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Agradecimentos

A elaboração de uma tese de mestrado não constitui um ato isolado, mas antes

uma confluência de saberes, pelo que gostaria de prestar o meu tributo a quem,

com carinho e entusiasmo, teve participação no processo.

À Senhora Professora Doutora Clotilde Almeida, agradeço a partilha do seu

infindável saber, a generosidade humana assinável, bem como todas as críticas

construtivas à versão preliminar da tese.

À minha colega e amiga Shen Huimin, agradeço o trabalho académico que

desenvolvemos juntas durante a frequência do mestrado, bem como a partilha

de conhecimento.

Ao meu amigo Lino Afonso, cujos conhecimentos de economia constituíram um

precioso apoio técnico às questões relacionadas com a crise económica que

foram tratadas na presente tese.

À minha filha, pilar da minha vida, agradeço o constante incentivo, e à minha

querida neta agradeço as palavras entusiastas e a sua curiosidade pelo

constante saber.

Bem hajam!

Resumo

A presente tese de dissertação envereda pela análise semântica das imagens

metafóricas da crise económica na blogosfera, bem como em sites de economia,

à luz da abordagem cognitiva. Na base desta abordagem, preconiza-se que o

significado linguístico é claramente condicionado pelas dimensões da

experiência humana, ou seja, pela situação económica de crise e suas

consequências a nível global.

Na base do enfoque cognitivo, as imagens metafóricas da crise económica foram

analisadas por diversos autores como realizações de três domínios-fonte, da

GUERRA, da DOENÇA e da CATÁSTROFE NATURAL. Um estudo mais

recente, as metáforas multimodais em cartoons editoriais representando a crise

económica da autoria de Bounegru/Forceville (2011) destacou três domínios-

fonte, a saber, CATÁSTROFE/DESASTRE NATURAL; DOENÇA/MORTE e

IMPLORAR.

A presente investigação teve por objetivo desconstruir 30 cartoons sobre a crise

económica à luz das metáforas multimodais, enquanto ferramentas de tradução

num mundo globalizado. Assim sendo, foi apurada a vigência de duas metáforas

multimodais dominantes, CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL e

CRISE ECONÓMICA É QUEDA, a partir das quais se estabelece uma plataforma

de entendimento desta situação dramática, transversal a diversas línguas e

culturas.

PALAVRAS-CHAVE: metáforas de economia; cartoons da crise económica;

metáforas multimodais.

Abstract

The present dissertation deals with the semantic analysis of multimodal

metaphoric elaborations images portraying the economic crisis situation in the

blogosphere and in economic websites in the light of the cognitive approach.

Hence, under the lens of this paradigm it is argued that conceptual meaning is

undissociable from life experiences of the financial crisis and its consequences

at a global scale.

From the cognitive perspective, metaphoric images depicting the economic crisis

were analysed by several authors, arriving at the conclusion that their source

domains were WAR, ILLNESS and NATURAL CATASTROPHE. In a more recent

study, multimodal metaphors in editorial cartoons representing the economic

crisis by Bounegru/Forceville (2011) three main source domains of metaphorical

mappings stood out, namely CATASTROPHE/(NATURAL) DISASTER;

ILLNESS/DEATH and BEGGING.

The focus of the present dissertation lies upon the deconstruction of multimodal

metaphors displayed in economic crisis cartoons, which arguably operate as

translation tools in a globalized world. Two dominant multimodal metaphors have

emerged ECONOMIC CRISIS IS NATURAL CATASTROPHE and ECONOMIC

CRISES IS FALLING DOWN, from which this dramatic situation can be cross-

culturally understood.

Key-words: economic metaphors; economic crisis cartoons; multimodal

metaphors.

Índice

Introdução ................................................................................................................. 6

1 — Caracterização da metáfora à luz do paradigma cognitivo .................... 8

1.1 — A metáfora sob o prisma realista objetivista aristotélico ............................. 8 1.2 — Realismo experiencial: teoria da metáfora conceptual ................................... 9

2 — Metáforas monomodais e multimodais de Economia ........................... 12

2.1 — Breve introdução aos mercados mundiais ................................................... 12 2.2 — A metáfora monomodal no texto económico ................................................ 13

2.2.1 — Metáfora estrutural ........................................................................... 15

2.2.2 — Metáfora orientacional ...................................................................... 16

2.2.3 — Metáfora ontológica .......................................................................... 16

2.2.4 — O caráter persuasivo das metáforas ............................................... 17 2.3 — A metáfora multimodal ................................................................................ 17 2.4 — O estado da arte: abordagem cognitiva da crise económica ........................ 20

2.4.1. — ECONOMIA É MÁQUINA ............................................................... 21

2.4.4 — Metáfora multimodal ......................................................................... 25

3 — As metáforas monomodais na área da economia .................................. 26

3.1 — Metáforas monomodais da crise económica ..................................... 26

3.2 — Análise semântica das metáforas conceptuais e das realizações

metafóricas na imprensa portuguesa ............................................................ 28

3.3 — Domínio-fonte da DOENÇA ................................................................ 29 3.4 — As metáforas multimodais da crise económica ............................................ 37 3.5 Cabeçalhos e Cartoons na imprensa económica: evidências de mesclagem .... 38

4 — O paradigma cognitivo aplicado à análise de cartoons económicos . 41

4.1 - Domínio-Fonte das metáforas económicas: ECONOMIA É GUERRA 41

5 — Análise multimodal dos cartoons de economia à luz do paradigma

cognitivo ............................................................................................................... 47

5.1 — Metáforas orientacionais – CRISE ECONÓMICA É QUEDA ........................ 47

6 - Algumas considerações sobre a conceptualização da crise económica

................................................................................................................................ 85

7. Observações finais ......................................................................................... 88

Sitografia ............................................................................................................... 90

Bibliografia ........................................................................................................... 91

6

Introdução

A linguagem é um processo multifacetado que é definida como um sistema

construído, regulado pela interação entre experiências socioculturais do sujeito

com a respetiva estrutura cognitiva. Por outras palavras, a linguagem surge das

relações estabelecidas entre vivências e a sua construção mental de índole

fortemente metafórica, conforme estabelecido no enquadramento cognitivo

desenvolvido no ponto 1. Nele se elabora uma sumula histórica.

A partir desta perspetiva, apresenta-se, no presente capítulo, uma súmula

histórica que começa com a definição aristotélica de metáfora no século IV a.C

que culmina na criação de um conceito contemporâneo de metáfora conceptual,

desenvolvido por George Lakoff /Mark Johnson (1980) e estudos subsequentes

de diversos autores.

No ponto 2 intitulado metáforas monodais e multimodais de economia são

abordadas as principais metáforas conceptuais que superintendem o texto

económico, em regime monomodal e multimodal.

No ponto 3 são analisadas as metáforas monomodais na área da economia

conforme, investigação realizada por diversos autores especial destaque merece

o estudo de cabeçalhos e cartoons económicos da autoria de Bröne/Feyearts

(2006).

O ponto 4 é dedicado ao estudo da metáfora conceptual ECONOMIA É

GUERRA.

Já o ponto 5 consiste na análise multimodal do corpus de 30 cartoons,

seleccionados a partir de uma recolha na blogoesfera e em sites de economia,

durante um período de 11 meses.

E, por fim, as observações finais que radicam na conclusão de que os cartoons

económicos privilegiam as realizações multimodais das metáforas conceptuais

7

CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL e CRISE ECONOMICA É

QUEDA.

Tendo por base uma interligação entre significado e experiência, estes autores

conceberam a Teoria da Metáfora Conceptual (TMC) proposta por Lakoff/

Johnson (1980), estabeleceram os mapeamentos conceptuais que norteiam a

construção das imagens metafóricas, tendo por base a sua natureza cultural e

social.

Acreditamos que as metáforas conceptuais formam da construção de dimensões

consideráveis da linguagem, bem como da linguagem técnica (conforme Faber

2012). Nesta perspetiva, pretendemos cursar o estudo das metáforas não

enquanto ornamentos estilísticos, mas enquanto pilares do sistema conceptual

culturalmente partilhado.

8

1 — Caracterização da metáfora à luz do paradigma cognitivo

Enveredamos, em primeiro lugar, pelas várias abordagens que colocaram a

metáfora como centro da conceptualização humana do mundo. Trata-se

necessariamente de uma abordagem sumária, em face do enorme acervo

bibliográfico que foi produzido nos últimos 40 anos, no seio do paradigma

cognitivo.

1.1 — A metáfora sob o prisma realista objetivista aristotélico

A palavra metáfora tem origem no grego, onde significa quer em sentido próprio,

quer em sentido figurado uma ação de “transporte”. (Machado, 1987: 118).

Como já referimos, a primeira definição de metáfora foi desenvolvida por

Aristóteles e data do século IV a.C. De acordo com o filósofo, “o processo de

construção da metáfora consiste no transportar para uma coisa o nome de outra

[...]” (Aristóteles, 1996:92).

A teoria aristotélica é objetivista, na medida em que postula que a realidade não

depende da consciência, sendo captada pelos sentidos, e que argumenta que a

essência das coisas reside nas próprias coisas. Com Aristóteles, tem início o

esforço sistemático em analisar a estrutura do pensamento enquanto algo capaz

de forjar linguagem. Neste sentido, Aristóteles faz uma distinção entre linguagem

poética e linguagem formal. Da primeira, considerada um dom especial dos

poetas, fariam parte elementos da linguagem figurada que, assim como as

metáforas, detinham a capacidade de confundir o homem.

Para dar um exemplo, significa isto que se analisássemos, numa ótica

aristotélica, o poema de Camões “Amor é fogo que arde sem se ver”, que

continua “é ferida que dói e não se sente; é um contentamento descontente...”,

constataríamos que as frases que o constituem mais não são que um jogo de

palavras, uma vez que a essência do amor estaria no próprio amor e não no fogo

ou na ferida.

9

Nesta perspetiva, as relações feitas pelo poeta para explicar o amor (amor-fogo;

amor-ferida; amor-contentamento descontente) distanciar-se-iam do mundo real

e usurpariam a substância individual do conceito de amor.

O papel da metáfora na comunicação humana, devidamente sublinhado pela

abordagem aristotélica, acabou por assumir uma posição de destaque nos

estudos cognitivos, nos dias de hoje. No seio da Linguística Cognitiva preconiza-

se que a linguagem se desenvolve a partir das relações existentes entre o corpo

humano e as nossas experiências no mundo. Neste sentido, na senda de

Lakoff/Johnson (1980), Silva (1997:59) assinala que as unidades e as estruturas

da linguagem são estudadas não enquanto entidades autónomas, mas enquanto

manifestações de capacidades cognitivas gerais, da organização conceptual, de

princípios de categorização, de mecanismos de processamento e da experiência

cultural, social e individual.

1.2 — Realismo experiencial: teoria da metáfora conceptual

Na obra Metaphors We Live By, Lakoff/Johnson (1980) desenvolveram os

alicerces da Linguística Cognitiva na base da Teoria da Metáfora Conceptual

(TMC). No âmbito desta teoria, a metáfora, entendida como sendo um elemento

multidimensional é o resultado de interações entre processos cognitivos,

experiências físicas, fatores socioculturais e elementos linguísticos.

Por outras palavras, esta conceção “(...) evidencia uma interdependência entre

corpo e mente no processo de formação da nossa linguagem” (Santos, 2011:

18). Lakoff/Johnson (idem) postulam que a metáfora se afigura antes de tudo

conceptual, sendo que, a partir dela, se podem construir diversas realizações

linguísticas.

Neste sentido, é definida como “(...) um dos mais importantes instrumentos para

tentar compreender parcialmente o que não pode ser compreendido na sua

totalidade: os nossos sentimentos, as nossas experiências estéticas, as nossas

práticas morais e a nossa consciência espiritual (...)” (Lakoff/Johnson, 2002:303).

10

As metáforas conceptuais resultam da capacidade de se realizarem projeções

entre domínios, isto é, em atribuir a conceitos mais abstratos, elementos mais

próximos da sua própria realidade.

Uma expressão do tipo “Hoje estou pra cima!”, por exemplo, revela a habilidade

da natureza humana em utilizar várias estratégias cognitivas no intuito de

simplificar a compreensão daquilo que foi dito (FELIZ É PARA CIMA). Deste

modo, a construção conceptual resultante das ligações existentes entre um

estado de espírito de felicidade está orientada para cima, minimizando possíveis

dificuldades no ato de expressar e de compreender um sentimento abstrato

deste tipo.

Estas projeções conceptuais de orientação espacial decorrem da compreensão

que se tem sobre a relação entre o corpo humano e a conceptualização do

mundo que, ou seja, sobre a ligação existente entre corpo e mente. Neste

sentido, “[...] a cognição humana é baseada na corporalidade, o que ajuda a

determinar a natureza da compreensão e do pensamento” (Duque e Costa,

2012:148).

É através da experiência com o corpo que se constroem, por exemplo,

enunciados do tipo “eu estou a explodir de raiva!”. Desta expressão metafórica,

observamos que a metáfora conceptual “RAIVA É UM FLUIDO NUM

CONTENTOR” (cf. Kövecses 1986) emerge da projeção entre o domínio- fonte-

da raiva e o domínio-alvo do fluido num contentor, visando ilustrar o que

acontece com alguém que experiencia esta emoção.

Expressões como esta são construídas a todo o instante, de modo quase

inconsciente, pelas ligações estabelecidas entre a mente humana, as

experiências físicas e o contexto sociocultural. É por meio deste engenhoso

sistema cognitivo-cultural que produzimos a linguagem e, mais do que isso,

somos capazes de trabalhar com os mais diversos conceitos abstratos. Na ótica

de Vilela (2002:70):

Os cognitivistas não pretendem fazer grandes incursões na história da

metáfora ou estabelecer os caminhos percorridos pelos estudiosos da

metáfora, mas tão somente definir de modo muito linear a metáfora, quer

11

em si mesma, quer em relação à metonímia e sinédoque e sobretudo

mostrar como estas três figuras – são fundamentais na construção da

linguagem, quer como criações novas, quer como enriquecimento dos

processos de configuração da realidade circundante: a existente e a

emergente.

A perceção de que as metáforas conceptuais dizem respeito à capacidade de

cada indivíduo em realizar projeções entre domínios conceptuais — isto é, em

atribuir a conceitos mais abstratos elementos mais próximos da sua própria

realidade — potencia competências metacognitivas, tais como refletir sobre os

processos cognitivos, e, consequentemente, desenvolver competências

metalinguísticas.

Decorre daqui que refletir sobre o modo pelo qual pensamos e representamos o

mundo otimiza o processo de aprendizagem, tornando-o ainda mais significativo.

12

2 — Metáforas monomodais e multimodais de Economia

Dado que a economia é um domínio do saber altamente complexo e abstrato

recorre quer a representações metafóricas monomodais emergentes metáforas

conceptuais quer a representações multimodais em cartoons, superintendidas

por processos de integração conceptual, vulgarmente designados processos de

mesclagem, a fim de reproduzir a complexidade dos cenários económicos.

Tentaremos explicar brevemente como funcionam esses mesmos cenários,

primeiramente de forma relativamente simplificada.

2.1 — Breve introdução aos mercados mundiais

Ao longo destes últimos anos, proliferaram na imprensa escrita a nível mundial

textos na área da economia, que emergiram da crise da dívida soberana

europeia, em 2008, da crise do limite de dívida dos Estados Unidos, em 2011,

bem como da crise da dívida pública da Zona Euro.

De forma algo surpreendente, uma das consequências da crise financeira e

económica internacional de 2008-2009 foi a insolvência das nações ditas

desenvolvidas. O grande aumento da dívida governamental fez estourar a

capacidade de endividamento dessas nações e causou uma enorme turbulência

financeira, ao provocar o temor de que essas nações não pudessem honrar os

compromissos anteriormente assumidos.

É nos Estados Unidos que está identificada a maior dívida bruta entre todas as

nações do mundo, que já supera os muitos triliões de dólares. Esta situação

aliada às crises de insolvência na Grécia, na Irlanda e em Portugal, e ao receio

de que Espanha, Itália e o Reino Unido também não consigam honrar os seus

compromissos para com a comunidade europeia, levou a que o mercado

financeiro sofresse um forte abalo.

Porém, o advento da segunda crise económica, que foi apelidada de "déjà vu de

2008", por acontecer exatamente três anos depois do primeiro estouro da crise

13

do subprime, gerou uma desconfiança generalizada de que talvez os EUA não

conseguissem honrar os seus compromissos.

A crise do limite de dívida dos EUA, que levou a um longo processo negocial e

a debates no congresso americano sobre se o país deveria aumentar o limite de

dívida, e, em caso afirmativo, em que montante, fez crescer a especulação

internacional sobre a real capacidade de solvência do país.

Após aprovação no congresso e no senado, foi ratificado pelo presidente Barack

Obama o acordo conhecido por Budget Control Act of 2011, a 2 de agosto, data-

limite para o acordo. Não obstante, o mercado não reagiu positivamente a este

acordo, e, nos dias que se seguiram, a maior parte das bolsas de valores

mundiais fecharam em forte queda.

Perante o quadro de crise, a agência de classificação de notas de crédito

Standard & Poor's (S&P) baixou, pela primeira vez na sua história, a nota da

dívida pública dos Estados Unidos. Devido à crescente dívida e ao pesado défice

orçamental, bem como a redução da nota de crédito dos EUA, as bolsas de

valores mundiais registaram altíssimas perdas.

Os dados divulgados, entretanto, revelavam que as economias da Zona Euro

haviam crescido menos do que o previsto, estando já algumas em profunda

recessão. Depois de inúmeras perdas, as ações de alguns bancos recuperaram

nas semanas seguintes, tendo-se verificado a recuperação parcial dos mercados

acionários globais após a redução da nota da dívida norte-americana.

2.2 — A metáfora monomodal no texto económico

Perante o quadro de crise económica que assolava o mundo, tornou-se inevitável

que, para a representar, fosse necessário recorrer a uma série de imagens

metafóricas, ancoradas em metáforas conceptuais.

14

Tal como Sweetser (1990:30) afirma, “Gostaríamos também de explicar o facto

de os mapeamentos serem unidirecionais: a experiência corporal é uma fonte de

vocabulário para os nossos estados psicológicos, mas não o contrário”1

É aqui podemos começar por descortinar a construção metafórica do discurso

económico em regime monomodal à luz de Lakoff/Johnson (1980), bem como

de alguns dos autores que abordam as metáforas no discurso económico.

Como sabemos, a metáfora foi tratada, no seio dos estudos literários, durante

muitos anos como um mero ornamento linguístico. Contudo, com os estudos

empreendidos por Lakoff /Johnson (1980), observamos uma marcante mudança

de paradigma, uma vez que a metáfora passa a ser considerada como um

instrumento cognitivo, mediante o qual um domínio-fonte é mapeado, de forma

parcial, no domínio-alvo. Segundo estes autores, a metáfora conceptual é uma

ferramenta cognitiva quer permite aceder à compreensão de uma entidade

abstrata recorrendo a uma entidade mais concreta. Abaixo encontramos a

desconstrução dos mapeamentos da metáfora conceptual A VIDA É UMA

VIAGEM que é aplicada em numerosos contextos comunicativos, também no

domínio económico.

Domínio-fonte Domínio-alvo

Journey (viagem) ⇒ love (amor)

the travelers (os viajantes) ⇒ the lovers (os amantes)

the vehicle (o veículo) ⇒ the love relationship itself (a

própria relação de amor)

the journey (a viagem) ⇒ vents in the relationship

(aberturas no relacionamento)

1 Citação original: “we would also like to explain the fact that the mappings are

unidirectional: bodily experience is a source of vocabulary for our psychological states,

but not the other way around”.

15

the distance covered (a

distância percorrida) ⇒

the progress made (os

progressos realizados)

the obstacles encountered

(os obstáculos encontrados) ⇒

the difficulties experienced (as

dificuldades vividas)

decisions about which way to

(decisões sobre qual o

caminho a)

⇒ choices about what to do

(escolhas sobre o que fazer)

go the destination of the

journey (o destino da viagem) ⇒

the goal(s) of the relationship

(objetivo (s) do

relacionamento)

Tabela 1- Mapeamentos da Metáfora conceptual A VIDA É UMA VIAGEM

Ao identificarmos os mapeamentos conceptuais, podemos visualizar como se

constroem as próprias metáforas conceptuais, tendo em conta a projeção

seletiva de aspetos do domínio-fonte no domínio-alvo.

As metáforas conceptuais podem ser classificadas de acordo com as funções

cognitivas que realizam. Assim, distinguem-se três tipos gerais de metáfora

conceptual: metáfora estrutural, metáfora de orientação e metáfora ontológica

(Kövecses, 2002:32).

2.2.1 — Metáfora estrutural

As metáforas estruturais são casos "onde um conceito é estruturado

metaforicamente em termos de outro”2 (Lakoff/Johnson, 1980: 14), tal como

TEMPO É DINHEIRO.

2 Tradução livre do original “cases where one concept is metaphorically structured in terms of another”.

16

Este tipo de metáfora permite que as pessoas compreendam o domínio-alvo

através da estrutura elaborada do domínio-fonte. O entendimento dá-se através

de um conjunto de mapeamentos conceptuais entre um elemento mais físico e

um elemento mais complexo (Kövecses, 2002:31).

2.2.2 — Metáfora orientacional

A metáfora orientacional, que está enraizada na experiência física e cultural dos

seres humanos, envolve o mapeamento de uma estrutura espacial simples numa

estrutura não-espacial complexa. Este tipo de metáfora está maioritariamente

relacionado com orientações espaciais que têm origem na interação entre os

seres humanos e a natureza: de cima para baixo, no limite, de frente para trás,

centro-periferia.

A orientação espacial proporciona uma base experiencial bastante clara para a

compreensão de conceitos abstratos, por meio de termos de orientação (Lakoff

/Johnson, 2002:14), conforme a metáfora FELIZ É PARA CIMA.

2.2.3 — Metáfora ontológica

O conhecimento que as pessoas têm sobre objetos físicos e substâncias

constitui a base da metáfora ontológica. Por outras palavras, se as pessoas são

capazes de percecionar a associação e as semelhanças existentes entre as

atividades, as emoções, as ideias e as entidades e/ou as substâncias, poderão

também, facilmente, apreender as mesmas e raciocinar sobre elas. (Lakoff

/Johnson, 2002:25).

As metáforas ontológicas de maior relevo correspondem às personificações, na

base das quais concebemos uma ampla variedade de experiências com

entidades não-humanas à luz de motivações, características e atividades

humanas (op. cit. p.14), como por exemplo a personificação da crise económica

que encontraremos adiante na análise dos cartoons.

17

2.2.4 — O caráter persuasivo das metáforas

Independentemente da tipologia lakoffiana acima descrita e no que respeita às

metáforas da área da economia, afigura-se importante levar em linha de conta a

dimensão persuasiva das mesmas, conforme preconizado Charteris-Black

(2005:5). Este autor, reportando-se a Aristóteles, sublinha que as metáforas

estão carregadas de poder persuasivo, particularmente quando acompanhadas

por outras estratégias retóricas.

(…) I will argue that metaphor is equally essential to a leader´s

persuasive force. This is especially the case when these other

rhetorical strategies interact with metaphor since it is the combined

effect of various strategies that is most effective in political speeches.

Assinalamos, assim, que este poder persuasivo é também inerente à forma de

conceptualizar aspetos incontornáveis da crise económica, conforme ilustrados

pela metáfora CRISE ECONÓMICA É MÁQUINA.

2.3 — A metáfora multimodal

Na óptica de Kress e Van Leeuwen (1996), os media evidenciaram, nas duas

últimas décadas, de uma mudança bastante acentuada, tal como sucedeu com

a forma de comunicar. Na década de 60 do século XX, os jornais correspondiam

a impressões a preto-e-branco, cheias de carateres. Na década de 90, passaram

a ser exibidos a cor e a recorrer à imagem, o que fez com que, especificamente

no Ocidente, os carateres quase desaparecessem das páginas dos mesmos.

Kress e Van Leeuwen (1996) defendem, contudo, que a comunicação foi sempre

multimodal, e assistimos, na atualidade, e apesar de não ser uma inovação, a

uma mudança significativa: parece haver um novo código de texto e imagem, e

a informação é transmitida pelas duas formas. Os elementos verbais e não-

verbais de um texto articulam-se na composição do seu sentido, e o elemento

visual não é visto como sendo dependente do verbal, mas sim como algo com

uma organização e estrutura independentes.

18

Muito recentemente, na internet, surgem, cada vez mais, representações

multimodais, como por exemplo, os memes, em que o suporte de imagem tem

vindo a assumir primazia relativamente ao suporte textual (Ribeiro, 2015).

Nestes textos altamente recheados de imagens que tem surgido na internet, bem

como nos cartoons de economia, proliferam as metáforas conceptuais.

Conforme sublinhado por Forceville (2009: 22): (….) metaphors can assume non-

verbal and multimodal appearances can and should guide a new generation of

metaphor research scholars.” É assim, neste âmbito dos estudos multimodais

que inscrevemos as análises que realizámos dos cartoons de economia,

inspirados no estudo de Bounegru/Forceville (2011) que visa descortinar as

metáforas multimodais nos cartoons de economia.

Podemos, no entanto, observar, a partir da vasta literatura produzida sobre a

metáfora, que as expressões metafóricas têm sido estudadas de forma exaustiva

no modo verbal, ou seja, como expressões linguísticas no nível superficial de

modelos mentais estruturados metaforicamente, deixando de parte os outros

modos, como, por exemplo, o visual. Contudo, têm surgido alguns estudos de

análise multimodal de capas de jornais desportivos portugueses

(Almeida/Sousa, 2005, Almeida 2016).

Sem dúvida que a presente dissertação se inscreve nesta linha, postulando que

as metáforas conceptuais se manifestam não apenas no modo verbal, mas

também numa confluência coerente entre o modo verbal e o imagético, como

comprovaremos na análise semântica dos cartoons económicos do nosso

corpus.

Forceville (2009:22-23) define a metáfora multimodal como uma metáfora cujos

domínios fonte e alvo abarcam diversos modos, ou seja, sistemas semióticos

diversos. Aliás, o mesmo autor (idem) define claramente o termo modo como

“um sistema de signos interpretável por causa de um processo específico de

perceção”. Para o autor, os modos estão relacionados com os cinco sentidos, o

que motiva a seguinte subdivisão dos mesmos:

1. Modo visual

2. Modo sonoro

19

3. Modo olfativo

4. Modo gustativo

5. Modo tátil

Admitindo a complexidade em compilar uma lista exaustiva de modos, no plano

semiótico, Forceville (idem) acaba por enveredar por uma lista dos elementos

semióticos que integram uma abordagem multimodal:

1. Signo pictórico

2. Signo escrito

3. Signo falado

4. Gestos

5. Sons

6. Música

7. Cheiro

8. Gosto

9. Toque

O estudo de metáforas multimodais em géneros também multimodais pode

facilitar o processo de produção de sentido do texto, além de considerar a

imagem como elemento integrante do texto e não como acessório do mesmo.

É de salientar o quanto a cognição humana, a partir das experiências corpóreas

e das manifestações sociais e culturais, é responsável por produzir novos

significados através dos diversos modos semióticos materializados nas práticas

comunicativas. Não podemos deixar de referir que são as metáforas multimodais

que licenciam a construção dos sentidos nos cartoons económicos que estão

condicionados a um dado contexto político e social.

No domínio da economia, como em muitos outros domínios da experiência física

e do conhecimento, é necessário sublinhar a importância dos esquemas

imagéticos na estruturação das metáforas orientacionais, enquanto padrões

abstractos da experiência, ou seja “(…) dynamic analog representations of

spatial relations and space” (Gibbs/Colson 1986:240). É na base destes

20

esquemas imagéticos que conceptualizamos o mundo em geral, ou seja, áreas

da experiência e do saber, como por exemplo o mundo económico, em que a

orientação espacial cima-baixo assume particular destaque na conceptualização

das oscilações do tecido económico.

Refira-se também a particular relevância de alguns esquemas imagéticos na

composição dos cartoons para além da orientação espacial cima-baixo, o que

será objeto de análise semântica na presente dissertação. Em destaque,

colocamos o papel determinante do esquema imagético do contentor (na

representação “Estamos a sair da crise económica”); percurso “ainda temos um

longo caminho a percorrer para ultrapassar a situação económica”); orientação

em cima/em baixo (“a economia está a crescer, mas abaixo do esperado”); força

(e contra-força) (cf. ECONOMIA É GUERRA, como iremos ver adiante), entre

outros.

É de notar que Gibbs e Colston (2006:251) consideram o esquema de

PERCURSO como um dos mais básicos para representar diversos domínios

abstratos da experiência: “The SOURCE-PATH-GOAL schema must be one of

the most basic image schemas that arise from our bodily experience and

perceptual interactions with the world”.

2.4 — O estado da arte: abordagem cognitiva da crise económica

O estudo de Rocha, C./ Huimin S., apresentado no seminário de Língua, Cultura

e Tradução do Mestrado em Tradução da FLUL (ano letivo 2014-15), incidiu

sobre as representações metafóricas de economia em sites de jornais

económicos, publicados em inglês, com tradução para chinês, que foram

também traduzidos pelas autoras do estudo para português europeu.

Foi possível concluir que as principais imagens metafóricas presentes nestes

sites eram constituídas por realizações linguísticas das metáforas conceptuais

ECONOMIA É MÁQUINA e ECONOMIA É GUERRA.

21

2.4.1. — ECONOMIA É MÁQUINA

Foi com a Revolução Industrial que nasceu a metáfora ECONOMIA É MÁQUINA,

sendo que esta metáfora veio a alterar a forma como todos nós falamos sobre

economia. A metáfora da máquina ajuda a compreender a forma como a

economia funciona realmente. É aplicada para compreender o sistema abstrato

da economia à luz do domínio-fonte da MÁQUINA. Os mapeamentos

conceptuais que sustentam esta metáfora encontram-se representados abaixo:

Domínio- fonte Domínio- alvo

Guerra ⇒ Economia

Campo de Guerra ⇒ Mercado Económico

Guerreiros ⇒ Os economistas, empresários e

investidores, etc.

Atos de Guerra ⇒ Atos Económicos

Arma ⇒ Recurso Económico

Estratégia de Guerra ⇒ Estratégia Económica

Tabela 2 – Mapeamentos da metáfora ECONOMIA É

GUERRA

22

Domínio-fonte Domínio-alvo

Máquina Economia

Funcionamento da

máquina

Funcionamento da economia

Peças da máquina Partes da economia

Tabela 3 – Mapeamentos da metáfora ECONOMIA É MÁQUINA

Por forma a ilustrar a analogia entre o funcionamento da máquina e o

funcionamento da economia, Bill Phillips concebeu “a máquina de Phillips” (ver

figura 1 abaixo), em Londres, nos anos 40 do século XX. Recorrendo a uma série

de câmaras e tubos que bombeiam a água, simula-se o fluxo do dinheiro na

economia. Todo o processo começa com o tanque, na parte de baixo que,

basicamente, contém a quantidade total de "dinheiro" que irá circular na

economia. O dinheiro é bombeado para os tanques mais pequenos que

representam os gastos do governo e do setor bancário.

23

Figura 1

Fonte: http://bitterjug.com/blog/coloured-water/

http://www.cs.man.ac.uk/CCS/res/res12.htm

24

Sublinhe-se também que a queda do dinheiro para o centro da máquina

representa, teoricamente, o dinheiro a cair para os bolsos das pessoas

A metáfora ECONOMIA É MÁQUINA encontra-se presente em muitas

ocorrências estudadas pelas autoras, conforme abaixo:

1) Repair the banks need to carefully repair pipeline, rather than abruptly shut

the monetary spigot. (FT)

修复银行需要审慎地修理管道,而不是生硬地关上货币龙头。

(PT— Para recuperação dos bancos, é preciso reparar cuidadosamente o

gasoduto, em vez de fechar a torneira monetária abruptamente.)

2) Meanwhile, Keynesian economists, using very simple mathematical

models, basically said “Push this button — we need more G”. (NYT)

同时,凯恩斯主义经济学家借助非常简单的数学模型,基本上认为,“照此方法(

按下这个按钮)——我们需要更多的政府政策”。

(PT — Entretanto, os economistas keynesianos, sendo um modelo matemático

muito simples, disseram basicamente, “pressiona este botão — precisamos de

mais política do governo”.)

3) Of course, it is possible that China could resort to another fiscal pump

priming exercise in response to recession. (FT)

当然,为了应对经济衰退,中国可能会诉诸于另一轮财政注资刺激措施。

(PT — Claro que, a fim de lidar com a recessão, a China pode recorrer a uma

medida de estímulo de injeção financeira de novo.)

No exemplo 1), o jornalista projeta conceptualmente uma máquina numa

entidade do domínio económico, o banco. A máquina avariada, a reparar, é uma

referência ao mau funcionamento do banco, tendo por base as analogias

estabelecidas entre o elemento do domínio-fonte e o elemento domínio-alvo. As

duas opções de reparação — reparar o gasoduto e fechar a torneira — também

25

são utilizadas para descrever metaforicamente as medidas a levar a cabo para

resolver o problema económico do banco.

No exemplo 2), o ato pressionar o botão faz referência à ação de por a máquina

em funcionamento é mapeado no ato de por a economia em marcha através da

implementação de medidas económicas.

O exemplo 3), pump priming representa a implementação das medidas

económicas de estímulo à economia tendo por base a imagem de uma bomba.

A título ilustrativo, os mapeamentos conceptuais analisados entre o domínio-

fonte das máquinas e o domínio-alvo das medidas económicas permite uma

compreensão mais fácil das questões económicas por um público leigo, mas

fortemente interessado nos altos e baixos dos ciclos económicos.

2.4.4 — Metáfora multimodal

Charles Forceville (2009: 20-22) recorre à Teoria da Metáfora Conceptual para

explicar a estruturação da metáfora multimodal. Na definição de metáfora

conceptual, Lakoff/Johnson (1980) postulam que a metáfora consiste na

compreensão e experiência de um tipo de coisa noutro, evitando habilmente a

utilização das palavras “verbal” e “linguística”. Contudo, a referida teoria,

segundo Forceville, reivindica a existência de metáforas conceptuais detetáveis

exclusivamente na forma verbal, o que, no entendimento do autor, enferma de

alguns problemas:

1) podemos correr o risco de enfrentar um círculo vicioso, ou seja, a pesquisa

desenvolvida pela Linguística Cognitiva desenvolver um raciocínio circular, na

qual se inicia com uma análise da linguagem que infere algo sobre a mente e o

corpo, que, por sua vez, motivam diferentes aspetos da estrutura linguística e do

comportamento;

26

2) a concentração exclusiva ou predominante sobre as manifestações verbais da

metáfora corre o risco de que os investigadores ignorem aspetos da metáfora

que ocorrem apenas em representações não-verbais ou multimodais.

Diante estes riscos, o autor postula a necessidade imperiosa de, no mundo atual,

se enveredar pelo estudo da metáfora multimodal. Começaremos por distinguir

as metáforas monomodais das metáforas multimodais.

3 — As metáforas monomodais na área da economia

Ao abordar a linguagem da economia, Rosner chama a atenção para o facto de

que” [a]lthough the purpose of economics is to discuss economic policy,

economists are not the only people who discuss it.” (2005:54). Assim sendo, (op.

cit. p.158): “the economist´s discourse cannot be separated from that of

laypersons”. É um facto que os média invadiram a nosso quotidiano com notícias

sobre economia, mediante recurso a imagens metafóricas que facilitam a

compreensão sobre os intrincados processos económicos por parte de um

público de não especialistas.

3.1 — Metáforas monomodais da crise económica

Vaz (2011), na sua tese de dissertação de Mestrado em Tradução, envereda

pela análise semântica das imagens metafóricas da crise económica na

imprensa portuguesa e alemã, à luz da abordagem cognitiva. A autora estuda

cuidadosamente os padrões metafóricos da crise a partir das realizações

linguísticas de duas metáforas conceptuais, a saber, CRISE ECONÓMICA É

DOENÇA, CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL e CRISE

ECONÓMICA É GUERRA.

Registe-se que as imagens metafóricas da crise económica em português e em

alemão evidenciam uma convergência conceptual notável, como iremos ver

abaixo.

27

O domínio-fonte da DOENÇA na construção da metáfora integra o diagnóstico

da doença, os agentes patogénicos e medidas terapêuticas que são mapeados

no domínio da economia, conforme ocorrências compiladas por esta autora:

Wirkung des Erregers.“ In: Der Erreger lebt weiter

(a)“Várias instituições financeiras, ou foram encerradas, ou sofreram intervenção com

injeção de capital e garantias estatais. (In: Crise financeira internacional – as origens).

(b)“Die stadlichen Hilfssgelder wirken wie Antibiotika. Sie unterdrücken die zerstörische

O domínio-fonte da CATÁSTROFE NATURAL, que serve de base às metáforas

económicas, compreende as dimensões de imprevisibilidade da catástrofe

natural, planos de contingência e de resgate às vítimas, conforme ocorrências

compiladas pelas autoras:

(c) “O secretário do Tesouro norte-americano Henry Paulson anunciou um plano de

resgate das instituições financeiras no valor de 700 mil milhões de Euros” In: Crise à

Lupa

(d) “Am 15.09 meledt die US-Investmentbank Lehnman Brothers Insolvenz an und löst

damit ein Beben an den internationalen Finanzmärkten und eine globale Wirtschaftskrise

aus.“ In Wie deutsche Banken das Disaster befördert haben

O domínio-fonte da GUERRA que superintende as metáforas económicas,

edificado conceptualmente na base no esquema imagético da FORÇA vs.

CONTRA-FORÇA, envolve estratégias militares de facções em guerra, uso de

armas, a fim de conseguir dominar os oponentes pela força.

(e) “A paralesia da EU imposta pelo Diktat alemão é, portanto, não só arrogante e

desumana como ajuda a enfraquecer ainda mais os alicerces da construção europeia”

In: As Teses do Taxista

(f) “Allerdings sind die Ökonomen einig, dass die Euro-Staaten gegen Verschuldung und

Rezession auf eigene Faust kämpfen müssen, schliesslich auch die Probleme vor allen

ausgemacht.“ In: Rezession stürzt EU-Staaten in Schuldenkrise.

Pela primeira vez, um confronto de ocorrências sobre economia em blogues e

fóruns portugueses e alemães pode comprovar que as realizações das

28

metáforas conceptuais evidenciam uma convergência conceptual assinalável,

em face de os fenómenos económicos se assumirem à escala global.

Desta forma, é viável preconizar que a metáfora conceptual é uma ferramenta

conceptual da maior importância para a construção do texto científico, bem como

para o processo de tradução de textos científicos, conforme apontado por

Vandaele/Lubin (2005:415) apud Faber/Gómez-Moreno (2012:91):

Metaphorical conceptualization is a fundamental process of thought in

scientific modeling, [….]. In order to understand the meaning of

scientific texts, a reader must be able to grasp the conceptual

metaphors of a domain. According to our working hypothesis,

metaphorical conceptualization underlies not only the specificity of a

domain, but also the terminology and the phraseology of languages

for specific purposes. To master the identification of these conceptual

metaphors is to possess a powerful cognitive tool that guides the

translator in making many translation decisions. (sublinhados nossos)

É partindo do pressuposto de que a metáfora é uma ferramenta fundamental na

construção terminológica, bem como na tradução de textos científicos, que

elaborámos este nosso trabalho.

3.2 — Análise semântica das metáforas conceptuais e das

realizações metafóricas na imprensa portuguesa

Nos sites em inglês e português sobre economia que consultámos online, as

narrativas da crise económica socorrem-se muito frequentemente do domínio-

fonte da DOENÇA, tal como assinalado por Vaz (2011), o que pressupõe que a

economia é conceptualizada como um organismo vivo. Abaixo encontra-se a

compilação de alguns deles, sendo que em formato de adaptação textual minha

à narrativa de crise económica mundial de 2008, e aos efeitos dessa mesma

crise económica sentidos em Portugal, até hoje, conforme reportado por Vaz

(2011).

29

3.3 — Domínio-fonte da DOENÇA

O primeiro domínio-fonte das metáforas económicas é o da DOENÇA, do qual

emerge a metáfora conceptual CRISE É DOENÇA. Desta forma, as imagens

metafóricas a que os artigos jornalísticos portugueses fazem referência à crise

económica como uma enfermidade muito grave que ataca sistemas económico-

financeiros, apresentados como entidades orgânicas já de si muito exauridas e,

como tal, permeáveis ao aparecimento da doença.

À ideia de crise económica associa-se uma imagem de uma empresa doente

que desenvolve sintomas de improdutividade e de desemprego.

Da fundação ao encerramento, o ciclo de vida de uma empresa é tanto mais

curto quanto mais, prematura e fatalmente, a crise, ou seja, a doença, o possa

alterar, encurtando-lhe a sua longevidade natural.

Quer isto dizer que, assim como uma doença prolongada pode levar à extinção

de um ser vivo da face da terra, também as perturbações económico-financeiras

suscitadas pela crise podem intensificar-se ao ponto de as funções vitais de uma

empresa cessarem por completo.

Assim como os seres vivos, também as empresas têm um ciclo de vida que se

inicia com o “nascimento” (fundação), que se prolonga por um período de

atividade que pode ser mais ou menos longo e que termina com a “morte”

(liquidação)3.

As dificuldades económicas e financeiras que levam uma empresa ao

desaparecimento não surgem da noite para o dia. São o resultado de um

processo gradual, qual doença que vai piorando com o tempo 4 . Se a

3 In “Falências em tempos de crise” apud Vaz (2011:68) 4 In “Falências em tempos de crise” apud Vaz (2011:68)

30

prevenção falha, é a gravidade da doença e a necessidade de a eliminar o

quanto antes que aceleram a descoberta de um tratamento adequado às

caraterísticas da própria doença, já fora do seu período de incubação.

E, ainda que a origem da doença do sistema económico norte-americano

possa abranger várias causas, atípicas ou não, sendo expetável que o seu

estado avançado culmine num desfecho pouco agradável para o paciente. No

caso português, a doença nacional, adquirida em parte por contágio da

situação económica internacional, também resulta da fraca competitividade

do setor industrial português no mercado externo.

Em sentido metafórico, a sociedade norte-americana está doente por muitas

razões5. Essa maleita “estrutural” reflete-se na competitividade da economia

portuguesa no seu conjunto face ao mundo e a competitividade do próprio setor

industrial, mola das exportações de "bens transacionáveis", um termo que se

tornou moda no discurso de política económica6.

Tal como um surto epidémico gerado no setor imobiliário norte-americano, que

se alastra ao panorama financeiro internacional e que origina uma descida

abrupta no valor nominal dos títulos, muitos fundos de investimento e muitas

instituições financeiras, organismos desprovidos de defesas imunológicas

naturais, deixam-se realmente contaminar pelo vírus dos ativos ilíquidos que

intoxica todo o sistema financeiro à escala global. O banco Citigroup foi uma

das primeiras vítimas da doença mais arreigada na estrutura da economia

norte-americana.

Os bancos e entidades que, de forma direta ou através de fundos de

investimento, estavam ligados ao mercado imobiliário dos EUA, com a queda de

valor de títulos e a epidemia que contagiou todo o sistema financeiro, vêm a sua

sustentabilidade enfraquecida, sendo na generalidade “infetados” de falta de

liquidez7. Mais um mês e pouco, e a primeira vítima surge, finalmente, nos

5 In “Os EUA estão doentes” apud Vaz (2011:134) 6 In “Os calcanhares de Aquiles das contas portuguesas” apud Vaz (2011:69) 7 In “Crise Financeira Internacional - As origens” apud Vaz (2011:69)

31

Estados Unidos: o Citigroup, afetado pela doença do subprime, inicia um

processo de “limpeza” das suas contas8.

Em Portugal, a quase constante recessão económica atribui-se não só ao

laxismo do governo como à administração de fortes doses de otimismo em

manobras de propaganda política esvaziadas de conteúdo que, como

antibiótico convencional mal prescrito, não suprimem o que tem vindo a

enfraquecer a economia nacional. Assim, enquanto o antídoto contra a crise

do crédito fácil teria de passar pelo alargamento das funções administrativas dos

bancos centrais, quais médicos de especialidade que acumulassem novos

encargos e novas responsabilidades, a cura da insuficiência económica teria,

pois, de envolver hábitos regulares de poupança. Só economizando recursos é

que as finanças públicas portuguesas conseguiriam não fracassar sobejamente,

face à proliferação das parcerias público-privadas, representadas como um

cancro progressivo originado numa infeção viral.

Como ninguém vive de promessas, o tempo encarrega-se de mostrar que o

antibiótico é insuficiente para matar o vírus que há muito enfraquece a

economia e, por arrastamento, a vida dos portugueses9. Um dos antídotos contra

esta tentação do “facilitismo” monetário é atribuir aos bancos centrais a missão

de monitorizar os desequilíbrios financeiros – decorrentes da expansão

excessiva de crédito ou do disparo dos preços dos ativos nos períodos das

“vacas gordas” — e não só o policiamento do nível de inflação ou do défice

orçamental 10. Considerando que a origem do problema está no excesso de

crédito, no excesso de consumo e nos baixos níveis de poupança, é

surpreendente constatar que os políticos coligados na sua visão de que a cura

está em mais crédito, mais consumo e menos poupança11. É no desperdício e

nos custos que resultam desse cancro, que é a promiscuidade entre o estado e

os interesses privados, que está o problema 12.

8 In “O homem que contestou Alan Greenspan” apud Vaz (2011:69) 9 In “Palavras cruzadas” apud Vaz (2011:143) 10 In “O homem que contestou Alan Greenspan” apud Vaz (2011:69) 11 In “Tudo começa como sendo uma nova era e tudo acaba como na velha” apud Vaz

(2011:143) 12 In “Onde cortar?” apud Vaz (2011:70)

32

Na sequência da propagação sistémica da crise, e a fim de refrear casos de

insolvência demasiado prejudiciais para o estado de saúde do sistema

económico, várias são as instituições financeiras às quais os governantes

espalhados pelo mundo facultam um tratamento terapêutico ancorado em

injeções de capital e certas garantias estatais, tal como sucede com a

seguradora AIG. Cedo se percebe que as verbas concedidas pela União

Europeia e pelos governos, para assistência digna em caso de doença terminal,

apesar da implementação de medidas paliativas, decididas tardiamente, têm a

particularidade de conseguir prolongar a vida quer dos organismos

empresariais quer dos cidadãos portugueses, aliviando-lhes até as dores

lancinantes da escassez de recursos financeiros e do endividamento

persistente. No entanto, se bem que o governo português se afigure como o

médico idóneo que procura tratar o paciente contagiado com o vírus mortal

da crise, no caso do BPN, o tratamento escolhido de nada adianta, não

estivesse o banco em estado de morte clínica desde há muito tempo.

Várias instituições financeiras, ou foram encerradas, ou sofreram intervenção

com injeção de capital e garantias estatais 13 . O paradigma deste tipo de

capitalismo "deturpado" é o gigante das seguradoras, a AIG. À beira da falência,

a empresa foi alvo de uma injeção de dinheiros públicos — 173 milhões de

dólares — no âmbito do programa de apoio ao relançamento da economia, nos

EUA14. No caso de Portugal, que foi atingido por esta crise global com a sua

própria crise estrutural por resolver, sem ter, por isso, a ajuda, por muito paliativa

que seja, pode ser fundamental para empresas e famílias, mergulhadas por

tradição em falta de liquidez e excesso de dívida almofada orçamental ou a

pujança económica de outros parceiros da UE, essa15. Por causa dele, a Caixa

Geral de Depósitos será obrigada a aumentar de novo o capital — e, apesar do

dinheiro que já meteu no BPN, mais de 1400 milhões de euros, este continua em

estado de morte clínica16.

13 In “Crise Financeira Internacional - As origens” apud Vaz (2011:71) 14 In “A crise não é para todos” apud Vaz (2011:71) 15 In “O preço certo” apud Vaz (2011:71) 16 In “Duas maneiras de combater a crise” apud Vaz (2011:78)

33

A Reserva Federal Americana vê-se, por sua vez, forçada a acomodar

estratégias e terapêuticas sólidas no sentido de estimular o consumo e de

impedir o estrangulamento da economia. Apesar dos esforços envidados, o

crescimento económico norte-americano prevalece anémico, ou com perda de

capital, e a merecer cuidados médicos muito especiais. No plano do

restabelecimento da doença, e sobretudo no espaço circunscrito à União

Europeia, também o paciente português continua a perder níveis elevados de

hemoglobina, incidente que dificulta a oxigenação do tecido da economia e

que pode degenerar num quadro clínico de anemia crónica. As vozes mais

pessimistas são até partidárias de que os EUA e a Zona Euro exibem, ambos,

os sintomas da síndrome japonesa, e tudo isto devido aos sinais fisiológicos

que atestam o respetivo insuficiente desenvolvimento económico.

É verdade que os EUA estão com taxas de juro perto do zero, pelo que a

economia continua anémica17. A crise está, por isso, longe de ter chegado ao

fim. Sobretudo para nós, portugueses. Apesar de as últimas previsões do FMI

apontarem para uma reanimação da economia mundial — que deverá crescer

ao ritmo de 3,5%, este ano, e 4,3%, em 2017 — o desempenho português, diz o

Fundo, poderá ficar-se por uns anémicos 0,5% a perder terreno para a Zona

Euro, que conseguirá uma média de 1%, ainda assim, muito longe dos EUA, com

2,7% já este ano18. Alguns mais pessimistas admitem que os Estados Unidos e

a Zona Euro emitem a síndrome japonesa, com uma anemia de 1% de

crescimento médio decenal19.

Os índices económicos são muito críticos: eles sublinham os malefícios do

défice externo e da dívida pública portuguesa. Sarar a ferida da predisposição

genética do país para a ocorrência de tais distúrbios requer, dadas as

circunstâncias, um curativo à base da subida da produção e das exportações

que seja capaz de estancar o fluxo de capital que jorra, sem interrupção, de um

sistema económico pouco saudável. Já em 2010, Portugal encontrava-se

economicamente paralisado e com um nível de confiança propenso à asfixia

financeira ou a graves complicações respiratórias, situação clínica muito

17 In “Um banco central rigoroso ou cego?” apud Vaz (2011:72) 18 In “Primeiro a crise” apud Vaz (2011:72) 19 In “Mexida de fundo no sistema financeiro está por fazer” apud Vaz (2011:72)

34

preocupante, uma vez que, confinada a sua economia a um estado de inércia

incessante, qualquer tipo de fármacos ou de práticas terapêuticas não terão

resultados, uma vez que a crise económica manifesta uma índole marcadamente

crónica e que o próprio governo está apenas concentrado na sua reeleição para

outro mandato legislativo.

Reequilibrar a balança comercial portuguesa é fundamental para estancar o

endividamento externo do país e relançar o crescimento da economia20. Mas é

nestas águas turvas que temos de navegar, entre o risco de recessão e a asfixia

financeira que resulta da falta de confiança na economia – falta de confiança,

recorde-se, que se funda numa dívida pública que disparou para 86% do produto,

de um défice orçamental que saltou para 8,5% do PIB e de um preocupante

défice externo de 8,8% do PIB21. Por cá, tudo será mais complicado, porque

carregamos uma crise crónica, com tudo o que isso representa de demagogia e

abuso próprios da época22.

Já nem o então presidente da República Portuguesa conseguia dissimular a sua

inquietação relativamente ao delicado estado de saúde das contas públicas, e,

por enquanto, o Estado não reúne condições para se arrogar um possível

estatuto de liderança económica.

Tendo em linha de conta a inconstância que tem consumido o mercado

imobiliário interno, não são mesmo de esperar quaisquer melhorias substanciais

neste setor económico, sendo que, por este motivo, o estado de saúde da

economia financeira persistirá reservado. O desequilíbrio da balança pública, em

parte provocado pela subida abrupta das taxas de juro impostas ao país, institui-

se como a prova sintomática de que o vigor da economia portuguesa está

profundamente abalado.

Por cá, tivemos Cavaco Silva, qual chanceler alemã, preocupado com a saúde

das finanças públicas e a sustentabilidade do nosso modelo económico,

advertindo para o facto de o Estado não se encontrar em condições de ser o

20 In “A nossa crise não se resolve (só) cá dentro” apud Vaz (2011:73) 21 In “Entre as calças de Merkl e o carisma de Obama” apud Vaz (idem) 22 In “O preço certo” apud Vaz (idem)

35

motor da economia 23 . Não são esperadas grandes melhorias no mercado

imobiliário até outubro de 2010 ou janeiro de 2011, altura em que poderão ser

revelados novos dados sobre a saúde da economia financeira portuguesa,

dados fundamentais para os investidores estrangeiros 24 . Mais ou menos

fundamentadas, as dúvidas sobre a saúde da economia portuguesa

transformaram-se em factos assim que ganharam estatuto de hipóteses

prováveis, ou seja, de risco, fazendo com que a bolsa portuguesa caísse mais

que as dos outros mercados europeus ou que as taxas a que o Estado e o

sistema financeiro português se financiam no exterior começassem a subir25.

Deste modo, até o atual presidente dos EUA, Barak Obama, parece angustiado

com um prolongamento deliberado da duração da crise recessiva no Velho

Continente, e com a eventual incidência de uma depressão económica —

conjuntura caraterizada por baixos níveis de produção e de investimento,

transações comerciais em rutura, falências numerosas, desemprego galopante,

escassez de crédito, alta volatilidade do câmbio e crise de confiança —, visto as

políticas terapêuticas de contenção orçamental promulgadas na Europa

terem sufocado a economia real ao ponto do incremento das desigualdades

sociais.

Obama está preocupado com o mergulho voluntário dos europeus numa crise

recessiva, porque não esquece que o seu próprio crescimento depende do que

acontecer no outro lado do Atlântico, e não é de economias deprimidas que

precisa para que os EUA descolem do buraco onde caíram com a crise do

subprime26.

Ainda que o governo federal tenha conseguido estabilizar o estado de saúde

da economia dos EUA, segundo Timothy Geithner – o secretário do Tesouro

na administração Obama —, só uma terapêutica económica seguida com

entusiasmo foi capaz de estancar a perda de ativos no setor bancário, qual

organismo vivo que ameaçava esvair-se em sangue. Porém, a terapêutica

monetária aprovada pela União Europeia não foi tão eficaz a ponto de

23 In “Entre as calças de Merkl e o carisma de Obama”apud Vaz (idem) 24 In “Mercado imobiliário refém do risco económico” apud Vaz (2011:73) 25 In “Portugal e o “lobo mau” apud Vaz (idem) 26 In “Entre as calças de Merkel e o carisma de Obama” apud Vaz (idem)

36

tranquilizar o nervosismo dos mercados financeiros internacionais, os quais têm

o apanágio de poder influir na evolução do curso da economia. Em certos países,

nem a recapitalização dos bancos à beira da falência nem a implementação de

medidas orçamentais rígidas consegue abrandar o avanço da depressão, numa

altura em que o próprio governo português decide abdicar das medidas anticrise,

promovendo o suicídio assistido da economia nacional.

A crise do sistema bancário do país foi estancada com o dinheiro dos

contribuintes, lembrou Geithner, acrescentando que “os bancos admitem alguma

culpa nos estragos causados pela crise e têm uma grande responsabilidade para

ajudar as nossas comunidades a voltar a caminhar pelo próprio pé”27. Terapia

europeia falhada: a intervenção do Fundo Monetário Internacional na Grécia à

beira de default no fim de semana de 7 a 9 de maio, a criação do Fundo de

Estabilização do Euro, a divulgação dos testes de stresse dos 91 bancos

europeus e o papel “bombeiro” financeiro do Banco Central Europeu (BCE)

deveriam ter “acalmado” a situação — mas isso não está a acontecer28. Só o

facto de o governo anunciar que vai acabar com as medidas anticrise para fazer

frente à crise deveria chegar para se perceber o absurdo a que chegámos. O

suicídio assistido passou a ser político de Estado29.

Pouco tempo após contagiar a economia global, a crise norte-americana do

crédito subprime cede lugar à crise do Euro na Europa, podendo esta transmitir-

se muito depressa a países situados noutros continentes, por contágio virulento

da estrutura orgânica da economia. Posto isto, há que mencionar que os ataques

especulativos dirigidos às divisas mais enfraquecidas se tornam lesivos no

sentido em que exacerbam os custos da dívida externa e o crédito malparado

nas instituições financeiras credoras, ou, dito de outra forma, eles pioram

exponencialmente o quadro clínico da doença.

27 In “A crise do crédito ainda não acabou” apud Vaz (2011:75) 28 In “Mexida de fundo no sistema financeiro está por fazer” apud Vaz (idem) 29 In “A crise é nossa amiga. Vamos ajudar a crise.” apud (idem)

37

A crise do subprime norte-americana contagiou o mundo, e é certo e seguro

que a crise do Euro, a gravar-se, causará estragos muito além das fronteiras

europeias30.

A contaminação do sistema económico-financeiro internacional por um

vírus infecioso norte-americano que é possuidor de propriedades letais é,

portanto, facilitada por agentes patogénicos como a liberalização dos

mercados de capitais e políticas monetárias erroneamente praticadas pelos

governos mundiais que têm alternado no poder. A introdução de terapêuticas

médicas que ajudem a curar o paciente, como a administração de injeções de

capital ou a efetuação de exames de controlo, parece ser responsável pela

ligeira atenuação dos sintomas da patologia, mas nem assim os setores

económicos intervencionados reabilitam o seu estado normal de saúde.

3.4 — As metáforas multimodais da crise económica

Fazemos reverência ao estudo de Bounegru/Forceville (2011) que reconhece a

vigência de 25 metáforas que estruturam conceptualmente um total de 30

cartoons relativos à crise económica. O referido estudo está organizado por

domínios-fonte dominantes das imagens metafóricas, a saber,

CATÁSTROFE/DESASTRE (NATURAL), DOENÇA/MORTE e PEDIR ESMOLA,

constatáveis a partir da recolha de trinta cartoons, cujos autores são oriundos de

vários países. No contexto dos domínios-fonte são identificadas várias

metáforas, de que apenas citaremos aquelas que nos parecem mais relevantes

para o corpus que recolhemos ou seja, que se centram praticamente no domínio-

fonte da CATÁSTROFE/DESASTRE (NATURAL), sendo que retratam as

consequências da crise económica em movimentos descentes , em torno do

conceito de tsunami, nomeadamente, DOWNWARD FINANCIAL CHART LINES

ARE SEISMIC WAVES IN THE SEA e VICTIM OF FINANCIAL CRISIS IS A

DROWNING PERSON, entre outras.

30 In “Época de mudança na Europa” apud Vaz

.(idem)

38

A relevância deste estudo pioneiro centra-se quer na dissecação de imagens da

crise económica na perspectiva multimodal, quer no facto de estas imagens

terem sido concebidas por vários autores que recorrem no texto à língua inglesa

enquanto língua da globalização para representar a crise económica.

3.5 Cabeçalhos e Cartoons na imprensa económica: evidências de mesclagem

Não podemos deixar ainda de fazer referência a um estudo anterior de

Brône/Feyearts (2005), que, contudo, preconiza que os cartoons da crise

económica são desconstruíveis a partir da mesclagem conceptual, na senda da

abordagem de Fauconnier/Turner (2012).

Consideremos, como exemplo de base da natureza metafórica do discurso

económico, os termos económicos de uso quotidiano, a saber, fluxo de caixa,

influxo, escoamento de dinheiro, entre outros que são cunhados tendo domínio-

fonte uma entidade líquida. De facto, estes termos porque convencionalizados,

constituem os alicerces conceptuais da economia.

No entanto, como assinalam as recentes pesquisas de índole cognitiva,

descobrir estruturas metafóricas pode não ser suficiente para a análise da

interação dinâmica entre mecanismos de conceptualização diferentes no

discurso económico. Em vez de uma única representação linear de um fenómeno

complexo ou abstrato, o DINHEIRO a partir de uma imagem concreta no

domínio-fonte (alg)o LÍQUIDO, surgem muitas vezes evidências construídas a

partir de uma integração conceptual de domínios cognitivos diversos.

Uma das evidências mais flagrantes de integração conceptual esta presente nos

cartoons de economia. Façamos referência ao exemplo na Figura 2, um cartoon

desenhado por Jimmy Margulies (2001) que critica a queda dramática da Enron

Corporation, no inverno de 2001. Esta queda resultou no despedimento

repentino de centenas de funcionários. A integração conceptual num único

cartoon elementos alusivos ao Natal, época do ano em que o colapso da Enron

39

foi tornado público, e a imagem de “morte por execução”, concretamente por

asfixia, constitui uma acusação forte dirigida aos executivos da Enron. Enquanto

os funcionários aparecem como vítimas-enfeites da árvore de Natal, os

executivos da Enron são representados como os beneficiários nesta

representação do Natal ao receberem presentes enquanto assistem ao

enforcamento das vítimas-presentes da árvore de Natal. Desta forma se

evidencia que a complexidade de alguns fenómenos precisa de imagens mais

complexas que vão além da representação metafórica pura.

Figura 2 - A queda dramática da Enron Corporation

Geert Brône and Kurt Feyaerts

40

De forma a abordar estas interações complexas na construção do significado, foi

desenvolvido o conceito dinâmico de integração conceptual em diversas

publicações que culminaram na obra de Fauconnier e Turner (2002).

De forma necessariamente simplista, pode dizer-se que, enquanto a teoria da

metáfora conceptual (doravante TMC) se afigurava adequada para a análise de

termos económicos convencionalizados, que encaram o dinheiro como um

líquido, os modelos de integração conceptual permitem uma descrição mais

adequada de representações multimodais da área económica altamente

complexas e expressivas. Na ótica destes autores, a Teoria da Integração

Conceptual (doravante IC), que analisa a projeção de vários espaços mentais de

input, regularizados por um espaço genérico comum, num único texto ou

imagem, para representar uma situação mesclada em que os festejos do Natal,

coincidem com os despedimentos. Assim, torna-se possível explicar todas as

interligações conceptuais em cartoons económicos que envolvem estruturas

argumentativas, dispositivos de humor e projeções metafóricas complexas.

Sublinhe-se que os cartoons (como ilustrámos na Fig. 2 com o exemplo da

Enron), em articulação com os respetivos cabeçalhos, são particularmente

adequados para uma análise do uso criativo das metáforas, sendo que

evidentemente têm um forte impacto sobre o público.

De fato, quer os cabeçalhos quer os próprios cartoons constituem uma

ferramenta conceptual de elevada eficácia comunicativa que imediatamente

prendem a atenção do leitor. Saliente-se também que, no caso das

representações de economia, a integração conceptual pode muito bem ser

usada para condensar os problemas complexos plasmados numa representação

texto-imagem, que resulta aparentemente clara e simples.

A análise dos cartoons concentra-se numa estratégia específica, rotulada como

de input duplo, uma vez que envolve a ativação simultânea de mais do que um

domínio, e que, por vezes, também envolve uma projeção metonímica implícita,

como é o caso dos presentes para representar o Natal, no cartoon anteriormente

citado. Esta co-ativação de estruturas de input diferentes produz um efeito subtil

de humor, ao mesclar diferentes espaços de input, de forma algo surpreendente

41

e criativa, como é o caso deste cartoon da figura 2. Assim, os processos de

integração conceptual nos cartoons podem explicar uma panóplia de processos

cognitivos que os superintendem, na medida em que, condensando informação

proveniente de vários domínios da experiência, se produz um efeito humorístico

que torna o discurso económico acessível a um público-alvo, de forma concisa

e divertida.

4 — O paradigma cognitivo aplicado à análise de cartoons

económicos

Recolhemos um acervo de 30 cartoons de economia que selecionámos da

blogosfera e de sites de economia, na base da sua diversidade conceptual e

linguística, sendo que, neste ponto, procurámos divergir do corpus de cartoons

económicos de Bounegru/Forceville (2011).

Dado que preconizamos que a metáfora conceptual constitui uma ferramenta de

tradução, conforme preconizado por Almeida (2016), o principal objectivo do

estudo foi comprovar muitas vezes bastam as imagens e as legendas dos

cartoons para um cabal entendimento das cenas de crise económica retratadas.

Até porque os frames que são ativados nos cartoons integram o conhecimento

do mundo de uma pessoa comum de qualquer nacionalidade., pelo facto de

termos reconhecido o papel dominante de uma única metáfora conceptual em

cada um dos cartoons estudados. Desta forma, tal significa que, no caso da

economia, cada metáfora conceptual está associada a um esquema imagético

relevante, ou melhor dito, ao mais relevante de todos, a saber, o esquema cima-

baixo que está subjacente à grande maioria dos cartoons analisados.

4.1 - Domínio-Fonte das metáforas económicas: ECONOMIA É GUERRA

42

Em face da vasta bibliografia produzida no âmbito do paradigma cognitivo

desenvolvido desde 1980, serão focados apenas alguns conceitos teóricos

fundamentais para a análise dos cartoons económicos.

Gostaríamos de sublinhar, de novo, que a abordagem cognitiva encara a

linguagem como um sistema de categorização e estruturação do mundo, pelo

que os linguistas cognitivos investigam o conhecimento do mundo e as

representações linguísticas que lhe são indissociáveis. A categorização

linguística constitui uns dos temas centrais do paradigma cognitivo, pelo que se

depreende que a semântica se arroga como a área central da linguística

cognitiva. Por um lado, no plano semasiológico, a linguística cognitiva envereda,

num primeiro plano, pelo estudo das categorias polissémicas, sendo que, por

outro, no plano onomasiológico, dedica-se ao estudo das representações

linguísticas (as quais se incluem as representações terminológicas das

linguagens especializadas, cf. Faber 2012), bem como ao estudo produtos

artísticos e criativos da mente humana, nos quais incluímos obviamente os

cartoons enquanto montagens criativas de tipo multimodal.

Como vimos anteriormente, as metáforas servem principalmente para estruturar

domínios abstratos ou delineados de forma pouco clara relativamente aos

domínios de partida concretos e motivados por domínios da experiência física.

Vários estudos empíricos mostram a ubiquidade das metáforas conceptuais em

diferentes tipos de domínios conceptuais, partindo de conceitos de chegada

como o tempo (Johnson, 1987), a raiva, o orgulho e o amor (Kövecses, 1986),

até domínios altamente complexos, como a economia (Jäkel, 1997,

Brône/Feyaerts 2005), as ciências ambientais (Larson 2011), a política (Lakoff,

2012), a religião (Howe/Green, 2014), entre muitos outros. O exemplo (1) mostra

alguns casos, tirados de Jäkel (1997), que podem ser reduzidos a uma única

metáfora conceptual: a competição económica é uma guerra.

a. “(…) a maior batalha pelo poder na história empresarial da América.”

b. “A Sears (…), a competir com a Grattan, admitiu a derrota.”

c. “Ele começou com uma pequena fábrica e agora é o dono de um império

industrial gigante.”

43

Nos três exemplos, o conceito de chegada da competição económica é

estruturado ao ser extraído do domínio muito mais concreto da GUERRA. Ao

usar este domínio de partida, a rivalidade entre as empresas concorrentes é

conceptualizada como uma “batalha” na qual os adversários “competem” por um

objetivo específico e tentam “derrotar” os outros. Ao derrotar os adversários, uma

empresa consegue alargar o seu “império”. Repare-se que a conceptualização

metafórica não funciona apenas como estratégia estética para ornamentar o

discurso.

A TMC comprova através de diversos estudos que os domínios abstratos do

conhecimento (como, por exemplo, a economia) não podem ser

conceptualizados sem o recurso a imagens metafóricas. Em suma, os

mapeamentos metafóricos dos domínios-fonte para os domínios-alvo são

indispensáveis na conceptualização dos conceitos abstratos, como, por

exemplo, o desenvolvimento económico.

Nos três exemplos, o conceito de chegada da ECONOMIA, concretamente a

competição económica é estruturado a partir do domínio muito mais concreto de

GUERRA. Ao usar este domínio de partida, a rivalidade entre as empresas

concorrentes é conceptualizada como uma “batalha” na qual os adversários

“competem” por um objetivo específico e tentam “derrotar” os outros.

A TMC (teoria da metáfora conceptual) evidenciou várias vezes que os domínios-

alvo abstratos (como por exemplo, a economia) não podem ser conceptualizados

sem o uso de metáforas conceptuais. Em suma, os mapeamentos metafóricos

dos domínios-fonte para os domínios-alvo são indispensáveis na

conceptualização dos conceitos abstratos, como por exemplo, o

desenvolvimento económico.

Integração conceptual enquanto mecanismo de compressão nos cartoons

No âmbito da teoria da integração conceptual é posto em destaque o facto de se

registar uma compressão de elementos de diferentes espaços físicos e

diferentes épocas. A compressão destes elementos passa a fazer sentido em

44

face da coerência imprescindível entre os espaços de input incluídos nos

processos de mesclagem. Dado que esta questão não é fulcral à nossa análise

faremos apenas uma breve abordagem da mesma.

Voltando ao artigo de (Feyaerts/Brône, 2005), a análise de uma série de cartoons

e metáforas ilustradas revelou padrões de compressão semelhantes. Isto

corrobora a nossa afirmação de que a ligação dupla é fundamentalmente uma

estratégia cognitiva aplicada para comprimir informação de forma compacta e

expressiva. Por isso, não surpreende que esta estratégia seja particularmente

frequente em “tipos de discurso” que são principalmente favoráveis ao discurso.

Os cartoons e os cabeçalhos funcionam ambos como resumos atrativos ou

optimizadores de relevância (Dor, 2003) e são como resultado particularmente

adequados a esta operação de mistura.

Figura 3 Fresh Money gives Innogenetics new breathing space

45

Geert Brône and Kurt Feyaerts

Considere o cartoon na Figura (Karl Meersman em Trends Magazine, n.º 13,

2001), que se refere à situação financeira precária da Innogenetics, uma

empresa belga de engenharia genética, sob a alçada de uma empresa-mãe

alemã. No cartoon, o edifício da empresa Innogenetics recebe uma injeção com

uma seringa cheia de notas de 100 alemãs. O texto a acompanhá-lo diz:

“Dinheiro fresco dá à Innogenetics espaço para respirar”. Tal como no caso dos

cabeçalhos, interpretar este cartoon envolve desenvolver uma rede de

integração conceptual de (pelo menos) três espaços de input e um espaço de

mesclagem. Os dois espaços de input estão ligados como fonte e alvo de uma

metáfora convencional de que as empresas são como pacientes, de acordo com

a qual as empresas que precisam de ajuda financeira são representadas como

pacientes, que precisam de ajuda e tratamentos, que consistem em, por

exemplo, receber uma injeção com medicamentos, vitaminas, etc. (Jäkel, 1997).

O enquadramento do espaço de input 1 é projetado na mesclagem: uma mão

pega numa seringa, cujo conteúdo é injetado num edifício. Na representação do

cartoon, a estrutura metafórica de que as empresas são como pacientes interage

com outra metáfora convencional: o dinheiro é um líquido, que é representado

por uma mistura local da nota do banco (alvo) enrolada dentro da seringa (fonte).

Um terceiro espaço de input é o espaço da Innogenetics, que elabora

(contextualiza) o domínio de chegada (segunda introdução) da metáfora

convencional de que as empresas são como pacientes. Este espaço de input

contém, para além do conhecimento geral acerca da engenharia genética, mais

conceitos específicos relacionados com esta firma em particular, tal como a

cidade belga de Gent, uma empresa-mãe alemã, problemas financeiros e, a

propósito, também esboço do edifício atual da empresa. A partir deste espaço

de introdução, o edifício com o nome da empresa é projetado na mesclagem,

onde representa a empresa metonimicamente no papel de paciente.

Relativamente ao elemento seringa, este funciona como elemento fundamental

na construção da imagem mesclada, sendo fácil reconhecer os dois domínios

46

conceptuais envolvidos, o da cura da doença, representada metonimicamente

pela seringa e o da economia, representado metonimicamente pelo edifício da

empresa. Não será, pois, difícil reconhecer o mapeamento metafórico entre dois

domínios conceptuais que vai entroncar nas metáforas conceptuais EMPRESAS

SÂO PACIENTES e DINHEIRO É LÍQUIDO. É importante sublinhar que a

seringa enquanto instrumento usado em medicina genética também se relaciona

metonimicamente com o nome da empresa Innogenetics.

Embora em ambas as introduções a seringa esteja relacionada

metonimicamente com o conceito temático (paciente, Innogenetics), há uma

diferença fundamental na proeminência entre ambas as estruturas metonímicas,

que pode ser explicada como discrepâncias na convencionalidade e na

relevância contextual. Num contexto económico em que as empresas têm

problemas financeiros, a interpretação metonímica de uma seringa relativamente

à introdução de paciente é muito mais proeminente do que a interpretação

enquanto instrumento de engenharia genética. Relativamente à introdução de

Innogenetics, a interpretação metonímica da seringa enquanto instrumento de

pesquisa não faz parte de uma estrutura convencional de significado, nem é

suportada pelo contexto económico deste cartoon. A não-convencionalidade

desta estrutura metonímica é atribuída à distância relativamente grande entre os

conceitos envolvidos nesta metonímia: a seringa representa a empresa

Innogenetics apenas através da relação de “um instrumento típico usado em

pesquisa”.

47

5 — Análise multimodal dos cartoons de economia à luz do paradigma cognitivo

Elencamos de seguida os cartoons de economia, dividindo-os em subalíneas na

base do domínio-fonte das metáforas conceptuais que os superintendem.

Registe-se que a grande maioria dos cartoons que representam a crise

económica está ancorada na metáfora orientacional CRISE ECONÓMICA É

QUEDA e/ou CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL, embora sejam

analisadas outras metáforas multimodais no corpus por nós recolhido e

analisado, concretamente procedeu-se à análise da seguinte forma:

Concretamente procedeu-se à análise dos cartoons da seguinte forma: em

primeiro lugar analisou-se a metáfora conceptual presente no modo de imagem

do cartoon. Este procedimento foi motivado pelo facto de diversos cartoons

privilegiarem o modo de imagem. Em seguida analisou-se a relação entre a

metáfora conceptual presente no modo de imagem e a metáfora conceptual

presente no modo escrito.

5.1 — Metáforas orientacionais – CRISE ECONÓMICA É QUEDA

No cartoon abaixo, representa-se a figura de um homem de negócios que se

encontra à beira do precipício, em queda iminente, enquanto, distraidamente,

consulta um jornal económico com notícias sobre a própria crise. A legenda do

cartoon é absolutamente clara “tempos perigosos para o investimento”. O

mapeamento conceptual entre o domínio-fonte e o domínio-alvo produz-se a

partir do conceito de perigo, ou seja, o perigo da queda do investimento é

vislumbrado a partir do perigo da queda no precipício.

A interação entre imagem e texto na sua dimensão multimodal é superintendida

pela metáfora orientacional MAU É PARA BAIXO. Não nos podemos esquecer

de que para cima está associado ao sucesso (Goatly 2007:36). Quando se

representa transações de ações como estando em alta, estamos a referenciar

uma tendência positiva do mercado de títulos. Conforme apontado por Goatly

(idem) (….) height is a source for success, meaning most successful period (…).

48

Words for the highest point of objects peak, summit (…) mean most successful

period or point.

Figura 4 – CRISE ECONÓMICA É QUEDA

Fonte: http://www.inkcinct.com.au/web-pages/cartoons/past/2008/2008-002--

dangerous-times-for-investors.jpg

Tendo por base a teoria da metáfora multimodal de Forceville (2009, 2012),

reiteramos que partimos do postulado de que da metáfora conceptual está bem

visível no modo visual ou na interligação entre o modo visual e o modo

linguístico, estudaremos as metáforas multimodais na construção dos cartoons

de economia. Assim sendo, preconiza-se que o modo visual é um elemento

integrante do todo, e não apenas um acessório ou um complemento às

representações verbais.

49

Deste modo, num exercício de análise qualitativa que não pretende ser

exaustivo, é possível evidenciar o quanto a cognição humana, a partir de

experiências corpóreas, ancoradas em esquemas imagéticos é responsável por

produzir novos significados através de modos semióticos em cartoons facilmente

reconhecíveis, porque associados a conceptualizações negativas associadas ao

movimento descendente em queda, que se reveste do maior perigo para a

integridade física dos sujeitos retratados nos cartoons

CRISE ECONÓMICA É QUEDA

Figura 5

Fonte: http://finance.zacks.com/hedge-against-falling-stock-prices-7530.html

A presente metáfora visual, ilustrativa de CRISE ECONÓMICA É QUEDA, retrata

um executivo em queda livre. Esta queda simboliza uma perda vertiginosa das

ações da sua empresa na bolsa, desvalorizando abruptamente todo o seu

património.

O gráfico em pano de fundo, que assinala uma tendência de queda dos

proventos da empresa, é absolutamente coerente com a queda física do sujeito.

Esta queda é irreversível, até pela força da gravidade, sendo que decorre de

forma abrupta, conforme espelhado na expressão facial assustada do sujeito

afetado, pondo em risco a sua integridade física. Assim sendo, o mapeamento

conceptual decorre da projeção conceptual da integridade física do sujeito que

se projeta na viabilidade económica da empresa.

50

CRISE ECONÓMICA É QUEDA

Figura 6

Fonte: https://www.greenbiz.com/blog/2012/02/29/mind-gap-between-public-

expectations-corporate-performance

51

Para representação da imagem metafórica CRISE ECONÓMICA É QUEDA,

elege-se, em modo visual, a figura escolhida de um jovem atlético que tenta

realizar uma proeza física, o que ilustra o risco que se corre no plano económico,

nos dias de hoje conforme identificado pela legenda do próprio site.

Trata-se de uma simbolização relativa ao facto de que mesmo o mais forte e ágil,

ou seja, no domínio económico, o investidor mais experimentado, quando se

movimenta em ambientes de grande risco, pode, de um momento para o outro,

despenhar-se no precipício.

Registe-se que metáfora conceptual, confinada ao modo visual, não precisa de

palavras para ilustrar o risco iminente de queda, quase impossível de evitar.

CRISE ECONÓMICA É QUEDA

Figura 7

Fonte: https://pt.pinterest.com/ejcagnard/coyote/

52

A metáfora conceptual CRISE ECONÓMICA É QUEDA é ilustrada pela queda

iminente da figura do desenho animado, o Pernalonga, num precipício ela

também simboliza neste site sobre economia. Dado que esta figura do desenho

animado é muito conhecida, ela também simboliza que a crise económica pode

afetar qualquer pessoa, e não apenas os empresários ou os investidores da

bolsa. Na expressão facial da figura pode ler-se um certo desânimo, muito

provavelmente decorrente da inevitabilidade da situação em que se encontra.

Não há mesmo forma de escapar à queda, pois a lei da gravidade é implacável,

assim como não há forma de escapar à crise.

53

CRISE ECONÓMICA É QUEDA

Figura 8

Fonte: http://omarmomani.blogspot.pt/search/label/Van%20Gaal?updated-

max=2015-12-24T07:55:00-08:00&max-results=20&start=20&by-date=false

A metáfora visual CRISE ECONÓMICA É QUEDA é representada neste exemplo

retirado da blogosfera por um indivíduo de fato e gravata, suspenso no precipício

com as calças a caírem, aparentemente puxadas por alguns pássaros. No topo

do precipício, encontra-se uma figura diabólica, a personificação da própria crise

54

económica sob a égide de uma metáfora ontológica, que não vai permitir que o

indivíduo em questão se consiga salvar.

Desta forma, é representada a irreversibilidade do processo que põe em risco

económico tudo o que o sujeito conquistou, tomando como mapeamento do

domínio-fonte o risco de vida que o sujeito está a correr neste momento.

CRISE ECONÓMICA É QUEDA

Figura 9

Fonte: http://lawofwork.ca/?p=4318

55

Este cartoon em modo visual, retirado de um site de economia é elucidativo da

metáfora CRISE ECONÓMICA É QUEDA, ou seja, um movimento cinético

descendente, sem hipótese de se tornar reversível. Na realidade, foi o que se

passou em Portugal e noutros países, em que os pequenos investidores,

representados na imagem por um magote de pessoas, se encontram em

derrocada financeira, ilustrada na imagem pela queda no precipício. Na

expressão facial dos mesmos está espelhada tristeza, nas expressões de olhos

baixos, ou surpresa, nas bocas abertas e olhos esbugalhados.

Assim é possível plasmar através da imagem metafórica o facto de a crise

económica ter abrangido muita gente que perdeu as suas poupanças investidas

em papel comercial, devido à falência de Bancos e Instituições Financeiras, tal

como aconteceu no caso do BES.

56

CRISE ECONÓMICA É QUEDA

Figura 10

Fonte: http://www.freeoboi.ru/eng/wallpaper/9675.html

Voltamos à representação em modo visual da queda no precipício, desta vez

iminente, para representar CRISE ECONÓMICA É QUEDA conforme ilustração

usada num site de economia. Registe-se que a figura humana se encontra a

atravessar uma ponte extremamente frágil, o que indicia uma queda bastante

provável. O cenário envolvente da figura humana é bastante escuro, o que, no

plano semiótico, se reporta a uma situação negra, encontrando-se o precipício

iluminado, o que representa muito provavelmente a única via possível para uma

situação já de si de risco.

.

57

CRISE ECONÓMICA É QUEDA

Figura 11

Fonte: http://desmotivaciones.es/carteles/geronimo

Analise-se ainda a metáfora visual CRISE ECONÓMICA É QUEDA, num site

espanhol de economia acima referenciado, que é sustentada pelo esquema

imagético movimento de cima para baixo. Este esquema imagético é associado

à ideia de que os movimentos abruptos de cima para baixo são prejudiciais. De

facto, a figura ilustra um rapaz numa queda aparatosa, com uma expressão facial

de pavor, e a mão aberta, tentando, em vão, agarrar a mochila com os seus

pertences que, tal como, ele está irreversivelmente em queda.

58

CRISE ECONÓMICA É QUEDA

Figura 12

Fonte: http://ukpropertybubble.blogspot.pt/

A metáfora CRISE ECONÓMICA É QUEDA encontra-se ilustrada no site, sobre

a bolha imobiliária acima identificado, em formato multimodal no modo visual, em

que se representa um declive que corporiza as hipotecas do subprime,

identificadas em modo linguístico como tal. No topo deste declive, encontra-se

uma pilha de casas em equilíbrio muito instável, ou seja, em risco de queda

iminente pela força da gravidade. Dado que a queda é inevitável, tal representa

uma perda iminente das casas pelos seus proprietários conforme consta do

modo verbal subprime mortgages.

59

5.2. Passemos agora a outra imagem metafórica CRISE ECONÓMICA É FARDO

(SOBRE OS CONTRIBUINTES), conforme ilustrado em regime multimodal, no

cartoon abaixo, retirado de um site espanhol de economia.

CRISE ECONÓMICA É FARDO

Figura 13

Fonte: https://watchinginternationaleconomy.wordpress.com/2013/04/27/el-

gobierno-reconoce-que-el-paro-no-bajara-en-toda-su-legislatura/

http://economyandfacts.blogspot.pt/2012/12/caracteristicas-e-fontes-do-

crescimento.html

Trata-se de uma metáfora multimodal muito bem conseguida, uma vez que

apresenta, no mesmo cenário, diversos autores. Os cidadanos comuns,

identificados como cidadãos em contraponto que carregam o fardo da crise

económica, neste caso, o telhado de um edifício com estrutura de pedra, com

uma expressão facial de esforço, em face da dificuldade da tarefa. Em

contraponto, o governo identificado como gobierno, enquanto a banca, assim

designada no cartoon, procura extorquir o dinheiro do bolso dos cidadãos.

60

Consultado um especialista, o mesmo interpretou esta imagem como

representativa da crise do subprime que foi desencadeada em 2008, a partir da

queda do índice Dow Jones. De facto, a mesma foi motivada pela concessão de

empréstimos hipotecários de alto risco (em inglês: subprime loan ou subprime

mortgage), prática que arrastou vários bancos para uma situação de insolvência,

repercutindo-se fortemente sobre as bolsas de valores de todo o mundo.

Reconstituindo a história da crise económica nos EUA, de forma relativamente

simples, diremos que as famílias americanas acumularam dívidas ao longo dos

anos 90. A partir de 1995, o mercado imobiliário voltou a expandir-se, assim

como o endividamento, através de crédito ao consumidor e hipotecas. Os

subprimes, que incluíam desde empréstimos hipotecários até cartões de crédito

e aluguer de carros, eram concedidos, nos Estados Unidos, a clientes sem

rendimentos comprovados e com mau histórico de crédito. Eram os chamados

clientes-ninja, designados em inglês, “no job, no assets” — sem rendimento, em

emprego ou património). Essas dívidas só eram honradas mediante sucessivas

hipotecas, o que foi possível enquanto o preço dos imóveis permaneceu em alta.

Esta valorização contínua dos imóveis permitia aos mutuários obter novos

empréstimos, sempre maiores, para liquidar os anteriores em atraso, dando o

mesmo imóvel como garantia. Contudo, a queda nos preços de imóveis, a partir

de 2006, arrastou vários bancos para uma situação de insolvência, o que se

repercutiu fortemente nas bolsas de valores de todo o mundo.

Como os empréstimos eram dificilmente liquidáveis, isto é, não geravam nenhum

fluxo de caixa para os bancos que os concediam. Assim sendo, esses mesmos

bancos arquitetaram uma estratégia para assegurar esses mesmos créditos.

Consequentemente, temendo que a crise chegasse à esfera da economia real,

os bancos centrais foram impelidos a injetar liquidez no mercado interbancário,

para evitar o efeito dominó, que teria como consequência a falência de outros

bancos, e que a crise se desenvolvesse à escala mundial.

61

5.3 CRISE ECONÓMICA É DESTRUIÇÃO

A imagem metafórica abaixo reveste-se de alguma complexidade, uma vez que

a metáfora conceptual dominante é CRISE ECONÓMICA É DESTRUIÇÃO,

conforme se pode descortinar no site económico abaixo sobre macro finança.

CRISE ECONÓMICA É DESTRUIÇÃO

Figura 14

62

Fonte: http://germanfermo.com/2012/10/2292.html

Neste cartoon económico, a metáfora multimodal CRISE ECONÓMICA É

DESTRUIÇÃO ilustra um cenário de ameaça à integridade física das pessoas

retratadas de forma minúscula relativamente aos gigantes edifícios de Wall

Street que se encontram em plena derrocada. Neste caso, justifica-se falar de

um processo de mesclagem, uma vez que o dinheiro, na base da pirâmide de

Wall Street, está metaforicamente representado por um cilindro gigante que se

prepara para esmagar os cidadãos comuns em fuga. Dado que a marcha do

cilindro é irreversível, assim também a crise económica é um facto praticamente

consumado.

Encontramos aqui representada outra metáfora conceptual, a saber,

POWER/CONTROL IS ABOVE (Goatly 2007:35-37), pois o esmagamento dos

contribuintes é inevitável em face do enorme peso envolvido na derrocada dos

edifícios de Wall Street.

A este propósito, reforçaremos a nossa análise a partir da tradução do artigo de

19 de março de 2008 na revista The Economist que comprova a

conceptualização metafórica da economia enquanto edifício que pode entrar em

colapso:

“O edifício estável das finanças atuais demorou vários anos a ser construído. O

mundo teve um fim de semana para salvá-lo de entrar em colapso. No dia 16

março, o Sistema de Reserva Federal da América, por natureza dificilmente

impetuoso, reescreveu as respetivas normas ao resgatar o Bear Stearns, o

quinto maior banco de investimento do país, e ao concordar em emprestar

diretamente a outros corretores. Dias mais tarde, o The Fed cortou novamente

as taxas de juro a curto prazo para 2,25%, o que assinalou o mais rápido

afrouxamento da política monetária numa geração.

Foi um esforço hercúleo, que protelou a catástrofe definitiva de falência de um

banco que havia ameaçado dividir Wall Street. Mesmo assim, a situação

desagradável desta semana continha duas mensagens inquietantes. Uma delas,

analítica: o mundo precisa de novas formas de pensar sobre finanças e os riscos

que ela acarreta. A outra é um aviso: a crise abriu um capítulo novo e perigoso.

63

Apesar de todos os erros, vale a pena salvaguardar as finanças modernas e o

trabalho parece que ainda vai a meio”.

5.4 CRISE ECONÓMICA É FICAR DESPIDO

O cartoon abaixo decorre da metáfora, CRISE ECONÓMICA É FICAR DESPIDO,

ou seja, desprovido dos bens materiais, à luz de um episódio rocambolesco

ocorrido nos EUA com o então diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn,

conforme ilustrado no site abaixo sobre a crise económica.

CRISE ECONÓMICA É FICAR DESPIDO

Figura 15

Fonte: https://philebersole.wordpress.com/2011/05/28/what-kind-of-a-socialist-

is-strauss-kahn/

No modo linguístico, são identificados os vários atores, os técnicos do FMI que

recomendam que se aperte o cinto e o ex-diretor da instituição para quem esta

medida de apertar o cinto, para não ficar de calças na mão, já não vai a tempo,

64

(too late), no modo textual. De facto, entrecruza-se a história privada do

Dominique Strauss-Kahn, envolvido num episódio de relações sexuais

aparentemente forçadas com uma empregada de hotel, sendo obrigada a

abandonar o cargo de director do FMI, bem como cancelar a sua candidatura à

presidência da República Francesa, com a própria história da crise económica.

Este é um caso claro de mesclagem que, contudo, é facilmente compreendido

pelo público, em face da presença extensiva do modo linguístico que clarifica a

identidade dos atores da crise económica. Portanto, é possível concluir que este

cartoon, construído na base de uma mesclagem recorre, de forma evidente, ao

modo linguístico, para que a mensagem algo complexa consiga ser cabalmente

entendido pelo grande público.

65

5.5 CRISE ECONÓMICA É CRIME

Abaixo encontramos um cartoon com uma metáfora multimodal muito

interessante, em que se aponta o dedo aos Estados Unidos enquanto agente

criminoso da crise económica no continente americano

CRISE ECONÓMICA É CRIME

Figura 16

Fonte: http://argentinatoday.org/2016/06/27/capriles-estuvo-buscando-apoyo-

en-otros-paises-para-lograr-la-caida-de-maduro/

O cartoon que vemos acima dá corpo à metáfora multimodal CRISE

ECONÓMICA É CRIME, pelo que simboliza uma dimensão da crise económica,

a saber, a crise energética, relacionada com as oscilações do preço do crude.

Vê-se um agente criminoso com um sorriso malévolo, metonimicamente

representando os EUA, no modo linguístico pela metonímia “democracia”, que

pega fogo ao continente Africano, onde se encontram alguns países produtores

66

de petróleo. Tal provoca grandes desequilíbrios nas economias dos países

produtores africanos, de forma definitiva.

Tal como em todos os outros cartoons, a destruição pelo fogo é irreversível,

sendo que neste caso, claramente o crime económico aparece associado ao

crime político.

5.6 CRISE ECONÓMICA É CONTÁGIO

Na metáfora multimodal abaixo, CRISE ECONÓMICA É CONTÁGIO a crise

económica irá conduzir necessariamente ao contágio iminente da embarcação

contígua, ou seja, da instituição bancária, que se encontra integrada no mesmo

sistema económico, ou seja, não há como escapar há crise que, em face do risco

sistémico, tudo contamina. Conforme expresso no modo não visual: “how many

bonds can we bail you out with loans”. No modo visual, os barqueiros

encarregados da espinhosa missão de resolver efeito sistémico, representam,

de facto, metonimicamente, os bancos que continuam a emprestar dinheiro para

que os investidores possam resgatar o dinheiro perdido com os investimentos

em ações.

CRISE ECONÓMICA É CONTÁGIO

Figura 17

67

Fonte: http://quotesgram.com/austrian-economics-quotes/

Sublinhe-se que no cartoon acima, retirado de um site austríaco de economia, o

sistema financeiro é conceptualizado como uma rede de vasos comunicantes,

representada no modo visual por barcos que se encontram lado a lado. Este

posicionamento em contiguidade espacial leva a que sejam afetados por um

despejo de líquidos, simultaneamente em sequência e alternância, de uma

embarcação para outra, não sendo possível travar este processo.

Desta forma, se torna claro, porque visível, que uma conjuntura negativa no

plano económico tem um efeito sistémico, conduzindo, em última análise, ao

colapso das próprias instituições. A multiplicidade de participações em diferentes

áreas de negócios leva a que todas as entidades em risco apresentem danos

económicos, em face do risco sistémico.

5.7 ECONOMIA É ANIMAL FEROZ

Embora não diga respeito à crise económica propriamente dita, decidimos

analisar a imagem metafórica multimodal abaixo, uma vez que a considerámos

de particular importância no conjunto das imagens metafóricas de economia que

também, por vezes, aparecem associadas à crise económica. A imagem do tigre

para representar a economia tem sido recorrentemente usada, por exemplo para

representar a economia irlandesa, designada de “tigre celta”, mas

fundamentalmente para representar as economias dos países emergentes da

Ásia, como iremos referenciar adiante.

68

ECONOMIA é ANIMAL FEROZ

Figura 18

Fonte: https://omnipitron.com/2012/03/23/tiger-by-the-tail/

No cartoon económico acima, CRISE ECONÓMICA É ANIMAL FEROZ, o animal

feroz que representa a crise económica está a ser alvo de domesticação, o que

é representado pelo homem engravatado que lê um livro de instruções, para

levar a cabo a difícil tarefa de domesticação do tigre. Este metaforicamente

representa a economia, conforme assinalado modo não visual, referindo-se,

muito provavelmente, à economia chinesa que é designada pelo próprio regime

político chinês de “tigre asiático”.

É de notar que estas economias asiáticas emergentes são dotadas de extrema

agressividade, pelo que se afigura necessário proceder à sua domesticação,

tarefa que necessita do apoio do dito manual de autoajuda que contém preciosas

recomendações para os passos a seguir em todo o processo.

69

5.8 CRISE ECONÓMICA É EXPLOSÃO

Iremos agora analisar a metáfora multimodal CRISE ECONÓMICA É

EXPLOSÂO, dado que a confluência de texto-imagem se afigura de particular

interesse para o nosso estudo.

CRISE ECONÓMICA É EXPLOSÃO

Figura 19

Fonte: https://tglovinitx3.wordpress.com/2014/10/

Na representação multimodal da metáfora CRISE ECONÓMICA É EXPLOSÃO

observamos que os elementos alvo de explosão, constante do site de economia

acima referido são o dinheiro, concretamente o dólar bem como os edifícios de

Wall Street, representação metonímica da bolsa de Nova Iorque. Destaque-se

ainda o dístico for Sale com uma seta para baixo, em que é representada a bolsa

em queda.

Em termos técnicos, a rutura periódica do equilíbrio entre produção e consumo

traz como consequência o desemprego, falência, alteração dos preços e

70

depreciação dos valores dos imóveis. Como se refere no modo verbal, os

edifícios após a dita explosão, ou seja, como consequência da crise económica,

foram colocados à venda, mas não encontraram comprador. De facto, as

transações de bens imóveis não se afiguram fáceis, levando privados e

instituições bancárias a acumular património não vendável, o que torna a crise

económica particularmente gravosa.

5.9 CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL

Constatamos que um dos domínios-fonte mais produtivos dos cartoons sobre a

crise económica é o domínio das CATÁSTROFES NATURAIS, na senda, aliás

do estudo de cartoons sobre a crise económica da autoria de

Bounegru/Forceville (2011). A imagem multimodal que iremos analisar na

ilustração abaixo foi retirada de um site de economia.

CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL

Figura 20

Fonte: http://www.toonpool.com/cartoons/Tsunami_119590

71

A imagem metafórica de CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL é

inteiramente construída em modo visual, que nos remete para a incapacidade de

sobrevivência de um barco de papel, extremamente frágil, a um tsunami,

verdadeiramente avassalador. Fica claro que os bens, representados pelo barco

de papel, não vão resistir à violência da crise, representada por um tsunami de

proporções gigantescas que representa a não menos avassaladora crise

económica. Vemos ativadas na imagem as metáforas de poder, IMPORTANTE

É GRANDE E PODER/CONTROLO É EM CIMA (Goatly 2007: 33-35), em que

vence a entidade mais gigantesca porque mais poderosa.

CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL

Figura 21

72

Fonte: http://radioholicz.com/media/jokes-yang-tidak-pada-tempatnya.html

Mais uma vez, temos a configuração multimodal da crise económica na base da

metáfora conceptual CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL, em que

a crise económica é concebida como se fosse um tsunami, identificado como tal

no modo linguístico. Registe-se que o seu impacto será ainda mais avassalador,

já que a onda já vem carregada de destroços que foi acumulando ao longo do

seu percurso. Esta ameaça vai abater-se inevitavelmente sobre o pobre banhista

em fuga, cuja expressão facial revela estar em estado de pânico. De facto, não

é possível fugir ao impacto de uma força gigantesca em movimento de cima para

baixo, tal como não é possível resistir a uma crise económica de grandes

proporções.

CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL

73

Figura 22

Fonte: http://www.stuartmcmillen.com/commissioned/geoscience-australia-

illustrations/

O cartoon económico acima, retirado de um site australiano sobre economia,

representa, mediante uma metáfora visual, um cenário paradisíaco de uma praia

tropical, ornada de palmeiras e habitada por animais exóticos. Contudo, este

cenário paradisíaco, que podemos associar a um paraíso fiscal, está ameaçado,

uma vez que surge um tsunami, leia-se a crise económica, que irá tudo varrer à

sua passagem. Ao ser humano não resta outra alternativa se não fugir, ou seja,

tentar sair ileso da crise económica. Esta tentativa de fuga é visualizável pela

tentativa que ele enceta de escapar com vida a este fenómeno catastrófico,

verdadeiramente destruidor, que tudo arrasta à sua passagem.

74

CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL

Figura 23

Fonte: http://englishadmin.com/2013/08/example-of-explanation-text.html

Trata-se de uma metáfora unicamente em modo visual, em que se representa a

crise económica na base de uma onda com vários metros de altura que já

provocou estragos assinaláveis como o arrastamento do farol. No plano

semiótico, a imagem revela-se muito relevante, pois a destruição do farol, que

tem por função evitar que os navios possam ficar em riscos de naufrágio, é um

anúncio claro da inevitabilidade das consequências do fenómeno natural de tão

grande proporção. Reportamo-nos necessariamente à metáfora conceptual,

identificada por Bounegru/Forceville (2011:215), VICTIM OF FINANCIAL CRISIS

IS A DROWNING PERSON, mas, neste caso, o afogamento da figura humana

no cartoon afigura-se como previsível.

75

Enquanto todas as entidades do mundo animal fogem à frente do tsunami, um

incauto surfista, que representa metaforicamente um investidor desprevenido,

prepara-se para enfrentar a onda gigante, sem calcular devidamente os riscos

deste seu ato temerário.

CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL

Figura 24

Fonte: http://tunnelwall.blogspot.pt/2013/02/krauthammer-on-rubio-plan-

immigration.html

A metáfora CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL reporta-se no

cartoon retirado de um blogue, pela relação entre o modo visual, em que figura

um tsunami e o modo linguístico, a saber, “3 MILLION ILLEGAL ALLIENS PER

YEAR”. Este identifica a causa uma parte considerável da crise, o número de

operações ilegais que deram origem à crise económica, pelo que se trata de uma

metonímia de causa-efeito.

A Estátua da Liberdade, símbolo emblemático de Nova Iorque, sede da crise

económica, encontra-se já em desequilíbrio e verdadeiramente assustada com

76

o impacto deste fenómeno natural, cujas causas económicas se encontram bem

identificadas.

CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL

Figura 25

Fonte: http://goodmorningkeywest.com/wp-ontent/uploads/2013/10/tsunami.jpg

Desta vez, o assustador tsunami, que representa a avassaladora crise

económica, encontra-se personificado por uma figura gigante com traços

fisionómicos asiáticos e de contornos animalescos. Trata-se, assim de uma

metáfora ontológica que é englobada na metáfora multimodal CRISE

77

ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL. É por demais evidente que o ser

humano desprevenido e francamente assustado, com os olhos a saírem das

órbitas, que se encontra confortavelmente a gozar o seu desafogo económico,

metonimicamente representado pela mala marcada com o símbolo do dólar, não

vai ter qualquer hipótese de resistir a esta situação de catástrofe.

CRISE ECONÓMICA É CATASTROFE NATURAL

Figura 26

Fonte: https://i.ytimg.com/vi/JOnODPy-_l4/hqdefault.jpg

No cartoon económico acima vemos representado um elemento visual central,

uma onda gigante, que é personificada por uma figura humana, o que configura

uma metáfora ontológica que ocorre no seio da metáfora conceptual CRISE

78

ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL. Como se costuma dizer

vulgarmente, a crise económica tem um rosto, neste caso, o ser humano-onda

que arrasta, à sua passagem, o “porco capitalista”, uma metáfora

convencionalizada de cunho marxista, bem como o Bank of America,

representação metonímica de todo o sistema bancário americano.

CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL

Figura 27

Fonte: http://becuo.com/cartoon-tsunami

A configuração multimodal em apreço, CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE

NATURAL emerge da representação de uma pequena ilha paradisíaca que,

como se vislumbra no modo visual, será engolida por uma onda verdadeiramente

79

gigante. Apesar disso, os seus habitantes resolvem ficar à espera, na expectativa

de não serem engolidos por ela, conforme bem patente no modo linguístico.

Desta forma se representa o facto de os investidores acreditarem que vão

escapar ilesos à crise económica, apesar da sua dimensão gigantesca.

80

CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL

Figura 28

Fonte: http://jobsanger.blogspot.pt/2011/03/tragedy.html

O cartoon em análise, CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL é

representada no blogue em apreço, no modo visual, por um naufrágio, na

sequência do qual os bens foram arrastados pelas águas do mar. É pelos olhos

do monstro que chora que a crise económica é percecionada, dado que, no modo

verbal, o próprio monstro relata que nunca viu um monstro semelhante a este. É

uma configuração multimodal muito curiosa, em que nos é veiculada uma visão

histórica da crise económica, frisando que não há memória de um cataclismo

económico desta ordem.

Registe-se que o monstro segura a bandeira japonesa na mão, que nos remete

para a crise económica num país asiático do extremo oriente, e,

consequentemente, localiza a crise à escala global.

81

Na imagem abaixo está representada a crise económica enquanto catástrofe

natural, na base de uma onda gigante, elemento central do modo visual.

Claramente o fragmento do modo verbal “what happened…..” nos remete para a

necessidade de narrar uma história da crise nesta zona do continente asiático.

CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL

Figura 29

Fonte: http://www.cartoonaday.com/japan-tsunami-cartoon-and-worse-things

A imagem ilustrada da crise económica remete-nos para o caso particular da

pujante economia japonesa, metonimicamente representada pela bandeira do

Japão, que, de repente, é engolida pelo tsunami, de forma abrupta e inesperada.

82

Ao analisarmos atentamente verificamos que o tsunami que metaforicamente

representa a crise económica, varre território japonês, levando consigo diversas

embarcações que correm risco de ir ao fundo.

Registe-se que a fragilidade das embarcações contrasta com o tamanho

gigantesco da onda, pelo que não haverá qualquer possibilidade de fugir ou

mesmo de a evitar. Mais uma vez, a irreversibilidade do fenómeno da crise está

bem patente nesta representação pictórica de elementos de grandeza muito

diferente.

83

CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL

Figura 30

Fonte: http://www.koreatimes.co.kr/www/news/opinon/2010/09/137_33371.html

A imagem metafórica veiculada pelo cartoon acima, retirada do site online do

Koreatimes ilustra, apenas em modo visual, um menino a construir um castelo

na areia que inesperadamente vai ser destruído por uma onda gigante.

Podemos, naturalmente, associar esta configuração multimodal à metáfora

identificada por Bonegru/Forceville (2011: 215): BANKER BUILDING

FINANCIAL EMPIRE IS CHILD BUILDING A SAND CASTLE.

A analogia conceptual estabelecida entre domínio-fonte e domínio-alvo da

metáfora é evidente, a saber, tal como a criança indefesa perante um fenómeno

natural avassalador não tem possibilidade de escapar ilesa, assim também o

investidor incauto também não consegue escapar ileso à crise.

84

Não é apenas o castelo que está em risco de se perder, mas também a vida da

própria criança que ficará em perigo, o que nos remete para as situações muito

difíceis vividas pelos investidores ou pelas pessoas que pediram empréstimos

bancários e que não os puderam pagar.

CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL

Figura 31

Fonte: http://www.toonpool.com/cartoons/tsunami_118973

A figura metafórica acima representa a crise económica personificada por uma

baleia que tudo engole à sua passagem. Tal como em exemplos anteriores,

temos duas metáforas que se encontram articuladas na imagem, a metáfora

ontológica, em que a onda gigante se encontra personificada numa baleia, e a

metáfora conceptual propriamente dita, CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE

NATURAL.

85

Os dentes bem afiados da baleia, um predador de grande porte, evidenciam

claramente a sua imensa agressividade, o que significa que o perigo da crise

económica é verdadeiramente incontornável.

Em suma, podemos dizer que é a vivência direta ou a experiência indireta,

através dos média ou da ficção em geral, de visualização de tsunamis,

enxurradas e ondas gigantes de efeito destrutivo que faz com as imagens

metafóricas da crise económica sejam entendidas de forma relativamente

simples pelo público em geral a quem se destinam os cartoons de economia.

6 - Algumas considerações sobre a conceptualização da crise económica

Neste ponto resolvemos introduzir alguma reflexão sobre a conceptualização da

crise económica, conforme patenteada nos cartoons de economia na imprensa

internacional que foram objeto de análise na presente dissertação.

A primeira constatação é que o mundo económico é configurado com base em

outros mundos já pré-existentes, conforme claramente apontado por Grabes

(2010:51): Worldmaking as we know it always starts fom worlds already at hand;

the making is remaking.

De facto, para construir os cartoons multimodais retirados de sites ou blogues

das mais diferentes proveniências geográficas foi necessário recorrer a outros

mundos já conhecidos. Esta forma de conceptualização da crise económica em

cartoons acaba por ser extensível a várias línguas e culturas, conforme ficou

patente no acervo de sites em várias línguas, que procuram ilustrar o fenómeno

da crise económica do ponto de vista subjetivo do próprio cartoonista, mas que

naturalmente recorrem a ferramentas conceptuais gerais, como é o caso das

metáforas e das metonímias conceptuais.

As visões do mundo da crise económica revelam este carácter transversal das

metáforas e metonímias conceptuais que tornam a tradução, de certa forma

dispensável. Tal como Kövecses (2005:15) postula: “metaphors not only reflect

86

prevailing cultural models, but they also fashion or even constitute cultural

models.”

Longe de constituírem um ornato supérfluo, as metáforas constituem os pilares

da nossa forma de representação cultural do mundo, conforme pudemos apurar

ao longo da realização da presente tese de mestrado.

Convém, porém, sublinhar que os esquemas imagéticos, enquanto padrões pré-

conceptuais da experiência, desempenham um papel da maior relevância no

entendimento transcultural dos cartoons, como aliás, apontado por Pérez

Hernández (2015:62-63) no contexto da arquitetura conceptual das marcas

globais em publicidade.

No caso da conceção dos cartoons económicos estudados, também frisamos a

extrema importância das metonímias, sobretudo parte-todo, todo-parte,

subsumíveis à fórmula B por A, que se distinguem das metáforas, condensáveis

na fórmula A é B (cf. Forceville 2009:56).

Portanto, gostaríamos de sublinhar que o modo de imagem que veicula cada

uma das metáforas multimodais, por si só, aliado à legenda que acompanha o

site ou o blogue onde se encontra cada um dos cartoons se reporta a uma

experiência humana que torna quase dispensável o modo linguístico destas

configurações claramente criativas.

Nesta mesma linha, numa análise multimodal dos cartoons em contexto de

tradução, também a tradução propriamente dita se figura dispensável, até

porque não se procura estabelecer equivalências interlinguísticas, mas antes

analisar a construção das configurações multimodais na mente quer do

cartoonista, quer do público a quem os cartoons se destinam, tendo por base a

afirmação de Rojo, A./Ibarretxe-Antuñano, I. (2013:13) de que:

From a Cognitive Linguistics point of view, the translational act would

compromise the activation and selective use of several particular kinds of

knowledge filtered through the translator’s cognitive process. The search for

equivalence would no longer be the search for identifiable linguistic features, but

the search for a complex set of links in the translation’s mind, and the aim of a

87

translation theory would be to explain aspect related to how these links are

cognitively represented or cognitively processed. (…) (sublinhados nossos).

Registe-se que a análise multimodal do acervo de cartoons concebidos por

cartoonistas oriundos de diversas línguas e culturas provou precisamente que

são absolutamente determinantes as experiências culturais e sociais dos

domínios-fonte das metáforas conceptuais, bem como as próprias metáforas

conceptuais enquanto alicerces do nosso sistema conceptual humano, na base

da qual se estabelece uma ponte conceptual para a descodificação dos

significados encerrados nos cartoons económicos.

88

7. Observações finais

Comprovámos, através da presente dissertação, que um conjunto de metáforas

conceptuais são a base fundamental dos cartoons multimodais de economia, a

saber, CRISE ECONÓMICA É CATÁSTROFE NATURAL. Também ocorrem

pontualmente outras representações, a saber, CRISE ECONÓMICA É FARDO,

CRISE ECONÓMICA É CRIME e ECONOMIA É ANIMAL FEROZ.

Note-se que no registo multimodal dos cartoons sobre a crise económica e sobre

a economia que analisámos não figuram as metáforas conceptuais CRISE

ECONÓMICA É DOENÇA ou CRISE ECONÓMICA É GUERRA. A explicação

que encontramos reside no facto de qualquer destas representações em

cartoons nos remeterem para processos de alguma duração no domínio-fonte,

como é o caso da doença ou da guerra, ao passo que no epicentro destas

imagens multimodais está o conceito de situações súbitas, de extrema violência

e, como tal, irreversíveis.

Por outro lado, a predominância do modo visual nos cartoons analisados deve

ser sublinhada, mesmo tratando-se de cartoons, em que esta configuração

sobretudo visual já era esperada, de alguma forma.

Registe-se que aos cartoons analisados radicam em domínios-fonte da nossa

experiência comum, QUEDA e CATÁSTROFE NATURAL, pelo que não se

afigura necessário nem recurso a segmentos de texto de alguma extensão, nem

mesmo o recurso à tradução de forma sistemática. As ilustrações, ou seja, o

modo visual, encontrado para representar estes dois tipos de experiência no

mundo, constituem uma ponte conceptual, ancorada na experiência física,

suficientemente clara e precisa, que dispensa até mesmo tradução.

Como afirmado por Tabakowska (1993: 111), “(…) translation equivalence

should be established on the level of imagery”.Logo, as metáforas conceptuais,

ancoradas na experiência física e necessariamente ativadas na mente do

público-alvo pelos cartoons económicos são por demais relevantes e evidentes,

tornando desnecessária a sua tradução interlinguística, uma vez que, através

das imagens dos cartoons, se procede à activação de domínios da experiência

89

interculturais sobre a crise económica que constituem a fonte das metáforas

conceptuais que neles vigoram.

90

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