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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ANTONIO SERGIO CORDEIRO PIEDADE ASPECTOS RELEVANTES DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ANTONIO SERGIO CORDEIRO PIEDADE

ASPECTOS RELEVANTES DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NA

INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ANTONIO SERGIO CORDEIRO PIEDADE

ASPECTOS RELEVANTES DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NA

INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito (Direito das Relações Sociais), sob orientação do Professor Doutor Antonio Carlos da Ponte.

SÃO PAULO

2009

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Banca Examinadora

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Dedicatória

Dedico o presente trabalho à minha

esposa Elenice e aos nossos filhos

Nilson e Maria Carolina, os quais

com ternura, compreensão e amor

ofereceram bases sólidas para que

este sonho se materializasse.

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Agradecimentos

A Deus, pelo dom da vida.

Ao meu orientador Professor Doutor Antonio Carlos da

Ponte, exemplo de docente, talento ímpar do Ministério Público Brasileiro pelo

seu constante apoio e por ter acreditado e confiado na conclusão desta

dissertação.

Aos Professores Doutores Hermínio Alberto Marques Porto

e Clarice von Oertzen de Araújo, por suas pertinentes sugestões e profícuas

observações durante meu Exame de Qualificação.

Aos Professores Doutores Dirceu de Mello, Oswaldo

Henrique Duek Marques, Marco Antonio Marques da Silva, Cláudio De Cicco e

Valter Foleto Santin, os quais proporcionaram momentos singulares em minha

formação jurídica.

Aos meus pais, José Nilson Piedade e Izabel Cordeiro

Piedade (in memorian), pelos valores e princípios de vida que lapidaram meu

caráter, bem como a meu irmão Flávio Henrique Cordeiro Piedade, amigo de

todas as horas.

À minha esposa Elenice pelo incondicional apoio nos

momentos mais difíceis e aos meus filhos Nilson e Maria Carolina, os quais com

doçura tornam a vida mais bela e feliz.

Ao Ministério Público do Estado de Mato Grosso, instituição

que me dá dignidade e me faz um profissional realizado.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo fazer uma análise das

circunstâncias judiciais descritas no artigo 59 do Código Penal Brasileiro,

averiguando o alcance e a extensão que o dispositivo possui dentro do processo

de individualização da pena.

Faremos a evolução histórica da individualização da pena no

Brasil, a analisaremos nos planos legislativo, judicial e executório, bem como sua

correlação com os demais princípios constitucionais do direito penal, partindo do

princípio da dignidade da pessoa humana, pois trabalharemos com a idéia de um

sistema jurídico fechado.

Compreendido e manejado de forma adequada, o artigo 59

do Código Penal é uma regra de segurança jurídica do sistema, a qual dá

concretude e viabiliza a aplicação do princípio da individualização da pena. Ao

impor a reprimenda o julgador deve, portanto, levar em conta, na fixação da

pena-base, todas as circunstâncias judiciais, a fim de adequá-las ao caso

concreto, motivando sua decisão de forma clara, aplicando uma sanção justa e

proporcional, que assegure os direitos do cidadão, bem como acautele a

sociedade, ante a criminalidade.

Palavras-chave: individualização da pena, circunstâncias judiciais, dosimetria da

pena e princípios constitucionais aplicáveis à pena.

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ABSTRACT

The current work aims to analyze the circumstances

described in Article 59 of the Brazilian Criminal Code, checking its reach and

extension in the individualization of the sentence.

A historical evolution of the individualization of the

sentence in Brazil will b made and it will be analyzed according to the

legislative, judicial and executive plan, as well as its co-relation with other

constitutional principles of the criminal law, taking the human dignity into

account because this work concerns a closed legal system.

If Article 59 of the Criminal Code is understood and handled

in a proper way, it is considered a judicial security rule of the system and

provides concretion and makes it feasible to apply the sentence individualization.

The judge, however, must take all judicial circumstances into account when

defining the sentence in order to fit them in the case, making his decision clear,

giving a fair sanction which guarantees the citizen’s rights and helps to prevent

society from crime.

Key words: individualization of the sentence, judicial circumstances, sentence

dosage and sentence constitutional principles.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................. 1

2. PERSPECTIVA HISTÓRICA DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E SUA

APLICAÇÃO NO BRASIL............................................................................. 3

2.1. Ordenações Filipinas................................................................................. 3

2.2. Código de 1830......................................................................................... 6

2.3. Código de 1890......................................................................................... 9

2.4. Do movimento de reforma do Código de 1890 até os trabalhos que

antecederam ao Código de 1940.................................................................... 11

2.5. Código de 1940....................................................................................... 12

2.6. Código de 1969....................................................................................... 14

2.7. A reforma de 1977.................................................................................. 16

2.8. Nova Parte Geral de 1984....................................................................... 17

3. PENA............................................................................................................... 21

3.1. Etimologia da palavra............................................................................. 21

3.2. Conceito e aspectos gerais...................................................................... 21

3.3. Teorias da pena....................................................................................... 27

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3.3.1. Teorias Absolutas........................................................................ 27

3.3.2. Teorias Relativas.......................................................................... 30

3.3.3. Teorias Mistas.............................................................................. 33

4. CONCEITO DE PRINCÍPIO.......................................................................... 35

5. PRINCÍPIOS E REGRAS............................................................................... 37

6. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA..................................... 41

6.1. Individualização legislativa..................................................................... 42

6.2. Individualização judicial......................................................................... 43

6.3. Individualização executória.................................................................... 45

7. CORRESPONDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA

PENA COM OS DEMAIS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À PENA...............47

7.1. Princípio da dignidade da pessoa humana...............................................47

7.2. Princípio da legalidade............................................................................ 48

7.3. Princípio da igualdade............................................................................. 52

7.4. Princípio da proporcionalidade............................................................... 55

7.5. Princípio da culpabilidade.......................................................................57

7.6. Princípio da humanidade......................................................................... 60

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7.7. Princípio da ultima ratio......................................................................... 61

7.8. Princípio da fragmentariedade................................................................ 63

7.9. Princípio da subsidiariedade................................................................... 64

8. BEM JURÍDICO-PENAL E OS CRITÉRIOS PARA A CRIMINALIZAÇÃO

DE UMA CONDUTA.................................................................................... 67

9. AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS............................................................ 70

9.1.Culpabilidade........................................................................................... 70

9.2. Antecedentes........................................................................................... 71

9.2.1. Crime Continuado........................................................................ 72

9.2.2. Necessidade de comprovação documental dos maus

antecedentes........................................................................................... 72

9.2.3. Idoneidade da folha de antecedentes criminais............................ 73

9.2.4. Existência de inquérito policial e processos em andamento........ 74

9.3. Conduta social......................................................................................... 76

9.4. Personalidade.......................................................................................... 77

9.5. Motivos................................................................................................... 79

9.6. Circunstâncias......................................................................................... 80

9.7. Conseqüências do Crime......................................................................... 81

9.8. Comportamento da Vítima...................................................................... 82

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10. PRESCRIÇÃO RETROATIVA VIRTUAL, ANTECIPADA E O

PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA................................... 83

11. AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NA FIXAÇÃO DA PENA-

BASE.............................................................................................................. 93

CONCLUSÕES................................................................................................. 100

REFERÊNCIAS................................................................................................ 103

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo fazer uma análise das

circunstâncias judiciais descritas no artigo 59 do Código Penal Brasileiro,

averiguando o alcance e a extensão que o dispositivo possui dentro do processo de

individualização da pena.

Faremos a evolução histórica da individualização da pena no

Brasil, a analisaremos, nos planos legislativo, judicial e na fase da execução, bem

como sua correlação com os demais princípios constitucionais do direito penal,

partindo do princípio da dignidade da pessoa humana, pois trabalharemos com a

idéia de um sistema jurídico fechado. Analisaremos a denominada prescrição

retroativa antecipada, virtual ou em perspectiva frente aos princípios

constitucionais, notadamente o da individualização da pena.

Destacaremos a importância da individualização da pena como

uma garantia do cidadão frente ao Estado Democrático de Direito, pois cometida

uma infração penal surge para o Estado o jus puniendi. Por meio do devido

processo legal, com as garantias constitucionais que lhe são inerentes, havendo

elementos seguros de prova será imposta ao indivíduo uma sanção.

O artigo 59 do Código Penal é uma regra de segurança jurídica

do sistema, a qual dá concretude e viabiliza a aplicação do princípio da

individualização da pena, devendo o juiz ao impor a reprimenda, levar em conta, na

fixação da pena-base todas as circunstâncias judiciais, a fim de adequá-las ao caso

concreto, motivando sua decisão de forma clara, aplicando uma pena justa e

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2 proporcional, que assegure os direitos do cidadão, bem como acautele a sociedade,

ante a criminalidade.

O que vemos hoje no contexto forense é a má utilização das

circunstâncias judiciais, onde se criou uma equivocada cultura do mínimo legal. Os

julgadores, via de regra, não fazem uma análise, caso a caso, para aplicar a pena-

base de forma consentânea.

É necessário compatibilizar as garantias do indivíduo com o

acautelamento do meio social. É imperioso que o indivíduo tenha as garantias

inerentes a um Estado Democrático de Direito, no entanto, também é de

fundamental importância que o Direito Penal tenha os olhos voltados para a

sociedade.

A Constituição Federal, em seu artigo 93, inciso IX, preceitua

que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e

fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, (...)”.

A motivação do quantum da pena a ser aplicada é um elemento

de garantia do condenado, como também da sociedade. O artigo 59 do Código Penal

impõe tenha-se na fixação da pena em vista, o que se mostra necessário e suficiente

para a reprovação e prevenção do crime.

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3 2. PERSPECTIVA HISTÓRICA DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E

SUA APLICAÇÃO NO BRASIL

2.1. Ordenações Filipinas

O Livro V das Ordenações Filipinas foi a legislação penal que

primeiro vigorou em nosso país. As Ordenações Afonsinas e Manuelinas, embora

vigentes em Portugal, foram letra morta no Brasil.

Oswaldo Henrique Duek Marques assevera que, na época do

descobrimento do Brasil, vigoravam em Portugal as Ordenações Afonsinas, de

1446. Foi, todavia, sob as Ordenações Manuelinas (1512), que se conferiram a

Martim Afonso de Souza (1530), nomeado Capitão-mor, poderes de julgar e aplicar

até a pena de morte1.

Em uma época marcada pelo despotismo e pela beatice, com

regras de moral e religião, vigorava a intimidação pelo terror, com um catálogo

muito extenso de crimes, com efetiva violação dos princípios da reserva legal e da

taxatividade.

Havia uma crueldade nas penas, as quais, na maioria das vezes,

eram desproporcionais aos delitos. A maior parte dos crimes eram punidos com a

morte ou castigos cruéis.

1 DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique. A Pena Capital e o Direito à Vida. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000, p. 49.

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4 Segundo Roberto Lyra2, “até 1530, a justiça penal era o arbítrio

dos capitães. Martim Afonso trouxe carta branca do govêrno português para

processar e julgar inapelàvelmente, aplicando a pena de morte”3.

Assevera Luiz Luisi que:

A leitura do ´Livro Terrível´, adequadamente definido como um ´Código de Monstruosidades´, nos permite perceber claramente a estrutura da sociedade que propiciou seu surgimento. Uma sociedade essencialmente desigualitária e beata, organizada a partir do poder absoluto do monarca e na qual o homem era apenas uma peça do organismo social4.

O princípio da igualdade não era considerado, pois as penas

eram previstas em espécie, sendo que sua aplicação ficava ao arbítrio dos

julgadores, que deveriam observar a qualidade das pessoas a serem punidas, ou seja,

fidalgos, clérigos, cavaleiros, escudeiros, etc.

Havia, portanto, um tratamento punitivo diferenciado, que

privilegiava as camadas superiores da hierarquia social, com punição brutal aos

hereges, apóstatas e feiticeiros.

Referido diploma legal retratava os castigos e suplícios em

nome da vingança pública. A pena de morte, por meio de execução na forca e na

fogueira, era a regra. Somente nos últimos tempos das Ordenações do Reino ela foi

restringida aos delitos mais atrozes, pelo Decreto de 12 de dezembro de 1801.

2 A citação em referência respeitou a redação original em português arcaico. 3 LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal, vol. II. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955, p. 58. 4 LUISI, Luiz. In prefácio, PIERANGELI, JOSÉ HENRIQUE. Códigos Penais do Brasil. Evolução histórica 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 7.

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5 A pena capital, a mutilação, a tortura e os açoites eram

aplicados. Segundo José Henrique Pierangeli, a pena de morte era cominada para a

maior parte dos delitos. Ocorre, porém, que ela poderia ser executada mediante

quatro formas, numa variação entre a mais grave e a menos grave: morte cruel,

morte atroz, morte simples e morte civil5.

Tão grande era o rigor das Ordenações, que conforme

preleciona Basileu Garcia, com tanta facilidade elas cominavam a pena de morte,

“que se conta haver Luís XIV interpelado, irônicamente, o embaixador português

em Paris, querendo saber se, após o advento de tais leis, alguém havia escapado

com vida”6.

Anibal Bruno salienta que,

a pena de morte era, por assim dizer, a punição normal dos crimes. Era a pena dos hereges, dos feiticeiros, dos moedeiros falsos, dos pederastas, do infiel que dorme com cristã ou do cristão que dorme com infiel, dos que têm relações sexuais com parentes ou afins, do estupro, da bigamia, do adultério, do alcoviteiro de mulheres casadas, dos que tiram de armas em presença do rei, no Paço ou na Corte, dos que fazem escrituras falsas ou delas se utilizam, do furto, do roubo ou do homicídio, dos que falsificam mercadorias, dos que medem ou pensam com medidas ou pesos falsos, podendo ser também a dos que dizem mal do rei, que abrem cartas do rei, da rainha ou de outras pessoas7.

Um aspecto marcante desta legislação está na forma como se

tutelava o poder do monarca, com uma severa e igualitária punição aos crimes de

lesa-majestade e infrações penais que afrontavam os interesses econômicos da

5 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil. Evolução Histórica. 2. ed. , 2. tiragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 57. 6 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal, vol. I, T. I, 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Max Limonad Editor, 1959, p. 116. 7 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Parte Geral, Tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 174.

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6 coroa, a exemplo dos crimes de moeda falsa e contrabando de ouro. Para os

referidos crimes não mais se levava em consideração a posição social do acusado,

tendo em vista que a punição recaía da mesma forma e com a mesma crueldade

sobre fidalgos, plebeus e escravos.

Como bem salientou Luiz Lusi, o Código Filipino, a rigor, é o

retrato -como as demais ordenações europeias de seu tempo- de um tipo de

sociedade que constitui uma página negra da história da humanidade8.

As Ordenações Filipinas, as quais por mais de dois séculos

estiveram em vigor no Brasil Colônia, nada trouxeram a respeito da

individualização penal.

2.2. Código de 1830

Proclamada a independência do Brasil torna-se necessário um

novo Código Penal.

A Constituição de 1824, que se encontrava em vigor, apesar de

outorgada, incorpora os princípios da revolução americana, e principalmente da

francesa, inaugurando um contexto social e político que tem no homem a sua base e

o seu fim, que se traduz na era dos direitos humanos. O artigo 179, inciso XVIII da

referida carta política ordena a elaboração “o quanto antes” de um Código Penal.

8 Op. cit., p. 7.

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7 Como o advento de uma nova legislação demanda tempo, a Lei

de 20 de outubro de 1823 determinou que continuassem a ser observadas as

Ordenações, o que dar-se-ia até 1830.

João Clemente Pereira e Bernardo Pereira de Vasconcelos

foram encarregados da elaboração dos projetos, sendo que prevaleceu o de

Vasconcelos.

O projeto foi aprovado em sessão realizada na Câmara, em 20

de outubro de 1830, sendo na seqüência remetido ao Senado e sancionado por D.

Pedro I em 16 de setembro. Em 1832 entra em vigor o Código de Processo.

No entanto, apesar de sua índole liberal, o Código de 1830

previu a pena de morte para os seguintes crimes: homicídio, se agravado com

algumas das circunstâncias do artigo 16 (artigo 192); roubo com resultado morte

(artigo 271) e insurreição (“cabeças” e autores). Esta, nos termos do artigo 113,

ficaria configurada se houvesse reunião de vinte ou mais escravos para obterem a

liberdade por meio da força.

A pena capital era executada na forca (artigo 38), no dia

seguinte à intimidação do réu da sentença irrevogável, salvo em se tratando de

domingo, dia santo ou festa nacional (artigo 39). De acordo com o artigo 40, o

acusado, em seu vestido ordinário, deveria ser conduzido pelas ruas mais públicas

até a forca, acompanhado do juiz criminal, do escrivão e da força militar.

Oswaldo Henrique Duek Marques salienta que,

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a execução era, assim, precedida de ritual destinado a incutir temor no povo. Os corpos dos enforcados podiam ser entregues aos parentes ou amigos, mediante pedido ao juiz que presidisse à execução; no entanto, não podiam ser enterrados com pompa, sob pena de prisão, de um mês a um ano (art. 42). A mulher grávida só poderia ser condenada à morte, ou executada, quarenta dias depois do parto (art. 43)9.

A inovação do Código de 1830 foi supressão da chamada pena

de morte “para sempre”, na qual o executado não tinha direito a sepultura, a de

morte atroz, na qual era queimado ou esquartejado, e a de morte por meio de

flagelação, formas previstas no Livro V das Ordenações do Reino.

Segundo E. Magalhães Noronha, a legislação apresentava

defeitos, pois não definia a culpa, se referindo apenas ao dolo (arts. 2.º e 3.º), não

obstante no art. 6.º a ela já se referisse, capitulando mais a frente crimes culposos

(arts. 125 e 153), esquecendo-se, porém, do homicídio e das lesões corporais por

culpa, omissão que veio a ser suprida pela Lei n. 2033, de 187110.

O Código Criminal do Império não trazia a separação da Igreja

do Estado, pois continha diversas figuras típicas representando ofensas à religião

estatal.

Apesar de seus propósitos liberais, o Código de 1830 tinha a

presença de um tratamento punitivo diferenciado, onde se levava em consideração a

camada social a que os réus pertenciam.

A aplicação da reprimenda se dava pela escolha que o juiz fazia

da pena determinada ou dos graus máximo e mínimo trazidos para os crimes. Na 9 Op. cit., p. 53. 10 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 56.

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9 forma do art. 63, poderia também ser aferido o grau médio, “o que fica entre o

máximo e o mínimo, a que se imporá a pena no têrmo médio entre os dois extremos

dados”11. Referidos graus estavam condicionados às circunstâncias agravantes e

atenuantes, as quais eram especificadas nos artigos 16 e 18.

O Código Criminal do Império de 1830 se limitou a declinar a

individualização da pena, no entanto, sem maior repercussão de ordem prática.

2.3. Código de 1890

Com o advento da República, João Baptista Pereira foi

encarregado de ser o projetista de um novo Código Penal, que foi aprovado em

1890.

Pouco tempo antes de o Código de 1890 entrar em vigor, o

Decreto n. 774, de 20 de setembro de 1890, declarou abolida a pena de galés,

substituindo-a pela prisão com trabalhos, e reduziu para trinta anos a prisão

perpétua (artigos 1.º e 2. º).

O Código de 1890 apresentava graves defeitos de técnica,

conforme preleciona Heleno Cláudio Fragoso, pois foi elaborado às pressas, antes

do advento da primeira Constituição Federal republicana, sem considerar os

notáveis avanços doutrinários que então já se faziam sentir, em conseqüência do

11 A redação está de acordo com o português arcaico do texto de lei.

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10 movimento positivista, bem como o exemplo de códigos estrangeiros mais recentes,

especialmente o Código Zanardelli12.

O Código estabelecia penas de prisão com trabalho obrigatório,

prisão disciplinar, banimento, interdição e multa, sendo que a pena capital foi

retirada de nossa legislação.

Com a abolição da escravatura, em 1888, caiu por terra a

“necessidade” da pena capital, reflexo da violência do poder escravista. Mais tarde,

a Constituição de 1891 afastou-a expressamente, com ressalva às disposições da

legislação militar em tempo de guerra (artigo 72, § 21), o mesmo ocorrendo com a

Constituição de 1934 (artigo 113, inciso 29).

A aplicação da pena seguia, praticamente, os mesmos termos

do Código anterior, ou seja, a sanção era determinada para certos delitos ou somente

se fixava o máximo e o mínimo. Nesta hipótese, o julgador poderia considerar

também o grau médio, além de dois sub-graus, segundo a redação trazida pelo

parágrafo segundo, do artigo 62: “Na predominancia das aggravantes, a pena será

applicada entre os gráos médio e máximo e na das attenuantes, entre o médio e o

mínimo”13.

A inovação de referido diploma legal foi a unicidade da pena,

com a adoção da prisão celular. A aplicação da pena era sem um rigor técnico,

12 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte geral. Ed. Rev. por Fernando Fragoso.16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 74. 13 De acordo com o texto original.

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11 individualizada ou amoldada ao agente. No entanto, o legislador limitou as

possibilidades do julgador realizar uma melhor individualização da pena.

2.4. Do movimento de reforma do Código de 1890 até os trabalhos que

antecederam ao Código de 1940

Desde quando entrou em vigor o Código da República, já havia

cogitações acerca de sua substituição, sendo que surgiram vários projetos com esse

propósito.

Em 1893, João Vieira de Araújo, professor da Faculdade de

Direito do Recife, apresenta um Projeto de Código Penal. Em 1913 surge o de

Galdino Siqueira, o qual disciplinava que, “dentro dos limites estabelecidos pela lei,

o juiz fixará a pena a aplicar, tendo em vista o criminoso, a ação punível e o que

vier ao acaso”.

O escopo de referido projeto era dar ao magistrado poderes

mais amplos, no que se refere à escolha e dosagem das penas.

Em 1928, Virgílio de Sá Pereira, magistrado pernambucano,

apresenta um Projeto de Código Penal, o qual foi revisto por comissão legislativa

composta pelo próprio autor, além de Evaristo de Moraes e Mario Bulhões Pedreira.

Segundo o projeto, o juiz deveria levar em consideração a

classificação do agente (primário, reincidente, profissional, incorrigível e por

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12 índole). Deveria averiguar, outrossim, antes da finalidade da pena, se o agente iria,

ou não, sofrer a influência benéfica da sanção imposta.

O Código da República, em decorrência de seus defeitos,

derivados pelo seu tempo de vigência, foi completado por inúmeras leis

extravagantes.

Vicente Piragibe foi encarregado de reunir o código e

legislação esparsa em um só corpo, resultando daí a Consolidação das Leis Penais,

que se tornou oficial pelo Decreto n. 22213, de 14 de dezembro de 1932.

2.5. Código de 1940

Em 1937 durante o Estado Novo, Alcântara Machado é

encarregado pelo Ministro da Justiça Francisco de Campos de elaborar um Projeto

de Código Penal. Após cumprir sua missão, vê publicado em 15 de maio de 1938 o

“Projeto de Código Criminal Brasileiro”, acompanhado de uma Exposição de

Motivos.

Na seqüência o projeto foi revisto por uma comissão composta

por Nélson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lyra, resultando

no Código Penal de 1940 (Decreto n. 2848, de 7 de dezembro de 1940), que entrou

em vigor em 1.º de janeiro de 1940.

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13 Neste período, vigorava a Constituição de 1937, denominada

“A Polaca”, por ter adotado como modelo a da Polônia, a qual criou significativas

limitações às garantias individuais, pois era outorgada e criava um Estado com

ranço totalitário.

Dentro desse contexto, como assevera José Henrique

Pierangeli, “o melhor instrumento para valer a nova ordem constitucional é

induvidosamente o Direito Penal que se normativiza ao talante do opressor”. 14

Todavia, como enuncia Francisco de Assis Toledo, apesar do

momento político, sob um regime de exceção, “o curioso é que, fruto de um Estado

ditatorial e influenciado pelo código fascista, manteve a tradição liberal iniciada

com o Código do Império”15.

Sob o título “Da aplicação da Pena”, o Código de 1940, no

artigo 42 trata da fixação pena, nos seguintes termos: “Compete ao juiz, atendendo

aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau da

culpa, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime: I- determinar a

pena aplicável, dentre as cominadas alternativamente; II- fixar, dentro dos limites

legais, a quantidade da pena aplicável”.

Explicando o novo dispositivo, a “Exposição de Motivos”

informa que o projeto assumiu um sentido marcadamente individualizador,

conferindo ao juiz uma grande latitude de apreciação. 14 Op. cit., 77-78. 15 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 4. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva. 1991, p. 63.

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14 Sem dúvida, isto ocorreu, como salienta Henry Goulart,

se levarmos em consideração a situação anterior do magistrado, prêso aos vários graus da pena, que reduziam de muito o seu arbítrio. Os elementos trazidos pelo artigo 42, no entanto, colocaram-no em vantajosa e cômoda situação, não só para apreciar os aspectos objetivos do delito, como também para considerar a pessoa do infrator em toda a sua dimensão16.

2.6. Código de 1969

O governo Jânio Quadros, em 1961, encarrega Nélson Hungria

de elaborar um anteprojeto de Código Penal.

O Anteprojeto de Nélson Hungria, conforme descreve José

Henrique Pierangeli mantinha, basicamente, a mesma estrutura do Código de 1940,

“procurando apenas excluir os defeitos mais graves que aquele apresentava. Dignas

de nota eram a eliminação da medida de segurança para os inimputáveis e a adoção

do sistema vicariante para os semi-imputáveis”17.

Algumas infelicidades do referido código são: a adoção da pena

indeterminada; a redução da idade de imputabilidade para 16 anos, com seu

condicionamento à realização de um exame criminológico para a verificação da

capacidade de entendimento e de autodeterminação do agente e a possibilidade da

aplicação da pena do crime consumado para a tentativa em que o resultado

assumisse gravidade excepcional.

16 GOULART, Henny. A individualização da pena no direito brasileiro. Dissertação para concurso à Docência- livre de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1970, p. 43. 17 Op. cit., p. 82.

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15 No tocante ao poder discricionário do juiz na aplicação da pena

a Exposição de Motivos do Código preleciona que: “Constitui hoje tendência muito

viva, e acertada, nas legislações penais, a da ampliação dos poderes discricionários

do juiz na aplicação da pena, com vistas à realização de uma justiça material e à

escolha da medida adequada para que se cumpram os fins das penas, dos quais não

se exclui a justa retribuição”.

Com relação à exigência de fundamentação das decisões

judiciais na fixação da pena, com a não admissão de simples referência aos critérios

genéricos (estabelecidos no artigo 52 do projeto) a Exposição de Motivos do

Código é enfática e de grande valia: “O dispositivo geral sobre a aplicação da pena

corresponde basicamente ao do Código vigente. À semelhança do que ocorre em

diversas legislações estrangeiras, o projeto deixa expressa a obrigação de motivar a

pena imposta, em sua medida. O condenado tem direito a saber porque recebe esta

pena. Não basta a simples referência aos critérios genéricos (estabelecidos no art. 52

do projeto), como tem reiterado o Supremo Tribunal Federal. Não só a pena

aplicada acima do mínimo deve ser fundamentada. Se a lei amplia o poder

discricionário do juiz na aplicação da pena, exige-lhe, em contrapartida, a

fundamentação do exercício desse poder, como elemento essencial de garantia do

réu”.

O anteprojeto de Nélson Hungria se transformou em Código

Penal, pelo Decreto-lei n. 1004, de 21 de outubro de 1969, no entanto, nunca entrou

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16 em vigor no país. Após longo período de vacância, de quase dez anos, o Código

Penal de 1969 foi revogado pela Lei 6578, de 11 de novembro de 1978.

2.7. A reforma de 1977

Em decorrência da vigência do Código Penal de 1969 sofrer

constantes adiamentos, continuou o Código Penal de 1940 em plena vigência.

Em 22 de janeiro de 1977, o Governo Ernesto Geisel, durante a

ditadura militar, por meio do Ministro da Justiça Armando Falcão, remete ao

Congresso Nacional um projeto de lei que trazia significativas mudanças nos

Códigos Penal e Processual Penal, que previa, dentre outras coisas, uma reavaliação

no sistema de penas privativas de liberdade.

Referido projeto de lei foi convertido na Lei n º 6416, de 24 de

maio de 1977.

Entre outros pontos, a reforma merece elogios no trato das

seguintes questões, como enuncia José Henrique Pierangeli:

abolição do sistema de reincidência específica; reestruturou a suspensão condicional da pena, ao adotar, pela via da lei processual penal, o probation system, ou se preferem, o sursis avec mise à l´épreuve; criou a extinção da punibilidade pelo crime contra os costumes, em face do casamento da ofendida com terceiro, desde que o crime fosse praticado sem violência (física ou moral); criou o perdão judicial para os crimes culposos, quando o causador sofria

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17

conseqüências significativas de sua ação descuidada, que tornava a punição claramente dispensável18.

Com várias modificações, tornou-se necessária a reforma total

de nossa legislação, pois como enunciado pela Exposição de Motivos da Lei n.

7.209, de 11 de julho de 1984, mesmo diante de significativos avanços trazidos pela

reforma de 1977, “a legislação penal continua inadequada às exigências da

sociedade brasileira. A pressão dos índices de criminalidade e suas novas espécies,

a constância da medida repressiva como resposta básica ao delito, a rejeição social

dos apenados e seus reflexos no incremento da reincidência, a sofisticação

tecnológica, que altera a fisionomia da criminalidade contemporânea, são fatores

que exigem o aprimoramento dos instrumentos jurídicos de contenção do crime,

ainda os mesmos concebidos pelos juristas na primeira metade do século”.

Referida mudança ocorreu com a Lei 7.209, de 11 de julho de

1984, que, porém, se restringiu a reformular apenas a Parte Geral do Código Penal.

2.8. Nova Parte Geral de 1984

O Ministro da Justiça do Governo João Figueiredo, Ibrahim

Abi-Ackel, em 27 de novembro de 1980, com a Portaria n. 1.043 nomeou uma

comissão formada por Fancisco de Assis Toledo, Francisco Serrano Neves, Miguel

Reale Júnior, René Ariel Dotti, Ricardo Antunes Andreucci, Rogério Lauria Tucci e

18 Op. cit., 83-84.

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18 Hélio Fonseca, sob a presidência do primeiro, para elaborar anteprojeto de reforma

do Código Penal-Parte Geral.

Na ocasião se fez a opção por uma reforma em duas etapas,

onde na primeira seriam concluídos e devidamente encaminhados os Anteprojetos

de Código Penal-Parte Geral, de Código de Processo Penal e Lei de Execução

Penal, e em um segundo momento o Código Penal-Parte Especial e a Lei de

Contravenções Penais.

Em 18 de fevereiro de 1981, a comissão encaminhou ao

Ministério da Justiça o Anteprojeto de Código Penal-Parte Geral, que na seqüência

foi publicada para receber críticas e sugestões.

Francisco de Assis Toledo afirma que o ano de 1981 foi

“praticamente dedicado à realização, em todo o País, de ciclos de conferências e

debates sobre a projetada reforma penal. Entrementes, chegavam ao Ministério da

Justiça sugestões e críticas sobre os anteprojetos dados à publicação”19.

Em 24 de julho de 1.981, pela Portaria n. 371, constituiu o

Ministro da Justiça uma comissão revisora do anteprojeto da Parte Geral do Código

Penal, composta por Francisco de Assis Toledo, coordenador, Dínio de Santis

Garcia, Jair Leonardo Lopes e Miguel Reale Júnior.

Os trabalhos da comissão revisora foram concluídos no ano de

1982, e na seqüência encaminhados à Presidência da República. Com a Exposição

19 Op. cit., p. 68.

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19 de Motivos o Presidente João Batista Figueiredo remeteu ao Congresso Nacional o

projeto, o qual foi convertido na Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984.

Várias mudanças ocorreram com a nova Parte Geral do Código

Penal, no entanto, no que concerne às diretrizes para a fixação da pena-base que

eram dispostas no artigo 42 do Código de 1940, foi acrescida a “conduta social”,

fez-se referência expressa ao “comportamento da vítima”, bem como houve a

substituição da “intensidade do dolo e o grau de culpa” por culpabilidade do agente,

conforme preconizado na Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código

Penal.

Durante a vigência do Código Penal de 1940, parte da doutrina

capitaneada por Roberto Lyra, mediante interpretação de seus artigos 42 e 50,

asseverava que o sistema eleito para aplicação da pena era o bifásico, que consistia

no cálculo da pena em duas etapas, sendo que, na primeira, fixava-se a pena-base

com observância das circunstâncias judiciais das agravantes e atenuantes,

concomitantemente; e, na segunda etapa seriam analisadas as causas de aumento e

diminuição de pena, gerais e especiais.

Todavia, Nélson Hungria advogava a tese de que a pena

deveria ser fixada em três etapas, analisando, na primeira, as circunstâncias

judiciais; na segunda, as circunstâncias legais (também denominadas atenuantes e

agravantes); e, por fim, as causas de aumento e diminuição de pena.

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20 Com a Reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984,

prevaleceu o posicionamento de Nélson Hungria e foi estabelecida expressamente,

no artigo 68 do mesmo estatuto, a adoção do Sistema Trifásico de Aplicação da

Pena, que, consoante Exposição de Motivos do Código Penal, permite o completo

conhecimento da operação realizada pelo juiz e a exata determinação dos elementos

incorporados à dosimetria da pena.

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21 3. PENA

3.1. Etimologia da palavra

Feita uma análise de todo o panorama histórico da pena no

Brasil, antes de conceituarmos o instituto jurídico, é necessário fazer uma

abordagem, ainda que singela, da origem do vocábulo, sem a pretensão de esgotar o

tema.

O entendimento acerca da origem da palavra pena não é

unânime. Roberto Lyra afirma que, segundo uns, vem do latim de poena (castigo,

suplício) e, segundo outros, de pondus (pêso), porque na balança da justiça, seria

necessário equilibrar os dois pratos. Todavia, há quem atribua ao vocábulo origem

grega- ponos (trabalho, fadiga), ou o filie ao sânscrito- punya (pureza, virtude)20.

3.2. Conceito e aspectos gerais

Indubitavelmente, a pena é o mais tormentoso problema que o

Direito Penal pode nos oferecer. Investigar sua finalidade é buscar, em última

análise, a função do Direito Penal.

Pena é a sanção penal de caráter aflitivo imposta ao autor de

um fato delituoso, sendo a mais importante conseqüência jurídica do delito.

20 Op. cit., 9.

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22 A pena consiste na privação ou restrição de bens jurídicos, com

amparo na lei, imposta após o devido processo legal por órgão jurisdicional

competente.

Para Santiago Mir Puig, pena “é um mal com que o Direito

Penal ameaça, caso se realize uma conduta considerada delito”21.

E. Magalhães Noronha assevera que “a pena é retribuição, é

privação de bens jurídicos, imposta ao criminoso em face do ato praticado”22.

De acordo com Basileu Garcia:

Imposta e executada pelo Estado, por via do Direito Penal, a pena é providência de feitio necessàriamente23 público. Colima-a o processo movido contra o delinqüente, o qual, julgado e condenado, por sentença ou aresto fundamentadamente examina a infração, passa a cumprir a sanção que lhe coube consoante o preceituado na legislação penal, completada, nesta fase executória, por normas administrativas 24.

A pena deve obedecer à estrita legalidade, que é inerente ao

Estado Democrático de Direito, o qual é voltado a diminuir a violência, com a

imposição de limites à função punitiva do Estado.

À luz do artigo 5.º, XLVI, da Constituição Federal de 1988 são

admitidas no Brasil as penas de: a) privação ou restrição de liberdade; b) perda de

bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de

direitos. 21 SANTIAGO, Mir Puig. Direito Penal: fundamentos e teoria do delito, tradução Cláudia Viana Garcia, José Carlos Nobre Porciúncula Neto. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 36. 22 Op. cit., p. 217. 23 A redação preservou o português arcaico, conforme consta do original. 24 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal, vol. I, T. II, 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Max Limonad Editor, p. 406-407.

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23 Por outro lado, não são admitidas no Brasil, conforme preceitua

o artigo 5 º, XLVII, da Constituição Federal, penas: a) de morte, salvo em caso de

guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de

trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.

As penas privativas de liberdade, de acordo com o que dispõe o

artigo 33 do Código Penal, são de duas espécies: a) reclusão; b) detenção.

A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado,

semi-aberto e aberto. O estabelecimento prisional para seu cumprimento deve ser de

segurança máxima ou média.

A pena de detenção deve ser cumprida em regime semi-aberto e

aberto. O estabelecimento prisional será a colônia penal agrícola, industrial ou

estabelecimento similar, ou ainda casa de albergado ou estabelecimento adequado.

Após o devido processo legal, quando ao réu for imposta uma

sentença penal condenatória, deverá o juiz fixar, nos termos do artigo 59 do Código

Penal, o regime inicial de cumprimento da pena, o qual poderá ser fechado, semi-

aberto e aberto.

É admissível o trabalho interno (artigos 31/35 da Lei de

Execuções Penais) e externo (artigos 36 e 37 da Lei de Execuções Penais). O

trabalho do preso será sempre remunerado. A remuneração não poderá ser inferior a

três quartos do salário mínimo, conforme preceitua o artigo 29 da Lei 7.210/84.

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24 O regime inicial fechado será obrigatório ao apenado com

reprimenda superior a oito anos, conforme dispõe o artigo 33, § 2.º, alínea "a" do

Código Penal. Nada impede, no entanto, que seja aplicado o regime fechado ao

condenado à pena privativa de liberdade igual ou inferior a oito anos.

Todavia, a Súmula 719 do Supremo Tribunal Federal

estabelece: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena

aplicada permitir exige motivação idônea”.

Sendo assim, deve o juiz, na fixação do regime, estar adstrito

ao que preceitua o § 2.º do artigo 33 do Código Penal. No entanto, caso as

peculiaridades do caso concreto exija a imposição de regime mais severo (§ 3.º do

art. 33 do Código Penal), deverá o magistrado, nos termos da súmula acima

descrita, fundamentar de forma minudente e elucidativa sua decisão.

O regime possui as seguintes características: a) o condenado

fica sujeito ao trabalho no período diurno e isolamento no período noturno (art. 34,

§ 1º, do Código Penal); b) no início do cumprimento da pena o condenado é

submetido a exame criminológico de classificação para individualização da

execução (artigo 34 do Código Penal); c) é admissível o trabalho externo em

serviços ou obras públicas (artigo 34, § 3º do Código Penal).

O art. 87 da Lei n. 7.210/84 estabelece que os condenados à

pena de reclusão, em regime fechado, deverão cumprir a reprimenda em

penitenciária.

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25 O regime inicial semi-aberto, segundo o que dispõe o artigo 33,

§ 2º, alínea "b" do Código Penal é obrigatório para condenado não reincidente à

pena superior a quatro anos e não excedente a oito anos.

No regime semi-aberto o condenado deve ficar sujeito ao

trabalho no período diurno. Será admissível, em aludido regime, o trabalho externo

e a participação em cursos (artigo 35, § 2º do Código Penal).

A pena será cumprida em colônia penal agrícola, industrial ou

estabelecimento similar, na forma do artigo 91 da Lei de Execuções Penais.

O regime aberto, segundo o artigo 33, § 1º, alínea "c", do

Código Penal, deve ser executado em Casa de Albergado ou estabelecimento

adequado.

Funda-se o regime aberto na autodisciplina e no senso de

responsabilidade do condenado (artigo 36 do Código Penal). Pois este, fora do

estabelecimento e sem vigilância, deverá trabalhar, freqüentar cursos ou exercer

outra atividade lícita e autorizada, permanecendo recolhido durante o período

noturno e dias de folga (artigo 36, § 1º do Código Penal).

Não é cabível a remição pelo trabalho no regime aberto (artigo

126 da Lei de Execuções Penais).

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26 Dispõe o artigo 93 da Lei de Execuções Penais, que a casa do

albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime

aberto, e da pena de limitação de fim de semana.

O prédio da casa do albergado deverá situar-se em centro

urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracteriza-se pela ausência de

obstáculos físicos contra a fuga.

Impõe, ainda, a Lei de Execução Penal que em cada região

haverá, pelo menos, uma casa do albergado, a qual deverá conter, além de aposentos

para acomodar os presos, local adequado para cursos e palestras. Deverá conter,

também, instalações para os serviços de fiscalização e orientação dos condenados.

A Lei de Execuções Penais estabelece, com regra, o

cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto na casa do albergado,

e, como exceção, o cumprimento em residência particular, na forma do artigo 117

da Lei n. 7.210/84, quando se tratar de: I- condenado maior de setenta anos; II-

condenado acometido de doença grave; III- condenado com filho menor ou

deficiente físico ou mental; IV- condenada gestante.

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27 3.3. Teorias da pena

É bastante candente o debate que a questão dos fins da pena

desperta, onde oscila seu enfoque com base em posicionamentos históricos, morais,

sociológicos, filosóficos e políticos.

A doutrina traz teorias, que procuram justificar os fins e

fundamentos da pena. As três principais são as teorias Absolutas, Relativas e

Mistas, as quais veremos na seqüência.

3.3.1. Teorias Absolutas

De acordo com as teorias absolutas, a pena estabelece uma

punição consistente num mal (diminuição de um bem jurídico) imposto ao autor do

crime.

São teorias que afirmam ter a pena caráter eminentemente

retributivo, isto é, a reprimenda surge como castigo pelo mal praticado. É um

mecanismo necessário para reparar a ordem jurídica violada pelo autor do crime. O

mal deve ser punido com o mal.

Os principais defensores da Teoria Absoluta foram Emmanuel

Kant e Georg Wilhelm Hegel, os quais defendiam que a pena é uma entidade

independente, portanto deveria ter um caráter unicamente retributivo.

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28 Kant defendia que a fundamentação da pena é de ordem ética,

enquanto Hegel sustentava ser de ordem jurídica.

Na teoria defendida por Kant, conforme afirma Luiz Regis

Prado, “a aplicação da pena decorre de uma necessidade ética, de uma exigência

absoluta de justiça, sendo eventuais efeitos preventivos alheios à sua essência (...) A

lei penal é um imperativo categórico”25.

Asseverando que a pena será uma retaliação, uma expiação,

opondo-se a qualquer finalidade utilitária, Kant afirmou que:

O que se deve acrescer é que se a sociedade civil chega a dissolver-se por consentimento de todos os seus membros, como se, por exemplo, um povo que habitasse uma ilha se decidisse a abandoná-la e se dispersar, o último assassino preso deveria ser morto antes da dissolução a fim de que cada um sofresse a pena de seu crime e para que o crime de homicídio não recaísse sobre o povo que descuidasse da imposição dessa punição; porque então poderia ser considerada como cúmplice de tal violação pública da Justiça26.

Para Hegel, conforme salienta Paulo Queiroz a pena atende não

a um mandato absoluto de justiça, como pontificado por Kant, mas a uma exigência

da razão, que se explica e se fundamenta a partir de um processo dialético inerente à

idéia e ao conceito mesmo de direito. Vale ressaltar: o delito é uma violência contra

o direito, a pena uma violência que anula aquela primeira violência; é, assim, a

negação da negação do direito representada pelo delito (segundo a regra, a negação

25 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1. a 120. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 525. 26 KANT, Emmanuel. Doutrina do direito. Trad. Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993, p. 178-179.

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29 da negação é a sua afirmação). A pena é, portanto, a restauração positiva da

validade do direito27.

A crítica, no tocante às teorias absolutas, conforme salienta

Adalto Dias Tristão “é a de que, por esta defender a pena dissociada de um fim, não

pode prevalecer diante de um Estado Democrático de Direito que busca a tutela dos

bens jurídicos”28.

A exigência de justiça, que é inerente às teorias absolutas nega,

portanto, os fins utilitários da pena. A retribuição, de acordo com as concepções de

Kant e Hegel, é na verdade uma forma de vingança social, incompatível com o

princípio da dignidade da pessoa humana.

No entanto, as teorias absolutas, dentro de uma concepção

moderna, representam uma idéia de proporcionalidade.

Segundo Luiz Regis Prado,

a idéia de retribuição jurídica significa que a pena deve ser proporcional ao injusto culpável, de acordo com o princípio de justiça distributiva. Logo, essa concepção moderna não corresponde a um sentimento de vingança social, mas antes equivale a um princípio limitativo, segundo o qual o delito perpetrado deve operar como fundamento e limite da pena, que deve ser proporcional à magnitude do injusto e da culpabilidade29.

27 QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: Legitimação versus deslegitimação do sistema pena. 2. ed. rev. e amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 21. 28 TRISTÃO, Adalto Dias. Sentença Criminal: Prática de Aplicação de Pena e Medida de Segurança. 7. ed. rev. atual. e amp. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 14. 29 Op. cit, 526-527.

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30 3.3.2. Teorias Relativas

Feita uma análise das teorias absolutas, torna-se necessário

analisar as teorias relativas da pena, as quais surgem em contraposição às teorias

retributivas.

Para os adeptos das Teorias relativas, finalistas, utilitárias ou da

prevenção, a pena se justifica como meio de se evitar a ocorrência de novas

infrações penais. Pune-se para não delinqüir, sendo irrelevante a imposição de

castigo ao condenado.

Segundo Santiago Mir Puig,

enquanto as teorias absolutas ou da retribuição partem, em seu sentido estrito, da concepção de que a pena deve ser imposta para a realização da Justiça, sem levar em consideração outros fins de utilidade social, as teorias da prevenção atribuem à mesma missão de ´prevenir delitos´ como meio de ´proteção de determinados interesses sociais’. Trata-se de uma ´função utilitária´, que não se funda em postulados religiosos, morais, ou mesmo idealistas, mas na consideração de que a pena é necessária para a manutenção de determinados bens sociais30.

De acordo com Enrique Bacigalupo, “as teorias relativas

procuram legitimar a pena por meio da consecução de um determinado fim, ou da

propensão para obtê-lo. Seu critério legitimador é a utilidade da pena”31.

A teoria absoluta, portanto, tem os olhos voltados para o

passado, ao passo que a teoria relativa busca o futuro.

30 Op. cit., p. 62-63. 31 BACIGALUPO, Enrique. Direito penal: parte geral. Trad. André Estefam. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 24.

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31 Dentro da concepção da teoria relativa, na lição trazida por

Cezar Roberto Bitencourt,

a pena não visa retribuir o fato delitivo cometido e sim prevenir a sua comissão. Se o castigo ao autor do delito se impõe, segundo a lógica das teorias absolutas, quia peccatum est, somente porque delinqüiu, nas teorias relativas a pena se impõe ut ne peccetur, isto é, para que não volte a delinqüir32.

A prevenção do cometimento de novos crimes tem duas

vertentes: geral e especial.

A prevenção geral, tradicionalmente identificada como

intimidação é destinada a todo o corpo social por meio da ameaça da pena, ou seja,

se dirige a todos os membros da sociedade - a fim de que por meio da pena imposta

ao agente, por caráter de exemplaridade, não pratiquem infrações penais.

Luiz Regis Prado assinala que é modernamente vislumbrada

como exemplaridade (conformidade espontânea à lei)- função pedagógica ou

formativa desempenhada pelo Direito Penal ao editar as leis penais33.

A prevenção geral subdivide-se em negativa e positiva.

A prevenção geral negativa, a qual tem como mentor

Feuerbach, preceitua com base em sua teoria da coação psicológica, que “a

32 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: Causas e alternativas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 121. 33 Op. cit., p. 527.

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32 finalidade precípua da pena seria a de criar no espírito dos potenciais criminosos um

contra-motivo suficientemente forte para os afastar da prática do crime”34.

A prevenção geral positiva, por sua vez, tem por objetivo

demonstrar e reafirmar a existência, a validade e a eficiência do ordenamento

jurídico. Busca, portanto, demonstrar a vigência da lei penal.

De acordo com referida teoria, Günther Jakobs afirma que “a

pena pública existe para caracterizar o delito como delito, o que significa dizer o

seguinte: como confirmação da configuração normativa concreta da sociedade” 35,

ou seja, para reforçar a autoridade do direito.

A prevenção especial, a qual tem como destinatário o autor do

delito é a intimidação para evitar que o indivíduo, após cumprir sua pena e sofrer

suas conseqüências, não volte a praticar novos crimes. Também se subdivide em

negativa e positiva.

A prevenção especial negativa tem por escopo intimidar o

indivíduo para que ele não volte a violar a lei penal, ou seja, busca-se evitar a

reincidência.

A prevenção especial positiva tem grande preocupação com a

ressocialização do delinquente, bem como sua reestruturação moral, pois através de

uma execução penal ressocializadora intensa, “nos custos e no aspecto pessoal, a

34 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais de direito penal revisitadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 99. 35 JAKOBS, Günther. Teoria da Pena; e, Suicídio e homicídio a pedido, tradução Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Barueri, SP: Manole, 2003, p. 8.

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33 sociedade pagaria uma parte da culpa que tem carregado consigo pela socialização

defeituosa destes indivíduos”36.

No entanto, conforme afirma Adalto Dias Tristão, é importante

ter como norte que o Estado Democrático de Direito não possui a prerrogativa de

impor ao condenado valores que predominam na sociedade. “Veja, o condenado

deve ter a faculdade de escolher seus valores íntimos. Esse é o maior cuidado a ser

tomado em relação à teoria especial positiva da pena”37.

3.3.3. Teorias Mistas

Para as teorias mistas, ecléticas, intermediárias ou

conciliatórias, a pena tem dupla função, ou seja, retribuir e prevenir.

Pode-se estabelecer, com base no que dispõe o artigo 59 do

Código Penal Brasileiro, que a pena apresenta finalidade mista, qual seja a

retribuição e a prevenção. Diz textualmente: “O juiz, atendendo à culpabilidade (...),

estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção

do crime: as penas aplicáveis dentre as cominadas (...)”.

O artigo 1º da lei de execução penal, por sua vez, sublinha que

“A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão

36 HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal, tradução de Pablo Rodrigo Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005, p. 374. 37 Op. cit., 16.

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34 criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado

ou do internado”.

No momento de proferir a sentença, o Juiz deve aplicar a pena

com o sentido retributivo e preventivo38. No momento da execução reprimenda,

firmou-se a orientação da integração social (prevenção especial positiva).

Para a válida aplicação da pena no atual Estado Democrático de

Direito, não poderá o julgador afastar-se da observância e do respeito às garantias

legalmente asseguradas ao agente e à sociedade, previstas em sede constitucional e

infraconstitucional, como veremos no próximo capítulo, por ocasião da análise dos

princípios constitucionais.

38 A jurisprudência encampa esse entendimento: “Na fixação da reprimenda o Magistrado deve atender e buscar o equilíbrio necessário entre o interesse social e a expiação, sempre visando ao sentido binário da pena, verdadeira pedra de toque do direito penal moderno: reinserção social e expiatório-aflitivo, afeiçoando-se ao princípio da humanidade da pena, finalidades atribuídas pelo estatuto repressivo pátrio” (TRF 4.ª Reg. – AC – Rel. Gilson Dipp – RTJE 152/267).

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35 4. CONCEITO DE PRINCÍPIO

O vocábulo princípio, derivado do latim principium, significa,

de forma geral, o início, o começo.

Celso Antônio Bandeira de Mello ao conceituar princípio e

declinar as conseqüências de seu não cumprimento leciona que,

princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (...) Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada 39.

Segundo Guilherme de Souza Nucci,

etimologicamente, princípio tem vários significados, entre os quais o de momento em que algo tem origem; causa primária, elemento predominante na constituição de um corpo orgânico; preceito, regra ou lei; fonte ou causa de uma ação. No sentido jurídico, não se poderia fugir de tais noções, de modo que o conceito primário de princípios indica uma ordenação, que se irradia e imanta os sistemas de norma, servindo de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo40.

39 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 25. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 56, de 10.12.2007, 2. Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 942-943. 40 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte Especial. 2. ed. rev. amp. e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 67.

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36

De Plácido e Silva afirma que o vocábulo princípio é

Derivado do latim principium (origem, começo), em sentido vulgar quer exprimir o começo de vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começam a existir. É, amplamente, indicativo do começo ou da origem de qualquer coisa. (...) Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito41.

Antonio Carlos da Ponte salienta que:

Estudar princípios significa analisar de forma profunda e pormenorizada a origem a própria origem do sistema punitivo, uma vez que são eles o sustentáculo da Constituição Federal e da própria dogmática penal, que, em um Estado Democrático e Social de Direito, exige uma leitura constitucional42.

E conclui asseverando que os princípios gozam de função

dupla, tendo em vista que fundamentam a atuação do Direito Penal e, ao mesmo

tempo, limitam seu campo de incidência43.

Os princípios devem, portanto, ser definidos como o

fundamento, a origem, a base, a razão fundamental sobre a qual se discorre a

respeito de qualquer matéria.

41 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico Vol. III- J-P. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense 1993, p. 447. 42 PONTE, Antonio Carlos da. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 63. 43 Idem, p. 64.

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37 5. PRINCÍPIOS E REGRAS

Falar em normas, princípios e regras é uma tarefa complexa,

que não se trata do objeto da presente dissertação. Todavia, revela-se pressuposto

teórico fazermos uma análise, ainda que sucinta, do conceito de referidos institutos.

Segundo Humberto Ávila, “normas não são textos nem o

conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de

textos normativos”44.

As normas, como signos que são, de acordo com Clarice von

Oertzen de Araújo, “referem-se a objetos. Genericamente considerado, o objeto das

normas jurídicas é a conduta humana em sociedade”45.

A norma é gênero do qual são espécies princípios e regras. Para

haver uma maior compreensão deve-se fazer a distinção entre as normas que são

regras e as normas que são princípios.

Conforme salienta Luís Roberto Barroso,

a dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípios e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas as quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema46.

Enuncia Ronald Dworkin:

A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em

44 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed. amp. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 30. 45 ARAUJO, Clarice von Oertzen de. Semiótica do Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 70. 46 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 151.

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circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo- ou- nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão47.

J.J. Gomes Canotilho traz critérios para distinguir regras e

princípios:

a) Grau de abstracção: os princípios são normas com um grau de abstracção relativamente elevado; de modo diverso, as ‘regras’ possuem uma abstracção relativamente reduzida. b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador, do juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação directa. c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza estruturante ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito). d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são ‘standards’ juridicamente vinculantes radicados nas exigências de ‘justiça’ (Dworkin) ou na ‘idéia de direito’(Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional. e) Natureza normogenética: os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante48.

Com efeito, o tema relacionado à distinção entre regras e

princípios é bastante árido. No entanto, a função e o alcance dos princípios e das

regras, como bem salientou Antonio Carlos da Ponte, deverão ser compreendidos da

seguinte forma:

47 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério; tradução e notas Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 39. 48 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. 3. reimp.. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1160-1161.

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Os princípios são viabilizados por meio de regras. Enquanto os princípios expressam valores que informam o sistema jurídico, dotados, portanto, de abstratividade; as regras buscam assegurar concretude ao sistema, criando mecanismos que assegurem observância e aplicação à valoração eleita49.

Sendo assim, podemos afirmar que o princípio da dignidade da

pessoa humana é viabilizado, dentre outros dispositivos, pela regra disposta no

artigo 12 da Lei n. 7.210/84, o qual prevê que, “a assistência material ao preso e ao

internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações

higiênicas”.

As regras da Lei n. 8.884/94, de acordo com Eros Roberto

Grau, conferem concreção aos princípios da liberdade de iniciativa, da livre

concorrência, da função social da propriedade, da defesa dos consumidores e da

repressão ao abuso do poder econômico50.

Para as regras se aplica o preceito do tudo ou nada de Dworkin,

sendo que quando duas regras colidem fala-se em conflito, ou seja, no caso concreto

uma só será aplicável. Já os princípios são diretrizes gerais, os quais imantam um

ordenamento jurídico e seu espectro de incidência é muito mais amplo que os das

regras. Entre princípios não há conflito, conforme enfatiza Antonio Carlos da Ponte,

considerando que permitem a realização de ponderações e harmonizam-se de tal

forma que conferem peso a cada um deles. As regras, por sua vez, em razão de

conter fixações normativas definitivas, “excluem-se quando contraditórias,

49 Op. cit., p. 64-65. 50 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 211-212.

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40 prevalecendo uma em detrimento da outra, uma vez que discutem, na essência, uma

questão de validade”51.

De forma singela poderíamos diferenciar os princípios e as

regras com exemplos. Na primeira situação hipotética, uma entidade de ensino

estabelece que o aluno para ser aprovado em uma disciplina deverá ter no mínimo a

média sete. O aluno que não alcançar a nota mínima será reprovado. Neste caso

estamos diante de uma regra, pois não há discussão, valendo a regra do tudo ou

nada. Em outra situação, uma entidade de ensino preleciona que o aluno para ser

aprovado deverá ter um bom desempenho, não estabelecendo uma nota mínima.

Neste caso não há como se estabelecer de forma objetiva qual a nota para a

aprovação, deverá ser levada em conta a frequência, a participação do aluno em sala

de aula, sua pontualidade na apresentação dos trabalhos e outros critérios subjetivos.

Bom desempenho para a aprovação é uma diretriz geral. Neste exemplo estamos

diante de um princípio.

Podemos concluir, portanto, que as regras conferem “concreção

aos princípios”. Entre as regras haverá conflitos normativos e antinomias, mas não

entre os princípios, os quais se harmonizarão.

Firmados os fundamentos teóricos alinhavados neste capítulo,

passa-se à análise do princípio da individualização da pena dentro da ordem

constitucional de 1988.

51 Op. cit. 65.

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41 6. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

Como já salientado, o artigo 5º, inc. XLVI, 1ª parte, da

Constituição Federal preceitua: “a lei regulará a individualização da pena e adotará,

entre outras, as seguintes: a) a privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens;

c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos”.

Guilherme de Souza Nucci afirma que,

individualizar significa tornar individual uma situação, algo ou alguém, quer dizer particularizar o que antes era genérico, tem o prisma de especializar o geral, enfim possui o enfoque de, evitando estandardização, distinguir algo ou alguém, dentro de um contexto52.

A individualização da pena consiste em aplicar o direito a cada

caso concreto, levando-se em conta suas particularidades, o grau de lesividade do

bem jurídico penal tutelado, bem como os pormenores da personalidade do agente.

O princípio em análise, segundo Alexandre de Moraes,

exige uma estreita correspondência entre a responsabilização da conduta do agente e a sanção a ser aplicada, de maneira que a pena atinja suas finalidades de prevenção e repressão. Assim, a imposição da pena depende do juízo individualizado da culpabilidade do agente (censurabilidade de sua conduta)53.

De acordo com o princípio em tela, a pena deve ser

individualizada nos planos legislativo, judiciário e executório, evitando-se a

padronização à sanção penal.

52 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 2. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 30. 53 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1.º a 5.º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência (Coleção temas jurídicos). 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 235.

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42 6.1. Individualização legislativa

Conforme se depreende do texto constitucional, podemos

afirmar que o primeiro momento da individualização da pena se dá com a seleção

feita pelo legislador, quando escolhe para fazer parte do pequeno âmbito de

abrangência do Direito Penal as condutas, positivas ou negativas, que atacam

nossos bens mais importantes.

Com efeito, uma vez feita essa seleção, o legislador valora as

condutas, cominando-lhes penas que variam de acordo com a importância do bem a

ser tutelado.

Segundo Rogério Greco,

a proteção à vida, por exemplo, deve ser feita com uma ameaça de pena mais severa do que aquela prevista para resguardar o patrimônio; um delito praticado a título de dolo terá sua pena maior do que aquele praticado culposamente; um crime consumado deve ser punido mais rigorosamente do que o tentado, etc. A esta fase seletiva, realizada pelos tipos penais no plano abstrato, chamamos de cominação54.

É na fase da cominação que o legislador, de acordo com um

critério político, valora os bens que estão sendo objeto de proteção pelo Direito

Penal, onde será individualizada a pena de cada infração penal de acordo com sua

importância, grau de lesividade e nocividade social.

Os princípios do Direito Penal serão de fundamental

importância, para limitar a atuação do legislador, pois o Direito Penal tem como

54 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2007, p. 71.

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43 missão precípua proteger os bens jurídicos. No entanto, no estado democrático de

direito há um limite claro, devendo ser observados os princípios da ultima ratio,

fragmentariedade, subsidiariedade, proporcionalidade da pena e, sobretudo da

legalidade, na formulação dos tipos penais incriminadores e das penas a serem

aplicadas.

6.2. Individualização judicial

A individualização judicial é realizada pelo juiz ou tribunal,

que analisará as peculiaridades do caso concreto e estabelecerão a quantidade da

pena a ser aplicada e a forma de seu cumprimento.

Nas palavras de Antonio Luis Chaves Camargo,

a fixação da pena é o marco principal de todo o processo penal, onde se encontram entrelaçadas as garantias da análise crítica das provas, obtidas com apoio nos direitos fundamentais, a valoração do bem jurídico protegido, contido no tipo penal, e a finalidade de reprovação, ou censura da conduta, que causou o dano social relevante55.

A individualização judicial da pena tem como limite os

princípios da legalidade e da culpabilidade.

Roberto Lyra conta que,

um velho juiz confessou, certa vez, que, seja qual for a prova, sempre se encontra razão para absolver ou condenar. Fora dos casos de prevaricação, nenhuma regra, de que a nossa jurisprudência contém múltiplos exemplos, mormente em relação aos crimes de defloramento e de lenocínio, à contravenção da

55 CHAVES CAMARGO, Antonio Luis. Culpabilidade e reprovação penal. São Paulo: Sugestões Literárias, 1994, p. 152.

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vadiagem e à justificativa da legítima defesa. Exatamente porque a lei penal não armava o juiz de meios para individualizar a pena, avultaram as desvirtuações do arbítrio judicial56.

O julgador ao aplicar a reprimenda deverá ter como norte o

princípio da proporcionalidade. Ao estabelecer uma quantidade de pena, o julgador

deverá levar em consideração as particularidades do caso concreto, ou seja, deverá

fazer a distinção entre condutas, em face do grau de reprovabilidade.

Como salientou Janaina Conceição Paschoal, “quando da

cominação, a individualização nada mais é que um exercício de proporcionalidade

entre o fato a ser punido e a pena que lhe será atribuída”57.

O art. 68 do Código Penal adotou o sistema trifásico, para a

aplicação da pena. Na dosimetria da pena existem três fases que o julgador deve

percorrer para fixar ou dosar a pena.

Assim, são três as fases de fixação da pena pelo juiz:

1ª) circunstâncias judiciais - CP, 59: há a fixação da pena-base;

2ª) circunstâncias legais genéricas, que podem ser: agravantes

(artigo 61/62 do Código Penal) e atenuantes (art. 65/66 do Código Penal): há a

fixação da pena provisória;

56 Op. cit., p. 179. 57 PASCHOAL, Janaina Conceição. Direito Penal, Parte Geral. Barueri, SP: Manole, 2003, p. 107.

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45 3ª) causas especiais de aumento ou de diminuição ou

circunstâncias legais específicas (majorante e atenuante específicas, que são

diferentes das qualificadoras): há a fixação da pena privativa definitiva.

Nas duas primeiras fases, as características fundamentais e

distintas da terceira são: não há quantum definido pela lei e o juiz deve, pelo menos,

ater-se aos limites máximo e mínimo da escala penal, conforme preceitua a Súmula

n º 231 do Superior Tribunal de Justiça.

Já na terceira fase, há quantum definido na lei para o aumento

ou a diminuição da pena e os limites da escala penal podem ser ultrapassados (tanto

mínimo quanto máximo). Não há um artigo que concentre essas circunstâncias

especiais, como ocorre com as outras circunstâncias, pois estão em dispositivos

esparsos tanto da Parte Geral quanto da Parte Especial do Código Penal: exs. artigo

14, § único, 28, § 2º, 70, 71 § único, 21, 26 § único, 16, 29 § 1º e 155 § 1◦.

6.3. Individualização executória

O artigo 5º da Lei n. 7.210/84 dispõe: “Os condenados serão

classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a

individualização da execução penal”.

A individualização executória será determinada pelo juízo da

execução criminal, o qual deverá adequar à pena aplicada, possibilitando à

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46 progressão de regime, fazendo com que o reeducando seja transferido, de acordo

com seu merecimento, de um regime mais gravoso para um mais brando, além de

lhe assegurar outros benefícios legais, como o livramento condicional e a remição, a

qual será o abatimento da pena pelo trabalho.

Roberto Lyra salienta que,

o método de individualização, na fase da execução, deve ser simples desenvolvimento e pormenorização, dependentes, aliás, de aparelhamento prisional, da individualização legal e judicial58.

A execução penal não pode ser igual para todos os

sentenciados, pois devem ser levadas em conta as condições pessoais de cada

indivíduo.

58 Op. cit. p. 177-178.

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47 7. CORRESPONDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA

PENA COM OS DEMAIS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À PENA

7.1. Princípio da dignidade da pessoa humana

O artigo 1º, inciso III da Constituição Federal traz a dignidade

da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil,

razão pela qual aludido princípio não se encontra entre os direitos e garantias

individuais previstos no artigo 5º da carta política.

Antonio Carlos da Ponte salienta que a opção política do

constituinte “pode facilmente ser compreendida, pois a pessoa humana deve ser

considerada alicerce e objetivo maior da sociedade, ou seja, a razão da existência do

Estado são as pessoas”59.

Antonio Luis Chaves Camargo afirma que a dignidade humana,

“expressão melhor do que dignidade da pessoa humana, pois esta reflete um

pleonasmo, é a fonte de todos os direitos humanos, pois exerce a função de base

destes direitos, servindo de conexão entre o ser e seu agir social”60.

Alguns autores, como Guilherme de Souza Nucci61, Celso

Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins62, sustentam que a dignidade da

59 Op. cit., p. 65. 60 CHAVES CAMARGO, Antonio Luis; SHECAIRA, Sérgio Salomão (organ.). Estudos criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva (criminalista do século). São Paulo: Editora Método, 2001, p. 74. 61 Idem, Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte Especial, p. 73. 62 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 425.

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48 pessoa humana é uma das metas a serem atingidas pelo Estado e pela sociedade

brasileira, nada tendo a ver com um princípio penal específico.

Todavia, com propriedade e da forma com a qual concordamos,

Antonio Carlos da Ponte leciona que,

O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado o fundamento maior da carta de princípios denominada Constituição Federal (...) Trabalhando com a idéia de sistema jurídico fechado, propugnada por Hans Kelsen, o princípio da dignidade da pessoa humana seria, como já adiantado, a norma hipotética fundamental -ápice da pirâmide-, sob a qual encontrar-se-ia a Constituição Federal, alicerçada em uma série de outros princípios. Abaixo, estariam as leis complementares, delegadas, ordinárias, os decretos, as portarias, etc 63.

Partiremos, portanto, do princípio da dignidade da pessoa

humana, o qual é o alicerce da carta constitucional, donde decorrem os demais

princípios, pois trabalharemos com a idéia de um sistema jurídico fechado, eis que

não vigora em nosso país o common law.

7.2. Princípio da legalidade

O artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal fixa o

conteúdo das normas penais incriminadoras, ou seja, os tipos penais, mormente os

incriminadores, os quais somente podem ser criados através de lei em sentido

estrito, emanada do Poder Legislativo, respeitando o procedimento previsto na carta

política.

63 Op. cit., p. 65-67.

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49 O Direito Penal moderno, como salienta Luiz Regis Prado,

se assenta em determinados princípios fundamentais, próprios do Estado de Direito democrático, entre os quais sobreleva o da legalidade dos delitos e das penas, da reserva legal ou da intervenção legalizada, que, enunciado no art. 1.º do Código Penal, tem base constitucional igualmente expressa (artigo 5.º, XXXIX, da CF). A sua dicção legal tem sentido amplo: não há crime (infração penal) nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei (stricto sensu). Isso vale dizer: a criação dos tipos penais incriminadores e de suas respectivas conseqüências jurídicas está submetida à lei formal anterior (garantia formal). Compreende, ainda, a garantia substancial ou material que implica uma verdadeira predeterminação normativa64.

Pondera Luiz Luisi que o princípio da legalidade, segundo a

doutrina mais contemporânea, se desdobra em três postulados. O primeiro se

relaciona às fontes das normas penais incriminadoras. Outro se refere à enunciação

dessas normas. E o terceiro é afeto à validade das disposições penais no tempo. O

primeiro postulado é o da reserva legal. O segundo é o da determinação taxativa. E

o último é o da irretroatividade da lei penal65.

O primeiro postulado, o da reserva legal, estabelece que não há

crime nem pena sem lei em sentido estrito, elaborada na forma constitucionalmente

prevista, através do poder legiferante.

Como ensina Luiz Regis Prado,

o caráter absoluto de reserva legal impede a delegação por parte do poder legiferante de matéria de sua exclusiva competência, lastreado no princípio da divisão dos poderes. Assim, só ele pode legislar sobre determinado assunto, tal como definir a infração penal e cominar-lhe a respectiva conseqüência jurídica. O fundamento de garantia da reserva de lei, como princípio de legitimação democrática, deve informar e presidir a atividade de

64 Op. cit., p. 129-130. 65 LUISI, Luiz. Os princípios Constitucionais Penais. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 17-18.

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produção normativa penal, por força da particular relevância dos bens em jogo66.

O objetivo imediato e preponderante da reserva legal é impedir

que o Poder Executivo venha a se imiscuir na seara do Legislativo, no que concerne

à criação de tipos penais e penas.

O fundamento que justifica a escolha do Poder Legislativo

como detentor exclusivo do poder normativo em sede penal está em sua legitimação

democrática, a qual emerge do artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal de

1.988.

Em síntese, fica patente que somente a lei formal é fonte

criadora de crimes e de penas, de circunstâncias agravantes ou de medidas de

segurança, sendo incompatível com a ordem constitucional vigente a utilização, em

seu lugar, de qualquer outro ato normativo, como por exemplo, medida provisória.

O segundo postulado é o da determinação taxativa, segundo o

qual o tipo penal incriminador deve ser bem definido e detalhado para não gerar

qualquer dúvida quanto ao seu alcance e aplicação. O legislador deve evitar tipos

penais vagos, genéricos, ambíguos, imprecisos, dúbios e repletos de termos

valorativos que podem dar ensejo ao abuso do estado na invasão da intimidade e da

esfera de liberdade dos indivíduos.

Márcia Dometila Lima de Carvalho assevera que:

66 Op. cit., p. 131.

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Juristas de renome já salientaram que o princípio da reserva legal só pode desenvolver toda a sua eficácia, quando a vontade do legislador expressa-se com suficiente clareza, de modo a excluir qualquer decisão subjetiva e, portanto, arbitrária. (...) É mister que esta lei, temporalmente anterior, ao definir o fato criminoso, enuncie, com clareza, os atributos essenciais e específicos da conduta humana, de forma a torná-la inconfundível com outra, cominando-lhe pena balisada (sic) em limites razoáveis67.

O terceiro postulado é o da irretroatividade da lei penal (artigo

5o, XL, CF e artigo 2º do Código Penal), ressalvada a retroatividade favorável ao

acusado- “a lei não retroagirá, salvo quando para beneficiar o réu”.

A declaração Universal dos Direitos do Homem de 1.948 em

seu art. XI-2 estabelece: “Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou

omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou

internacional. Tampouco não será imposta pena mais forte do que aquela que, no

momento da prática, era aplicável ao ato delituoso”.

A finalidade precípua da irretroatividade da lei penal é

restringir o arbítrio legislativo e judicial na elaboração ou aplicação retroativa da lei

prejudicial.

Além dos postulados acima descritos, existem garantias

jurisdicionais e penitenciárias ou de execução que complementam o princípio da

legalidade.

São garantias jurisdicionais trazidas pela Constituição Federal

de 1988, as de que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela

67 CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação Constitucional do Direito Penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1992, p. 54-55.

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52 autoridade competente” (artigo 5º, LIII, CF), ou seja, juiz ou tribunal de exceção

(artigo 92 CF); “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória” (artigo 5º, LVII, CF).

Por sua vez, são garantias penitenciárias ou de execução

trazidas na carta política de 1988 as de que “a pena será cumprida em

estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do

apenado” (artigo 5º, XLVIII, CF); “é assegurado aos presos o respeito à integridade

física e moral” (artigo 5º, XLIX, CF).

Anabela Miranda Rodrigues estabelece a relação entre

individualização da pena e legalidade afirmando que,

o que em regra se passa é que o juiz é chamado a determinar a pena em uma medida compreendida entre um máximo e um mínimo pré-determinado na lei, no singular preceito incriminador. Solução que, se por um lado, como se viu, satisfaz as atuais exigências do princípio da legalidade da pena, por outro lado garante as exigências de individualização, numa confluência de interesses a que não é estranha a relativização que sofreram os postulados básicos das Escolas clássica e positiva, inspiradores de concepções extremas 68.

7.3. Princípio da igualdade

O princípio da igualdade ou da isonomia irradia seu preceito

para o Direito Penal. Respeitá-lo é submeter-se ao Estado Democrático de Direito.

68 RODRIGUES, Anabela Miranda. A determinação da medida da pena privativa de liberdade. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 60-61.

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Está assentado no artigo 5º caput da Constituição Federal que,

“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I -

homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta

Constituição”.

O princípio em análise é segundo J.J. Gomes Canotilho “um

dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos fundamentais”69.

Como vimos na primeira parte da presente dissertação, durante

a evolução histórica do Direito Penal brasileiro, a legislação nem sempre respeitou o

princípio da igualdade. Havia uma brutalidade nas punições aos hereges, apóstatas e

feiticeiros, bem como tipos penais específicos para determinadas classes sociais e

um tratamento diferenciado, o qual privilegiava certas camadas da sociedade.

Todavia, o texto constitucional representa ruptura com o

regime autoritário e propõe uma igualdade.

Em linhas gerais podemos dizer que o princípio da igualdade

ou da isonomia se traduz na obrigação de se tratar igualmente os iguais e

desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.

O preceito magno da igualdade, segundo Celso Antônio

Bandeira de Mello, é norma destinada quer para o aplicador da lei, quer para o

69 Op. cit., p. 426.

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54 próprio legislador. “Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os

indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento

equânime às pessoas”70.

Na fixação da pena-base, ao analisar as circunstâncias judiciais

do artigo 59 do Código Penal deverá o juiz tratar igualmente os iguais e

desigualmente os desiguais. Não há como se fixar a mesma pena para um indivíduo

primário e com bons antecedentes e outro com uma extensa ficha de antecedentes

criminais e uma conduta social deplorável. Será necessário o cotejo minucioso de

referidas circunstâncias, para se aplicar uma pena adequada às peculiaridades do

caso concreto.

Como bem exemplificou Cleber Masson, um traficante de

drogas, primário e com o qual foi apreendida uma pequena quantidade de cocaína,

deve ser apenado mais suavemente do que outro traficante reincidente e preso em

flagrante pelo depósito de uma tonelada da mesma droga. 71

Portanto, a correta aplicação do artigo 59 do Código Penal

materializa o princípio da igualdade na medida em que iguala situações semelhantes

e desiguala situações diferenciadas, as quais muitas vezes merecem um tratamento

mais rigoroso.

70 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, p. 13. 71 MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado: Parte geral. São Paulo: Método, 2008, p. 41.

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7.4. Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade encontra fundamento nos

incisos XLII, XLIII, XLIV, XVLVI e XLVII, do artigo 5º da Constituição Federal.

Antonio Carlos da Ponte enuncia que:

O princípio em apreço trabalha diretamente com o conceito de Justiça em um Estado Democrático de Direito, apontando as infrações penais que não são passíveis de prescrição, aquelas consideradas de extrema gravidade por parte do Estado brasileiro e, ao mesmo tempo, proibindo a adoção de determinadas penas e exigindo a individualização das permitidas, com o que assegura o controle da própria ação estatal 72.

Para que possamos compreender o princípio da

proporcionalidade lato sensu, devemos analisar as suas três vertentes ou

subprincípios, trazidas por J. J. Gomes Canotilho73 dispostos abaixo:

Princípio da conformidade ou adequação de meios: Consoante

este princípio, a atividade do poder público deve ser apropriada para a consecução

dos objetivos pretendidos pela Constituição Federal.

O princípio da conformidade ou adequação impõe que a

medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à

prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Consequentemente, a exigência de

conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o acto do poder público é

apto para e conforme os fins justificativos da sua adopção. Trata-se, pois, de

controlar a relação de adequação medida-fim.

72 Op. cit., p. 79-80. 73 Op. cit., p. 269-270.

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56 Princípio da exigibilidade ou da necessidade: Este princípio

determina que o Estado deva sempre escolher o meio igualmente eficaz e menos

oneroso para o cidadão.

Assim, o Estado como esclarece Alice Bianchini, “somente está

autorizado a se utilizar do arsenal punitivo quando, para a obtenção de determinados

fins, inexiste qualquer outro meio menos oneroso para o cidadão”74.

Princípio da proporcionalidade em sentido estrito: Exige que o

Estado procure sopesar as vantagens e desvantagens da medida tomada, e, assim,

decidir pela tomada ou não do ato. Este princípio só deverá ser analisado após a

observância dos dois outros anteriormente mencionados, pois, em muitas situações,

apesar de a medida ser adequada e exigível, poderá não ser proporcional em sentido

estrito.

Gilmar Ferreira Mendes, apontando decisão do Tribunal

Constitucional Alemão assevera que:

Os meios utilizados pelo legislador devem ser adequados e exigíveis à consecução dos fins visados. O meio é adequado se, com a sua utilização, o evento pretendido pode ser alcançado; é exigível se o legislador não dispõe de outro meio eficaz, menos restritivo aos direitos fundamentais75.

Na proporcionalidade entre os delitos e as penas, deve existir

sempre uma medida de equilíbrio e justiça, no plano abstrato, que se refere ao

74 BIANCHINI, Alice. Pressupostos Materiais Mínimos da Tutela Pena. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 83. 75 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: Aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva 1990, p. 41.

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57 legislador na elaboração dos tipos penais, e no plano concreto, o qual cabe ao Poder

Judiciário, ao analisar a gravidade do fato ilícito perpetrado e a pena a ser imposta76.

Desta forma, fica evidente que o princípio da proporcionalidade

é de fundamental importância no Direito Penal e no Processo Penal, para

contrabalançar valores e princípios, os quais rotineiramente se opõem, como por

exemplo o direito à liberdade do indivíduo e o dever do Estado de punir o culpado.

Luciano Feldens esclarece que,

provavelmente não exista hipótese mais evidente de aplicação do princípio da proporcionalidade no âmbito do Direito Penal do que quando invocando o cognominado princípio da insignificância. Embora seguidamente reconduzido ao plano exclusivo da dogmática penal, a constatação acerca da insignificância jurídico-penal de uma conduta determinada não é senão a realização de um juízo concreto de desproporcionalidade que se realiza acerca da potencial incidência de uma medida legalmente prevista (a sanção penal) a uma situação de fato77.

7.5. Princípio da Culpabilidade

Postulado basilar de que não há pena sem culpabilidade (nulla

poena sine culpa).

76 Em decisão da lavra do Des. Nereu José Giacomolli o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que ofende o princípio da proporcionalidade, ser cominada a mesma pena do estupro para o atentado violento ao pudor sem qualquer espécie de cópula e a prática de atos libidinosos menos intensos: “Crime contra os costumes – Atentado violento ao pudor – Proporcionalidade. 1. Fere o princípio da proporcionalidade o mesmo apenamento ao estupro, ao atentado violento ao pudor sem qualquer espécie de cópula e a prática de atos libidinosos menos intensos. 2. Os delitos de estupro e atentado violento ao pudor possuem igual apenamento: 6 a 10 anos de reclusão. O legislador de 1990 não considerou no processo de tipificação criminal o princípio da proporcionalidade. Assim, por exemplo, manter conjunção carnal ou outro tipo de relação sexual, bem como qualquer ato libidinoso diverso da conjunção carnal, por mais simples que seja, tem a mesma reprovabilidade jurídica. Adequação típica efetuada em sede recursal. Apelo da defesa parcialmente provido. Recurso ministerial prejudicado. (TJRS – ACR 70010325355 – 7ª C.Crim. – Rel. Nereu José Giacomolli – j. 03.03.2005)”. 77 FELDENS, Luciano. A Constituição Penal. A dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2005, p. 191.

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58 Por isso, conforme leciona Antonio Carlos da Ponte, tem-se

defendido “que em nenhum caso se pode admitir, nem por razões ressocializadoras,

nem de proteção da sociedade diante do criminoso, uma pena superior ao que

permite a culpabilidade”78.

É a culpabilidade um juízo de reprovabilidade, juntamente com

a consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Será

reconhecida como elemento do crime ou como pressuposto para a aplicação da

pena, dependendo do conceito de crime adotado.

Como salientou Luiz Luisi,

a nossa ordem jurídica também dá a culpabilidade gabarito constitucional. Basta considerar o texto do inciso XVII, da nossa Carta Magna: ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’. Isto quer dizer que a condenação ao cumprimento de uma pena pressupõem (sic), seja provada e declarada a culpabilidade de um agente que seja autor ou participe (sic) de um fato típico e antijurídico. Também se deduz a presença da culpabilidade do texto do inciso XLVI, do Código V, da Constituição de 1988, que consagra a individualização da pena79.

Não há crime sem dolo ou culpa. Ninguém será punido, se não

houver agido com dolo ou culpa, dando mostras de que a responsabilização não será

objetiva, mas subjetiva.

Trata-se de conquista do Direito Penal moderno, voltado à idéia

de que a liberdade é a regra, sendo exceção a prisão ou a restrição de direitos.

78 PONTE, Antonio Carlos da. Inimputabilidade e Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 25. 79 Op. cit. p. 37.

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59 Além disso, o próprio Código Penal estabelece que somente há

crime, quando estiver presente o dolo ou a culpa (artigo 18 do Código Penal). Em

hipóteses extremadas, devidamente previstas em lei, pode-se adotar a

responsabilidade penal objetiva, fundada em ato voluntário do agente, mas sem que,

no momento da conduta criminosa, estejam presentes o dolo ou a culpa, como

ocorre com a embriaguez voluntária (artigo 28, inciso II do Código Penal).

Situação que merece uma análise pormenorizada se refere aos

casos de embriaguez voluntária ou culposa.

Com base na teoria da actio libera in causa o elemento

subjetivo do crime projeta-se do momento de ingestão da bebida para o instante do

delito. Leva-se em consideração que, no momento de se embriagar, o agente pode

ter agido dolosa ou culposamente.

Oswaldo Henrique Duek Marques em artigo no qual comenta o

princípio da nulla poena sine culpa em face da embriaguez voluntária ou culposa

salienta que:

Não obstante a permanência de dispositivo expresso, determinando a não exclusão da imputabilidade, nos casos de embriaguez voluntária ou culposa (artigo 28, II), a Nova Parte Geral, em várias outras passagens, procurou eliminar qualquer espécie de responsabilidade penal objetiva, como se conclui pela interpretação conjunta do artigo 18, incisos I e II, e seu parágrafo único, e artigos 19, 20, § 1.º, 21 e 59 (...) Portanto, a solução mais coerente com o princípio da nulla poena sine culpa, nos casos de embriaguez voluntária ou culposa, é verificar, em cada caso concreto, a responsabilidade do agente, de acordo com a sua capacidade de discernimento no momento do crime. Na aferição do elemento psicológico-normativo, no instante da prática do fato típico, é que reside o direito penal da culpabilidade, compatível com os princípios constitucionais vigentes80.

80 DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique; PENTEADO, Jaques de Camargo (coord.). Justiça Penal. Críticas e sugestões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 39, 41 e 42.

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60 A culpabilidade, portanto, terá, de acordo com Luiz Flávio

Gomes e Antonio García-Pablos de Molina, tríplice função, se constituindo em um

dos fundamentos da pena (sem culpabilidade devidamente comprovada jamais pode

existir pena); limite da pena (artigo 29 do Código Penal), ou seja, cada agente será

punido nos limites de sua culpabilidade e fator de graduação, a qual será analisada

no momento da aplicação da pena, como veremos mais adiante, na análise das

circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal81.

7.6. Princípio da humanidade

O Brasil vedou a aplicação de penas insensíveis e dolorosas. A

Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da humanidade das penas, o que

significa, conforme preceitua Guilherme de Souza Nucci, que o Estado deve ser

benevolente na aplicação da pena, “buscando o bem-estar de todos na comunidade,

inclusive dos condenados, que não merecem ser excluídos somente porque

delinqüiram, até porque uma das finalidades da pena é sua ressocialização”82.

Sendo assim, não haverá penas “de morte, salvo em caso de

guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX”, “de caráter perpétuo”, “de

trabalhos forçados”, “de banimento”, “cruéis” (artigo 5º, XLVII), além de se

estabelecer que ao preso deva ser assegurado o respeito à integridade física e moral

(artigo 5.º, XLIX). 81 GOMES, Luiz Flávio; PABLOS DE MOLINA, Antonio García. Direito penal: parte geral, vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 570. 82 Idem. Individualização da Pena, p. 40-41.

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61 A individualização da pena encontra sintonia com o princípio

da humanidade, notadamente no que se refere à individualização executória da

sanção penal.

Deve o juiz da execução penal zelar para que o cumprimento da

reprimenda seja feito de forma humanizada, não se tolerando eventuais excessos, os

quais afrontem a dignidade da pessoa humana, pois conforme salienta Sérgio

Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Júnior, é através da forma de punir que se verifica

“o avanço moral e espiritual de uma sociedade, não se admitindo pois, nos tempos

atuais, qualquer castigo que fira a dignidade e a própria condição do Homem,

sujeito de direitos fundamentais invioláveis”83.

7.7. Princípio da ultima ratio

Também denominado princípio da intervenção mínima,

preceitua que o Direito Penal deve ser a última opção do legislador para resolver

conflitos emergentes, na sociedade.

O Direito Penal, segundo preceitua Pedro Luiz Ricardo

Gaglliardi, “é a ultima ratio, recurso extremo e draconiano do Estado, limitado a

83 SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JÚNIOR, Alceu. Teoria da Pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 87.

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62 proteger os bens jurídicos cuja tutela pelos demais ramos sejam insuficientes,

situação não evidenciada no caso”84.

O princípio ultima ratio ou da intervenção mínima surge por

ocasião do movimento social de ascensão da burguesia (Iluminismo). Aludido

princípio, julga ser legítima a criminalização de um fato somente se este constitui o

único meio necessário para a proteção de um determinado bem jurídico.

Assim, para corroborar esta idéia, a Declaração de Direitos do

Homem e do Cidadão, de 1789, em seu artigo 8º, determinou que “a lei apenas deve

estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias (...)”.

O Direito Penal deve ser utilizado como um antibiótico de

última geração, ou seja, somente ser administrado para solucionar situações de

extrema gravidade e depois de vencidas as etapas anteriores, com a utilização de

outros medicamentos menos agressivos.

A utilização indiscriminada de um medicamento potente para

debelar situações sem gravidade pode levar a sua banalização e ineficácia, sendo

que quando realmente for necessária a sua administração não serão produzidos os

efeitos necessários.

Portanto, mutatis mutandi, verificamos que o Direito Penal só

deve intervir para resolver situações graves e com efetiva lesividade social, sob

84 GAGLIARDI, Pedro Luiz Ricardo; MARQUES DA SILVA, Marco Antonio; COSTA, José de Faria (coord.). Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais: Visão Luso-Brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 544.

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63 pena de cair no descrédito. O antibiótico de última geração não pode ser

administrado para curar um resfriado corriqueiro, mas para uma patologia grave.

O Direito Penal não pode, como exposto, ser vulgarizado e

tratado como norma solucionadora de qualquer conflito, sob pena de cair no

descrédito. O arsenal punitivo do Estado deve ser reservado para condutas com

efetiva lesividade social.

7.8. Princípio da fragmentariedade

É corolário do princípio da intervenção mínima. O Direito

Penal é um fragmento do ordenamento jurídico, não podendo regular todas as lesões

a bens jurídicos tutelados.

O Direito Penal deve ocupar-se das condutas mais graves,

verdadeiramente lesivas à vida em sociedade. Outras questões devem ser resolvidas

pelos demais ramos do direito, através de indenizações civis ou punições

administrativas. Eis aí, como descrito por Francisco de Assis Toledo, o caráter

fragmentário do Direito Penal: “dentre a multidão de fatos ilícitos possíveis,

somente alguns –os mais graves– são selecionados para serem alcançados pelas

malhas do ordenamento penal”85.

Cezar Roberto Bitencourt afirma que o princípio da

fragmentariedade tem como fundamento que somente as condutas mais graves

85 Op. cit., p. 14-15.

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64 praticadas contra bens jurídicos mais importantes carecem dos rigores do direito

penal86.

Como salientado por Luiz Regis Prado, a fragmentariedade não

quer dizer, “obviamente, deliberada lacunosidade na tutela de certos bens e valores

e na busca de certos fins, mas limite necessário a um totalitarismo de tutela, de

modo pernicioso para a liberdade”87.

O Direito Penal, portanto, possui um caráter fragmentário, ou

seja, deve ocupar-se somente daqueles casos em que há uma ameaça grave aos bens

jurídicos tutelados pelo Estado, logo, nunca disciplinando bagatelas irrelevantes.

7.9. Princípio da subsidiariedade

A subsidiariedade do Direito Penal, que presume a sua

fragmentariedade, deriva de sua consideração como um remédio sancionador

extremo, que deve ser ministrado apenas quando nenhum outro se mostrar

suficiente para resolver o conflito. Assim, a intervenção do Direito Penal só se

legitima quando os outros ramos do direito se revelarem ineficazes em sua

intervenção.

Este princípio decorre do próprio caráter fragmentário do

Direito Penal e estabelece que a sua intervenção somente deva ocorrer nos casos

com efetiva lesidade social, os quais impeçam a manutenção da ordem social, pois

86 BITENCOURT, Cézar Roberto. Novas Penas Alternativas. Análise político-criminal das alterações da Lei n. 9.714/98. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 36. 87 Op. cit., p. 139.

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65 como aduz Marco Antonio Marques da Silva “não é através do Direito Penal que se

evita crimes, mas por meio de uma política social que se destine a remover os

fatores que favoreçam a delinqüência”88.

Alberto Silva Franco ao prefaciar o livro Pressupostos

Materiais Mínimos da Tutela Penal de Alice Bianchini assevera que:

A máquina penal não deve ser posta em ação se outras formas de controle, menos gravosas, podem ser utilizadas. Daí o caráter subsidiário do sistema penal: só deve atuar em última instância quando os demais controles fracassem ou se mostrem inertes. A necessidade, como assevera Luzon Peña ‘pressupõe o merecimento da pena e significa que um fato, além de merecedor de pena, necessita ser apenado, já que, no caso concreto, não existe nenhum outro meio disponível que seja eficaz e menos aflitivo89.

O Direito Penal, conforme Cleber Rogério Masson, funciona

como um soldado de reserva, entrando em cena somente se os demais ramos do

direito não estiverem aptos a proteger o bem jurídico tutelado. Caso não seja

necessária sua atuação, “fica ele de prontidão, aguardando, se necessário, ser

chamado pelo operador do Direito para, aí sim, enfrentar uma conduta que coloca

em risco a estrutura da sociedade”90.

Segundo o magistério de Jorge de Figueiredo Dias,

A restrição da função do direito penal à tutela de bens jurídicos penais, por um lado, e o caráter subsidiário desta tutela em sintonia com o princípio da necessidade, por outro, conduzem à justificação de uma posição político-criminal fundamental: a de que, para um eficaz domínio do fenômeno da criminalidade dentro de cotas socialmente suportáveis, o Estado e o seu aparelho formalizado de controle do crime devem intervir o menos possível; e devem

88 MARQUES DA SILVA, Marco Antonio. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 9. 89 Op. cit., p. 11. 90 MASSON, Cleber Rogério; MARQUES DA SILVA, Marco Antonio (coord.). Processo Penal e Garantias Constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 135.

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intervir só na precisa medida requerida pelo asseguramento das condições essenciais de funcionamento da sociedade91.

91 Op. cit., p. 81.

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67 8. BEM JURÍDICO-PENAL E OS CRITÉRIOS PARA A

CRIMINALIZAÇÃO DE UMA CONDUTA

Para se fazer a individualização legislativa, ou seja, para que o

parlamento crie novos tipos penais, é necessária a observância de critérios.

Os princípios constitucionais, os quais foram tratamos no

capítulo anterior, bem como o conceito de bem jurídico, serão de fundamental

importância na produção legislativa, no tocante à criação de novos tipos penais.

Já está assentado que não é qualquer bem jurídico que obterá a

qualificação de bem jurídico-penal.

Em um estado democrático de direito é necessário estabelecer

até onde o Direito Penal pode interferir na condução da vida do cidadão. Busca-se

concluir tais reflexões com fundamento nos princípios que norteiam a questão.

Nesse sentido Alice Bianchini afirma que,

um estado de direito pressupõe a soberania popular, respeitando as opções de vida de cada pessoa, sem se prestar a perseguir construções ideológicas, pregações divinas ou objetivos transcendentes (...). As condutas meramente imorais não se constituem em objeto de tutela penal92.

As concepções do bem jurídico-penal sofreram inúmeras

variações no curso da história e continuam distantes de um consenso.

92 Op. cit., p. 34-35.

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68 Tarefa árdua é conceituar bem jurídico penal. A doutrina penal,

conforme afirma Alice Bianchini, utiliza o termo bem jurídico em duas distintas

acepções: a) no sentido político-criminal (de lege ferenda); b) no sentido dogmático

(de lege lata). A distância que se estabelece entre um e outro varia de conformidade

com a capacidade de realização, por parte do direito positivo, dos postulados

reconhecidos como imprescindíveis pela política criminal93.

Segundo Luiz Regis Prado, a noção de bem jurídico “implica a

realização de um juízo positivo de valor acerca de um determinado objeto ou

situação social e de sua relevância para o desenvolvimento do ser humano”94.

Para Francisco de Assis Toledo, bens jurídicos são valores

ético-sociais que o direito seleciona, “com o objetivo de assegurar a paz social, e

coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões

efetivas”95.

Nilo Batista faz uma crítica às concepções lógico-formais de

bem jurídico, asseverando que:

Numa sociedade dividida em classes, o direito penal está protegendo relações sociais (ou ‘interesses’, ou ‘estados sociais’, ou ‘valores’) escolhidos pela classe dominante, ainda que aparentem certa universalidade, e contribuindo para a reprodução dessas relações96.

93 Op. cit., p. 38. 94 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico- penal e Constituição. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 82. 95 Op. cit., p. 16. 96 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 8. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 116.

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69 Portanto, em um Estado onde vigore a democracia, como é o

caso do Brasil, a noção de bem jurídico deve ter estreita vinculação com as

limitações impostas ao Direito Penal e deve ser compreendida a partir dos

princípios e valores descritos na Constituição Federal.

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70

9. AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

9.1. Culpabilidade

Culpabilidade para Hans Welzel é a reprovabilidade do fato

antijurídico individual (ou de parte da conduta de vida antijurídica). “O que se

reprova é a resolução de vontade antijurídica em relação ao fato individual (ou de

parte da conduta de vida)”97.

Com o advento da Reforma da Parte Geral do Código Penal,

por meio da Lei 7.209/1984, a culpabilidade substituiu as expressões “intensidade

do dolo” e “grau da culpa”, as quais eram previstas no artigo 42 do Código Penal de

1.940 para fixação da pena-base.

Dentro desse enfoque a culpabilidade é o juízo de reprovação,

sendo que o juiz, ao apreciá-la, deverá levar em conta o grau de censurabilidade da

conduta, pois quanto mais reprovável for o comportamento do agente, maior deverá

ser a sua pena. 98

O dolo, de acordo com o ensinamento de Cezar Roberto

Bitencourt, que se encontra localizado no tipo penal de acordo com a teoria finalista

da ação e deve “ser aqui considerado para avaliar o grau de censurabilidade da ação

97 WELZEL, Hans. O novo modelo jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista; tradução, prefácio e notas Luiz Regis Prado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 109. 98 A jurisprudência sinaliza no sentido de que analisar a culpabilidade, como circunstância judicial, é averiguar o grau de reprovabilidade da conduta: “Bem-analisada pelas instâncias ordinárias a prova da autoria e da materialidade, que confirmam que o paciente em co-autoria com servidor de cartório, falsificou vários alvarás para levantamento de depósitos judiciais, tudo a inferir o grau de culpabilidade e de reprovabilidade da conduta criminosa, o que é relevante em se tratando de crime contra a administração pública, de molde a justificar uma maior censura penal” (STF – HC 74588-1 – Rel. Ilmar Galvão – DJU 07.02.97, p. 1.340).

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71 tida como típica e antijurídica: quanto mais intenso for o dolo, maior será a censura;

quanto menor a sua intensidade, menor será a censura”99.

Ainda que se pondere o crime na visão causalista, onde se

insere o dolo e a culpa na culpabilidade (e não no fato típico), de acordo com

Guilherme de Souza Nucci, “devemos deixar de considerar o elemento subjetivo

como fator para a graduação da pena”. 100

Na fixação da sanção deverá ser avaliada a reprovabilidade

ocasionada pelo fato delituoso e seu grau de censurabilidade, cujo grau maior ou

menor deverá incidir no quantum da pena, ou seja, no artigo 59 o vocábulo

culpabilidade tem a função de fator de graduação da pena.

Sendo assim, teria sido mais adequado que o legislador tivesse

se utilizado da expressão “grau de culpabilidade”, pois ficaria claro que todos

aqueles que violaram a norma penal (autores e partícipes culpáveis), seriam

punidos, todavia os que agiram de forma mais censurável e reprovável teriam

reprimendas mais severas.

9.2. Antecedentes

Os antecedentes se referem ao passado do indivíduo, suas

condenações, absolvições, ou seja, todo seu histórico em matéria criminal. 101

99 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 5. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 178. 100 Idem. Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte Especial, p. 417. 101 A jurisprudência descreve o que vem a ser antecedentes: “Antecedentes são todos os fatos ou episódios da vida anteacta do réu, próximos ou remotos, que possam interessar, de qualquer modo, a avaliação subjetiva do crime. Tanto os maus e os péssimos, como os bons e os ótimos. Em primeiro lugar, deve-se ter em conta os antecedentes judiciais, nunca restringindo simplesmente a existência ou inexistência de precedentes

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Dada a infinidade de situações envolvendo a circunstância

judicial em testilha, faremos uma análise dos casos, os quais são objetos de

controvérsia.

9.2.1. Crime Continuado

O crime continuado, o qual é uma ficção jurídica, não poderá

ser reconhecido para efeito de maus antecedentes. Os delitos perpetrados não

poderão servir para contabilizar como maus antecedentes, uns dos outros, ainda que

tramitem em autos apartados. 102

9.2.2. Necessidade de comprovação documental dos maus antecedentes

Outra questão importante se refere à elevação da pena acima do

mínimo legal, sob o pálio de que o agente possui maus antecedentes, sem que exista

nos autos comprovação documental a esse respeito. Entendemos não ser razoável

policiais e judiciais, mas levando-se em conta, também, o comportamento social do réu, sua vida familiar, sua inclinação ao trabalho e sua conduta contemporânea e subseqüente à ação criminosa, para então qualificá-los em bons ou maus” (TACRIM-SP – HC – Rel. Manoel Carlos – RJD 7/191 – JUTACRIM 80/108, 87/127). “Os antecedentes a que se refere o art. 42 do CP (atual art. 59) são todos os fatos ou episódios da vita anteacta do réu, próximos ou remotos, que possam interessar de qualquer modo à avaliação subjetiva do crime, devendo o magistrado, quanto à personalidade do agente, ter em atenção a boa ou má índole do delinqüente, seu modo ordinário de sentir, de agir ou reagir, sua maior ou menor irritabilidade e o seu maior ou menor grau de entendimento” (TACRIM-SP – AC – Rel. Cunha Camargo – JUTACRIM 39/167). 102 A jurisprudência acerca do tema assim se manifesta: “O crime continuado, por ficção jurídica, é considerado como único. Os delitos não podem, desta maneira, ser considerados como maus antecedentes, uns dos outros, ainda que processados em apartado” (TRF 4.ª Reg. – HC – Rel. Gilson Dipp – RJTE 152/253).

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73 que o julgador exaspere a pena, indicando que o indivíduo possui maus

antecedentes com base em prova exclusivamente testemunhal. 103

Porém, isto não significa que outra circunstância, tal como a

conduta social, não poderá ser considerada com base no depoimento de

testemunhas.

9.2.3. Idoneidade da folha de antecedentes criminais

Discussão relevante é a de se considerar, ou não, como idônea

para aumentar a pena, a existência de folha policial de antecedentes. 104

O ponto nevrálgico da discussão é considerar que as folhas de

antecedentes são documentos públicos e, portanto, merecem credibilidade, cabendo

aos órgãos competentes, quais sejam os respectivos institutos de identificação

fazerem constantes atualizações em seus bancos de dados, a fim de fornecer

informações aos interessados (juízes, delegados de polícia, promotores de justiça e

demais interessados), que demonstrem a vida pretérita dos cidadãos, os quais

tenham envolvimento na prática de crimes.

103 No tocante à pena acima do mínimo, sem certidão de condenação definitiva anterior, a jurisprudência se posiciona que: “Os antecedentes criminais, apesar das variantes de cada caso, não podem ser registrados por meio de meros testemunhos, pois o princípio da presunção de inocência não permite tal elasticidade. Por essa razão, a exasperação da pena ao máximo legal tem de ser eficientemente corroborada pelas provas e pelas indicações jurídicas viáveis” (STJ – HC 22.793 – Rel. José Arnaldo da Fonseca – j. 01.10.2002 – DJU 04.11.2002, p. 224). 104 Não exacerba a pena: “Não assiste fé pública à mera folha policial de antecedentes que, assim, é de per si insuficiente para justificar majoração de pena” (TACRIM-SP – AC – Rel. Gonzaga Franceschini – JUTACRIM 88/218). Exacerba a pena: “Mostra-se satisfatório o provimento judicial em que, a partir da folha penal do acusado, fixa-se a pena-base em um ano acima do mínimo legal” (STF – HC 73.157-1 – Rel. Marco Aurélio – DJU 29.11.96, p. 47.156).

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74 9.2.4. Existência de inquérito policial e processos em andamento

Também é alvo de grande celeuma, se a existência de

inquéritos policiais e processos em andamento servirão de base para a exasperação

da pena, sob o argumento de que o indivíduo possui maus antecedentes.

Alguns autores como Cezar Roberto Bitencourt105, sustentam

que em função do princípio constitucional da presunção de inocência, podem ser

considerados como antecedentes somente os fatos anteriores que resultarem em

condenação com trânsito em julgado.

Antecedentes dentro desta concepção são apenas as

condenações, que transitaram em julgado, as quais não são aptas a gerar

reincidência.

Porém, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no

sentido de que todos os inquéritos policiais e ações penais em andamento

consignadas na folha de antecedentes do indivíduo podem caracterizar maus

antecedentes, ainda que não tenha ocorrido uma condenação com trânsito em

julgado. 106

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça vem

manifestando-se reiteradamente, no sentido de que processos e inquéritos policiais

105 Idem. Código penal comentado, p. 178. 106 O Supremo Tribunal Federal vem decidindo de forma iterativa no sentido de que, “O envolvimento do réu em inquéritos policiais e em ações penais influem, em princípio, na avaliação dos seus antecedentes para efeito de aplicação da pena-base, desde que em decisão devidamente fundamentada. Precedentes” (STF – 2.ª T. – Rel. Maurício Corrêa – HC 77.081-5 – j. 20.10.1998 – DJU 11.12.98, p. 2). “A presunção de inocência não impede que a existência de inquéritos policiais e de processos penais possam ser levados à conta de maus antecedentes” (STF – HC 73394-8 – Rel. Moreira Alves – DJU 21.03.97, p. 8.504).

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75 em andamento, sem sentença penal condenatória com trânsito em julgado, não

caracterizam maus antecedentes, para os fins do artigo 59 do Código Penal107.

Entendemos que não existem garantias constitucionais

absolutas, sendo que não representa violação ao princípio constitucional da

presunção de inocência considerar como maus antecedentes, a existência de

inquéritos policiais ou processos em andamento em desfavor do indivíduo.

Antecedentes se referem a toda biografia criminal do indivíduo e não somente suas

eventuais condenações com trânsito em julgado.

Com efeito, não há como o julgador distanciar-se da realidade

social, pois conforme demonstrou de forma escorreita Dirceu de Mello na qualidade

de relator, no HC 149.906-3/3, São Paulo, 5ª C., 19.08.1993, v.u.: “Homem de bem,

realmente, não marcaria com tal freqüência presença no campo das investigações da

polícia e da justiça penal”.

Por sua vez, a existência de inquéritos policiais arquivado não

pode ser considerada como maus antecedentes, com o condão de autorizar o juiz a

aumentar a pena-base. 108

107 “Inquéritos e processos em andamento não podem ser considerados, como maus antecedentes, para fins de exacerbação da pena-base” (STJ – 5.ª T. – HC 16.922 – Rel. Felix Fischer – j. 17.12.2002 – DJU 24.02.2003, p. 255). “À luz do art. 59 do CP, meros registros de inquéritos policiais não consubstanciam o conceito de maus antecedentes” (STJ – 6.ª T. – REsp. 247.900 – Rel. Vicente Leal – j. 27.08.2002 – DJU 28.10.2002, p. 353). 108 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é iterativa nesse sentido: Antecedentes criminais – “Inquérito policial arquivado significa não haver sido coligidos elementos mínimos para justificar oferecimento de denúncia. Acrescente-se, tal arquivamento decorre de decisão judicial, ouvido o Ministério Público. Inquérito policial em andamento, por si só, não indica infração penal. É mera proposta de trabalho. Precipitado, por isso, tomá-lo como antecedente criminal negativo” (STJ – 6.ª T. – REsp. 167.369 – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJU 17.02.99, p. 171).

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9.3. Conduta social

A conduta social deve ser compreendida como o

comportamento do agente na comunidade em que vive, devendo ser abrangida sua

convivência familiar, no trabalho e no convívio com outros indivíduos.

Referida circunstância norteadora do juiz na fixação da pena-

base foi inserida no arcabouço jurídico, com a reforma da Parte Geral de 1984,

sendo que no Código Penal de 1940 a conduta social era avaliada dentro do

contexto dos antecedentes.

Com as modificações introduzidas, a conduta social passou a

ser uma circunstância autônoma para a dosimetria da pena.

A conduta social, nos dizeres de Alberto Silva Franco,

deve ser avaliada enquanto o comportamento humano desenvolvido pelo agente na comunidade em que vive, abrangendo as suas relações familiares e de vizinhança, o seu modo de vida no trabalho e nos espaços comunitários de lazer, as condutas que- de maneira recorrente- apresenta no inter-relacionamento humano e social109.

A autoridade policial, na fase inquisitorial, bem como o juiz em

juízo, durante a instrução processual e o interrogatório, sobretudo a partir da

modificação do artigo 187 do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei

10.792/2003, devem buscar informações sobre a conduta social do agente, a fim de

109 SILVA FRANCO, Alberto; STOCO, Rui (coord.). Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 8. ed. rev. , atual. e amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 345.

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77 se ter elementos seguros e consistentes para averiguar o seu relacionamento no seio

da sociedade110.

Deverá o magistrado, quando necessário, com supedâneo no

princípio da verdade real, determinar a uma Assistente Social do juízo que colha

elementos sobre a conduta social do acusado junto a pessoas de seu convívio.

9.4. Personalidade

A personalidade é o conjunto de qualidades morais do agente.

Conforme descreve Aníbal Bruno, personalidade “é um todo

complexo, porção herdada e porção adquirida, com o jogo de todas as forças que

determinam ou influenciam o comportamento humano”111.

Para Gilberto Ferreira, personalidade

é um conjunto de atributos adquiridos ao longo da vida, de tal sorte que, retirados do homem, este deixa de existir como ser humano. A

110 De forma minuciosa foram analisadas as condutas dos agentes nas decisões a seguir transcritas, com a exasperação da pena: “O Juiz-Presidente, ao aplicar a pena-base, olvidou de algumas circunstâncias judiciais que se faziam presentes no momento da individualização da reprimenda. Os autos indicam que o réu é portador de má personalidade, o que se denota pelo fato de gostar de andar armado, chegando mesmo a ganhar de um delegado de polícia um fuzil. É um exibicionista. Por outro lado, se não tinha maus antecedentes, sua conduta social deveria ter sido melhor avaliada. O fato de andar armado pelos quatro cantos da cidade, demonstrava a preocupação dos cidadãos estampada em notícia de jornal. Certa feita, noticia o processo, armado com um revólver, andou à procura de um gerente de banco, para um “acerto de contas”, intimidando alguns de seus amigos. Por fim, está presente a circunstância referente às conseqüências do crime. O ofendido era casado, pai de dois filhos em idade pré-adolescente e demonstrava ser um promissor executivo. Por outro lado, verifica-se que o crime foi cometido na presença de seus dois filhos, T. e C., à época com 11 e 14 anos de idade. Esse fato ocasionou aos dois a ocorrência de um mal psíquico que os impediu, como mostram os atestados médicos, de testemunharem o homicídio em juízo, além de obrigarem-nos a tratamento médico adequado, até hoje” (TJSP – AC 90.923-3 – Rel. Márcio Bártoli). “A conduta social do réu tanto pode ser favorável ou contrária a ele, basta conferir cada hipótese em julgamento. Ao demais, não se trata de novidade, desde que é uma circunstância que envolve a vida do acusado antes do delito, sob aspectos de relacionamento familiar e social” (STJ – RE – Rel. José Cândido – RSTJ 17/472). 111 BRUNO, Aníbal. Direito Penal, vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 154.

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personalidade é quem determina a individualidade de uma pessoa112.

Personalidade, portanto, é um conceito que transcende o

universo jurídico, sendo matéria relacionada à psicologia, à antropologia e à

psiquiatria.

Todavia, como enunciado por Roberto Lyra, “incumbe ao juiz,

no exercício desse arbítrio, transfundir nos textos o sangue sempre renovado da

sociologia, da antropologia e da psicologia criminais”113.

A função judicial é complexa, sendo que o julgador não deve se

limitar ao tecnicismo jurídico, mas ter uma visão interdisciplinar, rompendo “as

grades do automatismo obscuro e rotineiro”114.

Na análise da personalidade, na lição de Cezar Roberto

Bitencourt, “deve-se verificar a sua boa ou má índole, sua maior ou menor

sensibilidade ético-social, a presença, ou não de eventuais desvios de caráter de

forma a identificar se o crime constitui um episódio acidental na vida do réu”115.

A jurisprudência vem se posicionando no sentido de que a

gravidade do delito revela no agente distorção psicológica116.

112 FERREIRA, Gilberto. Aplicação da pena. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 86. 113 Op. cit., p. 177. 114 Idem, p. 177. 115 BITENCOURT, Cezar Roberto. O arbítrio judicial na dosimetria da pena. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 723, p. 500, janeiro de 1996. 116 “A gravidade do delito de assalto revela desde logo no agente uma distorção psicológica, rompendo os freios da moral e da religião, procurando o sujeito, num gesto de egoísmo, na maior parte das vezes, tirar da ociosidade um serviço fácil, violentando pela super-autoconfiança o patrimônio alheio” (TACRIM-SP – AC – Rel. Octávio E. Roggiero – JUTACRIM 42/190).

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79 O artigo 6º inciso IX, do Código de Processo Penal Brasileiro,

dispõe que a autoridade policial deverá averiguar a vida pregressa do réu, trazendo

para os autos quaisquer outros elementos que contribuam para a apreciação do seu

temperamento e caráter.

Da mesma forma, o juiz durante o interrogatório do acusado,

bem como durante a instrução processual deverá colher elementos, os quais

possibilitem a formação de sua convicção, no que se refere à personalidade do

agente.

No entanto, o magistrado não poderá para exasperar a pena, sob

o argumento de que o acusado possui uma personalidade deformada, se utilizar de

argumentos vagos e imprecisos, mas deverá analisar os pormenores do caso

concreto, se valendo de elementos consistentes.

Em situações específicas, com grande complexidade, deve o

juiz, para averiguar a personalidade do delinqüente, se valer de profissionais com

conhecimento científico especializado.

9.5. Motivos

Motivo é o antecedente psicológico do ato de vontade do

agente, ou seja, diz respeito a todos os fatos que o levaram a delinqüir.

Nosso Código Penal valoriza os motivos do crime, pois

contempla excludentes de ilicitude e de culpabilidade.

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O motivo, para E. Magalhães Noronha é

a razão pela qual a vontade se determina é um outro requisito, máxime para a Escola Positiva, que afirmou ser ele a pedra de toque da periculosidade individual. A gravidade do crime reside principalmente nele, pois tem o condão de transformar um delito execrável em tolerado (...) tanto se pode correr desenfreadamente com o automóvel, impelido pelo desejo de buscar um prazer abjeto, como para comprar medicamento para um moribundo117.

O motivo do crime só será aplicável, como circunstância

judicial, quando não estiver previsto como agravante, causa de aumento da pena ou

qualificadora, como por exemplo, o motivo torpe e o motivo fútil no homicídio.

Sendo assim, se o agente perpetrou um crime de homicídio por razões de somenos

importância, o motivo deverá ser utilizado como qualificadora e não como

circunstância judicial desfavorável, sob pena de ocorrência de bis in idem.

9.6 Circunstâncias

As circunstâncias se referem à maneira como o crime foi

perpetrado, os instrumentos utilizados, as condições de tempo e o local de sua

ocorrência118.

117 Op. cit., p. 240-241. 118 As jurisprudências a seguir descritas demonstram como a circunstância judicial, relacionada às circunstâncias do crime deve ser manejada pelo julgador: “O assalto a casa lotérica, ‘justamente no horário em que estava lotada de clientes, colocando em risco as vidas das pessoas’, é circunstância em nada estranha ao elenco do art. 59 do CP” (STJ – 6.ª T. – HC 16.461/SE – Rel. Hamilton Carvalhido – j. 02.08.2005 – DJU 05.09.2005, p. 490). “Mostra-se bem adequada a pena-base fixada acima do mínimo para agente portador do vírus HIV, que sem qualquer preservativo, violenta menor com 10 anos de idade mantendo com a mesma coito anal em que há sangramento do ânus com sério risco de transmitir-lhe a terrível doença” (TJRJ – AC – Rel. José Carlos Watzl – j. 16.05.2000 – RDTJRJ 46/406).

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No entanto, aludidas circunstâncias não se confundem com as

circunstâncias legais elencadas nos artigos 61, 62, 65 e 66 do Código Penal, mas se

referem ao próprio fato delituoso.

Com a finalidade de evitar dupla valoração, as circunstâncias

que qualificam ou privilegiam o crime e as que são elementares do delito, não

poderão ser consideradas, na análise da circunstância judicial em tela.

9.7. Conseqüências do Crime

As conseqüências do crime119, as quais o magistrado também

deverá avaliar na fixação da pena-base, se referem aos efeitos decorrentes da ação

criminosa, isto é, nos dizeres de E. Magalhães Noronha,

o maior ou menor vulto do dano ou perigo de dano, que sempre é inerente ao delito, não só para a vítima como para a sociedade, o sentimento de insegurança provocado nesta e outros efeitos ainda que mais afastados120.

Portanto, os efeitos deletérios de alguns delitos, os quais trazem

conseqüências nefastas em desfavor da vítima e da sociedade devem ser sopesados

no momento da imposição da reprimenda. 119 Os efeitos nocivos das conseqüências do tráfico de entorpecentes, onde grande quantidade de droga é apreendida devem ser analisados pelo juiz, na fixação da pena-base, sobretudo a partir do advento do art. 42 da Lei 11.343/2006. A jurisprudência assim se manifesta: “Em se tratando de crime de tráfico, a elevada quantidade (17,19 Kg) e a qualidade da droga apreendida (cocaína) devem ser consideradas na fixação da resposta penal (precedentes do STF e do STJ)” (STJ – 5.ª T. – HC 27.087/SP – Rel. Felix Fischer – j. 02.09.2003 – DJU 28.10.2003, p. 314). “O juiz de primeira instância, em razão das conseqüências do crime – grande quantidade de drogas apreendida e potencial lesivo da conduta –, elevou a pena-base, fundamentadamente. Não há que se falar em ilegalidade. A situação de alguém que porte uma pequena quantidade de droga não é comparável à de quem seja encontrado com grande quantidade de entorpecentes. A importância de se valorarem as circunstâncias do crime na dosimetria da pena decorre justamente da necessidade de que as sanções sejam proporcionais à lesividade das condutas” (STF – 2.ª T. – HC 86.384-1 – Rel. Joaquim Barbosa – j. 18.10.2005 – DJU 03.02.2006, p. 89). 120 Op. cit., 241.

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82 9.8. Comportamento da Vítima

É a influência do modo de agir da vítima na prática do crime.

Com a Reforma Penal de 1984 (Lei 7.209), chegou-se a

defender que, definitivamente, o Direito Penal mostrava-se preocupado com a

vítima, inclusive, adotando seu comportamento como parâmetro obrigatório na

dosimetria da pena, pois conforme ressalta Valter Foleto Santin, “a valorização da

vítima é uma tendência mundial, refletindo o reconhecimento aos direitos da pessoa

mais prejudicada pelo crime”121.

Todavia, como assinala Cezar Roberto Bitencourt, “tal previsão

não milita em favor da vítima, mas contra ela, pois o seu comportamento é

analisado como fator criminógeno”122.

Julio Frabbrini Mirabete destaca que estudos de vitimologia

demonstram que as vítimas podem ser colaboradoras do ato criminoso, chegando a

se falar em “vítimas natas”, pois

quem vive mostrando sua carteira, recheada de dinheiro, aumenta as probabilidades do furto e do roubo; o adúltero há de ser morto pelo cônjuge. A jovem de menor pudor pode induzir o agente de estupro ou atentado violento ao pudor pelas suas palavras, roupas e atitudes imprudentes etc. Tais comportamentos da vítima, embora não justifiquem o crime, diminuem a censurabilidade da conduta do autor do ilícito, implicando em abrandamento da pena123.

121 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. 2. ed. rev. e ampl. Bauru, SP: Edipro, 2007, p. 170. 122 Idem. Novas Penas Alternativas. Análise político-criminal das alterações da Lei n. 9.714/98, p. 24. 123 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 8. ed. rer. e amp. São Paulo: Atlas, 1994, p. 279.

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83 10. PRESCRIÇÃO RETROATIVA VIRTUAL, ANTECIPADA E O

PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

Violado o preceito, conforme enfatiza Hermínio Alberto

Marques Porto “passa a ter o Estado, em relação ao autor do fato violador, o direito

de punir (jus puniendi), direito subjetivo e público e de exercício autolimitado pelo

próprio Estado”124.

A prescrição é a perda do jus puniend do Estado ou do direito

de executar a sanção imposta em virtude do decurso de um determinado lapso

temporal. A prescrição é matéria de ordem pública, assim, pode ser conhecida de

ofício pelo juiz, conforme dispõe o artigo 61 do Código de Processo Penal.

Segundo Basileu Garcia, “a prescrição é a renúncia do Estado

a punir a infração, em face do decurso do tempo”125.

Damásio Evangelista de Jesus ensina que, “prescrição penal é a

perda do poder-dever de punir do Estado pelo não-exercício da pretensão punitiva

ou da pretensão executória durante certo tempo”126.

E. Magalhães Noronha pondera que prescrição “é a perda do

direito de punir, pelo decurso do tempo; ou, noutras palavras, o Estado, por sua

inércia ou inatividade, perde o direito de punir”127.

Questão bastante controvertida é a do reconhecimento da

prescrição virtual também denominada de prescrição por antecipação, projetada ou

124 PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: procedimentos e aspectos do julgamento. 11. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1. 125 Idem. Instituições de Direito Penal, vol. I, Tomo II, p. 699. 126 JESUS, Damásio E. de. Prescrição penal. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 20. 127 Op. cit. p. 342.

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84 em perspectiva, onde se declara antecipadamente a prescrição retroativa, em

qualquer das fases da persecução penal, com base na pena a ser virtualmente

aplicada ao réu, ou seja, a sanção que seria, em tese, aplicada ao agente por ocasião

da futura sentença penal condenatória.

No presente capítulo serão apresentados os argumentos

favoráveis e contrários à aplicação da prescrição retroativa antecipada, bem como a

análise do instituto frente aos princípios constitucionais, notadamente o da

individualização da pena.

O fundamento para seu acolhimento, segundo apregoam seus

defensores128, está no reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, com o

fito de evitar um provimento jurisdicional inútil, quando o julgador possa avaliar

que todas as circunstâncias judiciais e legais são favoráveis ao réu. Sustenta-se que

sua aplicação decorre, portanto, de uma questão de economia processual, pois não

há sentido movimentar a máquina Estatal desnecessariamente, ou seja, defende-se a

ocorrência de uma carência superveniente da ação em razão da ausência de interesse

de agir.

Em linhas gerais, de acordo com Júlio Cezar Lemos Travessa,

o fundamento dogmático dessa tese está na segunda figura do inciso III, do artigo 43 do Código de Processo Penal, que prevê a falta de interesse de agir, baseada no binômio inadequação e inutilidade, que torna o autor da ação penal carecedor de ação, toda vez que propuser ou mantiver uma demanda penal, sabendo de antemão que, em razão das condições pessoais e legais do suposto

128 A esse respeito consultar as seguintes referências: FERNANDES DE SOUZA, Luiz Sérgio. A prescrição retroativa e a inutilidade do provimento jurisdicional. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 680, p. 435-438, junho de 1992; BRANDÃO, Edison Aparecido. Prescrição em perspectiva. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 710, p. 391-392, dezembro de 1994; RIBEIRO LOPES, Maurício Antônio. O reconhecimento antecipado da prescrição: o interesse de agir no processo penal e o Ministério Público. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 3, p. 128-150, julho-setembro de 1993.

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85

agente (...), a pena definitiva será fixada no mínimo previsto em lei, o que levaria à ocorrência da prescrição penal retroativa129.

Segundo Ricardo Teixeira Lemos, “sintetiza-se o

reconhecimento e declaração da extinção da punibilidade pela prescrição retroativa

antecipada, exatamente por faltar justa causa”130.

Alguns arestos reconhecem a possibilidade do reconhecimento

da prescrição retroativa antecipada131.

O Fórum Nacional dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

do Brasil (FONAJE) já se posicionou no sentido da admissibilidade do

reconhecimento da prescrição retroativa antecipada, editando o Enunciado n.º 75,

que expressamente prevê: "É possível o reconhecimento da prescrição da pretensão

punitiva do Estado pela projeção da pena a ser aplicada ao caso concreto".

No entanto, a prescrição retroativa antecipada tem sido

rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal132, Superior Tribunal de Justiça133,

129 LEMOS, Ricardo Teixeira. Prescrição Penal: Retroativa e antecipada em face da competência. Rio de Janeiro: Lumen Júris Editora, 2007, 214. 130 LEMOS TRAVESSA, Julio Cezar. O reconhecimento antecipado da prescrição penal retroativa Salvador: Editora Jus Podivm, 2008, p. 79. 131 "De nenhum efeito a persecução penal, com dispêndio de tempo e desgaste do prestígio da Justiça Pública, se, considerando-se a pena em perspectiva, diante das circunstâncias do caso concreto, se antevê o reconhecimento da prescrição retroativa na eventualidade de futura condenação. Falta, na hipótese, o interesse teleológico de agir, a justificar a concessão ex qfficio de habeas corpus para trancar a ação penal" (TACrimSP, RT 669/314). "O processo, como instrumento, não tem razão de ser quando o único resultado previsível levará, inevitavelmente, ao reconhecimento da ausência de pretensão punitiva. O interesse de agir exige da ação penal um resultado útil. Se não houver aplicação possível de sanção, inexistirá justa causa para a ação penal. Assim, só uma concepção teratológica do processo, concebido como autônomo, auto-suficiente e substancial, pode sustentar a indispensabilidade da ação penal, mesmo sabendo-se que levará ao nada jurídico, ao zero social. E a custas de desperdício de tempo e recursos materiais do Estado. Desta forma, demonstrado que a pena projetada, na hipótese de uma condenação, estará prescrita, deve-se declarar a prescrição, pois a submissão do acusado ao processo decorre do interesse estatal em proteger o inocente e não intimidá-lo, numa forma de adiantamento de pena." (TJRS - RSE n.° 70.003.477.395 - 6." Câm. Criminal, rel. Des. Sylvio Baptista, j . 20/12/2001, RJTJRS n.° 214). 132 “Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Prescrição pela pena em perspectiva. Tese contrária à jurisprudência pacificada neste Supremo Tribunal. Alegação de inviabilidade do indiciamento formal: desnecessidade de enfrentamento da tese, que parte de premissa equivocada, qual seja, de que o fato investigado seria crime de menor potencial ofensivo. Recurso Ordinário ao qual se nega provimento. 1. A "jurisprudência do Tribunal (...) tem repelido sistematicamente a denominada prescrição antecipada pela pena

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86 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso134, Tribunal de Justiça de São

Paulo135 e Ministério Público do Estado de Mato Grosso136, os quais sustentam que

o reconhecimento antecipado da prescrição da pretensão punitiva contraria a lei,

tendo em vista que o requisito básico para a incidência da prescrição penal

retroativa é a existência de sentença penal condenatória transitada em julgado para a

em perspectiva" (v.g., Habeas Corpus ns. 88.818, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, decisão monocrática, DJ 1º.8.2006; 82.155, Rel. Ministra Ellen Gracie, DJ 7.3.2003; 83.458, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJ 6.2.2004; RHC 66.913, Rel. Ministro Sydney Sanches, DJ 18.11.88; e Inquérito n. 1.070, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 1º.7.2005). 2. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa (Lei n. 9.099/95, art. 61, com as alterações da Lei n. 11.313/06). 3. Desnecessidade, portanto, de se enfrentar a questão quanto à possibilidade, ou não, de indiciamento formal quanto às infrações de menor potencial ofensivo, pois, na espécie vertente, investiga-se crime de apropriação indébita, cuja pena máxima cominada é de quatro anos de reclusão. 4. Recurso Ordinário ao qual se nega provimento”. (RHC 94757 / SP, 1.ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, J. em 23/09/2008). “Direito Processual Penal e Penal. Habeas Corpus. Prescrição por antecipação ou pela pena em perspectiva. Inexistência do direito brasileiro. Denegação. 1. A questão de direito argüida neste habeas corpus corresponde à possível extinção da punibilidade do paciente em razão da prescrição "antecipada" (ou em perspectiva) sob o argumento de que a pena possível seria a pena mínima. 2. No julgamento do HC nº 82.155/SP, de minha relatoria, essa Corte já assentou que "o Supremo Tribunal Federal tem repelido o instituto da prescrição antecipada" (DJ 07.03.2003). A prescrição antecipada da pena em perspectiva se revela instituto não amparado no ordenamento jurídico brasileiro. 3. Habeas corpus denegado”. (HC 94729 / SP, 2.ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, J. em 02/09/2008). 133 “Processo Penal - ‘Habeas Corpus’ – Não reconhecimento pelo ordenamento jurídico da prescrição antecipada. Antes que advenha sentença condenatória, a prescrição somente poderá ser reconhecida quando se operar o transcurso do respectivo prazo baseado na sanção em abstrato, o que não ocorre na hipótese dos autos, em que se busca extinção de pena que venha a ser imposta no caso de condenação. Habeas corpus denegado.” (STJ - HC 24093/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. em 26.6.2003, DJ 26.02.2007, p. 641). 134 “Ação Penal Pública Originária - Denúncia contra prefeito municipal - Crime de responsabilidade - Art. 1º, VIII, do Decreto-Lei nº 201/67 - Alegação de prescrição antecipada da pretensão punitiva - Impossibilidade - Falta de previsão legal - Precedentes - Preliminar rejeitada – Contrair empréstimos de fundo previdenciário - Conduta típica praticada pelo denunciado - Requisitos do artigo 41 do CPP - Indícios de autoria e materialidade - Recebimento da denúncia. A prescrição antecipada da pena contraria o sistema legal vigente, pois tem como referência uma condenação hipotética que revela o prejulgamento da causa, em flagrante desrespeito às garantias constitucionais da presunção da inocência, do devido processo legal e da ampla defesa. Precedentes. Presentes os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, evidenciando a materialidade e autoria do delito, e não constatada nenhuma causa de rejeição ou improcedência da acusação, recebe-se a denúncia em todos os seus termos para o regular desenvolvimento da pretensão acusatória cognitiva”. (Ação Penal Pública Orginária n.º 93097/2007- Classe I- 2- Comarca Capital, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, Rel. Des. Paulo da Cunha, j. 02/10/2008. 135 RSE n.º 130.604-3, Rel. Des. Dirceu de Mello e RSE n° 993.07.028182-0, Rel. França Carvalho. 136 O Procurador-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, Paulo Roberto Jorge do Prado, nos termos do artigo 28 do Código de Processo Penal, nos autos do Inquérito Policial n.º 212/2006 (capital), entendeu ser inaplicável a tese da prescrição retroativa, “por incompatibilidade formal e material com o Texto Político de 1988”. Sustentou a não aplicação da prescrição virtual, alegando, dentre outros argumentos, que o princípio da eficiência não fundamenta a incidência do instituto, pois: “Referido princípio - eficiência - deve sim ser observado em todas as esferas de atuação das funções estatais, e no presente caso, principalmente na rápida apuração das condutas tidas como delituosas e efetividade das investigações e punições, se processo penal houver”.

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87 acusação, consoante o disposto no artigo 110, § 1.º, do Código Penal e não a de uma

possível condenação a uma pena em patamar hipotético.

O reconhecimento antecipado da prescrição retroativa viola

frontalmente os princípios da individualização da pena, da legalidade, da presunção

de inocência e do devido processo penal, pois o acusado tem o direito a uma decisão

de mérito.

A prescrição retroativa antecipada é uma construção

jurisprudencial que admite a aplicação da prescrição retroativa com base na pena

que provavelmente será imposta ao réu no caso de virtual condenação. Diante da

imprecisão que representa, visto que se baseia em uma fictícia celeridade e em

economia processual, como pontifica Luiz Regis Prado, “sua eventual aplicação

importa em indisfarçável atentado aos princípios e garantias fundamentais”137.

Não se pode aceitar esta criação da jurisprudência, pois não há

amparo na lei para sua aplicação. Alberto Silva Franco, entretanto, evidencia que

seria interessante “que a lei deixasse uma certa margem de discricionariedade ao

juiz e ao promotor, com vistas ao princípio da economia processual. Mas, perante a

legislação atual, isso não é possível”138. Alguns autores, porém, de forma enfática e

com contundência criticam até mesmo a prescrição retroativa já consagrada em

nosso ordenamento jurídico, a intitulando como uma armadilha plantada na lei em

detrimento dos interesses da sociedade e da persecução penal139.

137 Op. cit. p. 738. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1. a 120. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. 138 Op. cit. p. 572. 139 “A prescrição da pretensão punitiva do Estado pode retroagir a data anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa, nos termos do § 2. do art. 110 do Código Penal, que institucionalizou legalmente a esdrúxula figura da prescrição retroativa, nefasta originalidade do direito penal brasileiro. Assim sendo, pode acontecer de um processo criminal correr normalmente sem o advento, em seu curso até a sentença, da prescrição em

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88 Sua aplicação traz malefícios para a vítima, pois a prática do

delito além de violar um bem juridicamente tutelado, gera em algumas situações a

obrigação de reparar o dano provocado ao ofendido.

Nos casos em que se decreta a extinção da punibilidade, sob o

argumento de que a pena ficará no mínimo legal, se retira da vítima a possibilidade

de ter constituído em seu favor um título executivo judicial. Neste caso a vítima terá

que discutir na esfera cível a responsabilidade do acusado, cabendo-lhe o ônus de

fazer prova que o réu é o autor do dano.

Pondere-se ainda, que com a mudança do artigo 387, IV do

Código de Processo Penal140 esta situação se agrava, pois o juiz não deverá somente

estabelecer o an debeatur, mas também o quantum deabeatur mínimo para a

reparação de danos suportados pela vítima.

A adoção da prescrição retroativa antecipada dificulta a

agilidade, a qual pretendeu trazer a reforma do dispositivo acima citado.

Observa Andrey Borges de Mendonça, que “a intenção

explícita do legislador reformador foi agilizar a indenização do dano causado, ao

menos parcialmente”141.

abstrato (baseada na pena máxima cominada à infração), mas acaba ocorrendo a prescrição retroativa, com lastro na pena fixada na sentença condenatória (quase sempre inferior à máxima prevista para o delito, muitas vezes correspondente ao mínimo legal ou próximo dele). Trata-se de verdadeira armadilha plantada na lei em detrimento dos interesse da sociedade e da persecução penal, pois o Estado deve balizar-se, tanto na fase investigatória quanto no processo judicial pelos prazos da prescrição em abstrato e não por uma possível ou provável prescrição retroativa que possa vir a se dar com base na pena concretizada em eventual sentença condenatória”. (NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. Comentários ao Código de Processo Penal, vol. 1. Bauru, SP: Edipro, 2002, p. 666). 140 “Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: IV- fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”. 141 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2008, 240.

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89 Com relação ao acusado, permanecerá a dúvida quanto sua

conduta, ou seja, se o agente tem, ou não, responsabilidade criminal sobre o fato

pelo qual foi denunciado, o que fere o princípio da presunção de inocência.

Não há lastro jurídico para o reconhecimento antecipado da

prescrição retroativa, com base numa pena hipotética. Ademais, conforme

preleciona Cezar Roberto Bitencourt,

o réu tem direito a receber uma decisão de mérito, onde espera ver reconhecida a sua inocência. Decretar a prescrição retroativa, com base em hipotética pena concretizada, encerra uma presunção de condenação, consequentemente de culpa, violando os princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal (art. 5.º, LVII, da CF)142.

A prescrição retroativa antecipada se baseia em uma provável

condenação, violando além do princípio da presunção de inocência o princípio da

individualização da pena, segundo decisão do Superior Tribunal de Justiça da lavra

da Ministra Maria Thereza de Assis Moura,

(...) já que o mero fato de o recorrente afirmar que as circunstâncias judiciais do agravante são favoráveis não lhe garante a pena mínima, cabendo apenas ao juiz competente, que é o juiz de primeiro grau, verificar, em caso de eventual condenação, qual deverá ser a pena aplicada, de acordo com a valoração de cada uma das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal143.

Durante o recebimento da denúncia ou no curso da instrução

criminal não é momento para análise da pena. A ocasião apropriada para se discutir

qual será a reprimenda aplicada é a da prolação da sentença, quando o julgador

deverá fazer uma análise minudente das circunstâncias judiciais do artigo 59 do

142 Idem. Código penal comentado, p. 288-289. 143 STJ: Agravo de Instrumento n.º 764.670- RS (2006/0077817-9).

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90 Código Penal, com base nos elementos de convencimento colhidos durante toda a

persecução penal.

Dificilmente o juiz terá elementos consistentes para formar sua

convicção, no tocante à culpabilidade, a conduta social, a personalidade do agente,

os motivos, as circunstâncias, as conseqüências do crime e o comportamento da

vítima, pois em matéria de sanção penal não há espaço para cognição sumária ou

superficial, que se contenta com um juízo de probabilidade e de aparência. Nesta

seara deve a cognição ser plena e exauriente, tendente a se aproximar ao máximo da

certeza do direito (verdade real). Pensar o contrário é privilegiar a insegurança

jurídica e afrontar os princípios do devido processo legal e da individualização da

pena.

A partir do momento em que se adota esta nova modalidade de

prescrição o julgador se limita a analisar o trabalho realizado na fase inquisitiva e a

capitulação apresentada na denúncia ou queixa-crime. Todavia, após a instrução

processual, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, poderá o juiz, com base

no princípio da correlação, dar nova definição jurídica ao fato (emendatio libelli),

podendo aplicar pena mais grave (artigo 383 do Código de Processo Penal).

Considere-se ainda a possibilidade de ficar comprovado fato diverso daquele

narrado na imputação, dando ensejo, a mutatio libelli (artigo 384 do Código de

Processo Penal), instituto que poderá ter como conseqüência uma classificação mais

gravosa na sentença condenatória, o que terá reflexos na prescrição.

Outro aspecto importante trazido por Pedro Henrique

Demercian e Jorge Assaf Maluly, a demonstrar a ausência de fundamento técnico

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91 para a aplicação da prescrição retroativa antecipada, é que o Código de Trânsito

Brasileiro deu importância especial à sentença penal condenatória, conforme dispõe

seu artigo 160, ao impor ao condenado a submissão a novos exames de habilitação,

para que possa voltar a dirigir, nos seguintes termos: “O condutor condenado por

delito de trânsito deverá ser submetido a novos exames para que possa voltar a

dirigir, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN,

independentemente do reconhecimento da prescrição, em face da pena concretizada

na sentença”. Nesta situação o Ministério Público deverá buscar uma sentença

penal, “mesmo com o prognóstico de uma virtual prescrição retroativa”144.

Carlos Frederico Coelho Nogueira realiza síntese oportuna

sobre o tema, explicitando que:

Nesses casos ainda não ocorreu a prescrição, mas um prognóstico consistente em mero exercício de futurologia faz com que o inquérito policial tenha o destino do arquivo, ou que a inicial seja liminarmente rejeitada pelo juiz (...) Além de constituir procedimento ilegal, o reconhecimento antecipado da prescrição traduz conduta temerária por parte dos que a adotam. Como adivinhar, com total segurança, qual a pena a ser fixada em futura sentença condenatória? Como garantir seja ela a mínima legal, ou mesmo próxima a ela? Como garantir seja o réu condenado no final do processo? O réu que hoje se apresenta aparentemente primário pode ser considerado reincidente no curso do processo judicial, o que poderá impedir a fixação da pena mínima em caso de condenação. O crime narrado e capitulado na inicial pode transmudar-se em infração mais grave no curso do processo, surgindo a prova de fato novo que possa levar a uma classificação mais gravosa na sentença condenatória, com aditamento espontâneo ou provocado da inicial (art. 569 e parágrafo único do art. 384 do CPP, respectivamente). O que hoje parece ser um furto simples pode vir a ser enquadrado como furto qualificado se, no curso do processo, surgir prova, por exemplo, de rompimento de obstáculo à subtração da coisa. A lesão corporal grave que por ora tem aparência de leve pode tornar-se grave, ou até mesmo gravíssima, no transcorrer do processo judicial, ou através de prova que revele sua verdadeira proporção ou por meio do agravamento

144 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 4. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 96.

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da lesão original. Aquilo que, no pórtico da ação penal, se considera ser contravenção, pode vir a ser considerado crime em meio à demanda judicial. Tudo isso, sem contar o próprio surrealismo de uma projeção para o futuro de algo que poderá, se ocorrer, alcançar o passado145.

A prescrição retroativa antecipada, como visto, pode ser dotada

de grande pragmatismo, mas não encontra amparo científico-jurídico para sua

fundamentação, dada a sua ilegalidade e descompasso com os princípios da

presunção de inocência, devido processo legal e individualização da pena

delineados na Constituição Federal de 1988.

145 NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. Comentários ao Código de Processo Penal, vol. 1. Bauru, SP: Edipro, 2002, p. 667-668.

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11. AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE

As circunstâncias judiciais, já analisadas, têm como escopo

servir de parâmetro para a fixação da pena-base.

Pena-base, segundo Guilherme de Souza Nucci, “é a primeira

eleição do quantum da pena feita pelo magistrado, fundado nas circunstâncias

judiciais do artigo 59 do Código Penal”146.

Os elementos trazidos pelo dispositivo em análise, impõem ao

juiz a análise da biografia moral do condenado e as peculiaridades que envolvem o

fato criminoso.

O quantum final da reprimenda a ser imposta ao agente tem

como ponto de partida a fixação da pena-base, o que demonstra sua grande

relevância. No momento de sua fixação, o julgador conta com relativa

maleabilidade, ou seja, pode muito, mas tem limites inerentes a um sistema legal,

que possui regras e princípios.

O artigo em comento, como se depreende de seus vocábulos,

exige do magistrado uma profunda e detalhada averiguação.

Antigamente, conforme Basileu Garcia, “o juiz dispunha de

grande arbítrio, que era empregado de modo nocivo, porque propiciava a

perseguição aos fracos e a proteção às classes privilegiadas”147.

146 Idem. Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte Especial, 416.

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94 A fixação da pena-base dentro dos parâmetros estabelecidos

pelo artigo 59 do Código Penal constitui-se em uma missão, a qual o magistrado

deve exercer de modo discricionário, no entanto, não poderá ser arbitrário.

O dispositivo em discussão, conforme salienta José Frederico

Marques, “ao conceder poderes discricionários ao juiz, na gradação da pena, para

atender aos postulados da individualização judiciária da sanção penal, outorgou-lhe

arbitrium regulatum” 148.

O juiz tem, no processo individualizador da pena, larga

margem de discricionariedade, mas não se trata de discricionariedade plena, mas

como salienta Hans-Heinrich Jescheck149, de discricionariedade juridicamente

vinculada, pois está adstrito às finalidades da pena e ao quantum estabelecido pelos

tipos penais incriminadores.

Não se trata, portanto, conforme afirma Guilherme de Souza

Nucci “de uma opção arbitrária e caprichosa do julgador, ao contrário, deve calcar-

se nos elementos expressamente indicados em lei”150.

Como enfatiza Eugenio Raúl Zaffaroni, se por um lado, a

sanção penal, “como resposta a uma ação que não afeta o direito de ninguém é uma

aberração absoluta que, como tal, não pode ser admitida, porque lesiona de modo

147 Idem. Instituições de direito penal, vol. I, T. II, p. 465. 148 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. vol. III, ed. rev. atual. e amp. por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Guilherme de Souza Nucci e Sérgio Eduardo Mendonça de Alvarenga. Campinas, SP: Millennium, 1999, p. 327. 149 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal: Parte Geral, Quinta Edición corregida y ampliada. Traducción de Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Comares editorial, 2002, p. 939. 150 Idem. Individualização da Pena, p. 163.

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95 excessivo o princípio da racionalidade república”151, por outro lado, sua aplicação

dissociada da adequada análise das circunstâncias judiciais também é uma afronta à

democracia e por via de conseqüência ao princípio da individualização da pena.

A regra trazida pelo artigo 59 do Código Penal é limitante, a

fim de que o juiz não extrapole o poder discricionário que lhe é outorgado, pois de

acordo com a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, “a discrição como se

espera a breve trecho comprovar, é a mais completa prova de que a lei sempre

impõe o comportamento ótimo”152, o que demonstra que o juiz tem o poder-dever

de fazer o cotejo das circunstâncias judiciais, ou seja, fica claro que a legislação

delegou ao julgador certa liberdade de escolha - dentro de variáveis limitadas - da

medida mais adequada a ser adotada em um e em outro caso concreto, sempre na

perspectiva de concretizar o preceituado na lei.

O juiz possui discricionariedade, mas também tem o dever de

adotar no caso concreto a melhor solução. Isto porque como salienta Celso Antônio

Bandeira de Mello:

é certo que a lei não assume indiferença quanto ao advento, nos vários casos concretos, ora de soluções ótimas, ora de soluções sofríveis ou mesmo ruins, pois, se assim fosse haveria sido redigida em termos de vinculação absoluta. Se não prefigurou vinculação foi exatamente porque não se satisfez com isto e não aceita senão a providência que lhe atenda excelentemente os objetos.153

151 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. trad. Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Renavan, 1991, p. 241. 152 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. 8. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 32. 153 Idem, ibdem, p. 33-34.

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96

A correta utilização das circunstâncias judiciais preconizadas

no artigo 59 é de fundamental importância para que enfrentemos a impunidade e

seus efeitos deletérios, bem como os excessos e abusos, os quais afrontem os

direitos fundamentais do agente. Para que tenhamos segurança jurídica é necessária

a aplicação de uma pena justa e adequada.

O princípio da individualização da pena foi incorporado pelo

constituinte ao nosso ordenamento jurídico, por ocasião da elaboração da

Constituição Federal de 1988. O que dá vida e concretude ao referido princípio, no

tocante à individualização judicial, ou seja, na fixação da pena-base, são as

circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, que é uma regra, a qual tem por

escopo dar segurança jurídica ao sistema.

Questão preocupante se refere à implementação de uma política

da pena mínima pelo Poder Judiciário, bem como a insuficiência de motivação na

fixação da pena-base.

Não se trata de conceber o Direito Penal como um instrumento

de abuso, mas de buscar proporcionalidade e efetiva aplicação das circunstâncias

judiciais, na escolha entre o mínimo e o máximo cominado in abstrato para cada

tipo penal, com a imposição de uma reprimenda justa e adequada para o caso

concreto.

Como salienta Guilherme de Souza Nucci,

não há explicação plausível para esse comportamento generalizado do Poder Judiciário, elegendo a pena mínima como base para a aplicação das demais circunstâncias legais. Afinal, o art. 59 do Código Penal, menciona oito elementos distintos, almeja a

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aplicação da pena em parâmetros diferenciados para os réus submetidos a julgamento.

A padronização da pena é injusta e contrária ao princípio constitucional da individualização, de modo que é preciso alterar essa conduta ainda predominante154.

O juiz deverá fixar obrigatoriamente a pena-base no mínimo

legal, desde que não existam elementos na ampla gama de circunstâncias previstas

no artigo 59 do Código Penal e as razões de seu convencimento sejam externadas de

forma clara e inteligível. Argumentos genéricos e lacunosos devem ser abolidos,

sendo analisado cada caso de acordo com suas nuanças155.

A ausência de fundamentação para a fixação da pena, ainda que

no mínimo legal, é uma ofensa a uma regra de segurança jurídica preconizada no

artigo 59 do Código Penal e por via de conseqüência à sociedade. Desrespeitada a

regra, se vulnera a materialização do princípio da individualização da pena, o qual

tem índole constitucional.

A padronização da pena, com o desprezo das oito

circunstâncias descritas no artigo em comento, sem separar o joio do trigo, é uma

154 Idem. Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte Especial, p 415. 155 A jurisprudência é torrencial no sentido de que não há como admitir que o juiz faça alusão genérica às circunstâncias judiciais do art. 59 do CP para fixar a reprimenda no mínimo legal ou acima do mínimo, pois cabe ao julgador especificar de forma detalhada as razões de seu convencimento. Vejamos: “Traduz situação de injusto constrangimento o comportamento processual do Magistrado ou do Tribunal que, ao fixar a pena-base do sentenciado, adstringe-se a meras referências genéricas pertinentes às circunstâncias abstratamente elencadas no art. 59 do Código Penal. O juízo sentenciante, ao estipular a pena-base e ao impor a condenação final, deve referir-se, de modo específico, aos elementos concretizadores das circunstâncias judiciais fixadas naquele preceito normativo” (STF – HC 69.141-2 – Rel. Celso de Melo – DJU 28.08.92, p. 13.453). De forma muita apropriada o Tribunal de Alçada Criminal descreve que muitas sentenças se limitam no momento da análise das circunstâncias judiciais a fórmulas vazias: “Muitas sentenças, lamentavelmente, limitam-se nesse delicado momento do exame das circunstâncias judiciais ao emprego de fórmulas vazias, estereotipadas, como “antecedentes abonados, personalidade normal, dolo, motivos, circunstâncias e conseqüências normais para a espécie...”. Isso não é fazer individualização judicial da pena, mas burlar, fraudar, um dos mais significativos momentos do processo” (TACRIM-SP – AC – Rel. Onei Raphael – JUTACRIM 81/383).

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98 ofensa ao Estado Democrático de Direito, por violar o princípio da legalidade, pois

pena-base não é sinônimo de pena mínima.

Fixar a pena no mínimo legal, ou exasperá-la sem analisar as

peculiaridades e pormenores do caso concreto cria um risco à segurança jurídica,

pois o agente, assim como a sociedade devem saber as razões que levaram o Estado-

Juiz a fixar uma pena em determinado patamar.

Tomemos, a título de exemplo, o crime de homicídio

qualificado o qual tem pena de 12 a 30 anos, para acomodar diversas situações.

Mesmo diante da flexibilidade da lei no tocante ao mínimo e ao máximo da pena

cominada in abstrato, invariavelmente se fixa à pena-base em 12 anos,

desprezando-se os critérios do artigo 59. Será que todos os crimes de homicídio são

iguais e possuem as mesmas características?

Deve o juiz ser criterioso na análise do caso concreto, ainda que

isso demande tempo, sob pena de desumanizarmos a estrutura da aplicação da pena,

pois não há como tratar de modo igual situações completamente diferentes.

O juiz não pode, durante a instrução criminal, se limitar a

colher elementos acerca da autoria e da materialidade do crime, mas buscar dados

os quais lhe reforcem a convicção para uma correta aplicação das circunstâncias

judiciais e fixação de uma pena justa e proporcional.

Guilherme de Souza Nucci obtemperou, ser vedado ao juiz

“deixar de levar em consideração as oito circunstâncias judiciais existentes no art.

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99 59, caput, para a fixação da pena-base. Logo, apenas se todas forem favoráveis, tem

cabimento a aplicação da pena no mínimo”. 156

É necessário que o Poder Judiciário Brasileiro, cumpra com sua

missão constitucional de dirimir conflitos e assuma uma postura de dinamismo e

altivez dentro de um novo paradigma na análise das circunstâncias judiciais

colhendo-se dados concretos, ou seja, “abandonando o magistrado o comodismo de

não levá-los em conta, deixando as partes de se conformar com as penas-padrão,

torna-se impossível continuar a vigorar a referida política da pena mínima”. 157

Cabe ao Ministério Público, inegável defensor da ordem

jurídica e do regime democrático, zelar pela correta aplicação da pena, agindo de

forma ativa no inquérito policial, requisitando da autoridade policial a coleta de

elementos, os quais serão importantes na dosimetria da pena; participando com

vigor e denodo da instrução processual, buscando trazer ao processo todas as

circunstâncias do caso concreto, as quais alicercem a convicção do julgador e

fiscalizando a correta aplicação da pena, manejando, quando necessário, os recursos

cabíveis.

Em nome da democracia é momento de profunda reflexão, com

a criação de um novo paradigma na fixação da pena, não com sanções severas e

desproporcionais, mas com o efetivo e correto manuseio das circunstâncias judiciais

do artigo 59 do Código Penal.

156 Idem. Individualização da Pena, p. 312. 157 Idem, ibidem, p. 314.

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100 CONCLUSÕES

1) Com supedâneo no art. 59 do Código Penal, concluímos que

a pena apresenta finalidade mista, qual seja a retribuição e a prevenção.

2) Na individualização da pena deve se aplicar o direito a cada

caso concreto, levando-se em conta suas particularidades, o grau de lesividade do

bem jurídico penal tutelado, bem como os pormenores da personalidade do agente.

3) Os princípios do Direito Penal serão de fundamental

importância, para limitar a atuação do legislador na elaboração dos tipos penais.

4) Em um estado democrático de direito, há um limite claro,

devendo ser observados os princípios da ultima ratio, fragmentariedade,

subsidiariedade, proporcionalidade da pena e, sobretudo da legalidade, na

formulação dos tipos penais incriminadores e das penas a serem aplicadas.

5) Ao aplicar a pena o julgador deverá ter como norte o

princípio da proporcionalidade, levando em consideração as particularidades do

caso concreto, ou seja, deverá fazer a distinção entre condutas, em face do seu grau

de reprovabilidade.

6) Dentro da concepção de um sistema jurídico fechado,

preconizado por Hans Kelsen, o princípio da dignidade da pessoa humana seria a

norma hipotética fundamental - ápice da pirâmide -, sob a qual encontrar-se-ia a

Constituição Federal, alicerçada em uma série de outros princípios.

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101 7) Seria mais adequado que o legislador tivesse se utilizado da

expressão “grau de culpabilidade”, em vez de culpabilidade, pois todos aqueles que

violaram a norma penal (autores e partícipes culpáveis) seriam punidos, todavia os

que agiram de forma mais censurável e reprovável terão reprimendas mais severas.

8) Não há violação ao princípio da presunção de inocência,

considerar maus antecedentes, os inquéritos policiais e ações penais em andamento,

consignadas na folha de antecedentes do indivíduo, ainda que não tenha ocorrido

uma condenação com trânsito em julgado, pois aludida circunstância judicial diz

respeito a toda a biografia criminal do indivíduo, a qual não pode ser desprezada.

9) O motivo do crime só será aplicável como circunstância

judicial, quando não estiver previsto como agravante, causa de aumento da pena ou

qualificadora, sob pena de ocorrência de bis in idem.

10) A denominada prescrição retroativa antecipada, virtual ou

em perspectiva não encontra amparo científico-jurídico para sua fundamentação, em

razão de sua violação aos princípios constitucionais da legalidade, presunção de

inocência, devido processo legal e individualização da pena.

11) A fixação da pena-base, dentro dos parâmetros

estabelecidos pelo artigo 59 do Código Penal, constitui-se em uma missão, a qual o

magistrado deve exercer de modo discricionário, no entanto não poderá ser

arbitrário.

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12) As regras conferem “concreção aos princípios”. Entre as

regras haverá conflitos normativos e antinomias, mas não entre os princípios, os

quais se harmonizarão.

13) O art. 59 do Código Penal é uma regra, a qual tem por

escopo dar segurança jurídica ao sistema e fazer com que o princípio da

individualização da pena se materialize.

14) Fixar a pena no mínimo legal, ou exasperá-la sem analisar

as peculiaridades e pormenores do caso concreto, cria um risco à segurança jurídica,

pois o agente, assim como a sociedade devem saber as razões que levaram o Estado-

Juiz a fixar uma pena em determinado patamar.

15) O magistrado não pode, durante a instrução criminal, se

limitar a colher elementos acerca da autoria e da materialidade do crime, mas buscar

dados os quais lhe reforcem a convicção para uma correta aplicação das

circunstâncias judiciais e fixação de uma pena justa e proporcional.

16) Cabe ao Ministério Público, inegável defensor da ordem

jurídica e do regime democrático, zelar pela correta aplicação da pena.

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