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Page 2: eBook Principios Constitucionais Penais

SUMÁRIO

Parte I – Introdução aos princípios constitucionais penais

Para início de conversa

1) Limites ao poder punitivo estatal

2) Os princípios são normas jurídicas de caráter cogente

3) Diferenças entre princípios e regras:

4) Colisão de princípios

Parte II – Dos princípios constitucionais penais

1) Princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos

2) Princípio da intervenção mínima

3) Princípio da materialização ou exteriorização do fato (nullum crimen sine actio)

4) Princípio da legalidade do fato

5) Princípio da ofensividade (do fato)

6) Princípio da culpabilidade

7) Princípio da responsabilidade pessoal

8) Princípio da responsabilidade subjetiva

9) Princípio da igualdade

10) Princípio da legalidade da pena

11) Princípio da proibição da pena indigna

12) Princípio da humanidade da pena

13) princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade ou da proibição de excesso

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Quizzes sobre princípios constitucionais penais

Referências bibliográficas

Page 3: eBook Principios Constitucionais Penais

PARTE I – INTRODUÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS

Page 4: eBook Principios Constitucionais Penais

PARA INÍCIO DE CONVERSA

O tema do presente livro possui importantes reflexos na prática jurídica. Os princípios

constitucionais penais estão na base das decisões legislativas tomadas quando do processo

de incriminação de condutas, no processo decisório que envolve a elaboração da sentença

penal e na fase da sua execução. Além disso, serve de guia para a interpretação que é feita

pelos estudiosos do direito penal.

Não obstante toda a evolução que o tema sofreu e o quanto ele encontra-se amadurecido nas

ciências penais, observa-se que há uma diminuta aplicação de vários dos princípios penais

consagrados constitucionalmente. Observamos duas importantes crises:

A) Baixa legitimidade social: a própria sociedade manifesta seu inconformismo em vários

episódios em que o sistema de justiça penal aplica os princípios constitucionais penais

(exemplos: quando o juiz reconhece a nulidade das provas obtidas ilicitamente; quando o juiz

manda, sem fundamentação, algemas pessoas na audiência, violando o teor da Súmula

Vinculante 11 etc.).

B) Falta de comprometimento de alguns operadores jurídicos com a obediência aos

princípios constitucionais penais

O desrespeito a princípios constitucionais penais por parte de operadores jurídicos e a baixa

adesão da sociedade em relação à aplicação deles traz alguma consequência prática para o

sistema de justiça penal? Sim, pois acaba por dificultar que o principal objetivo da existência

dos princípios constitucionais penais concretize-se, que é, exatamente, servir de limite ao

poder punitivo estatal, tema que veremos a seguir.

Após termos discorrido acerca dos limites do poder punitivo, analisaremos a natureza jurídica

dos princípios, a diferença entre princípios e regras, bem como as recomendações da doutrina

penal para os casos de colisão de princípios.

Somente após termos analisado todas essas questões é que passaremos ao estudo dos

princípios constitucionais penais em espécie.

Page 5: eBook Principios Constitucionais Penais

1) LIMITES AO PODER PUNITIVO ESTATAL

De onde devemos extrair os princípios jurídicos? Considerando-se que as leis, a Constituição

e os Tratados internacionais contêm inúmeros preceitos que direta ou indiretamente

conformam ou modulam o sistema punitivo brasileiro, é deles que devemos extrair as regras

e os princípios jurídicos assim como os postulados político-criminais que demarcam o âmbito

da aplicação do direito penal. Esse conjunto normativo limitador do castigo (ou seja: do ius

puniendi) vale tanto quanto o conjunto de normas que incriminam várias condutas humanas.

Como conciliar o caráter punitivista do direito penal com o sua natureza limitadora do poder

punitivo? O direito penal, ainda que possa parecer paradoxal,1 não é somente punitivo, posto

que também é limitativo e garantista (ou seja: está dotado de uma série de normas que

regulam e limitam a cominação, a aplicação e a execução do castigo, procurando evitar o

abuso ou o excesso).

Por força da regra do império da lei, tudo deve ser observado (tanto os preceitos

sancionatórios quanto os limitativos e garantistas). Desde que Roxin (contrapondo-se a von

Liszt) aproximou o direito penal da política criminal (em 1970, Política criminal e sistema do

direito penal), todos os princípios limitadores do poder punitivo são invocáveis diretamente

nas sentenças pelos juízes (o princípio da insignificância é exemplo paradigmático disso).

>>> Exemplificando. Nos países que aboliram a pena de morte, ela não pode ser

restabelecida (Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 4.º, 3). A Constituição

brasileira atual (de 1988), em virtude do princípio da proibição de regresso (ou da vedação do

retrocesso, que também é conhecido como “efeito cliquet” – os alpinistas utilizam essa

expressão para significar que seus instrumentos somente permitem subir, nunca retroceder),

salvo o caso de guerra declarada, não permite a pena de morte ou qualquer pena de caráter

perpétuo (art. 5º, XLVII, a e b). Lei ordinária nesse sentido não só violaria o art. 4º, 3, da

Convenção Americana, como também a própria Constituição (seria inconstitucional e

inconvencional, portanto). Propor ou estimular qualquer debate sobre a pena de morte no

nosso país, portanto, significa só incrementar o sensacionalismo e a manipulação do estado

emocional do povo, iludindo-o com um “produto” vedado e reconhecidamente

discriminatório (basta lembrar que em toda história da pena de morte, decretada

judicialmente fora dos momentos revolucionários, raríssimos foram os casos de execução de

alguém com alto status social).2

O que difere o direito penal do poder punitivo e do estado policialesco? O direito penal do

Estado Democrático de Direito (conjunto de normas que definem os crimes e as penas e fixam

os limites do poder punitivo do Estado) não se confunde com o poder punitivo estatal (que é

o exercício do ius puniendi de acordo com as regras e os princípios estabelecidos nas leis,

1 SEMER, Marcelo, Princípios penais no Estado Democrático, 2014. 2 Sobre o tema, consultar: GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.

Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: pacto de San José da Costa

Rica. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013, p. 45-46.

Page 6: eBook Principios Constitucionais Penais

constituição e tratados internacionais) nem muito menos com o estado policialesco (que é o

exercício do poder punitivo fora ou além dos limites estabelecidos pelas normas do Estado

Democrático de Direito). O poder punitivo estatal é um fato da realidade (e do direito).

Quando exercido fora dos parâmetros fixados pelo Estado de Direito, ele se converte em atos

policialescos, passíveis de anulação e, eventualmente, de sanção.

É de se lamentar a distância que existe entre o que está programado pelas normas

(limitadoras) do Estado de Direito e o que acontece na prática por força do estado policialesco

(que significa a aplicação, ilegal inconstitucional ou desproporcional ou desarrazoada do

direito vigente). Não existe Estado de Direito puro (Zaffaroni), é verdade. Todos são

perturbados pelos estados policialescos (em maior ou menor grau). Isso comprova que o

poder punitivo é inequívoca ou tendencialmente bruto, atavicamente expansivo, animalesco,

autoritário, arbitrário ou tirânico. O estado policialesco é fonte de deslegitimação dos órgãos

encarregados da aplicação da lei penal.3

De se observar que o Estado de Direito e o estado policialesco são regidos por “constituições”

completamente distintas. O Estado de Direito segue a Constituição de 1988 (foi com base nela

que o ministro Gilmar Mendes descriminalizou o porte de drogas para uso pessoal, por

exemplo – RE 635.659-SP). O estado policialesco, por seu turno, está atavicamente ancorado

no Malleus Maleficarum, elaborado em 1497 pelos padres Krämer e Sprenger, que é o código

(manual) nuclear da Inquisição. A forma mentis inquisitiva nunca morreu. No exercício do

poder punitivo estatal frequentemente se pratica abusos, excessos, desproporcionalidades

(tudo isso reconduzível à letra e/ou ao espírito do Malleus Maleficarum). Daí a imperiosa

necessidade de serem estudados os limites desse poder punitivo.

O juiz como semáforo do sistema penal (Zaffaroni). O juiz funciona como o semáforo do

sistema penal. Se não levanta o sinal vermelho para o estado policialesco, incentiva as

violações aos direitos fundamentais. O papel de combater a criminalidade não é do juiz. Cabe-

lhe, sim, transformar em realidade a certeza do castigo de acordo com a culpabilidade de cada

um, assim como preservar todos os direitos e garantias do Estado de Direito. Se o juiz se

transforma num “combatente do crime” (como se fosse um membro da segurança pública)

passa a integrar o estado policialesco (porque são inevitáveis os excessos, os abusos e as

arbitrariedades). O juiz não pode ser um “vingador social” (Alexandre Morais da Rosa).

3 Segundo a pesquisa Índice de Percepção do Cumprimento das Leis, a maioria das instituições

analisada tem confiança de menos de 50% da população (FGV, junho de 2015). O percentual

de pessoas que confiam nos partidos políticos caiu de 7% (2014) para 5% (2015) e, no governo

federal, de 29% para 19%. Os que disseram confiar no Congresso Nacional permaneceram em

15% e os que confiam no Poder Judiciário caíram de 30% para 25%. Na polícia, o índice

aumentou de 30% para 33%; nas emissoras de TV, de 31% para 34%; nas grandes empresas,

caiu de 38% para 37%. As instituições mais bem avaliadas foram a imprensa escrita, cujo índice

aumentou de 42% para 45%; a Igreja Católica, de 54% para 57%, e as Forças Armadas, de 64%

para 68%.

Page 7: eBook Principios Constitucionais Penais

As questões acima levantadas levam à compreensão acerca da importância de se prestar

obediência aos princípios constitucionais penais, sob pena de não cumprimos os ditames

respectivos, que buscam, ao final e ao cabo, formas melhores de vivermos em sociedade.

Também importa ressaltar que os princípios não são apenas um conjunto de valores ou de

prescrições éticas ou programáticas; eles são normas jurídicas e possuem caráter cogente.

Assim, quando, por exemplo, o magistrado não presta obediência a um princípio, isso pode

levar à reforma da sentença penal por ele prolatada. Da mesma forma quando se trata do

processo de criminalização de condutas. A desconsideração dos princípios constitucionais

penais pode acarretar a invalidade da figura delitiva criada pelo legislador (tal como foi

reconhecido pelo voto do min. Gilmar Mendes no RE 635.659, no que diz respeito ao art. 28

da Lei 11.343/06 – lei de drogas). É desse assunto que trataremos no próximo item.

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2) OS PRINCÍPIOS SÃO NORMAS JURÍDICAS DE CARÁTER COGENTE

Qual o valor jurídico dos princípios? Os princípios não são apenas um conjunto de valores ou

de prescrições éticas ou programáticas. São normas jurídicas de caráter cogente. De outro

lado, a eficácia prática dos princípios irradia-se não só ao momento legislativo de elaboração

da norma penal (quando o legislador cria a lei penal), senão também ao aplicativo e

interpretativo (nem o intérprete nem o juiz podem ignorá-los), bem como no momento

executivo (no momento da elaboração de políticas preventivas assim como quando se vai

concretizar o comando sancionador contido na sentença condenatória, ou seja, no momento

da execução da pena).

Também é a partir da conformação constitucional que as reformas penais devem ser

realizadas, principalmente por conta do longo espaço de tempo que medeia muitas

legislações criminais (nosso Código Penal ainda prevê dispositivos criados na década de 40) e

a Constituição (promulgada em 1988), o que leva, inexoravelmente, a uma sempre necessária

conformação constitucional da legislação criminal.

Desde a criação do modelo constitucionalista de direito (com especial ênfase a partir da

Segunda Guerra Mundial, quando o surge o chamado neoconstitucionalismo – Dworkin, Alexis

etc.), quem estuda, interpreta ou aplica o direito penal sem conhecer (ou reconhecer) a força

normativa e cogente dos princípios constitucionais penais não é um penalista que se possa

dizer atualizado e/ou comprometido com o atual Estado de Direito. Tampouco está atualizado

quem, desde os anos setenta, em razão de toda construção teórica de Roxin (Política criminal

e sistema do direito penal), que parte da constatação de que o direito penal não pode ter

existência isolada, sem o influxo dos princípios constitucionais fundamentais, ignora a

proximidade entre direito penal e política criminal, desconhece que os princípios

constitucionais orientam a política-criminal a ser adotada pelo legislador e seguida pelos

intérpretes e aplicadores da lei penal.

Os princípios, como afirmamos, são normas jurídicas de caráter cogente e, por isso, não se

confundem com as regras, conforme se verificará a seguir.

Page 9: eBook Principios Constitucionais Penais

3) DIFERENÇAS ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS:

Qual a diferença entre princípios e regras? Do livro de autoria de André Estefam e Victor

Eduardo Rios (Direito penal, p. 99) extraímos o seguinte quadro explicativo:

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Como se verifica no último critério diferenciador do quadro acima, havendo conflito entre

princípios há que se aplicar o critério da ponderação de interesses, tema que será objeto de

atenção a seguir:

Page 11: eBook Principios Constitucionais Penais

4) COLISÃO DE PRINCÍPIOS

Os princípios que norteiam a aplicação da lei penal devem ser aplicados conjuntamente? E

no caso de haver colisão entre eles, qual a solução? Havendo conflito entre os princípios, há

que se aplicar o critério da ponderação de interesses, o qual determina que os princípios,

acaso existentes mais de um no caso concreto, sejam sopesados, analisados caso a caso,

prevalecendo o mais adequado e justo, caso seja impossível aplicar um ou mais princípios

concomitantemente. Deverá prevalecer o interesse mais relevante em detrimento do menos

relevante no caso concreto.

Os princípios são fundamentais para iluminar a aplicação das regras que regem os casos

concretos.

Nossa Constituição legitima qual movimento de política criminal? O punitivista, o

minimalista ou o abolicionista? Os princípios penais extraídos direta ou indiretamente de

nossa Constituição Federal indicam a opção político-criminal (preponderante) pelo

minimalismo penal (que vê o direito penal como conjunto de normas que limitam a liberdade

assim como, ao mesmo tempo, o poder punitivo do Estado). Com isso fica refutado o

abolicionismo penal (seja o moderado, seja o radical – Hulsman, Christie etc.; o abolicionismo

radical afasta qualquer aplicação do direito penal, levando os conflitos para outras esferas de

resolução, como a civil, administrativa etc.; o abolicionismo moderado propõe a abolição da

pena de prisão, que seria mais nefasta que útil para o controle da delinquência). Mas entre a

teoria e a prática há uma grande distância. Na prática se nota nitidamente uma tendência

maximalista (uso máximo ou desproporcional do direito penal).

Os princípios assim como os postulados político-criminais estão contemplados no texto

constitucional e nos tratados de direitos humanos de forma expressa (princípio da legalidade,

da igualdade, da proporcionalidade etc.) ou implícita (exclusiva proteção de bens jurídicos,

ofensividade do fato etc.).

Qual a posição do princípio da dignidade da pessoa humana na hierarquia dos princípios?

De outro lado, todos os princípios jurídicos e político-criminais encontram-se ancorados no

princípio-síntese do Estado de Direito, que é a dignidade humana (CF, art. 1º, III). Nenhuma

ordem jurídica pode contrariá-lo. Qualquer violação a outro princípio afeta igualmente o da

dignidade da pessoa humana. O ser humano não é uma coisa, é, antes de tudo, pessoa dotada

de direitos, sobretudo perante o poder punitivo do Estado. Não existe liberdade onde o

humano deixa de ser tratado como pessoa para ser enfocado como coisa (Beccaria, Kant etc.).

É imoral conceber o ser humano como meio e não como fim; ele não pode ser

instrumentalizado para a obtenção de nenhuma finalidade (Kant).

O Estado Democrático de Direito possui, assim, uma dimensão antropocêntrica (porque

fundado na dignidade da pessoa humana). Daí a impossibilidade da existência de um direito

penal tirânico, arbitrário ou totalitário (toda pena desnecessária é tirânica, dizia Montesquieu,

secundado por Beccaria). As formas, os meios legítimos, a dimensão, a intensidade: tudo (ou

praticamente tudo) do poder punitivo está regrado (nas leis, na Constituição e nos tratados

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internacionais). Na prática, no entanto, é chocante a quantidade de afrontas emanadas do

estado policialesco (que é o estado que pune fora das regras jurídicas do Estado de Direito)

frente ao conjunto normativo limitador (os presídios constituem o emblemático exemplo do

que acaba de ser afirmado). Isso ocorre, sobretudo, quando se privilegia o eficientismo em

detrimento das regras e princípios limitadores do poder punitivo. Há uma corrente que

afirmar que o “direito penal do neoliberalismo” (a partir dos anos 90) seria violador do sistema

penal constitucionalizado. Na verdade, é da nossa história a persistente violação dos direitos

fundamentais das pessoas. Basta uma rápida visita a qualquer presídio brasileiro (em qualquer

época) para se constatar a aporia entre sua realidade e as normas jurídicas vigentes.

São princípios estruturais (ou estruturantes) do direito penal: o da dignidade da pessoa

humana, que também é o princípio-síntese de todo Estado Democrático de Direito (art. 1º,

III), o da legalidade (art. 5º, XXXIX) e o da culpabilidade (art. 5º, LVII). Esses princípios são

estruturantes porque sem eles não haveria o Estado de Direito.

Mas esses princípios estruturantes não são os únicos do sistema penal. Ampliando um pouco

mais a visão sobre o tema, os mais relevantes princípios podem ser agrupados da seguinte

forma:

Vejamos cada um dos 13 princípios acima elencados.

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Parte II – Dos princípi os constitucionais penais

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1) PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS

O direito penal não serve para a tutela da moralidade, de funções governamentais, de uma

ideologia, de uma religião etc. É sua missão tutelar os bens jurídicos (Roxin), como a vida, a

integridade física, a liberdade sexual, o meio ambiente etc. Ademais, por conta do princípio

da intervenção mínima, conforme se verá no item 2, somente os bens jurídicos mais

relevantes devem ser objeto de proteção do direito penal (não sendo relevante o bem jurídico,

não se justifica uma intervenção tão drástica do Estado, como é a que acontece por meio do

direito penal). Os bens jurídicos de menor monta podem ser objeto de proteção de outras

esferas do direito, como o comercial ou o civil. O adultério, por exemplo, foi retirado do campo

penal (Lei 11.106/05), por se entender que a exigência de uma relação monogâmica entre o

casal não era matéria de relevância penal.

É necessário que o bem jurídico tutelado pelo direito penal esteja contemplado

expressamente na Constituição? Não. Fundamental é que o bem jurídico não conflite com o

quadro axiológico constitucional, isto é, com os valores que a Constituição contempla. Se a CF

assegura o direito de reunião e de associação (art. 5º, incisos XVI e XVII), nenhuma lei penal

pode incriminar esse direito (sendo inconstitucional qualquer dispositivo em sentido contrário

– como é o caso do art. 39 da Lei das Contravenções Penais).

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2) PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Não se trata de princípio previsto expressamente na Constituição, mas é das suas regras e

princípios (dignidade humana, Estado democrático de Direito etc.) que extraímos a vertente

político-criminal da intervenção mínima. Nos regimes absolutistas, totalitários ou autoritários

(assim como nas ditaduras) o direito penal aparece em primeiro plano, porque o controle

social é feito para gerar terror. De acordo com a concepção minimalista, o direito penal é

instrumento de ultima ratio (só deve ser usada em último caso). O uso incontido ou

desmedido do direito penal leva inexoravelmente ao estado policialesco. O direito penal, em

suma, quando se transforma em instrumento de prima ratio perde seu caráter essencial de

subsidiariedade. Isso é o que vem acontecendo com o direito desde o Código Penal de 1940,

o mais punitivista de todos. Confia-se numa estridente intervenção simbólica (nos textos

legais) como meio para a contenção da criminalidade (deterrance). A certeza do castigo

sempre foi um objetivo postergado. No atual quadro de expansão do populismo punitivo, o

uso desmedido do direito penal encontra amplo apoio popular e midiático. Isso significa que

não vivemos numa democracia pura, sim, no campo punitivo o que vigora é a oclocracia

(governo influenciado pelas massas). Na era do espetáculo as decisões político-criminais não

são tomadas para mudar a realidade, sim, para promover mais espetáculo (Baratta).

O princípio da intervenção mínima possui dois aspectos relevantes: fragmentariedade (o

direito penal não protege todos os bens jurídicos de todas as ofensas a eles dirigidas) e

subsidiariedade (sempre que outros meios de tutela forem igualmente eficazes, o direito

penal não pode ser utilizado).

A fragmentariedade no direito penal possui duas dimensões:

- somente os bens mais relevantes devem receber a tutela penal;

- exclusivamente os ataques mais intoleráveis a esses bens jurídicos relevantes é que devem

ser punidos penalmente.

O Direito tem condições de oferecer aos bens uma proteção diferenciada, que pode ser civil,

administrativa, penal etc., devendo a tutela penal ser reservada para aquilo que efetivamente

cause lesão ou perigo a um bem jurídico-penal de reconhecida relevância. “A lei apenas deve

estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias” (Declaração dos Direitos do Homem

e do Cidadão, 1789).

Ataques ínfimos, irrisórios, devem ser regidos pelo princípio da insignificância. O princípio da

insignificância tem como fundamento a fragmentariedade do direito penal. Não é exatamente

a mesma coisa que intervenção mínima, senão uma manifestação dela.

Princípio da insignificância: caracteriza inequívoco afastamento da tipicidade material pela

ausência de grave ou relevante lesão ao bem jurídico no caso concreto (é também chamado

de princípio da bagatela). Nós sustentamos dois tipos diferentes de bagatela: 1) bagatela

própria: o fato, apesar de formalmente típico, já nasce irrelevante pela diminuta lesão ao bem

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jurídico (ex.: subtração de um shampoo em supermercado); 2) bagatela imprópria: o fato

nasce penalmente relevante, mas a pena se torna desnecessária na situação concreta,

normalmente porque o réu já sofre uma “pena natural” (experimenta enorme e

desproporcional sofrimento em razão do seu delito). O parentesco da bagatela imprópria com

as situações de perdão judicial é inevitável. Considere-se o exemplo do pai que mata filho em

acidente de trânsito - § 5º do art. 121 do CP. Expressamente o Código Penal permite o perdão

judicial. Fora dessas situações expressas, o juiz pode reconhecer concretamente a

desnecessidade da pena nos termos do art. 59 do CP (para isso se exige que o agente tenha

experimentado desproporcional sofrimento pelo seu fato – por exemplo: réu que tentou

roubar R$ 10 reais da vítima, com ameaça, não violência, desarmado, primário, dinheiro

restituído e que ficou preso, por exemplo, seis meses em razão desse fato; ademais se

reconciliou com a vítima, explicando que “tudo não passou de uma bebedeira”). No final pode

ser que o juiz entenda que a pena seja desnecessária. Com fundamento no art. 59 do CP pode

reconhecer a bagatela imprópria, extinguindo-se a punibilidade do agente.

A jurisprudência, normalmente, não vem admitindo a insignificância nos crimes dolosos

praticados com emprego de violência ou grave ameaça (em especial o roubo). Pensamos que,

em situações excepcionais, pode-se reconhecer a bagatela imprópria (que foi reconhecida

pelo TRF 4ª Região num caso de descaminho, em que o total dos tributos era pouca coisa

acima do admitido como fato insignificante).

Não é preciso que o crime seja de menor potencial ofensivo (punido até dois anos) para a

adoção da insignificância. No furto simples (punido com pena de até quatro anos de reclusão)

a jurisprudência admite a insignificância.

Do livro de Rogério Sanches (Direito penal-PG) extraímos, resumimos e atualizamos o seguinte

quadro sobre o panorama jurisprudencial do princípio da insignificância (p. 74):

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Adequação social: outro princípio que exprime a fragmentariedade do direito penal é o da

adequação social (não se pune os pais que perfuram as orelhas de uma criança para a

colocação de brincos). A evolução social costuma modificar a valoração de alguns

comportamentos tornando o repugnante em inofensivo com o tempo. Com base na

constatação desse descompasso, Hans Welzel idealizou o princípio da adequação social que

teria função parecida com o princípio da insignificância, sendo seus dois principais escopos:

1) Restringir a abrangência do tipo penal, excluindo a tipicidade nas situações em que se

constatasse a adequação social (função concreta); 2) Orientar a função seletiva do tipo

funcionando ora para determinar a “incidência aflitiva” (na previsão de novos crimes) ora

como catalisador da descriminalização de condutas (função abstrata).

Princípio da desnecessidade concreta da pena: mais uma manifestação da fragmentariedade

do direito penal reside no princípio da desnecessidade concreta da pena (também chamado

de irrelevância penal do fato). Quando o fato não é necessitado de pena, como é o caso do

perdão judicial ao pai que mata o filho em acidente de carro, não pode incidir o castigo penal.

Condutas ou resultados considerados pela sociedade como adequados ou que por ela são

social e amplamente tolerados (sem ferir preceitos constitucionais), não devem entrar no

âmbito do direito penal.

Subsidiariedade do direito penal: o direito penal só tem lugar quando outros ramos do

sistema jurídico não se mostram suficientes para a prevenção e reprovação do fato. O direito

penal é direito de ultima ratio (TJSP, AC 113.999-3, rel. Luiz Betanho).

>>> Caso concreto: Há firme jurisprudência no nosso país no sentido de que não se

configura o delito de desobediência quando existe sanção administrativa para a conduta. Isso

constitui exemplo de subsidiariedade do direito penal. Em vários julgados, quando se trata de

descumprimento de uma medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha, tem-

se entendido que não configura o crime de desobediência, tendo em vista que há previsão

legal referente às consequências do descumprimento: aplicação de uma medida ainda mais

severa, podendo-se chegar à prisão preventiva (desde que os requisitos se façam presentes)

– STJ, 6ª T., REsp 1.374.653, j. em 11/03/2014.

Por força do princípio da intervenção mínima, o que resulta constitucionalmente proibido no

nosso país é o chamado direito penal máximo violador, dentre outros, dos princípios da

culpabilidade e da proporcionalidade, que consiste no abuso do direito penal para atender

finalidades ilegítimas (atemorização pela imposição de penas exemplares, por exemplo), para

acalmar a ira da população etc. A utilização do direito penal traz um enorme custo individual

e social e ele somente se justifica quando se estiver diante de um bem jurídico relevante que

tenha sido ofendido de forma grave, e desde que outros recursos (instrumentos) não possam

ser utilizados para se proteger tal bem.

Análise crítica. O direito penal máximo, tal qual vem sendo sustentado, é desproporcional,

desigual, abusivo e arbitrário (até porque, instrumentaliza uma pessoa para servir de exemplo

para a sociedade, violando um dos imperativos éticos de Kant). Os defensores do direito penal

Page 20: eBook Principios Constitucionais Penais

máximo que vai além do que é justo são propagadores do estado de polícia. O direito penal

deixa de cumprir seu papel de contenção do poder punitivo abusivo (Zaffaroni) quando

instrumentaliza o ser humano.

Page 21: eBook Principios Constitucionais Penais

3) PRINCÍPIO DA MATERIALIZAÇÃO OU EXTERIORIZAÇÃO DO FATO (nullum

crimen sine actio)

Ninguém pode ser punido pelo que pensa (mera cogitação) ou pelo modo de viver. Só

responde penalmente quem realiza um fato descrito como crime ou contravenção penal

(direito penal do fato). Está proibido punir alguém pelo seu estilo de vida, ou seja, está vedado

o chamado direito penal de autor, que pune o sujeito não pelo que ele fez, mas sim, pelo que

ele é. A lei penal não punir o agente pelo que ele é, sim, pelo que ele faz (o direito penal do

fato não se coaduna com o direito penal de autor). As pessoas não podem ser punidas pelo

que são (judeus, vagabundas, ociosas, bruxas, hereges, inimigos do povo etc.). O direito penal

de autor conduz ao estado policialesco, que favorece as concepções autoritárias ou

totalitárias do poder punitivo (Muñoz Conde). A exacerbação do valor da reincidência (ela é

constitucional, disse o STF, RE 453.000) constitui outra fonte de ilegitimidade do direito penal,

assim como a ideia de periculosidade (que é usada para a decretação de prisões preventivas).

>>> Ilustrando: O direito penal nazista, regido doutrinariamente pela denominada

Escola de Kiel, é exemplo histórico de direito penal de autor. O agente, na época nazista, era

punido não pelo que fazia, senão pelo que era: judeu, prostituta, homossexual, africano,

latino-americano, portador de deficiência, idoso etc. O art. 59 da Lei das Contravenções Penais

(Dec.-lei 3.688/41: vadiagem) também é um exemplo de direito penal de autor e, desse modo,

inconstitucional. O abuso da prisão preventiva contra os criminosos “estereotipados”,

particularmente quando não praticam crimes violentos, também se insere nesse contexto de

“direito penal ou processual de autor” (o sujeito é preso, muitas vezes, pelo que ele “é” –

pobre, marginalizado ou diretor de uma empresa, funcionário de uma estatal etc. –, não pelo

que fez).

O crime omissivo configura exceção ao princípio da materialização do fato? Não, porque a

exteriorização da conduta acontece ou por meio de uma ação (crime comissivo) ou por

intermédio da omissão (crime omissivo). A forma omissiva (não fazer o que a lei determina) é

maneira de exteriorização de uma conduta penalmente relevante. O princípio da

materialização do fato não pode ser entendido só em sentido naturalístico; ele conta com

sentido jurídico e abrange tanto a ação como a omissão. O médico que deixa de prestar

socorro a um paciente ferido que está dentro do hospital exterioriza uma conduta omissiva

punível.

Ainda em virtude do princípio da materialização do fato, quando não há conduta humana

penalmente relevante (não é penalmente relevante, p. ex., condutas praticadas sem

consciência em estado de sonambulismo), não há que se falar em crime. A conduta humana

voluntária é o primeiro requisito (formal) do fato típico; sem ela, não há que se falar em crime

(porque não existe crime sem um fato tridimensionalmente típico: formalmente típico +

materialmente típico + dolo ou culpa).

Page 22: eBook Principios Constitucionais Penais

Entrosando o iter criminis e o princípio da exteriorização do fato temos:

Page 23: eBook Principios Constitucionais Penais

4) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DO FATO

O fundamento do princípio da legalidade é a segurança jurídica. O poder público não pode

interferir nos direitos pessoais arbitrariamente. O juiz não tem legitimidade democrática para

criar um crime ou uma pena. Somente o legislador pode prever ingerências na liberdade

humana. Uma das bases do princípio da legalidade reside na (controvertida) teoria da coação

psicológica de Feuerbach (prevenção geral negativa): se o fim da cominação penal consiste na

intimidação de delinquentes potenciais, a determinação psíquica que se pretende só pode ser

alcançada se antes do fato é fixada na lei, da forma mais exata possível; é fundamental saber-

se qual é a ação proibida. Pois se falta uma lei prévia ou esta é pouco clara, não se poderá

produzir o efeito intimidatório que se pretende, porque ninguém saberá se sua conduta pode

acarretar uma pena ou não. A origem remota do princípio reside na Magna Carta do Rei João

Sem Terra, de 1215, art. 39.

O direito penal só pode exercer sua dupla função de limitar a liberdade e criar liberdade

(Jescheck) ou constituir-se na Magna Carta do delinquente (von Liszt) se se sabe, prévia e

precisamente, o que está proibido e o que é permitido. O âmbito do proibido penalmente

vem delineado na lei, e só um Estado de Direito, como vimos até aqui, pode garantir o

princípio da reserva legal (que hoje é entendido como reserva legal proporcional).

O princípio da legalidade criminal (não há crime sem lei) e penal (não há pena sem lei)

encontra-se previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU) de 1948 (art. 11,

II), na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais de 1950, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 (art. 15,

I), na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 9.º). Consolidou-se no direito penal

por obra do Iluminismo e de Beccaria (Dos delitos e das penas). Logo que a burguesia

ascendente assumiu o poder (1789), preocupou-se em estampar o princípio da legalidade nas

leis e constituições (como a Maryland, de 1776). Feuerbach o contemplou no Código Penal da

Baviera de 1813.Teoricamente o princípio da legalidade foi imaginado para evitar

irracionalidades (tais como as cometidas durante a Monarquia).

As quatro dimensões do princípio da legalidade no direito criminal (direito penal, processo

penal e execução penal) são:

1) princípio da legalidade criminal: “não há crime sem lei anterior que o defina” (CP, art. 1.o)

– nullum crimen sine lege;

2) princípio da legalidade penal: “não há pena sem prévia cominação legal” (CP, art. 1.o) –

nulla poena sine lege;

Ambos os princípios acima estão constitucionalizados: Constituição Federal (art. 5º, XXXIX):

“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Page 24: eBook Principios Constitucionais Penais

3) princípio da legalidade jurisdicional ou processual: não há processo sem lei, ou seja,

ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (nulla

coatio sine lege – CF, art. 5º, inc. LIV) ou nemo damnetur nisi per legale iudicium;

4) princípio da legalidade execucional: “a jurisdição penal dos juízes ou tribunais de justiça

ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no processo de execução, na

conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal” (LEP, art. 2º) – nulla executio sine lege.

No campo penal o princípio da legalidade constitui a fonte da norma penal assim como do

tipo penal (tipo penal é o conjunto dos requisitos que fundamentam uma determinada ofensa

a um bem jurídico. São várias as dimensões de garantia do princípio da legalidade criminal.

Oito delas valem também para a legalidade penal. São elas:

1.a) lex scripta (lei escrita): nosso Direito pertence à (família da) civil law, não à common law,

isto é, entre nós, o que vale (para fins incriminadores) é o direito escrito (publicado no diário

oficial), não os costumes ou apenas os precedentes jurisprudenciais. Não há crime sem lei

anterior que o defina. Isso significa, desde logo, que apenas e exclusivamente a lei é que

define crime no nosso país. Os costumes não servem para essa finalidade. Tampouco a

jurisprudência. Podem os costumes ser válidos para a interpretação da lei penal,

particularmente em favor do réu, mas não criam crime ou pena.

A jurisprudência, como se vê, não é fonte direta de incriminação no Brasil, mas como o

legislador vem editando (cada vez mais) leis penais vagas, a margem interpretativa dos juízes

vem se ampliando na mesma proporção. Esse é o caso do Regime Disciplinar Diferenciado

(RDD), previsto no art. 52 e ss. da Lei de Execução Penal (que usa padrões linguísticos

extremamente vagos). A interpretação extensiva para além da vontade do legislador está se

tornando frequente (e isso viola a garantia da lex scripta).

Para ter vigência a lei precisa ser aprovada, promulgada, sancionada e publicada. Só pode ter

valor jurídico a lei publicada na imprensa oficial (Diário Oficial). E desde que publicada sem

vícios.

>>> Caso concreto: Na Lei 9.639/98 publicou-se um parágrafo único ao art. 11 que

concedia anistia ampla nos crimes previdenciários. Descobriu-se depois que esse parágrafo

não havia sido discutido no Congresso. Sendo assim, era absolutamente inconstitucional.

Jurisprudência pacífica passou a reconhecer essa inconstitucionalidade. (TRF 3.a Região – RC

1999.61.81.001152-6 – rel. Theotonio Costa – DJU 10.04.2001, Seção 2, p. 243).

2.a) lex populi (lei popular, lei do Parlamento): Só pode definir crime a lei formalmente

discutida e aprovada pelo Parlamento (TFR, ED, rel. Assis Toledo, RTFR 149, p. 277). Somente

os representantes diretos do povo é que podem deliberar sobre o proibido (preceito primário

da norma incriminadora) ou sobre a sancionabilidade do fato (preceito secundário da norma

incriminadora). Nessa questão reside a fundamentação democrático-representativa do

direito penal.

Page 25: eBook Principios Constitucionais Penais

Não se pode confundir o princípio da legalidade criminal com o princípio da reserva legal ou

mesmo com o princípio da anterioridade. Vejamos:

- princípio da legalidade: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei” (CF, art. 5º, inc. II). Princípio da legalidade criminal significa que não

há crime sem lei (CF, art. 5º, XXXIX; CP, art. 1º). Conta hoje com várias dimensões de garantia.

Dentre elas acham-se o princípio da reserva legal e o da anterioridade.

- princípio da reserva legal: significa que em matéria penal somente o legislador pode intervir

para prever crimes e penas ou medida de segurança (garantia da lex populi). Reserva legal,

em síntese, significa reserva de lei aprovada pelo Parlamento, de acordo com o procedimento

legislativo previsto na Constituição. No direito penal, em se tratando de normas

incriminadoras, vigora o princípio da legalidade, aliás, mais que isso, vigora o (plus) da reserva

legal. Medida provisória, por exemplo, como veremos em seguida, não pode criar crime ou

pena. Na atualidade a reserva legal deve ser entendida como reserva legal proporcional

(voltaremos ao tema detalhadamente mais abaixo).

>>> Aprofundando: em direito constitucional existe a legalidade em sentido amplo e

a legalidade em sentido estrito. Legalidade em sentido amplo é a prevista no inciso segundo

do art. 5º da CF (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei”). Esse dispositivo aceita que qualquer espécie normativa limite a liberdade

individual, até mesmo os atos normativos infralegais, como decretos e portarias. Em todas as

demais passagens em que a Constituição demandar de forma expressa a exigência de lei para

regular determinado assunto estaremos na presença da legalidade em sentido estrito e aqui

teremos então a exigência de lei em sentido estrito, ou seja, lei editada pelo Parlamento (leis

ordinárias, leis complementares etc.), não podendo estes temas ser regulados de forma

autônoma por atos infralegais. É fácil reconhecer tais hipóteses, basta que o dispositivo

constitucional tenha em sua redação os dizeres “conforme a lei”, “em virtude da lei”, “de

acordo com a lei” etc. É justamente isso que verificamos na legalidade penal quando o art. 5º

inciso XXXIX, afirma que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia

cominação legal”. Para que o Estado edite previsões com comportamento que considere

criminoso ele só poderá fazê-lo através de lei em sentido estrito. A legalidade penal, portanto,

é legalidade em sentido estrito (ou seja: há aqui uma reserva legal). Mais: é cláusula pétrea.

- Por força do princípio da anterioridade a lei penal nova deve entrar em vigor antes e só vale

para fatos posteriores à vigência (veremos o tema mais detalhadamente abaixo).

Constituição Federal: a punição dos fatos ou agentes concretos depende de uma lei penal, não

da Constituição. O poder punitivo nasce da lei. Não existe um direito fundamental da vítima

de obter a condenação penal do agente que violou direitos constitucionais. Não há a

legalidade invertida. A Constituição nunca pode ser fonte direta da incriminação. Sem lei

aprovada pelo parlamento não existe o ius puniendi.

>>> Aprofundando: legalidade sob o ponto de vista formal significa submissão ao

processo legislativo correto. Significa que o ato estatal que tem por consequência a privação

Page 26: eBook Principios Constitucionais Penais

da liberdade do indivíduo deve se formar pelo rito que a Constituição estabelece como sendo

o rito de formação da lei (iniciativa, discussão e votação, promulgação e publicação – devido

processo legislativo). O princípio da legalidade em sentido amplo abrange todas as espécies

normativas do art. 59 da CF. Já a reserva legal toma a expressão lei no sentido estrito,

conforme distinção originária do direito constitucional acima destacada. E o que seria lei em

sentido estrito? Seria, segundo a doutrina, lei editada pelo parlamento conforme o processo

legislativo respectivo. Dissecando as espécies legislativas do artigo 59 da CF quais seriam as

aptas a prever crime e cominar pena? Vejamos:

- Emendas constitucionais – Não existe previsão de crime e pena na CF, logo não poderia haver

uma Emenda para prever crime ou pena. O que existe na CF são os chamados mandados

criminalizantes (ou penalizantes), que são matérias em que o legislador infraconstitucional

tem a obrigação de criminalizar (ou penalizar), como por exemplo: racismo (art. 5º, XLII),

tortura (art. 5º, XLIII), condutas lesivas ao meio ambiente (225). Ou seja, na verdade a lei que

irá tratar do assunto é infraconstitucional e na CF consta apenas o comando para que o

legislador atue na matéria. Existe mandado criminalizante (ou de criminalização) não

cumprido pelo legislador infraconstitucional? Sim, o inciso XLIV do artigo 5º da CF (o legislador

não criminalizou a “ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional

e o Estado democrático; o terrorismo ainda não foi criminalizado de forma adequada (o art.

20 da lei 7170/83 é extremamente vago e viola o princípio da taxatividade).

- Leis complementares – é lei em sentido estrito. Existe crime em lei complementar? Sim. Art.

25 da LC 64/90 (Art. 25. Constitui crime eleitoral a arguição de inelegibilidade, ou a

impugnação de registro de candidato feito por interferência do poder econômico, desvio ou

abuso do poder de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta má-fé: Pena:

detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) vezes o valor

do Bônus do Tesouro Nacional (BTN) e, no caso de sua extinção, de título público que o

substitua.)

- Leis ordinárias – é lei em sentido estrito. Normalmente as previsões de crime estão em leis

ordinárias, excepcionalmente em complementares.

- Medidas Provisórias – Não é lei em sentido estrito por ser editada pelo Executivo (vide abaixo

o tópico específico sobre medida provisória).

- Leis Delegadas – Art. 68, §1º, II da CF/88 veda que a lei delegada discipline sobre direitos

individuais.

- Decretos Legislativos – é editado pelo parlamento, no entanto tem um rol de matérias

específico na CF e nele não consta a previsão para atuação em seara penal.

- Resoluções - é editado pelo parlamento, no entanto tem um rol de matérias específico na CF

e nele não consta a previsão para atuação em seara penal. Em síntese: apenas leis ordinárias

e complementares podem criar crimes e penas.

Page 27: eBook Principios Constitucionais Penais

Medidas provisórias: não podem, consequentemente, descrever crime ou pena ou mesmo

cuidar diretamente de qualquer aspecto punitivo penal (CF, art. 62, § 1.o, I, b). O direito penal,

pelas suas implicações na esfera dos direitos fundamentais da pessoa, não pode emanar só

do Executivo. A lei primeiro é aprovada pelo Parlamento. Depois é sancionada pelo Executivo.

E se a medida provisória for convertida em lei? Nesse caso sua validade se dá a partir da lei,

como expressão da vontade do Parlamento, e não da data da medida provisória. Podem tais

medidas, entretanto, beneficiar o réu, autorizando, por exemplo, uma determinada conduta

descrita formalmente em lei penal.

>>> Caso concreto: Foi o que aconteceu com a Medida Provisória 1.710, que criou um

programa antipoluição, permitindo que as empresas possam poluir até determinados níveis e

gradativamente reduzindo esses níveis. A conduta autorizada por uma norma (sendo

favorável ao réu) não pode estar no âmbito da proibição de outra (teoria da tipicidade

conglobante de Zaffaroni, que estudaremos dentro da tipicidade material). No entanto, há

entendimento jurisprudencial no sentido de que medida provisória não pode beneficiar o

agente (Nesse sentido, STJ, REsp 270.163, rel. Gilson Dipp, j. 06.06.2002, DJU 05.08.2002, p.

373, que refutou a aplicabilidade da MP 1.571, nos crimes previdenciários). Posição do STF: O

STF, no RE 254.818-PR, rel. Sepúlveda Pertence, discutindo os efeitos benéficos introduzidos

no nosso ordenamento jurídico pela Medida Provisória 1.571/97 (6ª e 7ª edições – essas

edições permitiram o parcelamento de débitos tributários e previdenciários, com efeito

extintivo da punibilidade) proclamou a sua validade. Para o STF as medidas provisórias podem

beneficiar o réu. Nossa posição: Concordamos com o posicionamento do STF. Em favor do réu

cabe inclusive analogia. Até mesmo os costumes podem beneficiá-lo. Nesse contexto, não há

como afastar a possibilidade de as medidas provisórias beneficiarem o agente. O princípio da

legalidade estrita em direito penal impede a medida provisória contra o réu, não em seu favor.

A MP 1.571/97, tendo sido convalidada pela Lei 9.639/98, que suspendeu validamente a

aplicabilidade da norma contida no art. 95, d, da Lei 8.212/91, tinha que ser aplicada em favor

do réu. A questão das fontes do direito penal deve ser bem compreendida. Uma coisa é a adoção

de medidas que restringem a liberdade; outra bem diferente é a solução quando a medida

amplia o direito à liberdade e diminui o espaço do ius puniendi. Ninguém discute a validade

de causas supralegais de exclusão do delito (consentimento da vítima, inexigibilidade de

conduta diversa, etc.). Se até causas supralegais são admitidas para excluir o delito, com mais

razão devemos acolher a medida provisória que beneficie o réu (pro reo).

No quadro abaixo podemos visualizar o tema de forma esquemática:

Page 28: eBook Principios Constitucionais Penais

Decreto-lei: muitas leis penais no nosso país foram instituídas por decreto-lei (o próprio

Código Penal, por exemplo). Outro exemplo: Dec.-lei 3.688/41, que instituiu a Lei das

Contravenções Penais. São reputadas válidas porque quando editadas o ordenamento

constitucional assim permitia (STJ, RHC 5.416, rel. Adhemar Maciel, DJU de 26.08.1996, p.

29.725).

Tratados internacionais: Coube ao STF, no HC 96.007/SP, Primeira Turma, rel. Min. Marco

Aurélio, j. 12/06/12, DJe-027, divulgação 07/02/13, publicação 08/02/13, corrigir o grande

equívoco do STJ, que admitia a possibilidade de tratado internacional (Tratado de Palermo,

concretamente) definir crime no âmbito do direito penal interno. O STF, não admitindo o

Tratado de Palermo como fonte normativa válida para o direito interno, respeitou a garantia

da lex populi. A existência de um tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. A Lei

9.034/95 não definia o que se entende por crime organizado (ou organização criminosa), o

que somente aconteceu com a Lei 12.850/13. Diante dessa lacuna (até o advento da Lei

12.850/13), pretendeu-se supri-la com a utilização do Tratado de Palermo, que cuida da

criminalidade organizada transnacional. Era uma maneira de tentar burlar a garantia do

princípio da legalidade. Afirmava-se que o referido tratado passou a vigorar no Brasil por meio

do Decreto 5.015/2004, logo, assim estaria atendido o princípio da legalidade. Por vários

motivos a tese não foi aceita (veja HC 96.007): (a) porque só se pode criar crime e pena por

meio de uma lei formal (aprovada pelo Parlamento, consoante o procedimento legislativo

constitucional); (b) o decreto viola a garantia da lex populi, ou seja, lei aprovada pelo

parlamento (decreto não é lei); (c) quando o Congresso aprova um Tratado ele o ratifica,

porém, ratificar não é aprovar uma lei; (d) mesmo que o tratado tivesse validade para o efeito

de criar no Brasil o crime organizado, mesmo assim, ele não contempla nenhum tipo de pena

(argumento do ministro Marco Aurélio) e, sem ameaça de pena não existe crime; (e) o tratado

foi feito para o crime organizado transnacional, logo, só poderia ser aplicado para crimes

internos por meio de analogia, contra o réu, que é proibida.

3.a) lex certa (lei certa): a lei penal deve ser indiscutível em seus termos, isto é, taxativa

(princípio da taxatividade). Não pode descrever o crime de forma vaga, aberta ou lacunosa. A

segurança jurídica do cidadão exige precisão no texto legal, a fim de que possa ser

compreendido. São contrárias à garantia da legalidade material as leis que descrevem os

delitos ou restrições de direitos fundamentais de forma vaga e imprecisa, deixando nas mãos

dos juízes a definição do delito (ou a definição do campo das restrições de direitos). A

disciplina jurídica do RDD (regime disciplinar diferenciado), no art. 52 e ss. da Lei de Execução

Page 29: eBook Principios Constitucionais Penais

Penal, constitui exemplo paradigmático da violação do princípio da taxatividade das normas

penas restritivas de direitos. Por força do estado policialesco, nunca o princípio da legalidade

deixou de experimentar um certo tipo de esvaziamento (em sua função de garantia).

Tal imposição, no entanto, não impede que o legislador se utilize, vez ou outra, após uma

enumeração casuística, uma formulação genérica que deve ser interpretada de acordo com

os casos anteriormente elencados. Ex.: CP, art. 121, § 2º, IV: “Matar alguém... à traição, de

emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a

defesa do ofendido”. Cabe ao juiz em cada caso concreto verificar a existência desse outro

recurso que dificulte a defesa do ofendido. Por exemplo: a surpresa. Trata-se de um caso de

interpretação analógica (que é admitida no direito penal). Não se confunde com a analogia,

que somente é admitida quando for favorável do réu (analogia in bonam partem).

A lei penal em branco (lei em que o preceito primário da norma penal só descreve uma parte

do delito, deixando seu complemento para outra fonte normativa – exemplo: todas as leis que

punem o tráfico de drogas) não é inconstitucional se o legislador cuidou do conteúdo proibido,

deixando para outra fonte normativa apenas o complemento. Ela é inconstitucional quando

o legislador deixa o conteúdo proibido por conta da norma complementar. Voltaremos ao

tema da lei penal em branco quando do estudo do art. 3º do CP (que cuida das leis penais

excepcionais e temporárias).

4.a) lex clara (lei clara): lei clara é a lei inteligível, compreensível. O legislador deve utilizar

expressões que possam ser entendidas pela população (cuida-se de velha reivindicação de

Beccaria). De outro lado, o melhor seria que todas as leis penais fossem inseridas num só

código (reserva de código), pois, desta forma, estariam todas elas organizadas sistêmica e

racionalmente, resultando, por consequência, numa melhor apreensão pela sociedade do

âmbito do que é proibido. Quanto mais esparsas as leis, menos inteligíveis são. Isso conduz,

em alguns casos, ao reconhecimento do erro de proibição.

5.a) lex determinata (lei determinada): a lei penal deve descrever fatos empiricamente

comprováveis, isto é, passíveis de demonstração em juízo. Uma lei penal que previsse crime

ambiental relacionado com a água de outro planeta seria inválida (diante da impossibilidade

de comprovação desse fato). A legalidade estrita deve descrever condutas que sejam

verificáveis, ou seja, empiricamente demonstráveis (Ferrajoli).

6.ª) lex rationabilis: nos dias atuais, se a justiça é o valor-meta do Estado Democrático de

Direito é absolutamente inatendível o velho brocardo que diz: Lex quanvis irrationabilis,

dummodo sit clara (a lei, ainda que irracional, sendo clara, tem de ser aplicada). O que deve

imperar (no vigente Estado de Direito) é exatamente o contrário: a lei irracional não deve ser

aplicada,4 porque inconstitucional. Nesse caso, aplica-se a Lei Maior, para negar validade à

inválida lei ordinária. O STJ (no HC 239.363) declarou a inconstitucionalidade do preceito

4 Sobre a irracionalidade da criminalização da arma de brinquedo cf. GOMES, Luiz Flávio.

Estudos de direito penal e processo penal. São Paulo: RT, 1998, p. 133 e ss. É certo que esse

delito desapareceu com o novo Estatuto do Desarmamento.

Page 30: eBook Principios Constitucionais Penais

secundário do artigo 273, parágrafo 1º-B, inciso V, do Código Penal (por se tratar de pena sem

razoabilidade). A pena do delito de venda de produto destinado a fins terapêuticos ou

medicinais de procedência ignorada é de reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

Trata-se de pena totalmente irracional (quase o dobro do homicídio, no patamar mínimo). No

caso, após o esvaziamento do preceito secundário do delito, o STJ determinou que a

reprimenda cabível seria a do art. 33 da lei 11.343/06 (5 a 15 anos).

No voto proferido no RE 635.659-SP (20/8/15) o min. Gilmar Mendes, admitindo a

inconstitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas (que pune com sanções penais quem porta

drogas para uso pessoal), com base na doutrina e na jurisprudência da Alemanha, bem

sintetizou as atuais exigências emanadas do princípio da proporcionalidade. Seu voto faz

contraponto com o RE 430.105 (rel. min. Sepúlveda Pertence, 24/4/07), que admitiu apenas

a despenalização (infração com caráter penal, sem pena de prisão) do porte de drogas para

uso pessoal, sem chegar na descriminalização.

>>> Aprofundando. Do voto do min. Gilmar Mendes extraímos o seguinte: 1) o

controle de constitucionalidade das normais penais tem como eixo a proteção dos direitos

fundamentais; 2) o Estado tem o dever de proteger os bens jurídicos mais relevantes, mas

conta com limites; 3) muitos são os mandados de criminalização contidos na CF de 1988 (um

dos catálogos mais amplos em termos de direito comparado); 4) o Estado se obriga “não

apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face do Poder Público, como, também,

a garantir os direitos fundamentais contra agressão de terceiros”; 5) os direitos fundamentais

não são apenas proibições de intervenção do Estado; são também postulados de proteção;

não são apenas proibição de excesso, senão também proibição de proteção insuficiente

(Claus-Wilhelm Canaris); 6) a ordem constitucional fundada nos direitos fundamentais irradia

sua força para a ordem legal; 7) o Estado deve intervir para protegê-los; 8) a tutela penal, no

entanto, pertence à “discrição legislativa”, porém, sempre subordinada ao princípio da

proporcionalidade, que envolve a apreciação da necessidade e adequação da providência

adotada; 9) essa orientação “permitiu converter o princípio da reserva legal no princípio da

reserva legal proporcional”, o que “pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e

dos fins perseguidos, como, igualmente, a adequação dos meios para a consecução dos

objetivos pretendidos e a necessidade de sua utilização”; 10) de um lado, “exigências de que

as medidas interventivas se mostrem adequadas ao cumprimento dos objetivos pretendidos.

De outra parte, o pressuposto de que nenhum meio menos gravoso revelar-se-ia igualmente

eficaz para a consecução dos objetivos almejados. Em outros termos, o meio não será

necessário se o objetivo pretendido puder ser alcançado com adoção de medida que se revele,

a um só tempo, adequada e menos onerosa”; 11) ao juiz compete fazer o controle de

constitucionalidades das normas penais, de acordo com os parâmetros assinalados.

Socorrendo-se da doutrina jurisprudencial alemã (Corte Constitucional - caso

Mitbestimmungsgesetz, 1978 BVerfGE 50, 290), o min. Gilmar Mendes discorreu sobre os três

níveis de controle de intervenção ou restrição a direitos fundamentais: a) controle de

evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); e c)

controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). Por força do primeiro

Page 31: eBook Principios Constitucionais Penais

examina-se a idoneidade da medida para a proteção dos direitos fundamentais; “a norma

somente poderá ser declarada inconstitucional quando as medidas adotadas pelo legislador

se mostrarem claramente inidôneas para a efetiva proteção do bem jurídico fundamental”;

não são parâmetros abstratos que justificam esse controle. No segundo nível, “o controle de

justificabilidade está orientado a verificar se a decisão legislativa foi tomada após uma

apreciação objetiva e justificável de todas as fontes de conhecimento então disponíveis”; cabe

verificar “se o legislador levantou e considerou, diligente e suficientemente, todas as

informações disponíveis, e se realizou prognósticos sobre as consequências da aplicação da

norma. Enfim, se o legislador se valeu de sua margem de ação de maneira sustentável”. No

terceiro nível poderia o juiz desconsiderar as valorações feitas pelo legislador na etapa

anterior (esse terceiro nível está praticamente descartado em razão da dificuldade de se

valorar a intensidade das análises do legislador feitas no segundo momento).

No voto citado se lê que o enfoque penal em relação ao usuário é uma medida totalmente

inadequada (inidônea) para se alcançar a política de prevenção ao uso de drogas, porque gera

estigmatização e afeta a personalidade dos jovens (que são a maioria das pessoas

selecionadas pelo sistema – cerca de 75% segundo pesquisas invocadas no citado voto).

Ademais, não se distinguiu objetivamente o “usuário” do “traficante”. Há incongruência entre

a criminalização e os objetivos fixados pelo legislador. No que diz respeito ao controle de

justificabilidade “não existem estudos suficientes ou incontroversos que revelem ser a

repressão ao consumo o instrumento mais eficiente para o combate ao tráfico de drogas. Pelo

contrário, apesar da denominada “guerra às drogas”, é notório o aumento do tráfico nas

últimas décadas”. Os estudos (citados no voto) mostram que a descriminalização não

significou aumento no número de usuários de drogas. A criminalização da posse de drogas

“para consumo pessoal”, ademais, “afeta o direito ao livre desenvolvimento da personalidade,

em suas diversas manifestações”.

7.a) lex stricta (lei estrita): a lei penal restritiva de direitos fundamentais deve ser interpretada

estritamente (restritivamente). O juiz não pode criar crimes, nem sequer por meio da analgia.

Sendo assim, está proibida a analogia contra o réu (leia-se: in malam partem). Admite-se,

contudo, a analogia em benefício do acusado (in bonam partem). Analogia significa aplicar a

um caso não regulado pelo direito uma lei que foi prevista para outra situação. Onde se pune

o furto “para si ou para outrem” (CP, art. 155) não se pode criminalizar, por analogia contra o

réu, a “subtração de uso” (uso momentâneo e restituição imediata da coisa). O art. 128, II, do

CP, contempla uma norma permissiva do aborto, realizado por médico, quando a gravidez

resulta de estupro. Se um terceiro fizer esse aborto, preenchidos todos os requisitos legais,

pode-se aplicar a norma permissiva em favor desse terceiro (aqui teríamos uma analogia in

bonam partem).

8.a) lex praevia (lei prévia): a garantia da lei prévia exprime o princípio da anterioridade que

significa que a lei penal deve entrar em vigor antes e só vale para fatos que ocorram a partir

dela (CP, art. 1.o). A lei penal nova incriminadora não retroage, isto é, não alcança fatos

passados. A lei dos crimes hediondos que entrou em vigor em 1990 não pôde ser aplicada

Page 32: eBook Principios Constitucionais Penais

para fatos anteriores. A Lei 12.850/13, que definiu o crime organizado, não pode aplicar para

fatos anteriores. Lei nova mais favorável retroage em favor do agente (CF, art. 5º, inc. XL).

9.a) nulla lex sine iniuria (a lei deve descrever uma forma de ofensa ao bem jurídico): a lei

penal deve utilizar sempre verbos que retratem uma ofensa ao bem jurídico: “matar”,

“subtrair”, “constranger” etc. Deve descrever com clareza a forma de ataque a esse bem. Essa

garantia emana do princípio da ofensividade (não há crime sem lesão ou perigo concreto de

lesão ao bem jurídico tutelado). O princípio da ofensividade (que alguns autores chamam de

lesividade), por sua vez, faz parte da tipicidade material, que tem pertinência dentro da

concepção tridimensional da tipicidade que seguimos (tipicidade formal + material + dolo ou

culpa).

Validade das garantias. Todas essas dimensões de garantia emanadas da legalidade criminal

valem inclusive para as medidas de segurança (aplicáveis aos condenados que sofrem de

doença mental, por exemplo), que estão sujeitas também ao princípio da anterioridade (lex

praevia). Valem ainda (ipsis litteris) para as contravenções penais (Decreto Lei 3.688/41), que

são espécies de infração penal.

Page 33: eBook Principios Constitucionais Penais

5) PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE (do fato)

O fato cometido formalmente típico (adequado à letra da lei), para se transformar em crime

deve também afetar o bem jurídico protegido pela norma penal; a norma penal não é apenas

impositiva (determinativa); antes de tudo ela é valorativa (existe para proteger um bem

jurídico que foi valorado positivamente); se a norma protege um valor que se transforma (no

direito penal) em bem jurídico, não há crime sem lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico

tutelado – nullum crimen sine iniuria. Alguns autores preferem a denominação princípio da

lesividade5. Na práxis, as duas palavras são usadas indistintamente.

A ideia é simples: ninguém pode ser punido por mera atitude interna (mera intenção), posto

que o fato deve ser exteriorizado (princípio da materialização do fato) e, mais que isso, esse

mesmo fato deve afetar de forma significativa o bem jurídico protegido pela norma. Se o velho

conceito de culpabilidade impede a responsabilidade penal sem um ato de vontade do agente

(está proibido o direito penal do ânimo ou da intenção; o crime impossível, por força do art.

17 do CP, não tem nenhuma sanção), o novo princípio da ofensividade exige que dessa

vontade exteriorizada nasça uma ofensa ao bem jurídico protegido (lesão ou perigo de lesão).

A provecta concepção da culpabilidade é o limite subjetivo da responsabilidade penal. A

ofensividade é o patamar mínimo para que isso aconteça.

Se o fato for formalmente típico (adequado à letra da lei), mas não efetivamente ofensivo ao

bem jurídico (lesão ou perigo de lesão), não haverá crime (TACRIM-SP, AC 1.031.723-5, rel.

Márcio Bártoli). Ex.: O falso só é crime quando potencialmente lesivo ao bem jurídico; assim,

uma falsificação grosseira afasta o delito (STJ, RHC 5.298, rel. Vicente Cernicchiaro, DJU

16.12.96, p. 50.953). Essa ofensa ao bem jurídico, ademais, deve ser significativa. Quando não

se trata de uma ofensa significativa, aplica-se o princípio da insignificância (ou da bagatela),

excluindo a tipicidade (material) do fato (STF, HC 84.412-SP). Tudo isso hoje pertente ao

campo da tipicidade material.

Em virtude do princípio da ofensividade está proibido no direito penal o perigo abstrato

presumido (o perigo é presumido quando se dispensa a prova de sua existência, bastando a

periculosidade definida pelo legislador em critérios abstratos e genéricos). No perigo abstrato

presumido o legislador passa a cumprir papel processual, dispensando a acusação de provar

a perigosidade (ou lesividade) real da conduta do agente. O legislador sai do campo da

delimitação do âmbito do proibido para interferir na esfera probatória. Trata-se de uma

atividade imprópria e inconstitucional, por violação ao princípio da presunção de inocência

(que somente pode ser derrubada quando há prova da culpabilidade do agente).

>>> Aprofundando. O limite máximo de atendimento do princípio da ofensividade é o

perigo abstrato de perigosidade real (no delito de embriaguez ao volante, previsto no art. 306

5 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula

Zomer; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 4. ed. São Paulo: RT,

2014, p. 239-333; ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro.

Derecho penal: parte general. Buenos Aires: Ediar, 2001.

Page 34: eBook Principios Constitucionais Penais

do Código de Trânsito brasileiro, não basta que o condutor tenha ingerido bebida alcoólica ou

outra substância, é indispensável que conduza o veículo “sob a influência” dessa substância,

com alteração da capacidade psicomotora; essa influência assim como essa alteração

somente pode ser comprovada com uma “direção anormal” (zigue-zague, passar no

vermelho, entrar na contramão etc.). Esse é o perigo abstrato de perigosidade real, que

distingue o delito de embriaguez ao volante da infração administrativa idêntica, prevista no

art. 165 do CTB).

Acolhendo-se o princípio da ofensividade (ou lesividade) tornam-se inconstitucionais (por

violação aos princípios da presunção de inocência, proporcionalidade etc.) os crimes de perigo

abstrato presumido. Vamos comparar a redação original do crime de embriaguez ao volante

(art. 306 do CTB) com a redação atual (ou mesmo com a de 2008):

>>> Aprofundando. Pela redação original não bastava que o motorista estivesse sob

efeito do álcool, pois era necessário demonstrar que ele dirigia expondo a perigo os demais

motoristas e eventuais transeuntes, ou mesmo o patrimônio alheio a dano, ainda que em

caráter potencial. A partir de 2008 se estabeleceu uma presunção absoluta de que o motorista

expunha a todos a risco pelo simples fato de dirigir tendo antes ingerido álcool (ainda que

nada de anormal ficasse demonstrado quanto à sua forma de guiar o veículo). Na redação

atual exige-se (a) não apenas a ingestão de álcool ou outra substância psicoativa que

determine dependência, senão também (b) que o motorista esteja sob a “influência” dessa

substância e (c) que esteja dirigindo com sua “capacidade psicomotora alterada”. Como se

provam esses dois últimos requisitos: demonstrando-se no processo uma condução anormal

(ziguezague, subir calçada, entrar na contramão, bater em um poste etc.). É isso que se chama

“perigosidade real”. Sua comprovação derruba a presunção de inocência. Logo, o perigo

abstrato de perigosidade real é o limite máximo permitido pelo princípio da ofensividade (que

conflita totalmente com o perigo abstrato presumido). Contra o réu imputável nada pode ser

presumido no direito penal.

Page 35: eBook Principios Constitucionais Penais

>>> Outro caso concreto: Para quem desconsidera o princípio da ofensividade, há

crime no porte de arma de fogo quebrada ou desmuniciada (ou seja: não apta a funcionar).

Essa concepção, entretanto, é inconstitucional, pois não se pode restringir direitos

fundamentais básicos como a liberdade ou o patrimônio sem que seja para tutelar concretas

ofensas a outros direitos fundamentais de igual importância. Entendendo que o porte de arma

desmuniciada não constitui crime: STF, HC 81.057. Se a arma não está apta para uso, não

coloca os bens jurídicos primariamente protegidos pela lei que incrimina o porte de arma

ilegal. Em sentido contrário: STF, HC 117.206/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Cármen Lúcia, j.

05.11.2013, DJe-228, divulg 19.11.2013, public 20.11.2013. Consta na ementa: “[...] 2. Porte

ilegal de arma de fogo de uso permitido é crime de mera conduta e de perigo abstrato. O

objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, mas a segurança pública e a paz social,

sendo irrelevante estar a arma de fogo desmuniciada. 3. Ordem denegada”; STJ, AgRg no

AREsp 367860/MG, 6ª Turma, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 11.11.2014, DJe 01.12.2014.

Consta na ementa: “É pacífico, no âmbito desta Corte Superior, como bem ressaltado pela

Terceira Seção, nos autos do AgRg nos EAREsp n. 260.556/SC, o entendimento de que, para a

configuração do tipo penal de porte ilegal de arma de fogo, é irrelevante o fato de a arma

estar desmuniciada, visto se tratar de delito de mera conduta ou de perigo abstrato, cujo

objeto jurídico imediato é a segurança jurídica.” A jurisprudência não está fazendo a distinção

entre perigo abstrato presumido e perigo abstrato de perigosidade real, que é o patamar

mínimo para o reconhecimento da constitucionalidade da norma penal.

O princípio da ofensividade está atrelado à concepção dualista da norma penal, isto é, ela é

(a) valorativa (existe para a proteção de um valor, que se transforma no bem jurídico

protegido) e (b) imperativa (impõe uma determinada pauta de conduta a todos). Ela vale,

ademais, frente a todas as pessoas (norma primária), assim como diante do juiz, que deve

aplicar o castigo previsto quando o agente infringe o aspecto imperativo da norma penal. A

norma penal primária, por seu turno, conta com duas dimensões: (a) preceito primário

(âmbito do proibido) e (b) preceito secundário (âmbito da ameaça da pena).

A norma penal existe para tutelar um bem jurídico relevante e sem ofensa a esse bem não há

delito (tem-se aqui o que modernamente é denominado de tipicidade material). Daí se conclui

que o crime exige, sempre:

- desvalor da ação: a realização de uma conduta valorada negativamente e geradora de um

risco proibido;

- desvalor do resultado: afetação do bem jurídico que a norma pretende tutelar.

Sem ambos os desvalores não há crime. É inconciliável com o direito penal da ofensividade a

concepção do crime como mera desobediência à norma ou como mera violação de um dever.

Impõe-se o devido ajuste do direito penal à Constituição. Posição do STF sobre o assunto: HC

81.057-SP (posse de arma sem munição não configura nenhum crime). No perigo abstrato

presumido só existe o desvalor da ação (de periculosidade presumida pelo legislador). Falta-

lhe o desvalor do resultado (e não existe crime sem o desvalor do resultado, que é a ofensa

Page 36: eBook Principios Constitucionais Penais

ao bem jurídico protegido). Admitir em direito penal o perigo abstrato presumido significa

conceber o delito como mera desobediência da norma, tal como fizera o nazismo de Hitler,

consoante a Escola de Kiel, chefiada por Dahn e Schaffestein.

>>> Aprofundando. Sobre os crimes de perigo abstrato (como é o caso da posse de

drogas para uso pessoal) o ministro Gilmar Mendes, no RE 635.659-SP, ponderou o seguinte:

neles o legislador formula uma presunção (que muitos supões seja absoluta) de

periculosidade de uma determinada conduta frente ao bem jurídico que se pretende

proteger. O perigo, nesse sentido, “não é concreto, mas apenas abstrato. Não é necessário,

portanto, que, no caso concreto, a lesão ou o perigo de lesão venham a se efetivar. O delito

estará consumado com a mera conduta descrita na lei penal”. Concluiu o ministro que isso

está autorizado pelo legislador, mas que sobre esses crimes os juízes devem promover

criteriosos controles de constitucionalidade. O escapou ao ministro foi o seguinte: hoje

distinguimos os crimes de perigo abstrato presumido dos crimes de perigo abstrato de

perigosidade real (quando então deve-se comprovar a perigosidade efetiva da conduta, sem

necessidade de apresentar uma vítima concreta; essa seria a interpretação correta do art. 306

do Código de Trânsito Brasileiro, que prevê o crime de embriaguez ao volante; a conduta

anormal – ziguezague, violação do sinal vermelho etc. – configura a perigosidade real exigida).

Os delitos de perigo abstrato de perigosidade real seria o limite máximo do direito penal. Com

isso refutamos o perigo abstrato presumido (pelo legislador). A atividade legislativa de

produção de tipos de perigo abstrato deve, por isso, “ser objeto de rígida fiscalização a

respeito de sua constitucionalidade”. O ministro Gilmar Mendes menciona em seu voto dois

precedentes do STF: (a) o RE 583.523, com repercussão geral, de sua relatoria (j. 13.10.2013,

Tribunal Pleno), em que declarada, por unanimidade, a inconstitucionalidade da

criminalização da posse não justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto

(artigo 25, do Decreto-Lei n. 3.688/1941); (b) a ADI 3112/DF, de relatoria do Ministro Ricardo

Lewandowski (j. 2.5.2007, Tribunal Pleno), na qual se alegou a inconstitucionalidade de

diversos dispositivos do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2013), restou assentado,

após juízo de ponderação com base no princípio da proporcionalidade, que a proibição de

fiança para os delitos de "porte ilegal de arma de fogo de uso permitido" e de "disparo de

arma de fogo" mostrava-se desarrazoada, por se tratar de crimes de mera conduta, que não

se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade”.

Page 37: eBook Principios Constitucionais Penais

6) PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE

Não há pena sem culpabilidade (nulla poena sine culpa). O princípio da culpabilidade, em suas

origens, reunia em torno de si muitas ideias: (a) de que a responsabilidade penal é pessoal

(não familiar, societária etc.); (b) de que ninguém pode ser responsabilizado pelo fato de

outrem; (c) de que a responsabilidade penal é subjetiva (não objetiva); (d) de que ninguém

pode ser responsabilizado salvo por uma conduta voluntária etc. Na atualidade, todas essas

dimensões antigas (mas garantistas) da culpabilidade foram ganhando autonomia (como

veremos nos itens seguintes). Da velha concepção da culpabilidade como limite da

responsabilidade penal nasceram os princípios da responsabilidade pessoal e subjetiva. Seu

conteúdo não foi desprezado. Novas roupagens para garantias antigas.

Prepondera hoje (na ciência penal) não o conceito clássico de culpabilidade, sim, o dogmático,

que a vê como fundamento da pena (não há pena sem culpabilidade) e puro juízo de

reprovação do agente, que podia se motivar de acordo com a norma e comportar-se de forma

distinta, conforme o direito. O poder de se motivar de acordo com a norma e agir de modo

diverso, conforme o direito, constituem a essência atual do princípio da culpabilidade, que,

por seu turno, expressa o fundamento e o limite da pena. Em suma, quando se fala no

princípio da culpabilidade temos que prestar atenção nas suas duas dimensões: a clássica

(antiga), que cataloga as primeiras ideias de limitação do poder punitivo estatal, e a nova

(dogmática).

Do ponto de vista dogmático, a velha concepção psicológica ou psicológico-normativa da

culpabilidade (vínculo do agente com seu fato), que inseria o dolo ou a culpa em seu seio, foi

abandonada. Dolo e culpa, a partir da teoria da ação finalista de Welzel, foram deslocados

para o campo da tipicidade. Com isso esvaziou-se todo o conteúdo subjetivo da culpabilidade,

que se transformou num conceito puramente normativo (juízo de valor ou de reprovação do

agente do fato).

Não pode ser penalmente responsabilizado quem:

- não tinha capacidade de entender, em tese, o sentido das proibições (não tinha capacidade

de se motivar de acordo com a norma);

- não tinha capacidade de querer (inimputáveis);

- não tinha acesso ao sentido da ilicitude concreta;

- não podia comportar-se de forma distinta (conforme as circunstâncias de cada caso

concreto).

São requisitos (normativos) da culpabilidade: (a) imputabilidade; (b) a potencial consciência

da ilicitude e (c) a exigibilidade de conduta diversa (conforme o direito). Cabe ao juiz examinar

em cada caso concreto as oportunidades efetivas do agente de conhecer a norma proibida

assim como de se comportar de forma diversa (conforme o direito). A pena deve ser dosada

Page 38: eBook Principios Constitucionais Penais

de acordo com a condições objetivas de cada um, seu grau de instrução, seus conhecimentos

etc. Quanto mais vulnerável a pessoa, em tese, menos reprovável é sua conduta ligada a essa

vulnerabilidade (Zaffaroni).

O princípio da culpabilidade, em suma, dogmaticamente falando, significa: (a) que não há

pena sem culpabilidade; e (b) que está proibida a responsabilidade penal de quem não podia

se motivar de acordo com a norma e agir de modo diverso (inimputabilidade, erro de

proibição etc.). Trata-se de princípio não expresso na Constituição, mas que encontra

fundamento na dignidade humana.

Todas as causas de exclusão da culpabilidade (inimputabilidade por loucura, erro de proibição,

coação moral irresistível etc.), chamadas de eximentes ou dirimentes, afetam a possibilidade

de se motivar de acordo com a norma ou de agir de modo diverso, conforme o Direito.

Se a culpabilidade é juízo de reprovação realizado sobre o agente do fato, verifica-se que ela

consiste na ligação entre a teoria do delito (crime) e a teoria da pena, ou seja, a culpabilidade

é fundamento para aplicação de pena ao agente. Ela não pertence ao conceito de crime (de

acordo com a corrente de pensamento que seguimos). Sua posição topográfica é a de fazer o

elo entre o crime e a pena. Sem culpabilidade não existe pena. Ela se distingue da

periculosidade, que é o fundamento da medida de segurança. Ao louco inimputável não se

aplica pena por falta de culpabilidade. Ele, no entanto, sofre medida de segurança (em razão

da sua periculosidade). Ao menor se aplicam as sanções previstas no ECA.

O agente só pode ser reprovado pelo fato praticado, não pelo seu estilo de vida ou pelas suas

intenções. A culpabilidade recai sobre o agente do fato, sendo assim, impõe-se adotar a

culpabilidade do fato, não de autor (que significaria reprovar o agente pelo seu estilo de vida,

pelas suas intenções, pela sua raça, cor etc.).

Nenhum dos requisitos da culpabilidade ou mesmo dos seus clássicos sentidos pode ser

presumido pelo legislador ou pelo juiz. Não existe presunção de imputabilidade, de

consciência da ilicitude etc. Tampouco pode-se presumir o dolo ou a culpa ou a

responsabilidade pessoal do agente. Qualquer tipo de presunção contra o réu violaria a

presunção magna da inocência (que tem amparo constitucional - art. 5º, inc. VII - e

internacional – CADH, art. 8º). Tudo quanto diz respeito à responsabilidade penal do agente

deve ser provado (os requisitos legais do tipo, as intenções especiais do agente, o dolo ou a

culpa, a ofensa ao bem jurídico etc.). Tampouco a teoria do domínio do fato (responsabilizar

como autor quem tem o domínio da ação típica ou o domínio da organização criminosa etc.)

afasta o ônus probatório (de quem acusa). Processo ou inquérito policial em andamento

evidentemente não constitui antecedentes criminais (enquanto o réu é presumido inocente).

Page 39: eBook Principios Constitucionais Penais

7) PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL

Não existe no direito penal responsabilidade coletiva (todos os membros de uma torcida

organizada, por exemplo), societária (no âmbito das empresas) ou familiar, ou seja, não há a

responsabilidade penal por fato de outrem (nas Ordenações Filipinas existia a pena de infâmia

até a quarta geração do condenado e foi isso precisamente que ocorreu com Tiradentes e sua

família). Não é possível responsabilizar todo um grupo de pessoas, se somente um deles foi o

responsável pelo fato. Era abominável a chamada responsabilidade solidária ou sucessiva na

antiga Lei de Imprensa (que foi julgada não recepcionada pelo STF). Quando o autor de um

artigo estava fora do país, responsabilizava-se o editor do jornal.

Cada um responde pelo que faz, na medida da sua culpabilidade (CP, art. 29). Ninguém pode

ser punido no lugar de outra pessoa, mesmo porque a pena não pode passar do condenado

(CF, art. 5º, XLV – princípio da pessoalidade ou personalidade ou da não transcendência da

pena). Ou seja, exige-se que o agente seja, efetivamente, autor, coautor ou partícipe da

prática de uma infração penal para que haja responsabilização penal. No HC 18.206, caso do

juiz Nicolau, sua esposa foi também denunciada como coautora (só por essa condição). O STJ

entendeu que não se pode processar a esposa pelo simples fato de ser esposa e saber de

todos os fatos.

Nos crimes tributários e previdenciários, na atualidade, nota-se frequente violação a esse

princípio: isso se dá quando a denúncia é oferecida contra todos os sócios de uma empresa,

sem se preocupar em descobrir quem efetivamente cuidava da sua administração no

momento do crime. Se “A”, “B” e “C” são sócios de uma empresa, mas a administração segue

sob responsabilidade exclusiva de “A”, penalmente falando, a apenas ele deve ser imputado

eventual delito tributário ou previdenciário. Essa mesma doutrina vale também para os crimes

econômicos.

A Convenção Americana de Direitos Humanos, o denominado “Pacto de São José da Costa

Rica”, de 22/01/69, ratificado pelo Brasil em 25/09/92, impõe a exigência de (...) comunicação

prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formalizada. Também o Pacto Internacional

de Direitos Civis e Políticos, de 1966, que vigora entre nós por força do Decreto n. 592/62,

consagra, como garantia da pessoa acusada, a de ser (...) informada, sem demora, em uma

língua que compreenda e de forma minuciosa, da natureza e dos motivos da acusação contra

ela formulada (veja STF, HC 93683 / ES DJ 25-04-2008 e 25-04-2008 DJ 29-02-2008).

Responsabilidade penal da pessoa jurídica: o princípio da responsabilidade pessoal conduz a

cuidar do tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica (prevista na Lei ambiental

9.605/98, art. 3º). A CF prevê duas hipóteses: crimes ambientais e econômicos (CF, arts. 173

e 225, § 3º). Mas até agora apenas no que concerne aos crimes ambientais o assunto foi

regulamentado.

Entende-se que a única interpretação possível desse texto legal consiste em admitir que a

responsabilidade da pessoa jurídica não é penal no sentido estrito da palavra. Aliás, essa

responsabilidade faz parte de um tipo novo de direito, denominado direito judicial

Page 40: eBook Principios Constitucionais Penais

sancionador. Responsabilidade pessoal e responsabilidade penal da pessoa jurídica são duas

realidades inconciliáveis. Para os que admitem a responsabilidade “penal” da pessoa jurídica,

parece inevitável ao menos conceber a preponderante teoria da dupla imputação. Jamais

poderia a pessoa jurídica isoladamente aparecer no polo passivo da ação penal; sempre seria

necessário descobrir quem dentro da empresa praticou o ato criminoso. Desse modo, são

processadas a pessoa que praticou o crime e a pessoa jurídica. Já existe, no entanto,

entendimento no sentido da possibilidade de se processar apenas a pessoa jurídica. Veja STF,

RE 548.181-PR, rel. Min. Rosa Weber, 6.8.2013.

>>> Caso concreto: CRIME AMBIENTAL. ARTIGO 60, CAPUT, DA LEI 9605/98.

PRELIMINARES AFASTADAS. ABSOLVIDO RÉU POR INEXISTÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO NO

DELITO. MANTIDA CONDENAÇÃO DA RÉ GVT. [...] Trata-se de crime de mera conduta, que

independe de resultado naturalístico, e de perigo abstrato, uma vez que a lei fala em atividade

potencialmente poluidora. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente adotou a sistemática

da responsabilidade civil objetiva, recepcionada pela Constituição Federal, sendo irrelevante

e impertinente a discussão se o agente agiu com culpa ou dolo. Comprovada a ausência de

participação do réu, que era gerente administrativo financeiro da empresa, sem nenhuma

ingerência no licenciamento das antenas, vai absolvido. Comprovado que a ré GVT, sem

licença ambiental, fez funcionar estabelecimento potencialmente poluidor, praticou o crime

ambiental previsto no art. 60 da Lei 9.605/98. Prova suficiente para a manutenção da

condenação e da pena, corretamente aplicada à ré pessoa jurídica. (Turma Recursal Criminal

dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul, Apelação Criminal n. 71002552503, j. em

22.02.2011).

Page 41: eBook Principios Constitucionais Penais

8) PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

Não existe responsabilidade penal objetiva no direito penal, isto é, o agente que se envolveu

num fato ofensivo a bens jurídicos só pode por ele ser responsabilizado penalmente se agiu

com dolo ou culpa. Ninguém pode ser punido pela mera causalidade, tampouco por fatos

fortuitos. É indispensável o envolvimento pessoal do agente (um ato de vontade) para que

haja responsabilidade penal.

>>> Ilustrando: Quem adquire veículo zero quilômetro e na primeira viagem dá-se a

quebra da barra de direção, causando uma morte, não pode ser responsabilizado penalmente

porque nessa conduta não há dolo e tampouco era previsível o risco proibido criado. A simples

participação material no fato não significa automaticamente responsabilidade penal.

Não se admite no direito penal a responsabilidade objetiva (a versari in re illicita), que afirma

que quem pratica um fato deve ser responsabilizado por todas as suas consequências,

independentemente de serem previsíveis, desejadas ou fortuitas. No campo penal essa etapa

da responsabilidade objetiva está superada. É indispensável a prova sobre o dolo ou a culpa

do agente. Quando ausentes, não há que se falar em fato típico e sem fato típico não existe

crime.

A doutrina aponta algumas situações em que, se não interpretadas conforme o atual

panorama constitucional, podem acarretar responsabilidade objetiva. Duas delas são as

seguintes:

1) embriaguez não acidental completa (tem que ser interpretada a partir do elemento

subjetivo presente no momento de início de ingestão do álcool ou substância de efeitos

análogos – teoria da “actio libera in causa”, que sugere levar em conta a intencionalidade do

agente no momento anterior à conduta, quando o agente era livre.

2) rixa - Art.137, § único (Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores.

Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da

participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos). Se aplicada a

qualificadora para todos os rixosos sem saber quem causou a morte ou lesão grave isso

significa responsabilidade objetiva para quem de forma alguma participou dessa morte ou

dessa lesão grave. A qualificadora aplicar-se-ia até mesmo à vítima da lesão grave.

Page 42: eBook Principios Constitucionais Penais

9) PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Não se materializa a legalidade sem a igualdade (Paulo Bonavides). O salto qualitativo das

sociedades melhor organizadas (civilizadas) reside nisto: da igualdade jurídica do liberalismo

do século XVIII se passa para a igualdade material do Estado fundado na justiça social.

Ninguém, nas repúblicas avançadas, se julga acima da lei. O direito penal é o termômetro da

aplicação igualitária da lei. Onde “nobres” e “aristocratas” (poderosos donos do poder)

desfrutam de ampla impunidade, torna-se ilegítimo o direito penal (porque duplamente

seletivo. A seletividade é inerente ao sistema penal (não consegue alcançar todos os delitos -

Zaffaroni). Se essa seletividade é dirigida prioritariamente contra algumas classes sociais (as

mais vulneráveis), ele se torna duplamente seletivo, dando vida para a frase de um camponês

de El Salvador, referida por José Jesus de La Torre Rangel (e aqui difundida por Lenio Streck):

“La ley es como la serpiente; solo pica a los descalzos”. Nos últimos tempos (caso mensalão,

petrolão etc.) o sistema penal no Brasil começa a incidir também sobre as classes poderosas.

Existem historicamente (no plano jurídico) duas concepções da igualdade: (a) a paritária: a lei

deve ser genérica, impessoal e não pode comportar distinções e (b) a valorativa: é possível

que haja distinções, desde que justificada a diferença de tratamento. A segunda é a corrente

que hoje prepondera. Não pode haver tratamento injustificado e discriminatório entre iguais.

A diferença de tratamento deve ser sempre devidamente justificada. O mesmo órgão

jurisdicional pode conferir tratamento distinto a uma situação semelhante, desde que

justifique razoavelmente a distinção. O fundamento jurídico desse princípio reside o art. 5º,

inc. I, da CF.

>>> Aprofundando: “O princípio da isonomia [ou da igualdade], que se reveste de

auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-

jurídica – suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio –

cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público –

deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir

privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei; e (b) o da igualdade

perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata

– constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não

poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A

igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada

aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a

critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse

postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de

inconstitucionalidade.” (MI 58, rel. p/ o ac. min. Celso de Mello, julgamento em 14-12-1990,

Plenário, DJ de 19-4-1991).

>>> Caso concreto: O princípio da igualdade foi a base constitucional do entendimento

de que a Lei 10.259/2001, que criou os juizados no âmbito federal, devia também ter aplicação

no âmbito estadual. Essa lei definiu como infração de menor potencial ofensivo o delito até

dois anos. Como não podemos tratar desigualmente crimes iguais, chegou-se à conclusão de

Page 43: eBook Principios Constitucionais Penais

que esse novo limite tinha que ter incidência também no âmbito dos juizados estaduais.

Depois de muitas decisões judiciais nesse sentido, a Lei 11.313/2006 regulamentou a situação

ao alterar o art. 61 a fim de que fosse considerada infração de menor potencial lesivo os

crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos (usando, agora, os mesmos

parâmetros da Lei 10.259/2001 – Juizados Especiais Federais).

Razoabilidade da idade de 25 para aquisição de arma de fogo. Na ADI 3112, foi refutada a

tese da inconstitucionalidade do Estatuto do Desarmamento por exigir a idade mínima de 25

anos para a aquisição de arma de fogo. A desigualdade (frente a quem tem menos de 25 anos)

se justifica. Cuida-se de tratamento desigual que se justifica. O min. Lewandowski (na ADI

3112) afastou a tese sublinhando o seguinte: “De igual modo, alega-se que o art. 28 vulnera

o princípio da razoabilidade, porquanto fixou a idade mínima para a aquisição de arma de fogo

em 25 anos de idade. Também não reconheço, aqui, qualquer ofensa ao referido princípio,

pois, além de ser lícito à lei ordinária prever a idade mínima para a prática de determinados

atos, (NOTA: Tal entendimento decorre, a contrario sensu, dos RE-AgR 307.112/DF, Rel. Min.

Cezar Peluso e o AIAgR 523.254/DF, Rel. Min. Carlos Velloso.) a norma impugnada, a meu ver,

tem por escopo evitar que sejam adquiridas armas de fogo por pessoas menos amadurecidas

psicologicamente ou que se mostrem, do ponto de vista estatístico, mais vulneráveis ao seu

potencial ofensivo. Reporto-me, nesse aspecto, aos índices de mortalidade entre a população

jovem, mencionados no início de meu voto, os quais demonstram que as mortes causadas por

armas de fogo cresceram exponencialmente no grupo etário situado entre 20 e 24 anos,

sobretudo quanto ao sexo masculino. (NOTA: Veja-se nota de rodapé nº 1).

Page 44: eBook Principios Constitucionais Penais

10) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA PENA

Configura a segunda das quatro dimensões do princípio da legalidade no direito criminal

(direito penal, processo penal e execução penal), que são: (1) legalidade criminal (“não há

crime sem lei anterior que o defina” – CP, art. 1.o); (2) legalidade penal (“não há pena sem

prévia cominação legal” – CP, art. 1.o); (3) legalidade jurisdicional ou processual (não há

processo sem lei, ou seja, ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o

devido processo legal – CF, art. 5º, LIV) e (4) legalidade execucional (“a jurisdição penal dos

juízes ou tribunais de justiça ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no

processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal” – LEP, art.

2º).

O princípio da legalidade da pena possui guarida constitucional: art. 5º, XXXIX. São as

seguintes as expressões de garantia da legalidade penal (veja acima item 4: legalidade do

crime): 1) lex scripta; 2) lex populi (princípio da reserva legal; Constituição Federal, Medida

Provisória e Tratados internacionais – STF HC 96.007-SP – não podem definir nem o crime nem

a pena); 3) lex certa (princípo da taxatividade, que é violado por disposições legislativas

completamente abertas, como é o caso do RDD art. 51 da LEP;); 4) lex clara; 5) lex rationabilis

(STJ HC 239.363 – CP, art. 273 – é um caso de declaração de inconstitucionalidade da pena em

razão da sua desproporcionalidade); 6) lex stricta (proibição de analogia contra o réu); 7) lex

praevia (princípio da anterioridade).

Dentre as garantias decorrentes da legalidade duas se destacam: (a) princípio da

anterioridade da lei penal (não há pena sem prévia cominação legal, ou seja, a pena cominada

na lei só vale para fatos futuros) e (b) princípio da irretroatividade da lei penal nova maléfica

(toda lei nova que prejudica o réu não pode retroagir para alcançar fatos passados – CF, art.

5º, inc. XL). É parcialmente questionável a Súmula 711 do STF, que diz: “A lei penal mais grave

aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação

da continuidade ou da permanência”. No que diz respeito ao crime permanente (sequestro,

por exemplo), não há discussão. O problema reside no crime continuado, porque aí temos

alguns crimes cometidos no tempo da lei antiga (mais benéfica) e outros no tempo da lei nova

(maléfica). A Súmula manda aplicar a lei nova para o “todo”, o que significa uma retroatividade

maléfica. O correto seria incidir a proporcionalidade ou o aumento médio (levando em conta

os dois blocos).

Page 45: eBook Principios Constitucionais Penais

11) PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PENA INDIGNA

O princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) configura a base de todos os

demais, assim como do próprio modelo de Estado de direito que adotamos. No âmbito penal,

cabe destacar o seguinte aspecto da sua forma normativa: a pena não pode ser ofensiva à

dignidade humana.

>>> Ilustrando: O juiz não pode aplicar pena degradante, humilhante ou vexatória (CF,

art. 5º, inc. III). Isso ocorreu num caso em que um advogado foi condenado a limpar as ruas

de uma determinada cidade. Limpar ruas não é uma tarefa degradante, em regra, mas para

quem tem o título de bacharel em direito pode sê-lo concretamente, mesmo porque, como

diz a LEP, toda pena deve ser fixada levando em conta a situação de cada condenado. O

trabalho de um advogado seria muito mais útil à sociedade se ele desempenhasse outro tipo

de função (assistência jurídica aos presos, por exemplo).

Page 46: eBook Principios Constitucionais Penais

12) PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DA PENA

A cominação, a aplicação e a execução da pena devem ser pautadas pelo princípio da

humanidade, princípio que proíbe que o indivíduo seja tratado de forma cruel, desumana ou

degradante, isto é, há que se falar em preservação da dignidade da pessoa humana (CF, art.

5º, III). Também impõe respeito à integridade física do detento (CF, art. 5º, XLIX), a separação

dos presos, o tratamento diferenciado para a presa gestante etc. No direito moderno a

humanização das penas tem como divisor de águas o Iluminismo (que criticava duramente o

sistema penal inquisitivo da Monarquia – veja nosso livro Beccaria 250 anos). A pena

humanizada veio limitar o poder punitivo do Estado (pré-moderno), que permitia aos juízes a

fixação de penas extraordinárias.

São incontáveis os dispositivos constitucionais e internacionais que vedam a pena indigna

assim como a desumanização do agente do fato: 1) CADH - art.5, item 1: “Toda pessoa tem

direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.”; 2) CADH, art. 5, item 2:

“Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou

degradantes”; 3) Inciso III do art. 5º da CF: “ninguém será submetido a tortura nem a

tratamento desumano ou degradante”; 4) art. 5º: “XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo

em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de

trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”. A vedação da crueldade, na verdade, é mais

formal que efetiva. O sistema penal, em pleno século XXI, continua incrivelmente atroz e

desumano (basta olhar os presídios brasileiros para se constatar essa triste realidade). A pena

de prisão só é menos desumana que as penas crueis do antigo regime no papel. No lugar da

pena de morte (que foi abolida, salvo em caso de guerra declarada), o que vivenciamos nos

países extremamente violentos como o nosso é a morte sem pena (formalmente aplicada)

assim como a inflição da tortura. Execuções sumárias (sem o devido processo). O qe está

programada pelo Estado de Direito sucumbe diante do estado policialesco. As violações são

cotidianas (sincrônicas e diacrônicas). Não apenas contra os presos, senão também contra

seus familiares (nas revistas vexatórias).

A dignidade da pessoa humana tem que ser respeitada, ainda que ela tenha perdido a sua

liberdade. O preso só perde os direitos expressamente consginados na sentença

condenatória, mantendo os demais, e não faz parte da decisão condenatória a supressão da

dignidade humana e assim sendo nenhuma pena pode ser desumana, cruel ou degradante.

Apesar da sanção penal ter natureza aflitiva (função retributiva da pena) toda pessoa privada

de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

Tudo isso faz parte do Estado de Direito (que é contrariado e “revogado” diariamente pelo

estado policialesco). As penas se convertem muitas vezes em vingança.

>>> Análise crítica. Todas as penas privativas de liberdade executadas no Brasil são

inconstitucionais, porque desumanas, cruéis e degradantes, tendo em vista as condições

incivilizadas dos estabelecimentos penais. Afirma-se que o grau de civilização de um país deve

ser aferido tendo em conta o seu sistema penitenciário. Se essa métrica for aplicada ao Brasil

não há como não concluir que, neste campo ao menos, somos um dos povos mais bárbaros

Page 47: eBook Principios Constitucionais Penais

do planeta. Praticamente todos os juízes que fizeram algo no sentido de fazer valer nos

presídios o Estado de direito (interdição do estabelecimento penal, por exemplo) acabaram

sendo punidos ou advertidos pelas suas respectivas corregedorias. Faz parte da cultura

predominante o tratamento cruel dos presos. Isso acontece entre nós porque ainda se

considera que o preso não vai para a cadeia para cumprir o que a sentença estabeleceu, mas

sim para ser castigado da forma mais desumana possível. Em outras palavras, o preso no Brasil

é tratado como “homo sacer” (estudado por Agamben), o que pode ser torturado e

exterminado impunemente. Nesse âmbito (do sistema carcerário) o Estado de direito é

praticamente nulo. Aqui vigora muito mais o estado de polícia (coações diretas ou castigos

cruéis sem nenhum amparo no Estado de direito). Todo castigo fora dos limites legais,

constitucionais ou internacionais é criação do verdugo que o criou (do estado policialesco).

Isso, evidentemente, está fora do “contrato social” (fora do Estado de direito). São incontáveis

os verdugos garantistas do estado policialesco que atuam no âmbito da execução penal.

Desde funcionários do sistema penitenciário até os próprios governos: todos violam

incontáveis regras de direitos humanos. Cezar Peluso, quando presidente do STF, disse: “os

presídios brasileiros são ‘um crime do Estado contra o cidadão’; são verdadeiras escolas de

formação de criminosos".

Page 48: eBook Principios Constitucionais Penais

13) PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU DA RAZOABILIDADE OU DA

PROIBIÇÃO DE EXCESSO

O princípio da proporcionalidade tem fundamento constitucional (CF, art. 5º, inc. LIV) e traduz

a noção de razoabilidade (ou de proibição de excesso). Proporcional é o que não é abusivo,

arbitrário ou policialesco. Toda intervenção penal desnecessária é tirânica (já dizia

Montesquieu). A proporcionalidade existe para conter o exercício arbitrário do direito penal

(veja RE 635.659-SP), seja no momento da criminalização primária (legislador), seja no

momento operacional (aplicadores do direito). A proporcionalidade não pode justificar, por si

só, restrições a direitos fundamentais não previstos em lei (não justifica provas ilícitas em

crimes graves, por exemplo). O controle de constitucionalidade das leis penais se faz por meio

do controle de evidência assim como da justificabilidade (veja RE 635.659-SP e, acima, a

garantia da lex proporcionalis).

Na medida em que constitui uma restrição da liberdade, a pena só se justifica se:

- adequada ao fim a que se propõe (o meio tem aptidão ou idoneidade ou pertinência para

alcançar o fim almejado);

- necessária, isto é, só está justificada se não há outros meios de intervenção (de caráter não

penal) à disposição e que sejam igualmente eficazes para o fim a que se destina a intervenção

penal;

- houver proporcionalidade e equilíbrio na pena. Impõe-se sempre um juízo de ponderação

entre a restrição à liberdade que vai ser imposta (os custos disso decorrente) e o fim

perseguido pela punição (os benefícios que se pode obter). Os valores em conflito devem ser

sopesados.

É desse último requisito que se cuida quando se fala do princípio da proporcionalidade da

pena. Ele alberga em seu interior o princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI),

nos seus três níveis (no momento da cominação legal - previsão abstrata na lei; da aplicação -

definição, na sentença condenatória, da pena concreta; ou da execução - momento em que

se realiza a sanção prevista na sentença condenatória).

>>> Ilustrando: 1) Pena de seis anos para um beijo lascivo (CP, art. 214): cuida-se de

pena totalmente desproporcional. Cabe ao juiz refutar sua aplicação. A solução melhor, para

o caso, é a aplicação da pena anterior à lei dos crimes hediondos para o caso do beijo. Em se

tratando de um coito anal tudo é diferente. Justifica-se a pena de seis anos, tal como descrita

na lei penal. 2) O homicídio culposo no trânsito (art. 302 do CTB – Lei 9.503/97) é punido com

pena maior que o homicídio culposo do CP (art. 121, § 3o). Isso poderia até entrar no âmbito

de liberdade do legislador de punir mais gravemente um específico injusto penal. Diferente é

a situação da lesão culposa no trânsito (CTB, art. 303 – Lei 9.503/97) que tem pena em dobro

ante a lesão dolosa do CP (art. 129). Aqui há evidente desproporcionalidade.

Page 49: eBook Principios Constitucionais Penais

Sempre que o legislador não respeita o princípio da proporcionalidade, deve o juiz fazer os

devidos ajustes.

>>> Caso concreto: O STJ, aplicando o princípio da proporcionalidade em relação à

pena cominada abstratamente na receptação qualificada, decidiu manter o quantum previsto

antes da alteração promovida pela Lei 9.426/96. Confira-se: “1. Segundo entendimento desta

Corte, a pena a ser aplicada ao crime de receptação qualificada deve manter o quantum

previsto no artigo 180, caput, do Código Penal, ou seja, o mesmo patamar do preceito

secundário da receptação simples. [...] (STJ, HC 90.235/SP, 6ª Turma, rel. Min. Maria Thereza

de Assis Moura, j. 04.05.2010, DJe 24.05.2010, RB, vol. 560, p. 26). 2. Fruto da Lei 9.426/96, o

§ 1º do art. 180 do CP – receptação qualificada – reveste-se de imperfeições – formal e

material. É que não é lícita sanção jurídica maior (mais grave) contra quem atue com dolo

eventual (§ 1º), enquanto menor (menos grave) a sanção jurídica destinada a quem atue com

dolo direto (art. 180, caput). 3. Há quem sustente, por isso, a inconstitucionalidade da norma

secundária (violação dos princípios da proporcionalidade e da individualização); há quem

sustente a desconsideração de tal norma (do § 1º, é claro). 4. Adoção da hipótese da

desconsideração, porque a declaração, se admissível, de inconstitucionalidade conduziria,

quando feita, a semelhante sorte, ou seja, à desconsideração da norma secundária (segundo

os kelsenianos, da norma primária, porque, para eles, a primária é a norma que estabelece a

sanção negativa e também a positiva). (STJ, AgRg no REsp 772.086/RS, 6ª Turma, rel. Min.

Nilson Naves, j. 23.06.2009, DJe 28.09.2009). Em sentido contrário: 1) “Alegação de

inconstitucionalidade do art. 180, § 1º, do CP. 4. A Segunda Turma já decidiu pela

constitucionalidade do referido artigo: Não há dúvida acerca do objetivo da criação da figura

típica da receptação qualificada, que é inclusive crime próprio relacionado à pessoa do

comerciante ou do industrial. A ideia é exatamente a de apenar mais severamente aquele

que, em razão do exercício de sua atividade comercial ou industrial, pratica alguma das

condutas descritas no referido § 1°, valendo-se de sua maior facilidade para tanto devido à

infraestrutura que lhe favorece.” (RE 443.388/SP, Rel. Min. Ellen Gracie). (STF, ARE 799.649

AgR/RS, 2ª Turma, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25.03.2014, DJe-072, divulg 10.04.2014, public

11.04.2014). 2) “A questão de direito de que trata o recurso extraordinário diz respeito à

alegada inconstitucionalidade do art. 180, § 1°, do Código Penal, relativamente ao seu

preceito secundário (pena de reclusão de 3 a 8 anos), por suposta violação aos princípios

constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena. [...] Inocorrência de

violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena.

Cuida-se de opção político-legislativa na apenação com maior severidade aos sujeitos ativos

das condutas elencadas na norma penal incriminadora e, consequentemente, falece

competência ao Poder Judiciário interferir nas escolhas feitas pelo Poder Legislativo na edição

da referida norma. Recurso extraordinário improvido.” (STF, RE 443.388/SP, 2ª Turma, rel.

Min. Ellen Gracie, j. 18.08.2009, DJe-171, divulg 10.09.2009, public 11.09.2009, ement vol-

02373-02, pp-00375). 3) “Por ocasião do julgamento do EResp n. 772.086/RS, a Terceira Seção

desta Corte de Justiça firmou o entendimento de que a aplicação da pena prevista no crime

de receptação qualificada não ofende o princípio da proporcionalidade, por ter o legislador

buscado punir de forma mais rigorosa a conduta do agente que atua no exercício de atividade

Page 50: eBook Principios Constitucionais Penais

comercial ou industrial. Igual entendimento é esposado pelo STF.” (STJ, AgRg no REsp

1.423.316/SP, 5ª Turma, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 12.08.2014, DJe 15.08.2014).

No estrito campo do castigo penal, são subprincípios da proporcionalidade os seguintes:

- princípio da necessidade concreta da pena;

- princípio da individualização da pena;

- princípio da personalidade ou da pessoalidade ou da intranscendência da pena;

- princípio da suficiência da pena alternativa;

- princípio da adequação temporal da pena (proporcionalidade estrita entre a pena e o fato,

ou seja, entre a gravidade da pena e o dano gerado pelo delito).

Vejamos cada um deles:

(a) Princípio da necessidade concreta da pena

Beccaria, fulcrado em Montesquieu, dizia que “toda pena desnecessária é tirânica”. Depois de

constatada a culpabilidade do agente, que é o primeiro fundamento da pena, impõe-se ao juiz

verificar a sua necessidade concreta, nos termos do que dispõe o art. 59 do CP (o juiz deve

aplicar a pena suficiente e necessária para a prevenção e reprovação do crime). O perdão

judicial é um exemplo de desnecessidade da pena (CP, art, 121, §5º; 129, §8º; 140, §1º, I e II,

entre outros). A bagatela imprópria (baixíssima culpabilidade, constatação de uma “pena

natural” – sofrimento desproporcional em razão do fato praticado – etc.) constitui outro

exemplo. O princípio da inderrogabilidade da pena (ao mal do crime o mal da pena) não é

absoluto. Em alguns casos o legislador possibilita o perdão judicial. Em outros cabe ao juiz,

com fundamento no art. 59 do CP, reconhecer a dispensa da pena. O princípio da

desnecessidade concreta da pena é uma exceção ao princípio da inderrogabilidade da pena.

(b) Princípio da individualização da pena

A idoneidade ou adequação da pena exprime-se por meio de dois subprincípios: da

individualização e da personalidade da pena. Em relação ao princípio da individualização da

pena (CF, art. 5.º, XLVI) importa pôr em destaque os seus três níveis: momento da cominação,

da aplicação e da execução. Todos fazem parte do princípio da proporcionalidade (aliás, são

expressões dele). Da cominação da pena (ou seja: previsão in abstrato da pena no tipo legal)

quem se encarrega é o legislador, que deve cominar penas proporcionais em cada caso. Um

homicídio não pode nunca ter pena idêntica a um furto. Um crime doloso não pode ter pena

paritária à modalidade culposa e assim por diante. Quem individualiza a pena no momento da

aplicação é o juiz, observando os critérios (judiciais) do art. 59 do CP (culpabilidade do agente,

antecedentes, motivação, circunstâncias do delito etc.). Quem individualiza a execução é

tanto o juiz como o próprio pessoal que integra o sistema penitenciário.

Page 51: eBook Principios Constitucionais Penais

>>> Caso concreto: A proibição de progressão de regime nos crimes hediondos violava

claramente esse princípio da individualização da pena (Cf. STF, HC 82.959, que julgou

inconstitucional o § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990). A Constituição Federal mandou que o

legislador estabelecesse critérios de individualização da pena. No caso da lei dos crimes

hediondos o legislador bloqueou a atividade individualizadora do juiz. Isso significa afetar o

núcleo essencial do direito. O legislador não pode agir dessa maneira. Aliás, isso ficou mais

que certo na Lei 11.464/2007 (que passou a permitir a progressão de regime nos crimes

hediondos, assim como a concessão de liberdade provisória sem fiança). A nova lei fala em

regime “inicialmente” fechado. Outra vez se equivocou o legislador. O regime inicial quem fixa

é o juiz (de acordo com o caso concreto). No julgamento do HC 97.256-RS, STF, rel. Min. Ayres

Britto, o STF passou a admitir penas substitutivas no delito de tráfico de drogas, declarando a

inconstitucionalidade parcial do art. 44 da Lei 11.343/2006, que as proibia. E tudo foi feito

com base no princípio da individualização da pena (e da pena alternativa suficiente, que

veremos abaixo). Na individualização da pena o juiz não tem o poder de fixar a pena-base

abaixo do mínimo legal (STF, RE 597279). Pensamos de forma contrária: a pena deve sempre

se adequar a cada caso concreto. A justiça, muitas vezes, emana das circunstâncias de cada

caso, não das valorações abstratas do legislador.

(c) Princípio da personalidade ou da pessoalidade ou da intranscendência da pena

Nos termos do art. 5.º, XLV, da CF, “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo

a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei,

estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio

transferido”. Esse princípio tem total correlação com o princípio da responsabilidade pessoal,

que proíbe a imposição de pena por fato de outrem. Ninguém pode ser punido por fato alheio.

O filho não responde pelo delito do pai, a esposa não responde pelo delito do marido etc. A

pena não traduz nenhum efeito preventivo quando recai sobre quem não praticou o fato

punível.

Page 52: eBook Principios Constitucionais Penais

A pena de prisão imposta ao pai não passa ao filho (caso aquele venha a falecer). A pena de

prisão é intransferível (ou seja: é personalíssima). E a multa? Do mesmo modo, também a

multa não se transfere aos sucessores, porque o dispositivo constitucional acima mencionado

somente excepcionou duas coisas: (a) obrigação de reparar o dano e (b) decretação do

perdimento de bens. Nenhuma interpretação pode ampliar as exceções da Constituição. Se a

Constituição excepcionou duas situações, o intérprete não pode ampliá-las. Daí a conclusão

de que a multa não passa aos herdeiros ou sucessores. Aliás, deixa de existir no momento em

que o condenado morre. Em outras palavras: ela não atinge sequer o patrimônio do morto.

Outras sanções penais (penas substitutivas, por exemplo) seguem a mesma disciplina: não

passam aos herdeiros ou sucessores.

>>> Aprofundando. O perdimento de bens a que se refere a Constituição é o

relacionado com o confisco-efeito da condenação (do art. 92, II, do CP). Adotando-se essa

interpretação restritiva, a perda de bens substitutiva da prisão não passa aos herdeiros. Se a

prisão e a multa não passam aos herdeiros, a mesma destinação deve ter a perda de bens

aplicada como pena restritiva substitutiva da prisão.

(d) princípio da suficiência da pena alternativa

Outra expressão da proporcionalidade da pena está no princípio da suficiência da pena

alternativa, isto é, se a pena alternativa é suficiente, não se deve impor a pena de prisão. A

locução pena alternativa, aqui, está sendo utilizada em sentido amplo. Significa, portanto,

uma pena efetivamente alternativa (como o é a aplicada na transação penal) ou uma pena

substitutiva (CP, art. 43 e ss.). De qualquer maneira, havendo alguma medida menos onerosa,

Page 53: eBook Principios Constitucionais Penais

ela deve contar com a preferência do juiz, se suficiente para a reprovação e prevenção do

crime. Isso é o que está dito com clareza no art. 59 do CP: o juiz aplicará a pena conforme seja

necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do delito. Mesmo em crime hediondo

ou equiparado (como é o caso do tráfico de drogas), se a pena alternativa é suficiente, é ela

que terá incidência (STF, HC 84.928-MG). No mesmo sentido veja HC 97.256-RS, STF, rel. Min.

Ayres Britto (que redundou na Resolução do Senado 5/2012).

>>> Aprofundando. A jurisprudência do STF, ademais, vem reconhecendo que o tráfico de

drogas não é incompatível com a liberdade provisória (HC 104.339, Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,

julgado em 10.5.2012), com o regime inicial aberto de cumprimento de penas (HC 111.840, rel. Min.

Dias Toffoli, Pleno, julgado em 14.6.2012).

(e) princípio da proporcionalidade em sentido estrito

A pena (e o regime do seu cumprimento, claro), por último, deve ser proporcional ao fato

praticado. Tanto o legislador como o juiz se acham limitados pelo princípio da

proporcionalidade. E sempre que o legislador não respeita o conteúdo do referido princípio,

deve o juiz fazer os devidos ajustes.

>>> Ilustrando: O STJ (no HC 239.363) declarou a inconstitucionalidade do preceito

secundário do artigo 273, parágrafo 1º-B, inciso V, do Código Penal (por se tratar de pena

desarrazoada). A pena do delito de venda de produto destinado a fins terapêuticos ou

medicinais de procedência ignorada é de reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

Trata-se de pena totalmente irracional (quase o dobro do homicídio, no patamar mínimo). No

caso, após o esvaziamento do preceito secundário do delito, o STJ determinou que a

reprimenda cabível seria a do art. 33 da lei 11.343/06 (5 a 15 anos).

Outros princípios decorrentes do Estado de Direito. (a) ninguém pode ser punido duas vezes

pelo mesmo crime (ne bis in idem – CADH, art. 8º, 4); exceção a esse princípio constitui o art.

8º do CP que possibilita, em caso de extraterritorialidade da lei penal brasileira, dupla

condenação pelo mesmo fato (uma no Brasil e outra no exterior), compensando-se as penas;

uma mesma circunstâncias não pode ser levada em conta duas vezes na dosimetria da pena;

(b) princípio da presunção da inocência (em seu aspecto penal). Por exemplo: a proibição do

crime de perigo abstrato presumido viola a presunção de inocência porque desobriga o órgão

acusador a provar a perigosidade real da conduta. Ainda por força da presunção de inocência

o inquérito ou o processo em andamento não pode ser considerado antecedentes criminais.

Page 55: eBook Principios Constitucionais Penais

No presente livro analisamos os treze mais importantes princípios constitucionais penais (e os

princípios derivados) e discorremos sobre:

Como se pode perceber na leitura do livro, o direito penal na atualidade já não pode ser

estudado e compreendido sem a integração dos princípios constitucionais que limitam o ius

puniendi. Destacam-se, dentre eles, os seguintes: o direito penal existe para a tutela de bens

jurídicos, os mais relevantes e contra os ataques mais intoleráveis (fragmentariedade). De

outro lado, somente quando outros ramos do Direito não resolvem o conflito é que pode ter

incidência o direito penal (subsidiariedade). Ninguém, de outro lado, pode ser punido pelo

que pensa e pelo que é (princípio da materialização do fato). A tipicidade exige, ademais, que

o fato exteriorizado seja legalmente previsto na ordem jurídica e ofensivo ao bem jurídico

(lesão ou perigo concreto de lesão, segundo o princípio da ofensividade). E só responde por

ele quem o praticou ou dele participou (responsabilidade pessoal), com dolo ou culpa

(princípio da responsabilidade subjetiva) e se tinha possibilidade de se motivar de acordo com

a norma e agir de modo diverso (princípio da culpabilidade). As penas devem ser

proporcionais (princípio da proporcionalidade), nunca desumanas nem cruéis (princípio da

humanidade), e jamais podem ofender a dignidade humana. Por força do princípio da

igualdade ninguém pode ser discriminado arbitrariamente.

A posição que ocupa cada um dos treze princípios estudados (e os princípios derivados) pode

ser visualizada por meio do seguinte quadro sinótico:

Page 57: eBook Principios Constitucionais Penais

PARABÉNS! VOCÊ CHEGOU AO FINAL DO LIVRO

Durante todo o tempo de leitura, além de outros temas que foram trazidos na obra, você

obteve as respostas para as seguintes importantes questões sobre os princípios

constitucionais penais:

O desrespeito a princípios constitucionais penais por parte de operadores jurídicos e a baixa

adesão da sociedade em relação à aplicação deles traz alguma consequência prática para o

sistema de justiça penal?

De onde devemos extrair os princípios jurídicos?

Como conciliar o caráter punitivista do direito penal com o sua natureza limitadora do poder

punitivo?

O que difere o direito penal do poder punitivo e do estado policialesco?

Qual o valor jurídico dos princípios?

Qual a diferença entre princípios e regras?

Os princípios que norteiam a aplicação da lei penal devem ser aplicados conjuntamente? E no

caso de haver colisão entre eles, qual a solução?

Nossa Constituição legitima qual movimento de política criminal? O punitivista, o minimalista

ou o abolicionista?

Qual a posição do princípio da dignidade da pessoa humana na hierarquia dos princípios?

Além das questões acima, você estudou os treze principais princípios constitucionais penais

(e os princípios derivados). E para verificar se tudo foi bem compreendido, que tal responder

aos quizzes abaixo? Boa sorte!

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QUIZZES SOBRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS

1. O crime de adultério foi abolido do ordenamento jurídico penal com base exclusivamente

no princípio da transcendentalidade.

( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. A lei 11.106/2005 que entre outras alterações revogou o crime de adultério

baseou-se precipuamente no princípio da intervenção mínima, segundo qual o direito deve

ser a ultima ratio para solução de conflitos. No caso do adultério, suas consequências já estão

previstas pelo Código Civil quando trata do divórcio.

2. O conceito material do direito penal estabelece os limites do poder punitivo do Estado

(caráter garantista), quando da sua tarefa de tutelar bens jurídicos relevantes em face de

ofensas concretas, graves, intoleráveis e transcendentais (caráter fragmentário), por meio de

penas ou medidas de segurança, sempre que outros meios à disposição do Estado não sejam

suficientes (caráter subsidiário).

( ) V ( ) F

Gabarito: VERDADEIRO. As concepções do direito penal formal e material foram desenhadas

a partir de orientações/conclusões extraídas, principalmente, da criminologia e da política

criminal. São essas ciências que, estudando o complexo fenômeno criminal (com todos os seus

componentes) e os instrumentos de controle da criminalidade (considerando as suas diversas

nuances), trouxeram importantes contribuições para estabelecer os limites do poder punitivo,

ou seja, do direito penal.

O Estado não pode criminalizar o que bem entender, nem impor todo tipo de pena. Ele não

pode prever, por exemplo, como crime, a conduta de quem não tira o chapéu diante do

Presidente da República. Toda atividade estatal no campo penal está limitada. Esses limites

decorrem de definições político-filosóficas, amparadas, necessariamente, nas leis, na

Constituição Federal e nos tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. São

eles que determinam o que o Estado pode ou não fazer ou o que deve fazer especificamente

em relação ao seu poder de punir.

3. O direito penal brasileiro admite a responsabilização penal da pessoa jurídica, prevendo a

aplicação, exclusivamente, das penas de multa e prestação de serviços à comunidade.

( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. Além da pena de multa e da prestação de serviços á comunidade, a Lei dos

crimes ambientais (Lei 9.605/98) prevê também penas restritivas de direitos, tais como a

suspensão das atividades, interdição do estabelecimento e proibição de contratar com o

Poder Público.

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A CF prevê duas hipóteses possíveis de responsabilidade penal da pessoa jurídica: crimes

ambientais e econômicos (CF, arts. 173 e 225). Mas até agora apenas no que concerne aos

crimes ambientais o assunto foi regulamentado.

Entende-se que a única interpretação possível dos textos constitucionais antes citados

consiste em admitir que a responsabilidade da pessoa jurídica não é penal no sentido estrito

da palavra. Aliás, essa responsabilidade faz parte de um tipo novo de direito, denominado

direito judicial sancionador. Responsabilidade pessoal e responsabilidade penal da pessoa

jurídica são duas realidades inconciliáveis. Para os que admitem a responsabilidade “penal”

da pessoa jurídica, parece inevitável ao menos conceber a preponderante teoria da dupla

imputação. Jamais poderia a pessoa jurídica isoladamente aparecer no polo passivo da ação

penal; sempre seria necessário descobrir quem dentro da empresa praticou o ato criminoso.

Desse modo, são processadas a pessoa que praticou o crime e a pessoa jurídica. Já existe, no

entanto, entendimento no sentido da possibilidade de se processar apenas a pessoa jurídica,

sendo que o tema ainda carece, portanto, de pacificação doutrinária e jurisprudencial.

4. O princípio da insignificância somente tem aplicabilidade nos crimes contra o patrimônio,

inclusive no roubo.

( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. O princípio da insignificância tem aplicabilidade a qualquer espécie de delito

que com ele seja compatível. Tem lugar inclusive nos crimes contra ordem tributária e contra

a administração pública. E quando subsiste violência ou grave ameaça? O STJ já decidiu “Não

há como aplicar, aos crimes de roubo, o princípio da insignificância, pois, tratando-se de delito

complexo, em que há ofensa a bens jurídicos diversos (o patrimônio e a integridade da

pessoa), é inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão.” HC 60.185/MG, rel.

Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 03.04.2007. Há, entretanto, posicionamentos, minoritários

que, considerando no caso concreto uma diminuta ofensa ao patrimônio e havendo violência

ou grave ameaça em nível também pequeno, passam a defender/ aplicar o princípio.

5. Em casos excepcionais as medidas provisórias podem descrever crime ou pena ou mesmo

cuidar diretamente de qualquer aspecto punitivo pena.

( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. Medidas provisórias não podem descrever crime ou pena ou mesmo cuidar

diretamente de qualquer aspecto punitivo penal (CF, art. 62, § 1º, I, b). O direito penal, pelas

suas implicações na esfera dos direitos fundamentais da pessoa, não pode emanar só do

Executivo.

6. Por força do princípio da ofensividade, o falso só é crime quando potencialmente lesivo ao

bem jurídico; assim, uma falsificação grosseira, afasta o delito.

( ) V ( ) F

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Gabarito: VERDADEIRO. Princípio da ofensividade: o fato formalmente típico (adequado à

letra da lei) para se transformar em crime deve afetar o bem jurídico protegido pelo direito

penal; não há crime sem lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado – nullum crimen

sine iniuria. Alguns autores preferem a denominação princípio da lesividade. Na práxis as duas

palavras são usadas indistintamente. Em virtude do princípio da ofensividade está proibido no

direito penal o perigo abstrato presumido (o perigo é presumido quando se dispensa a prova

de sua existência, bastando a periculosidade definida pelo legislador).

7. O princípio da insignificância ou da bagatela exclui a punibilidade.

( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. O princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria

tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime.

8. Segundo entendimento do STF, o princípio da insignificância qualifica-se como fator de

descaracterização material da tipicidade penal. Segundo entendimento do STJ, é possível a

aplicação de tal princípio às condutas regidas pelo ECA. (Questão adaptada Prova: CESPE -

2009 - DPE-PI - Defensor Público)

( ) V ( ) F

Gabarito: VERDADEIRO. O princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a

própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime.

A Segunda Turma do STF se posicionou em julgado recente no sentido de que o referido

princípio se aplica sim aos atos infracionais. Ver Informativo n. 667: ”Ante a incidência do

princípio da insignificância, a 2ª Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para trancar

ação movida contra menor representado pela prática de ato infracional análogo ao crime de

furto simples tentado (niqueleira contendo cerca de R$ 80,00). De início, esclareceu-se que o

paciente, conforme depreender-se-ia dos autos, seria usuário de drogas e possuiria

antecedentes pelo cometimento de outros atos infracionais. Em seguida, destacou-se a

ausência de efetividade das medidas socioeducativas anteriormente impostas. Rememorou-

se entendimento da Turma segundo o qual as medidas previstas no ECA teriam caráter

educativo, preventivo e protetor, não podendo o Estado ficar impedido de aplicá-las (HC

98381/RS, DJe de 20.11.2009). Resolveu-se, no entanto, que incidiria o princípio da bagatela

à espécie. Asseverou-se não ser razoável que o direito penal e todo o aparelho do Estado-

polícia e do Estado-juiz movimentassem-se no sentido de atribuir relevância típica a furto

tentado de pequena monta quando as circunstâncias do delito dessem conta de sua singeleza

e miudez. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski que, em face das peculiaridades do caso

concreto, denegava a ordem. HC 112400/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 22.5.2012.”

9. O princípio da legalidade, que é desdobrado nos princípios da reserva legal e da

anterioridade, não se aplica às medidas de segurança, que não possuem natureza de pena,

pois a parte geral do Código Penal apenas se refere aos crimes e contravenções penais.

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( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. O princípio da legalidade, que é desdobrado nos princípios da reserva legal

e da anterioridade, tem aplicação às medidas de segurança.

10. Quanto à eficácia do princípio da legalidade, adota-se no Brasil a legalidade material,

somente constituindo crime a conduta descrita em lei como tal, devendo-se exigir que os tipos

penais sejam regidos de maneira clara e minuciosa, proibindo-se tipos abertos.

( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. A lei penal deve ser indiscutível em seus termos, isto é, taxativa (princípio

da taxatividade). Não pode descrever o crime de forma vaga, aberta ou lacunosa. A segurança

jurídica do cidadão exige precisão no texto legal, a fim de que o possa compreender. São

contrárias à garantia da legalidade material as leis que descrevem os delitos de forma vaga e

imprecisa, deixando nas mãos dos juízes a definição do delito. Tal imposição, no entanto, não

impede que o legislador utilize-se, vez ou outra, após uma enumeração casuística, uma

formulação genérica que deve ser interpretada de acordo com os casos anteriormente

elencados. Ex.: CP, art. 121, § 2º, IV: “Matar alguém... à traição, de emboscada, ou mediante

dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. Cabe

ao juiz em cada caso concreto verificar a existência desse outro recurso que dificulte a defesa

do ofendido. Por exemplo: a surpresa. Trata-se de um caso de interpretação analógica.

11. O princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) configura a base de todos os

demais, assim como do próprio modelo de Estado de direito que adotamos.

( ) V ( ) F

Gabarito: VERDADEIRO. No âmbito penal, cabe destacar o seguinte aspecto da sua forma

normativa: a pena não pode ser ofensiva à dignidade humana. Por conta do princípio da

dignidade da pessoa humana, o juiz não pode aplicar pena degradante, humilhante ou

vexatória (CF, art. 5º, inc. III). São incontáveis os dispositivos constitucionais e internacionais

que vedam a pena indigna assim como a desumanização do agente do fato: 1) CADH - art.5,

item 1: “Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.”;

2) CADH, art. 5, item 2: “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,

desumanos ou degradantes”; 3) Inciso III do art. 5º da CF: “ninguém será submetido a tortura

nem a tratamento desumano ou degradante”; 4) art. 5º: “XLVII - não haverá penas: a) de

morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”.

12. O princípio da proporcionalidade, apesar de não ter fundamento constitucional, deve ser

levando em consideração pelo legislador no momento de estabelecer a sanção penal a

determinada conduta criminosa.

( ) V ( ) F

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Gabarito: FALSO. O fundamento constitucional do princípio da proporcionalidade é

encontrado no art. 5º, inc. LIV (“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o

devido processo legal”). Aqui temos um caso de previsão indireta. São os chamados princípios

decorrentes. O princípio da proporcionalidade traduz a noção de razoabilidade (ou de

proibição de excesso). Proporcional é o que não é abusivo, arbitrário ou policialesco. Toda

intervenção penal desnecessária é tirânica (já dizia Montesquieu). A proporcionalidade existe

para conter o exercício arbitrário do direito penal (RE 635.659-SP), seja no momento da

criminalização primária (legislador), seja no momento operacional (aplicadores do direito). A

proporcionalidade não pode justificar, por si só, restrições a direitos fundamentais não

previstos em lei (não justifica provas ilícitas em crimes graves, por exemplo). O controle de

constitucionalidade das leis penais se faz por meio do controle de evidência assim como da

justificabilidade (veja RE 635.659-SP).

13. A pena (e o regime do seu cumprimento) deve ser proporcional ao fato praticado. Tanto

o legislador como o juiz se acham limitados pelo princípio da proporcionalidade. E sempre

que o legislador não respeita o conteúdo do referido princípio, deve o juiz fazer os devidos

ajustes.

( ) V ( ) F

Gabarito: VERDADEIRO. O STJ (no HC 239.363) declarou a inconstitucionalidade do preceito

secundário do artigo 273, parágrafo 1º-B, inciso V, do Código Penal (por se tratar de pena

desarrazoada). A pena do delito de venda de produto destinado a fins terapêuticos ou

medicinais de procedência ignorada é de reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

Trata-se de pena totalmente irracional (quase o dobro do homicídio, no patamar mínimo). No

caso, após o esvaziamento do preceito secundário do delito, o STJ determinou que a

reprimenda cabível seria a do art. 33 da lei 11.343/06 (5 a 15 anos).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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