ensino de língua portuguesa para surdos volume 2

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    Presidente da RepblicaLuiz Incio Lula da Silva

    Ministro da EducaoTarso Genro

    Secretrio ExecutivoFernando Haddad

    Secretria de Educao EspecialClaudia Pereira Dutra

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    MINISTRIO DA EDUCAOSecretaria de Educao Especial

    , ENSINO DELINGUA PORTUGUESA

    PARA SURDOS

    Caminhos para aPrtica Pedaggica

    Heloisa Maria Moreira Lima SallesEnilde Faulstich

    Orlene Lcia Carvalho

    Ana Adelina Lopo Ramos

    Programa Nacional de Apoio Educao dos Surdos

    Braslia2004

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    EQUIPE TCNICA

    Autoras

    Heloisa Maria Moreira Lima SallesDoutora em LingsticaProfessora da Universidade de BrasliaCoordenadora do Projeto

    Enilde FaulstichDoutora em Filologia e Lngua PortuguesaProfessora da Universidade de Braslia

    Orlem Lcia CarvalhoDoutora em LingsticaProfessora da Universidade de Braslia

    Ana Adelina Lopo RamosMestre em Lingstica

    Professora da Universidade de Braslia

    Consultores Surdos de LIBRASGlucia Rosa de Souza

    Professora de Lngua Brasileira de Sinais - FENE1SIsaas Leo Machado Flix

    Professor de Lngua Brasileira de Sinais - APADA

    Assistentes de PesquisaAdriana Chan Viana

    Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Lingstica - UnBTcnica Educacional - Ministrio das Relaes Exteriores

    Sandra Patrcia de Faria do NascimentoMestranda do Programa de Ps-Graduao em Lingstica - UnBProfessora da Secretaria de Educao do Distrito Federal

    Rosana Cipriano jacinto da SilvaEspecialista Lato Sensu em Lngua Portuguesa Professora daSecretaria de Educao do Distrito Federal Professora daCESUBRA - Faculdade Objetivo

    Ilustrador\saas Leo Machado Flix

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    APRESENTAO

    Esta publicao faz parte do Programa Nacional de Apoio Educao

    dos Surdos, que tem como objetivo apoiar e incentivar a qualificaoprofissional de professores que com eles atuam.

    Pela primeira vez, os professores tero acesso a materiais que tratamdo ensino da Lngua Portuguesa a usurios de LIBRAS.

    Trata-se de um trabalho indito, muito bem fundamentado e compossibilidades de viabilizar oficinas, laboratrios de produo dematerial por parte dos professores, relacionando, de fato, teoria eprtica.

    Estamos certos de que a formao adequada de professorescontribuir para a melhoria do atendimento e do respeito diferenalingstica e sociocultural dos alunos surdos de nosso pas.

    Secretaria de Educao Especial

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    PREFACIO

    Este livro o resultado da articulao de diversos esforos. parte

    integrante do Programa Nacional de Apoio Educao dos Surdos,que pode ser considerado um avano na luta pelo desenvolvimentoacadmico da pessoa surda e pela valorizao de sua condiomulticultural. uma tentativa de reunir informaes colhidas emdiversas fontes, que generosamente se desvendaram para ns, sob aforma de trocas de experincias, discusses, leituras, experimentos,em que se destacam os consultores surdos do projeto, conscientesde seu papel social na promoo da cultura surda, e as professoras/pesquisadoras ouvintes, que prestaram consultoria na questoeducacional do surdo, em diferentes etapas do projeto. enfim uma

    contribuio de pessoas que h pouco tempo voltaram o olhar paraos surdos, em face de um chamado profissional, que logo setransformou em entusiasmo e desejo de conhecer mais e participardas discusses e aes em benefcio da comunidade surda, na tarefade construir uma sociedade multicultural e fraterna.

    Concebido como material instrucional para a capacitao de profes-sores de lngua portuguesa da Educao Bsica no atendimento spessoas com surdez, o livro Ensino de Lngua Portuguesa para Surdos:Caminhos para a Prtica Pedaggica parte do pressuposto de que a mo-dalidade vsuo-espacial o canal perceptual adequado aquisio eutilizao da linguagem pelas pessoas surdas, tendo implicaescruciais para seu desenvolvimento cognitivo, sua afirmao social erealizao pessoal, do que decorre ainda o entendimento de que, naadoo do bilingismo, a lngua portuguesa segunda lngua para osurdo.

    Nossa proposta de reflexo formulada em duas partes: a primeiracompreende trs unidades e aborda a situao lingstica e culturaldo surdo, considerando a aquisio da linguagem em uma perspecti-

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    va biolgica e psicossocial, situando o ensino de portugus comosegunda lngua para os surdos no mbito de polticas de idioma e dalegislao vigente da educao nacional; e propondo a aplicaodessas concepes na definio de abordagens, mtodos e tcnicasa serem adotados no ensino de portugus (escrito) para surdos, emface das necessidades colocadas pelas caractersticas de sua produ-o escrita.

    A segunda parte consiste de oficinas temticas de projetos educaci-onais voltados para o ensino de lngua portuguesa para surdos, emque se exemplificam algumas etapas dessa elaborao, em particulara reviso terica do tema, a coleta de materiais ilustrativos dos te-mas examinados (situaes reais de fala, imagens, desenhos e ou-tros) e a aplicao de fundamentos tericos e metodolgicos, naformulao de atividades didtico-pedaggicas e no desenvolvimento

    de tecnologias educacionais. Partindo da simulao de situaes deensino-aprendizagem orientadas para alunos com nvel interme-dirio de portugus, os projetos abordam questes de gramtica ede leitura e produo de textos.

    No se trata, portanto, de um curso de lngua portuguesa para sur-dos com contedo e progresso fixos. Assumindo-se que os projetoseducacionais devem estar voltados para o desenvolvimento de com-petncias e habilidades no educando, entendemos as sugestes epropostas formuladas neste livro como temas para reflexo, a seremadaptadas, recriadas e mesmo descartadas, em face dasespecificidades de cada situao de ensino-aprendizagem, das exi-gncias de contextualizao e da abordagem interdisciplinar do co-nhecimento, requisitos para a aprendizagem significativa.

    Nosso desejo que essa reflexo se amplie, abrindo caminhos parao intercmbio de idias, contribuindo para sensibilizar a sociedadeem relao s necessidades educacionais do surdo, o que supe res-peitar sua situao (multi)cultural, promover o estudo cientfico desua problemtica, propor projetos e aes educacionais, desenvol-

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    ver tecnologias que venham atender suas necessidades especiais,em uma perspectiva de divulgao do conhecimento e disponibilizaodemocrtica dos resultados alcanados.

    Animadas por esses sentimentos idealistas, to presentes na atitude

    dos educadores, apresentamos nossa contribuio, singela, se con-sideramos que se inscreve em um cenrio de esforos de pessoasque acumulam vasta experincia no assunto e que tivemos a oportu-nidade e a alegria de conhecer, mas tambm sincera, no desejo departicipar, aprender, contribuir para a promoo da pessoa humana,no exerccio de nossa funo social de professoras universitrias,responsveis pela formao e capacitao dos educadores que vointegrar as comunidades acadmicas de nosso pas.

    Heloisa Maria Moreira Lima SallesCoordenadora do Projeto

    Braslia, 17 de outubro de 2002.

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    SUMARIO

    Projetos Educacionais para o Ensino de Portugus

    para Surdos...................................................................................... 17Temas de Teoria do Texto .............................................................. 17

    Leitura e produo de textos: perspectiva no ensinode portugus como segunda lngua para surdos........................... 181. Consideraes iniciais................................................................... 182. Leitura ...................................................................................... 19

    2.1 Conceito................................................................................. 192.2Condies para a realizao da leitura .................................. 202.3 Relao entre leitura em portugus L2 e LIBRAS................. 20

    2.4Procedimentos sugeridos ....................................................... 213. Texto ...................................................................................... 23

    3.1Conceito ................................................................................. 233.2Texto e contexto .................................................................... 253.3Estratgias de processamento textual..................................... 25

    3.3.1 Cognitivas ...................................................................... 263.3.2 Textuais.......................................................................... 263.3.3 Sociointeracionais ......................................................... 27

    3.4 Qualidades da textualidade..................................................... 273.4.1 Coeso e coerncia........................................................28

    3.4.1.1 A coeso textual .................................................... 283.4.1.2A coerncia textual................................................303.4.1.3Coeso e coerncia: outras observaes................ 323.4.1.4Coeso, coerncia e a escrita dos surdos...............34

    3.5 Gneros textuais .....................................................................363.5.1 Os gneros textuais no ensino do portugus ................. 383.5.2 Gneros textuais e temas transversais ........................... 39

    3.6 Tipologia textual..................................................................... 393.6.1 Descrio....................................................................... 39

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    3.6.2 Narrao ........................................................................ 403.6.2.1 Elementos estruturais ............................................ 413.6.2.2A fala das pessoas ou personagens........................42

    3.6.3 Dissertao.................................................................... 443.7 Relao entre gnero e tipologia textual................................45

    4. Leitura e produo escrita.............................................................454.1 Os resumos e outras parfrases..............................................46

    Temas de teoria gramatical............................................................89Lxico e vocabulrio ....................................................................... 901. Lexema, vocbulo e termo ...........................................................902. Coeso, Referncia e Relaes de Significado.............................93Lxico e variao........................................................................... 1041. Variao lexical ........................................................................... 104A estrutura do sintagma nominal: portugus e LIBRAS.......... 1131. Sintagma e paradigma ................................................................ 1132. Categorias lexicais e gramaticais................................................ 1143. Estrutura interna do sintagma nominal em portugus ................ 116

    3.1 Concordncia no sintagma nominal .................................... 1214. Estrutura interna do sintagma nominal em LIBRAS.................. 122Estrutura do sintagma nominal: a expresso daposse em portugus ....................................................................... 1361.Predicados e argumentos............................................................. 1362.Estruturas de posse em portugus................................................ 138

    2.1 Variao translingstica na expresso da posse ................. 140Semntica e sintaxe das preposies ........................................... 1551. Preposies em portugus do Brasil........................................... 155

    1.1 Distino dos contextos de ocorrncia ................................ 1551.2Grau de transparncia semntica......................................... 1571.3 Ensino da sintaxe e semntica das preposies................... 159

    2. Descrio semntica da preposiopor..................................... 1612.1 Local .................................................................................... 162

    2.1.1 Indicao de percurso ................................................. 1622.1.2 Indicao de movimentao dispersa.......................... 162

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    2.1.3 Indicao de localizao indefinida, com

    verbos que no indicam movimento ..................................... 163

    2.1.4 Indicao de localizao definida, com

    verbos que indicam apreenso .............................................. 1632.2 Temporal .............................................................................. 163

    2.2.1 Indicao de um momento indeterminado .................. 1632.2.2 Indicao de durao .................................................. 164

    2.3 Seqncia............................................................................. 164

    2.4Freqncia............................................................................ 1642.5 Meio .................................................................................... 1652.6Causa.................................................................................... 1662.7Conformativa........................................................................ 166

    2.8Proporo............................................................................. 1672.9Diviso ................................................................................. 167

    2.10 Concessiva......................................................................... 1682.11 Condicional........................................................................ 1682.12 Substituio ....................................................................... 168

    3. As preposies em portugus e em LIBRAS.............................. 1693.1 Preposies em LIBRAS ...................................................... 170

    3.2Ausncia de correspondncia em LIBRAS ......................... 170

    3.2.1 Expresses de lugar ..................................................... 1703.2.2Sinais com equivalncias compostas em portugus .. 172

    3.2.2.1 Verbo + preposio.............................................. 1723.2.2.2Outras composies............................................. 173

    Emprego do Perfeito x Imperfeito (Indicativo).......................... 1821. Tempo e aspecto verbais ............................................................ 182

    1.1 Estrutura de alguns tempos.................................................. 1821.2Aspecto ............................................................................... 185

    1.3Tempo e aspecto em Libras................................................. 186

    Oficina Geral ................................................................................. 1991. Aplicaes da teoria ................................................................... 199

    Referncias bibliogrficas............................................................ 203

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    Temas de

    Teoria do TextoProjetos Educacionais para o

    Ensino de Portugus para Surdos

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    Leitura e produo de textos:perspectiva no ensino de

    portugus como segundalngua para surdos

    1. Consideraes iniciais

    As atividades de leitura e de produo de um texto implicam-se mu-

    tuamente no ensino de uma lngua. Se, na pedagogia de lngua ma-terna, o ato de produzir passa necessariamente pelo de receber in-formaes de naturezas diversas (lingstica, sociocultural etc) pormeio da leitura, no ensino de segunda lngua tal processo de funda-mental importncia.

    No caso do surdo, especialmente, o sucesso de uma produo escri-ta depende sobremaneira dos inputs a que se est exposto. Em ou-tras palavras, quanto mais o professor inserir o aprendiz na situaoem que se enquadra a atividade proposta, quanto mais 'insumos',isto , contextos lingsticos e situaes extralingsticas, forem ao

    aprendiz apresentados, melhor ser o resultado. Nessa perspectiva,defende-se que um texto sempre 'gerado' a partir de outro(s) texto(s),depende portanto das suas prprias condies de produo.

    A aquisio/aprendizagem da escrita, sobretudo quando se trata daelaborao de textos, pressupe, portanto, uma tarefa imprescindvel:o ato de ler, que, para o aprendiz ouvinte, se processa tanto oral comosilenciosamente, j, para o surdo, a leitura silenciosa certamente atcnica mais recorrente. Acrescente-se que, nesse caso, os recursosgrficos e visuais constituem um instrumento auxiliar de excelncia.

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    Antes de tratarmos metodologicamente do ensino de textos de por-tugus como segunda lngua para surdos, alguns aspectos e concei-tos que envolvem a noo de leitura e de texto devem ser esclareci-dos. Iniciemos pela leitura, 'onde tudo comea'.

    2. Leitura

    2.1 Conceito

    Tradicionalmente o conceito de leitura est vinculado ora ao ato dedecifrar os grafemas impressos, ora a uma certa atitude em compreen-der textos. Esta viso, no entanto, por vezes limitada em relaoquilo que a produo textual possa significar. Tais concepes h muito

    vm sendo criticadas como nicas formas de leitura. Atualmente, consensual que a leitura um processo de interpretao que um sujei-to faz do seu universo scio-histrico-cultural. A leitura , portanto,entendida de maneira mais ampla, em que certamente o sistemalingstico cumpre um papel fundamental, tendo em vista que "a leiturado mundo precede a leitura da palavra e a leitura desta importantepara a continuidade da leitura daquele' (Freire, 1982: 20).

    Entendida nessa perspectiva, a leitura atinge um grande pblico, emque o surdo se insere como cidado-leitor tanto quanto um ouvinte,embora os procedimentos metodolgicos sejam diferentes quando

    se trata da aquisio de L1 e de L2 e de aquisio da modalidadeescrita da lngua oral pelo surdo.

    No contexto pedaggico, compreende-se, com Garcez (2001:21) queleitura ' um processo complexo e abrangente de decodificao designos e de compreenso e inteleco do mundo que faz rigorosasexigncias ao crebro, memria e emoo. Lida com a capacida-de simblica e com a habilidade de interao mediada pela palavra." um trabalho que envolve signos, frases, sentenas, argumentos,provas formais e informais, objetivos, intenes, aes e motivaes.

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    Envolve especificamente elementos da linguagem, mas tambm osda experincia de vida dos indivduos."

    2.2 Condies para a realizao da leitura

    A leitura cumpre vrias funes que vo desde a de divertir, em que oprocedimento mais espontneo, at aquelas que exigem do leitorprocessos mentais mais elaborados e nas quais o conhecimento pr-vio sobre o assunto se faz necessrio. Esto envolvidos, nesse co-nhecimento, a lngua, os gneros e os tipos textuais e o assunto, queapresentam certas condies importantes para uma leitura eficaz.Eis algumas delas, segundo Garcez (2001: 24):

    decodificao de signos;

    seleo e hierarquizao de idias; associao com informaes anteriores;

    antecipao de informaes;

    elaborao de hipteses,-

    construo de inferncias;

    construo de pressupostos;

    controle de velocidade;

    focalizao da ateno;

    avaliao do processo realizado;

    reorientao dos prprios procedimentos mentais.

    2.3 Relao entre leitura em portugus L2 e LIBRAS

    A leitura deve ser uma das principais preocupaes no ensino deportugus como segunda lngua para surdos, tendo em vista que

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    constitui uma etapa fundamental para a aprendizagem da escrita.Nesse processo, o professor deve considerar, sempre que possvel, aimportncia da lngua de sinais como um instrumento no ensino doportugus. Recomenda-se que, ao conduzir o aprendiz lngua deouvintes, deve-se situ-lo dentro do contexto valendo-se da sua lnguamaterna (L1), que, no caso em discusso, a LIBRAS. nessa lnguaque deve ser dada uma viso apriorstica do assunto, mesmo que geral. por meio dela que se faz a leitura do mundo para depois se passar leitura da palavra em lngua portuguesa. A lngua de sinais dever sersempre contemplada como lngua por excelncia de instruo emqualquer disciplina, especialmente na de lngua portuguesa, o quecoloca o processo ensino/aprendizagem numa perspectiva bilnge.

    2.4 Procedimentos sugeridos

    Segundo Garcez (2001: 24), reconhecer e entender a organizao sin-ttica, o lxico, identificar o gnero e o tipo de texto, bem comoperceber os implcitos, as ironias, as relaes estabelecidas intra, intere extratexto, o que "torna a leitura produtiva'. No caso do surdo,alguns dos procedimentos so imprescindveis, e o professor devesempre estar atento para conduzir o seu aprendiz a cumprir etapas, queenvolvem aspectos macroestruturais: gnero, tipologia, pragmtica esemntica (textuais e discursivos) e microestruturais:gramaticais/lexicais, morfossintticos e semnticos (lexicais e

    sentenciais), como as que seguem:

    Aspectos macroestruturais

    analisar e compreender todas as pistas que acompanhem o textoescrito: figuras, desenhos, pinturas, enfim, todas as ilustraes;

    identificar, sempre que possvel, nome do autor, lugares, refern-cias temporais e espaciais internas ao texto;

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    situar o texto, sempre que possvel, temporal e espacialmente;

    observar, relacionando com o texto, ttulo e subttulo;

    explorar exaustivamente a capa de um livro, inclusive as perso-nagens, antes mesmo da leitura;

    elaborar, sempre que possvel, uma sinopse antes da leitura dotexto;

    reconhecer elementos paratextuais importantes, tais como: pa-rgrafos, negritos, sublinhados, travesses, legendas, maiscu-las e minsculas, bem como outros que concorram para o en-tendimento do que est sendo lido;

    estabelecer correlaes com outras leituras, outros conhecimen-tos que venham auxiliar na compreenso;

    construir parfrases em LIBRAS ou em portugus (caso j tenhaum certo domnio);

    identificar o gnero textual;

    observar a importncia sociocultural e discursiva, portanto prag-mtica, do gnero textual;

    identificar a tipologia textual;

    ativar e utilizar conhecimentos prvios;

    tomar notas de acordo com os objetivos;

    Aspectos microestruturais

    reconhecer e sublinhar palavras-chave;

    tentar entender, se for o caso, cada parte do texto,correlacionando-as entre si: expresses, frases, perodos, par-grafos, versos, estrofes;

    identificar e sublinhar ou marcar na margem fragmentos signifi-cativos;

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    relacionar, quando possvel, esses fragmentos a outros;

    observar a importncia do uso do dicionrio;

    decidir se deve consultar o dicionrio imediatamente ou tentarentender o significado de certas palavras e expresses obser-

    vando o contexto, estabelecendo relaes com outras palavras,expresses ou construes maiores;

    substituir itens lexicais complexos por outros familiares;

    observar a lgica das relaes lexicais, morfolgicas e sintticas;

    detectar erros no processo de decodificao e interpretao;

    recuperar a idia geral de forma resumida.

    importante ressaltar que, para cada texto, h um conjunto de pro-

    cedimentos adequados compreenso, e, portanto, impraticvel aaplicao de todos os procedimentos listados leitura de um nicotexto.

    3. Texto

    3.1 Conceito

    O texto pode ser conceituado de vrias maneiras. Mesmo na rea da

    Lingstica Textual, que tem como objeto de investigao a prpriaproduo textual, o texto apresenta mltiplas concepes, dependen-do, cada uma delas, dos princpios tericos adotados. Assim, ao longodos estudos, este objeto foi compreendido sob diversas ticas: oraobservando-se a sua natureza sistmica: como unidade lingstica su-perior frase, como uma sucesso de combinao de frases, como umcomplexo de proposies semnticas; ora, considerando-se o aspectocognitivo: vendo-o como um fenmeno psquico, resultado de pro-cessos mentais; ora ressaltando-se o seu carter pragmtico: como

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    seqncia de atos de fala, como um elemento de comunicao verbal,ou ainda como processo/produto de prticas sociais.

    certo que cada um desses conceitos tem sua validade dentro da pers-pectiva terica que se adote para atingir determinado objetivo. Do ponto

    de vista pedaggico, parece recomendvel compreender o texto, nocomo um produto pronto e acabado em sua estrutura, mas, como res-salta Koch (2000: 21), com ateno voltada para 'seu prprio processode planejamento, verbalizao e construo', sem perder de vista que"|o texto| se constitui enquanto tal no momento em que os parceiros deuma atividade comunicativa global, diante de uma manifestao lings-tica, pela atuao conjunta de uma complexa rede de fatores de ordemsituacional, cognitiva, sociocultural e interacional, so capazes de cons-truir, para ela, determinado sentido" (Koch, op. cit.: 25).

    Assim, entende-se que 'o sentido no est no texto, mas se constri apartir dele' (Koch, op. cit.: 25), dependendo das experincias, dos conhe-cimentos prvios, enfim, da 'viso' de mundo que cada participante trazconsigo do evento em que o texto se realize. Por isso, um mesmo textopode se significar de diferentes maneiras em pocas diferentes, e, na mes-ma poca, processar leituras diferentes, tendo em vista que se instauranuma relao constante de processo/produto entre autor e leitores. Emoutras palavras, o texto processo, enquanto concebido pelo autor, eproduto, no momento de finalizao por este, passando a ser processonovamente quando exposto s possveis leituras e interpretaes.

    No ensino de lngua, o texto tem sido apontado como um recurso porexcelncia. Esta a viso dos Parmetros Curriculares Nacionais(PCNs), elaborados pelo Ministrio da Educao, em que o texto priorizado como instrumento importante tanto para aquisio de novosconhecimentos, para o desenvolvimento do raciocnio, da ar-gumentao, para experincia ldica, como promotor de prazer est-tico, para aquisio e consolidao da escrita. Mas a importnciaatribuda ao texto est exatamente em perceb-lo como instrumentofundamental nas e das prticas sociais.

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    Embora os PCNs no contemplem orientaes para o ensino do Portu-gus como segunda lngua, pode-se perfeitamente adotar esta con-cepo sobre o texto nessa perspectiva pedaggica, sem negligenciaros outros aspectos relevantes. No caso do ensino para surdos, o tex-to, assim concebido, parece ser de importncia capital, tendo em vistaque, embora os surdos no tenham o portugus como lngua materna,esto inseridos em boa parte dessa cultura lingstica: os nomes dasruas, das praas, das lojas, a propaganda, o extrato bancrio, o cartode crdito, de aniversrio, de natal, constituem apenas uma pequenaparte do grande universo que so as prticas sociais fundadas noletramento. E o texto escrito ferramenta bsica de comunicao en-tre surdos e ouvintes. Apresentar propostas metodolgicas para o en-sino de textos em portugus para surdos requer, portanto, a articula-o dessas prticas em atividades contextualizadas.

    3.2 Texto e contexto

    Ao se entender o texto como prtica social, obviamente, h de seconsiderar as suas condies de produo. O momento histrico, oambiente scio-cultural, os interlocutores so condies que nopodem ser desprezadas. Dessa forma, questes como: por que estetexto foi produzido? Para que ele serve? Para quem dirigido? Enfim, qual a sua

    importncia social? so relevantes, e professor e aluno no podem perd-las de vista. Todos estes aspectos formam o contexto que ir favorecer,

    por exemplo, a produo de uma carta ou de um bilhete num deter-minado contexto em que uma propaganda inadequada. Isso nosleva a compreender por que razo texto e contexto se encontramnuma relao de sintonia.

    3.3 Estratgias de processamento textual

    O processo de construo de um texto implica necessariamente quevrios sistemas de nosso conhecimento sejam ativados. Para tanto,

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    valemo-nos de estratgias de natureza cognitiva, textual esociointeracionais (Koch, 2000).

    3.3.1 CognitivasAs estratgias cognitivas dizem respeito a hipteses elaboradas so-bre o significado de uma palavra, de uma expresso, de uma estrutu-ra ou de um fragmento dela, ou mesmo do texto inteiro. So os pro-cedimentos rpidos de reconhecimento realizados pelo crebro quenos auxiliam a comear o entendimento do texto. Essas estratgiasconsistem em estratgias de uso do conhecimento, uso este quedepende dos objetivos dos interlocutores, da quantidade de conhe-cimento disponvel a partir do texto e do contexto, como tambm

    crenas, opinies e atitudes que possibilitem a construo de senti-dos textuais.

    3.3.2 Textuais

    As estratgias textuais so pistas que se referem organizao dosdiferentes elementos que concorrem para a estrutura material do tex-to. So elas:

    de organizao da informao: dizem respeito distribuio das es-

    truturas na superfcie do texto; o modo, como por exemplo, ainformao dada (j conhecida pelo leitor) e a nova (a que estsendo apresentada) se encontram estruturadas:

    de formulao: so recursos de natureza cognitiva e interacionalque tm, entre os objetivos, esclarecer, exemplificar, ilustrar, con-vencer, atenuar, ressalvar, bem como criar um clima menos for-mal entre os interlocutores. As inseres constituem um exce-lente exemplo desse tipo de estratgia;

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    de referenciao: esto voltadas para as relaes de ligaes entreos elementos que fazem parte da superfcie do texto, de modoque um seja recuperado por outro ou outros, formando o que chamado de cadeias coesivas.

    de balanceamento entre explcito e implcito: so aquelas que dizemrespeito ao que est expresso claramente no texto e o(s)subentendido(s) recupervel(eis) atravs de marcas ou pistas apre-sentadas no texto.

    3.3.3 Sociointeracionais

    As estratgias sociointeracionais so aquelas voltadas para as atitu-des dos interlocutores no momento da interao verbal e, por isso,

    encontram-se envolvidas nos atos de fala, como o caso das estra-tgias de preservao da auto-imagem, de polidez, de negociao,de esclarecimentos, de mal-entendidos etc.

    3.4 Qualidades da textualidade

    H vrios fatores que garantem a qualidade textual, sendo eles res-ponsveis tanto pela organizao estrutural como pela construodo(s) sentido(s) que o texto possibilite estabelecer. Entre outros, des-tacam-se: 'coeso, coerncia, informatividade, situacionalidade,intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade' (Beaugrand &Dressler, apud Koch, 1990).

    Embora apresentados dessa forma, compreendemos que a maiorparte desses elementos j est contemplada em um s: a coerncia

    j supe as noes de informatividade, situacionalidade,intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade. Portanto, pelomenos em princpio, coerncia e coeso tornam-se imprescindveispara que um texto seja interpretvel.

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    3.4.1 Coeso e coerncia

    3.4.1.1 A coeso textual

    A coeso o fenmeno textual que consiste no modo como os ele-mentos presentes na estrutura superficial se encontram interligados,por meio de recursos tambm lingsticos, formando seqnciasveiculadoras de sentidos (Koch, 2000). Assim sendo, elementos comosubstantivos, adjetivos, verbos, preposies, pronomes, advrbios,conjunes (operadores argumentativos) entre outros, so respon-sveis pela tessitura textual. Observem-se aspectos da coeso noseguinte trecho:

    TEXTO E CONTEXTO

    Vamos lutai

    Os onze brasileiros escalados por Luiz Felipe Scolari paraenfrentar a Alemanha no final da Copa do Mundo, hoje, s8h, no estaro sozinhos no Estdio Internacional deYokohama, no Japo. Jogaremos com eles. Sentados na pontado sof, ajudaremos Rivaldo e os Ronaldos a escolher o canto

    certo e empurraremos o goleiro Kahn para o outro lado dogol. A cada bola levantada para o atacante Klose, subiremosna cadeira para ajudar nossos zagueiros a afastarem o perigo.Diante da televiso, faremos de tudo para que o melhorataque da Copa supere a melhor defesa da competio. Paraevitar o tetra deles. Para comemorar o nosso penta.

    (Correio Braziliense, 30 de junho de 2002)

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    As palavras em destaque constituem alguns dos inmeros exemplos decoeso que o texto contm.

    os itens eles, estaro e sozinhos referem-se a os onze brasileiros, noincio do texto, e propiciam a recuperao de algo j apresentado.So portanto elementos remissivos a este que denominado dereferente;

    o adjetivo com valor adverbial de modo sentados, bem como asformas verbais ajudaremos, empurraremos, subiremos, faremos e a pro-nominal nosso recuperam a idia de ns, elptica e contida em

    jogaremos, primeira ocorrncia desinencial em que a idia aparecerealizada;

    as duas ocorrncias do conjuntivo e mostram que esse elemento um elo tanto entre palavrasRivaldo eRonaldos como entre oraesajudaremos ...e empurraremos...;

    a preposiopara tambm demonstra o seu valor de elemento deligao, assim como outras preposies encontradas;

    a forma pronominal possessiva deles recupera a referncia aosjogadores alemes, realizada concretamente em o goleiro Kahn eo atacante Klose.

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    Apesar das diferenas morfossintticas que alguns dos elementos'em destaque apresentam entre si, eles cumprem um mesmo papeldo ponto de vista da organizao do texto: o de garantir as ligaesinternas, a tessitura textual, pois, sendo elemento remissivo de umreferente ou apenas ligando palavras ou estruturas, todos eles socoesivos.

    3.4.1.2 A coerncia textual

    A coerncia consiste nas relaes de significao subjacentes es-trutura aparente ou superficial do texto. So as relaes lgicasestabelecidas entre as idias. Diz respeito aos princpios de 'acordo'entre as estruturas semnticas internas ao prprio texto e ao contex-to (ambiente, momento, interlocuo etc). o sentido ou os senti-

    dos que o texto possibilita apreender. A coerncia , na verdade, oprprio texto, pois um texto sem coerncia seria o no-texto e esteno existe.

    No texto "Vamos luta", vimos que todos os elementos analisadosno tm apenas uma misso de unir pura e simplesmente um ele-mento lingstico a outro ou de substitu-lo sem nenhum valor signi-ficativo. Todos eles unem palavras ou segmentos com lgica, estabe-lecendo uma relao de sentido entre as estruturas superficiais. Almdisso, o texto como um todo nos apresenta informaes, levando-

    nos a construir sentidos para ele que dependem de outras condiesextratextuais: o fato para o qual se chama ateno, que o jogo definal de campeonato entre Brasil e Alemanha; o tempo oportuno emque o texto foi produzido: momento da Copa de 2002, movimentoesportivo mundial; lugar onde ser realizado o jogo: Japo; a impor-tncia do goleiro Kahn, do atacante Klose e da zaga do time alemo,sugerindo nicos perigos superveis para nossa seleo; e a informa-o sobre a importncia da vitria, que, para os alemes, representao tetra, e, para ns, o penta.

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    Alm da informatividade, outro fator tambm perceptvel: aintencionalidade do autor. Pode-se depreender, entre outras, a inten-o do apelo ao exemplificar como deveremos ajudar os nossos jo-gadores por meio de nossas atitudes, ao assistir ao jogo, para garan-tir a vitria do Brasil.

    A possibilidade de compreenso do texto se faz sobretudo pelo co-nhecimento compartilhado entre autor e possveis leitores: citaescomo os nomes de Rivaldo e Ronaldo, do goleiro Kahn e do atacanteKlose nos remetem a informaes de outros textos, de outras situa-es, que nos auxiliam, enquanto leitores, a compreender o que estsendo dito ou no dito, apenas inferido. Esse aspecto deintertextualidade fundamental para que a informao que est sendoveiculada seja compreensvel e interpretvel, pois se trata de um co-nhecimento de mundo partilhado por locutores e interlocutores (au-

    tor e leitores). Nessa mesma perspectiva, reside a aceitabilidade, queno significa necessariamente a aceitao do argumento, mas sim oaceite do texto enquanto produtor de sentido (s) para o leitor. Mes-mo que no pense da mesma forma que o autor do texto, o fato dediscordar de seus argumentos ou da maneira como conduziu a dis-cusso j um indcio de que o leitor compreendeu que aquela pro-duo um texto, com uma estrutura sinttico-semntica, emborahaja discordncia no nvel discursivo.

    Alm dessas qualidades apresentadas por Beaugrand e Dressler econsideradas nos trabalhos de muitos estudiosos da Teoria do Tex-to, existe uma qualidade imprescindvel na feitura do texto enquantoproduo discursiva: a interdiscursividade. Embora confundida, muitasvezes, com intertextualidade, a interdiscursividade se diferencia da-quela por estar relacionada aos mltiplos discursos que um textoveicula, isto , s tantas 'vozes' (polifonia) presentes na produotextual, mas que no so identificveis to concretamente como sonos intertextos: os textos, via de regra, tm uma autoria implcita ouexplcita, mas pelo menos, recupervel; j os discursos so formadoshistoricamente, logo o sujeito-autor mltiplo e histrico. nessa

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    perspectiva que se pode perceber o aspecto ideolgico de um texto,que o lugar de concretizao do discurso.

    Todos estes fatores concorrem para a construo dos sentidos dotexto, portanto da prpria coerncia textual.

    3.4.1.3 Coeso e coerncia: outras observaes

    clara a relao de dependncia entre coeso e coerncia. Principal-mente no texto dissertativo-argumentativo, a coerncia interna dotexto apia-se crucialmente nos elementos coesivos. So eles os res-ponsveis, como j se observou, pela articulao dos marcadoreslgicos do texto, pela no-contradio dos argumentos, pela organi-zao seqencial do pensamento. Dessa forma, certo dizer que noh texto em que uma dessas qualidades esteja faltando. Apesar da

    obviedade que essa afirmao possa conter, ela no de todoverdadeira. J foi observado que a coerncia o prprio texto, por isso sua condio de existncia, portanto, no h texto sem coerncia.Por outro lado, existem textos em que a coeso no se realizanecessariamente. Observem-se os exemplos:

    guas de maro

    pau

    pedra

    o fim do caminho

    um resto de toco

    um pouco sozinho

    peroba do campo

    N na madeira

    Caing, candeia

    o Matita Pereira

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    madeira no vento

    Tombo na ribanceira

    E um mistrio profundo

    E um queira no queira

    o vento ventando

    o fim da canseira

    Das guas de maro

    So as guas de maro fechando o vero

    a promessa de vida em seu corao

    (Antnio C. Jobim)

    Dizem que o Brasil o pas do futebol. O futebol o esporteda bola no p. O p a base que d sustentao fsica ao serhumano, que a nica espcie no planeta que forma classessociais. A sociedade de classe bastante evidente no sistemacapitalista, que encontra na Revoluo Industrial o momentoinicial da relao capital/trabalho.

    No fragmento do famoso poema musicado de Tom Jobim, cada linha

    do poema parece constituir um verso de sentido independente; no haparentemente uma seqencializao na superfcie do texto. En-tretanto, todos os versos expressam idias que concorrem para amesma temtica, todos eles passam a participar da composio de ummesmo campo semntico, qual seja, as circunstncias de trmino daestao de vero, que culmina com a chegada das chuvas de maro.Isto nos leva a observar o poema como um texto, com todo o princpiode coerncia que ele exige para se constituir como tal. Quem o l ou oouve em forma de msica no o percebe com estranheza.

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    Ao contrrio, encontra na disposio formal em que ele se apresenta(versos), os fatos que so comuns do cotidiano, mas ditos de umaforma 'bela', mostrados, artisticamente.

    J, no exemplo seguinte, pode-se perceber que as ligaes esto

    estabelecidas na estrutura superficial: palavras de um segmento sorecuperadas em outro, numa demonstrao de que as informaesse encontram encadeadas. No entanto, no h uma lgica que con-corra para um tema: o que existe um amontoado de informaesdesconexas. No h uma disposio lgica. Assim sendo, h sinaisde coeso, mas no de coerncia. Logo, o exemplo (3) no pode serconsiderado um texto, a no ser que fosse escrito com um certopropsito.

    Os dois exemplos servem para ratificar mais uma vez que a coerncia

    uma qualidade essencial de um texto, o que no ocorre exatamen-te com a coeso. Servem para mostrar tambm que no em qual-quer texto que a coeso pode no se estabelecer; no poema h es-pao para isso. J no texto dissertativo, sobretudo os de naturezaargumentativa, a coeso uma qualidade imprescindvel, pois pormeio dela que a coerncia se torna possvel.

    3.4.1.4 Coeso, coerncia e a escrita dos surdos

    Sabemos que h diferenas estruturais entre lnguas de sinais e ln-guas orais e, por isso, as relaes entre as estruturas no se estabe-lecem da mesma forma nos dois sistemas lingsticos. Nesse senti-do, uma das dificuldades que o surdo tem apresentado na sua pro-duo textual em portugus exatamente a de fazer as ligaes en-tre palavras, segmentos, oraes, perodos e pargrafos, ou seja, ade organizar seqencialmente o pensamento em cadeias coesivas nalngua portuguesa. Essa idia tem levado muitos a acreditarem quetextos produzidos por uma pessoa surda no tm coerncia.

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    das. o caso deficam preocupadas, que embora se encontre no plural,deduz-se referir-se a minha me, realizado no singular, e no a orelhasvermelhas ou a dores, flexionados no plural. As nossas estratgiascognitivas nos levam a identificar o referente e sua respectiva forma

    remissiva, pois o nosso conhecimento lingstico nos indica que aexpressoficam preocupadas no poderia semanticamente ser atribu-da, neste contexto, a orelhas vermelhas, muito menos, a dores. Na pas-sagemAntibitico, espera curar, h um problema de coeso, pois faltaum elemento conjuntivo que, alm de recuperar o antecedenteAnti-bitico, estabeleceria a conexo entre as idias.

    Apesar de problemas como estes, entendemos o contedo semnti-co do excerto, isto , depreendemos o que est sendo dito e issoindica que a coerncia no foi comprometida. Por outro lado, o fato

    de o texto ser inteligvel no significa que a estrutura superficial nodeva ser reorganizada de acordo com as regras da lngua em que estescrito. responsabilidade do professor desenvolver maneiras degarantir a aprendizagem de algumas das infinitas possibilidades de(re)estruturao do texto, garantindo um direito inalienvel do sur-do: o acesso a elas.

    3.5 Gneros textuais

    O gnero textual vem passando, ao longo dos sculos, por vriosconceitos e classificaes. Objeto de preocupao da potica, daretrica, o gnero foi compreendido de diversas formas:

    pela distino entre poesia e prosa;

    pela diferena entre o lrico, o pico e o dramtico;

    pela oposio entre tragdia e comdia;

    por trs estilos: elevado, mdio e humilde;

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    pelo modo de realizao - deliberativo, judicirio e epidtico (os-tentoso), estes de acordo com as circunstncias em que so pro-nunciados.

    Do ponto de vista lingstico, a preocupao com o gnero comea

    com os princpios de cientificidade atribudos natureza da lngua,quando para a lingstica aspira-se a um status cientfico e para issobusca-se a objetividade, categorizando-se, classificando-se seu ma-terial de anlise (Brando, 2000). Esta a viso do Estruturalismo,que, pelo seu mtodo de anlise, procurava sempre estabelecer ummodelo abstrato que explicasse as possveis realizaes concretas.Assim sendo, o texto e seu gnero foram concebidos observando-seo aspecto formal, estrutural, sempre apontando-se para polarizaesdo tipo interno vs. externo, imanncia vs. historicidade etc.

    Atualmente, comum a idia de que os gneros textuais so fen-menos histricos, profundamente vinculados vida cultural e social(Marcuschi, 2002). Nessa perspectiva, entendem-se os gneros comoum produto coletivo dos diversos usos da linguagem, que no seapresentam em forma rigorosamente definida, como pretendiam osestudiosos do passado, mas sim, realizam-se de diversos modos, deacordo com as necessidades comunicativas do dia-a-dia da comuni-dade. Assim sendo, a cada evoluo tecnolgica que surge e trazconsigo uma maneira nova de se comunicar, um novo gnero apare-ce. Entendidos desse modo, os gneros so prticas sociais, como,

    por exemplo: bilhetes, convites, telegramas, sedex, fichas de cadas-tro, e-mails, chats, debates, cheques, cartes diversos (postal, agrade-cimento, apresentao, natal, aniversrio, outros), cartas, receitasculinrias, bula de remdio, artigos de jornal e revista, entrevistas,verbetes de dicionrios e de enciclopdias, charges, propagandas,publicidades, quadrinhos, msicas, poemas, resumos, resenhas, en-saios cientficos, crnicas, contos, livros em geral etc.

    Por outro lado, como resalta Marcuschi (2002), o fato de se classifi-carem os gneros por aspectos scio-comunicativos e funcionais no

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    significa que a forma deixe de ser considerada: (...) em muitos casosso as formas que determinam o gnero e, em outros tantos, seroas funes'. O poema, por exemplo, um gnero determinado pelaforma; j um desenho tanto pode despertar o gosto pelo estticocomo pode ter uma funo social pragmtica.

    3.5.1 Os gneros textuais no ensino do portugus

    A viso do gnero em suas mltiplas formas, resultantes de transfor-maes histricas, necessidades diferentes de cada poca com fina-lidades sociais bem determinadas, tem sido tema de discusses en-tre estudiosos preocupados com o ensino da linguagem. Mas ainstitucionalizao desse discurso se consolidou a partir do PCNs,que vem no gnero textual um recurso de fundamental importncia

    para a construo da cidadania do estudante. Sem desconsiderar osgneros que cuidam dos entretenimentos, os PCNs priorizam aque-les textos que cumprem funes de usos pblicos e artsticos.

    Os textos a serem selecionados so aqueles que, por suas caractersticas e

    usos, podem favorecer a reflexo crtica, o exerccio de formas de

    pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruio esttica dos

    usos artsticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena

    participao numa sociedade letrada (PCNs, 1998).

    Do ponto de vista da escrita, os PCNs recomendam que sejam con-

    templados textos como bilhetes (formais e informais), cartas, recei-tas, instrues de uso de um produto, listas, rtulos, calendrios,cartes (de vrias naturezas), convites, dirios, anncios, slogans, car-tazes, folhetos, poemas, contos, crnicas, textos cientficos, entreoutros.

    Por razes j explicitadas anteriormente, observa-se que esta reco-mendao totalmente pertinente em se tratando da pedagogia doportugus para surdos, apesar de esta ter estatuto de segunda ln-gua. Por isso, importante que o professor de surdos inclua os mais

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    diferentes textos como recurso didtico, tanto para a atividade deleitura como para a de produo.

    3.5.2 Gneros textuais e temas transversais

    Ao adotar vrias possibilidades de gneros em sua pedagogia, o pro-fessor abre possibilidades para o trabalho com temas transversais -outro importante aspecto contemplado nos PCNs. Entendendo-se quea quase ilimitada quantidade de gneros textuais decorre das inme-ras necessidades sociais, observa-se conseqentemente que eles vei-culam componentes discursivos de reas diversas. Isto demonstra arelevncia do papel que a lngua deve cumprir como instrumento decomunicao e transformao, instrumento este de que o aluno devesempre dispor. Assim, tratar de temas que constrem o mundo

    discursivo em que o aluno est inserido deve ser um dos objetivos emrelao ao texto a ser lido e produzido. A tica, a biodiversidade, asociedade e o meio ambiente, a sade, as drogas, a educao, as dife-renas raciais so apenas alguns dos temas que devem fazer parte dasleituras e das escrituras dos textos dos alunos, uma vez que os textosdevem constituir um espao de excelncia para as prticas sociais,discursivas e de letramento dos cidados.

    3.6 Tipologia textual

    A tipologia textual diz respeito aos j to conhecidos e discutidosaspectos da descrio, narrao e dissertao que compem a es-trutura textual.

    3.6.1 Descrio

    A descrio entendida como uma 'espcie de pintura' por palavras,a representao lingstica seqencial de objetos, ambientes, cenas,

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    interior, paisagem, seres (animais, rvores e pessoas, fisicamente epsicologicamente) que evocamos ou imaginamos. um recurso queconstitui o texto em sua totalidade estrutural ou parte dele, quandoutilizada dentro de uma narrativa, por exemplo. O ato de descreverno consiste em uma mera enumerao de elementos, mas sim naobservao de traos relevantes, dos pormenores importantes pararepresentao daquilo que a inteno do autor deseja expressar. Por-tanto, descrever algo uma atividade seletiva no sentido de se fazerdistino entre o que de fato importante e o que 'suprfluo', parao que se pretende.

    Na descrio, h uma recorrncia a verbos que no se apresentamtradicionalmente como verbos de ao, como os verbos sere estar,por exemplo, bem como a adjetivos, exatamente por estes teremuma funo prepoderante de atributo.

    O trecho seguinte constitui um exemplo de descrio fsica de umapessoa:

    A pele da cabocla era desse moreno enxuto e parelhodas chinesas. Tinha uns olhos grados, lustrosos e ne-gros como os cabelos lisos, e um sorriso suave e limpo

    a animar-lhe o rosto oval, de feies delicadas.

    (rico Verssimo)

    3.6.2 Narrao

    A narrao o relato de um acontecimento (real ou imaginrio), sen-do este entendido como uma sucesso de aes interligadas por umnexo lgico em que tem participao o homem ou um ente personi-ficado (pessoa ou personagem). caracterizada por elementos quelhe garantem uma estrutura bem delineada e que so as respostaspara as questes que seguem.

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    3.6.2.1 Elementos estruturais

    QUEM? - a(s) pessoa(s) ou personagem(ns)

    O QU? - o fato, o acontecimento

    COMO? - o modo como acontece o episdio

    ONDE? - o lugar ou os lugares onde ocorre

    QUANDO? - o(s) momento(s) em que se passam os fatos

    POR QU? - a causa dos acontecimentos.

    Observe-se a presena de alguns desses elementos no excerto narrativo aseguir:

    Na manh seguinte, ao levantar, vi Milton todo encolhidodentro da rede, totalmente encharcado. Sabadin tambm noacreditava no que via: o ndio havia guardado o plstico namochila e ficara a noite inteira debaixo da chuva.

    Tomamos o caf da manh, que se resumia em pouco maisde dois copos de caf com leite para cada um, com algumascolheres de aveia. (..)

    Nosso objetivo era caminhar at o acampamento do Vento. A

    previso, segundo os garimpeiros, seria de uma jornada de 7horas, chegando ao Vento, portanto, l pelas 4 horas da tarde.(...)

    No poderamos parar ali por muito tempo. Nossa cadnciaera muito lenta e eu estava preocupado em chegar logo aoacampamento do vento.

    (Augusto, Eduardo. Expedies ao Pico da Neblina,

    So Paulo, FTD)

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    3.6.2.2 A fala das pessoas ou personagens

    A fala das personagens em um texto narrativo denominada de dis-curso, que aqui significa a reproduo do que dizem as personagensou pessoas do evento. Os discursos so de trs tipos: direto, indireto e

    indireto livre.Discurso direto

    O discurso direto um enunciado de um texto narrativo correspon-dente reproduo literal da fala de outra pessoa ou personagemenvolvidos no episdio narrado. E geralmente introduzido pelo verbodizer ou outro da mesma esfera semntica, que pode abrir, fechar ouintercalar-se no enunciado. O primeiro caso marcado pela presenade dois-pontos, separando a fala do narrador da do personagem; nosegundo e terceiro casos, pela presena de travesso ou de vrgulas.

    Joo Romo parou entrada da oficina e gritou para um dosferreiros:

    Bruno! No se esquea do varal da lanterna do porto!

    (Aluzio Azevedo)

    Mas que avio? - perguntou o velho consultando os cus.

    (L. F. Verssimo)

    Discurso indireto

    O discurso indireto o enunciado que exprime o sentido do pensa-mento da pessoa ou personagem, sem contudo repetir-lhe as palavras.Neste tambm, o verbo dizer, ou semanticamente similares, se fazpresente, mas acompanhado de uma orao substantiva.

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    (...) ps-se a observar o garoto, que tremia de frio mas noabandonava seu trabalho. Perguntou-lhe por que estava ali,

    j tarde, solito, desmanchando tabuinhas. E ele, que no serevelou amigo da conversa, a custo foi soltando sua explica-o. O pai deixara-o naquele ponto recomendando-lhe queno sasse do lugar.

    (Carlos Drummond de Andrade)

    Discurso indireto livre

    O discurso indireto livre, processo mais requintado, caracteriza-sepelo estilo tambm indireto das idias, reflexes ou pensamentos dapessoa ou personagem, sendo que no se explicita o termosubordinante nem o verbo dizerou similares, ou seja, as idias, refle-

    xes etc so expressas na forma de orao independente.

    Deu um passo para a catingueira. Se ele gritasse "Defasta",que faria a polcia? No se afastaria, ficaria colado ao p depau. Uma lazeira, a gente podia xingar a me dele. Mas en-to... Fabiano estirava o beio e rosnava. Aquela coisaarroada e achacada metia as pessoas na cadeia, dava-lhessurra. No entendia. Se fosse uma criatura de sade e muque,estava certo. Enfim, apanhar do governo no desfeita, e

    Fabiano at sentia orgulho ao recordar-se da aventura. Masaquilo...Soltou uns grunhidos. Por que motivo o governo apro-veitava gente assim? S se ele tinha receio de empregar ti-pos direitos. Aquela cambada s servia para morder as pes-soas inofensivas. Ele, Fabiano, seria to ruim se andassefardado? Iria pisar os ps dos trabalhadores e dar pancadasneles? No iria.

    (Graciliano Ramos)

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    3.6.3 Dissertao

    A dissertao o tipo de texto em que se explica algo ou se expe umponto de vista, uma opinio, um julgamento sobre determinado as-sunto. Nessa perspectiva, encontra-se o texto argumentativo, que

    construdo a partir de estruturas em que repousam um problema dis-cutido e uma tese defendida. Tal tese pode estar voltada para um pon-to apresentado pelo prprio autor do texto, bem como para a defesaou refutao da(s) idia(s) de outrem. Assim, formam-se os argumen-tos, articulados sintaticamente por elementos conjuntivos denomina-dos de operadores argumentativos (conjunes coordenativas esubordinativas), determinantes no estabelecimento das relaescoesivas e importantes para garantir a coerncia textual. O texto aseguir ilustra essas observaes.

    Sobre ratos e homensQuando se trata de justificar experincias com animais, ospesquisadores j dispem de uma resposta pronta: ser quens estaramos a deixar que morram milhares de seres hu-manos, quando eles poderiam ser salvos por uma nica ex-perincia feita com um animal? A maneira de responder aessa pergunta hipottica fazer outra pergunta: ser que ospesquisadores estariam dispostos a realizar suas experin-cias utilizando um ser humano rfo, de idade inferior a 6meses, se o nico jeito de salvar milhares de vidas fosse

    esse? Se os pesquisadores no estiverem dispostos a usaruma criana, ento sua prontido em usar animais no-hu-manos revela uma injustificvel forma de discriminao ba-seada no especismo, j que macacos, ces, gatos, ratos eoutros animais so, mais que uma criana, conscientes da-quilo que lhes acontece, auto-orientados e, no mnimo, tosensveis dor quanto aquela.

    (Trecho de 'Vida tica', extrado de Veja, julho de 2002)

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    importante observar que, embora cada um dos tipos descritos apre-sente elementos estruturais peculiares, existe uma variedade de tex-tos que contm elementos de outros tipos. Assim, comum encon-trarem-se passagens totalmente descritivas, como corriqueira a in-cluso de trechos dissertativos em textos narrativos etc.

    3.7 Relao entre gnero e tipologia textual

    Gneros e tipos textuais esto intrinsecamente relacionados: todo textotem em sua constituio uma forma descritiva, narrativa, dissertativaou mista. Assim, cartas, relatrios, reportagens, contos, crnicas, en-tre outros gneros, so compostos por um ou mais de um tipo textual.

    4. Leitura e produo escrita

    J se assinalou anteriormente a relao estrita entre leitura e texto.As experincias e as prticas pedaggicas tm mostrado que a leitu-ra um ponto fundamental para a escrita; na verdade ela o pontobasilar. Por um lado, o hbito de ler possibilita a internalizao namente das regras prprias da lngua escrita; por outro, fornece infor-maes do universo que circunda o homem, ampliando seu conheci-mento. Quem escreve tem de demonstrar contedo naquilo que pro-duz e o faz valendo-se do sistema lingstico na forma adequadapara os padres da escrita. Isso faz com que o princpio deinterpretabilidade, que garante a coerncia, seja respeitado.

    Sempre que escrevemos, ativamos, entre outros processos intelec-tuais, o mnemnico: valemos-nos de informaes retidas na nossamemria e adquiridas por meio de textos, sejam estes orais ou escri-tos, recentes ou no. Nesse sentido, no errado afirmar que o textoque produzimos permeado de intertextualidade, ou seja, tem inter-ferncias de outros textos, de outros discursos, o que no significaque a produo no traga o novo.

    importante ter em mente que a leitura para os surdos deve serconduzida dos textos mais simples aos mais complexos, simplifican-do-se, apenas no incio, para evitar o reducionismo.

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    4.1 Os resumos e outras parfrases

    Uma eficaz maneira de se comear a desenvolver ou mesmo aprimo-rar a escrita a produo de esquemas, resumos e outros tipos deparfrases, dependendo do gnero e do tipo de texto que serve de

    base. O resumo, que uma retomada das principais informaes dotexto, um excelente exerccio, pois permite que o leitor demonstreo entendimento das idias do autor com fidelidade.1 Para tanto, umdos caminhos pode ser a elaborao de um esquema, primeiro mo-mento para a feitura do 'novo' texto. Pode-se tambm elaborar ou-tros textos que exijam processos cognitivos mais complexos, masque apresentem parfrases do texto-base. o caso da mudana degnero do texto original: artigo para resenha (comentrio crtico ouno sobre o texto), ou a transformao de uma narrativa em quadri-nhos. Seja qual for o procedimento, ele ser a prova concreta da

    dependncia da escrita em relao leitura.

    PROPOSTA DE EXERCCIOS: Leitura e interpretao

    Para exemplificar o que aqui foi exposto sobre leitura, texto e a com-plexa relao entre ambos, prope-se a realizao das atividades se-guintes voltadas para o ensino de pessoas surdas: primeiramente, aleitura do texto 'Eles so os olhos', para o que sugerida a aplicaode alguns dos procedimentos comentados, e, em seguida, propostaspara produo textual.

    1. Para iniciar a compreenso do texto verbal, comecemos a ler ostextos no verbais. Observe-se as figuras abaixo:*

    1 Sabe-se que a atividade de resumir implica processos cognitivos complexos e por isto mereceum capitulo parte. Para o momento, recomenda-se que o professor, sempre que possvel,auxilie os alunos a fazerem a leitura conduzindo de forma que percebam aquilo que maisessencial no texto.2 As fotografias a seguir foram retiradas dos sites: www.caoguia.org.br; www.sambucan.com.br;www.acapo.pt/aacapofoto; www.jovemadventista.com, respectivamente.

    http://www.caoguia.org.br/http://www.sambucan.com.br/http://www.acapo.pt/aacapofotohttp://www.iovemadventista.com/http://www.iovemadventista.com/http://www.acapo.pt/aacapofotohttp://www.sambucan.com.br/http://www.caoguia.org.br/
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    1 Etapa

    Comentrio ao professor: recomendvel que esta etapa seja realizadaem LIBRAS.

    1. Estabelea a relao entre as figuras: Elas tm algo em comum? Oqu? O que sugere a presena do co sempre junto (s) pessoa(s)?Como demonstrado o comportamento da(s) pessoa(s) em relaoao co?

    Transcrio das perguntas em LIBRAS:

    _?_QUE PARECER IGUAL FOTOGRAFIA

    TOD@

    ? PORQUE FOTOGRAFIA CO JUNTO PESSOA

    SEMPRE

    2. Qual a ligao entre o contedo das imagens e o ttulo "Eles so osolhos", do texto a seguir? E com o subttulo?

    Transcrio das perguntas em LIBRAS:

    FOTOGRAFIA TOD@ COMBINAR FRASE EL@S IGUAL

    ? ?OLHO + OLHO COMO PORQUE

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    3. Tea comentrios sobre os portadores de necessidades especiais relativas viso, como tm procurado superar socialmente as limitaesde acessibilidade aos locais por meio de rampas etc, como ces tmajudado nessa superao, como a sociedade tem se manifestado paragarantir aos cegos e aos surdos o direito constitucional de ir e vir etc.

    Transcrio em LIBRAS:

    ? PESSOA

    CEG@ ENTRAR LUGAR + LUGAR VRIOS COMO TAMBM SURDO

    4. Agora, tente uma primeira leitura (decodificao dos signos) dotexto a seguir. Depois, siga os procedimentos apresentados maisadiante para a realizao de uma leitura mais detalhada.

    Transcrio das perguntas em LIBRAS:

    VOC PRIMEIR@ LER SEGUND@ SEGUIR PASSOS TERCEIR@ LEROUTRA-VEZ

    TEXTO E CONTEXTO

    Eles so os olhos

    Ces guias esto sendo treinados para ajudar deficientes em Braslia

    Dezesseis ces da raa retriever labrador passeiam pela ci-

    dade com um leno azul amarrado no pescoo. Shoppings

    Centers, zoolgicos, rodoviria, praas, comrcios, igrejas,

    lugares movimentados fazem parte do dia-a-dia desses ani-

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    mais. Eles tm uma misso: tornarem-se ces guias de defi-

    cientes.

    Todos os espaos pblicos so obrigados a aceitar a presena

    dos animais, desde que devidamente identificados e

    acompanhados de uma pessoa que responda por sua guarda.Os animais que j esto nas ruas fazem parte do Projeto de

    Apoio aos Portadores de Necessidades Especiais Co Guia de

    Cego, uma parceria do Instituto de Integrao Social e de

    Promoo da Cidadania (Integra), Corpo de Bombeiros Mili-

    tar do Distrito Federal, Universidade de Braslia (UnB), Asso-

    ciao Brasiliense de Deficientes Visuais (ABDV) e a Funda-

    o Mira (sede no Canad).

    Tudo comeou em janeiro, quando os soldados do Corpo de

    Bombeiros Jlio Csar e Carlos Alberto Dias foram ao Canadpara aprender a adestrar ces. De volta ao Brasil seis meses

    depois, os bombeiros encontraram um canil preparado pelo

    Integra na sede da Academia do Corpo de Bombeiros. Os pri-

    meiros quatro filhotes foram trazidos e receberam os cuida-

    dos da equipe do hospital veterinrio da UnB. Uma campa-

    nha realizada no Parque da Cidade identificou famlias para se

    responsabilizarem por eles durante oito meses.

    Dois filhos, um gato e vrias viagens foram os critrios que fize-

    ram diferena para a escolha da famlia Cury. Quem adorou foiTobi Nag, o filhotinho que est sendo um verdadeiro personal

    trainer para o 'pai' Alessandra Cury. "Ele adora nadar, entra so-

    zinho na gua e um verdadeiro companheiro. Acho que vai

    ser difcil nos distanciarmos dele", explica Alessandra....

    (Correio Braziliense, 'Este meu', 30de maio de 2002, n 652,capa)

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    AGORA A SUA VEZ

    2a Etapa

    1. Estabelecer, de alguma forma, a relao entre a figura do co e otexto escrito, utilizando, por exemplo, perguntas.

    Transcrio das perguntas em LIBRAS:

    FOTO CL2: plural de fotos MOSTRAR J COMBINAR LER DEPOIS EX-PLICAR

    Comentrio ao professor: provvel que muitas conjecturas sejamapresentadas pelos alunos; cabe ao professor a tarefa de aproveitar asinformaes relacionadas ao texto que est sendo introduzido,conduzindo adequadamente a leitura para o que est sendo tratado.Esse procedimento possibilita o trabalho com inferncias.

    2. Identificar o ttulo e o subttulo, observando a relao entre ambos.

    Comentrio ao professor: testar se o subttulo ces guias esto sendotreinados para ajudar deficientes em Braslia esclarece a idia de que osintagma os ces substitui eles, e os olhos se refere a deficientes, palavrasque formam o ttulo 'Eles so os olhos'. Com este procedimento, oprofessor leva o aluno a compreender que os significados, os sentidosde um segmento podem ser recuperados em outro e a perceber aexistncia de mecanismos anafricos de substituies lexicais.

    3. Reconhecer e sublinhar as palavras-chave, como ces da raa retrieverlabrador, leno azul amarrado no pescoo, ces guias de deficientes, animais,

    parte do Projeto de Apoio aos Portadores de Necessidades Especiais Co Guia dosCegos etc.

    4.Sublinhar palavras desconhecidas: atentar para o contexto ou con-

    sultar o dicionrio.

    2 CL equivale a classificador - aqui apresentado como "L" com as duas mos, demonstrando adisposio esttica em que as fotos foram apresentadas aos alunos.

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    Comentrio ao professor: sugere-se que, quando se tratar de pala-vras que se refiram a lugares, como no texto Shopping Centers, zoolgi-cos, praas, igrejas, entre outros, ou de profisses, como bombeiros -enfim tudo o que puder ser ilustrado - o professor apresente figuras,fotos, pinturas, desenhos at improvisados, que ofeream, ao surdo,

    subsdios para compreenso das palavras em anlise. Trabalhar, sefor do interesse: profisses (tomando como ponto de partida 'bom-beiros', referida no texto); lugares (pontos tursticos da cidade); fam-lia (construindo a rvore genealgica com e dos prprios alunos);lugares onde ficam animais domsticos (canil, galinheiro, pocilga) etc.

    3a Etapa

    5. Identificar os pargrafos do texto, numerando-os (numerar tam-

    bm as linhas).

    Primeiro pargrafoidentificar e transcrever a(s) palavra(s) que inicia(m) e terminam o

    primeiro pargrafo;

    identificar o 'personagem' de que se est falando;

    sublinhar a caracterstica que identifica a funo do co de guia;

    circular os nomes dos lugares onde os ces guias podem entrar;

    sublinhar o segmento que expressa a misso dos ces.

    Segundo pargrafo

    identificar e transcrever as palavras que iniciam e terminam osegundo pargrafo;

    identificar o trecho em que est expressa a condio para que osces possam circular em espaos pblicos;

    identificar o nome do projeto;

    sublinhar o nome das instituies que apiam o Projeto.

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    Terceiro pargrafo

    identificar as palavras que iniciam e terminam o terceiro pargrafo;

    sublinhar a passagem que traz a referncia do tempo em quecomeou a idia do Projeto;

    indicar qual o fato marcante para a implementao do Projeto noBrasil;

    observar: que pessoas se envolveram no Projeto? Quantos cesparticiparam? Que instituies participaram (indicar as institui-

    es)? Que fato marcou o incio do Projeto?

    Transcrio das perguntas em LIBRAS:

    ? PESSOA QUAL

    PARTICIPAR PROJETO

    ? CACHORRO QUANTOS

    PROJETO TREINAR

    NOME LUGAR CONVNIO PROJETO

    ? ?

    COMEAR PROJETO QUE ACONTECER MAIS IMPORTANTE QUE

    Quarto pargrafo

    identificar as palavras que iniciam e terminam o quarto pargrafo;

    indicar a passagem que identifica Tobi, observando questescomo: Quem Tobi Nag? Qual a famlia escolhida para cuidarde Tobi? (circular o nome da famlia) Por que Tobi Nag umverdadeiro personal trainer?Circular as palavras ou expresses que

    caracterizam esse tipo de co.

    Transcrio das perguntas em LIBRAS:

    ?

    QUEM T-O-B-I N-A-G-

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    ? PROJETO

    ESCOLHER FAMLIA QUAL CUIDAR T-O-B-I

    ? PORQUE T-O-B-I N-A-G- GUIA

    VERDADE

    Indicar a orao que explica a idia contida em adotar o seu futurodono.

    4a. Etapa

    Informaes gerais sobre o texto

    I. Assunto

    elaborar uma frase que resuma a idia geral do texto

    assinalar a opo que resume a idia geral do texto:

    a)Todos os deficientes visuais esto sendo guiados por ces adestradosem Braslia;

    b)Qualquer co de qualquer raa pode guiar cegos em Braslia;

    c)Existe um Projeto em Braslia com objetivo de treinar ces da raaretrieverlabrador para servir de guia aos cegos.

    Transcrio das perguntas em LIBRAS:

    INVENTAR FRASE UM@ COMBINAR IDIA MAIS IMPORTANTE LER

    II. Objetivo

    identificar o objetivo do texto.

    Comentrio ao professor: esse aspecto pode ser testado a partir daescolha entre alternativas apresentadas pelo professor, como porexemplo: o objetivo do texto apresentar detalhadamente os pro-blemas enfrentados pelos cegos.

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    MOSTRAR PROBLEMA CEGO ENCONTRAR SOCIEDADE

    III. Gnero

    indicar se a 'forma' do texto : a) um poema; b) uma carta; c) um

    bilhete; d) uma notcia de jornal.Comentrio ao professor: Levantar outras questes sobre a natureza

    do gnero, como: a quem se destina o texto? Que meio ou meios de

    comunicao veicula (m) o texto? Observar a fonte de onde foi extra-

    do etc.

    IV Tipo

    indicar se o texto : a) descritivo; b) narrativo; c) dissertativo; d)

    misto;

    indicar que elementos textuais justificam a resposta dada etc.

    PROPOSTA DE EXERCCIOS: produo escrita __________________

    A proposta apresentada a seguir, alm de treinar o aluno na expresso

    escrita, demonstrando os novos conhecimentos adquiridos, tem por

    finalidade trabalhar os elementos de coeso textual.

    AGORA A SUA VEZ

    1. O texto estudado mostra a importncia do co para deficientes

    visuais. Por meio da leitura e da discusso sobre o assunto, adquirimos

    mais informaes sobre a funo que o co desempenha na vida dos

    cegos. Escreva um pargrafo sobre o co-guia na vida do deficiente

    visual.

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    Comentrio ao professor.- a idia inicial a elaborao de um par-grafo, mas possvel que seja escrito mais de um. As etapas a seguirso comentrios sobre procedimentos voltados para a elaboraodo pargrafo.

    1 etapa

    Pea aos alunos que elabore frases sobre o co-guia, observandoaspectos como: a raa indicada para ajudar os deficientes, que tare-fas o co desempenha, em que lugares pblicos o animal pode en-trar, em que tarefas ele pode ajudar em casa, qual o sentimento dodeficiente em relao ao animal etc.

    2a etapa

    Apresente frases do texto desordenadas e pea aos alunos que jun-tem (liguem) as frases de modo que as informaes sejam organiza-das, observando-se o sentido que est sendo construdo. Apresenteuma lista de 'palavras' que podero servir para ligar as frases, comopor exemplo: ele/ eles, ela/elas, seu/seus, sua/suas, o animal, o deficiente, que,

    porque, para, de, depois, logo, isto, assim, agora, etc. Trabalhe com um excertodo texto, por exemplo.

    3a etapa

    Aps a correo de todos os textos produzidos, selecione um deles(ou mais), preservando o anonimato e informando turma qual oobjetivo. Reproduza o texto no quadro de giz e, juntamente com osalunos, faa a correo, mostrando as inadequaes e apresentadopossibilidades de reescritura.

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    4a etapa

    Solicite aos alunos cujos textos apresentem problemas que refaamseu pargrafo, atentando para o que foi observado na correo. Re-vise todos os textos refeitos, elogiando o esforo de cada um.

    TEXTO E CONTEXTO

    Acampainha viva

    H algum tempo ganhei um cachorrinho, um filhotinho. uma cadela toda preta, apenas o focinho branco como sefosse sujo de leite. O nome dela Darina e nasceu em 10 denovembro de 1991. No sei a que raa pertence, talvez a

    nenhuma. J procurei, inutilmente, nos livros sobre ces.Quando chegou aqui em casa, cabia na palma da mo, e erato engraadinha que eu e meu filho ficamos, imediatamen-te, apaixonados por ela.

    Assim que passaram os perodos das poas de xixi pela casa,dos livros e sapatos rasgados, passou a ser muito til. Pare-ce que de alguma forma percebeu que no posso ouvir. E,assim, passou a chamar minha ateno para tudo que pro-duz algum som.

    Por exemplo: a campainha da porta. Talvez vocs no sai-bam que para os surdos abrir a porta para os visitantes re-presenta um problema porque no ouvem a campainha. Exis-tem campainhas especiais com luzes mas o uso delas limi-tado. A sinalizao luminosa, geralmente, no est instala-da em todos os cmodos da casa. Se o visitante tiver o azarde o dono da casa no estar perto do sinal luminoso, vai terque tocar por um bom tempo at ser notado. Ou ir embora

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    e voltar em outra hora. Geralmente a soluo que os surdos

    adotam a seguinte: se a visita esperada, no se afastam

    do cmodo onde est instalada a lmpada. Se a luz do sol

    entra pela janela, ficam receosos de se virarem de costas

    para a lmpada porque quando a luz comear a piscar fica

    difcil de ser percebida.

    Bem assim, inesperadamente, Darina encontrou oportuni-

    dade de mostrar a sua utilidade. Quando estou em casa se-

    gue-me por todos os lados. Se entro no quarto antes dela

    deixo a porta entreaberta para que ela possa empurr-la com

    a patinha. Infelizmente, no cresceu o suficiente para alcan-

    ar a maaneta da porta.

    Quando a campainha toca, Darina vem correndo e comea a

    comportar-se de maneira diferente. Corre, rapidamente,

    entre mim e a porta, para l e para c, virando a cabea para

    certificar-se de que a sigo e o olhar dela pede para andar

    mais rpido. Pelo comportamento dela sei se atrs da porta

    se encontra algum conhecido. Neste caso, abana o rabo e

    apia as patas na porta. Quanto mais ela gosta da pessoa,

    mais rapidamente abana o rabo. Se algum amigo que at

    j ficou com ela algumas vezes, sacode o traseiro todo. Se

    for algum estranho, fica a pequena distncia da porta e late.

    Algumas vezes no pra de latir nem depois que abro a porta

    - a tenho que tranqiliz-la porque o visitante estassustado. Nunca mordeu ningum, mas gosta de fingir que

    brava e que pode morder.

    Li em revistas estrangeiras que l existem centros especiais

    para adestramento de ces. Durante quatro meses os ces

    aprendem como devem ajudar seu dono surdo. Reagem no

    s ao som da campainha, mas avisam que a chaleira est

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    apitando, o telefone para surdos tocando ou at que o bebest chorando. Estes cachorros tm seus privilgios tam-bm. So reconhecidos oficialmente como um instrumentode ajuda para os surdos. Tm at uma carteira de passe livre

    nos transportes coletivos e podem hospedar-se em hotisjunto com o seu dono. No estrangeiro so chamados de "cesouvidos". Parece que por aqui tambm j existe alguma pos-sibilidade de treinamento, conforme li na revista para ossurdos "Gongo". Darina , infelizmente, uma senhora adultae para o treinamento s servem ces jovens, entre 8 e 12meses de vida. Darina autodidata.

    Darina til em outras situaes, tambm. Por exemplo,durante passeio no mato. No, no para caar. Precisodela para no me perder do grupo. Surdos tm um problemadurante um passeio no bosque: no podem prestar atenonos outros e, ao mesmo tempo, colher algumas frutinhas.Numa vegetao mais fechada muito fcil perder-se dosoutros. Eu tinha medo porque, quando eu era criana, meperdi num passeio desses. Mas a Darina curou meu medo.Durante os passeios solto-a da coleira e deixo-a correr livre-mente. Se perder os outros de vista, chamo por ela. Darinacorre entre o grupo e eu, sem parar, e assim indica a direodeles at encontr-los novamente.

    Uma vez, meu filho se esqueceu onde guardou a coleira eDarina teve que sair na rua solta. Tivemos de confiar que elavoltaria. Afastou-se correndo e s voltou uma hora depois.Algumas semanas mais tarde, meu filho comeou a criticarque ela est gorda, que lhe dou muita comida. Tentou con-vencer-me de que Darina no est grvida, at que um diasurgiram, em baixo dela, sete filhotinhos. Quem sabe, fo-

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    lheando velhas revistas, eu encontre a pgina com o ende-reo do treinador de ces para surdos e leve os filhotes paraele. Depois, eu mesma distribuiria entre meus amigos sur-dos. Eu no precisaria de sete campainhas!

    (Vera Strnadov In: Como ser surdo, Editora Babel, 2000.Traduo: Daniela Richter Teixeira)

    AGORA A SUA VEZ

    1. Faa uma pesquisa, em jornal, revista,\nternetetc. sobre animais deestimao. Observe aspectos, como: os tipos de animais, os cuidadosque tais animais necessitam, o papel do veterinrio, a relao afetivaentre esses animais e seus donos, os pases que mais adotam animais,o tratamento dado aos animais de estimao no Brasil, as leis queprotegem esses animais, as instituies que os defendem etc.

    2.Escolha um dos gneros abaixo para a elaborao de um texto:

    anncio de classificados do tipo 'Vendem-se filhotes' ;

    bilhete justificando ao professor ou ao chefe a ausncia escolaou ao trabalho devido a uma consulta de emergncia de seu coao veterinrio;

    carta a um amigo sobre a alegria de ter ganhado um cachorro ouo sonho de ter um animal de estimao;

    e-mail destinado a uma empresa que comercializa animais deestimao e produtos afins, solicitando informaes sobre aqui-sio de animais e sobre procedimentos para cuidar deles;

    quadrinhos, transformando o que foi contado em um dos textoslidos ('Eles so os olhos' e/ou A campainha viva'), em desenhoscom bales e falas dos personagens.

    http://../nternethttp://../nternet
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    J aprendemos que todo texto se realiza por uma forma que denomi-namos gnero e diz respeito s diferentes e variadas maneiras de co-municao de uma comunidade. Sendo assim, sabemos que cadatexto usado adequando-se ao contexto, isto , situao em que produzido, considerando-se o interlocutor a quem dirigido e a fina-lidade a que se destina.

    A seguir, propomos exerccios com diversos gneros textuais que vocresolver seguindo algumas das recomendaes estudadas anterior-mente para leitura e produo de textos.

    TEXTO E CONTEXTO

    Formulrios

    Os exemplos a seguir so prticas sociais de identificao pessoalutilizadas em situaes que exigem informaes pessoais e profissi-onais a seu respeito.

    Os formulrios em geral so fichas de inscrio (matrcula, concur-so), de sorteio (concurso de televiso, rdio etc), pronturios (den-tista, hospital, mdico em geral), cadastros (proposta de carto decrdito etc), recibos, duplicatas, notas promissrias, cheques, entreoutros.

    Leia o formulrio e se familiarize com uma das maneiras pelas quaisas informaes pessoais podem ser apresentadas.

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    AGORA E A SUA VEZ

    Agora que voc j sabe de algumas informaes que um formulriopode conter, elabore um com os seus dados.

    Viu como no difcil? Ento, por que no preencher outro de suaescolha. Quem sabe daquele concurso de que voc pretende partici-par. Mostre o seu trabalho para o professor.

    TEXTO E CONTEXTO

    Carto profissional e de visita

    Outra maneira de voc se identificar por meio de um carto que

    comumente utilizamos quando tratamos de assuntos profissionais(negcios). Ele, geralmente, contm o logotipo da empresa, o nome,o cargo, o endereo, telefones, fax, e-mail. Veja os modelos:

    Que tal voc elaborar um carto de visita com as informaes paradistribuir aos amigos! Estimule os seus colegas a fazerem o mesmo.Voc pode colocar dados reais ou brincar, usando a imaginao. Oimportante saber a utilidade do carto.

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    TEXTO E CONTEXTO

    Voc j sabe que usamos muitas formas de textos para nos comuni-car com parentes e amigos. A seguir, so apresentadas alguns mode-

    los de bilhete, carta, cartes e convites, cujas idias voc pode apro-veitar para elaborar as suas correspondncias.

    O bilhete utilizado quando queremos deixar resumidamente umrecado ou informar algum, geralmente conhecido, sobre algo. Nele,identificamos:

    o destinatrio (a pessoa a quem dirigido o bilhete),

    o assunto,

    agradecimentos ou saudaes,

    a data,

    o nome do remetente.

    Veja a sugesto a seguir:

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    AGORA E A SUA VEZ

    1. Coloque em ordem as partes do bilhete.

    ( ) Saudades.

    ( ) Preciso falar com voc ainda hoje sobre a festa.

    ( ) Oi, Renato,

    ( ) 12/10/2001

    ( ) Ligue-me assim que puder,

    ( ) Marta Simes

    ( ) pois estou esperando.

    2. Agora, reescreva o bilhete na ordem certa.

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    TEXTO E CONTEXTO

    Carta

    A carta uma forma de correspondncia que j foi bastante utiliza-da. Hoje, como comum o uso do computador e da internet. Muitaspessoas tm se correspondido atravs de e-mail. Mesmo assim, acarta ainda usada para comunicaes formais (carta de apresenta-o a uma empresa) e informais (carta para parentes e amigos).

    Preste ateno no modelo de carta apresentado a seguir. apenasuma sugesto, mas, de qualquer modo, voc j pode se familiarizarcom alguns elementos que compem uma carta. Olhe que legal acarta que Mariana escreveu av dela! Observe como esto coloca-dos alguns desses elementos:

    Florianpolis, 15 de maio de 2000

    Querida vov Norma,

    Como vai? H muito tempo que no nos vemos. Todos aqui em casa

    estamos Sem, mas com saudades da senhora e do vov Luis. Como esto

    tio Beto e tia Lcia? Espero que Bem.

    Vov, no inicio de dezembro comeam nossas frias e estamos loucos para

    ir para sua casa, passar o Natal e o Ano Novo. Queremos curtir muito

    com os nossos primos e amigos a de Belm. Avise a todo mundo que

    estamos chegando. 'Vamos brincar, passear, tomar sorvete, namorar e ouvir

    as novidades e as fofocas da famlia, que a senhora sempre nos conta. '

    Ah! No se esquea de fazer bolo de tapioca e suco de cupuau. A tigela

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    de aa sempre bem-vinda, fois, alm de gostoso, o aa deixa a gente

    'sarada', sabia vov?

    Eu, a Juliana, o Rodrigo e o Eduardo estamos super bem na escola. Este

    ano j est 'emplacado', entendeu v, espero que sim, se no, quando

    chegar a, eu explico, sacou?

    V, tentei mandar um 'E-mail, mas no consigo. Acho que a Senhora est

    com algum problema no seu computador. bom checar. Em todo caso, t

    te mandando uma carta, moda antiga. Acho que voc vai gostar.

    Me escreva de volta pra dizer se gostou. 'Estou esperando sua resposta.

    Todos mandam um SUPER BEIJO para vocs.

    Te amamos muito!Sua neta preferida,

    Mariana

    Veja que, ao escrever uma carta, colocamos:

    a cidade e a data; o nome da pessoa a quem a carta dirigida, seguido de vrgula;

    a(s) informao(es);

    o fecho ou encerramento;

    o nome do remetente.

    Ah! preciso prestar ateno ainda na linguagem. Em nossoexemplo, o estilo informal.

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    AGORA E A SUA VEZ

    Escreva uma carta a um amigo que mora em outra cidade, contandosobre uma festa de fantasia que voc est organizando. Explique a ele

    como ser a festa: os trajes, os participantes, o local onde serrealizada, a data etc. Use sua imaginao e depois mostre a seu pro-fessor. Ateno para a colocao dos elementos formais que vocacabou de aprender.

    TEXTO E CONTEXTO

    H muitos tipos de cartes que podemos utilizar, alm daquele deidentificao pessoal que voc j conhece e aprendeu a fazer. So

    cartes de aniversrio, postais, mensagens de amor, que certamentevoc j viu, mas, a partir de agora, vai aprender a criar os seus. Aseguir, esto algumas sugestes.

    Carto de aniversrio

    So aqueles cartes que mandamos parabenizando algum pelo ani-versrio. Veja o exemplo:

    Al, Natlia,

    Estamos mandando fortes abraos pelo "Niver".Muitas primaveras pela frente e variados amores.

    Mas antes, prepare um belo rango. Estamos

    chegando logo mais para comemorarmos juntos,

    ok?

    Beijos mil da Galera,

    Faf, Rafa, Bebei e Michele

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    AGORA A SUA VEZ

    Como voc pode ver, o aniversrio de algum sempre uma oportu-nidade para mandarmos um carto. Existem muitos venda, dos

    mais diferentes modelos e para os mais variados gostos. Na internet,voc tambm encontra muitos disposio. Mas, ao elaborar um,voc tem possibilidades para criar, garantindo originalidade. Ento,elabore um carto bem legal para uma pessoa querida. Com certezaela vai gostar.

    Este espao seu. Crie!

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    TEXTO E CONTEXTO

    Carto-Postal

    Muitas vezes, ao viajarmos, queremos nos corresponder com amigose/ou familiares para demonstrar nossa saudade e mostrar um poucodos lugares que conhecemos. Para isso, usamos o carto-postal. Aseguir, encontra-se um exemplo de carto-postal, que , geralmente,escrito no verso.

    Braslia, 22 de jun/to de 2002

    Mame, papai e Lisa,

    (Braslia uma cidade diferente de todas as outras que j conheci. No tem

    esquinas e cheia de rvores. Casas, s em alguns setores, as pessoas

    moram geralmente em apartamentos, pois a arquitetura foi pensada para

    dar cidade uma forma diferente e mgica. Estou amando. Em breve,

    espero que vocs a conheam.

    Beijos e saudades,

    Cristina

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    AGORA E A SUA VEZ

    1. Voc j conhece as partes que compem a carta, o bilhete, o car-to de aniversrio. Identifique, nesse carto-postal, seus elementos

    estruturais:lugar e data:---------------------------------------------------------------

    destinatrio:-------------------------------------------------------