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Microbiologia AGENTES BACTERIANOS – BETALACTÂMICOS

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Microbiologia

AGENTES BACTERIANOS – BETALACTÂMICOS

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• BETALACTÂMICOS

O mecanismo de ação mais comum dos antibióticos é a interferência com a síntese de parede celular e a maior parte dos antibióticos que agem dessa forma compartilham como característica comum a presença de um anel β-lactâmico em sua estrutura, o que lhes confere a classificação como β-lactâmicos. As principais classes de β-lactâmicos são as penicilinas, as cefa-losporinas, os carbapenêmicos e os monobactâmicos.

• MECANISMO DE AÇÃO DOS β-LACTÂMICOS

Para entender o mecanismo de ação dos β-lactâmicos é fundamental entender a composição da parede celular. O componente principal da parede celular da maioria das bactérias é a camada de peptidoglicana, que consiste numa cadeia de dissacarídeos entrelaçada por pontes peptídicas, formando uma cobertura rígida para a bactéria.

A parede das Gram positivas conta com apenas uma camada de membrana plasmática e uma espessa camada de peptidoglicana, o que confere maior fixa-ção do corante cristal violeta, que confere sua coloração arroxeada, no método de Gram. A Parede das Gram negativas conta com duas camadas de mem-brana, uma membrana plasmática, que não faz parte da parede celular e outra membrana externa, com um espaço periplásmico entre elas, onde se encontra uma fina camada de peptidoglicana, motivo pelo qual o corante cristal violeta não se fixa e é removido durante o método de Gram, que confere sua coloração avermelhada. O Lipopolissacarídeo é um componente característico da mem-brana de Gram negativos e funciona como fator de virulência, em alguns casos.

Os esquemas abaixo comparam as características fundamentais das paredes celulares de Gram positivas e Gram negativas.

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A construção dessas cadeias e das ligações é catalisada por enzimas chamadas “proteínas de ligação à penicilina” (do inglês, PBPs), pois são o sítio de ação dos β-lactâmicos. Quando as bactérias são expostas a esses antibióticos, eles se ligam a PBPs específicas na parede e inibem a montagem das cadeias de peptidoglicana. Como resposta, ocorre ativação de autolisinas que degradam a

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parede, o que resulta na morte da bactéria. Por essa razão, a maioria dos β-lactâmicos é classificada como bactericida.

• RESISTÊNCIA AOS β-LACTÂMICOS

As bactérias podem se tornar resistentes aos β-lactâmicos por diferentes me-canismos. As bactérias gram-negativas possuem uma membrana externa que recobre a cadeia de peptidoglicana e dificulta a passagem dos beta-lactâmicos. O fármaco só consegue penetrar através de poros na membrana. Logo, altera-ções nas proteínas que formam os poros, as porinas, podem impossibilitar a passagem do fármaco pela diminuição do tamanho, ou mesmo impeli-lo por mudança das cargas elétricas. Pseudomonas aeruginosa é um exemplo de bactéria que utiliza esse mecanismo.

Algumas espécies de bactérias são capazes de interferir na ligação do β-lactâmico com as PBPs por meio de alterações na sua estrutura ou mesmo aquisição de novas PBPs por recombinação. Staphylococcus aureus resistente

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à meticilina (MRSA) se utiliza desse mecanismo, assim como algumas cepas de Streptococcus pneumoniae e de Enterococcus faecium.

Por fim, algumas bactérias são capazes de produzir enzimas que degradam o anel β-lactâmico dos antibióticos, neutralizando sua atividade bactericida, que são as β-lactamases. Existem muitos tipos de β-lactamases, algumas específi-cas para penicilinas (penicilinases), cefalosporinas (cefalosporinases), ou car-bapenêmicos (carbapenemases), e algumas que inativam a maioria dos β-lactâmicos.

Dois tipos que merecem destaque são as β-lactamases de espectro estendido (do inglês, ESBLs), que inativam todas as penicilinas e cefalosporinas, deixando de fora apenas os carbapenêmicos, e as carbapenemases, que inativam, inclu-sive, os carbapenêmicos. Esses tipos de β-lactamases são tipicamente produzi-das por gram-negativos, como Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Pseu-domonas aeruginosa.

• INIBIDORES DE β-LACTAMASE

Uma estratégia muito útil para superar as β-lactamases é associar os β-lactâmicos com inibidores da β-lactamase, que não possuem atividade antimi-crobiana em si, mas se ligam irreversivelmente às enzimas que degradariam o anel β-lactâmico, inativando-as, permitindo a ação do antibiótico que o acom-panha.

Alguns exemplos são o ácido clavulânico, o sulbactam e o tazobactam. Recen-temente foram disponibilizados inibidores de β-lactamase capazes de superar até mesmo as carbapenemases, como é o caso do avibactam, que pode ser associado à ceftazidima, ou o vaborbactam, que pode ser associado ao Mero-penem, como opções para o combate às produtoras de carbapenemase.

• PENICILINAS A penicilina foi o primeiro antibiótico a ser descoberto e, durante muitos anos,

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foi a principal arma na batalha contra agentes infecciosos bacterianos, antes da emergência de cepas resistentes e do desenvolvimento de antibióticos mais modernos. Existem muitos fármacos na classe das penicilinas e sua classifica-ção pode ser feita de diversas formas, sendo a mais comum a que leva em con-ta o seu espectro de ação.

1) Penicilinas Naturais

As penicilinas naturais são os antibióticos mais antigos. São as penicilinas com nome de “Penicilina”. A Penicilina G não sobrevive à acidez gástrica, logo, deve ser usada por via parenteral e pode ser apresentada na forma cristalina ou benzatina. A principal diferença é a via de administração, que costuma ser in-travenosa, no primeiro caso, e intramuscular, no segundo.

A Penicilina G cristalina tem uma aplicabilidade especial pois penetra a barreira hematoencefálica, podendo ser usada no tratamento de infecções do sistema nervoso central, como a neurossífilis (sífilis terciária). A penicilina G benzatina conta com um estabilizador, que leva a liberação e absorção muito prolonga-das, durando de 2 a 4 semanas em atividade no organismo após a aplicação. A Penicilina G benzatina é a principal droga usada no tratamento da sífilis (exceto neurossífilis e sífilis neonatal), e da febre reumática.

A penicilina G procaína não conta com esse estabilizador, mas promove vaso-constrição no local de injeção, tendo liberação e absorção prolongadas, mas bem menos duradoura do que a benzatina, tendo que ser administrada a cada 12h. A penicilina G procaína é usada para tratamento da sífilis em neonatos, em que é necessário ter maior controle sobre os níveis séricos da droga.

Já a Penicilina V resiste à acidez gástrica e pode ser usada por via oral. O seu uso, atualmente, é limitado, mas pode incluir a profilaxia da febre reumática, em pacientes com indicação.

O espectro de ação de todas é semelhante e se limita, de maneira geral, a bac-térias gram-positivas que não ofereçam mecanismos de resistência, como a

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produção de penicilinases. São a droga de escolha para o tratamento das infec-ções por bactérias do gênero Streptococcus, sendo usadas para tratamento e profilaxia da febre reumática, provocada pela infecção por S. pyogenes, ou de infecções causadas por cepas sensíveis de S. pneumoniae. Além disso, são a principal droga para tratamento da sífilis, causada pela espiroqueta Treponema pallidum, e são uma opção para leptospirose nas suas formas mais graves, causada por outra espiroqueta, Leptospira interrogans, se administradas por via parenteral. Outras bactérias que podem ser sensíveis às penicilinas incluem Listeria monocytogenes, Corynebacterium diphtheriae, Neisseria meningiti-dis e Enterococcus faecalis.

As penicilinas naturais não são eficazes contra praticamente nenhuma espécie de Staphylococcus, incluindo o temido S. aureus, pois a quase totalidade dos representantes desse gênero produz penicilinases, que são enzimas que inati-vam as penicilinas naturais.

2) Penicilinas Antiestafilocócicas

As penicilinas antiestafilocócicas são basicamente representadas pela Oxacili-na. Existiam outros antibióticos nesse grupo, como a nafcilina e a meticilina, porém, atualmente, a mais usada é a oxacilina. Cloxacilina, Dicloxacilina e Flucloxacilina são opções mais modernas para uso oral, já que a Oxacilina só existe na apresentação parenteral.

Seu espectro de ação é semelhante ao das penicilinas naturais, porém com o acréscimo do gênero Staphylococcus sp. que, quase sempre, é produtor de penicilinases naturalmente. Desse modo, além das gram-positivas sensíveis do gênero Streptococcus, a Oxacilina também tem ação sobre Staphylococcus au-reus e estafilococos coagulase negativos, como S. epidermidis.

Uma preocupação crescente em infecções hospitalares, e até comunitárias, é a emergência de cepas de S. aureus resistentes à oxacilina (do inglês, MRSA, se referindo à meticilina, que é do mesmo grupo). Nesses casos, nenhuma das pe-nicilinas apresenta eficácia, sendo necessário o emprego de outro β-lactâmico,

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como o Ceftaroline (Cefalosporina de 5a geração), ou da Vancomicina, um gli-copeptídeo. Esse mecanismo de resistência é codificado pela expressão dos genes mecA e mecC, que produzem uma PBP (proteína de ligação à penicilina) modificada, à qual as penicilinas não conseguem se ligar, deixando de exercer atividade bactericida.

3) Aminopenicilinas

As aminopenicilinas, representadas pela Ampicilina e pela Amoxicilina, são também chamadas de “penicilinas de espectro amplo”, pois apresentam ativi-dade contra alguns gram-negativos, como as dos gêneros Proteus, Borrelia, Neisseria e Chlamydia, mantendo o espectro das penicilinas naturais contra gram-positivos. Não têm atividade contra Staphylococcus, pois são inativadas pelas penicilinases.

Se combinadas a inibidores da β-lactamase, como ácido clavulânico ou sulbac-tam, seu espectro é ainda mais ampliado, passando a abranger passando a abranger S. aureus e outros estafilococos, enterobactérias (como Escherichia, Salmonella, Shighella, Campylobacter), Haemophilus, além de Gram negativos anaeróbios.

O componente Sulbactam faz com que Ampicilina-Sulbactam tenha atividade contra o temido Acinetobacter baumannii, um Gram negativo da família dos não fermentadores, mas seu uso só é eficaz em altas doses e para cepas sensí-veis.

4) Penicilinas Antipseudomonas

As penicilinas antipseudomonas recebem esse nome por serem as únicas peni-cilinas com ação contra Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria gram-negativa não fermentadora, da mesma classe de Acinetobacter, que conta com mecanismos especiais de resistência. Seu principal representante é a Piperaci-lina, especialmente na sua forma combinada com o tazobactam, um inibidor da β-lactamase.

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Piperacilina-tazobactam tem um grande espectro contra gram-negativos, inclu-indo as enterobactérias dos gêneros Serratia, Morganella, Shighella, Yersinia, Salmonella e Providencia, além de manter o espectro para gram-positivos se-melhante às aminopenicilinas com inibidor da β-lactamase.

O amplo espectro de Piperacilina-Tazobactam é quase idêntico ao dos carba-penêmicos, que são os β-lactâmicos com espectro mais amplo de todos. A principal diferença está nas enterobactérias produtoras de β-lactamases de espectro estendido (ESBL), que possuem uma β-lactamase capaz de inibir a ação de todos os β-lactâmicos, exceto os Carbapenêmicos e algumas cefalos-porinas avançadas associadas a inibidores da β-lactamase mais modernos, co-mo Ceftazidima-Avibactam e Ceftolozane-Tazobactam. As enterobactérias produtoras de ESBL são a principal situação na qual se indica um carbapenêmi-co no lugar da Piperacilina-Tazobactam.

A tabela abaixo resume as principais penicilinas agrupadas por classes e mos-tra, de forma resumida, o seu espectro de ação. Os quadrados vermelhos signi-ficam que o antibiótico na coluna não tem ação contra o patógeno na linha, en-quanto os quadrados verdes representam que há ação.

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• CEFALOSPORINAS

As cefalosporinas são uma classe β-lactâmicos com mecanismo de ação seme-lhante ao das penicilinas, isto é, inibição das PBP com consequente interrupção da síntese de parede celular e morte da bactéria. A principal diferença entre as cefalosporinas e as penicilinas é a fusão do anel β-lactâmico com um anel de dihidrotiazina. Seu princípio ativo é derivado do fungo Cephalosporium. As cefalosporinas têm um espectro de ação mais amplo se comparadas às penici-linas, além de maior resistência a algumas β lactamases e maior tempo de meia vida.

As cefalosporinas têm um espectro de ação mais amplo se comparadas às pe-nicilinas, além de maior resistência a algumas β lactamases e maior tempo de meia vida. Elas são classificadas em gerações, de acordo com o espectro de ação.

1) Cefalosporinas de Primeira Geração

As de primeira geração, também chamadas de cefalosporinas de espectro es-treito, tem ação sobre gram positivos semelhante à oxacilina, ou seja, cobrem o Staphylococcus aureus sensível a meticilina (MSSA), com a adição de poucos gram-negativos, como Escherichia coli, Proteus mirabilis e Klebsiella.

Os principais representantes são a cefalexina, o cefadroxil e a cefalotina, ad-ministradas por via oral, e a cefazolina, por via intravenosa.

A dica para memorizar é o radical “cefa" semelhante a “cefa”losporinas.

2) Cefalosporinas de Segunda Geração

As cefalosporinas de segunda geração, também chamadas de cefalosporinas de espectro expandido, ampliam sua cobertura para gram negativos, passando a incluir o Haemophilus influenzae.

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Os principais representantes dessa geração são a cefuroxima, o cefaclor, a ce-foxitina e o cefotetan. Estas duas últimas têm a propriedade especial de cobrir alguns anaeróbios, como as espécies do gênero Bacteroides, e são chamadas de cefamicinas. A diferença estrutural entre as cefamicinas e as cefalosporinas é a presença de oxigênio no lugar de enxofre no anel de dihidrotiazina.

A dica para memorizar é o radical “cefo/cefu" que é diferente do “cefa" das de primeira geração. A exceção a essa regra é o cefaclor.

As Cefamicinas podem apresentar sensibilidade in vitro, isto é, pelo antibio-grama feito em laboratório, a cepas de enterobactérias produtoras de ESBL (β-lactamase de espectro estentido). No entanto, seu uso clínico para tratar essas cepas não é viável, uma vez que existe muito pouca evidência de que esse per-fil se confirme in vivo, além do fato de existir relato de indução de resistência por ESBL com o uso dessas drogas.

3) Cefalosporinas de Terceira Geração

As cefalosporinas de terceira geração, também chamadas de amplo espectro, são divididas de acordo com sua atividade contra Pseudomonas aeruginosa. Ceftriaxone e Cefotaxima têm atividade contra a maioria das enterobactérias, como Campylobacter, Morganella, Providencia, Serratia, Escherichia, Klebsiella, mas não contra P. aeruginosa, enquanto a Ceftazidima tem. Ceftriaxone e Ce-fotaxime ainda têm eficácia contra Neisseria, e são capazes de penetrar a bar-reira hemato-encefálica, sendo usadas para tratar meningite, enquanto Ceftria-xone é um dos antibióticos com melhor penetração na bile, sendo de escolha para tratar infecções nesse sítio . Além disso, Ceftriaxone tem eficácia contra as espiroquetas Leptospira e Treponema.

A dica para gravar é o radical “ceft" que tem o “t" de “t"erceira geração.

Vale ressaltar que, apesar do amplo espectro de ação, essas cefalosporinas são inativadas por β lactamases de espectro estendido (ESBL) e β-lactamases cromossomiais de Classe C, chamadas AmpC, que podem aparecer como sen-

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síveis in vitro para algumas cefalosporinas, mas in vivo, conferem resistência às cefalosporinas até a 3ª geração. Esse fenômeno acontece porque as AmpC são enzimas induzíveis, ou seja, passam a ser mais expressas quando a bacté-ria entra em contato com antibióticos de amplo espectro. Por isso, muitas ve-zes, quando o antibiograma é feito, a bactéria ainda não teve contato com os antibióticos e ainda não expressa a enzima, mas quando é iniciado o curso de antibióticos, a enzima é expressa e a bactéria se torna resistente.

4) Cefalosporinas de Quarta Geração

A quarta geração das cefalosporinas, chamada de espectro estendido, tem como único representante o cefepime, que mantém atividade contra Pseudo-monas, mas tem uma estrutura que permite penetração mais rápida pela pare-de celular, conseguindo escapar de alguns mecanismos de resistência, tendo maior ação contra enterobactérias hospitalares. Pode ser eficaz contra produto-res de AmpC cromossomal, mas normalmente depende de altas doses para isso.

Sua eficácia contra produtores de ESBL, no entanto, é variável, e depende de doses bem altas da droga contra bactérias com MIC baixo.

5) Cefalosporinas Avançadas - Quinta Geração

As cefalosporinas avançadas são representadas pelo Ceftaroline, de quinta geração, que tem atividade melhorada contra gram positivos resistentes, como o Staphylococcus aureus resistente a Meticilina (MRSA) e mesmo à Vancomi-cina (VRSA). Isso é possível pois o Ceftaroline consegue se ligar à PBP2a, que é a PBP modificada que confere resistência de S. aureus a todas as outras cefa-losporinas.

Ceftaroline é inativado pelas ESBL ou AmpC, apresentando um padrão seme-lhante às Cefalosporinas de 3ª Geração para Gram negativos, o que coloca essa droga como de uso principal contra Gram positivos multirresistentes.

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6) Cefalosporinas Avançadas - Associadas a inibidores de β-lactamases

Uma combinação recentemente aprovada para uso no Brasil consiste na com-binação da Ceftazidima, de terceira geração, com um inibidor da β lactamase não β-lactâmico, o Avibactam. Essa combinação tem atividade contra gram negativos multirresistentes produtores de ESBL, AmpC e mesmo de Carbape-nemases (como KPC). Outra combinação relativamente recente é a de uma no-va cefalosporina, o Ceftolozane, com um inibidor da β-lactamase não tão novo, o Tazobactam. Esta combinação tem eficácia contra produtores de ESBL e al-gumas cepas produtoras de AmpC, mas não é eficaz contra produtores de car-bapenemases. Ambas possuem atividade contra Pseudomonas aeruginosa.

Vale ressaltar que a adição do inibidor da β-lactamase não protege a cefalospo-rina de outros mecanismos de resistência, como a presença de bombas de efluxo, alteração das porinas, impedindo a penetração da droga pela membra-na externa da bactéria, entre outros. A produção de um tipo específico de β-lactamase, de classe B, chamadas metalo-β-lactamases (MBL), confere resis-tência a essas drogas, mesmo com os inibidores. Na verdade, as metalo-β-lactamases são carbapenemases que conferem resistência a todos os β-lactâmicos, à exceção do Aztreonam.

7) Alergia Cruzada

As cefalosporinas são, em geral, muito seguras com relação a eventos adver-sos, mas podem apresentar reações de hipersensibilidade, especialmente em pacientes com alergia comprovada a alguns outros β-lactâmicos que comparti-lham a mesma cadeia lateral que algumas cefalosporinas (alergia cruzada). Os principais exemplos são a Cefalexina, que apresenta a mesma cadeia que a Ampicilina, e a Ceftazidima, que apresenta a mesma cadeia que o Aztreonam.

Existe a possibilidade de dessensibilizar um paciente que apresente alergia ao Ceftriaxone e necessite receber essa droga para um tratamento adequado. O processo é feito com Ceftriaxone IV e deve ser realizado em ambiente de tera-pia intensiva, garantindo todos os cuidados necessários para intervenção ime-

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diata em caso de complicações. Assim como a dessensibilização da Penicilina, a dessensibilização ao Ceftriaxone só confere tolerância provisória, enquanto o paciente está recebendo a droga, não impedindo que ele apresente reações de hipersensibilidade no futuro.

8) Enterococcus

Uma observação importante é que as bactérias do gênero Enterococcus, que são cocos gram positivos, são naturalmente resistentes a todas as cefalospori-nas.

9) O futuro das cefalosporinas

Uma nova cefalosporina, chamada Cefiderocol, foi muito recentemente libera-da. Essa droga carrega algumas semelhanças com Ceftazidima e com Cefepi-me, além de algumas propriedades exclusivas.

Apresenta estabilidade superior a todas as outras cefalosporinas na presença de β-lactamases e consegue penetrar mais facilmente o espaço periplásmico de bactérias Gram negativas, exercendo sua função de se ligar às PBPs de forma mais rápida e eficiente, graças à sua natureza siderófora.

Com todos esses comemorativos, essa droga apresenta eficácia in vitro, e, em alguns casos, in vivo, contra TODAS as classes de β-lactamases, de A a D, in-cluindo, ESBL, AmpC, carbapenemases, como KPC, e MBL. Além disso, apre-senta eficácia especial contra o grupo dos Gram negativos não fermentadores, que é formado por bactérias com perfis complexos de resistência, natural ou adquirida, como Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii, Steno-trophomonas maltophilia e Burkholderia cepacia. Isso faz dessa droga um potencial grande aliado na luta contra as bactérias mais resistentes de que te-mos conhecimento.

Entretanto, vale salientar que, apesar de o surgimento de novas drogas, efica-zes diante das cepas multirresistentes, ser fundamental para a preservação da

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eficácia do uso de antibióticos, os esforços nesse sentido não são capazes de superar a velocidade com que as bactérias desenvolvem resistência. Desse modo, um braço fundamental nessa batalha é o gerenciamento de antimicrobi-anos, que, na prática, se refere ao uso adequado, consciente e comedido des-sas drogas, visando expor o mínimo possível as bactérias aos antibióticos, nu-ma tentativa de frear ou, pelo menos, desacelerar o desenvolvimento da resis-tência, preservando a eficácia dos antibióticos. Portanto, conheça-os bem e use-os com sabedoria e critério.

Esta tabela resume as principais cefalosporinas agrupadas por gerações e mos-tra, de forma resumida, o seu espectro de ação.

• CARBAPENÊMICOS

Os carbapenêmicos são os β-lactâmicos de maior espectro. São muito utiliza-dos no combate a infecções hospitalares ou polimicrobianas, sendo basicamen-te reservados a doentes críticos em internação hospitalar.

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1) Espectro de Ação

O espectro de ação dos carbapenêmicos inclui gram positivos sensíveis, como Staphylococcus sp. e Streptococcus sp., praticamente todos os Gram negativos do grupo das enterobactérias, como Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Proteus mirabilis, e alguns Gram negativos não enterobactérias, como Neisse-ria meningitidis e Moraxella catarrhalis. Têm como importante diferencial a ação contra Gram negativos não fermentadores, como Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii, além da cobertura contra anaeróbios Gram positivos e Gram negativos. O grande diferencial, entretanto, dos carbapenêmicos, em relação aos outros β-lactâmicos é a sua ação contra cepas produtoras de β-lactamases de espectro estendido (ESBL), que é uma das principais indicações do emprego de um carbapenêmico em lugar de uma penicilina ou cefalosporina de amplo espectro.

2) Resistência aos Carbapenêmicos

Como é possível perceber, a ação dos carbapenêmicos é predominantemente voltada para o tratamento de Gram negativos, apesar de eles terem ação contra MSSA (Staphylococcus aureus sensível à meticilina) e outros Gram positivos multissensíveis. No entanto, não podem ser usados para tratar nenhum Gram positivo multirresistente, como MRSA (Staphylococcus aureus resistente à me-ticilina), VRSA (Staphylococcus aureus resistente à vancomicina) ou VRE (En-terococcus sp. resistente à Vancomicina).

Algumas cepas de gram negativos são produtoras de carbapenemases, que são enzimas β-lactamases que inativam os carbapenêmicos. Os principais exemplos são algumas enterobactérias, especialmente Escherichia coli e Kleb-siella pneumoniae produtoras de carbapenemases (como a enzima KPC), que são chamadas de “enterobactérias resistentes a carbapenêmicos” (ERC). Essas cepas são resistentes a todos os β-lactâmicos, exceto à combinação de ceftazi-dima-avibactam e ao Cefiderocol.

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É crescente o número de relatos de isolados de Acinetobacter baumannii e Pseudomonas aeruginosa resistentes aos carbapenêmicos. Na verdade, muitas dessas cepas acrescentam à resistência aos β-lactâmicos a resistência a fluoro-quinolonas, aminoglicosídeos, sulfas e polimixinas, o que as caracteriza como Panrresistentes, pois, basicamente, não temos drogas conhecidas capazes de tratar essas infecções.

O problema é tão sério, que essas duas bactérias estão em primeiro e segundo lugar, respectivamente, na lista da OMS de prioridade para pesquisa e desen-volvimento de novas drogas. A prevalência de Acinetobacter resistente a car-bapenêmicos no mundo está na média de 50%, podendo ultrapassar 90% em alguns países.

3) Stenotrophomonas maltophilia

Uma última observação importante quanto ao espectro de ação dos carbape-nêmicos, é o fato de a bactéria Stenotrophomonas maltophilia, um Gram ne-gativo não fermentador, o mesmo grupo de Pseudomonas e Acinetobacter, é intrinsecamente resistente aos carbapenêmicos, diferentemente dessas outras bactérias, que podem ser sensíveis.

4) Os representantes

Os principais representantes da classe dos carbapenêmicos são o Meropenem, o Imipenem e o Ertapenem. Todos os 3 têm espectro de ação semelhante, mas cada um tem suas particularidades.

O meropenem é um dos mais usados carbapenêmicos e tem boa atividade contra todos os grupos de bactérias tipicamente cobertas pela sua classe, po-rém com atividade discretamente melhor contra gram negativos, se comparado ao imipenem.

O imipenem também tem atividade muito semelhante ao meropenem, porém com atividade relativamente melhor contra gram positivos.

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Um dos principais efeitos adversos dos carbapenêmicos são as convulsões, que podem, na verdade ocorrer com qualquer β-lactâmico em doses elevadas, mas é mais frequente nessa classe. O mecanismo é a redução do limiar convulsivo, ou seja, a quantidade de estímulo para desencadear uma convulsão se torna menor com o uso da droga.

Dentre os carbapenêmicos, o que está mais envolvido com a ocorrência de convulsões é o Imipenem, logo, seu uso deve ser evitado em pacientes com infecções ou lesões do sistema nervoso central. O risco com Meropenem é me-nor o suficiente para permitir seu uso nesse grupo de pacientes.

Imipenem reserva uma particularidade farmacocinética em relação aos outros carbapenêmicos, que é o fato de ser degradado pela enzima dehidropeptidase, no túbulo contorcido proximal dos néfrons, sendo necessária sua administração conjunta a um inibidor dessa enzima, normalmente a Cilastatina. Portanto, o Imipenem que usamos na prática clínica é, na verdade, Imipenem-Cilastatina. É importante ressaltar que a Cilastatina tem a função apenas de garantir a estabi-lidade do antibiótico, não influenciando em nada o seu espectro de ação (não é um inibidor de β-lactamase).

O Ertapenem apresenta maiores diferenças no espectro e na ação em relação ao meropenem e ao imipenem, pois não tem qualquer atividade contra Pseu-domonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii, e também não ultrapassa a barreira hemato-encefálica (BHE), não tendo ação sobre infecções do sistema nervoso central. Seu uso é útil em infecções fora do SNC que não sejam por Pseudomonas ou Acinetobacter, pois assim evita-se a pressão seletiva de ce-pas resistentes ao mero ou imipenem, e se preserva mais a flora bacteriana re-sidente.

5) Carbapenêmicos + Inibidores da β-lactamase

Meropenem-Vaborbactam é a combinação do Meropenem com um inibidor de β-lactamases de classe A e C, que incluem as carbapenemases séricas (como KPC), mas não as metalo-β-lactamases (MBL). Com a adição do Vaborbactam,

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o Meropenem passa a ter ação contra os ERC, especialmente Klebsiella sp. e E. coli produtoras de KPC.

A adição do Vaborbactam, não aumenta a eficácia dos carbapenêmicos contra P. aeruginosa, A. baumannii e S. maltophilia, nem contra enterobactérias pro-dutoras de MBL.

Imipenem-cilastatina + Relebactam é uma combinação nova, aprovada pelo FDA em 2019, que demonstrou maior eficácia para o tratamento de cepas re-sistentes aos carbapenêmicos do que a associação de Imipenem-cilastatina com Polimixinas, além de maior segurança (menos toxicidade). O espectro de ação parece ser semelhante ao de Meropenem-Vaborbactam.

A seguinte tabela resume os principais carbapenêmicos e mostra, de forma re-sumida, o seu espectro de ação.

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• MONOBACTÂMICOS

Os monobactâmicos são uma classe muito semelhante estruturalmente aos carbapenêmicos, porém com profundas diferenças no espectro de ação. A prin-cipal diferença dos monobactâmicos para os outros β-lactâmicos, é o fato de o anel β-lactâmico estar sozinho, e não ligado a um outro anel, daí o nome “mo-no”bactâmicos.

1) Espectro de Ação

O principal representante da classe é o aztreonam, que tem ação contra muitos gram negativos, incluindo Pseudomonas aeruginosa. Uma peculiaridade dessa droga é o fato de ser o único β-lactâmico com atividade contra metalo-β-lactamases (MBL), que são enzimas de classe B de Ambler capazes de hidroli-sar todos os outros β-lactâmicos e não é inibida nem pelos mais modernos ini-bidores da β-lactamase.

Por outro lado, porém não tem qualquer ação contra gram positivos e anaeró-bios; e não é eficaz contra gram negativos produtores de ESBL ou carbapene-mases e contra qualquer cepa de Acinetobacter baumannii, o que distancia bastante seu espectro de ação dos carbapenêmicos, aproximando-o mais aos aminoglicosídeos, por exemplo, que têm ação exclusiva contra Gram negativos.

Apesar da sua eficácia in vitro contra produtores de MBL, o seu uso para tratar essas cepas in vivo não é adequado, pois a maior parte das bactérias que pro-duzem MBL também produzem ESBL, que inativa o Aztreonam.

2) Alergia Cruzada

Aztreonam é bastante seguro com relação a efeitos adversos, porém deve-se atentar para história de reações de hipersensibilidade com o uso de Ceftazidi-ma, uma cefalosporina de terceira geração, pois ambas as drogas compartilham a mesma cadeia lateral, o que pode levar a uma alergia cruzada.

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3) Monobactâmico + Inibidor da β-lactamase

Está em estudo uma combinação do Aztreonam com um inibidor da β-lactamase recente, o Avibactam, com capacidade para neutralizar carbapene-mases serinas (classe A). A lógica por trás dessa nova droga é que o avibactam iniba a ação das enzimas ESBL ou carbapenemases sobre o Avibactam, que, por sua vez, ficará livre para neutralizar as MBL, conferindo um maior espectro de ação para a combinação.

A seguinte tabela resume os principais carbapenêmicos e o monobactâmico e mostra, de forma resumida, o seu espectro de ação.

• ALERGIA AOS β-LACTÂMICOS

Um dos maiores limitantes ao uso dos betalactâmicos são as reações de hiper-sensibilidade.

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1) A falsa alergia aos β-lactâmicos

Cerca de 10% dos pacientes apresentam relato de alergia à penicilina, sendo que, destes, 85-90%, na verdade, não apresentam alergia. Uma das razões pa-ra isso é o fato de casos de mononucleose infecciosa, causada pelo vírus Eps-tein-Barr (EBV), poderem ser confundidos com uma infecção bacteriana de vias aéreas superiores. Nesses casos, quando o paciente recebe a penicilina, devido a uma alteração temporária da imunidade por conta da infecção pelo EBV, aparece um rash cutâneo, em 90% dos casos, que pode ser confundido com uma reação alérgica. Isso é especialmente comum no uso das aminopenici-linas (Ampicilina e Amoxicilina). Após a resolução da infecção, em um futuro uso da penicilina, já não ocorre mais a reação com rash, o que confirma a etio-logia não alérgica para o rash.

2) A verdadeira alergia aos β-lactâmicos

Entretanto, existem casos em que, de fato, há alergia às penicilinas, que deve ser conhecida e informada sempre antes de iniciar um tratamento com antibió-tico, para evitar as reações, que podem ser muito graves.

As reações de hipersensibilidade podem ser de quatro tipos.

As do tipo I são as mediadas por IgE, que se manifestam com anafilaxia, angi-oedema, broncoespasmo e urticária, sendo as reações mais graves.

As do tipo II são caracterizadas por dano celular dependente de anticorpos, podendo se manifestar com anemia hemolítica induzida pela penicilina.

As do tipo III são mediadas por depósito de imunocomplexos, sendo o exem-plo clássico a doença do soro induzida por penicilina.

As do tipo IV são mediadas pela imunidade celular e podem se manifestar co-mo Síndrome de Stevens-Johnson ou DRESS (Reação a droga com eosinofilia e sintomas sistêmicos).

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3) Como investigar?

A investigação de um paciente com queixa de alergia à penicilina se inicia por uma boa anamnese, durante a qual deve-se tentar extrair as informações sobre os episódios anteriores de hipersensibilidade da forma mais precisa possível.

É importante buscar por relatos de anafilaxia, angioedema, broncoespasmo ou urticária, já que essas são as manifestações compatíveis com hipersensibilidade mediada por IgE, que são as mais preocupantes no contexto da alergia às peni-cilinas. Saber há quanto tempo aconteceu essa reação também é importante, pois cerca de 80% dos casos de alergia à penicilina mediada por IgE perdem sua sensibilidade num período de 10 anos.

Se houver tempo e a instituição da terapêutica não for emergencial, é ideal rea-lizar o teste cutâneo para confirmar a alergia à penicilina. Por fim, em casos em que for viável, o ideal é a dessensibilização, para permitir aquele tratamento. É importante saber que a dessensibilização não cura o indivíduo da alergia, ape-nas induz tolerância temporária.

4) Por que usar β-lactâmicos?

Os antibióticos β-lactâmicos são extremamente eficazes in vivo, e possuem espectro mais específico do que os outros antibióticos usados de maneira al-ternativa, além de terem menos efeitos colaterais, logo, a preferência pelo seu uso e a dessensibilização fazem parte do gerenciamento de antimicrobianos, um conceito que orienta a prescrição consciente de antibióticos e é nossa prin-cipal arma contra a crescente resistência antimicrobiana.

5) Dessensibilização

A dessensibilização deve ser realizada, preferencialmente, pela via oral, com uso de Penicilina V, mas pode também ser realizada pela via parenteral (sub-

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cutâneo, intramuscular, intravenoso), com uso de Penicilina G. Esse processo deve ser realizado em ambiente de terapia intensiva, interrompendo o uso de qualquer β-bloqueador, garantindo acesso venoso profundo e tendo adrena-lina à mão, para reverter uma eventual anafilaxia. Espirometria e eletrocardio-grama devem estar disponíveis, para identificar rapidamente as possíveis rea-ções.

Para pacientes com histórico de síndrome de Stevens-Johnson, eritroderma ou dermatite esfoliativa como consequência do uso de β-lactâmicos, a dessensibi-lização está contraindicada.

A dessensibilização só tem eficácia enquanto o paciente está em uso da droga, retornando a alergia após sua interrupção.

6) Alergia cruzada

As reações de hipersensibilidade aos β-lactâmicos são mais frequentes com as penicilinas, mas também pode ocorrer com outros grupos de β-lactâmicos, co-mo cefalosporinas, carbapenêmicos ou monobactâmico. Na maior parte dos casos, a reação cruzada está associada ao compartilhamento da mesma cadeia lateral ao anel β-lactâmico das drogas. Portanto, no caso da suspeita, ou mesmo confirmação da alergia a uma penicilina, mediada por IgE (anafilaxia), não se pode usar uma outra droga com a mesma cadeia lateral.

Dos pacientes com alergia à penicilina confirmada pelo teste cutâneo, apenas 2% apresentaram reação cruzada com o uso de uma cefalosporina, sendo es-sas reações mais comuns naquelas de gerações mais baixas, enquanto, para os carbapenêmicos, apenas 1% dos pacientes tiveram reação. As reações com uso do monobactâmico aztreonam são ainda mais raras, sendo que essa droga compartilha a mesma cadeia lateral que a cefalosporina de 3a geração Ceftazi-dima, de modo que as drogas devem ser evitadas em pacientes com histórico de alergia a uma ou outra.