alberto jorge - direito penal constitucional - a imposição dos princípios constitucionais penais...

178
7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012) http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 1/178

Upload: osmar-dias-oliveira-junior

Post on 23-Feb-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 1/178

Page 2: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 2/178

Page 3: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 3/178

Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira César — São Paulo — SPCEP 05413-909 – PABX: (11) 3613 3000 – SACJUR: 0800 055 7688 – De 2ª a 6ª, das

8:30 às 19:30

E-mail [email protected] Acesse www.saraivajur.com.br

FILIAIS

 AMAZONAS/RONDÔNIA/RORAIMA/ACRE

Rua Costa Azevedo, 56 – Centro – Fone: (92) 3633-4227 – Fax: (92) 3633-4782 – Manaus

BAHIA/SERGIPE

Rua Agripino Dórea, 23 – Brotas – Fone: (71) 3381-5854 / 3381-5895 – Fax: (71) 3381-0959 –

Salvador

BAURU (SÃO PAULO)

Rua Monsenhor Claro, 2-55/2-57 – Centro – Fone: (14) 3234-5643 – Fax: (14) 3234-7401 –

Bauru

CEARÁ/PIAUÍ/MARANHÃO

 Av. Filomeno Gomes, 670 – Jacarecanga – Fone: (85) 3238-2323 / 3238-1384 – Fax: (85)

3238-1331 – Fortaleza

DISTRITO FEDERAL

SIA/SUL Trecho 2 Lote 850 — Setor de Indústria e Abastecimento – Fone: (61) 3344-2920 /

3344-2951 – Fax: (61) 3344-1709 — Brasília

GOIÁS/TOCANTINS

 Av. Independência, 5330 – Setor Aeroporto – Fone: (62) 3225-2882 / 3212-2806 – Fax: (62)

3224-3016 – Goiânia

MATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSO

Rua 14 de Julho, 3148 – Centro – Fone: (67) 3382-3682 – Fax: (67) 3382-0112 – Campo Grande

MINAS GERAIS

Rua Além Paraíba, 449 – Lagoinha – Fone: (31) 3429-8300 – Fax: (31) 3429-8310 – Belo

Horizonte

Page 4: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 4/178

PARÁ/AMAPÁ 

Travessa Apinagés, 186 – Batista Campos – Fone: (91) 3222-9034 / 3224-9038 – Fax: (91)

3241-0499 – Belém

PARANÁ/SANTA CATARINA 

Rua Conselheiro Laurindo, 2895 – Prado Velho – Fone/Fax: (41) 3332-4894 – Curitiba

PERNAMBUCO/PARAÍBA/R. G. DO NORTE/ALAGOAS

Rua Corredor do Bispo, 185 – Boa Vista – Fone: (81) 3421-4246 – Fax: (81) 3421-4510 – Recife

RIBEIRÃO PRETO (SÃO PAULO)

 Av. Francisco Junqueira, 1255 – Centro – Fone: (16) 3610-5843 – Fax: (16) 3610-8284 – Ribeirão

Preto

RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO

Rua Visconde de Santa Isabel, 113 a 119 – Vila Isabel – Fone: (21) 2577-9494 – Fax: (21)

2577-8867 / 2577-9565 – Rio de Janeiro

RIO GRANDE DO SUL

 Av. A. J. Renner, 231 – Farrapos – Fone/Fax: (51) 3371-4001 / 3371-1467 / 3371-1567 – Porto

 Alegre

SÃO PAULO

 Av. Antártica, 92 – Barra Funda – Fone: PABX (11) 3616-3666 – São Paulo

ISBN 978-85-02-14641-9

Lima, Alberto Jorge C. de BarrosDireito penal constitucional : a imposição dosprincípios constitucionais penais / Alberto Jorge C. deBarros Lima. – São Paulo : Saraiva, 2012.1. Direito constitucional 2. Direito penal 3.Princípios constitucionais penais I. Título.11-11123 CDU-342:343

4/178

Page 5: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 5/178

Índice para catálogo sistemático:1. Direito penal constitucional 342:343

Diretor editorial Luiz Roberto Curia

Gerente de produção editorial Lígia Alves

Editor assistente Raphael Vassão Nunes Rodrigues

Produtora editorial Clarissa Boraschi Maria

Preparação de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan / BernardeteRodrigues de Souza Maurício / Daniel Pavani Naveira

 Arte e diagramação Cristina Aparecida Agudo de Freitas / Claudirene de Moura Santos

Silva

Revisão de provas Rita de Cássia Queiroz Gorgati / Ivani A. M. Cazarim

Serviços editoriais Elaine Cristina da Silva / Vinicius Asevedo Vieira

Capa Estúdio Bogari

Produção gráfica Marli Rampim

Produção eletrônica Ro Comunicação

Data de fechamento da edição: 23-1-2012

Dúvidas?

 Acesse www.saraivajur.com.br

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou

forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva.

5/178

Page 6: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 6/178

 A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punidopelo artigo 184 do Código Penal.

6/178

Page 7: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 7/178

Para minha mãe, Enide, pela força, pelocarinho

e extrema dedicação.

Para meu pai, João, pela ternura que seuslongos

anos de vida hoje me passam.

Para Francisa, pela energia de sua juven-tude, pela

sua entrega, pelo seu amor.

Page 8: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 8/178

“O juiz e o legislador são homens que semovem dentro do Direito como o pri-

sioneiro dentro de seu cárcere.”

(Paráfrase de uma citação de Eduardo Couture. Introdução ao estudo doprocesso civil. Trad. Mozart V. Russomano. Rio de Janeiro: Konfino, 1951,

 p. 87)

Page 9: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 9/178

Page 10: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 10/178

2.2. A sanção não caracteriza a norma jurídica

2.3. Os princípios são espécies de normas jurídicas

2.4. A proeminência dos princípios constitucionais

Capítulo 3

 Norma penal, direito penal e constituição

3.1. Por outra classificação da norma penal

3.2. Direito Penal e Constituição

3.3. Constituição e imposição restritiva ao Direito Penal3.4. Constituição e imposição de conteúdo ao Direito Penal

3.5. Estado Democrático de Direito e os princípios constitucionais penais

Capítulo 4

Imposição de conteúdo e intervenção mínima

4.1. Intervenção mínima como princípio constitucional penal

4.2. Determinação de referência criminalizadora exclusiva a bens jurídicos constitucionais

4.3. Imposição ao legislador 

4.4. Intervenção mínima e controle judicial

Capítulo 5

Imposição de conteúdo e ofensividade

5.1. Direito e moral: a ofensividade como princípio constitucional

 penal

10/178

Page 11: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 11/178

5.2. Imposição do princípio da ofensividade ao legislador 

5.3. Imposição ao juiz: o critério interpretativo da insignificância

5.4. Ofensividade e controle da constitucionalidade

Capítulo 6O princípio da legalidade: imposição restritiva

6.1. Escorço histórico e definição da legalidade penal

6.2. A compreensão do princípio no Estado Democrático deDireito

6.3. Imposição restritiva ao legislador 6.4. Legalidade penal e os limites do juiz

Capítulo 7

Culpabilidade como imposição restritiva

7.1. Os significados de culpabilidade em Direito Penal7.2. A culpabilidade normativa

7.3. Fundamentos da culpabilidade no Estado Democrático deDireito

7.4. As obrigações impostas pelo princípio ao legislador e ao juiz

Capítulo 8

O princípio da humanidade como imposição restritiva

8.1. Pessoa humana e pena

8.2. A proporcionalidade e o princípio constitucional da

humanidade

11/178

Page 12: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 12/178

8.3. Imposição ao legislador e ao juiz

Capítulo 9

Os princípios constitucionais penais nas sociedades pós-industriais

9.1. As principais objeções aos princípios constitucionais penais

9.2. A expansão penal nas sociedades atuais

9.3. Expansão versus intervenção mínima

9.4. Nova criminalidade e diminuição das garantias: “Direito Pen-al do inimigo”?

Capítulo 10

Mandamentos constitucionais criminalizadores

10.1. Imposição de conteúdo e limites à descriminalização

10.2. Imposição constitucional criminalizadora de conteúdoimpeditivo

10.3. Imposição constitucional criminalizadora de conteúdo prescritivo: as cláusulas constitucionais de criminalização

 À guisa de conclusão

 Referências

12/178

Page 13: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 13/178

prefácio

Lançando a presente obra, intitulada   Direito penal con-stitucional – a imposição dos princípios constitucionais penais, oseu autor desenvolve um notável esforço científico em busca deuma nova legitimação do sistema jurídico-penal brasileiro, que

tem sofrido sobremaneira em virtude das suas notórias e gravesfalhas de funcionamento.

As Polícias, os órgãos judiciais (Tribunais e MinistérioPúblico) e as instituições de execução das penas (varas, secretari-as, penitenciárias etc.) demonstram, diariamente, sua baixa capa-cidade operacional e continuam a punir e estigmatizar, acima detudo, os integrantes das camadas desfavorecidas da sociedade em

virtude do cometimento de delitos contra a propriedade privada.Ao mesmo tempo, o Estado brasileiro não exerce, de

maneira minimamente satisfatória, o jus puniendi em relação aosdelitos contra as liberdades individuais e o patrimônio público quetradicionalmente são cometidos por pessoas pertencentes ao grupodos economicamente bem abastecidos e dos detentores do poder  político.

O autor critica o fenômeno de uma exagerada criminaliza-ção de certos atos em diversas áreas da vida social durante as últi-mas décadas, causada pela falta de critérios nítidos e da inserçãoem políticas criminais coerentes, propostas pela própria Constitu-ição Federal. O Estado moderno, para garantir a efetiva proteçãodos diferentes bens jurídicos, deve se valer de normas penaisapenas em conjunto com outras, concentradas nas áreas do DireitoAdministrativo, Civil, Tributário etc. A promulgação indiscrimin-ada de novos dispositivos de Direito Penal leva, por falta de sua

Page 14: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 14/178

efetiva aplicação, à impunidade e, por consequência, a um cres-cente descrédito dos órgãos estatais.

As normas penais são apresentadas como meio formal decontrole social que opera em direção aos fins da prevenção e darepressão. Embora adepto da teoria da   intervenção mínima   do

Estado mediante o Direito Penal, o autor defende uma expansãoracional da criminalização de condutas ofensivas a bens jurídicoscoletivos e difusos (meio ambiente, finanças públicas, ordem eco-nômica etc.), já que estes se caracterizam por uma elevadarelevância social e, por isso, são acompanhados por “mandamen-tos constitucionais criminalizadores.”

Ao mesmo tempo, há uma recusa da descriminalizaçãoabrangente e pouco criteriosa de condutas ofensivas aos bens indi-viduais, defendida pelos seguidores do chamado  abolicionismo penal, entendendo-se que tal atitude traria, no seu bojo, umaumento vertiginoso dos atos de vingança pessoal.

É preciso que a positivação de um tipo penal normativosempre represente uma resposta estatal que corresponda às ex- pectativas daqueles que (ainda) acreditam e confiam no ordena-mento jurídico. Para cumprir essa função, caberia ao Poder 

Público se valer com mais frequência de dados estatísticos eestudos criminológicos como subsídios para a criação ou re-vogação de normas penais.

Os valores constitucionais que falam em favor da   inter-venção mínima também devem influenciar a interpretação (restrit-iva) dos próprios tipos inseridos nos textos das leis penais e a do-simetria das respectivas penas por parte dos juízes. Este ideário se

manifesta, também, no princípio da ofensividade, de acordo como qual deverá haver sanções penais apenas em relação a atos que,efetivamente, lesem bens individuais ou sociais e que não mere-cem ser qualificados como insignificantes.

Afirma-se uma falta de clareza sobre a relação entre princí- pios e regras no âmbito do Direito Penal brasileiro, visto que a jurisprudência não emprega as normas principiológicas na

maneira devida, o que se explica, também, pela tímida recepção

14/178

Page 15: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 15/178

Page 16: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 16/178

que tanto proteja os valores e bens da sociedade quanto respeiteos direitos fundamentais dos indivíduos.

Sem dúvida, o tom sempre construtivo e bastante prag-mático e realista que permeia toda a obra se deve, também, àsmúltiplas experiências profissionais que seu autor colheu durante

quase duas décadas de exercício da magistratura na área criminale do magistério nos Cursos de Graduação e Mestrado daFaculdade de Direito da Universidade Federal de Alagoas.

Maceió/AL, dezembro de 2010.

Andreas J. Krell

 Doctor Juris pela Freie Universität Berlin. Professor Associado de Direito

Ambiental e Constitucional e Diretor da Faculdade de Direito de Alagoas (FDA-

UFAL). Colaborador permanente do Mestrado/Doutorado da Faculdade de Direito do

Recife (UFPE). Consultor e pesquisador bolsista do CNPq (nível 1). Membro do

Comitê Assessor da CAPES na área do Direito.

16/178

Page 17: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 17/178

Page 18: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 18/178

outrossim, fazer ver os instrumentos hermenêuticos que o aux-iliam nessa tarefa e também quais são os seus próprios limites nomomento dessa operação.

Pretende-se, ainda, entrementes, explicitar os mandamentosconstitucionais criminalizadores, defendendo sua conformidade

com os influxos dos princípios constitucionais penais. Longe dequalquer romantismo, sabemos da necessidade do funcionamentodo Direito Penal, ao menos para conter as tensões causadas nacoletividade pelo cometimento dos delitos que definiremos comoos mais graves. A afetação dos direitos fundamentais ocorre, tam- bém, com as consequências das infrações de especial gravidade.

Mas, para fazer funcionar o sistema de justiça criminal,

antes de qualquer coisa, é preciso (re)legitimá-lo. Propugnamos,diante disso, por uma dogmática que traduza um rígido controlenas instâncias criminalizadoras e descriminalizadoras, que torne possível, por exemplo, conter a inflação de leis criminalizadoras,as quais não têm qualquer efetividade, não ofendem bens jurídi-cos importantes e contribuem, seriamente, para a crença naimpunidade.

Para estes propósitos, é preciso fixar o conceito de princípi-os; distinguir a teoria da metodologia jurídica tradicional, que nãoos considera norma, das concepções que revelam sua naturezanormativa; diferenciá-los das regras, evidenciando sua posição so- branceira no ordenamento jurídico; enfocar a dignidade humana,fundamento da República Federativa do Brasil, como sustentácu-los dos princípios constitucionais penais implícitos e expressos notexto da Carta Federal, que delimitam a ação do legislador e do

 juiz em criminalizar e descriminalizar comportamentos.Por meio de qualquer pesquisa jurisprudencial, é possível

concluir que o Judiciário brasileiro faz pouco, ou quase nenhumuso dos princípios reportados para, declarando a inconstitucional-idade das regras que os contrapõem, descriminalizar comporta-mentos. Aumenta, por isso, a importância de uma classificaçãoconstitucional e de uma definição dos princípios penais com seus

18/178

Page 19: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 19/178

desdobramentos e interligações, que serão destacadas por estetrabalho.

Assim, é que compreendemos existir no âmbito do  saberpenal o Direito Penal Constitucional, um ramo do Direito atre-lado às regras constitucionais voltadas especificamente para

matéria criminal. Dele, no fundo, é que pretendemos tratar.

II. Deslegitimação do Sistema Penal e ne-cessidade de uma nova dogmática

 Não é novidade, desde longo tempo, a chamada deslegitim-ação do Sistema Penal. O Sistema Penal oficial destinado a realiz-ar o Direito Criminal no Brasil comporta três segmentos: o Poli-cial, o Judicial e o de Execução ou Penitenciário. A deficiênciadestes três segmentos, com severas consequências para os direitos

humanos, é relatada na crítica de Zaffaroni1, por meio de três ca-racterísticas, as quais, em certa medida, podem ser observadas nos

sistemas de justiça criminal da América Latina, muito particular-mente no Sistema Penal Brasileiro.

Redimensionada a crítica do professor portenho no quetange ao seu conceito, podemos dizer que a primeira, relativa à se-letividade do Sistema, significa que este só atinge os estratos eco-

nomicamente mais desfavorecidos da população2, centrando sua

atuação primordialmente nos delitos contra o patrimônio privado3.

A segunda acentua a repressividade do Sistema, entendidacomo a intensidade das consequências opressoras para além das

 previstas nas normas penais4. A repressividade significa, assim,que o Sistema produz, no plano fático, violência, maus-tratos, de-gradação da saúde física e psicológica aos seus clientes, que nãodecorrem das consequências legais previstas, mas sim da falta decumprimento e violação das próprias normas.

19/178

Page 20: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 20/178

A terceira, e última, diz respeito à estigmatização produzida pelo Sistema, que impõe a toda sua clientela um sinal infamante,

 produzindo consequências que negam os seus próprios objetivos5.A estigmatização implica, por outro lado, a assunção do papel demarginalizado pelo indivíduo sobre o qual recai a persecução pen-

al. Papel atribuído pela coletividade e pelo próprio Estado quandonão cumpre as diretivas legais concernentes aos direitos daquelesque estão sendo investigados, processados e presos.

O estigma é propiciado, também, na medida em que, dur-ante a permanência do indivíduo na prisão, ele passa a ser “desad-aptado” para conviver em liberdade, sendo desestimulado, per-dendo, portanto, a noção de autorresponsabilidade do ponto de

vista econômico e social. Para além, passa a assumir os modeloscomportamentais dos valores típicos do cárcere.

É importante assinalar que a matriz teórica do labelling ap- proach formula sua tese central na hipótese de que a criminalid-ade não é uma qualidade inerente ao comportamento humano ouuma entidade ontológica, mas, sim, uma etiqueta atribuída a cer-tas pessoas mediante intricados processos de interação social. O

estigma, neste prisma, seria ínsito ao próprio Sistema Penal

6

.De qualquer modo, as críticas acima apontadas, conforme pode ser constatado nas informações do próprio governo, são em- piricamente perceptíveis, inclusive verificadas de forma profana pela maioria das pessoas, o que vem tornando os segmentos doSistema desacreditados, fazendo aumentar, de um lado, asensação de impunidade, e de outro, o sentimento de insegurança, para além do incremento das respostas informais.

Ademais, uma outra causa responsável pelo desmantela-mento do Sistema, geradora, em parte, das consequências acimareportadas, é encontrada em um nível anterior, o da chamada pre-

venção secundária7 e diz respeito ao aumento esquizofrênico (nosentido de perda de contato vital com a realidade) das denomin-adas regras penais incriminadoras.

20/178

Page 21: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 21/178

O legislador brasileiro, que já foi contagiado, nas décadasde 1970 e 1980, pelas posições tomadas nos Estados Unidos daAmérica – um crescente recrudescimento no combate à criminal-idade, com agravamento das penas e o consequente e vertiginosoaumento da população carcerária, por conta da emigração, do ter-

rorismo, da crença, enfim, de que existe uma guerra intestinaameaçando a coletividade8 – e se vê, nas duas últimas décadas, di-ante de novas realidades (violência urbana, o medo da populaçãoetc), aprova, freneticamente, leis que criminalizam os mais varia-dos comportamentos, da destruição culposa de simples plantas or-

namentais9, à mera imitação de expressão ou sinal de propaganda

alheios, de modo a criar confusão entre os produtos10. É cor-

riqueira, mesmo em leis não penais especificamente, a existênciade um cinturão de delitos destinados a “garantir” o cumprimentodas disposições contidas na norma.

A expansão do Direito Penal, nas sociedades pós-industri-ais, caracteriza-se, ainda, pelos riscos surgidos com os avançostecnológicos, pelos novíssimos e incessantes interesses de umasociedade complexa, pela pressão de vários grupos sociais (femin-istas, pacifistas, ecologistas, consumidores, antidiscriminatórios,ONGs etc.) e da própria comunidade que internaliza, cada vezmais, a insegurança dos novos tempos ante a incapacidade de uma

 pronta resposta para os novos problemas11.

Segundo Hassemer 12, certas reações sociais, em face do de-lito, numa época em que a insegurança é generalizada, levam auma política criminal emotiva que pode reduzir o Direito Penal a

desempenhar uma função, tão só, simbólica, é dizer: o sistemademonstra ter efetividade e dar proteção, apenas, por meio dafeitura de normas incriminadoras constantemente estatuídas, maselas, na realidade, carecem de aplicação perante o crime. O prob-lema está na percepção dessa redução de funcionamento do sis-tema pela população, que perderá a confiança nas agências penais.

Por outro lado, os juízes não podem ter em mente que,quando punem, não são responsáveis pela punição, isolando o problema apenas para quem cometeu o delito, para quem violou a

21/178

Page 22: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 22/178

lei. As agências criminalizadoras podem até pretender restaurar oequilíbrio desestabilizado pelo crime, todavia, não há como negar 

sua função constitutiva em face da criminalidade13.

O juiz não pode aparecer como figura restritamente as-séptica, acreditando na aplicação pura da lei ao caso concreto, no

mero silogismo, embasado em um legalismo iluminista, cujo leg-ado é responsável pela larga utilização do método lógico-de-dutivo. Na atualidade, são essenciais o estudo e a utilização dos princípios fundamentais do Direito Penal, notadamente aquelescristalizados na Constituição Federal.

Há uma apartação, ainda que não declarada, entre os princí- pios penais reportados e a análise do fato criminoso, como se ex-

istisse um Direito Penal técnico, ocupado com a teoria jurídica docrime, e um Direito Penal político, responsável pelo estudo dos princípios penais e a teoria da pena, ambos esquecidos um dooutro. Essa apartação contribui para a manutenção de uma sériede regras incriminadoras inconstitucionais, cuja contenção étarefa constitucional do Judiciário.

Por tudo isso, verifica-se a importância sistemática, no âm-

 bito do saber penal, do Direito Penal Constitucional, responsável pelos influxos das normas da Constituição, compreendido, agora,no interior da dogmática, cujo estudo, na atual ordem jurídica brasileira, é imprescindível.

1 Sistemas penales y derechos humanos en América Latina (Informe Fin-al), Coord. Eugenio R. Zaffaroni. Buenos Aires: Depalma, 1986, p. 7.

2 Os dados para o Brasil, segundo o Censo Penitenciário de 1993, inserto noRelatório da Comissão Parlamentar de Inquérito destinado a invest-igar o Sistema Penitenciário Brasileiro (Diário do Congresso Nacional,ano XLIX, suplemento ao n. 57, Câmara dos Deputados: Brasília,

19-4-1994), bem assim o Censo de 1994, introduzido no Jornal do Ma-gistrado – Jornal Oficial da Associação dos Magistrados Brasileiros, n.

22/178

Page 23: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 23/178

34, ano VII, abril de 1996, p. 8, já apontavam para uma população car-cerária constituída de 95% de pessoas pobres. Conceitua-se como pobre,valendo-se da metodologia empregada pelo IBGE/Pnad, o percentual da

 população com renda mensal per capita de até meio salário mínimo.

3 Segundo o Censo Penitenciário do Ministério da Justiça de 1995, ConselhoNacional de Política Criminal, Brasília: Imprensa Nacional, 1997, p.34, aproximadamente 51% dos delitos praticados pela clientela do sis-tema são crimes contra o patrimônio privado (furto e roubo principal-mente), diante de percentuais como 15% para homicídios, 11% para otráfico de drogas, 7% para os crimes contra a dignidade sexual, so-

 brando, apenas, 16% para todas as outras modalidades de infrações penais.

4 O Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (Relatório da Comis-são Parlamentar de Inquérito destinado a investigar o Sistema Penit-enciário Brasileiro,  Diário do Congresso Nacional, Brasília: Câmarados Deputados, ano XLIX, suplemento ao n. 57, 19-4-1994, p. 70) jádava conta das frequentes torturas e maus-tratos no segmento prisional.Também no segmento policial, conforme salienta Luciano Oliveira (Suaexcelência o comissário, p. 51), é prática corriqueira a tortura física e

 psicológica, utilizada por meio dos mais variados e “criativos” instru-mentos, como forma de coação e subjugação. A nação brasileira ficouestarrecida com as cenas flagradas por um cinegrafista amador, rev-elando a brutalidade da tortura na favela Naval em São Paulo (vide“Tortura nunca mais”, Revista Jurídica Consulex, n. 8. Brasília: Con-sulex, 1997, p. 10).

Há mais de dez anos que se constata o déficit de vagas no sistema peniten-ciário. Em 2003 o Ministério da Justiça atestava um déficit de 104.263(cento e quatro mil duzentos e sessenta e três) vagas (DEPEN.Disponível em: <http://www.mj.gov.br/depen/sistema-brasil.htm>.Acesso em: 25 ago. 2003). A realidade já seria absurda, não fosse o pre-ocupante número de mandados de prisão que estão nas ruas brasileiras,girando em torno de 350 mil, vale dizer, são quase 350 mil pessoas quedeveriam estar presas e não estão, mesmo descontados os mandados em

duplicidade, prescritos, contra falecidos etc. A superlotação carceráriacontribui para as rebeliões nos estabelecimentos penais, o que gera o re-crudescimento da ação policial e violência contra os reclusos. A popu-lação carcerária, segundo os dados do DEPEN, atingiu em 2009 onúmero de 473.626 pessoas, o que significa, considerando o número de191.480.630 (IBGE-2009) habitantes no Brasil, 247,35 presos para cada100.000 habitantes (vide os dados consolidados do DEPEN, disponívelem <http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.ht-m>. Acesso em: 6 dez. 2010).

23/178

Page 24: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 24/178

São notórias as condições de insalubridade dos estabelecimentos penais brasileiros. Já em 1994, o Censo Penitenciário indicava que 188 das 511unidades prisionais existentes à época achavam-se em situação precária(Jornal do Magistrado: Jornal Oficial da Associação dos MagistradosBrasileiros, n. 34, ano VII, abril de 1996, p. 8). Não é por acaso que o

 bacilo responsável pela tuberculose ainda acomete grande parte dos presos no Brasil, isso para não mencionar a infecção pela AIDS.

5 Uma das consequências mais graves neste sentido são os elevados índicesde reincidência.

6 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: docontrole da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Liv-raria do Advogado, 2003, p. 205.

7 Para Antonio García-Pablos de Molina (Criminologia, trad. L. F. Gomes.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 307), a prevenção secundáriasitua-se no momento (quando) e no local onde o conflito criminal se

manifesta ou se exterioriza, conectando-se, portanto, com a políticalegislativa.

8 Eugenio Raúl Zaffaroni faz ver, no prefácio do livro La industria del con-trol del delito, Buenos Aires: Editores del Porto, 1993, p. 14, de NilsChristie, que o decisivo, para a massiva intervenção penal nas so-ciedades industrializadas, é, na realidade, o racismo, que tenciona impor a superioridade das pautas de conduta de um determinado grupo. Ra-cismo e sociedade industrial resultam no “cerco às minorias”, à “civiliz-ação inferior”, na visão do professor portenho.

9 A Lei n. 9.605, de 12-2-1998, em seu art. 49, parágrafo único, criminaliza aconduta culposa de “destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em

 propriedade privada alheia”, com pena de detenção de um a seis mesesou multa.

10 A Lei n. 9.279, de 14-5-1996, em seu art. 195, IV, criminaliza a “concor-rência desleal” com pena de detenção de três meses a um ano ou multa.

11 Sobre isso veja a análise de SÁNCHEZ, Jesús-María Silva,  A expansão

do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-in-dustriais. Trad. Luiz Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

12 HASSEMER, Winfried. Fundamentos del derecho penal. Trad. MuñozConde e Arroyo Zapatero. Barcelona: Bosch, 1984, p. 94-95.

13 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal.Trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p.86.

24/178

Page 25: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 25/178

capítulo 1

controle social e dignidade humana

1.1. O controle social formal exercido peloDireito Penal

O Estado dispõe de vários instrumentos de controle social para disciplinar a conduta das pessoas. É que os comportamentossão esperados de determinado modo, tanto pelas pessoas, quanto pelo próprio Estado, basicamente para manutenção da ordem vi-gente e sobrevivência da forma pela qual a sociedade se organiza.O desvio de conduta ou, por outras palavras, a quebra das expect-ativas do grupo faz gerar insegurança, receio, medo de ruptura

com o status vigente.Para assegurar a manutenção dos valores vigentes, da formaorganizacional, existem, além do Estado, a família, a religião, amoral etc. Quando é o Estado que se vale de instrumentos para taldesiderato, afirma-se que há um controle social formal; quando ocontrole é exercido por recursos utilizados por outros grupamen-tos (v.g., familiar, religioso, comunitário) chama-se o controle so-cial de informal.

 Nas sociedades complexas contemporâneas, caracterizadas pela pluralidade e pelo conflito, há, obviamente, uma crescentenecessidade de multiplicação dos instrumentos de controle parasubmissão dos indivíduos aos postulados ideológicos e aosvalores em voga, assegurando, assim, que o modo de agir destesestará conforme as normas editadas pelo Estado. Somente no paraíso é que poderíamos pensar em abrir mão do controle sociale, ainda que este esteja circunscrito por limites fundamentais, sua

Page 26: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 26/178

Page 27: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 27/178

2.848, de 7-12-1940, e suas atualizações por leis posteriores; b)

crimes contra os direitos e garantias fundamentais4; c) crimes con-

tra as funções e instituições do Estado5; d) crimes contra o sistema

tributário e o orçamento6; e) crimes contra a ordem econômica e o

sistema financeiro7; e, finalmente, f) os crimes contra a ordem so-

cial8.As leis criminalizadoras reportadas, além de muitas outras

não referidas, são produzidas, comumente, sem seguir qualquer critério, seja de política criminal, seja técnico-dogmático. Entrenós, elas aparecem, às vezes, por conta da pressão de certosgrupamentos centrais, quando, por exemplo, a onda de violênciaos atinge, como no caso da lei dos crimes hediondos; outras

vezes, surgem em razão de arremedo das experiências vivenciadasem outros países, como no caso da lei dos crimes ambientais; massempre se processam através de encomenda feita pelo Executivoaos chamados notáveis; remendos produzidos pelo Legislativo e, por vezes, posteriores censuras, por meio do veto, produzidas pelogoverno. É raríssimo um caso de consulta popular como o queocorreu, em outubro de 2005, com o referendo sobre a permissão

ou proibição de vendas de armas de fogo.Afirmam Zaffaroni e Pierangeli9 que toda sociedade tem

uma estrutura de poder (poder político e econômico) com grupa-mentos mais próximos e mais distantes do poder, na qual podemdistinguir-se graus de centralização e de marginalização. Existemgrupos sociais com centralização e marginalização extremas, eoutros em que o fenômeno se apresenta mais atenuado, todavia

em toda sociedade existem centralização e distanciamento oumarginalização do poder.

Para eles, essa centralização-distanciamento ou“centralização-marginalização” compõe embaraçadas e múltiplasformas de “controle social” (“influência da sociedade delimita-dora do âmbito de conduta do indivíduo”). “Investigando a estru-tura de poder explicamos o controle social e, inversamente, anal-

isando este, esclarecemos a natureza da primeira”10

.

27/178

Page 28: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 28/178

 No Brasil, a marginalização econômica é extrema, os indic-adores comprovam que o país é o oitavo no mundo emdesigualdade social, na frente apenas da Guatemala e dosafricanos Suazilândia, República Centro-Africana, Serra Leoa,Botsuana, Lesoto e Namíbia, segundo o coeficiente de Gini, parâ-

metro internacionalmente usado para medir a concentração derenda11. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD) comprova que, no Brasil, 46,9% da renda nacionalconcentra-se nas mãos dos 10% mais ricos. Já os 10% mais

 pobres ficam com apenas 0,7% da renda12. Os programas denom-inados de Bolsa Família que, no governo Lula, foram ampliados, produziram uma melhora significativa nos estratos mais des-favorecidos da população, no entanto, a marginalização econôm-

ica persiste13.

 Não é diferente com a marginalização do poder político.Com efeito, a própria democracia representativa – em decadência,não obstante o discurso legitimador da mídia – revela, cada vezmais, como partícipes do poder, os detentores do capital.

 Não é por acaso, embora essa não seja a única explicação,

que o controle social exercido pelo Direito Penal no país opera-cionalize, quase com exclusividade, para determinados estratossociais – os mais pobres – e funcione, bem mais, para certos com- portamentos praticados por estes estratos – crimes contra o pat-

rimônio privado14.

Esse controle se vale, entre nós, para ser realizado, como jáassinalamos, de um Sistema Penal composto pelo segmento poli-

cial, de que faz parte a polícia judiciária (civil e federal); judicial,formado pelo órgão de persecução penal (Ministério Público) e por órgãos judiciais (juízos, juizados, varas criminais, câmarascriminais); e de execução, constituído por órgãos judiciais (varasde execução e varas de execuções das penas restritivas de direito),órgãos administrativos (secretarias de justiça e coordenadorias deexecução de penas restritivas de direito) e um complexo carcer-ário (cadeias públicas, presídios, penitenciárias, colônias agrícolas

28/178

Page 29: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 29/178

e industriais, casas de albergado, manicômios judiciários, secret-arias para cumprimento de penas restritivas de direito etc.).

São muitas as críticas a tal sistema e em especial a cada umdos seus segmentos – as principais registramos na introdução. Al-gumas, como a seletividade, estão amalgamadas com sua  inefi-

ciência, denunciada, de forma mais visível, pela insignificativacapacidade operacional15.

A impunidade, para Baratta16, é regra e não exceção no sis-tema de justiça criminal. Segundo ele, o percentual de infratores,os quais são ou podem ser dissuadidos ou neutralizados, é tão pequeno que é legítimo indagar até que ponto a intervenção dosistema é significativa, máxime considerando os custos sociais

 produzidos por sua intervenção. Não podemos abrir mão, apesar do acerto de grande parte

das críticas, do Direito Penal, como pretendem alguns17. O aboli-cionismo produz o perigo de alternativas piores, seja por conta dosurgimento da vindicta privada em alta escala, ou pela possibilid-ade de mecanismos severos de controle e vigilância do comporta-mento humano por parte do Estado, como forma preventiva da

conduta infracional18.Desde que observados importantes influxos hauridos do

Estado Democrático de Direito, o Direito Penal revela-se, comonenhum outro, um instrumento capaz de conter as tensões causa-das por comportamentos que afetem gravemente as liberdades hu-manas e a convivência (os crimes). Sua vigorosa resposta (a pena), quando efetiva, possibilita, em certa medida, a dissuasão da

vingança, a crença nas instituições com o consectário da afirm-ação subjetiva dos valores vigentes e, ainda que mais modesta-mente, a diminuição do comportamento criminalizado.

É inegável, nesse passo, a importância de matrizes cogentese difusoras – os princípios constitucionais – à ação do legislador edo juiz, que permitam, a um só tempo, contrair o Direito Penal e,ao retirar o excesso, facilitar sua operacionalização e estabelecer,

nos moldes da proporcionalidade, as pautas penais necessárias à

29/178

Page 30: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 30/178

convivência na sociedade complexa atual, mormente aquelas queafetam o patrimônio público e o interesse público, e são pratica-das por segmentos privilegiados.

1.2. Dignidade humana como ponto de partida

 Não é possível falar em (re)legitimação do Direito Penal edo próprio sistema penal sem ter como ponto de partida o princí- pio constitucional da dignidade humana, funcionando tanto comofundamento dos limites do jus puniendi quanto como alicerce das

 possibilidades e necessidades de criminalização e ainda comofundamento constitucional da própria pena.

Mas o que é dignidade humana? O vocábulo dignidade, dolatim   dign?tas   significa, etimologicamente, tudo aquilo que

mereça respeito, estima, consideração19. Dignidade humana não éoutra coisa senão uma categoria moral, que, antes de mais nada,relaciona-se, como quer Rabenhorst, “com a própria repres-

entação que fazemos da condição humana”, por outras palavras,dignidade “é a qualidade particular que atribuímos aos seres hu-manos em função da posição que eles ocupam na escala dos

seres”20. A dignidade, assim, somente pode ser concebida comoum valor que pertença de forma irrevogável aos seres humanos,independentemente de suas qualidades singulares.

Dogmaticamente, é isso que aqui nos interessa. A dignidade

 pode ser concebida como referência constitucional unificadorade todos os direitos fundamentais, consoante atentam Canotilhoe Vital Moreira: “o conceito de dignidade da pessoa humanaobriga a uma densificação valorativa que tenha em conta seu

amplo sentido normativo-constitucional”21.

Mesmo compreendendo variável a classe dos direitos fun-damentais, pois submetidos a uma interpretação de tempo e do

ambiente onde estão em vigor, certos direitos, como vida,

30/178

Page 31: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 31/178

 possibilidades para vida, liberdade, possibilidade para liberdadeetc., devem permanecer como núcleos invioláveis do sistema político de uma democracia constitucional e reger, no dizer de

Loewenstein22, como princípios superiores, a própria ordem jurídica positiva, ainda quando não estejam formulados em nor-

mas constitucionais expressas.Claro que a implementação dos direitos fundamentais e aoutorga a todos os indivíduos da dignidade correspondente à con-

dição de membro da comunidade humana, como queria Kant23 eobjetiva a República brasileira (CF, art. 3º, IV), é obrigação etarefa principal das políticas empreendidas pelos governos.

Porém, nos níveis legislativo e judicial, há, necessaria-

mente, um influxo constitucional da dignidade que aparece, naCarta Federal, exatamente no art. 1º (CF, art. 1º, III), comoprincípio reitor, fundamentando a própria República, obrigando,legal e dogmaticamente, legisladores – intérpretes políticos daConstituição – e juízes – intérpretes jurídicos da Constituição – em suas decisões, a pautarem-se por ele.

A dignidade da pessoa humana como princípio fundamental

enunciado em posição privilegiada na Constituição não contém,tão só, uma declaração de conteúdo ético e moral, mas constituiagora, como assegura Sarlet, norma jurídico-positiva dotada de status   constitucional formal e material e inequivocamente car-regado de eficácia, alcançando, portanto, a condição de valor 

 jurídico fundamental da comunidade24.

A Constituição, desde o seu Preâmbulo, manifesta que o

Estado brasileiro tem como destinação assegurar o exercício dosdireitos individuais e sociais, o bem-estar, a igualdade e a justiça“como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista esem preconceitos, fundada na harmonia social”. Os direitos indi-viduais e coletivos enunciados no art. 5º pretendem assegurar odireito  ao ser, e os direitos sociais, proclamados nos arts. 6º eseguintes, intentam garantir o direito para o ser.

31/178

Page 32: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 32/178

Diante de sua densidade, o princípio da dignidade humanamatiza-se em razão das características e do âmbito onde será ap-licado, sempre irradiando efeitos obrigatórios. É que ele e osdireitos fundamentais previstos na Carta Constitucional servem de base para a interpretação de toda ordem jurídica; de postulados-

guias para nortear a hermenêutica teleológica e evolutiva da Con-stituição e de critérios para apreciar a legitimidade das múltiplas

manifestações do sistema de legalidade25.

 No Direito Penal, é correto afirmar que o cometimento docrime não retira do agente o valor de ser humano, da posição queele ocupa junto aos seus semelhantes, não faz desaparecer a suadignidade e, assim, a reação penal deve, necessariamente, partir 

deste axioma normativo. Por outro lado, se for correta a tese deque a construção do crime passa, em última análise, pela veri-ficação de afetação aos direitos fundamentais, a garantia de obser-vância do princípio estende-se à pessoa da vítima, exatamente emrazão das reduções possíveis de direitos fundamentais impostasao condenado. A pena, nessa lógica, não deixa de ser a reafirm-ação da dignidade da pessoa humana.

A matização do princípio, em sede intradogmática penal,fará decorrer os princípios constitucionais penais implícitos e asimposições constitucionais impeditivas de descriminalização, efundamentará os princípios constitucionais penais expressos e osmandamentos constitucionais de criminalização, que sujeitamtanto o legislador quanto o juiz.

1.3. Constituição e garantismo penal

O Estado Democrático de Direito em que se constitui, se-gundo o art. 1º da Constituição Federal, a República Federativa doBrasil, fundamentado na dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º,III), tem como objetivo principal a promoção do bem de todos

(CF, art. 3º, IV). A leitura primeira que se depreende desses

32/178

Page 33: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 33/178

Page 34: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 34/178

Page 35: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 35/178

É por isso que Ferrajoli afirma:

[...]a sujeição do juiz à lei já não é de facto, como no velho paradigma juspositivista, sujeição à lei somente quando válida,

ou seja, coerente com a Constituição. E a validade já não é, nomodelo constitucionalista-garantista, um dogma ligado à ex-istência formal da lei, mas uma sua qualidade contingente lig-ada à coerência – mais ou menos opinável e sempre submetidaà valoração do juiz – dos seus significados com a Constituição.Daí deriva que a interpretação judicial da lei é também sempreum juízo sobre a própria lei, relativamente à qual o juiz tem odever e a responsabilidade de escolher somente os significados

válidos, ou seja, compatíveis com as normas constitucionaissubstanciais e com os direitos fundamentais por elas estabele-cidos29.

Por isso, cremos, merece revisão a tradicional “teoria geraldo direito”, cujo traço característico foi e continua sendo até osdias de hoje o formalismo, ou seja, a ideia de que o direito posit-ivo em vigor constitui um objeto independente, passível de ser descrito e conhecido por uma ciência jurídica, sem referência al-guma a elementos alheios ao direito ou a um ideal de justiça

qualquer 30.

Ao rever os parâmetros de legitimação formal, nos quais basta ao Estado subordinar os atos à lei, para oferecer a legitim-ação substancial, em que há, necessariamente, dependência de to-dos os atos, inclusive da lei, ao conteúdo haurido da Constituição,a proposição pelo garantismo penal, como teoria jurídica que ex- põe uma nova leitura dos conceitos de vigência, eficácia, valid-ade, fazendo face ao modelo de Kelsen, apresenta-se, assim, sobmedida para o que se defende neste livro e inserida, necessaria-mente, em um conceito intradogmático.

Consoante Ferrajoli, o garantismo implica três significados.O primeiro diz respeito a um modelo normativo de direito queconta com três planos: o epistemológico, caracterizado como um

35/178

Page 36: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 36/178

sistema cognitivo de poder mínimo no pertinente ao direito penal;o político, visto como uma técnica de tutela apta a minimizaçãoda violência e a maximização das liberdades; e o plano jurídico,composto por um sistema de vínculos limitativos da função punit-

iva em garantia ao direito dos cidadãos31.

O segundo significado implica uma teoria jurídica onde val-idade e eficácia são compreendidas como categorias distintas. Nosordenamentos complexos das democracias ocidentais os modelosnormativos, tendentemente garantísticos, são válidos, mas nãogozam de eficácia, ao passo que as práticas operacionais,tendentemente antigarantísticas, são eficazes, embora não sejamválidas, constituindo-se, sim, essa divergência, em verdadeira an-

tinomia32

.Por fim, o garantismo significa, ainda, uma filosofia políticaque reclama ao direito e ao Estado o encargo de uma justificaçãoexterna com base nos bens e interesses os quais a proteção ou agarantia constituem a finalidade. Aqui importa reconhecer valoresfundadores (externos ou pré-jurídicos) que justificam ou são a

razão de ser da artificialidade legislativa33.

A inserção dos valores transportados com os princípios queestão, agora, constitucionalmente positivados, ao contrário doapartamento proposto pelo positivismo jurídico metodológico,obriga sejam eles considerados pelo legislador na feitura das leis,e pelo juiz, na aplicação do direito, isso sem fugir da perspectivadogmática.

Os princípios constitucionais, positivados expressa e impli-

citamente, estão amalgamados com a base externa que podem jus-tificar ou não as leis criminalizadoras. Suas irradiações importamnuma demarcação racional das possibilidades do legislador e do juiz, circunscrevendo a discricionariedade e interpretação legis-lativa e judiciária, servindo como parâmetro argumentativo para ocontrole da atividade destes atores.

36/178

Page 37: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 37/178

1.4. Ampliação necessária das funções judici-ais em matéria penal

O Judiciário, para além da resolução dos conflitos interpess-oais, realiza, no sistema adotado entre nós, também, o controledas relações normatizadas entre o Estado e as pessoas, velando para que o primeiro obedeça às normas constitucionais, notada-mente quanto aos limites determinados pelo princípio constitu-cional da dignidade humana.

Um dos principais instrumentos para realizar essa função éo controle da constitucionalidade, que garante unidade in-trassistemática, eliminando leis e atos normativos conflitantescom a Constituição, constituindo, na expressão de Cappelletti, onúcleo da justiça constitucional34.

Esse controle, não obstante hoje generalizado, foi question-ado por concepções de direito e Estado transpersonalistas, dis-tintas das democracias e plasmadas em estruturas autoritáriastraduzidas pelo  Führerprinzip, e é questionado por argumentosfundados na “vontade da maioria”, constituídos a partir das demo-

cracias representativas35.

Independentemente das divergências das posições ditas sub-stancialistas ou procedimentalistas – cujos modelos, no entanto,convergem no tocante à relevância da justiça constitucional e afunção que lhe incumbe na asseguração dos direitos individuais –,e mesmo sem ter em conta a questão da legitimidade dos gov-ernantes e do parlamento nas democracias representativas, denatureza presidencialista, que pode ser levantada, mormente nos países da América Latina36, o ativismo judicial, no marco doDireito Penal, máxime de um Direito Penal em real expansão, parece-nos inquestionável e imprescindível.

Se é discutível a ampliação das funções do Judiciário, seja pela consolidação do controle jurisdicional sobre o legislador, oumesmo do aumento do poder de interpretação dos juízes, nas es-feras civil e administrativa, na seara penal, essa ampliação

37/178

Page 38: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 38/178

representa importante instrumento de garantia para todas as cama-das sociais (governantes, governados, empresários, trabalhadores,funcionários, desempregados, com e sem-terras etc.).

É que a assunção de um papel de intérprete que põe emevidência, inclusive contra   as maiorias eventuais, os valores

mais densos e essenciais ao ser humano e à coexistência, extraí-dos principalmente da Constituição (não de qualquer Constitu-ição, mas de uma Constituição como a nossa), faz do Judiciário,

na esfera penal, não um pai para uma sociedade órfã37, mas o ne-cessário avaliador das possibilidades de redução das liberdadesindividuais de toda e qualquer pessoa, pertencente a todo equalquer estrato social.

Sua atuação, portanto, representa, no Estado Democráticode Direito, para além do necessário contrapeso “à paralela ex- pansão dos ‘ramos políticos’ do Estado moderno” em um sistema

democrático de checks and balances38, a garantia de uma proteçãomínima, jurisdicional, aos direitos fundamentais constitucionaliz-ados, o que, em sede penal, traduz-se não só pela contração dos processos de criminalização, mas também pela necessidade de in-

criminação quando indispensável aos próprios direitosfundamentais.

O papel que do juiz criminal se espera, no modelo demo-crático e constitucional contemporâneo, para além do conheci-mento do legislado, das formas procedimentais e das decisões pretorianas mais significativas, de seu envolvimento com oDireito Internacional, especialmente com os Direitos Humanos esua inserção nos problemas da América Latina, do país, do seuEstado e da sua comunidade, é a capacidade que deve ter de inter- pretação da Constituição, particularmente da hermenêutica dosDireitos Fundamentais e dos essenciais à coexistência, máximeem Estados como o nosso, cujo poder político resta contaminado pela corrupção e o fisiologismo em todos os níveis.

Os conteúdos constitucionais são especificados e executa-dos tanto pelo legislador quanto pelo juiz. Aquele com a margemde especificação-execução muito mais estendida, este, embora

38/178

Page 39: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 39/178

com margens muito mais estreitas, detentor, mormente em sedede Direito Penal e no campo restrito do caso único que lhe é ap-resentado, do poder-cognitivo de decisão final.

1 MOLINA, Antonio García-Pablos de. Derecho penal: introducción. Mad-rid: Servicio Publicaciones Facultad Derecho – Universidad Com-

 plutense, 2000, p. 23.

2 Idem, ibidem.

3 Idem, p. 3 e s.

4 Os regulados pela Lei n. 2.889, de 1º-10-1956, que dispõe sobre a práticade genocídio; pela Lei n. 4.737, de 15-7-1965, a qual define os crimeseleitorais; pela Lei n 4.898, de 9-12-1965, que regula a responsabilidadecivil e penal nos casos de abuso de autoridade; pela Lei n. 6.538, de19-6-1978, a qual dispõe sobre o sigilo das correspondências; pela Lein. 7.716, de 5-1-1989, que define os crimes resultantes de preconceitode raça ou de cor; pela Lei n. 8.072, de 25-7-1990, a qual dispõe sobreos crimes hediondos; pela Lei n. 9.029, de 13-4-1995, que proíbe prátic-as discriminatórias à fertilidade nas relações de trabalho; e pela Lei n.9.455, de 7-4-1997, que define os crimes de tortura. O SupremoTribunal Federal, na ADPF 130-DF, declarou como não recepcionado

 pela Constituição de 1998 todo o conjunto de dispositivos da Lei Feder-al n. 5.250, de 9-2-1967 (Lei de Imprensa). Nada obstante, é possíveltipificar criminalmente determinadas condutas previstas na Lei emtestilha, valendo-se de outros tipos penais em vigor e observando-se, por evidente, o princípio da legalidade. É o caso, por exemplo, da calúnia,injúria e difamação.

5 Os regulados, principalmente, pela Lei n. 7.170, de 14-12-1983, que defineos crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social; pelaLei n. 8.666, de 21-6-1993, que dispõe sobre as licitações e os contratosda Administração Pública; pela Lei n. 10.028, de 19-10-2001, que, alter-ando o Código Penal, estabelece os crimes contra as finanças públicas;

 pela Lei n. 9.503, de 23-9-1997, que instituiu o Código de TrânsitoBrasileiro; e pela Lei. n. 10.826, de 22-12-2003, a qual dispõe sobre oEstatuto do Desarmamento, registro e posse de armas de fogo.

6 Os estabelecidos, com relevo, pela Lei n. 8.137, de 27-12-1990, que define

os crimes contra a ordem tributária, econômica e as relações de con-sumo; e pela Lei n. 9.983, de 14-7-2000, a qual acrescenta o crime de

39/178

Page 40: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 40/178

Page 41: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 41/178

Page 42: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 42/178

Page 43: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 43/178

capítulo 2

um novo olhar sobre as normas jurídicas – das regras aos princípios

2.1. Norma jurídica, direito e lei: diferençasconceituais

Para sedimentar a questão da limitação do legislador e do juiz na incriminação e descriminalização de condutas, estecapítulo pretende evidenciar como a norma jurídica deve ser vistaem nosso sistema jurídico, com o escopo de corroborar que os princípios são, também, espécies de normas, afastando as críticasopostas a este entendimento. É preciso, nessa direção, proceder 

com algumas distinções e caracterizações necessárias e, atémesmo, imprecisões da norma jurídica para, em seguida, conceit-uar os princípios como normas, situando-os no cimo da ordem jurídica nacional vigente.

 Norma jurídica, direito e lei são expressões empregadas in-distintamente como sinônimas. O normativismo kelsenianosempre influenciou nessa direção. Todavia, é preciso separar os

termos, empregando-os devidamente, sem embargos de que nãosignifica erronia utilizá-los, por vezes, com a mesma significação.

Há uma ampla produção acadêmica destinada a investigar o

que é o direito. Como demonstra Hart1, ainda que se limite à teor-ia jurídica dos últimos 150 anos, deixando de lado a especulaçãoclássica e medieval pertinente à “natureza” do direito, encon-traremos uma situação sem precedentes em qualquer outra

Page 44: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 44/178

Page 45: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 45/178

Por derradeiro, o direito é ainda utilizado significando justiça, ou como o justo. Aliás, não são poucos os autores que ad-otam essa concepção. No livro de Ihering –  A Luta pelo Direito – tanto no título como no conteúdo, o autor, não obstante utilizar também a expressão justiça, persegue o direito como se fosse o

 justo4

.Em cada uma das significações, diferentes investigações podem ser empreendidas. Contudo, somente na primeira acepção,direito em sentido objetivo, é que podemos dizer, limitados por uma determinada época (a partir do Estado Moderno) e por umdeterminado lugar (o mundo ocidental), e, ainda assim, parcial-mente, que direito é sinônimo de norma jurídica.

Pertinente às leis, também elas sofreram um processo demutação com a evolução da dogmática jurídica. As leis que hojeconhecemos têm características bem diversas daquelas estatuídas, por exemplo, nas culturas antigas, como o “código” de Hamurabie o Deuteronômio, e mesmo na antiguidade clássica (períodogreco-romano), como as “leis” de Drácon e Sólon e o “código” deJustiniano.

Fixadas por vários parâmetros formais, as leis modernas sãofontes de cognição imediatas do direito5, são, em verdade, ummeio de transporte  privilegiado que carrega consigo pautas deconduta. A lei nada mais é que uma forma para veicular essas pautas e regulações referentes ao funcionamento do ordenamento

 jurídico como um todo6, que obedecem, na atualidade, a um de-terminado processo no chamado Estado Democrático de Direito: a

intervenção dos representantes do povo em suas casas legislativas,observadas certas regras procedimentais ou trâmites, como inici-ativa, maioria dos votos, quorum privilegiado, votação em casasseparadas e, ademais, concordância (sanção) e promulgação dochefe do Poder Executivo.

Já as normas jurídicas são enunciados, um conjunto desinais, que têm um significado quando se integram ou, mais pre-cisamente, quando são interpretados. Não deixam de ser pro- posições prescritivas, pois se prestam a uma determinação de

45/178

Page 46: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 46/178

comportamento ou de regulação. Kelsen as concebe como sen-tidos de um querer, de   um ato de vontade   (do legislador). Norma, diz ele, “é o sentido de um ato dirigido a conduta de outr-em, e um ato, cujo sentido é que um outro (ou outros) deve (ou

devem) conduzir-se de determinado modo”7.

 No entanto, em decorrência da multiplicidade do processointerpretativo, parece mais consentânea a posição de Müller, paraquem a norma só é obtida no processo de concretização. ParaMüller, a norma jurídica compõe-se do programa normativo ou programa da norma (= dados linguísticos) e do âmbito normativo

ou âmbito da norma (= dados reais)8. O programa normativo é oefeito parcial da concretização, consistente na interpretação do

texto (= enunciado), enquanto o âmbito normativo é o efeito, tam- bém parcial e subsequente, consistente no exame dos elementosda realidade, destacados, seletiva e valorativamente, pelo pro-grama normativo.

Quando interpretamos e, por esta atividade, nos deparamoscom sentido expressado pelo texto, temos a norma. A norma,

 pois, é o que se revela do sinal linguístico9. As normas, portanto,

não se confundem com o texto, tampouco com um conjunto detextos. São, em verdade, “os sentidos construídos a partir da inter-

 pretação sistemática dos textos”10. Já a   normatividadecomprova-se apenas na regulamentação de questões jurídicas con-cretas, uma vez que as normas não são dependentes do caso, mas

referidas, sempre, a ele11.

Como prescrições, as normas sujeitam-se à dicotomia

válido–inválido. Mas tal validade não é somente observada sob a perspectiva  formal  – quando a norma não está em contradiçãocom a que lhe é superior, quando observa o procedimento prev-isto, quando emana de quem tinha competência para fazê-la etc. –,observa-se também a chamada validade social, que, na linha dogarantismo de Ferrajoli, diz respeito à contrariedade existente nosordenamentos complexos contemporâneos entre modelos normat-ivos, tendentemente garantistas, e práticas operacionais defasadas

46/178

Page 47: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 47/178

Page 48: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 48/178

terminologia é abandonada por Kelsen na segunda edição da Te-oria Pura do Direito, onde passou a chamar as normas secundárias

anteriores de normas jurídicas não autônomas15.

De qualquer modo, Kelsen entende a sanção como ne-

cessária para toda norma jurídica16. Não fosse assim, segundo ele,

a diferenciação entre direito e moral só poderia vingar pela ori-gem, rejeitando-se toda e qualquer definição do direito que não o

determine como ordem de coação17. Toda norma sem sanção serianorma incompleta ou norma jurídica não autônoma, carecendo deoutra estatuidora de um ato de coerção para ter validade.

 No que pese a forte influência kelseniana, vários autoresinsurgiram-se contra a ideia de sanção como elemento essencial

da norma jurídica. Entre nós, Pontes de Miranda18 adota a posiçãode que, na caracterização da norma jurídica completa, basta, tãosomente, a  descrição  de um fato (chamado por ele de  suportefático) e a prescrição de efeitos jurídicos a ele especificamenteimputados, independente de serem esses efeitos uma sanção.Desse modo, afirma que tanto a norma primária como a secun-dária podem ser, ambas, uma proposição jurídica completa. A

menção a um fato (suporte fático) e a um preceito é bastante.Larenz19, criticando a teoria imperativista, que quer reservar 

como normas jurídicas apenas as proposições imperativas, ouseja, aquelas disposições jurídicas que, em última análise,restringem-se a prescrever ou proibir determinadas condutas, as-segura que nem toda a norma jurídica contém, precisamente, umcomando ou uma proibição, mas contém, decerto, uma ordenação

de vigência. O sentido, como proposição normativa, é de colo-car em vigência consequências jurídicas.

Com uma posição mais extremada, Hart entende quesomente as normas penais possuem sanção, uma vez que se carac-terizam como ameaça de uma imposição aflitiva, cujo propósito é

a conduta proibida20. Mas, por óbvio, este autor reporta-se, tão só,às normas penais incriminadoras e, ademais, parece confundir 

48/178

Page 49: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 49/178

Page 50: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 50/178

2.3. Os princípios são espécies de normas jurídicas

As normas jurídicas, pode-se dizer de logo, compreendemtanto os princípios quanto as regras. A ideia de princípio é de-rivada da linguagem da geometria, designando as verdades

 primeiras24. Entretanto, não há como deixar de verificar a po-lissemia do vocábulo. Anota Carrió que, na linguagem comum, oconceito de princípio vincula-se, no mínimo, a sete focos de signi-ficação. Relaciona-se com a ideia de propriedade fundamental,núcleo básico; regra, guia ou orientação; fonte geradora, causa ouorigem; finalidade, objetivo, proposta ou meta; premissa, axioma,

verdade teórica postulada como evidente, essência; regra práticade conteúdo evidente, verdade ética inquestionável; e com as idei-

as de máxima, provérbio, aforismo25.

 Na linguagem jurídica, há, da mesma forma, conceituaçõesdistintas, porém, contemporaneamente, o avanço doutrinário maissignificativo para caracterização dos princípios foi a revelação de

sua normatividade26. Canotilho27, na trilha de Dworkin e Alexy28,foi taxativo quando afirmou que as regras e princípios são duasespécies do gênero norma jurídica. Entre nós, Paulo de BarrosCarvalho, incisivamente, já prelecionou que “os princípios sãonormas, com todas as implicações que esta proposição apodítica

venha a suscitar”29.

Embora utilizando da metodologia tradicional, distinguindo princípios de normas, faz ver Ivo Dantas que a ampla maioria dos princípios constitucionais catalogados no Título I da Constituiçãode 1988 coincide com o conteúdo das cláusulas pétreas do art. 60,

§ 4º, da Carta Magna30, o que, de certa forma, implica a con-cepção de normatividade dos princípios, pois, neste caso, estes secolocam como limites jurídicos que o legislador de reforma não pode transpor. Souto Maior Borges, apesar de também distinguir  princípios de normas, acentua que os primeiros são, sim, normas

50/178

Page 51: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 51/178

Page 52: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 52/178

 No caso de conflito entre os princípios, essa é a distinçãomenos problemática, deve o intérprete fazer uma ponderaçãoentre eles, harmonizando-os. A opção por um, em determinadocaso, não implica eliminação do outro do sistema. Com as regrasé diferente. Por conterem “fixações normativas” definitivas, fica

insustentável a validade simultânea de regras contraditórias36

, res-ultando em eliminação de uma delas do ordenamento por antinomia.

2.4. A proeminência dos princípiosconstitucionais

O ordenamento jurídico, para muitos juristas, constitui um

sistema37, agora entendido como uma totalidade ordenada, um

conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem38. Em umsistema, diz-se, não devem coexistir normas incompatíveis, poiselas não convivem isoladamente, umas enleiam outras; têm,

sempre, um certo relacionamento entre si, o que implica exclusãode quaisquer incompatibilidades39. Os princípios compõem osalicerces desse sistema, sendo os seus núcleos fundamentais, umavez que sustentam toda construção normativa do ordenamento jurídico, servindo-lhe de diretriz. Por isso é que se fala do caráter de fundamentalidade dos princípios, tanto por conta da sua im- portância estruturante no sistema jurídico, como por seu papel

fundamental no ordenamento, dada a sua posição hierárquica(princípios constitucionais)40.

Pode-se afirmar, seguindo os passos da concepção sistemát-ica, que a ordem jurídica brasileira configura um sistema de nor-mas. Esse sistema é composto por vários subsistemas que têm

como fundamento de validade a Constituição41. Mas a própriaConstituição compõe um subsistema, o mais importante, por 

certo, que paira superior em relação aos demais, em face do seu

52/178

Page 53: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 53/178

singular posicionamento hierárquico, achando-se no cimo do or-denamento, contendo as diretrizes essenciais que orientam e vin-culam a totalidade do sistema jurídico nacional.

Como um subsistema, as normas que compõem a Constitu-ição não podem ser interpretadas apartadamente, pois umas condi-

cionam outras, influenciando-se mutuamente, de modo que não se pode interpretar umas sem ter presente a significação das demais.Cada norma constitucional concorre para integrar o sentido dasoutras, formando uma rede interpenetrante que confere coerência

e unidade ao sistema pela conexão recíproca de significados42.

Todas as normas assentes na Constituição Federal são su- periores, hierarquicamente, às demais normas do sistema, ainda

que as matérias tratadas por aquelas sejam meramente formais,não dizendo respeito aos elementos básicos ou institucionais daorganização política. Basta que a matéria seja introduzida nocorpo da Constituição para gozar da garantia e do valor superior que lhe confere o texto constitucional.

Todavia, entre as normas constitucionais, podemos afirmar,os princípios são as linhas mestras, os núcleos fundamentais da

Constituição, havendo uma superioridade deles em face das re-gras. É que o subsistema constitucional estrutura suas normas,hermeneuticamente, de forma escalonada. Mas a hierarquia, aqui,é tomada axiologicamente. Por veicularem valores jurídicos maisimportantes, os princípios são normas que ocupam posições priv-ilegiadas na Constituição.

O ordenamento jurídico nacional, pois, traduz-se em princí- pios, logicamente anteriores às regras. Os princípios constitucion-ais são os alicerces do sistema, disposição fundamental que se ir-radia sobre as demais normas, servindo-lhes de  critério inter-pretativo, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do próprio sistema. Destarte, pairam superiores sobre as regras.Apontando a direção e mostrando o sentido a partir do qual de-vem ser compreendidas as outras normas, a violação dos princípi-os, conforme ficou assentado em passagem muito citada na liter-

atura jurídica nacional, é bem mais grave que a transgressão de

53/178

Page 54: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 54/178

uma regra qualquer, pois desatender a um princípio significa nãoapenas ofender um específico mandamento obrigatório, mas todoo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ouinconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, pois significa insurgência contra todo o sistema e corrosão de sua

estrutura principal43

.

1 HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Trad. Ribeiro Mendes. 2. ed.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 5.2 Ver ADEODATO, João Maurício.  Ética e retórica, São Paulo: Saraiva,2002, p. 16.

3 Foi HOBBES o principal teórico da chamada unidade jurídica. O modelode Estado Moderno, fundado em suas concepções, é aquele que detém omonopólio das leis. A partir de então, o direito confunde-se com a cri-ação voluntária do legislador. O sucesso do sistema hobbesiano, nesteaspecto, fez expandir, como anota Villey, a artificialidade do direito, suaredução “ao texto da lei” (VILLEY, Michel. Filosofia do direito: defin-

ições e fins do direito. Trad. Alcidema F. Bueno Torres. São Paulo: At-las, 1977, p. 123).

4 IHERING, Rudolf von.  A luta pelo direito. Trad. R. Paul Neto. Rio deJaneiro: Ed. Rio, 1983. Logo no início da leitura, na página 15 o leitor 

 pode conferir: “o direito não é uma simples ideia, é uma força viva”.

5 O problema das fontes do direito torna-se importante a partir do EstadoModerno, para legitimar o fato de que unicamente o Estado detém o

 poder de fabricação das pautas de conduta, por outras palavras: a únicafonte de produção das normas de direito é o próprio Estado. Daí que,formulada noutros termos, a questão das fontes diz respeito à própriavalidade das normas jurídicas. Elas somente serão válidas se produzidas

 por fontes autorizadas, vale dizer, pelo Leviatã ou quando por eleanuído. Vide BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico, trad. MárcioPugliese, E. Bini e Carlos Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 161.

6 Ressalta BOBBIO que as leis sofrem uma regulamentação por normas dis- postas em outras leis estabelecidas. A isso ele denomina   regula-mentação da regulamentação   (O positivismo jurídico. Trad. Márcio

Pugliesi, E. Bini e Carlos Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 162).

54/178

Page 55: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 55/178

Page 56: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 56/178

costume é considerado pela Constituição como um fato produtor de nor-mas jurídicas, então toda Moral constituiria parte integrante da norma

 jurídica, na medida em que suas normas são efetivamente produzidas pela via consuetudinária”.

18 PONTES DE MIRANDA, Francisco C. Tratado de direito privado. 4.ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1983, t. I, p. 25 e 26. AdvertePontes que, para se dar “a incidência da regra jurídica, é preciso que to-do suporte fáctico necessário exista”. Ver também MELLO, MarcosBernardes. Op. cit., p. 31.

19 LARENZ, KARL. Metodologia da ciência do direito. Trad. J. Lamengo.3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 358.

20 HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Trad. Ribeiro Mendes. 2. ed.Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 34-5 e passim.

21 BOBBIO, Norberto. Dalla struttura alla funzione, Milano, 1977. ApudFERRAZ JR., Tercio Sampaio, na apresentação do livro de BOBBIO,

 Norberto.   Teoria do ordenamento jurídico. 6. ed. Brasília: UNB,1995, p. 11.

22 BOBBIO, Norberto. Dalla struttura alla funzione, Milano, 1977. ApudFERRAZ JR., Tercio Sampaio, na apresentação do livro de BOBBIO,

 Norberto,   Teoria do ordenamento jurídico. 6. ed. Brasília: UNB,1995, p. 12-13.

23  BOBBIO, Norberto.  Teoría general del derecho: teoría de la norma jurídica. Trad. E. Rozo Acuña. Madrid: Debate, 1992, p. 129: “No hayduda que en todo ordenamiento jurídico existen normas de las cuales

nadie sabría indicar cuál es la consecuencia desagradable imputada encaso de violación. No hay jurista que no pueda citar un cierto número decasos, tanto en el derecho privado como, y sobre todo, en el derecho

 público”.

24   PICAZO, Luis Diez.   Los principios generales del derecho en elpensamiento de F. de Castro. Apud BONAVIDES, Paulo.  Direitoconstitucional. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 228.

25   CARRIÓ, Genaro.   Notas sobre derecho y lenguaje. Buenos Aires:

Abeledo-Perrot, 1990, p. 209-21226 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Mal-heiros, 1996, p. 230.

27 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina,1996, p. 166.

28 Ver DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio. Barcelona: Ariel, 1989.ALEXY, Robert.  Teoría de los derechos fundamentales. Trad. Ern-esto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.

29   CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucionaistributários.   Revista de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos

56/178

Page 57: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 57/178

Tribunais, n. 55, p. 149, jan./mar. 1991. Na senda da normatividade dos princípios, vários estudos foram produzidos entre nós, além do trabalhode Paulo Bonavides, acima referido. Destacam-se: GRAU, ErosRoberto.  A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1990, p. 125, e Ensaio e discurso sobre a inter-pretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2003;ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1995, p. 6; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Cursode direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 450-451; e,com diferente contorno, BARROSO, Luís Roberto. O direito constitu-cional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 1996,

 p. 288 e 291-292.

30 DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucion-al. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 1995, p. 53-54 e 103.

31 SOUTO MAIOR BORGES, José. Pró-dogmática – Por uma hierarquiza-ção dos princípios constitucionais.  Revista de Direito Público, SãoPaulo: Malheiros, n. 1, 1993, p. 143.

32 Para uma sistematização e enfrentamento das críticas ver ÁVILA, Hum- berto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

33 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. ErnestoGarzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p.83.

34 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina,

1996, p. 166 e s.35 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto

Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p.84 e s.

36 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina,1996, p. 166-167.

37   O pensamento sistemático, segundo Tercio Sampaio Ferraz Jr. (In-trodução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 1995, p. 67), foi

transposto da teoria da Música e da Astronomia para a Teologia, para aFilosofia e para a Jurisprudência (Ciência do Direito). Anota Tercio queo termo “sistema” vulgariza-se e se torna mais preciso com a obra deChristian Wolf. Entretanto, segundo Fritjof Capra (A Teia da Vida.Trad. Newton R. Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2001, p. 39), o uso pi-oneiro do termo “sistema” (derivado do grego  synhistanai  – “colocar 

 junto”), tanto para denotar organismos vivos como para sistema social, éatribuído ao bioquímico Lawrence Henderson. Desde essa época, alocução “pensamento sistêmico” passou a significar a compreensão de

um fenômeno contextualmente.

57/178

Page 58: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 58/178

Page 59: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 59/178

capítulo 3

norma penal, direito penal econstituição

3.1. Por outra classificação da norma penal

A norma penal, diga-se de logo, não difere das demais nor-mas jurídicas, entretanto guarda características próprias.

A doutrina, embora distinguindo normas penais que incrim-inam condutas das que não incriminam, as chamadas “normas deaplicação”, sempre destacou as características das primeiras, hav-

endo um certo desleixo para com as segundas1. Os autores aindadiscutem, nos compêndios penais, a teoria da norma – incrim-

inadora – tal qual formulada por Karl Binding em sua obra “Teor-ia das Normas” ( Normentheorie), que muito influenciou a dog-mática penal.

Binding diferenciava as prescrições (= imperativos) – paraele as normas verdadeiras – das normas penais, que seriam osenunciados. Estas últimas, segundo concluiu, não são suscetíveisde violação pela conduta criminosa. Na realidade, a conduta crim-

inosa as realiza, configura o preenchimento do seu tatbestand 2. Aconduta delituosa viola a norma que cria o ilícito, não a norma penal, que concebe o delito, pois o agente realiza exatamente aação que esta descreve.

 Na concepção de Binding, as normas penais têm naturezameramente sancionatória e, portanto, acessória, reduzindo-se, tãosó, a impor sanções (penais) quando houver a infração dos

Page 60: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 60/178

imperativos que, como visto, não figuram entre as normas penaise, cronologicamente, lhes são precedentes.

 Não é, todavia, de se dar razão a Binding. Primeiro, é des-necessário o texto da  norma penal incriminadora   assumir aforma gramatical imperativa, porquanto na sua estrutura

 bimembre ou dúplice (preceito e sanção) tal forma consubstancia-se em linguagem  elíptica  (a forma imperativa é subentendida).Assim, considerando o exemplo do art. 121, caput , do CP, pode-se dizer que enquanto o enunciado da norma é “matar alguém”, oimperativo dela, oculto no dispositivo citado, é “não matarás”(para cuja violação está prescrita a sanção: pena privativa de liber-dade). Portanto, o texto em tela pode ser lido da seguinte maneira:(1) não se deve, em regra, matar um ser humano (comportamentodesejado = forma imperativa); (2) se um ser humano mata outro,em regra, deve ser punido com pena de reclusão de seis a vinteanos (punição para conduta oposta = violação da norma).

Segundo, embora seja o Direito Penal repleto de normassancionatórias, não deixa de ser, em grande medida, constitutivo.A leitura que, dogmaticamente, fazemos sobre qualquer evento,leva em conta não uma só norma incriminadora, mas um conjunto

de normas penais (incriminadoras e não incriminadoras).As normas jurídicas não incriminadoras, em especial, na

realidade determinam o que é e o que não é ilícito, afere a presença ou a ausência da culpabilidade, delimitam quando, ondee como as normas incriminadoras podem ser aplicadas, fixam, en-fim, seu alcance. Essas normas nada têm de sancionatórias,mesmo quando demarcam agravantes ou causas de aumento de

 pena, pois, aí, não fazem senão regular os fatos significativos parauma maior ou menor ampliação das sanções que as normas in-criminadoras estabelecem. Como então não dizer não serem taisnormas eminentemente constitutivas?

A influência de Binding fez com que a doutrina penal, de-finindo o Direito Penal, em sentido objetivo, como um conjuntode normas, estabelecesse, ademais, a distinção entre normas

 primárias e normas secundárias. As primeiras seriam normas

60/178

Page 61: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 61/178

Page 62: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 62/178

Tendo em conta a necessária interação entre os textos queintegram o ordenamento jurídico e as implicações, explícitas eimplícitas, que deles se possam extrair, bem como o que se de-fende neste trabalho, as normas penais devem ser assim classifica-das: a) seguindo a diferenciação estabelecida para as normas

 jurídicas, em: i) normas penais princípios e ii) normas penais re-gras; b) considerando a não prescrição ou a prescrição de crime,em: i) normas penais não incriminadoras ou de aplicação e ii) nor-mas penais incriminadoras; c) considerando a Constituição, em: i)normas penais constitucionais e ii) normas penaisinfraconstitucionais.

3.2. Direito Penal e Constituição

Parece inquestionável que as constituições, até mesmo pelohistórico liberal de sua evolução, que não cabe aqui mencionar,têm como funções precípuas a limitação e disciplina do exercíciodo poder exercido pelos governantes e a garantia e, por que nãodizer, também, os limites dos direitos dos súditos.

 No capítulo anterior confirmou-se que o ordenamento jurídico configura-se em um sistema, composto por vários sub-sistemas que têm como fundamento de validade a Constituição.

Os aspectos materiais das constituições modernas, assentesna ideia de limites, balizam, na atualidade, não há dúvidas, a atu-ação de todos os ramos do Direito. A constituição é o “estatuto

fundamental da ordem jurídica geral”5, é ela que determina os pressupostos de criação, vigência e execução de todo o ordena-

mento jurídico”6, de sorte que o Direito Penal tem limites es-tabelecidos na Carta Constitucional.

O Direito Penal não é senão um subsistema de normas quedevem, por imperativo de supremacia, obediência às normas con-

stitucionais, as quais por meio de princípios e regras, vão

62/178

Page 63: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 63/178

condicionar, como será verificado, o próprio legislador e o juiz ase portarem consoante as diretrizes por elas estabelecidas.

Parafraseando Nuvolone7, pode-se dizer que a Constituição brasileira deve ser considerada como alicerce do Direito Penal. Nela estão contidos princípios fundamentais que devem ser obser-

vados por todos os subsistemas; é o caso, por exemplo, do princí- pio da igualdade, o qual, ainda que não seja uma norma constitu-cional penal, é princípio constitucional influente em matéria penal.

A Constituição contém os comandos superiores quanto àoperacionalização do Direito Penal, como também encerra, explí-cita e implicitamente, a possibilidade de criminalização e

descriminalização de condutas, regulando assim direito funda-mental dos indivíduos: a liberdade. É a Constituição, pois, quetraça os contornos da possibilidade ou impossibilidade da criaçãode infrações penais, além de fixar marcos que impedem e os mar-cos que possibilitam a descriminalização.

Demais, é a Constituição que dispõe as linhas mestrasquanto à possibilidade de sanções penais, determinando, de modo

geral, quais são as possíveis em nosso Sistema e quais as sançõesque não podem ser aplicadas. Dentre as primeiras, a Constituiçãodelimitará, em algumas, como a pena privativa de liberdade, por exemplo, os limites máximos de sua aplicação.

Por fim, a Carta Federal, revelando agora a imagem de umEstado ativo, diferente, portanto, daquela do Estado Liberal, quese esmera com os programas de transformação social e valora de-terminados bens jurídicos por conta das diretrizes de política

criminal8, indica os chamados mandamentos de criminalização,que são previsões constitucionais as quais obrigam tratamentocriminalizador ou um recrudescimento de mecanismos de direitomaterial (v.g., a imprescritibilidade), mecanismos processuais(v.g., impossibilidade de fiança) e mecanismos de execução (v.g.,obrigatoriedade da pena de reclusão), ou mesmo impossibilidadede descriminalização, tudo em razão da ofensa de certos bens tu-telados pela própria Constituição.

63/178

Page 64: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 64/178

Em todos os casos, quer na prescrição de proibição de crim-inalização, quer na indicação de mandamentos criminalizadores,sempre que houver incompatibilidade com uma norma penal in-fraconstitucional, esta última, se posterior à Constituição, não seráválida por vício de inconstitucionalidade; se anterior, perderá a

validade por força de revogação (lex posterior derogat priori).Ao assinalar os limites entre o constitucional e o inconstitu-cional, no que diz respeito às normas penais, a Constituição de-marca os limites da Política Criminal ou, por outras palavras, es-tabelece, para além das possibilidades de criminalização, até ondeo próprio legislador de reforma e o legislador ordinário podem ir com as estratégias para enfrentamento da criminalidade. De outrolado, delimita a Carta Constitucional os passos do juiz no controleda constitucionalidade, restringindo ou ampliando suas possibilid-ades de interpretação.

Por tudo isso, parece consentâneo denominar o estudo detodas essas relações Direito Penal Constitucional.

3.3. Constituição e imposição restritiva aoDireito Penal

Consoante ficou acima pautado, as constituições modernastêm, entre outras funções, a limitação do Poder. Uma das formasde interação entre o Direito Penal e a Constituição é a imposiçãorestritiva desta em relação aquele, o que importa significar que é possível criminalizar comportamentos desde que tal criminaliza-ção não afronte as normas assentes na Carta Constitucional. Por esta via, restritiva, a Constituição não seleciona os bens jurídicosa serem criminalizados, apenas reduz os limites da criminaliza-ção, impedindo que o legislador crie normas penais incriminador-as incompatíveis com a Carta Constitucional.

 Nesta perspectiva, o legislador tem maior liberdade paracriminalizar, já que, assim como ocorre com todos os demais

64/178

Page 65: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 65/178

Page 66: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 66/178

catálogo de bens jurídicos que atrele, absolutamente, o DireitoPenal à Constituição.

 Na mesma linha, Luiz Regis Prado13 aduz que certos parâ-metros, de natureza constitucional, são capazes de impor uma de-terminada e necessária restrição ao legislador ordinário na opor-

tunidade de fabricação da norma incriminadora. Não obstante a restrição constitucional, a legitimação e a

exclusividade do parlamento no que diz respeito à reserva de leiem matéria penal, é de se questionar a liberdade de escolha crim-inalizadora do legislador ordinário. O Estado Democrático deDireito, constituído para realizar o bem de todos (CF, art. 3º, III),impõe como proteção aos direitos fundamentais do ser humano,

mormente o direito à vida e à liberdade, também, limites substan-ciais relativos ao juízo de criminalização e descriminalização. Éisto que veremos a seguir.

3.4. Constituição e imposição de conteúdo aoDireito Penal

Para além de reduzir os limites da criminalização via im- posição restritiva material e formal, a Constituição restringe as possibilidades de fabricação de leis incriminadoras mediante aimposição de conteúdo ao Direito Penal. Como se verá, o princí- pio constitucional da intervenção mínima tem como uma de suas

funções a determinação de seleção de bens jurídicos fundamentais para a feitura de regras incriminadoras.

É que, é certo, a Constituição, ao transportar para o mundo jurídico as opções valorativas mais importantes para a convivên-cia entre o povo de um Estado – Constituição em sentido material –, traz consigo um amplo catálogo de bens jurídicos (ver Capítulo4) e estes, por terem recebido a  dignidade constitucional, são osúnicos que podem merecer a tutela penal.

66/178

Page 67: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 67/178

Desse modo, será da aproximação da Constituição com asopções fundamentais e mais consensuais de uma comunidade queresulta sua legitimidade para se impor, vinculando, a todo ordena-mento jurídico; e será do amálgama do Direito Penal “com osvalores mais essenciais (na dupla vertente de os proteger e de, at-

ravés da pena, os limitar) do homem em comunidade que resultasua particular dependência (e subordinação) face à Constitu-

ição”14.

Assim, o Direito Penal só está legitimado para atuar, até por imperativo do princípio da proporcionalidade, quando atingidosos valores mais essenciais à vida do homem em comunidade.

Consoante doutrina Angioni15, se o bem afetado pela sanção penal

(liberdade) tem elevada importância constitucional (“bens primários”), o bem cuja lesão oportuniza a intervenção penal devegozar, da mesma maneira, de similar importância.

Isto não significa que, reconhecido determinado valor pelaConstituição como essencial à convivência em sociedade, oDireito Penal esteja apto para ser acionado por meio do legislador ordinário. Os princípios constitucionais penais da intervenção

mínima e ofensividade ditarão, ainda, limitando mais o legislador,os contornos da possibilidade de criminalização.

Esta tese é defendida por Bricola16 na Itália. Para ele,somente pode existir criminalização quando houver lesão signific-ativa de um valor constitucionalmente importante. Isso, afirmaainda, não implica, tão só, na não contrariedade do bem em faceda Constituição, mas assunção dele pelos valores expressos ou

implícitos contidos na Constituição. No Brasil, Márcia Dometila de Carvalho também segueesses passos. Referindo-se ao conceito de delito como “um fatolesivo de um valor constitucionalmente relevante”, para atender aqualidade de extrema ratio do Direito Penal, ela afirma que, como advento de uma nova ordem constitucional, torna-se impre-scindível a revisão dos bens jurídicos tutelados pelas normas penais, “determinando-se, à vista da nova Constituição, onde deveestar o acento dos tipos penais, como devem ser hierarquizados e,

67/178

Page 68: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 68/178

Page 69: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 69/178

ou, em uma linguagem dialética, como a síntese supõe uma super-ação dos componentes básicos isoladamente considerados, oEstado Democrático de Direito, em que se constitui a RepúblicaFederativa do Brasil (CF, art. 1º) é, ou pretende ser, uma super-ação dos modelos de Estado Liberal e Estado Social, vincado na

concepção democrática de realizar o bem de todos, respeitando odireito das minorias (CF, art. 3º, IV) e atuando mediante procedi-mentos estabelecidos que não façam nenhuma concessão ao ar- bítrio, todavia que possibilitem a participação dos múltiplossetores sociais na elaboração desses próprios procedimentos,impregnando-os não só de legalidade, mas também delegitimidade.

Os princípios constitucionais penais são, é possível dizer,uma exigência de racionalização e legitimação, imposta pelaCarta Constitucional, para elaboração e operacionalização doDireito Penal em um Estado Democrático de Direito. São limitesdemocráticos que estreitam e condicionam tanto  as possibilid-ades de formulações legislativas penais referentes à privação daliberdade e da vida humana, direitos fundamentais, quanto à atu-ação judicial   concernente à interpretação das regras criminais

existentes.Há autores19 que distinguem – e o fazem corretamente – os

 princípios constitucionais penais dos princípios constitucionais pertinentes à matéria penal, afirmando que os primeiros fazem parte diretamente do subsistema penal, em face do seu próprioconteúdo, ao passo que os segundos têm conteúdo heterogêneo,traçando linhas específicas (v.g., família, economia, adminis-

tração pública), mas também, é preciso registrar, linhas gerais(v.g., igualdade, isonomia entre os sexos), vinculando tanto o le-gislador civil, administrativo, tributário, quanto o legislador penalque intervier na respectiva matéria.

Os princípios constitucionais penais, explícitos e implícitos por sua conexão e compatibilidade com os primeiros, e os princí- pios constitucionais influentes em matéria penal estão presentes

na Constituição Federal, por isso mesmo são hierarquicamente

69/178

Page 70: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 70/178

Page 71: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 71/178

Page 72: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 72/178

19 PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito penal. Trad.Gerson dos Santos. Porto Alegre: Fabris, 1989, p. 22-23. Entre nós,LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Fab-ris, 1991, p. 10-11.

20 O Supremo Tribunal Federal manteve o entendimento de que se lei  an-terior é incompatível com a Constituição, ela é simplesmente revogada

 pelo critério cronológico – a norma posterior prevalece sobre a norma precedente (lex posterior derogat priori):

“[...] O entendimento de que leis pré-constitucionais não se predispõem, vi-gente uma nova Constituição, a tutela jurisdicional de constitucionalid-ade in abstracto – orientação jurisprudencial já consagrada no regimeanterior (RTJ 95/980 – 95.993 – 99.544) – foi reafirmado por esta Corte,em recentes pronunciamentos, na perspectiva da Carta Federal de 1988.A incompatibilidade vertical superveniente de atos do Poder Público,em face de um novo ordenamento constitucional, traduz hipótese de

 pura e simples revogação dessas espécies jurídicas, posto que lhe sãohierarquicamente inferiores” (STF, ADI 129 (MC) – SP, TP, Rel. Min.Francisco Rezek, DJU 28-8-1992).

“[...] Não cabe a ação direta de inconstitucionalidade, por se tratar de lei an-terior à Constituição em vigor. De acordo com orientação firmada peloSTF, na ADIN n. 2, 06.02.1992, a hipótese é de revogação da lei anteri-or, se contrária à nova Constituição, e não de inconstitucionalidade domesmo diploma...” (STF, ADI 9-DF, TP, Rel. Min. Néri da Silveira,DJU 24-4-1992).

21 A supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento opera a recusa dainterpretação conforme as leis, o que pode levar à inconstitucionalidade.O essencial é que se interprete a lei segundo as normas constitucionaissuperiores, nunca ao contrário.

72/178

Page 73: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 73/178

capítulo 4

imposição de conteúdo e inter-venção mínima

4.1. Intervenção mínima como princípio con-stitucional penal

O princípio da intervenção mínima nasce vinculado ao pensamento iluminista que pretendeu reduzir, de forma geral, toda

legislação e, em especial, as leis penais1. Beccaria, de certo modoantecipando-o, acentuava na sua antológica obra: “Proibir grandequantidade de ações diferentes não significa prevenir delitos que

delas possam nascer, mas criar novos”2. E a Declaração de Direit-

os do Homem e do Cidadão, editada na Revolução Francesa,traduzindo a proporcionalidade que substancia o princípio, pre-screvia no art. VIII: “A lei só deve estabelecer penas estrita eevidentemente necessárias”.

A preocupação com o excessivo número de leis e ostentáculos do absolutismo despótico, que pairavam, ameaçadora-mente, contra a já hegemônica burguesia, são o pano de fundo

 para o repúdio às normas que ainda não eram editadas pela novaclasse que ascendia ao poder.

A mudança de perspectiva opera-se, notadamente, no fatode que, sob o absolutismo, o Direito Penal vinga em função doEstado, enquanto sob o Estado Liberal burguês, o Direito Penalvige para dar segurança ao indivíduo – pelo menos assim se propõe –, sendo legítimo seu uso apenas dentro de balizas

Page 74: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 74/178

estreitas para preservação, principalmente, da vida e da pro-

 priedade3.

Modernamente, Claus Roxin, ao defender a abertura dadogmática penal à política criminal, fundando o funcionalismo-

teleológico4, propôs que esta última, para além das orientações

que buscam pesquisar melhores medidas de combate à criminalid-ade, deve se pautar dentro de uma fronteira constitucional de es-tado material de direito, cingida pelo princípio da intervenção

 penal mínima (intervenção do direito penal em ultima ratio)5.

E é exatamente como limite constitucional, traduzido não sóem garantia individual, mas em garantia dos interesses transindi-viduais que regem a coexistência em uma coletividade marcada

 pela diversidade, que a intervenção mínima vai figurar na atualConstituição brasileira em forma de princípio. Princípio constitu-cionalmente implícito, o que não nega, de modo algum, a sua val-

idade no sistema6, em face da previsão positivada no § 2º do art.

5º da Carta Federal7.

A intervenção mínima é decorrente do princípio constitu-cional expresso da dignidade humana (CF, art. 1º, III) e da de-

terminação impositiva do art. 3º, IV, da Constituição Federal,concernente à efetivação do bem de todos por meio da obrigatóriaação dos Poderes Públicos. Em um Estado Democrático deDireito, que tem como alicerce a Dignidade Humana e como ob- jetivo o bem de todos, não se podem permitir criminalizações decomportamentos arbitrariamente, ao livre talante de quem quer que seja, ainda que em nome de uma suposta maioria e de supos-

tos interesses emergenciais. Ademais, por imperativo da propor-cionalidade, a vida e a liberdade, direitos fundamentais expres-samente garantidos pelo art. 5º,  caput , da Constituição Federal,somente podem ser privados ou restritos se estritamente ne-cessários para a tutela de direitos de fundamental importância.

Por transportar consigo garantia fundamental do indivíduo,consistente em critério lógico-antecedente na criação de regras re-

stritivas da liberdade de ir, vir e ficar, inserindo-se, por natureza,

74/178

Page 75: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 75/178

Page 76: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 76/178

Page 77: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 77/178

A intervenção mínima impõe ao legislador criminal umareferência constitucional criminalizadora exclusiva a   bem jurídico, em razão de que o Estado Democrático de Direito, paraalém de simples Estado de Legalidade, somente encontra legitim-

ação na ideia de justiça material12. A norma constitucional, agora,

não se limita apenas a reconhecer os direitos fundamentais do ser humano, mas trata de materializá-los, criando condições para tor-nar viável sua validade social.

O conceito material de bem jurídico, deste modo, como

aduz Regis Prado, apoiado em Navarrete13, pressupõe, é certo, oreconhecimento de que os legisladores alçam à qualidade de bem jurídico o que na realidade social já se manifesta como um valor.

Valor que deve ter, todavia, a norma constitucional como parâ-metro obrigatório, em razão do sentindo  transcendente  de dig-nidade humana e direitos fundamentais que ela determina e não pela noção imanente de direito positivo ou de estrutura social vi-gente. Como assevera Schünemann, a legitimação do Direito Pen-al, ou sob uma perspectiva inversa, a limitação imposta ao legis-lador na formulação do Direito Penal, está estabelecida nas con-dições fundamentais suprapositivas de qualquer poder estatal legí-timo e constitui, deste modo, a premissa tácita de qualquer Estadode Direito Democrático14.

É que o conceito de bem jurídico passa, necessariamente, pela ideia da ofensa social infligida sobre os bens naturais ou so-cialmente construídos dos membros da coletividade, quer os indi-vidualmente considerados, quer os bens coletivos, os quais com- preendem as condições transindividuais de uma convivência próspera e variam a depender do estágio de desenvolvimento dedeterminada sociedade. Em todo caso, a teoria do bem jurídico es-tá assentada, ainda que em formulações diversas, nos limites im-

 postos ao Estado pelo modelo do contrato social15.

4.3. Imposição ao legislador 

77/178

Page 78: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 78/178

Page 79: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 79/178

Page 80: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 80/178

Page 81: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 81/178

Em termos práticos, afirmações desse tipo deverão ser pro-cedidas não só no controle da constitucionalidade, mas nas justi-ficativas de certas sentenças absolutórias e condenatórias e,sempre, na dosimetria da pena, quando o magistrado examina ascircunstâncias do crime para fixação da pena-base (CP, art. 59).

As circunstâncias são as singularidades do fato que, tornando-o particularizado, permitem uma referência específica a ele.Exaspera-se ou diminui-se a pena, por exemplo, considerando agraduação da intolerância da ofensa ou da maior ou menor ne-cessidade do Direito Penal.

Quanto ao controle da constitucionalidade das normas edit-adas, as afirmações reportadas deverão ser feitas tanto via con-trole concentrado, quando o juiz do Supremo Tribunal Federal an-alisa a validade da norma em abstrato, quanto por intermédio docontrole difuso, quando qualquer juiz criminal julga uma relação jurídica específica. Claro que no caso do controle concentrado,somente obriga o Supremo Tribunal Federal, quando for ele pro-

vocado, já que este Tribunal não pode agir  ex officio21.

É preciso insistir, no que se reporta ao controle da constitu-cionalidade, que antes mesmo das necessárias afirmações indica-das pelo princípio da intervenção mínima, limitadoras do processointerpretativo, existe limitação referente à obrigatória vinculaçãodo juiz aos textos das normas ordinárias editadas, forte presunçãode sua constitucionalidade e, por isso mesmo, a possibilidade deinterpretação de acordo com a Constituição.

 Não há como deixar de reconhecer, no entanto, que a CartaConstitucional brasileira de 1988 deixou de recepcionar vários ti-

 pos penais incompatíveis com o princípio abordado, bem assimque vários outros tipos incriminadores, editados após a Constitu-ição, maltratam claramente o princípio.

Somente a título de exemplo, podemos observar que, na bi-gamia (CP, art. 235), delito que não  foi abolido com a edição daLei n. 11.106/2005, o bem jurídico protegido é o casamento, ou a

organização jurídica matrimonial22, consistente no princípiomonogâmico, e não a preservação da família, que pode constituir-

81/178

Page 82: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 82/178

se e firmar-se com a comunhão de ideais que levam os parceirosao entrelaçamento físico e espiritual, mediante a afetividade queos une.

Paulo Lôbo, entendendo que, no nosso sistema, não hámodelo preferencial de entidade familiar, afirma que “onde

houver uma relação ou comunidade unidas por laços de afetivid-ade, sendo estes sua causa originária e final, haverá família”23. A proteção da família, neste aspecto, se faz, em Direito Penal, pun-indo não as ofensas às cláusulas contratuais do matrimônio, masas lesões à autonomia afetiva.

 Não há, pois, como conformar a proteção da organização jurídica matrimonial com dignidade necessária do bem jurídico,

exigida pelo princípio para a intervenção penal. Isso não significaque a bigamia torne-se um procedimento lícito. Óbvio que não, pois evidencia-se, com sua prática, a burla a um contrato de in-tenso formalismo. No entanto, a resposta para esse problema deveser buscada junto ao Direito Civil, especificamente no Direito deFamília, com a imposição, por exemplo, da quebra contratual, perda de guarda, perda de parte da meação e até mesmoindenizações.

De outra parte, quanto às normas editadas após a Carta de1988, temos como exemplo que o dano, lesão, destruição ou mal-trato culposos de plantas de ornamentação de logradouros públi-cos ou em propriedade privada alheia, crime definido no pará-grafo único do art. 49 da Lei n. 9.605/98, é absolutamente incon-stitucional, por revelar uma incompatibilidade insolúvel do bem jurídico protegido com os influxos do princípio da intervenção

mínima. Com efeito, pode-se afirmar, de modo apodíctico, que aincolumidade de plantas de ornamentação, da maneira que dispõea regra incriminadora, não exprime a devida importância quandoem cotejo com a dignidade humana, os direitos fundamentais e acoexistência. Isto não significa, do mesmo modo, que um com- portamento como tal não possa configurar um ilícito administrat-ivo, caso as placas de “não pisem na grama” já não sirvam.

82/178

Page 83: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 83/178

Page 84: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 84/178

Page 85: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 85/178

Estado de Direito Liberal.  Revista Brasileira de Ciências Criminais,São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 53, p. 14, mar./abr. 2005.

15 Idem, p. 13-14.

16 BRICOLA, Franco. Politica criminale e scienza del diritto penale. Bo-logna: Il Mulino, 1997, p. 190.

17 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal e estado de direito material

(sobre o método, a constatação e sentido da doutrina geral do crime),Revista de Direito Penal, Rio de Janeiro: Forense, n. 31, p. 43, jan./jun.1981.

18 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 2. ed. Trad.A. P. dos Santos e L. Natscheradetz. Lisboa: Vega, 1993 p. 28.

19 Idem, p. 29.

20   GRAU, Eros Roberto.   Ensaio e discurso sobre a interpretação/ap-licação do direito. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 77.

21 Conforme dispõe o art. 103 da Constituição Federal, já modificado pelaEC n. 45/2004, são legitimados, exclusivamente, para propor a açãodireta de inconstitucionalidade o Presidente da República; a Mesa doSenado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa deAssembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; oGovernador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral daRepública; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

 partido político com representação no Congresso Nacional; confeder-ação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

22 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial.São Paulo: Saraiva, 2004, v. 4, p. 114.

23 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: paraalém do numerus clausus. Revista Brasileira de Direito de Família,Porto Alegre, n. 12, p. 40-55, jan./mar. 2002, p. 46.

24 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. São Paulo: Rev-ista dos Tribunais, 2005, p. 790.

25 Lei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009.

85/178

Page 86: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 86/178

capítulo 5

imposição de conteúdo eofensividade

5.1. Direito e moral: a ofensividade comoprincípio constitucional penal

O princípio da ofensividade, também conhecido por princí-

 pio da lesividade1, é um princípio garantidor da impossibilidadeda construção do ilícito penal senão quando o fato for ofensivo,lesivo, ou simplesmente perigoso, ao bem jurídico tutelado. Im- põe, por isso, ao legislador e ao juiz que só sejam incriminadosaqueles comportamentos que lesionem ou ameacem de lesão bens

 jurídicos alheios.A intervenção penal não pode prosperar para impor padrões

morais de condutas, para meter em brios as pessoas. Essa moral,afirma Roxin, “não é nenhum bem jurídico – no sentido em quetemos precisado tal conceito, deduzindo-o do fim do Direito Pen-

al”2. Ao Direito Penal somente é possível a garantia da ordem pacífica externa da comunidade, não está ele legitimado, tampou-

co é adequado, para a educação moral dos cidadãos3.A separação do direito da moral, com consequente auto-

nomia do primeiro em relação à segunda, é uma construção doutilitarismo jurídico iluminista que pôde fixar não haver possibil-idade da intervenção coercitiva do Estado na vida dos cidadãosem razão de uma conduta imoral. A imoralidade é uma das con-dições necessárias para tal intervenção, mas nunca, pó si só, sufi-

ciente4.

Page 87: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 87/178

Page 88: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 88/178

Page 89: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 89/178

É possível afirmar, em consonância com Nilo Batista13, queo legislador não pode, de modo algum, criminalizar: primeiro, in-clinações interiores; segundo, comportamentos que não ultra- passem o espaço do próprio autor; terceiro, condições existenci-ais; quarto, condutas havidas por imorais pela maioria de uma

comunidade, mas que não ofendam a qualquer bem jurídico.A primeira imposição, proibição de incriminação de inclin-ações interiores, radica no postulado de que as ideias, desejos easpirações não podem sofrer censura penal. Primeiro ante a im- possibilidade de seu descortino e, segundo, ante a impossibilidadede sua materialização. Ainda que se pudesse antever uma ideiacriminosa, hipótese aventada na película “ Minority Report  – A

 Nova Lei”, dirigida por Spielberg e baseada em um conto do es-critor americano Philip K. Dick, seria impossível prever sua ma-terialização contextual (se haveria exteriorização e como se exter-iorizaria), conforme deixa claro o filme. Ademais, correta a teoriade Freud, seríamos todos portadores de um instinto de agressão

(thanatos)14 que, vez por outra, nos levaria, consciente ou incon-scientemente, à ideia ou ao desejo do crime. Por outro lado, éevidente que, uma vez exteriorizadas pelo comportamento, as in-

clinações interiores interessam ao direito15.

A segunda imposição veda a possibilidade de incriminaçõesde atitudes que não ultrapassem o espaço do próprio autor. ODireito Penal, consoante vimos com o critério da alteridade,coloca frente a frente, no mínimo, dois sujeitos, e somente está le-gitimado quando o comportamento afetar bens jurídicos alheios.

É por tal motivo que não se pode criminalizar a fase dosatos preparatórios stricto sensu. Entre nós, o Código Penal faz ver tal impossibilidade (CP, art. 31) e, embora abra exceções, estassomente podem prevalecer quando a preparação ultrapasse os lim-ites do autor, como no caso do crime de quadrilha ou bando (CP,art. 288), cujos requisitos dizem respeito à quantidade de pessoas,à estabilidade e à permanência da associação para fins de cometi-mento de crimes que, juntos, implicam a possibilidade da afetação

da paz pública.

89/178

Page 90: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 90/178

Page 91: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 91/178

Isto porque, no primeiro caso, houve lesão ao ambiente, em espe-

cial à fauna17. O bem jurídico, aqui, tanto pode ser tomado numa perspectiva antropocêntrica: o meio ambiente equilibrado é direitode todos (CF, art. 225), quanto, mais utopicamente, numa per-spectiva ecocêntrica, fundada numa extensão dos valores hu-

manistas a outros seres vivos18

. No segundo caso, há a possibilid-ade de afetação do sentimento de pudor, na medida em que oagente tenha o intuito que alguém, involuntariamente, o veja dur-ante a relação, o sujeito passivo experimente aquele sentimento enão consinta na ofensa.

Registre-se que o sentimento de pudor não se confunde coma moral. A moral diz respeito à questão individual e o direito não

 pode mais que a possibilitar, nunca a impor 19

. O sentimento de pudor, diferentemente, é um atributo que temos para nos tornar sensíveis a certos comportamentos que ofendam a moral estabele-cida (“moral pública”). Evidentemente, o direito não pode ser util-izado para segregação de grupos minoritários que tenham suas pautas morais diferenciadas, mesmo que a exibam em público.Assim, não é possível a incriminação pelo uso de barba comprida, piercings, tatuagens, vestimentas etc., entretanto, há, necessaria-mente, um limite fixado por certos comportamentos que o mundoocidental contemporâneo exige que sejam praticados com recato. Não é admissível, por exemplo, que alguém saia às ruas paramostrar o piercing  introduzido no órgão sexual, o que configurar-ia ato obsceno (CP, art. 233), embora possa fazê-lo para o seu ou para a sua companheira ou em casas de espetáculo (pornográficas,

teatrais etc.)20.

5.3. Imposição ao juiz: o critério interpretativoda insignificância

Em nível jurisdicional, o princípio condiciona o juiz, paraalém da obrigatória verificação da constitucionalidade do delito

91/178

Page 92: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 92/178

fabricado pelo legislador, conforme será verificado adiante, adescriminalizar comportamentos que, apesar de formalmente típi-cos, concretamente são inofensivos ao bem jurídico tutelado.

 Na irradiação desse comando, mais do que na intervençãomínima, esta voltada com ênfase para a intolerabilidade da con-

duta, a ofensividade tem como corolário o critério norteador inter- pretativo da insignificância, fundamental, por vezes, para aferiçãoda tipicidade material.

A tipicidade, um dos núcleos integrantes do fato típico (ooutro é a conduta), não se esgota na relação de adequação da con-duta humana ao tipo penal (tipicidade formal), mas exige, emcada caso, uma concreção da ofensa ao bem jurídico tutelado

(tipicidade material). Inexistindo ofensa ao bem jurídico, oumesmo sendo tal ofensa insignificante, por mais clara que seja aadequação entre a conduta e o tipo, não se pode falar mais em

tipicidade21 e, portanto, em crime.

Claus Roxin, segundo ele próprio, preocupado com a ma-nutenção do Direito Penal nos estreitos limites da proteção ao bem jurídico, erigiu o critério da insignificância num princípio

válido para a definição do injusto desde escritos de 196422

,entendendo-o, como no Brasil entende, seguindo-o, Assis

Toledo23, como causa de exclusão da tipicidade. Preferimos quali-ficar a insignificância, em vista da polissemia já referida neste tra- balho, como um subprincípio, uma ferramenta interpretativa de-rivada dos influxos do princípio constitucional da ofensividade.

Considerando a interpretação a partir do caso concreto, ou

mesmo de um caso abstrato, mas sempre com referência a umcaso, é possível aferir se a ofensa ao bem jurídico foi, efetiva-mente, significante ou, ao revés, patenteou-se sem importância, de pouca monta, pela observação da realidade fática ou dos elemen-tos disponíveis da hipótese.

Óbvio que em alguns tipos, o homicídio por exemplo, édesnecessária uma investigação acerca da significância do fato.

Além do que não cabe ao intérprete a seleção dos bens jurídicos

92/178

Page 93: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 93/178

tuteláveis. Assim, por exemplo, as lesões havidas com os delitosde menor potencial ofensivo – definidos pela Lei n. 9.099/95 – não são insignificantes, mas, é impossível afastar, neste caso, a in-terpretação dos fatos haurida pelo juiz e, exatamente, nessa inter- pretação, ele está autorizado a verificar se, concretamente, a lesão

revelou-se ou não, bem aquém daquela prevista  in abstrato pelolegislador. Um hematoma, v. g., pode ou não configurar lesão cor- poral leve (CP, art. 129). Para responder, num ou noutro sentido,é necessário investigar a sede e extensão dessa lesão (na face, emum dos dedos dos pés, extensa, minúscula, profunda, superficialetc.). Conforme decidiu o então Tribunal de Alçada Criminal deSão Paulo em um caso de tentativa de furto:

O crime não tem apenas um modo de ser objetivo que o carac-teriza, mas também um limite de suficiência, por qualidade equantidade da empresa criminosa. Aquém desse limitequalitativo-quantitativo não há racional consistência de crimenem de justificação da pena24.

Há, necessariamente, uma divergência proporcional entre o

resultado insignificantemente lesivo e a criminalização da condutae é o juiz o aferidor dessa distância, em face da imposição do princípio da ofensividade. A tipicidade, em casos que tais, ficacondicionada a essa investigação.

 No Brasil, desde o início da década de 80 do século pas-

sado, existe jurisprudência sobre a insignificância25, e o SupremoTribunal Federal acolheu o critério expressamente em 1988, pon-

tificando a não existência de crime:

Acidente de trânsito. Lesão corporal. Inexpressividade da lesão.Princípio da insignificância. Crime não configurado.Se a lesão corporal (pequena equimose) decorrente de acidentede trânsito é de absoluta insignificância, como resulta dos ele-mentos dos autos – e outra prova não seria possível fazer-se

tempos depois – há de impedir-se que se instaure ação penal

93/178

Page 94: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 94/178

que a nada chegaria, inutilmente sobrecarregando-se as varascriminais, geralmente tão oneradas26. (Destacamos.)

Existindo provas suficientes, o juiz sequer deve receber adenúncia quando houver o resultado insignificante. Nesse sentido,

não só a própria lei processual (CPP, art. 43, I) é expressa, proi- bindo o recebimento se o “fato evidentemente não constituir 

crime”, como a jurisprudência já entendeu desta forma27.

Evidentemente que a insignificância não pode surgir a partir de considerações isoladas, mas somente por meio dos fins perseguidos pelo ordenamento jurídico que encontra nos princípi-os suas matrizes difusoras, apontando-lhe um sentido e, com isso,

uma direção para a própria norma em particular 28

.

5.4. Ofensividade e controle daconstitucionalidade

A atuação judicial também deve levar a efeito a invalid-ação, por vício de incompatibilidade com a Constituição, de todae qualquer norma incriminadora que revele, de logo, a impossibil-idade de ofensa, nos termos aqui considerados, da condutadescrita no tipo.

O juiz está limitado, numa tal operação, a invalidar aquiloque o legislador não poderia, de nenhuma forma, criminalizar,

consoante anotamos acima. Desta forma, a atuação judicial seriasempre obrigatória na invalidação de uma norma que erigisse acrime o homossexualismo, a prostituição, propensões interiores,condutas que não extravasem o âmbito do próprio agente etc.

A vadiagem e a mendicância, por exemplo, são contra-venções penais que não foram recepcionadas pela nova ordemconstitucional por maltratar o princípio da ofensividade. Com

efeito, tanto em um como em outro caso a criminalização existe

94/178

Page 95: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 95/178

em razão de um estado existencial, uma opção de vida. Em am- bos, por livre escolha, o agente decide não trabalhar. Tal decisão, para além de poder significar uma tendência contra a idolatria aotrabalho, definitivamente, não tem potencial de ofensa ao  alter que justifique qualquer criminalização.

E o que dizer dos delitos de perigo? É lugar comum, nas so-ciedades modernas pós-industriais europeias e da América e tam- bém de alguns países “emergentes” como o Brasil, falar-se emriscos referentes a ofensas não delimitadas, globais, com afetação

a múltiplos setores sociais29.

Em face da complexidade que, inegavelmente, tece as re-lações sociais nessas sociedades, e considerando que muitos dos

resultados ofensivos se produzem a longo prazo e, de todo modo,em uma situação de incerteza sobre a relação causa-efeito, lança-se mão, de forma frequente, do recurso aos tipos de perigo, comconfiguração cada vez mais abstrata (crimes de perigo

 presumido), fundamentado-os no princípio da precaução30.

Mas há ofensividade nos denominados delitos de perigo ab-strato? Os delitos de perigo são aqueles em que a conduta do

agente põe em risco de dano o bem jurídico tutelado pela norma;esse risco constitui, em si, o “desvalor da ação”. Dividem-se emcrimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato. A difer-

ença, segundo muitos doutrinadores nacionais31, está em que, nos primeiros, a ofensa (perigo de dano) precisa de comprovação, en-quanto, nos segundos, o perigo é inerente à conduta, consideradatão grave que a ofensa (perigo de dano) não necessita de demon-

stração empírica, vale dizer, não precisa ser provada, mormente pela importância conferida pelo legislador ao bem jurídico.

É possível que haja ofensa; no entanto, como não háexigência da prova do perigo sofrido pelo bem jurídico, nunca poderemos precisar. Deste modo, não há como sustentar a con-stitucionalidade destes delitos, a menos que se possibilite uma viainterpretativa, permitindo ao agente ou/e à sua Defesa técnicafazer a prova de que não havia o perigo. Nesse sentido, a doutrina

 prevalente alemã, segundo Palazzo32, insistiu numa transformação

95/178

Page 96: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 96/178

substancial da categoria, sustentando, interpretativamente, emconcreto, uma possibilidade de prova contrária de não perigosid-ade, que não conseguiu, no entanto, bom acolhimento jurispru-dencial. O mesmo autor, no seu estudo comparativo, informa quea doutrina italiana já propõe a formulação de um dispositivo

genérico que, junto à enunciação da legalidade, seja capaz deeliminar a subsistência do crime quando o fato, ainda que seamolde ao tipo, revele-se concretamente inofensivo.

Mas a inversão do ônus da prova é possível em matéria penal? Parece-nos que a resposta é afirmativa, porquanto a inver-são aqui significa, exclusivamente, a ampliação do direito de de-fesa para permitir a demonstração da inexistência do perigo.

O princípio da ofensividade, de qualquer modo, obriga o próprio juiz, no caso concreto, a averiguar se, necessariamente,era possível que a conduta praticada pelo agente pudesse causar lesão a um bem juridicamente protegido.

O juízo de perigo, adverte Muñoz Conde33, é sempre um juízo ex ante, emitido pelo juiz, situando-se no instante em que aação se realizou. Para comprovar se a conduta perpetrada era peri-

gosa para o bem jurídico, ou seja, que era provável que produzisseuma ofensa, é indispensável que o julgador conheça a situação defato, na qual se realiza a conduta que está julgando (conhecimentoontológico) e, para além, tenha conhecimento acerca das leis danatureza e das regras de experiência, “pelas quais se possa deduzir que essa ação, realizada dessa forma e nessas circunstâncias, possa produzir geralmente a lesão de um bem jurídico (conheci-mento nomológico)”.

Procedida essa investigação e verificando o julgador que o perigo não se concretizou, não há falar em crime, que exige, nomínimo, o risco de lesão concreto para os bens jurídicos pro-tegidos, cuja demonstração, por imperativo dos princípios da in-ocência (CF, art. 5º, LVII) e da ampla defesa (CF, art. LV), fica acargo da parte acusadora.

A simples desobediência à norma não pode ser criminaliz-ada, máxime quando, utilizando os mesmos critérios do princípio

96/178

Page 97: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 97/178

da insignificância, aceito pela jurisprudência, verifica-se que aação, embora desvalorada pelo legislador, não acarretou, no casoexaminado, nenhum perigo para o bem jurídico produzido. Se éverdade que o Direito Penal é descontínuo, só podendo ir até ondeseja necessário para proteção do bem jurídico, a existência da tipi-

cidade apresenta não só um caráter formal, mas também material.Se nos albores de sua criação, a tipicidade era infensa aqualquer elemento subjetivo, passou, mais tarde, a conter ocaráter indiciário da ilicitude e, mesmo num terceiro momento, a

figurar como o fundamento real de validez da ilicitude34. Welzel,a par de sua importante contribuição, mas preocupado com a eti-cização do Direito Penal que restava então contaminado pela ideia

de “tipo de autor”, destacou o conteúdo do querer do agente(“desvalor da conduta”) como fundamental para o tipo, o que ger-ou polêmica sobre a prioridade do “desvalor da conduta” e o “des-

valor do resultado”35.

Atualmente, esta polêmica entre “desvalor da conduta” e“desvalor do resultado” resta superada em razão da necessidadede uma justificação material para o Direito Penal. Para que haja

tipicidade, como já foi afirmado há pouco, é preciso que o fato,além de amoldar-se ao preceito primário (texto legal), acarretelesão (dano ou perigo concreto de dano) significante a um bem

 jurídico com dignidade constitucional36.

1 FERRAJOLI, Luigi.  Derecho y razón – teoría del garantismo penal.Trad. Perfecto Ibáñez, Ruiz Miguel, Mahino, Basoco e CantareroBandrés. Madrid: Ed. Trotta, 2000, p. 464-467. BATISTA, Nilo.   In-trodução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan,1990, p. 91.

2 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Trad. A.P. dos

Santos e L. Natscheradetz. Lisboa: Vega, 1993, p. 30.

97/178

Page 98: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 98/178

3 ROXIN, Claus. Iniciación al derecho penal de hoy. Trad. Muñoz Conde eLuzón Pena. Sevilha: Univ. de Sevilha Ed., 1981, p. 28.

4 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. Trad.Perfecto Ibáñez, Ruiz Miguel, Mahino, Basoco e Cantarero Bandrés.Madrid: Ed. Trotta, 2000, p. 222.

5 Idem, p. 222-223 e p. 464.

6 BATISTA, Nilo.  Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio deJaneiro: Revan, 1990, p. 91.

7 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 23.

8 Idem, p. 24.

9 BATISTA, Nilo.  Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio deJaneiro: Revan, 1990, p. 95

10 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. Trad.

Perfecto Ibáñez, Ruiz Miguel, Mahino, Basoco e Cantarero Bandrés.Madrid: Ed. Trotta, 2000, p. 464-465.

11 PALAZZO, Francesco.  Valores constitucionais e direito penal. Trad.Gerson P. dos Santos. Porto Alegre: Fabris, 1989, p. 80.

12 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 59-60.

13 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio deJaneiro: Revan, 1990, p. 92-94

14 FREUD, Sigmund.   O mal-estar na civilização. Trad. José de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p. 103-104 e 111-112.

15 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Trad. L. Cabral de Moncada.Coimbra: Arménio Amado, 1979, p. 100.

16 LUNA, Everardo da Cunha.  Estrutura jurídica do crime. São Paulo:Saraiva, 1993, p. 21.

17 PRADO, Luiz Regis. Crimes contra o ambiente. São Paulo: Revista dosTribunais, 2001, p. 68.

18   SOFFIATI NETO, Aristides Arthur.   Fundamentos filosóficos do

pensamento ecológico. Nancy Mangabeira Unger (Org.). São Paulo:Loyola, 1992, p. 26.

19 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual dedireito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais,1997, p. 468.

20 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro, Rio deJaneiro: Revan, 1990, p. 92 e s.

21 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal: parte general.

Buenos Aires: Ediar, 1991, p. 475.

98/178

Page 99: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 99/178

22 ROXIN, Claus.  Política criminal e sistema jurídico-penal. Trad. LuísGreco. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 47.

23 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed.São Paulo: Saraiva, 1994, p. 125 e 133-134.

24   TACrimSP, Ap. Crim. 262.549/Americana, Rel. Juiz Alberto SilvaFranco, 9-11-1982. In: LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da

insignificância no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,1997, p. 225.

25 TACrimSP, Ap. 270.731, Rel. Adauto Suannes, 13-3-1983; TACrimSP,Ap. 261.877, Rel. Nogueira Camargo, 8-11-1982; TACrimSP, Ap.274.977, Rel. Ricardo Andreucci. TARS, Ap. 293.031.233, Rel.Vlademir Giacomuzzi, 4-51993. In: LOPES, Maurício Antônio Ribeiro.Princípio da insignificância no direito penal. São Paulo: Revista dosTribunais, 1997, p. 228-283.

26 STF, RHC 66.869-1/PR, Rel. Min. Aldir Passarinho. Brasília, 6-12-1988.

Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2005.27  TARS, RES. 284023298, Rel. Celeste Vicente Rovani, 28-8-1984. In:

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro.   Princípio da insignificância nodireito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 284-285.

28 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal: parte general.Buenos Aires: Ediar, 1991, p. 475.

29 Ver GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernidade re-flexiva. São Paulo: Unesp, 1997.

30 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Rocha. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 31.

31 Ver PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 152. NORONHA, Magal-hães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 108; HUNGRIA, Nel-son. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1983, v.I, t. I, p. 13; JESUS, Damásio. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1995,v. I, p. 167. Esse autor, todavia, mudou seu posicionamento em pas-

sagem sobre a “formulação típica nos crimes de perigo abstrato”,chegando a concluir que “não são admissíveis os crimes de perigo ab-strato ou presumido em nossa legislação”. Ver  Crimes de trânsito. SãoPaulo: Saraiva, 1998, p. 4-5.

32 PALAZZO, Francesco.  Valores constitucionais e direito penal. Trad.Gerson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Fabris, 1989, p. 81-83.

33 CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Trad. Juarez Tavarese Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 87-88

34 BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense,2001, p. 52-55.

99/178

Page 100: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 100/178

35 WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. Trad. Luiz Regis Prado.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 75.

36 Orienta-se, como já visto, pela tipicidade material ROXIN, Claus.  Prob-lemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Vega, 1993, p. 28-29.Do mesmo autor ver  Política criminal y sistema del derecho penal.Trad. Muñoz Conde. Barcelona: Bosch, 1972, p. 53 e s. Entre nós,seguindo a orientação perfilhada por Roxin, TOLEDO, Francisco deAssis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p.133-134.

100/178

Page 101: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 101/178

capítulo 6

o princípio da legalidade: imposiçãorestritiva

6.1. Escorço histórico e definição da legalid-ade penal

A doutrina não é concorde sobre as origens do princípio dalegalidade, enxergando, alguns autores, sua progênie no Direito

Romano, registrando Hungria1 que, com o surgimento das quaes-tiones perpetuae, instituídas ao tempo de Silla, e a vigência daordo judiciorum publicorum, a analogia foi vedada e os magistra-dos foram obrigados a observar a previsão legal anterior para os

crimes e as penas a serem aplicadas quanto aos crimina publicaem face das denominadas leges Corneliae e Juliae. Mommsen, noentanto, afirma que não ficou abolido o arbítrio do magistrado.Ainda naquele momento da história romana, ele poderia castigar fatos não fixados como delitos pela lei e fixar a medida da pena à

sua faculdade2.

Há autores3 que, fincados na diferenciação entre o Estado

constitucional e o Estado absolutista, dizem que a origem do princípio deve-se ao fato histórico consignado expressamente no

art. 39 da Magna Charta Libertatum4, imposta ao Rei João SemTerra pelos barões ingleses, no ano de 1215.

Discorda Rosa Maria Cardoso da Cunha5, parece-nos quecom razão. Para essa autora, a estrutura do Direito Romano, com possibilidade de linhas alternativas ou analógicas de solução, eraincompatível com o princípio da legalidade e, ainda que se

Page 102: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 102/178

enxergue o gérmen deste no Direito Romano, ele teria valor e sig-nificado diversos, ante a dissimilitude com o nosso sistema. Comrelação à Carta Inglesa, assegura que o direito feudal era avesso àideia nuclear que inspira a regra da legalidade, ou seja, a ideia deuma justiça regular ou disciplinada. Ademais, o texto da Magna

Carta era uma garantia formal de natureza processual endereçadaapenas aos “homens livres”, conceito aplicado aos barões, condes,senhores feudais, sujeitos que podiam reclamar direitos. Entendea autora que o princípio, significando a racionalização do poder de punir, surgiu com a reforma da Justiça Penal europeia, iniciadano século XVIII.

O princípio, pois, tem origem no plano político, como de-corrência da preocupação liberal em impor limites ao   jus puniendi, preservando o espaço dos indivíduos contra o poder do

Leviatã. É que, como adverte Canotilho6, o Estado de direito lib-eral “constituía o instrumento da luta política da burguesia contrao Estado absolutista centralizador, contra os resquícios do Estadofeudal, contra as sobrevivências estamentais”.

 Nos países de família romano-germânica, o princípio pas-sou a figurar nas constituições ditas liberais-democráticas. Hoje,encontra-se assente, de maneira sintética, no art. 25/2 da Constitu-ição italiana e no art. 103/2 da Constituição alemã, sendo descritode maneira mais ampla nos artigos 25/1, 53/1, 9/3 e 81 da Con-stituição espanhola.

O princípio da legalidade traduz-se na reserva legal, na an-terioridade da lei e na tipicidade fechada (taxatividade) e encontraabrigo expresso no art. 5º, XXXIX, da Carta Constitucional

 brasileira, sendo repetido na abertura do Código Penal, exata-mente no seu art. 1º, verbis: “não há crime sem lei (reserva legal)anterior (anterioridade) que o defina (taxatividade). Não há penasem prévia cominação legal”.

Os consectários do princípio dizem respeito à necessidadede lei para a criação de crimes e, portanto, à proibição do es-tabelecimento de crimes pelos costumes, à vedação da analogia in

102/178

Page 103: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 103/178

malam partem e à exigência da tipicidade fechada, além da proib-ição da retroatividade in pejus da lei penal.

A abrangência do princípio inclui tanto a pena cominada pelo legislador como a pena aplicada pelo juiz e a pena executada pela administração. Obviamente, amplia-se o princípio para as eu-

femísticas medidas de segurança que, se no rigor da técnicadistinguem-se das penas em face de se embasarem na controver-tida perigosidade do agente, na verdade, não deixam de ser es-

 pécie do gênero sanção penal7.

6.2. A compreensão do princípio no Estado

Democrático de Direito

O princípio da legalidade, no Estado Democrático deDireito, está, indissociavelmente, relacionado com o princípio da

dignidade da pessoa humana. Assevera Cláudio Brandão8 que oconceito do princípio “estabelece que pela lei não somente se pro-

tege o homem das ações lesivas aos bens jurídicos, pela lei se pro-tege o homem do próprio Direito Penal”. Por isso, na atualidade,o princípio tem como destinatário todo e qualquer cidadão, não sedirigindo apenas aos criminosos, até porque, em face da garantiada presunção de inocência, ninguém pode ser consideradoculpado senão após decisão condenatória definitiva.

A limitação imposta, hoje, pelo princípio, difere, substan-

cialmente, daquela introduzida no liberalismo, de vertente formale individualista. Não basta, apenas, o asseguramento da produçãode normas mediante processos previamente fixados, o que podeocorrer, por exemplo, em Estados totalitários, para “justificar” e“legitimar” o uso do Direito Penal como um poderoso meio decontrole social. É necessária a vinculação ao império da lei, mascomo pressuposto da atuação do Estado sobre os bens jurídicosindividuais e dos cidadãos, enquanto e como comunidade.

103/178

Page 104: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 104/178

Por essa necessidade, o princípio da legalidade penal só pode ser compreendido, em toda sua dimensão, quando em cotejocom os princípios da dignidade humana, da humanidade, da inter-venção mínima, da ofensividade e da culpabilidade. A realizaçãode cada um deles, por meio das pautas legais produzidas pelo le-

gislador e interpretadas pelo juiz, é fundamental “para que todos possam se conformar em um Direito Penal com os fundamentos

materiais do Estado Democrático de Direito”9 (destacamos).

Para García-Pablos de Molina10, o princípio cumpre umadecisiva função política que se manifesta, sintetizando os valoresfundamentais do Estado de Direito, em primeiro lugar, como pres-suposto para realização da Justiça Penal, uma vez que, sendo a lei,

em tese, produto da vontade popular, os crimes e as penas previs-tos nas normas por ela transportadas contam com a “legitimação”firmada no próprio consentimento dos destinatários. Em segundolugar, em consonância com o próprio histórico do princípio, comogarantia de um mínimo de certeza e segurança jurídica, em razãode que uma lei prévia, escrita e estrita, permite a todos conhecer ecalcular seus comportamentos. Em terceiro, como satisfação do postulado da “autonomia” dos indivíduos, na medida em que a leiexpressa suas vontades – eles podem contribuir com a feitura de pautas através de seus representantes eleitos – e suas capacidadesde atuar conforme a própria lei. Finalmente, como expressão dedois valores fundamentais de toda a ordem jurídica: a liberdade ea igualdade.

Já na sua dimensão formal, portanto, condizente não tantoao conteúdo do poder punitivo, porém aos seus pressupostos e

condições de exercício, o princípio tem, no Estado Democráticode Direito, um sentido que indica, a um só tempo, a fixação delimites à excessiva intervenção penal, garantias à liberdade indi-

vidual, para além de um mínimo de segurança jurídica11.

As possibilidades de fixação desses limites fazem parte deum estudo dogmático, como veremos a seguir.

104/178

Page 105: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 105/178

6.3. Imposição restritiva ao legislador 

O princípio da legalidade opera como uma imposição re-stritiva ao legislador, atuando formalmente quando fixa regu-lações estruturais para o fabrico das normas penais, obrigando-o,via reserva legal, a valer-se do processo legislativo para criminal-izar comportamentos. Somente a   lei, portanto, em sua acepçãomais estrita, pode criminalizar. Decretos, portarias, decretos-legis-lativos, medidas provisórias, estas últimas dotadas de força de lei,não podem, em razão de tal imposição, ter essa serventia.

 No entanto, portarias, decretos e outros atos administrat-ivos, por sua mais fácil elaboração e maior maleabilidade, têm

servido de complemento para alguns tipos incriminadores, medi-ante a técnica denominada lei penal em branco. Esta comple-mentação heterogênea acaba, na prática, permitindo ao Executivo,de certo modo, definir a criminalização de determinadas condutas,o que coloca em xeque sua constitucionalidade.

 Não é possível, contudo, deixar de reconhecer que aregulação jurídico-penal para alguns casos, como ordem econôm-

ica, saúde pública, relação de consumo etc., exige uma diligêncianormativa incessante e sujeita a constantes variações, que perderiasentido sem uma intervenção presta, diferente, portanto, do pro-cesso legislativo, sempre mais demorado. Também não podemosdeixar de reconhecer que os atos administrativos são fontes doDireito Penal e, para além, estão limitados em face da demarcaçãoexistente no tipo que pede o complemento.

Para a constitucionalidade desses casos, o princípio determ-ina ao legislador que utilize com restrição essa técnica e quando ofizer estabeleça, com a maior adequação possível, as possibilid-ades de integração heterogênea, fixando, no texto legal predeter-minado, a descrição do núcleo, ou núcleos essenciais da con-

duta12.

O princípio da legalidade veda, ademais, ao legislador a

 possibilidade de estender os efeitos da lei incriminadora a fatos

105/178

Page 106: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 106/178

anteriores à sua vigência (retroatividade). É que a exigência de lei para produção de crimes revela-se insuficiente, sem a garantia deque ela deve estar em plena vigência antes da prática do delitosancionado. A anterioridade é uma decorrência lógica da próprialegalidade penal. O delito não deixa de ser uma criação artificial

do Estado e só tem existência, e pode ser sancionado, quando emvoga a lei criadora.

A mais pretensiosa imposição do princípio é a determinaçãotaxativa (taxatividade), que consiste na exigência, imposta ao le-gislador, de precisão quanto às expressões utilizadas na feitura dotexto da norma (preceito primário ou tipo), proibindo-o deempregar termos vagos, ambíguos e indeterminados, com a final-idade de limitar o espaço discricionário do juiz.

Sua elaboração científica mais aprofundada deve-se àdoutrina tedesca que, tradicionalmente, afere as relaçõesfilosóficas e metodológicas nas relações entre o juiz e a lei.Seguindo a construção alemã, marcada pela sensibilidadeconstitucionalista, pode-se afirmar, com Palazzo, que a determin-ação taxativa funciona como garantia diante do poder punitivo-ju-diciário, encarregada de firmar a exclusiva eticidade do Direito,

constituída da certeza jurídica e de operar, “qual pressuposto ob- jetivo de cognoscibilidade da norma, uma valoração e responsab-

ilidade do homem”13.

 No entanto, vedação de palavras vagas, ambíguas eindefinidas torna-se, em termos absolutos, tarefa de difícil elabor-ação. Assim, pode-se objetar, com Rosa Maria Cardoso da Cunha,que a lei penal “reproduz significações ditadas por códigos lin-

guísticos e por múltiplos processos de interação social”; os termoscontidos na lei não são unívocos; mesmo que qualificadas comotécnicas, as palavras da lei mantêm também imprecisões; o signosubmete-se à gradual e incessante mudança em sua significação, perante o tempo e determinada por forças sociais e históricas; osigno depende de sua correlação com a totalidade e outros signos.Por fim, pode-se ainda colocar a “dependência que a significação

106/178

Page 107: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 107/178

 jurídica possui de termos que integram campos associativos aus-

entes em seu discurso”14.

Contudo, o princípio, nessa imposição, determina, em ver-dade, ao legislador o mínimo de imprecisão possível. Se no delin-eamento da conduta proibida não é exatamente factível uma

descrição categórica, que a proposição seja menos obscura, que asambiguidades sejam diminuídas, ou seja, estreite-se, o  quantopuder, a margem discricionária do intérprete, a qual sempre es-tará presente, é inevitável, como sempre será necessária, éfundamental.

A determinação taxativa impõe ao legislador não precisõese exatidões, impossíveis para o ser humano, mas rigor de lin-

guagem pelos instrumentos de técnica legislativa, postos, exata-mente, para isso.

 Na feitura do tipo, se não é possível exigir uma descriçãocasuística de cada conduta incriminada, não se pode admitir a util-ização de cláusulas genéricas. A utilização dessas cláusulas não permite a percepção das diferenças materiais existentes entre osfatos regulados. O legislador está obrigado não só a “classificar as

características diferenciais que são decisivas para circunscrever ostipos penais, senão também destacá-las com o emprego de concei-

tos específicos gerais”15.

Para além, a determinação taxativa obriga o legislador a es-tabelecer as margens máximas e mínimas da pena com propor-cionalidade, evitando, de um lado, possibilidades de alargamentoexcessivo – não seria constitucional uma pena, em abstrato, com

margem mínima de dois e máxima de trinta anos – de outro, im- pedindo a utilização das chamadas penas tarifadas, que retiram domagistrado a possibilidade individualizadora do tratamento. Ouseja, há um comando de equilíbrio na determinação que operatanto proibindo a excessiva abertura quanto vetando um excessivoestreitamento das possibilidades do juiz na aplicação da pena.

107/178

Page 108: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 108/178

Page 109: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 109/178

Ainda que para raros casos, de forma parcial e casuistica-

mente, não há como deixar de enxergar a inserção dos costumes18,também, como fonte do Direito Penal, mesmo que uma fonte me-diata, secundária, mas fonte que gera, como anotado nos exem- plos imediatamente anteriores, consequências importantes. O juiz,

somente para casos que tais, pode fazer uso dos costumes, exclu-sivamente para beneficiar o réu. É o que ocorre com a analogia.

Alguns autores, no entanto, em homenagem aos valoresconstitucionais e até aos princípios de Direito Internacional, en-

tendem correto o uso da analogia   in malam partem19. Em que pesem os argumentos favoráveis à utilização da analogia e a elo-quência de se dizer que nenhum fato que apresenta periculosidade

deveria ser excluído do julgamento do Judiciário, cremos que essamaneira de pensar reveste-se de um entusiasmo por uma so-ciedade que não existe.

As pretensões idílicas de uma coletividade sã não encon-tram ressonância em nossa época. Vivemos em um mundo decomplexidades, de indeterminação, do relativismo, de absolutiza-ção das diferenças, onde a balança da justiça já não tem apenas

dois pratos, “antes digitaliza em termos reais interesses múltiplose múltiplos interesses”20.

A criminalização sempre foi procedida segundo os in-teresses dos grupos assentes no poder, mesmo quando atende out-

ros anseios, não encontra operacionalidade efetiva21. Desse modo, permitir a utilização da analogia in pejus é, de um lado, deixar oscidadãos relegados a governos mais ou menos autoritários e ao

 beneplácito de interpretações bem mais amplas do Poder Judi-ciário e, de outro, saber que a analogia somente será efetivada para infrações que de fato são operacionalizadas (delitos contra o patrimônio privado em geral), nas quais o Sistema Penal, aindaque pouco, funciona, mas para as camadas menos favorecidas da população.

O juiz não pode prescindir do princípio da legalidade penal

em nome das boas intenções, para, baseado na ordem de valores produzidos no texto da Constituição, criminalizar fatos que,

109/178

Page 110: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 110/178

embora não tipificados legalmente pelo legislador, sejam “sub-

stancialmente criminosos”22. Sob que perspectiva deve-se encarar esses fatos, à luz de que justiça e interpretação? Ora, se já existemimprecisões assente o princípio, o que dizer se retirado esse norte?O componente ideológico vai sempre existir na feitura de

qualquer lei e, por certo, vingaria mais facilmente se fosse pos-sível maior abertura, afinal, é melhor que o legislador ordinário eo juiz, auxiliados pelo trabalho doutrinário, exerçam um controlerecíproco para revelar os valores constitucionais.

Afirma Hungria23 que a licença para analogia levaria os juízes à hipertrofia funcional e acarretaria a subversão da próprianoção de culpabilidade, que dificilmente pode existir “sem a con-

sciência da violação do   dever jurídico, ou possibilidade dessaconsciência”.

Rosa Maria Cardoso da Cunha24 diz, entretanto, que, na prática, os tribunais têm utilizado a analogia  in malam partemainda que veladamente, citando o caso de decisões que admitemos crimes de difamação e injúria contra a pessoa jurídica. A lei penal incrimina, nos arts. 139 e 140, a difamação praticada contra

“alguém”, expressão que, segundo a autora, a doutrina tradicion-almente referiu à pessoa física.

Com relação à injúria, não procede, de há muito, o argu-mento, porquanto a jurisprudência contemporânea é uníssonaquando afirma que a honra subjetiva, ou o juízo que fazemos denós próprios, só é inerente às pessoas físicas, logo, a pessoa

 jurídica não pode ser vítima do delito25, uma vez que lhe é

impossível sentir-se injuriada.Pertinente à difamação, ainda que não fosse razoável es-tender o conceito de   alguém   para uma pessoa jurídica, nãoenxergamos aí uma analogia, senão uma interpretação gramaticalcondizente, inclusive, com o termo, que significa pessoa, não es- pecificamente pessoa física, mas pessoa. Ademais, a interpretaçãofaz-se em cotejo com a efetiva possibilidade de a pessoa jurídica

ser lesada em virtude de dano em sua reputação, ou seja, na suahonra objetiva, naquilo que a coletividade pensa a seu respeito. E

110/178

Page 111: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 111/178

essa lesão – independentemente de defender-se ou não a criminal-ização (não defendemos) – pode acarretar sérios prejuízos para a pessoa jurídica, seus sócios, seus empregados etc. Impossível ser-ia estender o homicídio – “matar  alguém” – à “morte” da pessoa jurídica, tanto que esse exemplo nós não encontramos.

Ao juiz também é vedada a aplicação retroativa de regras penais in pejus. No caso da sucessão de leis penais no tempo, in-clusive, deve o magistrado utilizar das disposições mais favorá-veis de cada uma delas, aplicando-as ao caso concreto. Nessahipótese excepcional, o juiz não está criando uma nova lei. Comoduas ou mais regras, criadas pelo legislador, tocaram, no tempo, ainfração, cabe ao magistrado, utilizando-as, definir o que de mais benéfico pode ser aplicado ao agente.

Por derradeiro, na aplicação da pena os limites do juizficam condicionados pelas margens máximas e mínimas, somente podendo ir além ou aquém em obediência aos comandos ex- pressos das causas especiais de aumento e de diminuição. Na do-simetria, não obstante o espaço de arbítrio, faz-se necessária afundamentação e o enquadramento legal para as elevações acimada pena mínima.

1   HUNGRIA, Nelson.   Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro:Forense, 1977, v. I, t. I, p. 35-36; MANZINI, Vincenzo. Tratatto di di-

ritto penale italiano. Torino, 1961, v. I, p. 55.2  MOMMSEN, Teodoro.   El derecho penal romano. Trad. P. Dourado.

Madrid: España Moderna, 1898, p. 59.

3 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro.  Princípio da legalidade penal. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 17.

4 “Nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado de seus bens ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo mo-lestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele

senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia

111/178

Page 112: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 112/178

com a lei do país” (Tradução de MIRANDA, Jorge. Constituição de di-versos países. Lisboa: Imprensa Nacional, 1979, v. I, p. 335).

5  O caráter retórico do princípio da legalidade. Porto Alegre: Síntese,1979, p. 30-32

6  CANOTILHO, José Joaquim Gomes.  Direito constitucional. Coimbra:Almedina, 1996, p. 352.

7  VALEJJO, Manuel Jaén.   Principios constitucionales y derecho penalmoderno. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1999, p. 22.

8 BRANDÃO, Cláudio.   Introdução ao direito penal: análise do sistema penal à luz do princípio da legalidade. Rio de Janeiro: Forense, p. 41.

9 SANTOS, Lycurgo de Castro. O princípio da legalidade no moderno direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revistados Tribunais, n. 15, p. 188, jul./set. 1996.

10 MOLINA, Antonio García-Pablos de. Derecho penal: introducción. Mad-rid: Servicio Publicaciones Facultad Derecho – Universidad Com-

 plutense, 2000, p. 323-324.11  SANTOS, Lycurgo de Castro. O princípio da legalidade no moderno

direito penal.  Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo:Revista dos Tribunais, n. 15, p. 187, jul./set. 1996.

12 CEREZO MIR, José.  Curso de derecho penal español: parte general.Madrid: Tecnos, 1996, p. 156.

13 PALAZZO, Francesco.  Valores constitucionais e direito penal. Trad.Gerson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Fabris, 1989, p. 49-50.

14 CUNHA, Rosa Maria Cardoso. O caráter retórico do princípio da legal-idade. Porto Alegre: Síntese, 1979, p. 95-105.

15 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Trad. Mir Puige Muñoz Conde. Barcelona: Bosch, 1981, v. 1, p. 175

16  HUNGRIA, Nelson.  Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro:Forense, 1977, v. I, t. I, p. 21.

17 WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Trad. Juan Bustos Ramirez eSérgio Yañez Péres. Santiago: Jurídica de Chile, 1970, p. 83.

18 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio deJaneiro: Revan, 1990, p. 71.

19 ANTUNES, Ruy da Costa. Da analogia no direito penal. Monografia ap-resentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernam-

 buco, no concurso para livre-docente de Direito Penal, 1953.

20 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Civilização do direito constitucionalou constitucionalização do direito civil? In: GRAU Eros R.; GUERRAFILHO, Willis S. (Org.).  Direito Constitucional: estudos em hom-enagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 114.

21 Já se afirmou acima acerca da seletividade do Sistema Penal.

112/178

Page 113: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 113/178

22  Ver a abordagem favorável a uma “legalidade material”, retirada dosvalores constitucionais em CARVALHO, Márcia Dometila Lima de.Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre, Fabris,1992, p. 58-61.

23  HUNGRIA, Nelson.  Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro:Forense, 1977, v. I, t. I, p. 24.

24 O caráter retórico do princípio da legalidade. Porto Alegre: Síntese,1979, p. 104.

25 “A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime de difamação, não, porém, de injúria ou calúnia. Precedentes do Supremo Tribunal Federal”(STF, Inq 800RJ, TP Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 19-12-1994).

113/178

Page 114: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 114/178

Page 115: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 115/178

objetiva, exigindo mesmo, para que o fato seja típico, a re-sponsabilização subjetiva do agente por dolo ou, no mínimo,culpa. Dolo ou culpa do agente e, portanto,   responsabilidadesubjetiva, são requisitos para a imputação, sem os quais não háfalar em fato típico e, por conseguinte, em infração penal. Desse

modo, os resultados imprevisíveis, fruto de atos reflexos, aquelesadvindos do acaso e mesmo, para alguns, os que não incrementem

o risco3, não poderão ser imputados a quem quer que seja.

O segundo significado corresponde à noção de culpabilid-ade como uma terceira categoria dogmática, ao lado da tipicidadee da ilicitude (injusto penal), cuja presença é fundamental para aexistência do crime e para a aplicação de qualquer sanção penal.

Esse conceito, assinala Muñoz Conde, “é entendido como re- provação que se faz a uma pessoa por ter podido atuar de modo

distinto daquele como realmente atuou”4.

O derradeiro significado diz respeito à culpabilidade comomedida da pena, funcionando como padrão para fixação das mar-gens penais em certos marcos, servindo ao juiz, aliada a outroselementos, na individualização da pena daquele determinado

autor, baseado na proporção de sua “culpa” determinada pelas provas. Poderíamos, ainda, assinalar uma quarta significação paraa “culpabilidade” prevista, expressamente, no art. 59 do CódigoPenal. Neste dispositivo, culpabilidade implica a maior ou menor  possibilidade que tem o agente de evitar o delito, considerando ascondições ofertadas a ele pelo Estado e pela própria sociedade. Éa chamada coculpabilidade que se aplica, na dosimetria da pena,valendo-se do art. 59 e não do disposto no art. 66, ambos do

Código Penal.Sintetizando, é possível afirmar que as irradiações da culp-

abilidade implicam que a aplicação da pena estará sempre condi-cionada à existência do dolo ou da culpa, à possibilidade decomportar-se de acordo com as exigências do ordenamento jurídico e à individualização, procedida, obrigatoriamente, pelo juiz no caso concreto. A aplicação de qualquer sanção penal de-

 pende, assim, da “culpa” do indivíduo. Mesmo para as pessoas

115/178

Page 116: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 116/178

 jurídicas, questão que foge do marco antropológico deste tra- balho, já se adotou, em França, país pertencente à família romano-germânica, o coeficiente subjetivo da culpabilidade, mediante orecurso da “responsabilidade por ricochete”, que tem como

suporte uma conduta praticada culposamente por um ser humano5.

 Não há como apartar cada uma dessas acepções de culpabil-idade como elementos estanques, esquecidos um do outro, já quetodos, embora tenham, cada um à sua maneira, funções particular-izadas, relacionam-se de forma interdependente. É por isso que podemos concluir afirmando que o significado do princípioabrange, na atualidade, três diferentes níveis. O primeiro, veri-ficação do dolo ou da culpa, opera como problema de tipicidade;

o segundo, análise do juízo de censura, funciona como problemade  culpabilidade normativa,  e o terceiro, individualização, dizrespeito à avaliação da pena.

7.2. A culpabilidade normativa

A noção de culpabilidade como expurgo da responsabilid-ade objetiva, sem embargo das ideias cristãs sobre o livre-arbítrioe do conceito de   dolus malus   produzido pelos romanos, con-

stituído de um elemento anímico-intencional6, foi, sem dúvida,expressão do liberalismo clássico enfadado com as concepçõesmedievais fundadas em crenças e superstições.

A construção dogmática, portanto estritamente jurídico- penal, estabeleceu, com essa noção inicial, que a culpabilidade prendia-se, tão só, a um liame psíquico entre o agente e o fato tido por delituoso. O esquema proposto situava a causalidade no planofísico e a culpabilidade, entendida pelo conjunto de elementos puramente subjetivos, no psíquico. Desenhava-se, então, a primeira teoria da culpabilidade, chamada de teoria psicológica,admitida tanto pelos partidários da denominada Escola PenalClássica, tendo à sua frente Carrara, como pelo racionalismo da

116/178

Page 117: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 117/178

chamada Escola Positiva7 e pelo pensamento positivista sociológi-

co, mormente por Franz von Liszt8, por força das concepçõesmecanicistas da época.

A apuração da dogmática penal, no entanto, fez com que adoutrina percebesse a insuficiência da concepção psicológica para

explicar determinados acontecimentos (v.g., a culpa inconsciente)e introduzisse, no conceito de culpa, um dado normativo, ou seja,um juízo de valor, a reprovabilidade do ato praticado. O dolo e aculpa, então espécies de culpabilidade, convertem-se em “elemen-tos” dela, juntamente com a imputabilidade e a exigibilidade decomportamento diverso, segundo a formulação iniciada por 

Frank 9 e ultimada por Mezger 10, conhecida por teoria normativa,

ou teoria complexa da culpabilidade.Contudo, permaneceu, no mosaico do dolo, a consciência

da ilicitude. A teoria complexa ainda incluía o liame psíquico noconceito de culpabilidade como um dado essencial, pelo menosno dolo. Dohna, decisivamente, empreendeu esforços para a per-cepção de que, no juízo de culpabilidade, do mesmo modo que naconstatação da ilicitude, nos achamos ante o resultado de uma val-

oração. Assim, apartou a valoração (reprovabilidade) e seu objeto(dolo), reduzindo o conceito de culpabilidade à valoração do ob-

 jeto11. Seus passos foram seguidos pela doutrina da ação finalista(conhecida entre nós por teoria finalista da ação), havendo Welzel posicionado o dolo, que naquele autor havia ficado sem posição,no tipo (subjetivo), “como uma espécie da vontade final da

ação”12.

Ao estruturar os elementos técnico-dogmáticos da infração penal, ajustando a posição do dolo e da culpa, Welzel retirou doconteúdo do primeiro a consciência do ilícito, consciência que, nasua versão, integra a culpabilidade, todavia como consciência po-tencial. Só a partir de tal construção é que se pôde falar de umateoria propriamente normativa, ou normativa pura da culpabilid-

ade13.

117/178

Page 118: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 118/178

Esta teoria tem como elementos a capacidade de imputabil-idade, a possibilidade de compreensão do injusto e a inexigibilid-

ade de conduta conforme o direito14.

7.3. Fundamentos da culpabilidade no EstadoDemocrático de Direito

O objeto do juízo de culpabilidade, ainda nos dias atuais, émotivo para problematização doutrinária e responsável por uma profusão de ideias que desembocam ora no engenho de algumas

construções intelectuais15, ora em formulações metafísicas volta-das, de um lado, às teses deterministas, que negam a própria culp-abilidade, e de outro, às proposições acerca do livre-arbítrio e daautodeterminação do ser humano, que a admite. Em ambas as for-mulações, porém, há uma paradoxal convergência, manifestada aomenos na nossa época, que aponta para a periculosidade ou a per-

versidade do agente16.

Parece não mais ser possível qualquer orientação determ-inista, enfraquecida mesmo nas ciências ditas naturais de onde procederam. Com efeito, as formulações dessas ciênciasassentam-se, na atualidade, não mais em certezas deterministas,

todavia sobre possibilidades17. O mundo, consoante Heisenberg,aparece-nos agora “como um complicado tecido de eventos, noqual conexões de diferentes tipos se alternam, se sobrepõem ou se

combinam e, por meio disso, determinam a textura do todo”18. No Estado Democrático de Direito, as concepções determ-

inistas não se coadunam com as ideias de Estado, de Democraciae do próprio Direito que radicam, exatamente, numa margem,mínima que seja, de liberdade de decisão que o indivíduo possui. Nesse tipo de Estado, também não há lugar para reprovação da es-sência do ser humano. A tônica sobre o autor torna-se, a um só

tempo, autoritária e ilógica. Em uma coletividade plural, com

118/178

Page 119: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 119/178

interesses em conflito, não há como exigir modelo de personalid-ade, senão respeito às diferenças. Definitivamente, não é possível julgar o ser humano pelo que é, senão, e tão somente, pelo queele faz. Cada um de nós é um universo, cada ser humano é único,com seus padrões, sua forma de vida, suas tendências. A com-

 plexidade tece todas essas considerações.O juízo de culpabilidade recai sobre o atuar ou o omitir,vale dizer, sobre a conduta do sujeito ativo proibida pela norma,considerada sempre como  possibilidade  de ser cometida ou ser omitida em face da margem de liberdade que aquele possui. Essaalternativa, possibilidade de perpetrar ou não a conduta, deve ser sempre considerada como deontológica, nunca como ontológicaou referida à estrutura ôntica do mundo, senão à deôntica das nor-

mas19.

De uma tal concepção derivam, segundo Ferrajoli, duasconsequências. A primeira diz respeito aos elementos objetivos esubjetivos do delito, os quais devem ser percebidos de forma lo-gicamente conexa. A ligação entre tais elementos radica no fatode que a culpabilidade – consistente numa modalidade deônticacom conotações psicológicas – “é uma qualificação jurídica da

ação e não de seu autor”20.

A segunda consequência tem-se por vinculada à primeira ediz respeito às causas de exclusão da culpabilidade. Se a culpabil-idade de determinada conduta supõe a probabilidade  ex ante  dasua não realização, ela (a culpabilidade) estará excluída semprequando tal probabilidade não for possível ao autor, o que pode ser constatado empiricamente, mediante as provas sobre o atuar e o

querer e não sobre o ser do agente21.

Essa, parece-nos, é uma das traduções, em noção dogmát-ica, do princípio nulla poena sine culpa, fundado, consoante o jus poenale brasileiro, na aceitação de que o ser humano é um ente

capaz de se autodeterminar 22.

O princípio da culpabilidade, assim, para além da descrição,

embora com parcimônia, no art. 18 do Código Penal brasileiro,

119/178

Page 120: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 120/178

em combinação com seu parágrafo único, e de sua compatibilid-ade e coerência com os demais princípios expressos na Constitu-ição, está assente explicitamente, agora de modo abrangente, naCarta Constitucional, precisamente no art. 5º, LVII. Ademais,seus dois consectários também estão consignados na Constituição.

O primeiro diz respeito à intranscendência, ou seja, ao fato de quea responsabilidade penal é sempre pessoal, não podendo passar da pessoa do agente, achando-se inserto no art. 5º, XLV. O segundotrata da individualização da pena, significando a obrigatoriedadede que a sanção imposta considere, especificamente, aquela de-terminada pessoa condenada, encontrando positivação no art. 5º,XLVI.

7.4. As obrigações impostas pelo princípio aolegislador e ao juiz

O princípio da culpabilidade determina ao legislador, con-soante seus significados e decorrência anotados antes, a impossib-ilidade de construção do tipo incriminador apenas pela produçãode um resultado, qualquer resultado, ainda que seja aquele quesirva para qualificar o delito. Bem assim, o impossibilita para acriação de qualquer norma de extensão da responsabilidade penal para pessoa ou pessoas físicas que não tenham agido com dolo ouculpa. Igualmente, na feitura das sanções, o legislador não poderácriar obstáculos para a necessária individualização da pena, quer 

quanto à fase de aplicação pelo juiz, quer quanto à fase deexecução.

Pertinente à hipótese de extensão da responsabilidade penal,em países como o nosso, cuja população carcerária é constituída basicamente por pobres, o legislador instituiu o amparo aos famil-iares do preso por meio do serviço social do Estado (art. 22, XVI,da Lei n. 7.210, de 11-71984) e do auxílio-reclusão. Entretanto,

este último benefício, previsto nos arts. 116 e seguintes do

120/178

Page 121: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 121/178

Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, não pode ficar restritoaos segurados da previdência, máxime considerando o grandenúmero de trabalhadores informais que há no Brasil. Para a suaconcessão, bastaria ao interessado provar que, com a sua prisão,seus dependentes econômicos, que não estavam aptos para o tra-

 balho, perderam as condições básicas de sobrevivência e ele nãotem meios para mantê-los.

Parece-nos que, aqui, há omissão legislativa ordinária sobredireito constitucional do indivíduo, carecendo o legislador editar norma nesse sentido para evitar a transcendência da sanção penal.O manejo do mandado de injunção é possível, embora estagarantia não tenha tido, por paradoxal que seja, a devidaregulamentação.

Com relação à individualização ou personalidade da pena,foi sempre questionada, entre nós, a edição da chamada Lei dosCrimes Hediondos (Lei n. 8.072, de 25-7-1990), que previu noseu art. 2º, § 1º, a vedação da progressão no regime. O corolárioda individualização obriga a progressão referida, como con-sectário lógico da caracterização e desenvolvimento pessoal decada ser humano. Demais, era um contrassenso admitir-se que o

acusado cumprisse dois terços da privação de liberdade e, emseguida, passasse, diretamente, ao livramento condicional, quandose sabe ser este a quarta e última etapa da progressão, ferindo o próprio sistema que prevê, antes, a passagem pelos regimessemiaberto e aberto, embasado na possibilidade da “recuperaçãosocial”. Desde o julgamento liminar do Habeas Corpus n. 82.959/

SP23, a Suprema Corte brasileira enfrentou o problema tomando

 posição pela inconstitucionalidade da norma legal. Com a ediçãoda Lei n. 11.464, de 28 de março de 2007, a questão foi pacificadacom a possibilidade de progressão após dois quintos (2/5) da pena para primários e três quintos (3/5) para reincidentes, que pratiquem os denominados crimes hediondos.

As irradiações do princípio da culpabilidade limitam, ade-mais, as possibilidades interpretativas do juiz criminal. Com

efeito, o dolo e a culpa não podem ser presumidos, carecendo de

121/178

Page 122: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 122/178

demonstração por meio das provas produzidas na instrução e daargumentação fundamentada e vinculada do magistrado.

O princípio obriga, ainda, o juiz, na aplicação da pena, amedir a culpabilidade do condenado segundo as condições educa-cionais, econômicas e de trabalho que lhe foram ofertadas pelo

Estado e pela sociedade, não tanto pelo seu estado de penúria24

.Trata-se da verificação da coculpabilidade, a qual deve ser enten-

dida, entre nós, como circunstância judicial25, abrangida que está pela circunstância da culpabilidade, prevista no art. 59 do CódigoPenal, entendida aqui como medida da maior ou menor possibilid-ade de evitar a prática do crime, não mais com as fórmulas de in-tensidade do dolo ou grau da culpa.

 Na coculpabilidade, o juiz investiga, em primeiro lugar, seo Estado e a sociedade ofereceram possibilidades educacionais,econômicas e de trabalho básicas, para depois pesquisar de quemodo foram oferecidas. Se não ofertou tais possibilidades ou,embora ofertando-as, não o fez de modo devido, o Estado e a so-ciedade são responsabilizados por uma tal carência e o juiz, con-siderando este fato, deve reprovar o condenado com menos inten-

sidade do que reprovaria as pessoas às quais foram oferecidas, demodo devido, aquelas condições.

Ademais, se o princípio da ofensividade proíbe a criminal-ização de atitudes interiores, a culpabilidade obriga o juiz adesconsiderar a personalidade do condenado para aumento dasmargens penais, havendo, nesse aspecto, inconstitucionalidade parcial do art. 59 do Código Penal que a considera como circun-stância judicial.

Em geral, quando os juízes e tribunais apreciam a personal-idade, expressam-se com fórmulas vazias (v.g., “personalidadevoltada para o crime”, “caráter malformado” “altamente pericu-loso”). Ainda que o juiz dispusesse de uma enorme gama de ele-mentos contidos nos autos, ou um informe psicológico, o que éraro, e mesmo que tivesse uma sólida formação em psicologia,não poderia apreciar os aspectos pertinentes ao ser do condenado.Várias seriam as objeções. Sob qual parâmetro medir-se-ia a

122/178

Page 123: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 123/178

 personalidade do agente, seu ser? Sob o parâmetro do “homemmédio” ou mediante a capacidade de adaptação? Mas o que é o“homem médio”, em uma coletividade díspar, marcada, exata-mente, por interesses conflitantes e como medir as possibilidadesde adaptação, se as condições oferecidas são desiguais? Afinal,

qual o ser humano pretendido pelo Estado e que condições ofer-tou o Estado a esse ser humano para exigir dele ser desta oudaquela forma, se é que pode exigir? Quem ou que grupos e in-teresses estão por trás da “vontade” do Estado? Como ter determ-inadas expectativas nesse admirável mundo novo, quando não sesabe até se a vontade é “livre” ou fruto da aguda penetração damídia? Como pretender conhecer alguém se não conhecemos anós próprios? E ainda que conhecêssemos as pessoas, poderíamos

 julgá-las pelo que são? Definitivamente não é possível julgar nin-guém pelo que é.

Também em consonância com o princípio e ainda na ap-licação da pena, o juiz somente pode avaliar como maus ante-cedentes, outra circunstância do art. 59, aquelas condenaçõesdefinitivas por fatos anteriores do condenado não reincidente. Nãose coaduna com o Direito Penal da culpa a utilização da circun-

stância para aumentar a pena de quem foi investigado pela polícia,foi preso ou está sendo processado, mas não houve o trânsito em julgado da decisão.

1 BATISTA Nilo.  Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio deJaneiro: Revan, 1990, p. 103.

2 MOLINA, Antonio García-Pablos de. Derecho penal: introducción. Mad-rid: Servicio Publicaciones Facultad Derecho – Universidad Com-

 plutense, 2000, p. 390-397.

3  ROXIN, Claus. A teoria da imputação objetiva.   Revista Brasileira deCiências Criminais, São Paulo, ano 10, n. 38, p. 13, jan./mar. 1994.

Para este autor um resultado causado pelo agente só preenche o tipo

123/178

Page 124: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 124/178

objetivo e deve ser imputado, consequentemente, como obra sua,somente quando seu comportamento cria um risco não permitido para oobjeto da ação, quando o risco se realiza no caso concreto, e esse res-ultado se encontra dentro do alcance da norma.

4 CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Trad. Juarez Tavares eLuiz R. Prado, Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 126.

5 PRADO, Luiz Regis. Crimes contra o ambiente. São Paulo: Revista dosTribunais, 2001, p. 38-39.

6  MOMMSEN, Theodor.   El derecho penal romano. Trad. P. Dourado,Madrid: España Moderna, 1898, p. 95-96. No Direito Romano o con-ceito de culpa e dolus não pertencia à legislação, senão à interpretaçãocientífica das leis, afirma Mommsen. As condenações eram possíveisainda que não fosse demonstrada a culpabilidade (p. 102).

7 VELO, Joe Tennyson. O juízo de censura penal: o princípio da inexigibil-idade de conduta diversa e algumas tendências. Porto Alegre: Fabris,

1993, p. 27.8 LISZT, Franz von. Tratado de direito penal. Trad. José Higino D. Pereira.

Campinas: Russel, 2003, p. 259-260.

9 WELZEL, Hans.  Derecho penal aleman. Trad. Juan Bustos Ramírez ySergio Pérez. Santiago: Jurídica de Chile, 1970, p. 168.

10 MEZGER, Edmund.  La culpabilidad en el moderno derecho penal.Valladolid: Univ. de Valladolid, 1956.

11   WELZEL, Hans.   O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à

doutrina da ação finalista. Trad. Luiz Regis Prado. São Paulo: Revistados Tribunais, 2001, p. 91.

12   WELZEL, Hans.   O novo sistema jurídico-penal: uma introdução àdoutrina da ação finalista. Trad. Luiz Regis Prado. São Paulo: Revistados Tribunais, 2001, p. 91.

13 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal: parte general. 6.ed. Buenos Aires: Ediar, 1991, p. 515-516.

14 WELZEL, Hans. Derecho penal aleman. Trad. Juan Bustos Ramírez ySergio Pérez. Santiago: Jurídica de Chile, 1970, p. 181, 186 e 210.

15 Ver BETTIOL, Giuseppe.  O problema penal. Coimbra: Coimbra Ed.,1967; REALE JR., Miguel.  Teoria do delito. São Paulo: Revista dosTribunais, 1998, e Concepção existencial de Bettiol. In:  Ciência Penal2, São Paulo: Bushatsky, 1974, p. 225-233. DIAS, Jorge de Figueiredo.Liberdade, culpa, direito penal. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1995.Do mesmo autor: O problema da consciência da ilicitude em direitopenal. 5. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2000, e ROXIN, Claus.  Prob-lemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Vega, 1993.

124/178

Page 125: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 125/178

16 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. Trad.Perfecto Ibáñez, Ruiz Miguel, Mahino, Basoco e Cantarero Bandrés.Madrid: Ed. Trotta, 2000, p. 494.

17 PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza.Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Unesp, 1996, p. 12 e 31.

18 Apud CAPRA, Fritjof.  A teia da vida. Trad. Newton Eichemberg. São

Paulo: Cultrix, 2001, p. 41-42.19 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. Trad.Perfecto Ibáñez, Ruiz Miguel, Mahino, Basoco e Cantarero Bandrés.Madrid: Ed. Trotta, 2000, p. 499.

20 Idem, ibidem.

21 Idem, p. 500.

22 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual dedireito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.609.

23 STF, HC 82.959/SP. Impetrante: Oseas de Campos. Paciente: Oseas deCampos. Coatores: Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça doEstado de São Paulo. Brasília, 13 de dezembro de 2004. Disponível em<http://www.stf.gov.br>. Acesso em 28 set. 2005.

24 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Sistemas penales y derechos humanos enAmérica Latina (Informe Final). Coord. Eugenio R. Zaffaroni. BuenosAires: Depalma, 1986, p. 59-60.

25   Alguns textos latino-americanos a reconhecem como atenuante.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Sistemas penales y derechos humanosen América Latina   (Informe Final). Coord. Eugenio R. Zaffaroni.Buenos Aires: Depalma, 1986, p. 59-60.

125/178

Page 126: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 126/178

capítulo 8

o princípio da humanidade como im-posição restritiva

8.1. Pessoa humana e pena

O princípio da humanidade, concebido como imposição re-stritiva, é, aqui, vinculado ao fundamento de que a pena devesempre considerar a característica de que todo condenado é hu-mano, não podendo ser estabelecida nenhuma sanção visando so-frimento em demasia a ele, pois o Direito não pode desconhecê-locomo pessoa humana. Implica, assim, uma concepção livre dassanções que, por seu conteúdo (v.g. natureza, duração) ou con-

dições de execução, maltratem a dignidade do ser humano.Ser pessoa é um atributo que não têm os seres irracionais1,

não obstante haver posições favoráveis à dignidade de alguns ani-mais, levando em consideração que é a “senciência”, o sentir o prazer e a dor, representando-os, e não a razão que deveria con-

ferir dignidade aos seres2.

Há quem sustente que o ser humano e suas características

únicas e fundamentais – liberdade, dignidade, fim próprio – são,na verdade, anteriores e superiores ao Direito, que, com o Estado,constituem simples meios quando se consideram em relação aos

valores supremos da pessoa3. Em um aporte antropocêntrico, Kantafirma que o homem é o único ser que não pode ser considerado

meio para qualquer fim, porque ele é um fim em si mesmo4.Desse modo o condenado não pode ser tratado como “meio” ou

coisa, senão como um “fim” ou pessoa. O valor da pessoa humana

Page 127: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 127/178

implica, assim, uma limitação fundamental e perene da constitu-ição e quantificação de toda e qualquer pena, independentementedas razões utilitárias ou quaisquer outras que venham a surgir.

As emoções, inseparáveis do crime, não podem fazer perder de vista que as sanções, por mais duras que sejam, à luz de tantas

 pesquisas já realizadas, contribuem pouco para a redução da crim-inalidade e, definitivamente, não são instrumentos de ensino. Issonão implica deixar de lado a responsabilização do delinquente,tampouco que o cumprimento da pena, especialmente as penas privativas de liberdade, se dê sem dano, sem dor, sem angústia, o

que seria utópico5.

Contudo, os comandos do princípio são barreiras in-

transponíveis em um Estado Democrático de Direito. Penalizar é possível, todavia, não se pode fazer da pena a violência contra aviolência, mesmo porque a história revela que a violência das penas sempre foi mais ignominiosa para a humanidade que ahistória da violência dos crimes. Enquanto no delito a violênciacostuma ser ocasional e, às vezes, impulsiva e necessária, a viol-ência da sanção é programada, consciente, organizada por muitos

contra um

6

. Se não é tolerável a vingança privada, porque seria avingança pública?7

8.2. A proporcionalidade e o princípio constitu-cional da humanidade

O princípio da proporcionalidade relaciona-se com todos os princípios constitucionais penais, já dissemos assim de outromodo e em outras passagens. Especificamente com o princípio dahumanidade, como aqui considerado, guarda estreita relação, poisé pertinente ao equilíbrio entre a salvaguarda da coexistência, dosdireitos fundamentais, dos direitos econômicos e sociais e dos

direitos individuais, especialmente a vida, liberdade e incolumid-ade fisiopsíquica do agente condenado pelo Estado.

127/178

Page 128: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 128/178

Sem embargo de ter expressão como limite do poder estatal

no século XVIII8, a proporcionalidade, pode-se dizer, remonta auma concepção jusnaturalista de que a pena deveria igualar-se aocrime praticado, consistindo em um mal de igual intensidade enatureza. Trata-se aqui, especificamente, do talião, conceito já

conhecido pelas culturas distantes (v.g., babilônicos9

, hebreus10

etc.) e entre os romanos11, que, embora viesse a servir como limit-ação para as sanções, acabou por pretender justificar, com basesretributivas, as penas corporais e capitais correspondentes à

natureza do delito12.

Atualmente, o princípio, entendido como proporcionalidadedas penas, expressa uma garantia ao direito individual dos agentes

criminosos e, embora encontre abrigo implícito na Constituição,não existem diretrizes precisas sobre o seu conteúdo, carecendo, portanto, de reflexões axiológicas e jurídicas conectadas ao nosso

contexto cultural para concretizar-se13. Uma dessas reflexões,

levadas a cabo por Silva Sánchez14, retira o significado do princí- pio do seu conflito com a lógica da prevenção. Se a necessidadede prevenção conduzir a sanções superiores ao que determinar o

valor da proporcionalidade, tem lugar o princípio, o que não secogita quando aquela mesma necessidade conduz a sanções inferi-ores. De modo algum, no entanto, poder-se-ia punir, igualmente,infrações graves e menos graves, o que implicaria o maltrato ao princípio da igualdade, num desordenamento dos esquemas valor-ativos dos cidadãos e da coletividade e uma quebra da lógica dis-

suasória da pena15.

 Na verdade, por meio do princípio, estabelece-se a ne-cessária conexão entre as finalidades do Direito Penal com o fato praticado pelo agente criminoso, não se admitindo a fixação de prescrições penais (proporcionalidade abstrata) ou a aplicação de penas (proporcionalidade concreta) que não tenham relação valor-

ativa com o fato, visto na integralidade de seus aspectos16. Esse éseu significado global, porém insuficiente no Estado Democrático

de Direito para limitação das sanções penais.

128/178

Page 129: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 129/178

Daí a importância de um princípio com mais especificidadeem relação à cominação, aplicação e execução das penas. O princípio constitucional penal da humanidade, para além de ratifi-car e corrigir os resultados de uma aritmética penal talionária,dissociando-se, mesmo, da dicotomia entre qualidade da pena e

qualidade do crime, supera e transcende a própria ideia de propor-cionalidade, porquanto não só leva em conta o afastamento de de-terminadas penas e consequências jurídicas desumanas, mas tam- bém compreende o processo penal, a execução penal e, antes

disto, a própria política criminal17.

O princípio da humanidade é marcado, em seu histórico, pela progressiva racionalização do Direito Penal e mesmo da

evolução dogmática que este tem experimentado até a atualidade,sem embargos da ausência de linearidade histórica que demonstraas possibilidades de retrocessos, como o que ocorreu com a exper-iência totalitária nazista.

Como outros princípios constitucionais penais, sua con-sagração deve-se às ideias iluministas que dominaram os séculosXVII e XVIII, quer como a proclamação de direitos inerentes àcondição humana, quer como a fixação de regras firmadas no con-trato social que limitavam o poder do Estado.

 No ordenamento jurídico pátrio, o princípio da humanidade,embora decorra diretamente do princípio da dignidade humana(CF, art. 1º, III), é expresso, categoricamente, no art. 5º, III, dotexto constitucional. O inciso XLVII, principalmente, e os incisosXLVIII, XLIX e L disciplinam suas principais funções, limitandotanto o legislador ordinário, no processo de cominação das penas,

como o juiz criminal e a administração, na aplicação e execuçãodas penas.

8.3. Imposição ao legislador e ao juiz

129/178

Page 130: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 130/178

A humanidade, como princípio constitucional penal, impõeao legislador um limite restritivo na feitura das sanções penais,fixado na proibição de cominações desumanas. Conforme o art.5º, III, da Carta Constitucional, ninguém pode ser submetido atratamento desumano ou degradante, portanto, não pode haver 

cominações nesse sentido.Especificando, a própria Carta Federal proíbe a prescriçãoda “pena de morte”, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e, utilizando uma fórmula geral, veda a possibilidadede cominação de penas cruéis.

Pertinente à “pena de morte”, a primeira objeção que se pode fazer diz respeito à terminologia adotada, a qual encerra, de

logo, uma incompatibilidade entre o conceito de pena e o conceitode morte. É que faz-se necessário o ser humano vivo para ocumprimento de uma pena. Se todos estamos destinados à morte,

como afirmou Heidegger 18, a “pena de morte” equivale à ante-

cipação de algo futuro e certo. No dizer de Reale19: “a morte não pode ser matéria de pena, pois elimina, no ato da sua aplicação,aquele mesmo a quem ela se destina”. O ser humano tem o direito

de viver a sua morte, não podendo o Estado, independentementede sua culpabilidade ou de qualquer outro pretexto, retirar deleesse direito.

Vários outros argumentos poderiam ser colacionados contraa pena capital. Poderíamos referir a sua pouca influência dis-suasória, sua incapacidade para diminuição da criminalidade, afalta de legitimidade do Estado para impô-la, as possibilidades de

erros judiciais, já tão bem lembrado por Patrocínio

20

, fortalecidas,inclusive, pelas próprias dúvidas lançadas contra os elementos le-vantados por este autor.

A pena capital vem sendo abolida dos códigos penais de to-dos os países do mundo, a Bélgica e o México foram os mais re-centes a ingressar a lista dos abolicionistas. Não obstante, se-

gundo a Anistia Internacional21, sua aplicação triplicou em 2003 e

2004, sendo que quatro países, China, Estados Unidos, Irã e Viet-nã, concentraram noventa e sete por cento (97%) das execuções.

130/178

Page 131: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 131/178

A abertura de exceção feita pela Carta Constitucional para ocaso de guerra, desde que declarada pelo Presidente da Repúblicacom a aprovação ou o referendo do Congresso Nacional, limita-se, exclusivamente, a certos crimes militares em tempo de guerra,assim previstos no Livro II do Código Penal Militar (Decreto-Lei

n. 1.001, de 21-10-1969), sendo essa, parece-nos, a única inter- pretação consentânea com o texto constitucional.

O legislador não poderá prescrever penas perpétuas. Suanão admissibilidade sustenta-se no fato do seu caráter de definit-ividade e, com isso, de eliminação da esperança, o que contraria osenso de humanidade. Demais, nosso sistema está voltado para a“reconstrução moral” do indivíduo com vista à sua“ressocialização”.

O mesmo argumento pode ser utilizado para a proibição de prescrição do banimento, pena abolida desde a Constituição de1891 (art. 72, §§ 20 e 21) e que sempre produziu a inibição per- pétua de habitar o território nacional, ao contrário do degredo e dodesterro, este último, com nova roupagem, aparece, hoje, como“exílio local”, pena alternativa prevista nas regras mínimas das Nações Unidas (The Tokio Rules) sobre as medidas não privativas

de liberdade, consistente na obrigação de se afastar de certos loc-ais por determinado tempo.

Por derradeiro, é proibido ao legislador, por força do princí- pio, preceituar penas de trabalhos forçados e cruéis. As penas detrabalhos forçados, como as cruéis, são sanções similares, poistêm por fim o intenso sofrimento físico ou/e psicológico docondenado.

 Não é possível confundir, no entanto, a obrigação de trabal-har, prevista na Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.210, de11-7-1984, art. 39), com penas de trabalhos forçados. A primeiraé um dever de todo e qualquer detento, com finalidades pedagó-gicas e sentido ético que apontam para a dignidade do preso, con-sistente numa jornada diária de seis a oito horas, com descansosnecessários e remuneração devida. A segunda é um modo de

131/178

Page 132: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 132/178

 punição, de natureza aflitiva e que intenta o padecimento corporale psicológico do indivíduo.

Por penas cruéis não se deve conceber somente aquelasrelacionadas no inventário histórico do Direito Penal, tais quais oafogamento, a asfixia na lama, a roda, a grelha, o empalamento, a

fogueira, entre outras que a imaginação humana levou a cabo,mas também a esterilização, os tratamentos “psicocirúrgicos”, acastração química, as quais trazem ainda mais repugnância, emface dos horrores evocados pelos regimes totalitários, onde foramexperimentadas, e a desumanidade que se insinua asséptica, semdor nem sofrimento.

A própria pena privativa de liberdade deve limitar-se a um

tempo razoável para adequar-se ao princípio e à ideia de reinser-ção prevista pelo sistema. A garantia de certeza de um tempo de-terminado da pena que já é, em si, um fator de suavização da ex-ecução penal, implica a liberdade interior do condenado, a con-vicção de suas expectativas e a preservação da sua identidademoral, com importantes reflexos na disciplina carcerária.

O tempo que se passa preso é bem mais longo do quequando se vive em liberdade e pior, a qualidade daquele, “por ser  precisamente ‘o tempo da pena’, não pode ser a mesma da que sevive livre da pena, vive-se como um tempo que deve transcorrer e

levar a outro tempo”22. Cumprida a pena, menos vida restará, aalegria pelo seu transcurso “é a tristeza pela vida consumida junto

com a pena”23.

Em um país como o Brasil, cuja expectativa de vida gira em

torno de 72 anos24

, o limite máximo da pena privativa de liber-dade, mesmo havendo concurso de delitos, não pode exceder trinta anos, o que já é um exagero, considerando significar quase ametade do tempo de vida de um ser humano. Por isso mesmo,conforme verificamos com a imposição do princípio da culpabil-idade, é necessária a progressão de regime, única hipótese em queo limite máximo previsto no Código Penal brasileiro (art. 75)torna-se compatível com o influxo do princípio da humanidade.

132/178

Page 133: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 133/178

Ao legislador é proibido alterar esse limite, sob pena de macular aConstituição.

Quanto ao juiz, no nosso sistema, é-lhe imposto pelo princí- pio uma interpretação, de todo voltada para o condenado comosujeito, e não como objeto da controvertida intervenção ressocial-

izadora. Assim, não poderá ele, o juiz, permitir cumprimento de penas privativas de liberdade acima de trinta anos, considerandoesse limite, inclusive, para obtenção de todos os benefícios oriun-dos da Execução Penal, e não a soma das penas totalizada na sen-tença condenatória como, equivocadamente, tem entendido a

maioria das decisões pretorianas25.

Também lhe é vedado, na individualização da pena, o

aumento das margens apenas por necessidade de intimidação ger-al, prescindindo das concretas exigências da prevenção especial. É

a infalibilidade da punição, escreveu Beccaria26, e não suacrueldade, que trará maior eficácia preventiva.

Por outra senda, agora positiva, o princípio determina-lheuma atuação fiscalizadora, com vista à diminuição dos gravíssi-mos descumprimentos das regras ordinárias de execução penal

que experimentamos cotidianamente no Brasil, embora saibamosque as possibilidades mais concretas radiquem em uma forte açãogovernamental voltada para esse fim, o que, lastimavelmente, parece-nos pouco provável. De todo modo, isso não retira asobrigações indicadas pelo princípio da humanidade ao juiz.

Finalmente, o princípio sinaliza para o juiz a imposição dedeclaração de inconstitucionalidade quando as normas editadas

forem com ele incompatíveis e, até antes, quando as propostas le-gislativas forem com ele incompatíveis, como projetos de lei, por exemplo, que tenham por escopo instituir a “pena de morte”. Neste caso, o controle prévio atinge o próprio processolegislativo.

133/178

Page 134: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 134/178

1 PÉREZ, Jesús González.  La dignidad de la persona. Madrid: Civitas,1986, p. 24.

2 SINGER, Peter. Vida ética. Trad. Alice Xavier. Rio de Janeiro: Ediouro,2002, p. 54-69.

3   XIFRA HERAS, Jorge.   Curso de derecho Constitucional. Barcelona:Bosch, 1957, p. 338-339.

4   KANT, Immanuel.   Fundamentos da metafísica dos costumes. Trad.Lourival de Queiroz Henkel. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1992, p. 78.

5   JESCHECK, Hans-Heinrich.   Tratado de derecho penal. Barcelona:Bosch, 1981, v. I, p. 36.

6 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. Trad.Perfecto Ibáñez, Ruiz Miguel, Mahino, Basoco e Cantarero Bandrés.

Madrid: Ed. Trotta, 2000, p. 385-386.7  LINS E SILVA, Evandro. Pena de morte. In:  Pena de morte. Rio de

Janeiro: Destaque, s/d, p. 15

8  CANOTILHO, José Joaquim Gomes.  Direito constitucional. Coimbra:Almedina, 1996, p. 382.

9 No Código de Hamurabi lê-se no art. 196: “Se um homem destruiu o olhode outro homem, destruirão o seu olho”; e no art. 200: “Se um homemarrancou o dente de um outro homem livre igual a ele, arrancarão o seu

dente”. O talião veio a ser conhecido assim pela expressão popularizada“olho por olho, dente por dente”. VIEIRA, Jair Lot. Código de Hamur-abi – Código de Manu – Lei das XII Tábuas . Bauru: Edipro, 2000, p.35-36.

10 Na Bíblia, em Êxodo (21, 23-25), está escrito: “...pagarás vida por vida,olho por olho, dente por dente, mão por mão...” (Bíblia Sagrada, 45.ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 103).

11 Na Lei das XII Tábuas existem preceitos similares na Tábua VIII, 2 e 24.VIEIRA, Jair Lot. Código de Hamurabi – Código de Manu – Lei das

XII Tábuas. Bauru: Edipro, 2000, p. 155-157.12 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. Trad.

Perfecto Ibáñez, Ruiz Miguel, Mahino, Basoco e Cantarero Bandrés.Madrid: Ed. Trotta, 2000, p. 388.

13 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. Aproximación al derecho penal contem-poráneo. Barcelona: Bosch, 1992, p. 259.

14 Idem, ibidem.

15 MOLINA, Antonio García-Pablos de. Derecho penal: introducción. Mad-

rid: Servicio Publicaciones Facultad Derecho – Universidad Com- plutense, 2000, p. 402.

134/178

Page 135: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 135/178

16 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva, Aproximación al derecho penal contem-poráneo. Barcelona: Bosch, 1992, p. 260.

17 MOLINA, García-Pablos. Derecho penal: introducción. Madrid: ServicioPublicaciones Facultad Derecho – Universidad Complutense, 2000, p.406.

18 Apud REALE, Miguel. Pena de morte e mistério. In:  O direito como ex-

periência. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 282-283.19 Idem, p. 284.

20 PATROCÍNIO, José do. Motta Coqueiro ou a pena de morte. Rio deJaneiro: Livraria Francisco Alves, 1977.

21 APLICAÇÃO da pena de morte triplicou em 2004. La Vanguardia, Bar-celona, 10-10-2005. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/midiag-lobal/lavanguardia/2005/10/12/ult2684u137.jhtm>. Acesso em 10 out.2005.

22 ZABALA, Ana Messuti. O tempo como pena.  Fascículos de CiênciasPenais, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 135-160, jul./set. 1992, p. 154.

23 Idem, p. 160.

24 Segundo o IBGE, em 2005, a expectativa de vida de um ser humano noBrasil era de 71,9 anos. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>.Acesso em: 30 set. 2008.

25   Para uma síntese da jurisprudência dominante, BITENCOURT, Cezar Roberto.   Código Penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2002, p.259-60.

26 BECCARIA, Cesare. Dei delitti e delle pene. Milano: Rizzoli, 1950, p.43-44.

135/178

Page 136: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 136/178

capítulo 9

os princípios constitucionais penaisnas sociedades pós-industriais

9.1. As principais objeções aos princípios con-stitucionais penais

Os princípios constitucionais antes enfocados são objeto decríticas que se alongam desde uma perspectiva que os com- preende como modelos do velho paradigma iluminista e, portanto,desconectados da realidade complexa dos novos tempos, às crític-as referente a sua excessiva abertura como normas jurídicas eaquelas pertinentes ao bem jurídico, cuja caracterização é essen-

cial para conceituação e operacionalização dos princípios.É lugar comum afirmar que a dogmática atual já não re-

sponde às necessidades de uma sociedade pós-industrial, pós-moderna ou sociedade global do risco, para usar a expressão de

Beck 1, levantando-se um paradoxo entre as necessidades de crim-inalização geradas pelas mudanças desta nova configuração sociale a intervenção penal mínima, por exemplo.

Por outro lado, fala-se em diminuição das garantias e em re-crudescimento da resposta penal em face da criminalidade con-temporânea, caminho que, aparentemente, seria oposto à im- posição dos princípios. Para além, as orientações funcionalistas,em especial o funcionalismo sistêmico de Jakobs, se insurgemcontra a noção tradicional de bem jurídico, entendendo que oDireito Penal protege os mecanismos que permitem manter a

identidade de uma sociedade, é dizer, as expectativas

Page 137: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 137/178

fundamentais para sua constituição”2 e não bens jurídicos como avida, a liberdade, o patrimônio etc.

É admissível que o Direito Penal tenha por escopo tambéma manutenção das expectativas sociais, mas não enxergamos nissoa impossibilidade da proteção ao bem ontologicamente consid-

erado (v.g., vida, liberdade, patrimônio público, economia etc.), pelo contrário, a intensidade da pena não pode ser medida por ex- pectativas muitas vezes mascaradas por imprecisões e impressõessociais falsas, senão pelo bem jurídico interpretado pelo critérioda natureza da coisa, o qual, embora não certifique o real – o queé impossível –, limita, por uma maior aproximação à realidade, asvalorações do legislador na fixação da proporcionalidade.

A seguir, veremos que as demais críticas não comprometemos princípios constitucionais penais na dogmática penal proposta,ao revés, eles se impõem, sem contradições, com a realidade dosnovos tempos.

9.2. A expansão penal nas sociedades atuais

As sociedades ocidentais na atualidade, e mesmo a China, aÍndia e, em certa medida, os países árabes, que se veem no con-stante dilema de permanecer atrelados ao seu modelo cultural ou

incorporar-se à marcha imposta pelo Ocidente3, são marcadas pelos efeitos, principalmente, das mudanças de mercado (capital-

ismo de ações voláteis), das grandes inovações tecnológicas e daimpressionante difusão e influência midiática, cujo marco inicial eincremento tem como referência o final da segunda grande guerrae a queda do muro de Berlim, respectivamente. Na história da hu-manidade, anota Milton Santos, é a primeira vez que este pro-

cesso envolve o planeta como um todo4.

A substância, nestas sociedades, é cada vez mais diluída

 pelo virtual, desde o dinheiro, que já não tem mais existência

137/178

Page 138: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 138/178

material, ao próprio consumo, referente cada vez mais a símbolos.As sociedades contemporâneas, quer a dos países centrais, quer ados países chamados de periféricos, atravessam um momento defluidez, de relativismo, de ausência de domínio ante ao bombarde-io de informações, às novas e surpreendentes tecnologias e à mar-

cante crise de valores no mundo ocidental.Os valores contestados nos nossos dias, ou em crise, são“aqueles que possam significar algum limite ou entrave ao valor 

do livre desenvolvimento da personalidade individual”5, cujaautorrealização é quase sempre entendida como o alcance do su-cesso puramente externo, ornamental, da pessoa em particular, eleva muitos a uma competição desenfreada pelo alcance do sonho

de poder, fortuna e fama.O poderio das grandes corporações empresariais,transpondo todas as fronteiras, e a penetração instantânea dosmeios de comunicação, mormente através dos satélites e da inter-net, em todo o mundo, como seu correlato, levam a uma reduçãodo sentido espaço-temporal na sociedade contemporânea, com-

 prometendo a noção de soberania e território das nações-estados6

e abrindo largos espaços carentes de regulamentação. Nesse universo virtual, nesse espaço de um sem-número deinformações, de riscos globais ecológicos e tecnológicos que po-dem desencadear até a destruição da Terra, de turbulência nosmercados financeiros, nessa teia de interesses múltiplos e múltip-los interesses, de individualismos, as pessoas se percebem cada

vez mais sem o controle das coisas7  – controle, segurança e cer-

teza entram em colapso –, se enxergam desprotegidas, paradoxal-mente sozinhas, e internalizam a insegurança, demandando, cadavez mais, por proteção.

Uma tal demanda vem, nas duas últimas décadas, sendocanalizada como   demanda de punição, reclamada pela popu-lação de vários países, de maneira “mais ou menos irracional”,com a possível responsabilidade dos formadores de opinião, doacolhimento, acrítico, por parte das instituições estatais e da

138/178

Page 139: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 139/178

realimentação pelos agentes políticos, em termos populistas, no

que se convencionou chamar de expansão do Direito Penal8.

O fato é que, conforme salientamos na introdução deste tra- balho, há, sem dúvidas, um aumento legislativo penal (ver capítulo 1), menos real e mais esquizofrênico, desenvolvido ao

longo das duas últimas décadas no Brasil, como de resto em quasetodo “mundo ocidental”9, responsável pela introdução de novos ti- pos objetivos, às vezes de setores inteiros de regulação procedidade uma atividade de modificação dos tipos já existentes, realizadaa um ritmo muito mais forte aos de épocas anteriores.

Segundo Sánchez10, “a representação social do Direito Pen-al que comporta a atual tendência expansiva” mostra-se uma “rara

unanimidade”, havendo um consenso, “quase geral”, sobre as“virtudes” do Direito Penal como instrumento de proteção dos

cidadãos. Tanto Sánchez11 como Meliá12 acreditam que, na esfera política, a demanda por criminalização foi incrementada politica-mente pela direita, na atualidade, para adquirir “matizes políticas

 progressivas”13 e hoje é solicitada pela própria esquerda que antesidentificava a criminalização como mecanismo de repressão e ma-

nutenção do sistema econômico-político de dominação14 e agorareclama a criminalização de condutas discriminatórias, de cor-rupção, contra os consumidores, contra as mulheres, crianças eidosos etc.

Parece-nos, corrigindo o rumo que esses autores tomaram,que a esquerda política sempre identificou como mecanismo derepressão e manutenção do sistema a criminalização de certos ti-

 pos de delito, os crimes contra o patrimônio privado e aquelescontra a liberdade de manifestação basicamente, sem embargos deque nos países havidos como socialistas, a preferência pela pan- penalização em todo tempo foi presente, com características de re-crudescimento das penas para os crimes contra a ordem estatal(lesa-majestade) e, por ironia, para os crimes de opinião.

Distante dos países periféricos, cujos sistemas penais opera-

cionalizam, como antes comprovamos, para os extratos

139/178

Page 140: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 140/178

economicamente desfavorecidos da população, a análise dosautores deve ser vista com reservas no nosso caso. Nos paísescentrais europeus e nos Estados Unidos, por exemplo, um dos for-tes fatores para demanda por criminalização são atualmente o que podemos chamar de invasões bárbaras, caracterizadas pelo terror-

ismo e ingresso de migrantes de países pobres, de culturas difer-entes com os desdobramentos conhecidos. Já nós, não temos esse problema, afinal, ainda que mais ou menos domesticados, somos,a exemplo de tantos, bárbaros, e convivemos mais ou menos bemcom as manifestações multiculturais. Isso não invalida, contudo, aassertiva de que, também entre nós, há um expressivo aumento dalegislação penal, como, inclusive, fizemos ver logo no capítulo 1,afirmando o motivo desta expansão.

A crítica, dita da antiga esquerda pelos autores referidosacima, de certo modo, continua presente em países como o Brasil.Já vimos que o funcionamento do sistema operacionaliza muitomais para os crimes contra o patrimônio privado. O que, possivel-mente, reforça a demanda por criminalização por aqui é, entreoutros fatores, o fato de as pessoas hoje terem a nítida percepçãode que o sistema funciona mal, o que potencializa a crença na im-

 punidade, e terem aprendido que funciona, praticamente, para osestratos mais pobres, o que se traduz em revolta potencializando aviolência.

De qualquer maneira, isso não invalida o fato da necessid-ade do Direito Penal por efeito de tantas transformações ocorridasno nosso tempo, nem mesmo se questiona sua atual expansão,embora, como veremos a seguir, não se enxergue nisso qualquer 

incoerência com a imposição do princípio da intervenção mínima.

9.3. Expansão  versus intervenção mínima

É preciso distinguir a intervenção mínima como meta de

 política criminal do princípio constitucional da intervenção

140/178

Page 141: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 141/178

mínima, embora, por evidente, guardem estreita relação. Uma política criminal que se caracterize pela diminuição do DireitoPenal nos parece sempre bem-vinda por todos os problemas, antesregistrados, gerados pela aplicação das sanções penais, mormente pela pena privativa de liberdade. Entre nós, uma tal política crim-

inal sempre foi encorajada por setores da doutrina, mas, na realid-ade, nunca encontrou eco nas ações do governo que, ao contráriodisso, em todo tempo, encampou atuações panpenalistas.

A intervenção mínima como política criminal não se apoiano velho argumento iluminista como faz ver Zaffaroni, e sim nofato de que, enquanto houver modelos ou formas de decisão deconflitos mais violentas, é necessária a permanência do DireitoPenal como programação da operacionalidade do órgão judiciário. No momento em que o conflito se situar fora do poder verticaliz-ador do sistema penal, submetendo-se a soluções menos violentas,ou mesmo liberado, quando não for preciso uma solução, é pos-sível contrair o discurso jurídico-penal e diminuir a abrangência

 penal15.

Já o princípio constitucional da intervenção mínima, infor-mado pela racionalidade dessa política criminal, no marco doEstado Democrático de Direito, substancializa o princípio da leg-alidade penal para, intradogmaticamente, impor ao legislador umarígida predeterminação acerca do processo de qualificação do de-lito, somente autorizando-o a criminalizar condutas a partir dashipóteses de ofensas mais graves aos bens jurídicos com  statusconstitucional (os mais importantes) e, ainda assim, quando outrasrespostas (v.g., civil, administrativa, mediação etc.) não forem

satisfatórias para a solução do conflito (adequação esubsidiariedade).

Os parâmetros de fabrico da criminalização ditados pelo princípio pretendem separar uma ampliação do Direito Penal semcontato com a realidade, irracional e, portanto, esquizofrênica, deuma expansão baseada nas necessidades criminalizadoras advin-das das complexidades da sociedade atual, de novas realidades ou

141/178

Page 142: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 142/178

mesmo de situações antigas, mas, em face do contexto moderno,que reclamam, racionalmente, a intervenção penal.

 Nessa lógica, não há nenhuma antinomia entre o princípioda intervenção mínima e uma expansão racional do Direito Penal,o qual sempre é preferível ante a alternativas piores, como o sur-

gimento da   vindicta   privada em alta escala (v.g., vingadores,grupos de extermínio, milícias, deliberações penais marginaisetc.), ou até pela possibilidade de mecanismos severos de controlee vigilância do comportamento humano por parte do Estado,como forma preventiva da conduta infracional.

Os freios impostos pelo princípio são, antes de mais nada, pressupostos fundamentais para a construção do delito baseados

na proporcionalidade entre a liberdade individual e a liberdade doalter , entre a liberdade individual e a possibilidade decoexistência.

A própria Constituição, ainda como imposição de conteúdo,não olvida a necessidade de criminalização para preservação dosdireitos essenciais à convivência, determinando, de certo modo,um alargamento do Direito Penal sem perder de vista as irradi-ações do princípio, como abordaremos no último capítulo.

9.4. Nova criminalidade e diminuição dasgarantias: “Direito Penal do inimigo”?

O fenômeno da expansão penal traz consigo uma per-spectiva do Direito Penal simbólico defendido pelos modelos fun-cionais de prevenção geral positiva, que entendem “delito e penacomo sequência de posicionamentos comunicativos a respeito danorma” e o retorno do punitivismo, isto é, a produção de normas penais “a moda antiga” com maior intensidade da resposta (recru-descimento das penas) e o intuito de serem efetivamente aplica-das, patrocinado no ocidente, como já visto, por setores políticos

opostos (esquerda e direita)16.

142/178

Page 143: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 143/178

Parece não haver dúvidas de que as normas penais perseguem, também, efeitos simbólicos e não há problemas emdefinir novos delitos a partir de situações concretas novas com a previsão de sanções mais elevadas, ou incrementar as penas e oseu modo de cumprimento para crimes já existentes perante difer-

entes configurações da realidade, desde que se faça na estrita ob-servação dos princípios penais.

 Não nos convence, porém, a construção de um “DireitoPenal do Inimigo” – usando a expressão de Jakobs – para recru-descer o tratamento penal diante de uma criminalidade diferen-ciada (v.g., o terrorismo na Espanha e nos Estados Unidos, prin-cipalmente após o 11 de setembro; os cartéis da droga na Colôm- bia; a criminalidade referente à imigração na França; o tráfico noRio de Janeiro; outros tipos de criminalidade dita organizada),ainda que utilizado sob a desculpa da emergência como insinua

Sánchez17. Aliás, ele próprio faz ver, citando Herzog, que “avivência subjetiva dos riscos é claramente superior a própria ex-istência dos mesmos”, e adverte para o perigo da perenização da

emergência18.

O “Direito Penal do Inimigo”, descendente do Direito Penalsimbólico e do punitivismo, é caracterizado por uma espécie deantecipação da punibilidade: sua perspectiva é o fato futuro e não,como de costume, o fato passado cometido. Nele, a previsão de penas não respeita a proporcionalidade, estabelecendo-se sançõesdemasiadamente altas e, por derradeiro, as garantias processuais

são flexibilizadas ou até mesmo suprimidas19.

Jakobs20

chega a afirmar que o “inimigo” não pode sequer ser tratado como pessoa:

Há muitas outras regras do Direito penal que permitem apreciar que naqueles casos nos quais a expectativa de um comporta-mento pessoal é defraudada de maneira duradoura,  diminui adisposição em tratar o delinquente como pessoa...A reação do ordenamento jurídico, frente a esta criminalidade,se caracteriza, de modo paralelo à diferenciação de Kant entre

143/178

Page 144: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 144/178

estado de cidadania e estado de natureza acabada de citar, pelacircunstância de que não se trata, em primeira linha, da com- pensação de um dano à vigência da norma, mas da eliminaçãode um perigo: a punibilidade avança um grande trecho para oâmbito da preparação, e a pena se dirige à segurança frente afatos futuros, não à sanção de fatos cometidos.

[...]Quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de umcomportamento pessoal, não só não pode esperar ser tratadoainda como pessoa, mas o Estado não “deve” tratá-lo, comopessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança dasdemais pessoas. (Grifamos)

O interessante, primeiro, é que em um “Direito Penal” dessanatureza assume-se, institucional, doutrinária e formalmente, asrelações de exclusão que a aplicação do “Direito Penal da normal-idade”, que nunca assumiu, sempre estabeleceu, principalmenteentre nós, ou seja o Direito Penal, faticamente existente, nunca in-tegrou, conceitualmente, o “Direito Penal da normalidade”.

Mas, de modo algum, isso justifica a criação de uma nova

categoria normativa: o inimigo, seja porque, minando os espaços para o dissenso e punindo-se pela periculosidade, vulnera-se o princípio da culpabilidade, seja porque, ao carecer de outros ele-mentos para tipificação penal, mormente para caracterização doautor como inimigo, nega-se o mandado de determinação eman-ado do princípio da legalidade. Demais, ao denominar determina-dos grupos infratores, o “Direito Penal do inimigo” caracteriza-se

 por ser não um Direito Penal do fato, mas do autor 21 o que con-traria uma das funções do princípio da ofensividade (proibição deincriminação de inclinações interiores).

Por tudo isso, pode-se contrapor, facilmente, ao “DireitoPenal do inimigo” a pecha de inconstitucionalidade, mas parece-nos que a crítica mais contundente a um Direito Penal de talnatureza diz respeito não tanto à questão referente a sua efetivacontribuição para a prevenção dos delitos – os modelos similares

144/178

Page 145: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 145/178

fracassam nessa missão22  – mas, sobretudo, a suadisfuncionalidade.

Se é correto que o “Direito Penal do inimigo” assenta-se nanecessidade de proteção contra condutas que afetam “elementosde especial vulnerabilidade na identidade social”, a resposta fun-

cional não pode estar na troca de paradigmas que supõe esse“Direito”. A resposta adequada, no plano simbólico, deve estar na“manifestação da normalidade, na negação da excepcionalid-

ade”23, na reação de acordo com as irradiações dos princípios penais, os quais constituem a base do sistema jurídico-penal“normal”.

Com efeito, ao excluir do grupo de cidadãos o “infrator 

inimigo”, tratando-o diferentemente dos “infratores normais”, oEstado nega-lhe a capacidade de questionar os elementos essenci-

ais ameaçados24 em dada sociedade e permite-lhe contestar asnormas estabelecidas àquelas que o motivaram a delinquir sobuma condição especialíssima: de franca oposição ao modelo es-tatal vigente, conferindo-lhe um amplo espaço de divulgação dassuas ideias consideradas subversivas, outorgando-lhe um  status,

ainda que negativo, de alternativa à ordem vigente, favorecendo-ona arregimentação de pessoas aos seus “ideais”. Esse aspecto rev-ela, não há como duvidar, o “Direito Penal do inimigo” comocontraproducente.

Uma resposta para o enfrentamento do problema da crimin-alidade que ameace os interesses, efetivamente, mais caros deuma sociedade e não aqueles que ponham em xeque a autoridade

estatal, pode ser encontrada sem máculas aos princípios constitu-cionais penais. Propomos assim, com base no que foi esboçado noestudo de cada um dos princípios, uma divisão das infrações penais segundo as possibilidades de sanção. Sugerimos sejam des-ignadas infrações de baixa intensidade punitiva, infrações de mé-dia intensidade punitiva, infrações de intensidade punitiva mod-erada e infrações de alta intensidade punitiva.

As primeiras abrangeriam todas as infrações penais com previsão de penas de multa, restritivas de direito e prisão simples,

145/178

Page 146: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 146/178

assegurando-se que a prisão simples somente poderia vingar coma quebra da pena de multa ou restritiva de direito. Perante tal pres-suposto, segue a possibilidade de flexibilização de algumasgarantias, a previsão de procedimentos judiciais céleres e amplosmecanismos de transação. Nesta seara, se amoldariam os delitos

 praticados pelas pessoas jurídicas.As segundas compreenderiam os crimes e contravenções,hoje chamados de infrações de menor potencial ofensivo, e a res- posta continuaria a ser aquela prevista na Lei dos Juizados Espe-ciais Criminais (Lei n. 9.099/95).

As infrações de intensidade punitiva moderada seriam todasaquelas não contidas entre as segundas e cujas penas máximas

 privativas de liberdade, previstas em abstrato, não ultrapassassemoito anos. Para este grupo, aplicar-se-iam as regras penais vi-gentes, inclusive no que tange às garantias e à execução da pena.

Por fim, as infrações de alta intensidade punitiva alcançari-am todos os crimes com penas superiores a oito anos. Nelas,observando-se, estritamente, as garantias penais, o legislador po-deria flexibilizar algumas garantias processuais, por exemplo,ampliando as possibilidades de provas relativas ao sigilo fiscal, bancário e de comunicações – o que seria possível estender as in-frações de intensidade moderada –, e permitir ao juiz, ao examin-ar cada caso concreto, cotejando-o com os princípios penais e  osmandamentos de criminalização  (ver o capítulo seguinte), de-terminar a prisão provisória pelo dobro do prazo atualmente prev-isto, antecipar a execução a partir da sentença condenatória nãotransitada em julgado, impossibilitar a progressão senão quando

cumprida metade da pena cominada, determinar, por prazos cur-tos, regimes prisionais diferenciados, estabelecer fiscalizaçõesmais rígidas no que toca à liberdade condicional, além de outrasmedidas, de igual força, para responder, proporcionalmente, aodelito praticado sem instituir o estigma de “inimigo” ao infrator nem macular qualquer princípio constitucional penal.

As sociedades modernas carecem de respostas mais rápidas

e efetivas. As mudanças de paradigma em face da complexidade

146/178

Page 147: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 147/178

dos novos fenômenos sociais, no entanto, não nos devem deixar seduzidos por soluções pré-fabricadas, é preciso buscar nossas próprias respostas e sem quebrar o pacto racional que reconhece oser humano e sua dignidade como fim do Estado.

 No Brasil, não obstante a reforma processual de 2008, ainda

temos um processo atrelado à década de quarenta, que precisaadequar-se, urgentemente, à realidade atual. Ademais contamoscom um Sistema de Justiça Criminal inoperante, e o mesmo prob-lema que nos persegue a tantos lustros: não cumprir as normas in-stituídas. Antes de modificações na dogmática penal, necessáriase já em curso, consoante sinalizou a própria Constituição com os princípios penais e mandamentos de criminalização, é fundament-al transformações no direito instrumental e em sua aplicação oque, por certo, foge aos propósitos deste livro.

1 BECK, Ulrich; ZOLO, Danilo.  A sociedade global do risco: uma dis-cussão entre Ulrich Beck e Danilo Zolo. Universidade Federal de SantaCatarina – Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Trad. Selvino J.Assmann. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/ulrich.htm>.Acesso em: 6 jan. 2006.

2 LYNETT, Eduardo Montealegre. Estudio introductorio a la obra de Gün-ther Jakobs. In: LYNETT, Eduardo Montealegre (Org.). El funcional-ismo en derecho penal: libro homenaje al Profesor Günther Jakobs.Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2003, p. 26.

3 ROBLES, Gregório.  Os direitos fundamentais e a ética na sociedadeatual. Trad. Roberto B. Alves. São Paulo: Manole, 2005, p. 53.

4 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único àconsciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 25.

5 ROBLES, Gregório.  Os direitos fundamentais e a ética na sociedadeatual. Trad. Roberto B. Alves. São Paulo: Manole, 2005, p. 57.

6 BECK, Ulrich. O que é globalização: equívocos do globalismo. Respostasà globalização. Trad. André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p.

23.

147/178

Page 148: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 148/178

7  BAUMAN, Zygmunt.  Globalização: as consequências humanas. Trad.Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 65-66.

8 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Rocha. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 23.

9 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio.  Direito penal do inimigo.

Trad. André L. Callegari e Nereu J. Giacomolli. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2005, p. 56.

10 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Rocha. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 25.

11 Idem, p. 65-68.

12 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo.Trad. André L. Callegari e Nereu J. Giacomolli. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2005, p. 60-63.

13 Idem, p. 62. Grifo no original.14 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo.

Trad. André L. Callegari e Nereu J. Giacomolli. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2005, p. 61.

15 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. En busca de las penas perdidas: deslegit-imación e dogmática jurídico-penal. 2. ed. Bogotá: Temis, 1993, p. 84.

16 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo.Trad. André L. Callegari e Nereu J. Giacomolli. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2005, p. 58-60.17 SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do direito penal: aspectos da

 política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Rocha. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 150-151.

18 Idem, p. 37 e 151.

19 MELIÁ, Manuel Cancio. In: JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio.Direito penal do inimigo. Trad. André L. Callegari e Nereu J. Giaco-molli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 67.

20 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo.Trad. André L. Callegari e Nereu J. Giacomolli. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2005, p. 34-36 e 42.

21 MELIÁ, Manuel Cancio., In: JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Can-cio. Direito penal do inimigo. Trad. André L. Callegari e Nereu J. Gi-acomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 75.

22   Ver a este respeito MELIÁ, Manuel Cancio. In: JAKOBS, Günther;MELIÁ, Manuel Cancio.  Direito penal do inimigo. Trad. André L.Callegari e Nereu J. Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2005, p. 73, nota 57.

148/178

Page 149: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 149/178

23 Idem, p. 78.

24 MELIÁ, Manuel Cancio. In: JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio.Direito penal do inimigo. Trad. André L. Callegari e Nereu J. Giaco-molli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 78.

149/178

Page 150: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 150/178

capítulo 10

mandamentos constitucionaiscriminalizadores

10.1. Imposição de conteúdo e limites àdescriminalização

Se os princípios constitucionais penais estão mais voltados para a contenção das possibilidades criminalizadoras do legislador e do juiz, os mandamentos constitucionais crimimalizadores, aocontrário, traduzem comandos de uma Constituição que, ex-altando determinados valores e apostando nas possibilidades quetem o Estado de transformação social, apontam o Direito Penal

como um dos instrumentos possíveis de proteção daqueles, umaferramenta na longa tarefa de alcançar a transformação preten-

dida1.

O Estado Democrático de Direito, consoante afirmamosneste trabalho (Capítulo 3), consagrou a junção dos princípios próprios do Estado Liberal e dos princípios inerentes ao EstadoSocial, traduzindo-se numa superação dos dois modelos. O

Estado, nessa concepção, não é mais neutro e menos ainda o “in-imigo dos direitos fundamentais”, todavia passa a ser presente naassistência desses próprios direitos, vistos, não só e sempre, como

“direitos contra o Estado”, mas também “através do Estado”2.

Os mandamentos constitucionais criminalizadores são, tive-mos oportunidade de assinalar, uma imposição constitucional deconteúdo que tanto restringe os processos de descriminalização

Page 151: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 151/178

como determina criminalizações e/ou recrudescem o tratamento penal.

Os mandamentos que determinam criminalização estão con-tidos de forma expressa em alguns países democratas europeus. Nas Constituições da Alemanha e da Itália do pós-guerra, eles

aparecem, apenas, no que se refere à obrigação de sancionar o at-entado à convivência pacífica dos povos, além da preparação deuma guerra agressiva e a obrigação de apenar qualquer violênciafísica e moral a quem esteja submetido a uma restrição da liber-dade, respectivamente. Na Constituição espanhola, de dezembrode 1978, bem mais recente, portanto, que as outras duas, valorescomo os direitos fundamentais, o meio ambiente e o patrimôniohistórico, cultural e artístico fundamentam as três cláusulas exist-

entes3.

 No Brasil, a Constituição, densificando determinados bens jurídicos, considerados, axiologicamente, os mais relevantes, im-pede, em um primeiro momento, que o legislador, instituindo leisdescriminalizadoras (abollitio criminis), retire deles, quanto àsofensas mais significativas, a proteção penal. A tal imposiçãochamaremos de imposição constitucional criminalizadora de con-teúdo impeditivo.

Em um segundo instante, a Constituição, traçando umasérie de ordenações criminalizadoras, determina, expressamente, a proteção penal para alguns comportamentos lesivos a esses bensou estabelece um tratamento mais gravoso para crimes já exist-entes. Tal imposição, chamada de cláusulas constitucionais decriminalização, denominaremos imposição constitucional crimin-

alizadora de conteúdo prescritivo.Essas imposições, advirta-se, não escapam dos marcos im-

 postos pelos princípios constitucionais que limitam a intervenção penal. Elas, portanto, devem ser entendidas em cotejo com os princípios reportados – mesmo porque, como já se afirmou, estesse situam, axiologicamente, no cimo do subsistema constitucional –, sinalizando ao legislador ordinário a ponderação necessária

quando da feitura de regras incriminadoras.

151/178

Page 152: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 152/178

10.2. Imposição constitucional criminalizadorade conteúdo impeditivo

O ponto crucial do problema da imposição constitucional deconteúdo impeditivo é definir uma hierarquia de bens jurídicos para saber quais são os considerados pela Constituição de espe-cialíssima relevância, a ponto de se impedir, tanto ao legislador como ao juiz, a descriminalização das ofensas mais expressivas aeles.

Já tivemos oportunidade de assinalar que o subsistema con-stitucional estrutura suas normas, hermeneuticamente, de formaescalonada, e que esta hierarquia é tomada axiologicamente. Asnormas que veiculam os valores jurídicos mais importantes ocu- pam posições privilegiadas na Constituição de 1988.

Já no Preâmbulo, parte que expressa os propósitos a que aConstituição deve servir, a Carta Constitucional brasileira temcomo intento criar mecanismos de asseguração dos direitos soci-ais e individuais, da liberdade, da segurança e do bem-estar, dodesenvolvimento, da igualdade e da justiça, como  valores su-

premos   de uma sociedade dita pluralista, sem preconceitos efundada na harmonia social.

O art. 60, § 4º, impede, mesmo, a proposta de emenda quetiver por fim abolir a forma federativa de Estado, o voto direto,secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e osdireitos   e garantias chamados pela Constituição defundamentais.

E os arts. 1º, III, e 3º, IV, situados, topológica e estrategica-mente, no início da Carta Federal, afirmam que a República temcomo alicerce, vale dizer, justificativa, a  dignidade da pessoahumana e como um dos objetivos fundamentais promover  o bemde todos.

De todos estes comandos incisivos, fica fácil perceber, até porque perceberíamos sem eles, que uma vida digna e a liberdade

152/178

Page 153: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 153/178

“do ser e para o ser” são bens extremamente realçados pela Con-stituição em suas principais e mais elevadas disposições.

Por outro lado, também já sabemos que liberdade reportada,quando não a vida, hipótese muito pouco provável no nosso orde-namento, é o bem mais afetado pela intervenção penal estatal, isso

 para não falarmos de outros bens maltratados em razão das prátic-as ilegais costumeiras como maus-tratos, torturas, violência moraletc.

Resulta da combinação destas duas últimas assertivas quetão apenas dois dos bens destacados no  caput  do art. 5º da Con-stituição Federal, quais sejam: vida e liberdade, em todas as suasdimensões, são os havidos como de especialíssima relevância,

impedindo-se, por isso, descriminalizações de condutas delitivasque os afetem gravemente. Registre-se, no entanto, que vida eliberdade significam, também, vida e liberdade da comunidade deseres humanos em convivência, vida e liberdade das gerações fu-turas e possibilidades fundamentais para a vida e a liberdade. E éna Constituição que encontraremos as conexões necessárias.

Destarte, sob a ordem constitucional existente, o legislador ordinário jamais poderá descriminalizar o homicídio doloso emesmo o culposo. Nunca poderá proceder com a descriminaliza-ção do sequestro, ou da extorsão mediante sequestro, esta última,não obstante ser havida como delito contra o patrimônio, ofende aliberdade em um grau ainda maior que o próprio sequestro. O es-tupro configura delito contra a autonomia ou liberdade sexual,uma das mais caras liberdades do ser humano e, por isso, não

 poderá deixar de figurar como ilícito penal4.

 Nessa lógica, fica claro que não poderão ser descriminaliza-dos pelo legislador ordinário, obviamente, o genocídio, asgravíssimas ofensas ao meio ambiente, as lesões mais graves à or-dem tributária, ao patrimônio, às finanças e à administração pública, entre outras que tenham conexões imediatas e prevale-centes com a vida e a liberdade.

 Na imposição em destaque, os significados válidos paradefinição dos bens jurídicos vida e liberdade são impostos pela

153/178

Page 154: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 154/178

Carta Constitucional, nada importando a classificação registrada pelo Código Penal que, como lei ordinária, submete-se à influên-cia superior da Constituição, máxime em se tratando de normassubstanciais por ela estabelecidas

O que foi assentado, de modo algum quer dizer que não

haja relevância na criminalização de condutas que afetem outros bens. Por ocasião da análise dos princípios da intervenção mínimae da ofensividade, pudemos observar que outros bens gozam dedignidade constitucional, admitindo as criminalizações procedidas pelo legislador ordinário, desde que respeitados certos limites.

A própria Constituição, em relação a determinados bens jurídicos, prescreve uma série de indicações criminalizadoras,

como veremos, a maioria ditada por força dos desdobramentoscondicionados pelos bens vida e liberdade. Mas tais cláusulas sãoexpressas, pois, em havendo decorrência tácita dos significadosreferidos de vida e liberdade, teremos imposição de conteúdo im- peditivo e não prescritivo. Isso é explicado pelo fato de que o con-stituinte, conhecedor da ordem penal existente em 1988, certa-mente entendeu que muitas das normas penais incriminadoras, en-tão em voga, já regulamentavam suficientemente os valores mais

relevantes, daí a necessidade de prescrição expressa para as condi-cionantes surgidas com a Constituição. Contudo, deve ficar regis-trado que, se o surgimento de uma nova lei criminalizadora pós-Constituição regula melhor e com mais eficiência as dimensõesdos bens vida e liberdade, também ela não poderá mais ser re-vogada nesse aspecto.

Os juízes, por sua vez, são obrigados a controlar as

descriminalizações que não se adequarem ao postulado da im- posição em tela, podendo fazê-lo tanto via controle difuso quantoconcentrado. Ao Supremo Tribunal Federal é possível verificar sea norma editada, provocando anomalia na ordem jurídica,descriminaliza conduta que maltrate significantemente a vida e aliberdade nas dimensões mencionadas.

154/178

Page 155: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 155/178

10.3. Imposição constitucional criminalizadorade conteúdo prescritivo: as cláusulas constitu-cionais de criminalização

A Carta Constitucional de 1988 pautou, como imposiçãoconstitucional criminalizadora de conteúdo prescritivo ao legis-lador ordinário, uma série de cláusulas que definem condutasofensivas a bens jurídicos considerados, expressamente, relev-antes. A imposição em espeque organiza estas cláusulas hierar-quicamente, por considerações axiológicas, demonstrada até por sua situação topológica na Constituição. Há uma primazia para asdefinidas nos incisos do art. 5º, pois inseridas como garantias in-

dividuais e coletivas, normas pétreas, portanto, não podendo ser suprimidas via reforma. Em segundo lugar, temos a prevista noart. 7º, que, embora considerada pétrea, não há concordância emface da literalidade do disposto no § 4º, IV, do art. 60; escalona-selogo abaixo dos direitos fundamentais individuais e coletivos. Por último, aparecem aquelas espraiadas pelo restante do texto con-stitucional, de menor importância, pois que podem ser revogadas,

como ocorreu com a cláusula que determinava a criminalizaçãoda cobrança de juros acima de 12% ao ano, por força da EmendaConstitucional n. 40/2003.

As primeiras, fixadas no art. 5º, tanto determinam criminal-izações quanto recrudescimento no tratamento penal.

A cláusula do inciso XLI, de conteúdo genérico, estabelecea necessidade de punição para qualquer discriminação atentatória

aos direitos e liberdades fundamentais, firmando a dignidade pen-al destes direitos e, com isso, a possibilidade para incriminação, eanunciando as regulamentações que serão procedidas emsequência.

Os incisos XLII, XLIII e XLIV preveem a criminalização

do racismo5, da tortura6 e da ação de grupos armados, civis ou

militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático7,

respectivamente. Determinam, ademais, a inafiançabilidade e o

155/178

Page 156: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 156/178

atributo da imprescritibilidade para o primeiro e último crime es- pecificados, estabelecendo a inafiançabilidade e a proibição degraça e anistia para o segundo delito, estendendo tais efeitos aoscrimes que a lei ordinária considerar hediondos (Lei n. 8.072/90),o tráfico ilícito de entorpecentes (Lei n. 11.343/2006) e o “terror-

ismo” (arts. 15 e 20 da Lei n. 7.170/83), determinando ainda queas pessoas que se omitirem, quando podiam evitar o cometimentodestes delitos, responderão por eles. Obviamente que este últimocaso, previsto no inciso XLIII, só pode ser entendido com o in-fluxo do princípio da culpabilidade.

A segunda cláusula, estabelecida no art. 7º, X, da CartaConstitucional, que trata da retenção dolosa de salário, ainda nãofoi regulamentada, não obstante a Lei n. 10.741/2003 ter criado afigura típica de apropriação indébita de proventos, pensão ouqualquer rendimento dos idosos, olvidando, no entanto, como ofez a legislação que estatuiu o crime de apropriação indébita pre-videnciária (CP, art. 168-A) em 2000, de tipificar, objetivamente,e estabelecer sanções para o caso em comento. Há aqui, in-duvidosamente, uma inconstitucionalidade por omissão, cabendo, por isso, mandado de injunção para sanar o problema. Não é pos-

sível a aplicação imediata do dispositivo, como não é possível aaplicação imediata de nenhum mandamento de criminalização, emrazão de se tratar de matéria restritiva aos direitos fundamentais e, por isso, na seara penal, carecer das irradiações dos princípiosconstitucionais penais que darão sentido à regulamentação pro-cedida pelo legislador ordinário.

As últimas cláusulas sinalizam para a obrigação de crimin-

alizar os atos que importem em improbidade administrativa (CF,art. 37, § 4º), em abuso do poder econômico (CF, art. 173, § 5º),em ofensas ambientais (CF, art. 225, § 3º) e, finalmente, emabuso, violência e exploração sexual da criança e do adolescente(CF, art. 227, § 4º). Por óbvio que tais determinações não es-capam dos influxos dos princípios constitucionais penais, somentesendo possível criminalizações que estejam adequadas aos parâ-

metros acima fixados.

156/178

Page 157: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 157/178

Muitos dos atos de improbidade administrativa já são con-siderados criminosos. Os atuais arts. 359-A   usque   359-H doCódigo Penal e o antigo Decreto-Lei n. 201/67 definem uma sériede crimes pertinentes a atos de improbidade. O abuso do poder econômico também aparece como delito em dispositivos previs-

tos, por exemplo, na Lei n. 8.176/91 e Lei n. 9.613/98. As ofensasambientais foram criminalizadas com ênfase, não obstante osflagrantes tipos inconstitucionais, como já observado  supra, at-ravés da Lei n. 9.605/98. Por último, o Estatuto da Criança e doAdolescente, Lei n. 8.069/90, e a própria lei dos crimes hedion-dos, Lei n. 8.072/90, fixaram regras mais duras contra as ofensasmais graves a crianças e a adolescentes.

1 PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito penal. Trad.Gérson P. dos Santos. Porto Alegre: Fabris, 1989, p. 103.

2 CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. “Constituição e crime”: uma

 perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universid-ade Católica Portuguesa, 1995, p. 273-274.

3 PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito penal. Trad.Gérson P. dos Santos, Porto Alegre: Fabris, 1989, p. 103-104.

4 Nada obsta, por óbvio, a criação de um novo tipo para o estupro como fez aLei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009, com a fusão do estupro com o at-entado violento ao pudor. Por evidente, o atual tipo do art. 213 doCódigo Penal mantém a proteção à liberdade sexual.

5 O racismo somente foi tratado como crime, entre nós, com a edição da Lein. 7.716, de 15 de janeiro de 1989, posterior, portanto, à Carta Constitu-cional. A Lei n. 9.459, de 13 de maio de 1997, modificou dois dos seusdispositivos, introduzindo importantes modificações. Antes da Constitu-ição de 1988, o racismo era tratado como contravenção penal pelas pre-scrições da Lei n. 1.390/51.

6 A tortura só foi criminalizada no Brasil após o advento da Constituição. ALei n. 9.455, de 7 de abril de 1997, estabeleceu os tipos objetivos destedelito.

157/178

Page 158: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 158/178

7 A ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado demo-crático tem previsão em alguns dos tipos definidos na Lei n. 7.170/83(Segurança Nacional), a qual merece crítica por sua preocupação maisacentuada com a manutenção do poder vigente – a lei foi produzida nosanos derradeiros da ditadura – e não, necessariamente, com a ordemconstitucional e o Estado democrático.

158/178

Page 159: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 159/178

à guisa de conclusão

 No Estado Democrático de Direito, os princípios são lim-ites, balizas, “mandados de otimização” devidamente positivadosno ápice do ordenamento jurídico e, ao contrário das críticas ref-erentes à sua excessiva abertura, mesmo numa perspectiva dog-

mática, aberta é verdade, temos que eles irradiam comandos de-limitadores para ação do legislador e do juiz, demarcando suas possibilidades criativas, impedindo-os de oferecer respostas in-compatíveis com a abrangência irradiada, que sigam em oposiçãoàs determinações traçadas e impostas.

Como normas jurídicas, apesar da elevada carga axiológica,os princípios devem ser entendidos deontologicamente, e aqueles

materializados, explícita ou implicitamente, na Carta Constitu-cional não podem ser contrariados por lei inferior, sob pena de in-constitucionalidade desta, se posterior à Constituição, ou re-vogação, se anterior. O instrumental de controle da constitucion-alidade passa, necessariamente, pela ponderação de bens e por umoutro princípio mencionado neste trabalho, o da proporcionalidade.

A lei aprovada pelo Legislativo, sancionada, promulgada e publicada pelo Executivo presume-se, fortemente, constitucional.A decisão judicial de declarar a inconstitucionalidade material deuma norma jurídica, seja mediante o controle difuso, seja pelocontrole concentrado, carece de um estudo atento e de argumentossólidos por parte do juiz, preservando o princípio constitucionalda separação dos poderes.

O princípio da proporcionalidade, como os princípios penais, surge com a ideia de limitação do poder no século XVIII.

Page 160: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 160/178

Hoje, nos regimes constitucionais ditos democráticos, alastra suasraízes para todos os ramos da ordem jurídica e, no Direito Penal, perpassa por todos os princípios constitucionais penais e pelosmandamentos de criminalização, desdobrando-se em váriasexigências com as matizes próprias do ramo.

Fornecendo critérios para os juízes no controle da constitu-cionalidade das leis, o princípio da proporcionalidade torna-se ummecanismo constitucional para aferir se os meios empregados por elas são justificados por sua finalidade.

Compõe-se, o princípio em questão, de três elementos ousubprincípios: a pertinência ou aptidão, que revela se determinadamedida representa o meio apropriado para levar a termo um fim

 baseado no interesse público; a necessidade, que verifica se a me-dida excede os limites indispensáveis à consecução do fim legí-timo a que se almeja; o terceiro elemento consiste na proporcion-alidade mesma, tomada stricto sensu. A utilização da proporcion-alidade impõe uma obrigação e uma interdição: obrigação defazer uso dos meios adequados e interdição relativa ao uso e me-didas desproporcionais. A inconstitucionalidade ocorre, diz

Bonavides1, citando Stern, quando a medida é “excessiva”, “injus-tificável”, vale dizer, não cabe na moldura da proporcionalidade.

Os princípios constitucionais penais, mesmo os expressos,encontram fundamento na dignidade da pessoa humana, por issosão forjados como garantias que demarcam as possibilidades delimitação aos direitos fundamentais, mormente, entre nós, aodireito de liberdade, fazendo do legislador um servidor da Con-stituição, estreitando seu espaço de intervenção na feitura das leis

 penais incriminadoras e, do juiz, um operador atento ao controledo legislado, ao mesmo tempo que circunscrito, preso, limitado àsrespostas (decisões) não incompatíveis com o emanado dos princípios.

Os princípios penais implícitos da intervenção mínima e daofensividade são uma imposição constitucional de conteúdo queinforma ao legislador os bens jurídicos merecedores da proteção

 penal, os quais encontram abrigo na própria Constituição, como

160/178

Page 161: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 161/178

também informa-o, vinculando-o sempre, acerca da qualidade equantidade de ofensa a esses bens para que seja procedida acriminalização.

Em um segundo momento, os princípios em destaque de-terminam ao juiz não só o controle do legislado, observando, con-

soante advertimos há pouco, a vigorosa presunção de constitu-cionalidade, mas uma interpretação das normas criminalizadorasvoltada para a redução, sempre que possível, do processo dog-mático de criminalização. Nesse sentido, já se tem revelado na jurisprudência brasileira o decorrente princípio da insignificância,o qual deve ser visto como um critério de descriminalização dog-mática, porquanto assenta-se, em muitos casos, como condição datipicidade.

Os princípios penais da legalidade, culpabilidade e human-idade são expressões de uma imposição constitucional restritiva,tanto na atividade de feitura das regras incriminadoras quanto naatuação criminalizadora do juiz. Neles, não há determinação re-lativa ao conteúdo da norma criminalizadora como nos primeiros,mas a fixação de limites para sua elaboração (v.g., técnica legis-lativa para diminuir ao máximo as ambiguidades do texto), de-

marcações no processo de criminalização (v.g., proibição da crim-inalização sem dolo ou culpa) e balizas para a prescrição e ap-licação da pena (v.g., vedação de penas perpétuas).

Evidente que esses princípios expressos, a exemplo dos im- plícitos, impõem ao juiz o dever de fiscalização dos atos legislat-ivos para verificação de sua compatibilidade com a Constituição etambém um olhar interpretativo voltado para a contenção da inter-

venção estatal (v.g., abrandamento da resposta penal na aplicaçãoda pena), tudo como realização do garantismo penal e, até, por imperativo do princípio constitucional da igualdade, já que estaintervenção é, sobremaneira, mais poderosa do que as possibilid-ades de defesa do indivíduo ou indivíduos.

Porém, não se pode perder de vista que a intervenção penaldo Estado faz-se necessária ora como instrumento, entre outros,

destinado à salvaguarda dos bens de especialíssima relevância ao

161/178

Page 162: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 162/178

 próprio indivíduo, ora como um dos recursos voltados a assegurar os valores mais significativos para a coexistência. Nesse passo, é,mais uma vez, a Constituição que, por meio de imposições deconteúdo impeditivo e prescritivo, tanto restringe os processos dedescriminalização como recrudesce o tratamento penal ou/e de-

termina criminalizações, neste último caso, dependendo de regu-lamentação por lei ordinária, pois trata-se de matéria restritiva adireitos fundamentais e carece da necessidade de mediação comos princípios constitucionais penais.

É possível concluir afirmando que os princípios penaisestudados não são meros guias, ou indicativos de boas intenções,como sempre entendeu a doutrina, são normas jurídicas constitu-cionais cuja compreensão, no Estado Democrático de Direito, não pode ser feita isoladamente, há uma necessária correlação entreeles. A significação prática de uma interdependência entre os princípios implica que o descumprimento de qualquer um resul-tará em maltrato a uma  superior legalidade material  da Con-stituição que os condensa e lhes dá sentido.

A liberdade, concebida modernamente como um direitofundamental do indivíduo não se submeter senão às leis, especial-

mente à constitucional, de não poder ser preso ou detido peloefeito da decisão arbitrária de um ou de muitos indivíduos2,carece de mecanismos eficientes para sua proteção, mormente para os estratos sociais mais vulneráveis, que não têm arsenaisoutros em suas defesas.

A história das penas, que não deixa também de ser ahistória do Direito Penal, sempre se desenvolveu amalgamada à

 perversão contra certos indivíduos. Na atualidade, em especial noBrasil, o Direito Penal integra, formalmente, o grupo de institu-ições que formam o controle social cuja pretensão, legítima, diga-se de passagem, é promover e garantir a sujeição das pessoas aosmodelos e às normas comunitárias. Todavia, nesse mister, a real-ização prática do Direito Penal continua, com notas específicas domomento em que vivemos, mantendo aquela perversão, contra

162/178

Page 163: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 163/178

uma clientela formada, basicamente, de pessoas economicamentedesfavorecidas.

A redução do Direito Penal é, a um só tempo, uma forma deminorar esta realidade, de fazê-lo mais operacional para condutasque ofendem gravemente aos direitos fundamentais para além de

ampliá-lo, desta feita por imperativo democrático, para os estratossociais privilegiados, onde se acham os autores dos muitos crimesque maltratam a coexistência e têm graves consequências difusase coletivas.

Finalmente, a redução do Direito Penal e a sua substituiçãocontínua por outros mecanismos de controle, nada obstante quenele encontremos, também, uma ferramenta de auxílio à salva-

guarda de bens jurídicos supervalorizados, corresponde a umavanço das sociedades democráticas na busca permanente de suasutopias.

1 BONAVIDES, Paulo. O princípio constitucional da proporcionalidade e a proteção dos direitos fundamentais. Revista da Faculdade de Direitoda UFMG, n. 34, p. 279-281, 1994.

2 CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada à dos mod-ernos. Filosofia Política 2, Porto Alegre: L&PM, 1985, p. 10.

163/178

Page 164: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 164/178

referências

1. Livros:

ADEODATO, João Maurício.   Ética e retórica. São Paulo:Saraiva, 2002.

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad.Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Con-stitucionales, 1997.

ANDRADE, Manoel da Costa.   Consentimento e acordo emdireito penal. Coimbra: Coimbra Ed., 1991.

ANDRADE, Vera Regina Pereira de.   A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle

 penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.ANGIONI, Francesco.  Contenuto e funzione del concetto di

bene giuridico. Milano: Giuffrè, 1983.

ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale: parte gen-erale. A cura di Luigi Conti. Milano: Giuffrè, 1997.

ANTUNES, Ruy da Costa. Da analogia no direito penal. Mono-grafia apresentada à Faculdade de Direito da Universidade

Federal de Pernambuco no concurso para livre-docente deDireito Penal, 1953.

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Rev-ista dos Tribunais, 1995.

ÁVILA, Humberto.  Teoria dos princípios:  da definição à ap-licação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros,2004.

Page 165: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 165/178

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito ad-ministrativo. São Paulo: Malheiros, 1994.

 ________.   Elementos de direito administrativo. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1988.

BARATTA, Alessandro.   Criminologia crítica e crítica do

direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 1999.

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetivid-ade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro.Rio de Janeiro: Revan, 1990.

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas.Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

BECCARIA, Cesare.   Dei delitti e delle pene. 4. ed. Milano:Rizzole, 1950.

BECK, Ulrich. O que é globalização: equívocos do globalismo.Respostas à globalização. Trad. André Carone. São Paulo:Paz e Terra, 1999.

BECK, Ulrich; ZOLO, Danilo. A sociedade global do risco: umadiscussão entre Ulrich Beck e Danilo Zolo. UniversidadeFederal de Santa Catarina – Centro de Filosofia e CiênciasHumanas. Trad. Selvino J. Assmann. Disponível em: <ht-tp://www.cfh.ufsc.br/~wfil/ulrich.htm>. Acesso em: 6 jan.2006.

BETTIOL, Giuseppe. O problema penal. Coimbra: Coimbra Ed.,

1967.BÍBLIA SAGRADA. 45. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed.São Paulo: Saraiva, 2003. v. I.

 ________. Tratado de direito penal: parte especial. São Paulo:Saraiva, 2004. v. 4.

 ________. Código Penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.

165/178

Page 166: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 166/178

 ________. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1993.

BOBBIO, Norberto.   Teoria do ordenamento jurídico. Trad.Maria Leite dos Santos, apresentação: Tercio Sampaio FerrazJr. Brasília: UNB, 1995.

 ________. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito.Trad. Márcio Pugliesi, E. Bini e Carlos Rodrigues. SãoPaulo: Ícone, 1995.

 ________.   Teoría general del derecho: teoria de la norma jurídica. Trad. E. Rozo Acuña. Madrid: Debate, 1992.

BONAVIDES, Paulo.  Curso de direito constitucional. 6. ed.São Paulo: Malheiros, 1996.

 ________.   A Constituição aberta. Belo Horizonte: Del Rey,1993.

BRANDÃO, Cláudio.  Introdução ao direito penal: análise dosistema penal à luz do princípio da legalidade. Rio deJaneiro: Forense, 2002.

 ________.  Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense,2001.

BRICOLA, Franco.   Politica criminale e scienza del dirittopenale. Bologna: Il Mulino, 1997.

BRUNO, Aníbal. Direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,1984. t. 3.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes.   Direito constitucional.Coimbra: Almedina, 1996.

 ________. Civilização do direito constitucional ou constitucional-ização do direito civil? In: GRAU, Eros R.; GUERRAFILHO, Willis S. (Orgs.). Direito constitucional: estudos emhomenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2000.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA Vital.   Con-stituição da República Portuguesa anotada. 2. ed. Coim- bra: Coimbra Ed., 1984. v. 1.

166/178

Page 167: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 167/178

CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucional-idade das leis no direito comparado. Porto Alegre: Fabris,1984.

 _________. Juízes legisladores? Trad. Carlos A. Álvaro de Oli-veira. Porto Alegre: Fabris, 1999.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida. Trad. Newton R. Eichemberg.São Paulo: Cultrix, 2001.

CARRIÓ, Genaro R.  Notas sobre derecho y lenguaje. BuenosAires: Abeledo-Perrot, 1990.

CARVALHO, Márcia Dometila L.   Fundamentação constitu-cional do direito penal. Porto Alegre: Fabris, 1992.

CEREZO MIR, José.  Curso de derecho penal español: parte

general. Madrid: Tecnos, 1996.CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime. Trad. Luis

Leiria. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Trad. J. Tav-ares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988.

COUTURE, Eduardo. Introdução ao estudo do processo civil.Trad. Mozart Russomano. Rio de Janeiro: Konfino, 1951.

CUNHA, Antônio Geraldo da.   Dicionário etimológico NovaFronteira da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1982.

CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da.   “Constituição ecrime”: uma perspectiva da criminalização e da descriminal-ização. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995.

CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. O caráter retórico do princí-pio da legalidade. Porto Alegre: Síntese, 1979.

DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação con-stitucional. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 1995.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Liberdade, culpa, direito penal. 3.ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1995.

 ________. O problema da consciência da ilicitude em direito

penal. 5. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2000.

167/178

Page 168: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 168/178

 ________. Questões fundamentais de direito penal revisitadas.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

DINIZ, Maria Helena.  A ciência jurídica. São Paulo: Saraiva,1995.

DWORKIN, Ronald.  Los derechos en serio. Barcelona: Ariel,

1989.FELIPPE, Marcio Sotelo. Razão jurídica e dignidade humana.

São Paulo: Max Limonad, 1996.

FERRAJOLI, Luigi.   Diritto e ragione: teoria del garantismo penale. Roma: Laterza, 1990.

 __________. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. Trad.Perfecto Ibáñez, Ruiz Miguel, Mahino, Basoco e Cantarero

Bandrés. Madrid: Ed. Trotta, 2000.FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito:

técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1995.

FREITAS, Ricardo de Brito A. P. Razão e sensibilidade: funda-mentos do direito penal moderno. São Paulo: Juarez de Oli-veira, 2001.

FREUD, Sigmund.  O mal-estar na civilização. Trad. José deAguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antônio. Derecho penal: in-troducción. Madrid: Servicio Publicaciones Facultad Derecho – Universidad Complutense, 2000.

 ________. Criminologia. Trad. Luís F. Gomes. 2. ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1997.

GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott.  Modernid-ade reflexiva. São Paulo: Unesp, 1997.

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito pen-al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

 ________. A ordem econômica na Constituição de 1988. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

168/178

Page 169: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 169/178

HART, Herbert L. A.   O conceito de direito. Trad. RibeiroMendes. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.

HASSEMER, Winfried. Fundamentos del derecho penal. Trad.Muñoz Conde e Arroyo Zapatero. Barcelona: Bosch, 1984.

HESSE, Konrad.   Escritos de derecho constitucional. Madrid:

Centro de Estudios Constitucionales, 1983.HULSMAN, Louk; DE CELIS, Jacqueline Bernat.  Penas perdi-

das: o sistema penal em questão. Trad. Maria Lúcia Karan. Niterói: Luam, 1993.

HUNGRIA, Nelson.   Comentários ao Código Penal. Rio deJaneiro: Forense, 1977. v. I, t. I.

 ________.   Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro:

Forense, 1983. v. VII.IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. Trad. R. Paul Neto.

Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1983.

JAKOBS, Günther.  Sociedade, norma e pessoa:  teoria de umdireito penal funcional. Trad. Maurício A. R. Lopes.Barueri-SP: Manole, 2003.

JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio.  Direito penal doinimigo. Trad. André L. Callegari e Nereu J. Giacomolli.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

JESCHECK, Hans-Heinrich.  Tratado de derecho penal. Trad.Mir Puig e Muñoz Conde. Barcelona: Bosch, 1981. v. I.

JESUS, Damásio de. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1995. v.I.

 ________. Crimes de trânsito. São Paulo: Saraiva, 1998.KANT, Immanuel.   Fundamentação da metafísica dos cos-tumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1992.

 ________.   Fundamentos da metafísica dos costumes. Trad.Lourival de Queiroz Henkel. Rio de Janeiro: Tecnoprint,1992.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. J. B. Machado. 4.

ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

169/178

Page 170: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 170/178

 ________.  Teoria geral do direito e do Estado. Trad. L. C.Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

 ________.   Teoria geral das normas. Trad. José FlorentinoDuarte. Porto Alegre: Fabris, 1986.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. J. La-

mengo. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.LINS E SILVA, Evandro. Pena de morte. In: Pena de morte. Rio

de Janeiro: Destaque, s/d.

LISZT, Franz von. Tratado de direito penal. Trad. José HiginoPereira. Campinas: Russel, 2003.

LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. 2. ed. Bar-celona: Ariel, 1986.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da legalidade pen-al: projeções contemporâneas. São Paulo: Revista dosTribunais, 1994.

 ________. Princípio da insignificância no direito penal: análiseà luz da Lei 9.099/95 – Juizados Especiais Criminais e da jur-isprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre:Fabris, 1991.

LUNA, Everardo da Cunha.  Estrutura jurídica do crime. SãoPaulo: Saraiva, 1993.

LYNETT, Eduardo Montealegre. Estudio introductorio a la obrade Günther Jakobs. In: LYNETT, Eduardo Montealegre(Org.). El funcionalismo en derecho penal: libro homenajeal Profesor Günther Jakobs. Bogotá: Universidad Externadode Colômbia, 2003.

MANZINI, Vincenzo.   Tratatto di diritto penale italiano.Torino, 1961. v. I.

MELLO, Marcos Bernardes de.   Teoria do fato jurídico. SãoPaulo: Saraiva, 1995.

MEZGER, Edmund.  La culpabilidad en el moderno derecho

penal. Valladolid: Univ. de Valladolid, 1956.

170/178

Page 171: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 171/178

MIRANDA, Jorge. Constituição de diversos países. Lisboa: Im- prensa Nacional, 1979. v. I.

MOMMSEN, Theodor.   El derecho penal romano. Trad. P.Dourado. Madrid: España Moderna, 1898.

MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitu-

cional. Trad. Peter Naumann. 2. ed. São Paulo: Max Limon-ad, 2000.

 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva,1995.

 NUCCI, Guilherme de Souza.  Código Penal comentado. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2005.

 NUVOLONE, Pietro. O sistema do direito penal. Trad. Ada Pel-

legrini Grinover. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981.PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito pen-

al. Trad. Gerson P. dos Santos. Porto Alegre: Fabris, 1989.

PATROCÍNIO, José do. Motta Coqueiro ou a pena de morte.Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.

PÉREZ, Jesús González.  La dignidad de la persona. Madrid:Civitas, 1986.

PÉREZ LUÑO, A. E. Derechos humanos, estado de derecho yConstitución. Madrid: Tecnos, 1990.

PONTES DE MIRANDA, Francisco C.   Comentários à Con-stituição de 1967 com a emenda n. 1 de 1969. Rio deJaneiro: Forense, 1987. t. I e V.

 ________.  Tratado de direito privado. 4. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1983. t. I.PRADO, Luiz Regis.  Bem jurídico-penal e Constituição. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1996.

 ________.  Curso de direito penal brasileiro: parte geral. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2000.

 ________.  Crimes contra o ambiente. São Paulo: Revista dosTribunais, 2001.

171/178

Page 172: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 172/178

PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis danatureza. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Unesp,1996.

RABENHORST. Eduardo Ramalho. Dignidade humana e mor-alidade democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001.

RADBRUCH, Gustav.  Filosofia do direito. Trad. L. Cabral deMoncada. Coimbra: Arménio Amado, 1979.

REALE. Miguel. Pena de morte e mistério. In:  O direito comoexperiência. São Paulo: Saraiva, 1992.

REALE JR., Miguel.  Teoria do delito. São Paulo: Revista dosTribunais, 1998.

ROBLES, Gregório. Os direitos fundamentais e a ética na so-

ciedade atual. Trad. Roberto B. Alves. São Paulo: Manole,2005.

ROSS, Alf.   Direito e justiça. Trad. Edson Bini. São Paulo:Edipro, 2000.

ROXIN, Claus.   Problemas fundamentais de direito penal.Trad. A.P. dos Santos e L. Natscheradetz. 2. ed. Lisboa:Vega, 1993.

 ________.   Iniciación al derecho penal de hoy. Trad. MuñozConde e Luzón Pena, Sevilha: Univ. de Sevilha, 1981.

 ________. Política criminal y sistema del derecho penal. Trad.Muñoz Conde. Barcelona: Bosch, 1972.

 ________.   Política criminal e sistema jurídico-penal. Trad.Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

 ________. Derecho penal. Trad. Luzón Peña, Dias y García Con-lledo e Remesal. Madrid: Civitas, 1997. t. I.

SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. Aproximación al derecho penalcontemporáneo. Barcelona: Bosch, 1992.

 ________.  A expansão do direito penal: aspectos da políticacriminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Rocha.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

172/178

Page 173: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 173/178

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamentoúnico à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SARLET, Ingo Wolfgang.   Dignidade da pessoa humana edireitos fundamentais na Constituição Federal de 1988.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

SILVA, José Afonso da.  Aplicabilidade das normas constitu-cionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

SINGER, Peter. Vida ética. Trad. Alice Xavier. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002.

SOFFIATI NETO, Aristides Arthur. Fundamentos filosóficos dopensamento ecológico. Org. Nancy Mangabeira Unger. SãoPaulo: Loyola, 1992.

TOLEDO, Francisco de Assis.   Princípios básicos de direitopenal, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

VALEJJO, Manuel Jaén. Principios constitucionales y derechopenal moderno. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1999.

VELO, Joe Tennyson. O juízo de censura penal: o princípio dainexigibilidade de conduta diversa e algumas tendências.Porto Alegre: Fabris, 1993.

VIEIRA, Jair Lot. Código de Hamurabi – Código de Manu – Lei das XII Tábuas. Bauru: Edipro, 2000.

VILLEY, Michel.   Filosofia do direito:   definições e fins dodireito. Trad. Alcidema F. Bueno Torres. São Paulo: Atlas(col. universitária de ciências humanas), 1977.

WELZEL, Hans.   Derecho penal alemán. Trad. Juan BustosRamirez e Sérgio Yañez Péres. Santiago: Jurídica de Chile,1970.

 ________.  O novo sistema jurídico-penal: uma introdução àdoutrina da ação finalista. Trad. Luiz Regis Prado. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2001.

XIFRA HERAS, Jorge. Curso de derecho constitucional. Bar-celona: Bosch, 1957.

173/178

Page 174: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 174/178

ZAFFARONI, Eugenio Raúl.  Manual de derecho penal: partegeneral. 6. ed. Buenos Aires: Ediar, 1991.

 ________. Sistemas penales y derechos humanos en AméricaLatina   (Informe Final). Coord. Eugenio R. Zaffaroni.Buenos Aires: Depalma, 1986.

 ________.  Poder Judiciário: crise, acertos e desacertos. Trad.Juarez Tavares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

 ________.  En busca de las penas perdidas: deslegitimación edogmática jurídico-penal. 2. ed., Bogotá: Temis, 1993.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dosTribunais, 1997.

2. Artigos:

APLICAÇÃO DA PENA DE MORTE TRIPLICOU EM 2004.La Vanguardia. Barcelona. 10-10-2005. Disponível em:<http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lavanguardia/2005/10/12/ult2684u137.jhtm>. Acesso em: 10 out. 2005.

BARATTA, Alessandro. Funções instrumentais e simbólicas dodireito penal. Lineamentos de uma teoria do bem jurídico.Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Rev-ista dos Tribunais, n. 5, jan./mar. 1994.

BONAVIDES, Paulo. O princípio constitucional da proporcional-idade e a proteção dos direitos fundamentais.   Revista daFaculdade de Direito da UFMG, n. 34, 1994.

BORGES, José Souto Maior. Pró-dogmática. Por uma hierarquiz-ação dos princípios constitucionais.   Revista de DireitoPúblico, São Paulo: Malheiros, n. 1, 1993.

“BRASIL miserável” é o sexto mais pobre do mundo.  Folha deS.Paulo, São Paulo. 7-9-2005. Disponível em: <ht-tp://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0709200535.htm>.Acesso em: 7 set. 2005.

174/178

Page 175: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 175/178

BRICOLA, Franco. Teoria generale del reato. In: Novissimo Di-gesto Italiano. Torino: Torinese, 1977.

CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucion-ais tributários.  Revista de Direito Tributário, São Paulo:Revista dos Tribunais, n. 55, jan./mar. 1991.

CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada àdos modernos. In: Filosofia política 2. Trad. Loura Silveira.Porto Alegre: L&PM, 1985.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal e Estado de direito ma-terial (sobre o método, a constatação e sentido da doutrinageral do crime). Revista de Direito Penal, Rio de Janeiro:Forense, n. 31, jan./jun. 1982.

FERRAJOLI, Luigi. O direito como sistema de garantias. Revistado Ministério Público, Lisboa, n. 61, p. 29-49, jan./mar.1995.

LEMGRUBER, Julita. As penas alternativas. Segurança públicacomo tarefa do Estado e da sociedade.  Debates, São Paulo:Fundação Konrad Adenauer, n. 18, 1998.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionaliza-

das: para além do  numerus clausus.  Revista Brasileira deDireito de Família, Porto Alegre, n. 12, p. 40-55, jan./mar.2002.

MATHIESEN, Thomas. A caminho do século XXI – Aboliçãoum sonho impossível?   In: Conversações abolicionistas:uma crítica do sistema penal e da sociedade punitiva. Org.Edson Passeti e Roberto B. Dias da Silva. São Paulo:

IBCCrim, 1997.MAUS, Ingeborg. O Judiciário como superego da sociedade – 

sobre o papel da atividade jurisprudencial na “sociedade ór-fã”.  Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito.Revista da Faculdade de Direito do Recife – UFPE. Recife, n.11, p. 125-156, 2000.

175/178

Page 176: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 176/178

 NUVOLONE, Pietro. La problematica penale della costituzione.In:  Aspetti e tendenze del diritto costituzonale: scritti inonore di Constantino Mortati. Milano: Giuffrè, s/d.

RABENHORST, Eduardo R.   Filosofia ou teoria do direito.Artigo entregue pelo autor aos discentes do Doutorado em

Direito da Universidade Federal de Pernambuco.REALE JR., Miguel. Concepção existencial de Bettiol.  Ciência

Penal 2. São Paulo: Bushatsky, 1974.

ROXIN, Claus. A teoria da imputação objetiva.   RevistaBrasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 10, n. 38, p. 11-31, jan./mar. 1994.

SANTOS, Lycurgo de Castro. O princípio da legalidade no mod-

erno direito penal.  Revista Brasileira de Ciências Crim-inais, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 15, jul./set. 1996.

SCHÜNEMANN, Bernd. O direito penal é a ultima ratio da pro-teção de bens jurídicos – Sobre os limites invioláveis dodireito penal em um Estado de Direito Liberal.   RevistaBrasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dosTribunais, n. 53, mar./abr. 2005.

TORTURA NUNCA MAIS.   Revista Jurídica Consulex,Brasília: Consulex, n. 8, 1997.

ZABALA, Ana Messuti. O tempo como pena.  Fascículos deCiências Penais. Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 135-160, jul./set.1992.

3. Documentos:

BRASÍLIA.   Supremo Tribunal Federal. RHC 66.869-1/PR.Relator: Ministro Aldir Passarinho. Brasília, 6 de dezembrode 1988. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acessoem: 20 set. 2005.

BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. INQ 800-RJ. TP. Rel.Min. Carlos Velloso. DJU 19-12-1994.

176/178

Page 177: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 177/178

BRASÍLIA.   Supremo Tribunal Federal. HC 82959/SP. Im- petrante: Oseas de Campos. Paciente: Oseas de Campos.Coautores: Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiçado Estado de São Paulo. Brasília, 13 de dezembro de 2004.Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 28 set.

2005.Censo Penitenciário do Ministério da Justiça   de 1993, in-troduzido no  Relatório da Comissão Parlamentar de In-quérito   destinada a investigar o Sistema PenitenciárioBrasileiro –   Diário do Congresso Nacional, ano XLIX,suplemento ao n. 57, Câmara dos Deputados: Brasília, 19 deabril de 1994.

Censo Penitenciário do Ministério da Justiça de 1994 introduz-ido no Jornal do Magistrado – Jornal Oficial da Associaçãodos Magistrados Brasileiros, n. 34, ano VII, abril de 1996.

Censo Penitenciário do Ministério da Justiça de 1995,  Con-selho Nacional de Política Criminal, Brasília: Imprensa Na-cional, 1997.

Censo Populacional de 2000.   IBGE. Disponível em: <ht-

tp://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 30 set. 2005.Pesquisa produzida pelo Ministério da Justiça sobre o déficitde vagas nos sistemas penitenciários estaduais – dados doDepartamento Penitenciário Nacional – DEPEN, disponívelem: <http://www.mj.gov.br/depen/sistema-brasil.htm>.Acesso em: 25 ago. 2003.

Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito  destinada a

investigar o Sistema Penitenciário Brasileiro –   Diário doCongresso Nacional, ano XLIX, suplemento ao n. 57, Câ-mara dos Deputados: Brasília, 19 de abril de 1994.

177/178

Page 178: ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

7/24/2019 ALBERTO JORGE - Direito Penal Constitucional - A Imposição Dos Princípios Constitucionais Penais (2012)

http://slidepdf.com/reader/full/alberto-jorge-direito-penal-constitucional-a-imposicao-dos-principios 178/178

@Created by PDF to ePub