brasileiro. Pesquisas na área da ELS fez com que a PUC/RS –

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - se tornasse pioneira. Segundo Dallan

(2010) em 1996 nesta Universidade surgiram os estudos sobre a ELS, com o professor

Antônio Rocha Costa, que constituiu um grupo com as professoras Márcia Borba e Marianne

Stumpf – pioneiras no estudo da ELS. Para exemplificar esta escrita, na figura 5 mostra o

alfabeto manual:

Figura 5: Escrita do alfabeto no sistema SignWriting.

Fonte: http://www.libras.com.br/signwriting/signwriting-dp1

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É oportuno enfatizar que a ELS tornou-se disciplina obrigatória na graduação em

Letras Libras, da pioneira Universidade Federal de Santa Catarina, e de todos os demais

cursos de Letras Libras no Brasil. A inclusão da ELS como disciplina do curso em Letras –

LIBRAS fortaleceu a cultura surda, carregando assim um novo olhar, cristalizando ideias para

viabilizar o processo de aquisição/aprendizado e letramento numa segunda língua para surdos,

dessa forma, é possível promovermos uma aprendizagem, construindo subsídios

metodológicos para o ensino de português como segunda língua escrita para surdos, com o

apoio da ELS.

De fato, a leitura é um processo de decodificação de signos e nos faz interagir

com o mundo, desenvolve nossa capacidade intelectual e emocional. Porem o aprendizado da

ELS viabilizaria a internalização dos conceitos, pois a mesma agiria em paralelo com a LS

contribuindo para o conhecimento linguístico de uma língua majoritária.

De acordo com Stumpf (2005) mesmo se a criança surda for capaz de converter as

letras na datilologia, ela não obtém o sinal lexical que diariamente ela está acostumada utilizar

em LS, esse é o ponto alto entre o surdo e o ouvinte diante de um processo de alfabetização.

Para que ela compreenda a função social da leitura e da escrita, precisa sentir a necessidade e

o prazer de ler e escrever, fato que raramente se observa entre crianças, jovens e adultos

surdos (SILVA, 2009, p.54).

3. LÍNGUA PORTUGUESA ESCRITA COMO SEGUNDA LÍNGUA (L2): O QUE A

ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS (ELS) TEM A AGREGAR?

A busca por uma escrita não alfabética, uma escrita que independe de estruturas

fonéticas, uma escrita que mapeie a estrutura e as propriedades das LS favorecerá a

continuidade desse processo de aquisição.

Do mesmo modo que a criança ouvinte pode beneficiar-se do uso de uma

escrita alfabética para mapear os fonemas de sua língua falada, a Surda

poderia beneficiar-se sobremaneira de uma escrita visual capaz de mapear os

quiremas de sua LS (CAPOVILLA et al., 2006, p. 1494).

A cultura e a identidade surda se fortaleceriam da mesma forma que o seu

conhecimento linguístico. Visto que a LIBRAS constitui um sistema linguístico (QUADROS

e KARNOPP, 2004) e funciona como a cultura e identidade surda brasileira.

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No que diz respeito à alfabetização, Quadros (1997) relata que em determinado

período do desenvolvimento, as crianças surdas apontam para determinado ponto no espaço e

raciocinam, sinalizam, mas, no momento de expressar o seu pensamento por meio da escrita,

como fazem as crianças ouvintes em fase de alfabetização, é obrigada a expô-lo em uma

escrita oral auditiva, ainda que sua língua natural seja visual e espacial. Seguindo essa linha

de raciocínio, pesquisas foram feitas em ambiente educacionais no estado do Rio Grande do

Sul, onde foram constatadas que crianças surdas adaptavam-se facilmente com o uso do

sistema da ELS.

A LIBRAS, como idioma oficial da comunidade surda brasileira, cumpre sua

função básica, ou seja, permite que o surdo pense, expresse-se, integre-se na sociedade. Nas

relações sociais onde aparecem as reproduções da alteridade surda, observamos as relações de

poder entre surdos e ouvintes, por isto é importante o enfraquecimento da comunidade surda.

Fernandes esclarece que a língua de sinais é:

[...] uma língua natural em organização em todos os níveis gramaticais

prestando-se às mesmas funções das línguas orais. Sua produção realizada

através de recursos gestuais e espaciais e sua percepção são realizadas por

meio de processos visuais por isso é denominada uma língua de modalidade

gestual-visual-espacial (FERNANDES 2001, p.4).

Devido à experiência visual que caracterizam os surdos, a escrita carece de meios

complementares não verbais à expressão. Quando alguém escreve para tornar precisos

conceitos ou ideias, não há algum interlocutor, como na relação de indivíduos em presença, e

o sujeito que escreve o faz para tornar mais exatos seus próprios pensamentos, para verbalizá-

los, desenvolvê-los sem nenhum contato mental com outra pessoa. Para Silva, o ato de

escrever promove a clarificação das ideias, pois a escrita e a maneira da enunciação tem

grande importância na constituição do pensamento. A autora Silva (2012) diz que o sujeito

adulto que se encontra num elevado estágio de domínio da língua escrita, escreve como fala e

como age.

No processo de alfabetização o surdo é imerso a relações cognitivas estabelecidas

por meio da LS para assimilação e organização do pensamento. De acordo com Freire (1982:

20) a leitura do mundo precede a leitura da palavra e a leitura é importante para a

continuidade da leitura daquele. Desse modo, o sistema de ELS possibilita a continuidade

dessa relação cognitiva estabelecida, pois é possível a criação de hipóteses e assim

alfabetizar-se. A leitura faz parte do processo de alfabetização, o português como segunda

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língua ensinada aos surdos com o apoio do sistema de ELS tornará o sujeito surdo capaz de

assimilar de forma mais ágil os conceitos. É sabido que esse procedimento didático deve estar

intrinsicamente relacionado com os objetivos pedagógicos para tamanho desenvolvimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A forma de instruir os surdos a um letramento significativo e louvável nos trazem

inúmeras reflexões acerca do assunto, investigando assim inquietantemente novas teorias e

práticas na área da surdez e da educação dos surdos. Diferentes grupos socioculturais

compartilham também dessa problemática, porem nos atentamos especificamente à minoria

surda, a qual trás como marca principal o uso de uma língua visual e espacial. Metodologias

de ensino do português como segunda língua para os surdos requer uma prática, articulada

com atividades contextualizadas.

A escrita constitui-se como parte fundamental na construção de sentidos em

sujeitos que ainda não foram expostos à aprendizagem formal da escrita. Além disso, a língua

de sinais, a identidade e a cultura surda precisam ser respeitadas na Educação de Surdos, com

recursos pedagógicos e materiais que contenham a ELS, ou seja: recursos que sejam baseados

nas experiências visuais, solidificando assim os conteúdos.

REFERÊNCIAS

CAPOVILLA, F. C. et al. A escrita visual direta de sinais SignWriting e seu lugar na

educação surda. In: CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D. Dicionário Enciclopédico

Ilustrado Trilíngue da Língua Brasileira de Sinais. Volume II: Sinais de M a Z. 3 ed. São

Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP), p. 1491-1496, 2006.

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12

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desenvolvimento linguístico do aluno surdo e para a formação do professor de línguas. In: III

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KLEIMAN, A. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre prática social

da escrita. Campinas: Mercado das Letras, 1995.

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