agricultura: 6+1 propostas para o orçamento participativo...

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Este suplemento faz parte integrante da Vida Económica, número 1650, de 5 de agosto 2016, e não pode ser vendido separadamente. Suplemento editado na 1ª semana de cada mês. O primeiro-ministro, António Costa, anunciou em meados de julho que quer adotar em Portugal, já em 2017, o primeiro Orçamento Participativo Nacional, convidando os portugueses a proporem projetos seus para quatro áreas distintas - Agricultura, Ciência, Cultura e Educação e Formação de Adultos - tidas como “estratégicas do ponto de vista de políticas públicas”. Em face deste desafio, o “AgroVida” deste mês não quis deixar de cumprir o seu dever. Convidámos agricultores, dirigentes associativos, ex-governantes e professores universitários a exporem as suas opiniões, com isso ajudando o Governo a identificar ideias para o setor da Agricultura. Venha o debate. Págs. II e III Agricultura: 6+1 propostas para o Orçamento Participativo 2017 Três milhões e um pingo de decência O professor Eduardo Paz Ferreira, que os leitores po- dem ler em entrevista na página VIII do “AgroVida” deste mês, acaba de publicar um livro cujo título apela à cons- trução de uma sociedade decente. E decência significa dignidade, honestidade, honradez, integridade, decoro e seriedade. Vem isto a propósito da proposta que o primeiro- -ministro, António Costa, lançou aos portugueses, de avançarem com ideias para aquele que será o primeiro Orçamento Participativo Nacional, a implementar já em 2017, mas cujo montante financeiro se ficará por uns míseros três milhões de euros para quatro áreas tidas como “estratégicas do ponto de vista de políticas públi- cas”: Agricultura, Ciência, Cultura e Educação e Forma- ção de Adultos. Concordarão comigo que sempre é melhor pouco do que nada. Sim, mas, num universo orçamental de largos mil milhões de euros para as várias rubricas do Orça- mento, destinar apenas três milhões de euros à exe- cução de medidas propostas pela sociedade civil para matérias de tamanha relevância é, convenhamos, irre- levar e desconsiderar por completo a opinião pública. Ou, como também aqui refere o analista de mercados Marco Silva, estamos perante um anúncio cuja exequi- bilidade e moralidade são “perfeitamente inócuas e ver- gonhosas”. Que o Orçamento do Estado seja um puzzle difícil de engendrar e mais ainda de financiar a contento de to- dos, já o sabemos. Mas, na política, como noutras ver- tentes da vida em sociedade, há princípios de todo irre- nunciáveis, em nome dos quais se constrói - ou deveria construir - uma sociedade decente. Pela nossa parte cumprimos aqui o dever cívico de contribuir com ideias concretas para o debate nacional. O país espera resultados. E decência. Editorial TERESA SILVEIRA [email protected] Destaques Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica vai ser apresentada até outubro Págs. IV-V Diretor-geral do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) do Ministério da Agricultura “O sucesso da nossa agricultura deve-se à continuidade das políticas e do investimento no setor” Págs. VI-VII UE desperdiça 80 milhões de toneladas de alimentos por ano Pág. VIII

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Este suplemento faz parte integrante da Vida Económica, número 1650, de 5 de agosto 2016,

e não pode ser vendido separadamente. Suplemento editado na 1ª semana de cada mês.

O primeiro-ministro, António Costa, anunciou em meados de julho que quer adotar em Portugal, já em 2017, o primeiro Orçamento Participativo Nacional, convidando os portugueses a proporem projetos seus para quatro áreas distintas - Agricultura, Ciência,Cultura e Educação e Formação de Adultos - tidas como “estratégicas do ponto de vista de políticas públicas”. Em face deste desafi o, o “AgroVida” deste mês não quis deixar de cumprir o seu dever. Convidámos agricultores, dirigentes associativos, ex-governantes e professores universitários a exporem as suas opiniões, com isso ajudando o Governo a identifi car ideias para o setor da Agricultura. Venha o debate.

Págs. II e III

Agricultura: 6+1 propostas para o Orçamento Participativo 2017

Três milhões e um pingo de decência

O professor Eduardo Paz Ferreira, que os leitores po-dem ler em entrevista na página VIII do “AgroVida” deste mês, acaba de publicar um livro cujo título apela à cons-trução de uma sociedade decente. E decência signifi ca dignidade, honestidade, honradez, integridade, decoro e seriedade.

Vem isto a propósito da proposta que o primeiro--ministro, António Costa, lançou aos portugueses, de avançarem com ideias para aquele que será o primeiro Orçamento Participativo Nacional, a implementar já em 2017, mas cujo montante fi nanceiro se fi cará por uns míseros três milhões de euros para quatro áreas tidas como “estratégicas do ponto de vista de políticas públi-

cas”: Agricultura, Ciência, Cultura e Educação e Forma-ção de Adultos.

Concordarão comigo que sempre é melhor pouco do que nada. Sim, mas, num universo orçamental de largos mil milhões de euros para as várias rubricas do Orça-mento, destinar apenas três milhões de euros à exe-cução de medidas propostas pela sociedade civil para matérias de tamanha relevância é, convenhamos, irre-levar e desconsiderar por completo a opinião pública. Ou, como também aqui refere o analista de mercados Marco Silva, estamos perante um anúncio cuja exequi-bilidade e moralidade são “perfeitamente inócuas e ver-gonhosas”.

Que o Orçamento do Estado seja um puzzle difícil de engendrar e mais ainda de fi nanciar a contento de to-dos, já o sabemos. Mas, na política, como noutras ver-tentes da vida em sociedade, há princípios de todo irre-nunciáveis, em nome dos quais se constrói - ou deveria construir - uma sociedade decente.

Pela nossa parte cumprimos aqui o dever cívico de contribuir com ideias concretas para o debate nacional. O país espera resultados. E decência.

EditorialTERESA [email protected]

Destaques

Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica vai ser apresentada até outubro Págs. IV-V

Diretor-geral do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) do Ministério da Agricultura

“O sucesso da nossa agricultura deve-se à continuidadedas políticas e do investimento no setor” Págs. VI-VII

UE desperdiça 80 milhões de toneladas de alimentos por ano

Pág. VIII

II sexta-feira, 5 de agosto 2016 IIIsexta-feira, 5 de agosto 2016

Promoção do ‘smart farming’“O desenvolvimento dos territórios de baixa densidade, que tenho vindo

a denominar de territórios desafiantes, exige uma forte aposta na valoriza-ção dos seus recursos endógenos, em que assume particular relevância o setor agrário. É neste contexto que defendo que o Orçamento de Estado do próximo ano deveria incluir uma rubrica, no montante de 10 milhões de euros, destinada à criação das bases preparatórias de um plano tecnológico para o setor agrário nestes territórios, situados de norte ao sul de Portugal.

Estas medidas deveriam ser articuladas com a Unidade de Missão do In-terior e, obrigatoriamente, envolver as unidades de I&D. Numa fase inicial, deveriam ser financiadas ações preparatórias vocacionadas para a sensibi-lização e formação de produtores, em especial de jovens empreendedores com apetência para criar novas empresas e modernizar algumas existentes no setor agrário. Estas ações têm como objetivo principal promover modernas abordagens no domínio da agricultura inteligente e do conceito europeu, correntemente denominado ‘smart farming’”.

O Governo anunciou este mês de julho, numa cerimónia no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, que quer adotar em Portugal, já em 2017, o primeiro Orçamento Participativo Nacional, através do qual os portugueses possam propor projetos seus para quatro áreas distintas tidas como “estratégicas do ponto de vista de políticas públicas”: Agricultura, Ciência, Cultura e Educação e Formação de Adultos.Ora, se o primeiro-ministro António Costa quer dar oportunidade aos cidadãos de dizerem onde e como deve ser gasta uma (pequeníssima) parte do dinheiro do Orçamento do Estado, nós vamos ajudar a identificar ideias para o setor da Agricultura. A “Vida Económica” foi ao terreno e recolheu seis opiniões de especialistas ligados a esta vertente da economia, mais a visão de um analista financeiro, para explicar aos leitores a importância de um Orçamento Participativo e se ele é, ou não, exequível com apenas três milhões de euros de montante. As propostas estão aqui, assim como a ideia subjacente a todas elas: trata-se de uma “ideia excelente”, mas com apenas três milhões de euros “não é exequível”.

TERESA [email protected]

A VIDA ECONÓMICA” PEDIU A AGRICULTORES, ASSOCIAÇÕES, EX-GOVERNANTES E PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS IDEIAS PARA O PRIMEIRO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NACIONAL

Orçamento Participativo 2017 é uma “ideia excelente” mas “não exequível”Orçamento Participativo de três milhões não é exequívelTERESA [email protected]

Marco Silva, analista de mercados e CEO da MTT -Investment Consultants.

No plano do princípio, a ideia de um orçamento participativo “é excelente”, começa por dizer

Marco Silva, analista de mercados e CEO da MTT -Investment Consultants. Este especialista é de opinião que “um elevado nível de participação da sociedade nas decisões do país apro-xima o sistema político daqueles que o elegem e reforça o sentido de cida-dania”, como, aliás, “bem comprova o caso da Suíça e os seus inúmeros referendos”, que “em nada beliscam a capacidade de governação”.

Contudo, lamenta Marco Silva, “do ponto de visto da exequibilidade e da moralidade esta proposta de três milhões de euros é perfeitamente inócua e vergonhosa”. Isto, “pelo simples facto de que se atribuiu uma verba que equivale sensivelmente a três horas de um ano em gastos com os juros da dívida pública, ou seja, cerca de 0.037%, ou ainda, pasme--se, cerca de 0.0035% da despesa do Estado de 2015”. Factos que levam o analista de mercados a perguntar, pois: “É esta a importância das ideias dos cidadãos para um Governo?”.

“Na realidade, o montante aloca-do é tão incipiente quando inverosí-mil”, assim como o é “a sua eficácia prática de gerar resultados acima do irrelevante”, diz Marco Silva, lem-brando que, “comparativamente, o orçamento participativo da Câmara de Lisboa nos últimos oito anos alo-cou anualmente um valor superior ao que está agora destinado para o país inteiro”. Aliás, “um outro caso é o da Câmara de Cascais, que disponibiliza anualmente um milhão e meio para projetos da iniciativa dos cidadãos”.

Concluindo, diz o analista de mer-cados que a ideia “mais uma vez não passa de um embuste politiqueiro com fins de propaganda eleitoral”, isto é, “utiliza-se uma excelente ideia e desbarata-se o seu tremendo po-tencial positivo, porque aparente-mente na mente da classe politica portuguesa 10 milhões de cidadãos não têm o direito ou potencialmente mais capacidade para gerar melhores ideias do que os 220 ‘intelectualmen-te’ super-dotados deputados que gravitam no Parlamento”.

Fundo de investimento de capital de risco gerido por OP

“Muitos dos jovens que se instalaram ao abrigo do PRODER nos últimos anos passam por situações dramáticas, com prejuízos acumulados e sem capacidade de tesouraria, devido sobretudo a más opções ao nível da ins-talação e falta da capacidade para gerir o negócio. Muitos destes jovens agricultores passaram por um processo de aprendizagem de tentativa-erro e encontram-se agora muito mais habilitados para serem bem sucedidos como empresários agrícolas.

A minha proposta vai, pois, para a criação de um fundo de investimento de capital de risco, gerido pelas organizações de produtores (OP), que permitisse corrigir alguns dos investimentos de jovens agricultores, aportar capacidade de gestão através de um acompanhamento de proximidade, reforçar a tesouraria e ajustar/aumentar as áreas de exploração a níveis que permitam a sustentabilidade do negócio. O valor proposto é entre cinco e 10 milhões de euros.

Proponho ainda criar um concurso específico para apoiar investimentos das OP para construção/moderni-zação dos seus entrepostos, uma vez que existem várias culturas que estão muito dependentes da existência de uma boa cadeia de frio e de uma boa rede de entrepostos. A ideia é permitir também que projetos das OP que transitam de concurso em concurso possam entrar nesta medida. Este concurso deverá ser extensivo aos investimentos na produção agrícola dos sócios das OP. O montante financeiro associado é entre 10 e 50 milhões de euros”.

Apostar na

formação dos jovens

agricultores“A agricultura vive

um momento par-ticular, que a todos deve orgulhar e so-

bretudo deve também suscitar uma maior confiança neste setor, que durante alguns anos esteve deprimi-do mas que agora manifesta, não só uma vitalidade, de fazer inveja a outras atividades económicas como, também, uma dinâmica que tem atraído muitos jo-vens agricultores. Esta nova e fecunda realidade tem trazido uma agricultura mais arrojada que muito con-tribui para o sucesso das nossas exportações. Hoje a agricultura não é só agronomia, não é só o campo. É também marketing, design, informática, comuni-cação.

Assim, julgo imperativo que o Orçamento de Esta-do para 2017 contemple uma preocupação evidente na formação dos nossos jovens e também os menos jovens agricultores. A formação será a fertilidade do sucesso e os bons frutos irão com certeza aparecer. Neste mundo global e tão próximo, mandar uma caixa de uvas Vale da Rosa para o mercado do Por-to ou para o de Paris ou Bruxelas é rigorosamente a mesma coisa. Os desafios é que são diferen-tes. Quando competimos a nível internacional te-mos, efetivamente, de dignificar os produtos que vendemos. E, para isso, é necessária formação”.

Uma auditoria a cada serviço do Ministério da Agricultura

“Proponho a criação de um grupo de trabalho tendo como objetivo a apresentação de solução tecnológica e jurídica para solução integrada das candidaturas aos apoios públicos ao investimento na agricultura e todos os licenciamentos necessários para obter as ajudas (reserva agrícola nacional, reserva ecológica nacional, licenciamentos construções, licenciamentos am-bientais, licenciamento industrial, etc.). A autoridade gestora do PDR 2020 e as direções regionais de Agricultura e Pescas seriam a entidade liderante do processo junto das restantes entidades, por forma a tramitar os proces-sos de forma eficaz e rápida. Valor do orçamento: 0,5 milhões de euros.

Proponho também uma auditoria de avaliação a cada serviço do Ministério da Agricultura e a cada entidade por ele tutelada, tendo por base os serviços prestados e respetivo interesse público, orçamento e equipa humana, disponíveis e necessários face à clas-sificação/prioridade do serviço. Desta forma serão mantidos serviços e respetivos orçamentos, outros serão melhorados e outros encerrados, eliminando-se os serviços fantasma, sobre-orçamentados, sem pessoal mínimo para poderem funcionar de forma eficaz, etc.. Esta proposta é o início da reforma do Estado. Valor do orçamento: um milhão de euros.

Por último é preciso fazer a revisão da legislação que gere os processos burocráticos tramitados pelo Mi-nistério da Agricultura e respetiva integração operacional em portal. Valor do orçamento: dois milhões de euros.”

Conjugar Agricultura e Ciência

“É ao Governo que compete definir as políticas públicas fundamentais para a gestão e o desenvolvimento do país, nas mais diversas áreas, e dotá-las de suporte financeiro adequado. Assim sendo, o Orçamento Participativo (OP) que se propõe levar a cabo para 2017, num exercício de transferência de boas experiências municipais para a dimen-

são nacional, apesar de ser financeiramente reduzido e de considerar diversas áreas temáticas, deverá ter uma abordagem cirúrgica e dire-cionada para ser útil e eficaz.

Neste contexto, integraria no OP duas medidas fomentadoras do conhecimento e desenvolvimento da Agricultura e do Agroalimentar:

1 - O apoio à implementação de conceitos e produtos inovadores, conjugando agricultura e ciência, que permita novas abordagens de negócio e fomente valor, estimulando a cooperação entre o mundo empresarial e o científico, numa dotação de um milhão de euros e es-pecialmente dirigida aos produtores e empresas.

2 - A promoção de plataformas regionais para comercialização de produtos agrícolas e agroalimentares, que permita dar notoriedade aos produtos locais e/ou tradicionais e que, pela adesão de diferentes pro-dutores, permita ganhar escala e abordar o mercado (local, nacional ou mesmo internacional) de forma competitiva. Teria igualmente uma dotação de um milhão de euros.

Assim, com medidas coerentes e concretas promovíamos a agricul-tura e o agroalimentar, criando inovação, valor e reduzindo estrangula-mentos estruturais, em particular em zonas menos dinâmicas empresa-rialmente. No entanto, este OP nunca se poderá substituir a políticas públicas que igualmente promovam empreendedorismo, conhecimen-to, marketing e comercialização, no intuito da valorização do mundo rural, do desenvolvimento, inovação e criação de riqueza para os em-presários agrícolas e para Portugal”.

ANTÓNIO FONTAÍNHAS FERNANDESReitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)

Visitas de estudo às explorações agrícolas “A minha primeira proposta passa por reforçar o orçamento da educa-

ção numa medida específica que permita aos alunos, durante a escola-ridade obrigatória, no ano em que melhor se enquadre com a matéria, terem oportunidade de visitar uma ou várias explorações agrícolas da área de residência. O objetivo é criar hábitos alimentares saudáveis, pro-mover a produção nacional e mostrar como se produzem os produtos agrícolas. Poderá ser adotada a título experimental em alguns concelhos, com apoio das autarquias e, mais tarde, adotá-la nível nacional.

Uma segunda proposta seria encomendar a algum economista ou gru-po de economistas de topo a nível mundial um estudo sobre as medidas a adotar para melhorar a repartição de margens na cadeia de valor dos produtos agrícolas, bem como tornar a agricultura portuguesa mais auto-

-sustentável e menos dependente das ajudas de Bruxelas, que não serão eternas e têm tendência a reduzir--se ao longo do tempo”.

CARLOS NEVESPresidente da APROLEP - Associação dos Produtores de Leite de Portugal

JOSÉ MARTINOEngenheiro agrónomo, administrador da Espaço Visual.

HENRIQUE SILVESTRE FERREIRAJovem agricultor e diretor de produção da Vale da Rosa

PEDRO BRAGANÇAAdministrador da BFruit

NUNO VIEIRA E BRITOEx-secretário de Estado da Alimentação e da Investigação Agroalimentar e docente do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC).

IV sexta-feira, 5 de agosto 2016 Vsexta-feira, 5 de agosto 2016

Depois de uma tentativa falhada em 2004, Portugal vai ter, finalmente, uma Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica, a exemplo do que já acontece a nível europeu e em alguns países. O Despacho nº 7665/2016, de 09 de junho, assinado pelo secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, determinou a criação de um grupo de trabalho para avaliar, preparar e apresentar essa estratégia.O objetivo é pôr em execução um plano de ação para a produção e promoção de produtos biológicos, definindo uma estratégia política nacional para a agricultura e produção biológica, revelou Jaime Ferreira, presidente da associação Agrobio, durante uma conferência organizada pela “Vida Económica” na Lipor institulada “Agricultura Biológica: um setor em crescimento”. A estratégia nacional para este setor, que se estima valha já “mais de 25 milhões de euros”, vai ser apresentada até outubro.

TERESA [email protected]

As atribuições deste grupo de trabalho, composto pela Direção-Geral de

Agricultura e Desenvolvimento Rural, que preside e coordena, pelo Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral e pela Escola Superior Agrária de Coimbra, prendem-se com a análise e proposta dos instru-mentos necessários para apoiar, alargar e promover a agricultu-ra e a produção biológica em Portugal, lê-se no preâmbulo

do despacho publicado pelo Governo. Esse grupo de traba-lho será assistido por um grupo de acompanhamento constituí-do pelos parceiros: CAP, AJAP, CNA e CONFAGRI.

Em Portugal, a área cultivada em agricultura biológica come-çou a ter algum peso económi-co e social a partir da década de 90, pela criação de apoios finan-ceiros às explorações agrícolas e também pela implementação de organizações associativas concebidas para a promoção da oferta de serviços de agricul-tura biológica e de assistência técnica. Na última década, o número de agricultores que pra-ticam este sistema de produção agrícola e o número de consu-midores que compram produtos biológicos tem crescido “a um ritmo considerável”, de acordo com o preâmbulo do despacho.

De facto, o mercado de pro-dutos biológicos, estimulado por um aumento constante da procura, desenvolveu-se signi-ficativamente: 500 mil hectares de terrenos agrícolas conver-tem-se, em cada ano, em ter-renos de produção biológica na UE, segundo o Ministério da Agricultura. O presidente da Agrobio, disse na conferência da “Vida Económica”, na Lipor que, em 2015, havia em Portu-gal 240 632 hectares de terra em agricultura biológica (7,0% da superfície agrícola útil), sen-do que a média da União Euro-peia é de cerca de 5%. Em 2020, diz Jaime Ferreira, “esperamos que sejam mais de 250 mil hec-tares”.

Hoje, há no mercado 4531 operadores, 91% dos quais pro-dutores. A dimensão média de cada exploração é de 63 hecta-res em agricultura biológica e de

12 hectares, tratando-se de agri-cultura convencional.

Agricultura biológica: uma oportunidade

O desafio global enfrentado pelo setor da produção bioló-gica consiste, pois, em “garantir um crescimento constante da oferta e da procura, preservan-do ao mesmo tempo a confian-ça dos consumidores”, refere o Ministério da Agricultura. Tanto mais porque, como frisou Jaime Ferreira na conferência, “hoje na União Europeia temos o dobro da procura para a oferta”, ou seja, “a oferta na UE em produ-tos biológicos está em metade daquilo que é necessário”, sen-do já importados “muitos pro-dutos de dentro da UE e até de fora”. Portanto, dado que “este é um mercado a crescer a uma taxa de 15% e, nalguns casos, a 20% ao ano”, “o aumento da produção é essencial”, frisa o presidente da Agrobio.

Assim como é essencial e “uma aspiração dos operadores

do setor” a definição de uma estratégia política nacional para a agricultura e produção bioló-gica, com o objetivo de “apoiar um crescimento sustentável, através de medidas e ações adequadas às exigências atuais da oferta e da procura”. Isto

também como forma de conver-gir para os objetivos da Estraté-gia Europa 2020 e da PAC, no âmbito da política de qualidade dos produtos agrícolas e géne-ros alimentícios.

O presidente da Agrobio lembra que “já existe um plano europeu” para este setor e que “muitos países já o têm”, mas que Portugal não. “Em 2004

foi iniciado um plano, mas com a queda do Governo de então o plano foi metido na gaveta e nunca mais se falou nisso”, re-corda Jaime Ferreira, frisando que “é muito importante haver esse plano”.

Assim como “é preciso desen-

volvimento técnico e científico nessa área”. E, por outro lado, “ainda temos outro grande de-safio”: é que “hoje na União Europeia temos o dobro da pro-cura para a oferta, há um mer-cado a crescer e é preciso dar resposta”. Além disso, “temos a comercialização”, que “não é fácil”, porque “os produtos bio-lógicos não estão vendidos por si”, alerta Jaime Ferreira, frisan-do que “é preciso muito mais do que isso” e que “a sensibi-lização também é importantíssi-ma”. Aliás, diz, “não se deveria dar a vender produtos biológi-cos sem antes os darmos a co-nhecer”, eliminando também as “dúvidas” dos consumidores acerca dos mesmos.

Consumidor procura novos padrões de consumo

Essa ideia entronca justamen-te na mensagem que Catarina Domingos, em representação do movimento ‘Slow Food’ do Porto, trouxe à conferência da

PRESIDENTE DA AGROBIO REVELA QUE O SETOR DA AGRICULTURA BIOLÓGICA ESTÁ ESTIMADO EM MAIS DE 25 MILHÕES DE EUROS

Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica vai ser apresentada até outubro

“Vida Económica” dedicada à agricultura biológica. Esta es-pecialista falou das novas ten-dências para uma alimentação saudável, sustentável e limpa e lembrou que o movimento a que pertence pode ser conside-rado “ nova tendência, um novo caminho”.

“Chegamos à conclusão que o consumidor procura novos padrões de consumo, nomea-damente no setor agroalimen-tar; estamos perante uma nova sociedade de consumo, que necessita destes novos padrões, mas que procura, acima de tudo, conhecer com verdade os benefícios e os malefícios daqui-lo que está a consumir”, disse Catarina Domingos na confe-rência, referindo que, “neste momento, as pessoas já não estão tão agarradas às questão da segurança e da confiança ali-mentar, procuram sim é a alter-nativas naturais e reais”.

O eixo da naturalidade é, para Catarina Domingos, “um fator determinante neste novo pa-drão de consumidor”, consumi-dor esse que também “procura cadeias de distribuição mais curtas, os mercados de proxi-midade, não só pela garantia de poder aceder a um produto mais natural mas, também, pela questão de agarrar a pegada ecológica, de ter o contacto di-reto com o produto, de saber quem o produz e de poder in-clusivamente tratá-lo pelo nome e saber o percurso que o alimen-to teve desde que foi semeado até que é consumido”.

Isto leva-nos a “considerar e a confirmar que há uma cultura pela preservação pelos produtos locais”, diz esta responsável do movimento ‘slow food’ do Por-to, para quem “nestes merca-dos de proximidade as pessoas têm essa possibilidade de con-sumir localmente e, com isso, há um incentivo à economia local”. E esta procura, “embora tenha

sempre um preço subjacente – e o preço é sempre um ele-mento importante em qualquer compra e o agroalimentar não é exceção – neste novo consumi-dor falamos de novas variáveis relacionadas com a saúde e o ambiente”. Isto porque “estes consumidores sabem que estão a consumir um produto de qua-lidade, que é produzido com qualidade e que respeita a natu-reza e biodiversidade”.

Catarina Domingos diz que, nestes trabalhos de investi-gação que têm desenvolvido encontram “várias tendências, que procuram consolidar três grandes eixos: a sociedade, a biodiversidade e a economia”, de acordo com esta especialis-ta, “o consumidor procura um produto alimentar, mas procura conhecer a sua origem e o seu real valor nutritivo”, ou seja, “há uma procura crescente por pro-dutos e ingredientes que sejam naturais”, aliando ainda outra tendência”, que é verem que “há um sentimento de pertença, as pessoas procuram mais o que é nacional”. Para Catarina Do-mingos não há dúvidas: “quan-do procuramos a identidade alimentar, o que pretendemos é saber é o que consumimos e como é preparado até que chega a nossa casa”. Daí tam-bém “o papel das escolas, que é muito importante, diria deter-minante, apesar da importância das famílias neste processo, ob-viamente”.

Em suma, “mais do que um movimento alimentar e eco-gas-tronómico”, o movimento ‘slow food’ do Porto assume “uma nova filosofia de vida”.

Investimento de 8000 milhões na agricultura até 2020

Outro dos intervenientes na conferência foi Filipe Ravara, diretor do Departamento de

Agronegócio da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Formado e doutorado em Agronomia, este especialista trouxe alguns números referentes ao setor. Frisou, com base nos dados de que dispõe, que a Superfície Agricola útil de Portugal (SAU) é de 3,7 milhões de hectares, dos quais apenas 536 mil (15%) são irrigados. Adiantou, porém, que durante os próximos seis anos serão investidos em Portugal, ao abrigo do quadro comunitário 2015-2020 (Programa de Desen-volvimento Rural) mais de 8000 milhões de euros na agricultura

e no setor rural.Filipe Ravara fez questão de

elencar os pontos fracos da agricultura portuguesa, lem-brando “as condições edafo--climáticas muito diversas e condicionantes para as opções culturais e a disponibilidade de água limitante, desadequada-mente distribuída ao longo do ano”. Depois falou da dimen-são territorial e da estrutura fundiária que “impõem condi-cionalismos fortes de escala à muitos sistemas produtivos”. Por outro lado, mencionou “a idade avançada, o deficit de

formação e a resistência cultural ao associativismo condicionam profissionalização do setor” e, ainda, as “ineficiências ao ní-vel da produção”, que se pro-pagam ao longo da cadeia de valor e “condicionam o sucesso comercial dos produtos de ori-gem nacional”.

No entanto, também apontou os processos regeneradores já em curso, que se materializam através das oportunidades de diferenciação e criação de valor do presente e do futuro, com a continuação dos investimentos em projetos de regadio (apenas

15% da SAU é regada) e a multi--especialização e coordenação das fileiras. Mencionou tam-bém a contratação de jovens recém formados nas universi-dades, Institutos politécnicos e escolas profissionais dispersas pelo país, assim como a neces-sidade de organização da pro-dução, de desenvolvimento de estruturas profissionais de ges-tão agrícola e florestal por todo o país, da profissionalização da gestão e do ganho de dimen-são para além da escala mínima de eficiência. É, pois, necessá-rio o surgimento de “projetos

de integração a montante e a jusante” que tenderão a refor-çar estratégias de fileira.

Certificação permite oferecer confiança sobre as origens

Carla Lima, técnica da SGS, falou sobre “Certificação: modo de produção biológica”. Lem-brou que a SGS é líder mundial em inspeção, verificação, análi-se e certificação e que atua em 13 linhas de negócio à escala global.

A SGS está presente em Por-tugal desde 1992, onde tra-balham diretamente mais de 200 colaboradores. Tem oito escritórios espalhados por Por-tugal continental e ilhas, quatro laboratórios acreditados, um de ensaios microbiológicos e físico-químicos, gás e combustí-vel e outro de ensaios não des-trutivos. A empresa agrega no seu portfolio a certificação em modo de produção biológico, certificando que os produtores que aderem a este tipo de cer-titicação, que adotam práticas culturais respeitadoras do equilí-brio natural e em que se verifica a compatibilidade com os ciclos e sistemas naturais dos solos, das plantas e dos animais e ao nível de biodiversidade.

Carla Lima explicou na con-ferência que estão subjacentes a esta certificação várias preo-cupações, nomeadamente ao nível da segurança alimentar, do impacto ambiental e do bem-es-tar animal. E que os benefícios da certificação são “muitos”, desde logo o “reconhecimento da adoção das melhores práti-cas ambientais”, o que “permi-te oferecer aos consumidores a confiança sobre as origens e qualidades dos alimentos, pro-porcionando também um maior acesso a novos clientes e/ou no-vos mercados”.

A responsável da SGS revelou que, nos últimos 10 anos, na UE a dimensão do mercado de produtos biológicos quadrupli-cou e que a superfície de terras destinadas à agricultura biológi-ca aumentou em média, meio milhão hectares/ano. Entre 2011 e 2012, em Portugal, registou--se um aumento de 7% da área ocupada pela agricultura bio-lógica, disse Carla Lima, desta-cando também o crescimento da procura por parte dos consu-midores nos últimos anos, fruto também das recentes reformas da PAC, com a ênfase posta na orientação para o mercado e no fornecimento de produtos de qualidade que satisfaçam as ex-petativas dos consumidores.

“Há em Portugal 240 632 hectares de terra em agricultura biológica (7,0% da superfície agrícola

útil) e operam no mercado 4531 operadores, 91% dos quais produtores. A dimensão média de cada

exploração é de 63 hectares”

Da esquerda para a direita: Luís Faria Vieira (Alveirão), Teresa Silveira, jornalista “Vida Económica” e editora do suplemento “AgroVida”, Rui Falé (Agrovinaz) e Benedita Chaves, técnica da Lipor, debateram os constrangimentos mas, também, a satisfação de trabalharem em prol do investimento na agricultura biológica em Portugal.

Filipe Ravara (à direita), diretor do Centro de Agronegócios da Caixa Geral de Depósitos (CGD), interveio sobre o financiamento e o apoio ao investimento no agronegócio.

“A agricultura biológica esteve sem-pre presente no nosso pensamen-to”, disse Fernando Leite, adminis-

trador executivo da Lipor, na abertura da conferência da “Vida Económica” dedicada a este setor que decorreu no auditório daquela empresa.

A Lipor “herdou uma antiga fábrica de compostagem”, disse o responsável, ou seja, “o nosso negócio na área dos resí-duos começou por uma tecnologia de tratamento, que enfatiza o tratamento dos resíduos orgânicos”. Portanto, diz, “temos já muita experiência naquilo que não devíamos fazer e tivemos de mudar muito o nosso projeto e tivemos oportu-nidade de o fazer construindo uma fábri-ca que foi sempre pensada no sentido

de produzir algo que pudesse ter valor para a agricultura”.

Fernando Leite frisou, aliás, que o espaço do auditório onde teve lugar a conferência “está no terreno de uma das nossas três fábricas, que foi sem-pre pensada para produzir um fator de produção que pudessem ser utilizado na agricultura e nunca para tratar os resíduos”. Sim, porque “para tratar os resíduos temos outras unidades”.

O administrador da Lipor fez ques-tão de sublinhar que dispõem hoje de um produto para a agricultura – o Nu-triMais - que é “único no país”, disse, notando que investiram “cerca de 30 milhões de euros numa unidade fabril e tinha de ser para um produto de ele-

vada qualidade e que esta focado para algo especial que é a agricultura bioló-gica”. “E nós não iríamos investir neste produto senão acreditássemos qual é o valor e o potencial para o futuro da agricultura biológica”.

Admitindo que “Portugal tem neces-sidade de ter produtos para enriquecer o solo” e que trabalham em tudo o que seja possível fazer neste domínio, dadas as “debilidades que temos nos nossos solos, que exigem uma neces-sidade de matéria orgânica”, Fernando Leite é taxativo: “até hoje nunca nos arrependemos de investir o que inves-timos e de ter na nossa estratégia os produtos para a agricultura biológica”.

Lipor acredita no potencial da agricultura biológica

Fernando Leite, administrador executivo da LIPOR.

Da esquerda para a direita: Teresa Silveira, jornalista “Vida Económica” e editora do suplemento “AgroVida”, Catarina Domingos, Movimento ‘Slow Food’ do Porto, Carla Lima, técnica da SGS, Jaime Ferreira, presidente da Agrobio, e Filipe Ravara, diretor do Centro de Agronegócios da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

VI sexta-feira, 5 de agosto 2016 VIIsexta-feira, 5 de agosto 2016

A permanência em funções do diretor diretor-geral do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) do Ministério da Agricultura atravessa vários ciclos políticos e vários ministros da Agricultura de diferentes cores políticas.Em entrevista à “Vida Económica”, Eduardo Diniz assume não ter autonomia política – “longe disso” -, mas não mostra desconforto por esse facto. “O GPP tem de ser discreto”, diz. A sua função é clara: “Estamos aqui para apoiar as decisões e as orientações políticas”. Questionado sobre o PRODER e o PDR 2020, não hesita: “O sucesso da nossa agricultura deve-se à continuidade das políticas e do investimento no setor”.

TERESA [email protected]

Vida Económica – O embaixa-dor de França em Portugal, Jean--François Blarel, entregou-lhe em maio as insígnias de Oficial da Or-dem do Mérito Agrícola. Que sig-nificado teve para si?

Eduardo Diniz – Foi uma gran-de satisfação. Como todos sa-bemos, a agricultura para França é uma questão muito central. E esta condecoração creio que também resulta de uma colabo-ração muito profícua, quer ao nível das inúmeras reuniões que temos em Bruxelas, quer aqui na Embaixada, em Portugal. É a relação de confiança que se cria, até porque muitas vezes os pon-tos de vista não são coincidentes com França. Há vários exemplos.

VE – Quer dar-me um ou dois exemplos?

ED – Olhe, agora muito recen-temente com a questão do Mer-cosul [Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a UE], a resis-tência francesa sobre o acordo, que é racional e compreensível face aos interesses nacionais, não é totalmente coincidente [com Portugal]. Mas numa rela-ção de confiança, mais do que tentarmos esconder posições, temos de assumir aquilo em que temos de nos apoiar e aqui-lo que não apoiamos. E passar essa informação. Somos 28 – se calhar futuramente 27 – Estados--membros e se não dizemos cla-ramente quais as posições que temos, se calhar depois é muito mais difícil sermos ouvidos. Mas, regra geral, há uma muito maior convergência de posições com França do que divergências. Nem que seja pela defesa da agricultura comum europeia.

VE – Mas no universo dos países com os quais mantém relações

institucionais, porquê esta home-nagem da França? Alguma razão especial para além do bom rela-cionamento?

ED – Não. Eu tenho um rela-cionamento muito bom com outras embaixadas e Estados--membros. Regra geral até ulti-mamente fazíamos reuniões re-gulares de diretores gerais com Espanha, Itália e França em con-junto. A Embaixada holandesa também tem um papel muito ativo. Ou mesmo a Embaixada americana. Isto tem muito a ver com o próprio modo de funcio-namento do Estado francês, que é um Estado muito presente nas suas embaixadas e na prepara-ção dos conselhos e dos dos-siers, auscultando a sua rede de embaixadas. Trabalham muito ativamente.

Depois, na altura da cerimónia vimos que há uma forte coinci-dência entre Portugal e França numa série de questões, desde a alimentação, ao vinho, ao pão, à maneira de encarar a alimen-tação, aos produtos tradicionais, à valorização do território. Há um padrão comum. Isso ajuda muito. E depois há também um papel muito importante ao nível do planeamento, dos estudos e de decisões informadas. Há muito esta troca. É um trabalho de bastidores que se calhar as pessoas não veem muito, mas que se vê quando surgem as grandes reformas e as grandes decisões. Neste momento, por exemplo, nós já estamos a pre-parar o pós-2021, mesmo com todas as incertezas.

VE – Quando diz “nós”, refere--se a quem?

ED – Nós, vários Estados-membros. Há alguns mais ativos do que outros, mas se as coisas não se começam a preparar agora, não é no dia da votação do Conselho e dos trílogos com o Par-lamento Eu-ropeu que as coisas se vão decidir. Nós, como pequeno país, temos de sa-ber bem o que que-remos.

VE – Mas que tipo de matérias é que come-çam a ser delineadas com esta antecedên-cia?

ED – Antes de mais, ver qual é o impacto

da última reforma da PAC [Po-lítica Agrícola Comum], que foi muito importante. Teve o ‘greening’ e uma série de ou-tras questões. E se calhar é difícil perspetivar o futuro sem termos os resultados mais evi-dentes do que se passou. Mes-mo a nossa revista “Cultivar” que começamos a publicar é o repositório de uma série de questões que têm a ver com a água, o solo, a tecnologia, o ambiente. São questões que estão ali, pensadas, por espe-cialistas nossos e estrangeiros, para ver como nos havemos de posicionar no futuro em termos de decisões políticas. Ao longo dos anos, a posição portuguesa face às matérias agrícolas tem sido muito constante. O pró-prio minis- tro da Agricultura

diz que, se calhar, algum su-cesso da nossa agricultura tem a ver com uma certa continui-dade das políticas e do investi-mento no setor. E isso é impor-tante, porque o que desejamos é que haja agricultura em todo o território. Nós temos um terri-tório que não é propriamenete bafejado por condições natu-rais para a prática da agricul-tura, mas é muito importante a gestão desse território e a ges-tão social. E é extraordinaria-mente importante que esteja-mos atentos na defesa de uma agricultura em todo o território. Queremos isso para o territó-rio europeu e queremos que, a nível da globlalização, isso também seja pensado, porque não queremos agricultura em bolsas hiper-produtivas. Isso não tem a ver com aquilo que defendemos.

Isto, embora às vezes nas ne-gociações europeias seja um pouco difícil colocarmo-nos em blocos homogéneos. Dada a diversidade brutal que temos, às vezes coincidimos mais com os filandeses do que com os espanhóis. Somos dois países periféricos a duas hora e meia de Bruxelas. Eles têm o gelo e nós o calor, mas às vezes acaba por ser interessantíssimo como

são parecidas as nossas po-sições, de dificuldade

na prática da agri-cultura, mas em que lhe damos muita importância, assim como à ocupação dos territórios.

VE – Para quem não sabe, o que é o Gabinete de Pla-

neamento, Políticas e Administração Ge-

ral (GPP) do Ministério da Agricultura? A sua

função como diretor é transversal a vários ciclos

políticos e tem trabalhado com vários ministros. Que

funções concretas é que desempenha cá dentro?

ED – O GPP é mais na altura das grandes reformas que aparece. Tem de ser discreto. Nós seguimos as orien-tações políticas dos governantes. Temos é a consciência que é extre-mamente complicado e

transdisciplinar tudo o que tem a ver com as políticas para o ter-ritório e para o mar. E, portanto, esse apoio técnico à decisão po-lítica é extraordinariamente im-portante. Nós estamos aqui para apoiar as decisões e as orienta-ções políticas.

VE – Não têm, portanto, auto-nomia política?

ED – Não temos autonomia política. Longe disso.

VE – E é fácil trabalhar com di-ferentes ministros de diferentes cores políticas?

ED – O que é mais importante – e é o que o próprio ministro Ca-poulas Santos diz agora – é que há uma certa continuidade em algumas das políticas. O investi-mento na agricultura tem já um ciclo muito longo, em infraestru-turas, em matérias ambientais. Há, portanto, uma grande con-tinuidade dentro deste grande princípio da agricultura em todo o território. Por outro lado, é tam-bém muito importante que te-nhamos consciência que um dos principais défices da economia portuguesa é o agroalimentar. Temos de trabalhar para comba-ter esse desequilíbrio. E depois temos a PAC, que baliza muito a nossa atuação. E é nesse campo que também temos de atuar.

VE – Ondependentemente de não ter autonomia política, sente--se confortável a trabalhar com vários ministros de várias cores políticas?

ED – O GPP é um organismo da Administração Central do Estado. É muito importante que tenhamos consciência que, se cada um de nós fizer o que tem a fazer, o país avança muito mais depressa. O que é importante é que as estratégias e as decisões políticas fiquem residentes na Administração e que não deixem de ficar por causa da passagem dos ciclos políticos. Em cada ciclo político há sempre coisas positivas e negativas e essas me-mórias é importante que fiquem residentes na Administração, para termos a capacidade de as transmitir aos novos governan-tes e adquirirmos também novas orientações. Mas a Administra-ção e os membros do Governo são realidades diferentes e têm de se apoiar uns nos outros, por-que, senão, a Administração do Estado não funciona e as estraté-gias não são postas em prática.

VE – Como é que viu a execução do PRODER?

ED – Os dados macroeconó-micos apontam para uma ma-nutenção do investimento no setor agrícola face ao resto da economia. O resto da econo-

DIRETOR-GERAL DO GABINETE DE PLANEAMENTO, POLÍTICAS E ADMINISTRAÇÃO GERAL (GPP) DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA EM ENTREVISTA

“O sucesso da nossa agricultura deve-se à continuidade das políticas e do investimento no setor”mia teve resultados negativos ao nível do investimento. Ao nível da agricultura manteve-se mais ou menos estável. É a van-tagem da PAC. Agora, ao longo da execução do programa hou-ve altos e baixos, embora o pro-grama tenha sido executado. E manteve este percurso interes-sante. É positivo, no sentido em que houve procura cres-cente relativamente às verbas proporcionadas pelos fundos comunitários. O setor deu uma resposta muito, muito positiva, mesmo num momento de crise. Eu costumo dizer que a agricul-tura tem duas vantagens face ao resto da economia. Uma, derivada da falta de liquidez. Os agricultores em geral têm as ajudas diretas, que lhes dá liquidez e tesouraria. Outra que o resto da economia tem falta, que é o capital, a agricultura tem a terra, que é capital. Por-tanto, dos dois principais pro-blemas que a economia teve, a agricultura esteve mais de-fendida. Mas, apesr de ter tido

essas oportunidades podia não as realizar. E realizou-as. Em vo-lume de produção e em alguns acréscimos de valor acrescenta-do. O setor, independentemen-te da crise e destas vantagens comparativas com o resto da economia, soube aproveitar. E

isso é muito positivo. E o PRO-DER contribuiu para isso.

VE – E quanto ao PDR 2020?ED – A grande vantagem do

PDR 2020 foi o período de tran-sição, que fez com que não hou-vesse um vale que se costuma

ver nas alturas de transição entre quadros. O que se está a veri-ficar é uma procura brutal por parte dos agricultores, o que é muito positivo. Em quadros pas-sados nós ansiávamos por ter re-querentes e agora temos de se-lecionar projetos bons e maus.

VE – Hierarquizar?ED – Hierarquizar, sim. Não

há nada melhor na vida do que ter alternativas. Agora aque-le hábito de acharmos que há sempre fundos para todos se calhar é melhor pensarmos que pode não ser assim.

VE – Em todo o caso deu-se uma avalanche de candidaturas, que gerou dificuldades de aná-lise e que está a causar alguma mossa no setor. Como analisa essa situação?

ED - Há um excesso de pro-cura, que tem a ver também com a transição entre quadros, mas a equipa de gestão...

VE – Acha que está a dar a res-posta adequada?

ED – Quer dizer, os fundos estão disponíveis e é uma questão de haver o tempo da análise para absorver esses pe-didos. Não há nenhuma tran-sição entre quadros que não tenha alguma perturbação. É normal.

Eduardo Diniz, diretor-geral do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) do Ministério da Agricultura.

O Ministério da Agricultura acaba de criar uma Comissão de Acompanhamento dos Jo-vens Agricultores (CAJA), na dependência direta do secretário de Estado da Agricultura e Alimentação. O GPP vai coordenar a nova estrutura.

A CAJA tem por missão promover o sucesso da instalação dos jovens agricultores, através do acompanhamento da respetiva atividade e da avaliação do impacto do financiamento público à sua instalação no atual período de programação 2014-2020 e nos períodos 2000-2006 e 2007-2013.

De acordo com o Despacho nº 9083/2016, a CAJA tem como missão analisar a atividade

agrícola exercida por jovens agricultores, in-cluindo a fase que antecede o início de ativi-dade, abrangendo as questões da formação e acompanhamento técnico, do acesso à terra, da integração no mercado e, mais especifica-mente, os instrumentos de apoio à instalação desses jovens. Vai também efetuar um diag-nóstico dos fatores condicionantes da decisão de início de exercício da atividade agrícola, acompanhar a implementação dos projetos de instalação, avaliar os resultados das políti-cas públicas de apoio aos jovens agricultores e propor medidas tendentes à superação dos estrangulamentos identificados.

“O GPP é um organismo da Administração Central do Estado. Se cada um de nós fizer

o que tem a fazer, o país avança muito mais depressa”

GPP coordena Comissão de Acompanhamento dos Jovens Agricultores

VIII sexta-feira, 5 de agosto 2016

Ficha Técnica: Edição e coordenação: Teresa Silveira | Email: [email protected] | Paginação: Célia César e Flávia Leitão | Periodicidade: Mensal

“Só na UE, 80 milhões de toneladas de alimentação são perdidas por ano” mas, mesmo assim, “a fome e a morte de pessoas pela fome são das maiores vergonhas da civilização”, afi rma Eduardo Paz Ferreira, autor do livro “Por uma Sociedade Decente”. Em entrevista à “Vida Económica”, o professor universitário apela ao combate ao desperdício alimentar e à intervenção de todos pelo “direito a uma alimentação digna e sufi ciente”. Eduardo Paz Ferreira é taxativo: É preciso reduzir as questões burocráticas e a corrupção. E trabalhar para que o marketing e a publicidade não criem “falsas necessidades, como tantas vezes acontece”.

TERESA [email protected]

Vida Económica - Diz no ca-pítulo VII do livro que as últimas décadas do século passado foram marcadas pela pulsão consumis-ta e que a sociedade entrou no domínio do consumo supérfl uo. Como enquadra aqui o setor ali-mentar, a investigação científi ca e a inovação associadas às cres-centes necessidades de consu-mo, devido ao crescimento da população e da capacidade de compra em algumas regiões do mundo (China, América Latina, alguns países de África) e, por ou-tro, às notícias que nos dão conta que 795 milhões de pessoas pas-sam fome?

Eduardo Paz Ferreira - Segu-ramente que a fome e a morte de pessoas pela fome são das maiores vergonhas da nossa civi-lização e um fator que contribui decisivamente para podermos considerar que não vivemos numa sociedade decente. Não há seguramente uma estimativa real das pessoas que morreram

de fome ao longo da História, mas sabemos que tal se deveu em geral à prepotência do po-der político, à estrutura colo-nial e à circunstância de como, muito recentemente afi rmou o Papa Francisco, se usar a fome como arma de guerra. O des-perdício em matéria alimentar é um aspeto especialmente im-pressionante, fi xando-se entre um terço e metade de toda a comida produzida. Só na União Europeia, segundo os número da Comissão, 80 milhões de toneladas de alimentação são perdidas por ano.

VE - E qual é o futuro? Ao nível alimentar também temos de ca-minhar para uma socieda-de decente?

EPF - A seguran-ça alimentar integra sem qualquer dúvida aquilo que o gran-de presidente Roosevelt defi niu como a liberda-de da necessi-dade. Diria que o direito a uma

alimentação digna e sufi ciente é o primeiro de todos os direi-tos por que nos devemos bater, porque só ele permite que to-dos os outros possam ser exer-cidos na sua plenitude.

VE – Mas como?EPF - Os passos necessários

passam por diversos aspetos, que vão desde as questões bu-

rocráticas e a corrupção, que di-fi culta a ajuda alimentar a quem dela necessita, até aspetos de fundo, ligados à governação in-terna e à governação mundial.

No que à primeira se refere, trata-se de exigir dos governos que desenhem políticas que en-carem como prioridade absolu-ta a erradicação da fome. Quan-to à segunda, há que reforçar a efetividade das instituições internacionais e, sobretudo, das Nações Unidas e das suas diver-sas agências, fornecendo-lhes os meios fi nanceiros necessários e dotando-as dos poderes jurí-dicos que lhe permitam desen-volver a sua ação.

Naturalmente que há que atuar em domínios de uma

importância fundamen-tal, como o do aumento da produção agrícola, explorando terras de enorme produtivida-de, designadamente no continente africa-no, garantindo que a produção não seja exclusivamente para enviar para os países

desenvolvidos, mas sirva para alimentar as populações caren-ciadas. As inovações científi cas e tecnológicas são outra ferra-menta poderosa, ainda que se não possam descurar muitos dos problemas colocados pelos transgénicos.

Nessa enorme tarefa não po-demos excluir a nossa atuação enquanto indivíduos ou enquan-to membros de estruturas que se preocupam em ajudar os mais desfavorecidos. Essa deve ser uma atuação complementar da ação pública, mas nem por isso menos estimulante.

VE - Fala no livro de socieda-des submersas pela publicidade, e do marketing como ordenador social. Que papel é que eles assu-mem na criação de uma socieda-de mais decente a nível alimen-tar?

EPF - No livro considero, de facto, que a publicidade e o ma-rketing foram decisivos para a criação de uma sociedade con-sumista, na qual a aquisição de bens supérfl uos se tornou uma prioridade e as pessoas passa-ram a valer pela riqueza que exi-bem e os bens que consomem. Daqui não resulta, no entanto, um anátema sobre a publicida-de e o marketing que têm, des-de logo, a utilidade de permitir aos consumidores conhecerem os produtos e as suas qualida-des. Importante é que não as adulterem nem vendam falsas ilusões. A sua utilização pare-ce fundamental para o desen-volvimento de uma sociedade mais decente, também o nível alimentar. Fundamental é que o marketing não crie falsas ne-cessidades, como tantas vezes acontece. Ele pode ser, como defendia um dos seus mais inte-ressantes cultores – João Pinto e Castro – em “Marketing Ombro a Ombro” um instrumento fun-damental de diálogo entre as marcas e os clientes, através de uma interação reciprocamente útil.

EDUARDO PAZ FERREIRA, AUTOR DO LIVRO “POR UMA SOCIEDADE DECENTE”, QUER QUE O MARKETING E A PUBLICIDADE NÃO CRIEM “FALSAS NECESSIDADES”

UE despediça 80 milhões de toneladas de alimentos por ano

AGRICULTURA DE PRECISÃO

ANÁLISES LABORATORIAIS

CERTIFICAÇÃO

FORMAÇÃO SGS ACADEMY®

Modo de Produção Integrado GlobalG.A.P. Modo de Produção Biológico Sistemas de Gestão

Solos Águas Folhas e raízes Produtos Alimentares

Distribuição, venda e aplicação de produtos fi tofarmacêuticos Produção agrícola sustentável Mecanização agrícola e condução de veículos agrícolas Boas práticas de higiene e segurança alimentar Modo de Produção Biológico

Fertirrega Mapeamento de solos

Eduardo Paz Ferreira, autor do livro “Por uma Sociedade Decente”.

Eduardo Paz Ferreira é advogado, jurisconsul-to, professor catedrático da Faculdade de Direi-to de Lisboa e presidente do Observatório da Concorrência, associação criada em novembro de 2014, constituída sobretudo por académicos ligados ao estudo da concorrência numa pers-petiva jurídica e económica.

Questionado pela “Vida Económica” sobre que papel assume esta estrutura, tendo em con-ta a existência da Autoridade da Concorrência e se não há duplicaçãode funções, diz-nos que o Observatório tem “uma ótima relação de co-laboração com a Autoridade da Concorrência”, sendo a atuação deste organismo “paralela e complementar”.

“Procuramos cumprir funções da sociedade civil, dinamizando a investigação e o debate nesta área e promovendo ações judiciais para indemnizar consumidores lesados por práticas restritivas da concorrência”, explica Eduardo Paz Ferreira.

Perguntado sobre que balanço faz desta es-trutura e que conclusões têm sido conseguidas, o presidente do Observatório diz que “este pro-jeto é ainda bastante recente”. A iniciativa mais visível que tiveram foi “a ação popular lançada para indemnizar centenas de milhares de consu-midores pelos danos causados pelos abusos de posição dominante da Sport TV, identifi cados pela AdC”.

Eduardo Paz Ferreira tem a noção que “vai de-morar algum tempo até sabermos o resultado”, mas, “entretanto, vamos preparando e lançando outras iniciativas”. Em curso está já “o processo de transposição de uma Diretiva europeia que virá revolucionar o acesso dos consumidores à justiça nestes casos”. Nesse quadro, garante, “esperamos vir a alargar os nossos esforços e continuar a lutar para que as empresas saibam que, se violarem o direito da concorrência, não só terão de pagar uma multa, como ainda terão de indemnizar todos aqueles que lesaram”.

Observatório da Concorrência trava práticas restritivas