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ÁFRICA UM NOVO OLHAR José Maria Nunes Pereira jose maria.qxp 4/5/2006 11:59 Page 1

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ÁFRICA UM NOVO OLHAR

José Maria Nunes Pereira

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índice

9 introdução

12 O Continente

26 História - Um Primeiro Olhar

35 Colonialismo, Racismo, Descolonização

65 As seis macrorregiões da áfrica

84 Bibliografia

À Doutora Carla Serpa,

com gratidão e afeto.

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Conceição, José Maria Nunes Pereira.

C744 África um novo olhar / José Maria Nunes Pereira

Conceição – 1. ed. – Rio de Janeiro: CEAP, 2006.

88p.: il.; 20 cm. – (cadernos CEAP)

ISBN 85-99889-06-0

1. Geopolítica – África. 2. África – História. 3. África -

Colonização. I Centro de Articulação de Populações Margi-

nalizadas. II. Título. III. Série.

CDD 960

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A série Cadernos do CEAP é parte integrante do Projeto Camélia. Vem refletir a preocupação

institucional do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas e do conjunto das organizações

do Movimento Negro em contribuir efetivamente para o processo de reflexão e fomento da discussão a

respeito de temas relacionados à lei 10.639, que torna obrigatório a inclusão do ensino da história da

África e das culturas afro-brasileiras no currículo escolar do ensino fundamental e médio.

Reconhecendo ser a escola um espaço privilegiado de formação do indivíduo para viver em

sociedade como verdadeiro cidadão, questões como o respeito à diversidade e à historia da África;

a valorização das contribuições dos afro-descendentes na formação do povo brasileiro; o resgate de

personalidades negras que marcaram a história da luta dos negros no Brasil; o lugar ocupado pela

religiosidade negra na resistência histórica desse povo, bem como reflexões sobre as Ações

Afirmativas, não poderiam passar desapercebidas nesse novo cenário nacional.

O desafio da promoção da igualdade de oportunidade é uma tarefa educativa que exige coorde-

nação de esforços, recursos e ações no âmbito governamental em seus diferenciados níveis,

na sociedade civil organizada, bem como na solidariedade mundial.

"... sonho que se sonha só pode ser pura ilusão.

Sonho que se sonha junto é sinal de solução.

Então vamos sonhar companheiros e companheiras.

Vamos sonhar em mutirão."

Ivanir dos Santos

Secretário Executivo - CEAP

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INTRODUÇÃO

Há muitos milhões de anos, a parte oriental da África produziu

um acidente geológico – uma grande fenda, o Rift Valley – que teve

repercussões no clima dessa região. Criou condições favoráveis para

que primatas se adaptassem à mais propícia vegetação da savana que

surgia. Esses primatas deram lugar, entre cinco e quatro milhões de

anos atrás, a seres que se tornaram bípedes, o que liberou os seus

membros superiores para novas funções. Mais tarde, a evolução da

espécie possibilitou que as mãos passassem a ter o polegar oponente

aos outros dedos, facilitando a fabricação de instrumentos. Esses

foram os primeiros hominídeos dos quais os paleontólogos

encontraram ossadas na parte oriental da África.

As pesquisas arqueológicas, que vêm tendo êxito desde a década

de 1960, levaram à descobertas em 1974, no Quênia, do esqueleto de

uma mulher a quem apelidaram de Lucy, que seria a Eva da

humanidade. Essa pesquisa foi feita pela Universidade da Califórnia

que investigou o material genético de 189 mulheres de diversas etnias

e concluiu que todas seriam descendentes de uma única, Eva, que teria

vivido na África entre 160 e 200 mil anos atrás.

A fronteira entre os hominídeos e os seres humanos é difícil de ser

estabelecida. O aparecimento destes deu-se quando o clima africano

apresentava-se como o mais favorável do planeta. O solo começava a

arrefecer e surgiram as savanas. Os primeiros hominídeos de que

temos conhecimento foram os Australopitecos, dos quais, até hoje só

foram encontrados vestígios na África. O testemunho mais recente

surgiu no norte da Etiópia, de quatro a cinco milhões de anos atrás.

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África:berço dahumanidade

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Cerca de três milhões de anos depois, surge o Homo habilis com o

cérebro maior do que o dos australopitecos. Fabricava utensílios de

pedra afiada, utilizava o fogo e alimentava-se de carne. Suas ossadas

foram encontradas no vale de Olduvai, na Tanzânia.

Em seguida, aparece o Homo erectus, há perto de 1,5 milhão de

anos, que também se desenvolveu primeiro na África. Finalmente, há

cem mil anos atrás é também neste continente que aparecem os

vestígios do Homo sapiens sapiens. Este teria partido da África para

colonizar outras partes do mundo.

Vale lembrar aqui o historiador J.Iliffe. Para ele, o ponto central

da História da África é a saga dos seus habitantes que, como

“sertanejos” colonizaram uma região do mundo, particularmente

hostil, a bem da raça humana que, a partir dali assumia a sua forma.

Iliffe salienta a capacidade do africano de ter sabido “coexistir com a

natureza e ter vindo a criar sociedades resistentes capazes de, no

decorrer do tempo, resistir a agressões vindas de regiões mais

favorecidas”.

Dois motivos básicos obrigam-nos a relevar os estudos sobre a

África. O primeiro deles, para nós brasileiros, é o caráter de matriz

histórica e cultural que os africanos e os seus descendentes tiveram na

formação e desenvolvimento da sociedade brasileira, marcando de

forma indelével a nossa identidade nacional. O segundo, é a

importância intrínseca do continente na História Mundial. Ele

protagonizou, por exemplo, um dos mais importantes processos

políticos do século XX, o da descolonização.

Além do mais, as crescentes demandas da sociedade brasileira,

10

Para o historiador J. Iliffe,o ponto central da históriada África é a saga dos seushabitantes que, como"sertanejos" colonizaramuma região do mundo,particularmente hostil, abem da raça humana. Osafricanos "souberamcoexistir com a natureza ecriar novidades resistentescapazes de no decorrer dotempo, resistir a agressõesvindas de regiões maisfavorecidas".

A relevância dahistória daÁfrica para omundo e para a compreensãoda sociedadebrasileira

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em especial os afro-descendentes, e o novo patamar em que o Brasil

está se inserindo na cena internacional, exigem um novo tipo de

conhecimento sobre a África. Ele não deve refletir uma visão

eurocêntrica, resquício persistente do tempo colonial, nem apresentar

uma visão utópica ou ufanista que predominou, por circunstância

política, nas primeiras décadas depois da descolonização. Há uma

nova corrente historiográfica – não exclusivamente africana – que

utilizando fontes e metodologia diversificadas, se apresenta crítica e

realista.

Por fim há que assinalar as políticas públicas em andamento e o

reconhecimento das necessidades acima apontadas através do

Decreto-Lei nº. 10.639 de 09 de janeiro de 2003 que determina para

todos os níveis de ensino: “o estudo da História da África, dos

africanos, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra e do negro na

formação da identidade nacional”. 11

As crescentes demandas da sociedade brasileira, em especial as dos afro-descendentes, e o novopatamar em que o Brasilestá se inserindo no cenáriointernacional, exigem umnovo tipo de conhecimentosobre a África.

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O CONTINENTE

As prováveis origens do nome África derivam, como é natural, do

norte do continente. Uma delas é Afrig, nome de uma tribo berbere do

antigo império de Cartago. A segunda, e que prevaleceu por séculos,

foi o de Líbia, designando a parte então mais conhecida do continente

– da Tripolitânia até a atual Tunísia.

O nome de Líbia teria sido dado por Heródoto quando usou o

nome de heroínas míticas para designar os três continentes então

conhecidos: Europa, Ásia e Líbia. Este último nome predominou até o

século XVI quando foi adotado o de Afriquyia, antiga designação

árabe, que mais tarde foi latinizada para África.

O continente, de forma triangular, é praticamente uma ilha desde

que, na segunda metade do século XIX foi separado da Ásia

pelo Canal de Suez. A África apresenta, grosso modo, três

grandes fachadas: ao norte, o Mediterrâneo, a leste, o Oceano

Índico e a oeste, o Oceano Atlântico. Fazem parte da África e

encontram-se nos dois oceanos alguns arquipélagos e ilhas

isoladas que no total, constituem seis Estados.

Do ponto de vista histórico, a parte ao norte do

deserto do Saara – a África do Norte – pertence ao

Velho Mundo, como são chamadas as antigas

civilizações que margeiam o Mediterrâneo. Na

margem sul deste formaram-se: a pioneira civilização

do Egito, o império de Cartago, com sede na atual

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Origem do nome:abordagemgeográfica egeopolítica

Cavaleiro do Reino de BORNU (entre Niger e Nigéria atuais). Sec. XIX.

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Tunísia e o reino do Marrocos que, no século VIII serviu de ponte aos

árabes para a sua ocupação da Europa ibérica.

Todas essas civilizações mantiveram seculares relações com a

Europa e, a partir do final do século XIX, passaram à influência direta

ou foram colonizadas por ela.

Atualmente, e por outras razões, a África do Norte é

geopoliticamente importante para os europeus, sobretudo a França.

Neste país vivem hoje cerca de cinco milhões de norte-africanos e seus

descendentes, a grande maioria argelinos e marroquinos que

tornaram o islamismo a segunda religião da França, a seguir ao

catolicismo.

A leste, temos a fachada do oceano Índico que, sobretudo depois

da expansão árabe, passou a ser mais uma zona de enlace do que uma

barreira. Dessa relação, da qual fez parte o tráfico de escravos para o

Egito e Oriente Médio, que durou até o início do século XX, nasceu

uma língua veicular – e sua cultura – o suaíli ou swahili, como veremos

adiante.

Foi através do Índico que a África Subsaariana manteve, desde

séculos remotos, relação com a Pérsia, a Índia e a China que vinham

comprar ouro e outros metais na região austral (exemplo: o reino de

Monomotapa – atual Zimbábue). Esse trânsito era facilitado por

correntes e ventos das monções que facilitavam as navegações entre a

Ásia e a África.

Essa inserção da África na economia mundial tornou-se mais

substantiva com o comércio de ouro entre os impérios do Sudão

ocidental e a Europa Medieval intermediado, entre os séculos X e XV

pelos árabes que cruzavam em caravanas o deserto do Saara.

Quanto à fachada do Atlântico, não causa surpresa afirmar que,

13

O Atlântico foi, até oséculo XV, com asnavegações portuguesas, agrande barreira ocidentaldos contatos da África como mundo. Só com a grandeempresa do tráfico - "dehomens, mercadorias eidéias" - o oceanoAtlântico foi integrado àÁfrica Subsaariana e setornaria a placenta quealimenta com milhões devidas as Américas,sobretudo o Brasil.

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até o século XV com as navegações portuguesas, ela foi a grande

barreira marítima do continente. Só a partir de então, ou melhor

dizendo, a partir do estabelecimento da grande empresa do tráfico de

escravos, o Atlântico seria integrado à vida da África Subsaariana e se

tornaria a placenta que alimentou com milhões de vidas as Américas,

sobretudo o Brasil.

Observando essa barreira que a costa atlântica e a floresta

equatorial representavam, nos lembramos que nenhum reino ou

império da África Ocidental estabeleceu a sua capital nesse litoral. As

cidades aí erguidas foram derivadas do tráfico e guardam nomes

europeus: Ribeira Grande (Cabo Verde), Luanda, Cidade do Cabo,

Porto Novo (atual Benin), Monróvia (Libéria), Freetown (Serra Leoa),

Lagos, entre outras. É de lembrar também que, no início das

navegações a África foi apenas um ponto de apoio, de passagem: o

alvo era o comércio direto de especiarias com a Ásia. Foi o projeto de

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Escravos marchando do interior de Angola para o litoral conduzidos para um porto da ÁfricaOriental, na segunda metade do século XIX, quando o tráfico já era proibido no Atlântico.

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exploração das Américas que levou à montagem da grande empresa

do tráfico de escravos com a África, que se prolongaria por três séculos

numa troca de “homens, mercadorias e idéias”.

Numa abordagem já contemporânea e com um olhar geopolítico,

os dois oceanos citados assumiram uma nova relevância com os

desdobramentos da Guerra Fria. Quando, em 1956, na guerra da

Inglaterra, França e Israel ao Egito em

represália à nacionalização e, depois,

fechamento do Canal de Suez, o petróleo

do Oriente Médio em direção aos países

ocidentais teve que percorrer o Índico e o

Atlântico, passando pela problemática

“rota do cabo”, na África do Sul.

Mesmo após a reabertura do Canal, a

rota do Cabo continuou a ser usada,

levando dois terços do petróleo para o

Ocidente, pois os navios de mais de 200 mil

toneladas não podiam transitar pelo Suez.

O auge da importância da rota do

Cabo e dos dois oceanos veio com o aceso

da Guerra Fria na África nos anos 1970-80,

com os conflitos no Chifre de África e na

região austral.

15

Em 1956 os movimentos anti-APARTHEID,liderados pelo Congresso Nacional Africano

criaram o Congresso dos democratas e lançaram acarta da liberdade. A foto mostra os 91 presos no

dia do julgamento "por alta traição".

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A África, com a sua forma quase triangular, tem uma superfície

de 30.367.618 km2, sendo o terceiro continente em extensão, depois da

Ásia (44 mil.) e as Américas (42 mi.), se considerarmos estas um só

continente. A sua superfície representa 20,4% das terras emergentes.

Com uma população de 850.558 mil habitantes (2003), a África

representa 14,3% do total mundial (6,3 bilhões de habitantes), o que

mostra sua baixa densidade demográfica - cerca de 22% hab/km2.

Embora predomine o caráter rural, a sua taxa de urbanização já é de

38% (entre 1950 e 1980, cresceu perto de 600%) e o seu índice de

crescimento demográfico, de 2,3%, é o maior do planeta, para uma

média mundial de 1,33%, com os países em desenvolvimento

apresentando 1,6%.

É o continente mais quente do mundo, com temperatura média

acima dos 20°C. Quatro quintos da sua área fica entre os trópicos, o

que corresponde a ocupar 43% de todo o território tropical do planeta.

A África é também o continente mais árido, com 30% dos desertos

do planeta. O maior deles, o Saara, com mais de oito milhões de km.

Este continua a leste com os desertos da Líbia e da Núbia, totalizando

os três cerca de 10 milhões de km2. No sudoeste do continente estão os

desertos do Kalahari e o de Namibe. A África é, assim, responsável

por 30% das áreas desérticas do mundo (Oceania 18%, Ásia 16%).

O Saara, até cerca de 3000 a.C. era uma área verdejante. O seu

ressecamento dificultou muito o contato da maior parte do continente

com as civilizações africanas e européias da região do Mediterrâneo. A

"revolução do camelo", difundida com a ocupação árabe evitou um

ainda maior isolamento.

No outro extremo climático, destaca-se a grande floresta

equatorial que, desde a região central do Congo/Zaire, se prolonga

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Território edemografia:fatoresgeográficos

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pela costa atlântica até Gana, no Golfo da Guiné. A leste, ela se estende

até os relevos da África Oriental.

É uma floresta esponja, encharcada de água, com vegetação

emaranhada, com circulação praticamente reduzida aos rios. É a

região onde ainda são predominantes as epidemias. A mosca tsé-tsé,

que exterminava o gado, não permitiu a tração animal, daí o não uso

da roda e do arado. É o mundo da enxada, da terra de pouca

espessura, na sua maioria lexivadas pela laterite, o que torna esse tipo

de solo incapaz de produzir culturas protéicas. Essa área equatorial e

os desertos são responsáveis principais pela baixa taxa atual de terras

cultiváveis: somente 6% do total, a maior parte localizada nos

planaltos, já que as planícies costeiras são exíguas.

No entanto, o que o solo nega na África, o subsolo dá, como

veremos a seguir ao fazermos referência à enorme riqueza de minerais

que o continente possui. A região mais rica é a austral, que os

franceses chamam de "escândalo geológico". Isto significa haver numa

área relativamente pequena - que vai de Angola - Congo/Zaire até à

África do Sul - a maior concentração mundial de minerais nobres,

muitos deles de valor estratégico.

Quanto ao perfil, o continente africano é compacto, maciço. Na

Europa, por exemplo, o ponto mais distante do mar não ultrapassa 500

km, na África chega a 1,500 km. As suas costas totalizam 27,5 mil km,

mas o litoral, especialmente o do Atlântico, é bastante retilíneo, com

poucas baías e há trechos de mil km de extensão em que não se

encontra um porto satisfatório. As correntes marítimas, os recifes de

coral, os mangues extensos, as violentas arrebentações (calemas), são

fatores que, sobretudo no passado, dificultaram as comunicações

marítimas com o exterior.

17

A África é o continentemais quente: quase metadede toda a área tropical doplaneta está na África. É ocontinente mais árido: tem o maior deserto, o Saara (dotamanho do Brasil) e possui30% da área desértica daterra. No outro extremoclimático, a extensa florestaequatorial, adversa aohabitat humano. No total,só 6% das terras africanas são cultiváveis. No entanto, o que o solo nega o subsolodá: é um enorme repositóriode minerais nobres.

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As planícies, a maioria litorâneas, são estreitas (média de 100 km)

e, a partir delas o relevo sobe em degraus para os planaltos, que têm

uma altitude média de 674 metros. As irregularidades desse relevo

fazem os rios apresentarem muitas quedas de água, o que dificulta a

navegação, a intercomunicação. Em compensação, esse fato resulta em

que a África tem um enorme potencial hidroelétrico ainda por

aproveitar.

As cadeias montanhosas predominam na chamada "África alta",

uma faixa que se estende desde a África do Sul até o leste, onde estão

as três montanhas mais altas do continente, com geleiras, as chamadas

"neves eternas", apesar de estarem quase na linha do Equador. São os

montes: o Kilimanjaro (5.963 m), o Kênia (5.211 m) e o Ruwenzori

(5.110 m).

Entre a África Central e a Oriental ficam os Grandes Lagos:

Vitória (69,11 km2),Tanganika (32,8 km2), o Malawi (28,9 km2) e outros

menores. Entre as regiões central e ocidental ficam as grandes bacias

interiores - Níger, Chade, Congo/Zaire e a leste, a do Alto Nilo. Nelas

deságuam muitos dos rios, embora

não os maiores, entre estes: o Nilo,

o segundo mais longo

do mundo (6.693 km), o Congo

(4.374 km), o Níger (4.180 km)

e o Zambeze (2.650 km). Uma

breve referência ao clima, onde

o dominante é o tropical com

alternância de uma estação chuvo-

sa e quente e outra seca.

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O rei do Kongo recebendo os seus súditos.

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Na África é freqüente a altitude corrigir a latitude, como vimos

acima nas montanhas e que acontece também nos planaltos. Nos

desertos, a temperatura varia bastante do dia para a noite. O Sahel,

logo abaixo do Saara, é semidesértico, fica na faixa sul da região do

Magrebe (Tunísia, Argélia e Marrocos).

Estas notas sobre a geografia da África têm também o propósito

de chamar a atenção sobre fatores constrangedores que o meio

ambiente, no passado muito mais que no presente, causou à vida dos

africanos subsaarianos (da África Negra que atrás referimos).

O historiador francês da Ecole des Annales, Fernand Braudel, nos adverte

disso desde a década de 1960:

"Para a compreensão do mundo negro: a geografia prevalece sobre a

historia. Os contextos geográficos, embora não sejam os únicos a contar,

são os mais significativos".

Em outro trecho do mesmo livro:

"Em suma, a África Negra se abriu mal e tardiamente para o mundo

exterior. Não obstante, seria um erro imaginar que suas portas e janelas

seriam aferrolhadas ao longo dos séculos. A natureza, que, aqui,

comanda de maneira imperativa, não é, entretanto, a única a ditar suas

ordens: a história teve frequentemente a sua palavra a dizer".

Sob a direção de africanos, asiáticos e europeus o pangaio,

embarcação indiana, o camelo do Saara e as caravelas européias

foram, durante séculos, os instrumentos da história que mantiveram a

África Subsaariana ligada ao mundo.

19

"Para a compreensão domundo negro: a geografiaprevalece sobre a história.Os contextos geográficos,embora não sejam osúnicos a contar, são osmais significativos".Fernand Braudel,historiador francês daÉcole dês Annales.

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Page 19: Africa-um-novo-olhar.pdf

Apesar de ser o continente com a maior taxa de crescimento

demográfico do mundo (2,7%, quase o dobro da mundial), a África

apresenta uma baixa densidade demográfica - 22 hab/Km2. Melhor

dizendo, é um continente com enorme desigualdade na sua

distribuição populacional. Isto não deve causar surpresa, na medida

em que a geografia africana apresenta condições ecológicas bastante

discrepantes mesmo em áreas relativamente próximas umas das

outras. Desta forma, enquanto regiões como a dos Grandes Lagos

apresentam densidades superiores a 200 hab/Km2, os países com

áreas desérticas mal atingem 2 a 3 hab/Km2, como é o caso da

Mauritânia e da Namíbia. Em Angola, cerca de 90% da população

ocupa a metade oeste do país.

Uma segunda característica da população africana é ser

demasiado jovem: a média de idade anda à volta de 19 anos. Maurício,

no Índico, tem a taxa mais elevada, 29 anos; a de Angola é de 18 anos.

É um continente velho habitado por jovens.

A taxa de mortalidade infantil é a mais alta do mundo, 88%,

quinze vezes a da Europa. No entanto, a taxa de natalidade é também

alta, embora tenha, na última década, baixado para 39% (média

mundial, 23%). A taxa de fecundidade anda à volta de 5,4 por mulher,

quase o dobro da média mundial de 2,9.

Esta profusão de números, difíceis de pesquisar e apresentando

algumas diferenças segundo as fontes, tem para nós como objetivo a

possibilidade de uma comparação freqüente entre a África e o mundo

e entre países de diversas regiões africanas. Pretende também

possibilitar o sentido de proporção e avaliar, tanto quanto possível, a

evolução do continente. A África é, provavelmente a região do planeta

onde seja mais viva a dinâmica da continuidade e da mudança, da

20

Povos,línguas ereligiões

Sob a direção de africanosárabes, asiáticos e europeus,o pangaio, embarcação dooceano Índico, o camelo doSaara e as caravelaseuropéias foram duranteséculos os instrumentos da história que mantiverama África Subsaariana ligada ao mundo.

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permanência e da ruptura. O veterano cientista político queniano, Ali

Mazrui costumava dizer que nenhum outro continente sofreu em tão

pouco tempo, menos de um século, tantas mudanças impostas ou

vindas do exterior quanto a velha e rural África. Mudanças políticas,

como a do colonialismo, novas religiões, novas línguas; uma economia

que não era majoritariamente monetarizada passa de repente a ser

globalizada ou ao risco da marginalização. Em resposta a tudo isso, os

africanos ofereceram resistência, mas, quase ao mesmo tempo, se

preparavam para a mudança e até mesmo, quando indispensável,

para a ruptura.

Voltando-nos agora para as populações do continente, chamamos

a atenção para a sua diversidade de origem. Não nos referimos aqui à

propalada "pulverização de tribos e dialetos", causa apresentada como

a única e decisiva de todos os males e conflitos da África. Isto não é mais

só apanágio de publicações de espírito colonialista. Na quase totalidade

das vezes parece mesmo desleixo intelectual dos seus autores.

Traçando uma panorâmica sobre os povos africanos e suas

línguas, procuraremos identificar as línguas e povos de maior

influência demográfica e peso político. Começamos pela África do

Norte onde a grande maioria da população é árabe, sendo a minoria

mais expressiva, a dos berberes que habitam sobretudo o Magrebe

(Marrocos, Argélia e Tunísia). Os árabes constituem cerca de 140

milhões de habitantes, o que equivale a perto de 20% da população

total do continente. É de lembrar que é a África do Norte, e não o

Oriente Médio, a região com maior população árabe.

O árabe é a língua africana mais falada no continente. Sete dos 53

países do continente têm o árabe como língua oficial. Mais

significativo do que isso é o fato de 18 países africanos terem mais de

21

A idade média dapopulação africana é de 19 anos. É um continentevelho habitado por jovens.Bom para o futuro,problemático no presente.

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40% da sua população islamizada, onde a língua religiosa é o árabe do

Corão. Disto resulta em que 30% dos africanos sejam muçulmanos.

Para melhor reconhecer a variedade étnica da África temos de

recorrer, em grande medida, à língua. É o que faremos. Entre as

línguas mais faladas na África, uma parte substantiva é de línguas

veiculares, as chamadas línguas francas, de contato. São faladas por

vários povos, embora, grosso modo, cada um deles tenha a sua

própria língua materna.

Falamos de línguas veiculares de origem africana antes de

mencionarmos, ainda que com estimativas precárias, os falantes de

línguas européias. Estas têm, na maior parte dos países do continente,

o estatuto de língua oficial oriunda da ex-metrópole.

Refira-se, de passagem, que na grande maioria dos casos, a língua

européia não era a mais falada quando esta foi escolhida, no processo

de independência, como a língua oficial do país. Vários argumentos

foram levados em consideração para isso: facilidade de comunicação

inter-africana e internacional, facilidades e proveitos na educação, etc.

Um argumento de muito peso foi o de que a escolha de uma língua

africana do país, mesmo que majoritária nele, implicaria no

detrimento das outras línguas. A escrita não seria decisiva: pode-se

usar o árabe ou o latim. Este é usado, por exemplo, em línguas nativas

do Zimbábue e da África do Sul no ensino fundamental. No caso dos

países com sociedades crioulas, onde há uma cultura de síntese e

população majoritariamente mestiça - arquipélagos e ilhas do

Atlântico e do Índico - a língua crioula é falada por todos, mas grande

parte da população, frequentemente a maioria, fala também a língua

européia. Aliás, diga-se de passagem, a maioria dos habitantes do

planeta fala mais de uma língua.

22

A África é, provavelmente,a região do planeta que, emmenos de um século sofreumais mudanças impostasou assimiladas do exterior.Em resposta, os africanosofereceram resistência noque lhes era imposto.Porém, no mesmo tempo,se preparavam paramudanças e, quandoindispensável, até para aruptura.

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A diversidade lingüística na África é excepcional, embora próxima da

asiática. Tem cerca de duas mil línguas com suas variações dialetais. Contudo,

somente cerca de 50 delas são faladas por mais de dez milhões de habitantes.

Ocorre também que certas línguas são reconhecidas com nomes ou grafias

diferentes, consoante o país ou região. É o caso de peules, fulbês ou fulas

(na área de língua portuguesa). Outro fato são as variações dialetais: o

mandinga, por exemplo, tem pelo menos dez variações dialetais:

malinkê, bambara, diula, etc.

As línguas africanas são geralmente agrupadas em quatro

famílias. Do norte para o sul, temos a família afro-asiática que

compreende, entre as línguas mais utilizadas o árabe, o berbere

(Marrocos e Argélia), o amárico (Etiópia) e o haussa (norte da Nigéria

e países vizinhos). Elas cobrem a África do Norte e parte da região do

Chifre e do oeste africano.

A segunda família, a maior, que se estende por uma boa parte do

continente, de Dakar a Mombaça e, ao sul, até a Cidade do Cabo, é a

nígero-kordofiana. Ela inclui dois grandes grupos, o banto e o

sudanês, que tanto enriqueceram - e ainda enriquecem - o vocabulário

brasileiro. As línguas sudanesas, como o ioruba, predominam na

África Ocidental, à qual os árabes chamavam de Bilad al-Sudan ("terra

dos negros"). É uma região que se estende desde o Senegal até o leste

do rio Níger; ela não deve ser confundida com o Sudão, país do sul do

Egito, na região nilótica.

O outro grupo é o banto; recebeu dos lingüístas essa designação

pelo fato de todas as línguas do grupo usarem o sufixo ntu para

designar o ser humano. O prefixo ba designa o plural. Daí a palavra

bantu [pessoas], aportuguesada para banto. Ocupam uma vasta área

do centro e do sul do continente, abaixo da linha que ligaria os

23

O árabe é a língua maisfalada do continente. Setedos 53 países da Áfricatêm o árabe como línguaoficial. Quanto à religiãomuçulmana, 18 paísesafricanos têm mais de 40%da sua populaçãoislamizada, onde a línguareligiosa é o árabe doCorão. Disto resulta emque 30% dos africanossejam muçulmanos.

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Camarões à região dos Lagos, a leste. Cerca de 70% dos afro-

descendentes brasileiros têm ascendência banto, com predominância

da área Congo-Angola.

As línguas africanas e o inadequado termo tribo constituem a

diversidade do continente mais referida pelos brasileiros. As

línguas são aqui frequentemente classificadas como dialetos no

falso pressuposto da sua inferioridade porque quase todas elas não

têm alfabeto próprio. O haussa usa o alfabeto árabe, por exemplo, e

as da África do Sul e do Zimbábue, que têm o seu ensino

fundamental em línguas nacionais, usam o alfabeto latino, usado

pela língua inglesa.

Dizem os lingüístas que não é a escrita mas uma estrutura própria

o que determina o estatuto de língua. Na África, como em toda a parte,

as línguas têm variações dialetais. Quanto ao termo tribo - que os

brasileiros conhecem de perto dos nossos índios - ele é marcado mais

por significar não só uma etnia, mas um tipo de organização social. Na

África dos tempos modernos é a cultura que predomina, daí a

designação adequada ser a de etnia.

Voltando às línguas africanas. A seguir à segunda família, a

nigero-kordofiana, temos a terceira, a nilo-saariana, que abarca uma

área bem mais restrita e engloba as línguas nilóticas (como a dinka, do

sul do Sudão) e as línguas da região dos Grandes Lagos

A quarta família pretende abranger os povos não-negróides, isto

é os pigmeus e os do grupo khoisan (khoi-khoi e san, mais conhecidos

como bosquímanos e hotentotes). Os primeiros vivem na região

central, na floresta equatorial, os últimos nos desertos do Kalahari e do

Namibe. Os khoi-san eram os habitantes da região central do

continente e foram empurrados para as regiões áridas pela migração

24

A diversidade lingüísticada África é excepcional,próxima da asiática.Contudo, somente 50 delassão faladas por mais de dezmilhões de habitantes. Aslínguas africanas podemser, grosso modo,agrupadas em quatrofamílias: a afro-asiática, anígero-kordofiana (queincluem os dois grandesgrupos banto e sudanês), anilo-saariana e a dosgrupos não negróides(pigmeus e koisan).

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Page 24: Africa-um-novo-olhar.pdf

dos bantos. Processo semelhante, havia ocorrido com os pigmeus

que ficaram na floresta equatorial.

Nos arquipélagos e nas ilhas isoladas do Atlântico e do

Índico, bem como em áreas litorâneas de alguns países

continentais predomina uma língua de síntese cultural

produzida há séculos, a partir dos primeiros contatos de

africanos árabes e europeus na produção dos escravismos

atlântico e árabe. Essas línguas crioulas, que são expressões de

sociedades culturalmente mestiças, são faladas pela quase

totalidade dos seus cidadãos.

O papel das línguas européias não é somente o de ser língua

oficial. É a língua do saber erudito, da média e alta administração e,

sobretudo, elas são um elo de ligação entre países africanos, vizinhos

ou distantes, com o mundo. No entanto, raramente são faladas na vida

cotidiana por mais de 20% da população, embora sejam usadas nas

escolas e universidades. A exceção vai para as sociedades crioulas dos

arquipélagos e ilhas. Um caso raro: em Angola, em pesquisa recente,

fez-se uma estimativa em que as pessoas que falavam, pelo menos

razoavelmente, o português eram cerca de 65%. Um levantamento

posterior verificou que 26% da população urbana tinha como língua

materna o português. Isso não foi obra do colonialismo português. Foi

obra da luta de libertação (1961-1974) e dos anos de guerra civil (1975-

1992) onde o português era a língua de comunicação e o exército, que

se deslocava por todo o país, e seu agente. Acrescente-se um fator

importante: cerca de 25% da população de Angola, com

predominância de jovens, reside na capital, Luanda, área histórica de

implantação do português.

25

Nelson Mandela (1918) foio mais renomado chefe deestado do final do séculoXX. Depois de 28 anos deprisão como líder doCongresso NacionalAfricano foi prêmio Nobelda Paz em 1993 e eleitoPresidente da Repúblicano ano seguinte,aposentando-se em 1999.

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Para resumir, um quadro com as línguas africanas mais faladas

no continente, por mais de dez milhões de falantes.

LÍNGUAS AFRICANAS E SEUS USUÁRIOS:

- Com mais de 130 milhões: árabe

- Com mais de 50 milhões: haussa (Nigéria e países vizinhos ao norte),

suaíli (swahili), na Tanzânia (língua oficial), Quênia e Uganda (língua

nacional) litoral do Índico até centro do Congo-Zaire.

- Com mais de 20 milhões: amárico (Etiópia) e berbere (Marrocos

e Argélia).

- Com mais de 10 milhões: ioruba e ibo (Nigéria), grupo nguni

(África do Sul: zulu e xhosa), mandinga (vários países no oeste

africano). Grupo sotho (África do Sul), malgache (Madagascar),

lingala (Congo/Zaire), kikongo (os Congos e norte de Angola).Fonte: Africa at a Glance. Instituto Africano da África do Sul, 1998, com estimativasde outras fontes.

AS RELIGIÕES NA ÁFRICA - estimativas em milhões de fiéis.

Muçulmanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .360

Cristãos (católicos e evangélicos) . . . . . . . . . .220

Religiões tradicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . .115

Igrejas africanas independentes . . . . . . . . . . .40

Outros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .5

Fonte: L'Atlas Jeune Afrique do Grupo Jeune Afrique, Paris, 1993, e outras fontes.

26

Máscara ritual Cokwede Angola.

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HISTÓRIA - UM PRIMEIRO OLHAR

Depois de ter sido o berço da Humanidade, a África foi, a partir

de cerca de 3.000 a.C. palco de uma das mais brilhantes civilizações do

mundo, a egípcia. Suas raízes se encontram desde 5.000 a.C., na Núbia,

no vale do Nilo, se estendendo até os planaltos etíopes, às regiões da

bacia do Chade e ao coração do continente negro, o rio Níger. Nessa

época, o Saara ainda não havia ressecado e constituía na época uma

verdejante encruzilhada de povos.

O Egito, após dois mil e quinhentos anos de irradiação de ciência

e cultura, cai em poder dos persas, em 525 a.C.. Entretanto, um novo

poder surgia: os fenícios, vindos do fundo de saco do Mediterrâneo.

Por volta de 1200 a.C. eles fundaram Cartago, na atual Tunísia. A

partir daí seu comércio deu-lhe o domínio da região, que ia desde a

Cirenaica (a atual Líbia) até o Marrocos. Seu poder ainda se estenderia

até o sul da Europa, da Ibéria até a Sicília.

Depois de prolongadas guerras púnicas, por volta de 200 a.C.,

Cartago perde o poder para Roma que passará a dominar grande parte

do norte da África durante cerca de cinco séculos.

Segue-se a grande vaga árabe, a partir do século VII que se expande pelo

norte do continente, do Egito até o Marrocos e daí ocupa por vários séculos

quase toda a Península Ibérica. Faz uma incursão no reino Cristão da Abissínia

(atual Etiópia) onde islamiza quase metade da sua população.

A partir do século XI, os árabes ultrapassam o deserto do Saara, a

caminho do Sul e passam a hegemonizar o poder, através de negros

islamizados, dos "reinos de ouro" do Sudão ocidental, à volta da curva

do rio Níger.

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Muito antes disso, logo que se estende o ressecamento do Saara,

os povos negros que viviam na região emigravam para o centro e o sul

do continente. Parte desses negros fica no oeste e outra parte, os

bantos, então ocupando o centro do continente, descem até o sul,

desde o início da era cristã até quase o século XV.

Os povos do oeste, quando já organizados em Estados,

estabeleceram contatos com os árabes que, graças a caravanas de

camelos atravessam o Saara, iniciam com eles um duradouro comércio.

O primeiro foi com o reino sarakolê do Ghana, que controlava o ouro

da região. O reino, ainda não islamizado, sucumbe à invasão, na

segunda metade do século XI, dos árabes da dinastia dos Almorávidas.

28

Pormenor de um mapa daÁfrica desenhado pelocatalão Abrãao Cresques.Em destaque, o imperadordo Mali recebendo umdignatário árabe (1375).

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O sucessor de Ghana no comércio com os árabes foi o império do

Mali, englobando reinos vizinhos, sob a liderança, de Sundiata Keita,

muçulmano negro, no início do século XIII. Cresce o intercâmbio com

os árabes que, com o comércio africano do ouro abastecem a Europa

medieval, sequiosa desse metal. Ele atingia cotações muitíssimo mais

elevadas que a prata européia.

Um novo Estado hegemoniza o poder na região, com uma estrutura

militar e administrativa bem mais complexa: é o império de Songhai, que

tem Gao como capital e que vai dominar o comércio do ouro por mais de

dois séculos. A leste do Níger surgem os reinos de Kanem e de Bornu,

atual Norte da Nigéria. Com a descoberta dos metais nas Américas,

perde importância o comércio do ouro com a África. Inicia-se o tráfico de

escravos, sobretudo com o Brasil, Caribe e Sul dos Estados Unidos.

Entretanto, no século XI, no sudoeste da Nigéria atual, surgem os

reinos iorubas. Depois de Ifê, ergue-se uma civilização original, a do

Benin que iria surpreender, já no século XVI com sua refinada arte de

bronze, os portugueses. Estes haviam estabelecido, desde o final do

século XIV, relações amistosas com o reino do Kongo que duraram

quase um século antes de se degradarem no tráfico.

Antes do tempo do tráfico de escravos, a imigração dos bantos

para o sul do continente já havia proporcionado a formação de

Estados. Uma vez mais, a riqueza mineral era a base de um comércio

intermediado pelos árabes em direção à Ásia. Este foi o caso do

Monomotapa, governado pelos shonas, com o apogeu por volta do

século XV, e que ainda se manifesta através de grandes construções de

pedra como atestam as ruínas do Zimbábue.

No nordeste do continente, na região do Chifre, a velha

Abissínia, no início do século XVI sofreu um ataque dos nômades

29

A Etiópia tornou-se umareferência de continuidadehistórica e deindependência milenar.Encarnação do pan-africanismo, as cores doimpério etíope, verde,amarela e vermelha estãonas bandeiras de muitosdos países africanos. Hojeem dia, estão também nosgorros de milhões de afro-descendentes espalhadospelo mundo e participandoda grande diáspora negra.

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gallas. Nos anos mil e oitocentos, o velho reino, sob a liderança de

Menelik, se tornou um império com a conquista dos povos

vizinhos, assumindo então o nome de Etiópia. Venceu os italianos

em 1896 e só foi ocupado por eles de 1936 a 1941. Tornou-se assim

uma referência de continuidade de história e independência. Isto

fez do país um símbolo para os africanos e para toda a diáspora

negra. Encarnação do pan-africanismo, sua capital, Adis Abeba,

sediou a Organização de Unidade Africana, desde 1963 e continua

a sediar a da organização sucessora da OUA, a União Africana -

UA, criada em 2002. As cores do império etíope, verde, amarela e

vermelha, estão nas bandeiras de muitos países africanos

independentes. Hoje em dia, estão também nos gorros de milhões

de afro-descendentes espalhados pelo mundo e participando da

imensa diáspora negro-africana.

Voltando-se ao século XVI, sobretudo XVII, defrontamo-nos com

uma nova inserção da África na economia da Europa, desta vez, o

tráfico de escravos que os europeus destinavam para as plantações das

Américas, sobretudo para o Brasil, destino de cerca de 40% deles. No

seu conjunto, o tráfico para o mundo árabe e para as Américas, foi o

responsável pela expulsão da África de cerca de 20 milhões de seres

humanos. Isso contribuiu em muito para a estagnação demográfica e

econômica do continente negro.

O triunfo em relativamente pouco tempo do Islão em território

africano, tem como conseqüência a ligação irreversível do norte do

continente com o mundo islâmico do Oriente Médio. A desagregação

do império árabe, de certa forma já anunciada a partir do século XI,

deixa o campo livre para os muçulmanos turcos do império Otomano.

Este conquista e, de certa forma, unifica em seu proveito a quase

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totalidade da África do Norte, da Argélia ao Egito, permanecendo o

Marrocos relativamente independente.

A partir do século XVII, o comércio atlântico de escravos vai

favorecer, na região do Golfo da Guiné, a expansão de Estados

africanos parceiros dos europeus nessa empreitada. É o caso dos

reinos de Daomé (atual Benin), Oyo (atual Nigéria), o Ashanti e a

confederação Fanti (atual Gana).

31

O asaustehene (rei) do Ashnti (atual Gana) recebe na sua côrte J. Bowdich, emissário do governo britânico, em maio de 1817.

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No início do século XIX dá-se uma retomada de fervor e

conquista no Islão Negro que provocará um remanejamento territorial

e político na vasta área do velho Sudão ocidental. Os peules (fulas)

erguem o grande sultanato de Sokoto (atual Nigéria), liderados por

Osman Dan Fodio, os tuculeros (toucouleurs) se estabelecem á volta do

Níger, e dá-se também algo semelhante a uma restauração do império

do Mali, chefiada por Samory Touré que tem como epicentro a Guiné

dos mandingas. Ele conquista uma vasta área que custará bastante aos

franceses conquistar a partir de 1898.

O Egito emancipa-se do império Otomano e ensaia uma

modernização com Mehemet Ali, entre 1820 e 1830. Mais tarde, os

ingleses conseguirão, depois de algumas derrotas, vencer o novo líder,

o "messias" Mahadi e impor a sua hegemonia no Egito e junto com ele

estabelecer um condomínio anglo-egípcio sobre o território.

No extremo sul do continente, na região do Cabo, a

Companhia das Índias Orientais, holandesa, estabelece o que viria

a se tornar uma colônia de povoamento dos bôeres (holandeses)

que terão vários conflitos militares com os povos locais e até com os

ingleses (guerra anglo-bôer, 1899-1902). Estes se apossaram não só

da província do Cabo como também de Natal e dos territórios

bôeres de Orange e do Transvaal, o que deu lugar à moderna África

do Sul. Antes disso, no início do século XIX surge uma nova

formação política criada por Shaka, estratega citado sempre pelas

histórias militares contemporâneas. Ele liderou uma espécie de

"Esparta negra", a partir de uma facção dos ngunis que passaram a

se chamar zulus. Numa extensa campanha para o norte, designada

de mfecane (esmagamento) elas conquistam uma área que chega até

o Malavi, marcando a história de quatro países atuais e alguns

32

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outros vizinhos: a África do Sul, o Zimbábue, a Zâmbia e

Moçambique.

No Índico, Madagascar torna-se um Estado centralizado

no planalto, dominado pelos merinas, de origem indonésio-

malaia, com os súditos africanos ocupando as áreas costeiras da

maior ilha da África.

Somente a partir das duas últimas décadas do século XIX, os

europeus iniciaram a conquista da África, que viria a redundar na

ocupação de 90% de todo o continente. Até perto dessa data, a

presença fixa deles mal ultrapassava a estreita faixa litorânea da parte

continental da África, já que arquipélagos e ilhas, no Atlântico e no

Índico, haviam sido ocupados séculos antes. Foi nessa faixa litorânea

que os europeus construíram, em função do tráfico de escravos,

portos, fortes e feitorias.

Entre o fim do tráfico - início do século XX para os ingleses - e o

início da ocupação colonial, reinos da costa atlântica, que haviam

participado do tráfico, estabeleceram sobretudo com os ingleses, uma

relação comercial na qual os africanos passaram a fornecer produtos

agrícolas tropicais necessários para a Revolução Industrial européia:

óleos vegetais, cacau, e outros. Foi um curto período mercantilista da

África Ocidental, mas que proporcionou a formação de novas classes

fundiárias e comerciais e uma extraordinária elite africana, embora

assimilada aos valores cristãos. Essa área incluía as atuais Gana,

Nigéria, Serra Leoa, Libéria e Gâmbia. Do lado francês, esse comércio,

no caso menos volumoso, fazia-se com as conhecidas seis "comunas"

do atual Senegal - Gorée (antigo porto de embarque de escravos).

Dakar, Saint Louis e Rufisque, bem como com os entrepostos no

Gabão e no Congo. Os portugueses, que já haviam se implantado há

33

Shaka (C. 1787 - 1828),um dos maiores guerreirosda História. Criou oimpério Zulu à moda deEsparta, que se espalhoupor cinco países da ÁfricaAustral.

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muito em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, bem como em cidades

do litoral da Guiné-Bissau, como Bolama e Cacheu, exploravam o

comércio com Benguela e Luanda, incluindo uma faixa do rio Quanza

até Malanje. Em Moçambique, a Beira, e não a atual capital Maputo,

era o centro comercial português num sistema de "feitorias" designado

por prazos. Essa realidade iria mudar em pouco tempo.

34

Somente a partir dasúltimas décadas do séculoXIX, os europeusiniciaram a conquista daÁfrica, que viria aredundar na ocupação de90% de todo o continente.Até perto dessa data, apresença fixa deles malultrapassava a estreitafaixa litorânea docontinente.

"Mwana-Pwo" (Donzela),Máscara Quioca.

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COLONIALISMO, RACISMO,DESCOLONIZAÇÃO

O nosso objeto de estudo neste capítulo é o colonialismo

contemporâneo, fruto da revolução industrial européia, e que teve

como conseqüência a ocupação militar e política de quase toda a

África e de grande parte da Ásia. Não cabe neste ponto a análise do

chamado colonialismo da Idade Moderna, que resultou na conquista

do Novo Mundo e na formação das primeiras colônias de povoamento

branco, entre as quais os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova

Zelândia e a Colônia do Cabo, na África do Sul. Esse se refere a um

momento histórico anterior ao que tratamos. Corresponde à fase que

marca a transição do feudalismo para o capitalismo, conhecida como

"mercantilismo".

A ocupação colonial da África corresponde a um período de

perda da hegemonia britânica no comércio internacional. Até então, a

Inglaterra desempenhava uma tal supremacia industrial, marítima e

colonial que ela não via necessidade de anexar novos territórios para

encontrar mercados. Ela reinava sobre os quatro continentes. A perda

dessa hegemonia absoluta dá-se pela intervenção, sobretudo na

África, do conjunto das potências ocidentais, apresentando-se então

uma concorrência entre todas elas que levou à codificação da partilha

do continente africano.

Elucidar as causas profundas da partilha da África remete,

portanto, à determinação das causas dessa conjuntura de expansão

das potências européias. França e Alemanha em especial. Essas razões

35

O colonialismocomo um processo global

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Page 35: Africa-um-novo-olhar.pdf

estão na ascensão do mundo capitalista ocidental no seu conjunto a

um elevado nível econômico, capaz de competir com a Inglaterra,

senhora até então dos mercados asiáticos e africanos. Com efeito, a

partir da segunda metade do século XIX, essas novas potências

industriais estavam maduras para a expansão colonial e dela

necessitavam. Tinham diante de si o modelo imperial inglês e sentiam-

se até em condições de superá-lo, através da utilização de novas

técnicas oriundas do aprofundamento da revolução industrial (navios

a vapor, ferrovias, siderurgia etc.) e de uma concentração financeira e

industrial superior inclusive à britânica.

Por outro lado, para além da ascensão dos países ocidentais ao

estágio imperialista, ocorreu uma conjuntura extremamente favorável

à extensão dos domínios coloniais: a decadência dos Estados asiáticos

e africanos. Assistimos assim, a partir do século XIX, à desagregação

dos principados indianos, das províncias turcas e, na África, as

conseqüências da desestruturação de impérios e reinos, cujas bases

haviam sido minadas desde o período do tráfico escravo.

No interior das nações capitalistas o fenômeno da colonização

não foi realizado sem um reajuste de interesses das diversas frações da

burguesia. A fração comercial, representada pelas grandes

companhias de comércio, atuantes já antes da partilha colonial,

mostrava-se reticente quanto a uma colonização que levasse à

ocupação efetiva dos territórios. Deve-se ter em vista que a razão

principal da atuação dessas companhias era a possibilidade de

comerciar em regiões litorâneas livres de fronteiras, como por

exemplo, na África, onde obtinham, através de transações com as

classes dominantes locais, produtos comerciáveis na Europa com

lucros altamente compensadores. Com a partilha e a conseqüente

36

Além da ascensão dospaíses ocidentais derivadada revolução industrial ede um novo estágio docapitalismo, os europeustiveram a seu favor adecadência de algunsEstados africanos no pós-tráfico, a desagregaçãoprovocada pelo escravismomercantil na maioria docontinente e adesestruturação do impériootomano, até entãodominante no norte daÁfrica.

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fronteirização e protecionismo coloniais, essas companhias ficariam

restritas aos territórios conquistados pelas suas metrópoles. A

burguesia industrial, por sua vez, era a mais interessada nesse

empreendimento. A existência de recursos naturais disponíveis

praticamente inesgotáveis e uma grande massa de mão-de-obra lhe

abriam perspectivas de lucros sem precedentes, as quais serão

confirmadas no decorrer da colonização, quando a dominação política

por via militar permitirá a imposição de salários baixíssimos,

inferiores ao nível necessário de subsistência. Esta será

complementada pelo que resta da economia tradicional africana, pré-

capitalista. Uma repressão constante será encarregada de frustrar

qualquer tentativa de resistência autóctone.

A burguesia financeira interessava-se pela empresa de exploração

e de colonização, já que esta demandava grandes capitais, recurso

obrigatório, portanto aos empréstimos bancários, embora as

oportunidades maiores dessa burguesia estivessem fora da África.

Neste continente, os grandes investimentos só surgiram com a

mineração na África Austral e com as estradas de ferro. No entanto,

alguns dos seus setores teriam preferido um tipo de exploração tal

como a burguesia comercial vinha exercendo, isto é, tratando

diretamente e em termos de troca desigual com os governos africanos

e asiáticos.

A concorrência cada vez mais acirrada das demais potências na

disputa colonial, impunha, porém, o uso da força para a conquista e

manutenção dos territórios. Esse uso da força só pode ser organizado

por uma metrópole transformada em Estado colonialista, em

condições de fornecer um exército regular, e não tropas mercenárias,

como antes, a serviço das companhias para impor a troca desigual aos

37

A diversidade nas formasde colonização, ou os meiosde apropriação colonial,não resultaram apenas dapolítica colonial de cadapotência ou das condiçõesgeoclimáticas do territórioocupado. Essa diversidadederivou sobretudo dostipos de estruturaspolíticas e sócio-econômicas vigentes nasociedade a ser colonizadae do grau dedesenvolvimento docapitalismo no paíseuropeu colonizador.

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Page 37: Africa-um-novo-olhar.pdf

autóctones. Além de um exército, caberia ao Estado prover suas

colônias de infra-estrutura econômica (portos, ferrovias etc.) como

também de uma administração civil adequada. A atividade "pioneira"

de missionários, exploradores científicos (que desempenham

sobretudo o papel de agenciadores de mercados) e aventureiros

militares era já insuficiente. Todos esses elementos tiveram um peso

político e ideológico importante na decisão pela ocupação efetiva da

África, o que nos leva a salientar que o domínio colonial se fez não

somente por motivos econômicos de ordem imediata, mas também

pela conjugação de fatores de ordem extra-econômica (a ocupação do

Egito pela Inglaterra para segurança da Rota para a Índia).

Inaugurava-se dessa forma para a África la course au clocher, a corrida

contra o tempo.

As diferentes formas de colonização

A diversidade nas formas de colonização, ou os meios de

apropriação colonial, não resultaram apenas da política colonial de cada

potência ou das condições geo-climáticas do território ocupado. Essa

diversidade derivou sobretudo dos tipos de estruturas políticas e

sócio-econômicas vigentes na sociedade a ser colonizada e do grau de

desenvolvimento do capitalismo no país europeu colonizador.

Podemos distinguir, em termos didáticos, duas formas principais

de colonização: as colônias de povoamento (ou enraizamento) e as

colônias de exploração (ou enquadramento).

As colônias de povoamento caracterizam-se pela instalação no

território subjugado de uma minoria européia numericamente

expressiva. Ela assume o total controle político e constitui a camada

dominante, em todos os sentidos, da sociedade. Essa minoria

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compreende: a) ex-camponeses emigrados da metrópole que se

instalam em grande parte nas terras que vão sendo expropriadas manu

militari aos africanos, vindo a formar, portanto, a classe dos grandes

proprietários fundiários; b) uma pequena burguesia comerciante,

freqüentemente composta de não-europeus, sírios e libaneses na costa

ocidental africana; indianos, paquistaneses e chineses na costa oriental

(o grande comércio de exportação-importação é monopolizado por

companhias metropolitanas); c) uma frágil burguesia industrial.

A burguesia fundiária vai beneficiar-se da força de trabalho, a

preço irrisório, dos africanos despojados das terras que ela passou a

ocupar. Através do estatuto do trabalho forçado e do imposto

indígena, esses africanos transformam-se em assalariados rurais pelo

menos durante uma parte do ano. No restante do tempo voltam à

economia tradicional, de subsistência e troca interna, praticada em

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Aldeia com paliçada, em Angola, século XVII

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Page 39: Africa-um-novo-olhar.pdf

terras cada vez menos férteis e mais exíguas. Os proprietários

europeus beneficiam-se igualmente da manutenção de preços

elevados e de financiamentos garantidos pela metrópole para os seus

produtos agrícolas de exportação.

A essas camadas burguesas citadas - fundiária, comercial e

industrial - somam-se os funcionários e operários europeus. Tanto uns

quanto outros recebem salários muitíssimos mais altos que seus

colegas autóctones e são também muito melhor pagos do que se

trabalhassem na metrópole. No plano ideológico, funcionários e

operários europeus gozam das regalias do estatuto de "colonizadores",

fato que mascara sua situação de classe. Apesar de "pequenos

brancos", seu número e sua posição no sistema colonial fazem deles o

principal suporte político do colonialismo e os mais exaltados

executores do racismo.

40

Uma casa de aldeia noMali: celeiro, dispensa,salão, varanda, banheiro,quarto, galinheiro ereserva de milho.

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Nas colônias de povoamento, os interesses dos colonos tendem a

se distinguir mais e mais dos da grande burguesia metropolitana. Esta

reclama dos preços elevados pagos pelos produtos agrícolas

exportados pelos colonos, salientando serem estes os beneficiários

mais imediatos de uma situação colonial, que para ser mantida requer

cada vez mais encargos (despesas militares para conter o

nacionalismo, por exemplo), a serem pagos sobretudo pela metrópole.

Por sua parte, os colonos reivindicam maior autonomia administrativa

e participação política que deve, porém, segundo eles, restringir-se aos

brancos. Contudo, a sua permanência como colonizadores e os

privilégios de que gozam, dependem do apoio da metrópole. Nos

casos em que esse apoio direto, por razões especiais, pôde ser

dispensado, deu-se ensejo às "independências" sob controle branco:

África do Sul e Rodésia. Todavia, mesmo na perspectiva do

neocolonialismo, essa forma de capitalismo colonial está condenada,

bem como as camadas sociais que dela dependem. Clássico é o

exemplo argelino, onde os colonos se opuseram in extremis à formação

de uma burguesia autóctone que, por dependência direta do

capitalismo internacional, ocasionasse o neocolonialismo. Os colonos

tentaram colocar no poder, em Paris, um governo que defendesse seus

interesses. Pensaram que De Gaulle fosse, em 1958, o seu

representante. A estratégia francesa, entretanto, obrigada pela luta de

libertação argelina, ditava o sacrifício do velho capitalismo agrário

colonial em benefício do grande capital francês integrado no Mercado

Comum Europeu. Este se mostrava mais interessado numa via

neocolonialista para a Argélia, coisa que foi, no entanto, em parte

frustrada pela ação da Frente de Libertação Nacional.

Nas colônias de exploração, a presença do colonizador manifesta-

41

No colonialismo depovoamento branco, osfuncionários subalternos eos operários europeusgozam das regalias doestatuto de "civilizadores",fato que mascara a suasituação ou classe. Apesarde serem "pequenosbrancos", seu número eposição no sistema colonialfazem dela o principalsuporte político dacontinuidade docolonialismo e os maisexaltados executores doracismo.

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se essencialmente por meio de um enquadramento militar e policial e

de uma estrutura administrativa de cúpula. O número de colonos

nelas instalado é pequeno, insuficiente para aí desempenhar um papel

político de caráter autonomista. Os europeus não se apropriam

substancialmente das terras dos africanos, em mãos de quem

permanece a maior parte da produção agrícola, inclusive a de

exportação. Assim sendo, os colonos não têm interesses divergentes

dos da metrópole. Dela dependem inteiramente por serem, em sua

maioria, funcionários do governo ou das grandes companhias

coloniais. Não se enraízam na colônia. Cumprem um contrato

temporário e geralmente voltam para a metrópole ou circulam por

outros territórios do "ultramar".

Dois tipos básicos de administração são praticados: a indireta e a

direta. Freqüentemente há uma associação dos dois métodos. Na

administração indireta (indirect rule), a potência colonial exerce a

autoridade utilizando-se dos governos autóctones anteriormente

subjugados pela força militar. Essa utilização tem uma amplitude

diretamente proporcional ao nível de complexidade do aparelho estatal

africano e ao grau de aliança com subordinação que os chefes

tradicionais autóctones estabelecem com o poder colonial. Através

dessa aliança/subordinação eles podem continuar usufruindo da

exploração de sua massa camponesa pela apropriação de um excedente

desta transformado em tributo. Só que no colonialismo esse tributo é

aumentado, e a maior parte dele vai parar nas mãos do colonizador. A

classe dominante africana perde, portanto, não só a sua autonomia

política como a econômica. No campo político, ela passa a estar a serviço

do colonialismo, assegurando a manutenção da nova ordem e

executando as tarefas mais árduas da administração colonial, como a

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cobrança de impostos. No campo econômico, cabe à classe dominante

africana orientar a produção camponesa para uma agricultura de

exportação que interesse aos europeus (cacau, café, amendoim etc.),

em prejuízo da agricultura de subsistência e troca interna.

Na administração direta, praticada nas colônias de

povoamento (e, em grande medida, em colônias francesas,

portuguesas e belgas da África Negra), as forças coloniais exercem a

autoridade diretamente sobre as populações locais, valendo-se

contudo, no interior do país, de pequenos chefes africanos. Estes,

quando não se submetem inteiramente ao colonialismo, são

substituídos por outros nomeados pela administração européia.

O processo de descolonização das colônias de exploração,

particularmente aquelas de administração indireta, embora submetido

a pressões políticas freqüentemente violentas, desenrolou-se de um

modo geral sem a realização de uma guerra de independência. A

burocracia e a burguesia autóctones assumiram o poder político

através de um processo de crescente autonomia até a independência,

mantendo-se, em graus diferentes segundo cada país, os laços de

dependência que caracterizam o neocolonialismo. Já o processo de

descolonização nas colônias de povoamento, em especial nas de forte

minoria européia, é marcado por uma guerra de independência

assumida como luta de libertação anticolonialista. Foram os casos de

Argélia, Angola, Moçambique, etc. As independências obtidas sob

controle das minorias brancas - como a África do Sul e a Rodésia (atual

Zimbábue), não esgotaram o processo de descolonização, tendo esta

última feita sua luta de libertação, obtendo a independência em 1980,

assim como a Namíbia, em 1990. A África do Sul conquistou um

governo de maioria e o fim do apartheid em 1994.

43

Albert Luthuli (1898-1967), chefe tradicionalZulu e pastor metodista.Foi presidente do ConselhoNacional da África do Sule recebeu o prêmio Nobelda Paz pela sua luta contraa apartheid, em 1960.

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As estruturas econômicas

É em torno da economia que se organizam as relações estruturais

que definem o sistema colonial. A economia é controlada pela

metrópole que a põe ao abrigo da concorrência dos demais países

capitalistas. Trata-se de uma economia complementar, dirigida para a

produção de matérias primas agrícolas e minerais destinadas à

exportação para a metrópole. É especializada, na medida em que a

produção agrícola se orienta para a monocultura. Nesse sentido, os

camponeses foram obrigados a concentrar-se na cultura do cacau,

como no caso de Gana, em prejuízo da cultura de produtos

alimentícios para subsistência e troca regional. No entanto, o estímulo

à monocultura não se faz acompanhar de preços estáveis. Fixados

pelos europeus, que controlavam o grande comércio, baixavam

continuamente, enquanto se elevavam os preços não só dos produtos

manufaturados, tornados necessários a partir do colonialismo, como

outros que passaram a ser indispensáveis devido às limitações à

produção diversificada imposta pela monocultura.

A introdução da economia colonial na África produz a

desestruturação dos modos de produção existentes, ao implantar

relações capitalistas de produção através de mecanismos econômicos

e extra-econômicos. Estes, de caráter coercitivo, são necessários na

medida em que os africanos possuem, de forma coletiva, a posse do

meio de produção principal - a terra. Torna-se, então, forçoso obrigá-

los a entrar de um modo generalizado na economia monetária. Vários

mecanismos são utilizados para isso: introdução do estatuto de

propriedade privada da terra, o imposto indígena, o cultivo forçado e,

principalmente, o trabalho forçado.

O primeiro agente dessa monetarização é o imposto indígena, que

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Page 44: Africa-um-novo-olhar.pdf

deve ser pago em espécie e não in natura. Obriga-se assim o camponês

a sair da economia tradicional e vender a força de trabalho, para que

obtenha a quantia necessária ao pagamento do imposto. Este

instrumento torna-se mais premente quando utilizado nas colônias ou

em áreas onde os autóctones não foram expulsos, quer por meios

militares quer pela instituição da propriedade privada que

praticamente os obrigava a vender aos europeus (ou a perder o direito

por falta de registro) as melhores terras. Ao constatar ser o imposto

insuficiente para o deslocamento maciço de mão-de-obra para a

economia capitalista, o colonialismo cria o trabalho forçado, com

amplo recrutamento. Deste modo, os africanos são obrigados, em pelo

menos substancial parte do ano, a trabalhar para os europeus,

inclusive nas obras de infra-estrutura (portos, estradas, edifícios da

administração etc.). O cultivo forçado – dispositivo muito usado nas

colônias portuguesas – ocorre especialmente quando, na incapacidade

ou na inoportunidade de criar plantation, a administração colonial

obriga certas comunidades africanas a cultivarem, de forma

monocultora, produtos de exportação cujo preço e comercialização

ficam a cargo de companhias concessionárias monopolistas.

A economia colonial é essencialmente destrutiva, predatória de

recursos humanos e naturais, não se preocupando com a renovação

dos fatores de produção. Utilizando baixa tecnologia e pequena

inversão de capital (com exceção para o setor mineiro), ela visa

extensiva e predatoriamente a terra e não se preocupa com a

manutenção em bom estado da força de trabalho dos africanos.

A exploração colonial, pelos efeitos que produz, tem seus limites

crescentemente estreitados. Mesmo o caráter econômico desses limites

é determinado sobretudo pelos atos políticos de resistência e luta dos

45

Estela Tumular Ovimbali.

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colonizados. Isto é: a coerção e a superexploração empregadas geram

revoltas e exigem um aparelho repressor cada vez mais oneroso,

instigador por sua vez de maiores revoltas. Por outro lado, o caráter

primitivo das relações de produção coloniais não mais satisfazem às

necessidades de um capitalismo progressivamente monopolista e

internacionalizado. São necessários novos investimentos que não

estão mais ao alcance de empresas coloniais de âmbito quase familiar

ou até mesmo de empresas restritas a uma metrópole. É preciso a ação

de um colonialismo coletivo, financiado por multinacionais -

principalmente para grandes obras de infra-estrutura e exploração

mineira sofisticadas. O rendimento de uma mão-de-obra sujeita a

trabalho forçado e a emprego sazonal é baixo e defasado do nível de

exigências de um capitalismo que começa a implantar nas colônias

certos tipos de indústrias.

As ideologias do colonialismo

O colonialismo, além de subjugação política e econômica, exerce

igualmente uma dominação cultural eurocêntrica. Ele pressupõe a

crença numa só cultura, cuja validade e ápice encontram-se na

civilização européia ocidental. A expansão da Europa, com a ocupação

da Ásia e, em especial, da África, fez-se acompanhar de uma

reelaboração teórica do que passou a se chamar Ciências Sociais, entre

as quais a Antropologia.

Aqui, pretende-se chamar a atenção para duas escolas

antropológicas que constituíram as bases ideológicas mais fortes do

colonialismo: o evolucionismo e o funcionalismo.

A Antropologia tem a sua grande retomada a partir da década de

1860, e é nos vinte anos seguintes que irão aparecer as grandes obras

46

O antropólogo inglêsEdward Tylor sentenciouque as culturas primitivas,enquanto racionalidadesmortas são abolidas naanálise; devem sersuprimidas igualmente navida real pela conexão quemantêm com as fasesinferiores da história. Ocolonialismo foi o executorhistórico dessa sentença.

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da escola evolucionista (Primitive Society, de Tylor, em 1871, e Ancient

Society, de Morgan, em 1877). Essa é a época do início do colonialismo

contemporâneo, não sendo portanto de estranhar a vinculação entre a

escola evolucionista e a ideologia colonial.

O evolucionismo é o herdeiro do racionalismo do século XVIII -

"o século das luzes". Enquanto o racionalismo iluminista vê as

sociedades como modos determinantes de combinar ideais (natureza

e cultura), o evolucionismo observa especialmente nessas sociedades a

questão da produção material. Toda e qualquer sociedade é reduzida

a um estágio de evolução técnico-econômica: a passagem da

brutalidade animal à selvageria, desta à barbárie, e, finalmente, da

barbárie à civilização.

47

Fourah Bay College, em Serra Leoa, à época da sua fundação, em 1827. Tornou-sefaculdade em 1876 e fornou grande parte da elite da África Ocidental.

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Dessa evolução linear resultam duas conseqüências para a

ideologia colonial que podem ser sintetizadas nas seguintes

afirmações de TyIor: "A história da raça humana é una na sua origem,

una no seu progresso", de onde conclui: "Enquanto sobrevivência [de

um estágio anterior], enquanto racionalidades mortas, as culturas

primitivas eliminam-se teoricamente, na análise. Elas devem ser

abolidas praticamente, realmente na vida efetiva. Devem ser

suprimidas em razão da sua conexão com as fases anteriores da

história intelectual do mundo". O colonialismo foi o executante

histórico dessa tarefa, principalmente mediante o genocídio praticado

em grandes contingentes populacionais da Ásia e da África, sobretudo

na fase de ocupação desses continentes.

O darwinismo, por seu turno, fornece outro instrumento à

ideologia colonial, ao afirmar que a evolução se fundamenta num

processo competitivo na luta pela vida, que tem como conseqüência a

sobrevivência dos mais fortes (seleção natural das espécies). É o

chamado darwinismo social, integrado na "biologização" que sofrem

na época as ciências sociais. Bem servido ideologicamente, o

colonialismo irá contudo necessitar de um maior apoio da

Antropologia. É o que vai ocorrer, a partir da década de 1920, com o

funcionalismo, escola antropológica então dominante. Não se trata

mais de justificar teórica e moralmente a dizimação de populações e

culturas como no tempo da ocupação -, mas de compreendê-las para,

utilizando as suas estruturas, poder-se processar a colonização, em

particular a de administração indireta.

A colonização, como realidade dinâmica, requer uma prática

sempre renovada e politicamente conduzida. Será a Antropologia

funcionalista que dará substância teórica à administração colonial,

48

A Antropologia vaisocorrer o colonialismonuma nova fase, a partirda década de 1920 com acorrente funcionalista. Não se trata mais dedizimar populações eculturas, como no tempoda ocupação, mas decompreendê-las para,utilizando as suasestruturas, poder processara colonização, sobretudo ade administração indireta.

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sobretudo a de tipo indireta, tão praticada pelos ingleses na África

Ocidental e que teve em Lorde Lugard - governador da Nigéria - o seu

maior expoente.

Se realçamos as ligações da Antropologia com o colonialismo (e

se poderia fazer isso em relação a outras ciências sociais), é porque a

história das várias escolas dessa disciplina e suas ideologias

correspondentes eram até pouco tempo estudadas entre nós, de um

modo geral, sem a devida articulação com as sociedades em que foram

produzidas. Há algumas décadas se assiste a uma descolonização da

Antropologia, na qual autores como M. Godelier, J. Copans, C.

Meillassoux e outros desenvolvem uma crítica profunda às tendências

clássicas, abrindo novos caminhos de pesquisa e reflexão.

Racismo, ideologia orgânica do colonialismo.

"O racismo resume e simboliza a relação fundamental que une o

colonizado e o colonizador", afirma Albert Memmi. É a ideologia-

chave, organizadora, do colonialismo. Não há colonialismo sem

racismo. Aliás, toda forma de dominação tem articulada a si uma

ideologia que procura justificá-la, que pretende torná-la irremediável,

isto é, dentro do curso natural da vida. Mas se não há colonialismo sem

racismo, isto não significa que, terminada a dependência colonial

direta, a ideologia racista deixe de existir. A descolonização não se

esgota no campo político e nem mesmo no econômico. Se a

independência de uma colônia não for muito além da passagem do

bastão da gerência administrativa do país para uma classe dirigente

autóctone mantenedora das estruturas básicas anteriores (mesmo que

africanize todos os seus quadros) e com elas os aparelhos ideológicos

reprodutores, entre outras coisas, do racismo - este, naturalmente,

49RACISMO

O racismo é a ideologia-chave, organizadora docolonialismo. Não hácolonialismo sem racismo.Aliás, toda a forma dedominação tem articuladaa ela uma ideologia queprocura justificá-la, quepretende torná-lairremediável, isto é, dentrodo curso natural da vida.

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Kwame Nkrumah (1909 - 1972) foi o maiorlíder pan-africano do pós-guerra. Liderou aluta pela independência da Costa do Ouro

(atual Gana) e tornou-se primeiro-ministroem 1957 e presidente em 1960. Foi deposto

por um golpe militar em 1966 e exilou-seem Conacri (Guiné) onde faleceu.

persistirá, mesmo que os seus agentes diretos os colonizadores - não

estejam tão presentes como antes. O racismo não vitima somente os

povos colonizados, mas também e de forma persistente, ainda que por

vezes mascarada, todos aqueles que estão submetidos a formas de

dominação que utilizam o mito racial. Limitemo-nos contudo, por

hora, às relações entre colonialismo e racismo.

A história de vezo eurocêntrico pretende fazer-nos crer que o

racismo é um fenômeno que, através dos tempos, tem vitimado os

"povos de cor". Aceitar isto seria considerar o racismo como a-

histórico, atemporal. Diria um ingênuo: "sempre existiu; logo, sempre

existirá". Senghor lembra que "o racismo -

etnocentrismo carregado de diferenças raciais,

reais ou imaginárias - não tem mais de quatro

séculos". Nasce com a expansão européia, da qual

deriva o tráfico escravo. A noção de raça -

imprecisa e inoperacional - é, portanto, uma noção

moderna. Pode-se afirmar, de modo geral, que não

havia preconceito racial antes do século XVI,

uma vez que até essa época as ideologias de

dominação não tomavam como justificativa a

raça (ou o mito racial), mas divergências

culturais ligadas sobretudo às diferenças de

50

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religião: "fiéis" contra "pagãos"; cristãos contra muçulmanos, ou contra

judeus, por exemplo. Ao tempo das grandes descobertas, navegadores

dos séculos XV e XVI legaram relatos isentos de preconceito racial.

O racismo, como ideologia elaborada, é fruto da ciência européia

a serviço da dominação sobre a América, África e Ásia. A ideologia

racista se manifesta a partir do tráfico escravo, mas adquire o estatuto

de teoria após a revolução industrial européia. Aimé Césaire, em seu

Discurso sobre o Colonialismo, escrito no imediato do pós-guerra,

salienta que Cortez e Pizarro pilhavam e matavam na conquista da

América, mas que nunca afirmaram "ser mandatários de uma ordem

superior". E ressalta: "os hipócritas só vieram mais tarde", ou seja, com

a ocupação colonial nascida do capitalismo. Acrescenta ainda que

"neste campo o grande responsável é o pedantismo cristão, por ter

proposto as equações desonestas: cristianismo = civilização e

paganismo = selvageria, às quais só poderiam seguir-se as

abomináveis conseqüências coloniais e racistas que vitimaram índios,

asiáticos, africanos negros ou árabes".

As relações entre o racismo e a ciência podem conduzir a um

engodo para o qual são atraídos muitos idealistas: o de pensar-se que

a ciência contemporânea, ao desmistificar o racismo na teoria, possa

ser a principal responsável pela sua eliminação na prática, dentro de

uma concepção positivista do "progresso inescapável da

humanidade". Ou mesmo de crer-se que a "modernização" do Terceiro

Mundo, efetuada pelo capitalismo, se faça naturalmente acompanhar

da eliminação dos comportamentos racistas herdados do

colonialismo. Para contrariar essa hipótese basta lembrar o exemplo

da África do Sul. Sendo o pólo mais desenvolvido do capitalismo no

continente africano, ela foi, ao mesmo tempo, o campo da prática

51

Léopold Senghor, teórico danegritude, afirmava que oracismo não tem mais dequatro séculos, quando seinicia o tráfico negreiro.Antes do século XVI asideologias de dominaçãotinham como referênciasobretudo a religião: fiéiscontra pagãos, cristãos contra muçulmanos e judeus.

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racista mais exacerbada: o apartheid - o racismo erigido em lei

constitucional.

A eliminação do racismo não pode ser tarefa imputada

prioritariamente à ciência contemporânea, por mais ilibada que esta se

apresente das concepções eurocêntricas. Tarefa eminentemente

política, ela vem sendo conduzida pelas próprias vítimas do racismo,

sejam povos colonizados ou neocolonizados da África, Ásia e América

ou minorias oprimidas em qualquer parte do mundo. O combate ao

racismo dá-se no interior da luta social - onde está a sua origem - e não

somente nos campos econômicos e jurídico-político, mas sobretudo, e

permanentemente, na instância ideológica através do processo de

descolonização cultural.

Características da atitude racista

Considerado como um conjunto de condutas, de reflexos

adquiridos, exercidos desde a primeira infância através da família, da

escola e da prática social em geral, o racismo, segundo Memmi, está

tão espontaneamente incorporado aos gestos, às palavras, mesmo as

mais banais, que parece constituir uma das mais sólidas estruturas da

personalidade colonialista. Ele se torna indispensável ao colonizador

para explicar e justificar a exploração não só ao colonizado como

também a si mesmo, devido à necessidade de se tranqüilizar

moralmente. É indispensável, acima de tudo, para manter o sistema de

exploração e, nele, o seu lugar de privilégio. Nos "pequenos brancos"

a atitude racista é freqüentemente mais exacerbada, porque esse lugar

de privilégio pode, em certas situações, correr o risco de, na

competição econômica, ser dividido com certas camadas autóctones.

Para analisar a atitude racista, Memmi destaca nela três

52

Aimé Césaire, daMartinica, é autor daexpressão negritude emseu Discurso sobre oColonialismo. Escrito noimediato pós-guerra,identificava o ódio doseuropeus a Hitler, não pelaprática de genocídio, istoeles já haviam feito com osnegros, os árabes e osasiáticos. O que oseuropeus não aceitavamera o genocídio depopulações brancas, judias ou não.

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elementos importantes: primeiro, procura-se descobrir e pôr em

evidência diferenças reais ou imaginárias entre o colonizador e o

colonizado; depois, valoriza-se essas diferenças em proveito do

colonizador e em detrimento do colonizado; finalmente, essas

diferenças são levadas ao absoluto, isto é, afirma-se que elas são

definitivas, não históricas nem culturais.

Estabelecer diferenças culturais entre povos não é, em si, uma

atitude racista. Tais diferenças provêm da diversidade de processos

históricos e sociais. Contudo, a estratégia do racismo, ao estabelecer

diferenças entre colonizador e colonizado e valorizar essas diferenças

em constante detrimento deste, é pretender colocá-lo fora da

comunidade ou mesmo da humanidade, pois que o colonizado não

seria portador de caracteres essenciais

da pessoa humana, só encontrados na

sua plenitude no europeu. A

continuidade dessa estratégia está em

pretender transformar diferenças

culturais em diferenças genéticas

imutáveis ou, no máximo, passíveis de

evolução a longuíssimo prazo. Ora,

uma diferença cultural separada da

história torna-se metafísica e se

transformaria, pela estratégia racista,

numa deficiência essencial do

colonizado. Ao mesmo tempo, as

diferenças culturais, consideradas

como deficiências intrínsecas ao

colonizado, são generalizadas,

53

Porte de grenier/ Senegal.

Nos "pequenos brancos" aatitude racista éfrequentemente maisexarcebada, porque esselugar de privilégio que elesusufruem pode em certasocasiões correr o risco de,na competição econômica,ser dividido com certascamadas qualificadas dosautóctones.

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coletivizadas: "todos eles são assim". Claro, não se está esquecendo aqui

o exemplo clássico do "colonizado-amigo", a quem paternalisticamente o

branco diz: "Você é um preto (ou árabe, ou... etc.) diferente". Com essa

afirmação se exige, em reciprocidade, a gratidão do colonizado. Esta

exigência é a marca registrada do paternalismo (forma de racismo bem

atuante, por sinal, na sociedade brasileira).

Outro tipo de paternalismo pretende esquecer as diferenças,

pensando com isso diminuir - ou mascarar - o conflito racial. Esse

comportamento estende-se àqueles que se pretendem anti-racistas,

por se considerarem numa posição ideológica de "esquerda". A

questão não é negar as diferenças mas assumi-las e verificar que, entre

os homens, as diferenças culturais, como outras, são efeitos históricos

reais e, como tal, não são escandalosas. Também é ingênuo pensar que

se torna indispensável convencer os racistas a deixarem de sê-lo para

que se atinja urna nova ordem social. Esta deve ser conquistada apesar

da permanência de pessoas racistas. Basta que, como resultado de

uma luta política específica, sejam implementadas medidas concretas

que impeçam os racistas de fazerem prevalecer, na prática social, os

seus preconceitos. Porém, como foi anteriormente referido, a solução

da totalidade do problema remete a uma questão social mais ampla.

A descolonização pode ser descrita como um processo histórico,

primordialmente político, ocorrido em especial após a Segunda

Guerra Mundial, e que se traduziu na obtenção gradativa da

independência das colônias européias situadas na Ásia e na África.

Teve seu ritmo regulado quer pelas formas de luta dos povos

colonizados na conquista de sua independência, quer pela política de

54

DESCOLONI-ZAÇÃO

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"concessões" de autonomia, diferente segundo a potência

colonizadora e, sobretudo, a especificidade de cada território. Deu-se,

de um modo geral, por sucessivas etapas de crescente autonomia

interna das colônias, processo de que provieram a Commonwealth

(Comunidade das Nações), sob égide britânica, e as transitórias União

Francesa e Comunidade Francesa.

Para Frantz Fanon, psiquiatra nascido na Martinica, mas

engajado na guerra de independência da Argélia, o conceito de

descolonização tem um sentido mais radical: "Libertação nacional,

renascimento nacional, restituição da nação ao povo, Commonwealth,

quaisquer que sejam as rubricas utilizadas ou as novas fórmulas

introduzidas, a descolonização é sempre um fenômeno violento, (...) é

simplesmente a substituição de uma 'espécie' de homens por outra

'espécie' de homens". Ela só se completa, portanto, com a criação de

homens novos que tenham vomitado a ideologia colonial.

A descolonização não é simétrica da colonização; o motor desta

última esteve na Europa, mas o da descolonização funcionou a partir

do mundo colonial. Ela apresenta-se historicamente em duas vertentes

simultâneas: a luta dos povos colonizados pela sua libertação e

desenvolvimento social e a política de "concessões" ou de manobras de

estratégia neocolonialista, feita pelas grandes potências com a

cumplicidade das burguesias e burocracias autóctones. A

predominância de uma ou de outra das vertentes só pode ser

analisada no concreto da conjuntura histórica de cada país.

Retornando ao exame geral da descolonização, verifica-se que ela

resultou da "avalanche dos povos de cor" (designação literária da luta

anticolonial) e teve como resposta uma reorganização do capitalismo

no sentido de uma passagem (ou tentativa de passagem) do

55

Colonialismo e geopolítica,na expansão colonial: "A França procuravacompensar as suas perdasna Europa através doslucros no ultramar [alémdo prestígio político depoisda derrota para aAlemanha em 1871]. A Grã-Bretanha sonhavacontrabalançar o seuisolamento na Europaaumentando e exaltando o seu império. A Rússia,bloqueada nos Bálcãsvoltou-se de novo para aÁsia. Quanto à Alemanhae Itália, ambas queriammostrar ao mundo quetinham o direito derecuperar o seu prestígio,adquirido pela força naEuropa, com avançosimperiais em outroscontinentes"Carlton Hayes

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colonialismo para o neocolonialismo e, hoje para imperialismo

neoliberal. A "avalanche" correspondeu uma redefinição de certas

classes sociais na Ásia e na África, além do surgimento nesses

contingentes da burguesia e do proletariado. Na sua implantação, o

colonialismo combateu as camadas comerciais, o artesanato e a

manufatura locais; destruiu ou, na maior parte das vezes, subordinou

as aristocracias autóctones. Com o desenvolvimento da exploração

colonial e as novas exigências do capitalismo, este deslocou ou

ampliou seu sistema de alianças: dos chefes tradicionais para a

burguesia comercial e, especialmente, para a burocracia, a partir da

necessidade crescente de gerentes e administradores autóctones.

Tem, então, papel importante a intelligentsia asiática e africana.

Grande parte dela absorveu, na sua formação universitária e política

feita no exterior, as idéias revolucionárias e as técnicas euro-

americanas. Passou a organizar a contestação ao poder colonial,

levada a efeito de forma cada vez mais ameaçadora pelos assalariados

urbanos e massa rural. A intelligentsia afro-asiática reelaborou o

pensamento revolucionário da época, produzindo ideologias e

programas políticos assentados na realidade dos seus países e num

passado histórico referenciado como instrumento de luta. Não

obstante, das fileiras dessa intelligentsia saíram igualmente os

quadros requisitados pelo neocolonialismo. Com este, são

ultrapassados os parâmetros da exploração colonial clássica, que é

substituída pela ação das multinacionais, capazes de maiores

investimentos e voltados mais para a exploração de minérios que

para a de produtos agrícolas tropicais. Da África do solo passa-se a

privilegiar a África do subsolo. Tal mudança acompanha a

transformação operada no campo internacional, onde após a

56

Para Frantz Fanon, negro da Martinica, masengajado na luta delibertação da Argélia, adescolonização tem umsentido radical. "É asubstituição de uma'espécie' de homens poroutra 'espécie' de homem(...). Ela só se completacom a criação de homensnovos que tenhamvomitado a ideologiacolonial".

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Segunda Guerra Mundial houve um enfraquecimento das potências

européias e o predomínio das duas superpotências: Estados Unidos

e União Soviética.

As políticas metropolitanas de descolonização

A política colonial deve ser objetiva, baseada nos fatos, portanto

variada, porque os países diferem. Há, por conseqüência, várias

políticas coloniais, afirmava Delafosse, teórico da colonização

francesa. Nenhuma delas se orientou deliberadamente para a

emancipação dos povos coloniais.

A política inglesa, embora não sistematicamente assimilacionista,

teve como resultado a implantação na África de instituições que,

inicialmente, só tinham como representantes elementos das minorias

brancas e alguns chefes autóctones nomeados. Nas colônias de

exploração, certos postos administrativos foram sendo assumidos

primeiro por chefes tradicionais, depois por africanos "notáveis"

nomeados e, mais tarde, por africanos eleitos. Ao contrário, nas

colônias de povoamento, as instituições políticas locais – Conselho

Executivo e Conselho Legislativo – eram ocupadas quase que

exclusivamente por representantes das minorias brancas. A política do

self-govemment era, para as colônias de povoamento branco inglesas

da África, uma estratégia de transferência do poder para as

minorias brancas, o que foi conseguido na África do Sul e Rodésia

(atual Zimbábue).

A política francesa utilizou desde o associonismo (aplicado por

Lyautey, no protetorado de Marrocos) até o "integracionismo",

segundo o qual a Argélia, por exemplo, era considerada um

departamento – e não uma colônia – da França. O que predominava era

57

"Tchibinda Ilunga"Escultura Quioca.

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Page 57: Africa-um-novo-olhar.pdf

o espírito assimilacionista, que pretendia produzir uma minoria de

africanos afrancesados ("peles negras com máscaras brancas", no dizer

de Fanon).

Mais importante que a identificação das políticas coloniais de

acordo com cada metrópole, é ter em consideração o tipo de

colonização estabelecido no território, pois é ele que vai,

fundamentalmente, ditar o método a ser aplicado.

As ideologias da luta anticolonial

As ideologias elaboradas pela intelligentsia afro-asiática se

caracterizam por uma amplitude que tem correspondência

direta com o caráter generalizante da dominação colonial. São

ideologias que ultrapassam os estreitos limites do regionalismo

para se estenderem à dimensão continental (Asiatismo e Pan-

africanismo da segunda fase), à religiosa de caráter universalista (o

Renascimento lslâmico) ou à dimensão de uma etnia, com projeto

político de forte e amplo suporte lingüístico e religioso (o Pan-

arabismo), até a solidariedade racial/cultural (o Pan-africanismo da

primeira fase e a Negritude) e à frente política intercontinental (o

Afro-Asiatismo).

O caráter difuso dessas ideologias se deve à exigência de

resposta à atuação totalizante do colonialismo e da mobilização,

numa ampla frente política, de classes sociais autóctones, as mais

diversas, cujos interesses específicos são divergentes. Na maior parte

das vezes essas ideologias servirão, após as independências, para

mascarar lutas sociais e justificar o controle político assumido pela

intelligentsia quando esta, como burguesia e/ou burocracia, se

apossa do Estado.

58

A intelligentsia afro-asiática reelaborou opensamento revolucionárioda época – inclusive olegado revolucionário doOcidente – e produziuideologias e programaspolíticos assentados narealidade dos seus países enum passado históricoreferenciado comoinstrumento de luta.

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O Asiatismo. A presença européia na Ásia criou, entre populações

divididas por religiões e etnias diversas, o sentimento de pertencerem

a uma mesma comunidade na qual todos os esforços deveriam ser

conjugados para uma melhoria política e social e cujo lema era: "A Ásia

para os asiáticos". De certa forma, pela subjugação, o colonialismo uniu

povos diferentes e contribuiu para forjar uma ideologia nacional

moderna. A vitória do Japão sobre a Rússia, em 1905, foi um

acontecimento importante no desenvolvimento do asiatismo. Ela foi a

primeira guerra ganha por um povo de cor contra os brancos, no século

XX, e difundiu a convicção de que os europeus podiam ser vencidos.

Por outro lado, a vitória do moderno Estado japonês mostrou que a

luta não poderia mais ser liderada pelas velhas classes dirigentes e nem

visar o retorno às antigas instituições políticas.

59

W.E.B. DU Bois (1868 -1963), considerado o pai dopan-africanismo. Foi o maisimportante líder políticonegro na primeira metade doséculo XX. Morreu no exílio,em Gana, com 95 anos, ondepôde ver os primeiros frutosdo seu sonho pan-africanista.

O caráter difuso dessasideologias se deve àexigência de uma resposta à atuação totalizante docolonialismo e damobilização de todos osnacionalistas, mesmo quetivessem interessesespecíficos divergentes. Namaior parte das vezes, essasideologias servirão, após aconsolidação da soberania,para mascarar lutas sociais e justificar o controle queessa intelligentsia assumequando se apossa do Estado.

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Page 59: Africa-um-novo-olhar.pdf

O Pan-africanismo. A ideologia pan-africanista não nasceu na

África. Surgiu de um sentimento de solidariedade e consciência de

uma origem comum entre os negros das Antilhas e dos Estados

Unidos, envolvidos numa luta semelhante contra a violenta

segregação racial que sofriam. Essa solidariedade difusa data da

segunda metade do século XIX sem que, no entanto, tenha tido uma

organização política capaz de instrumentá-la em todo o continente

americano, permanecendo o combate ao racismo ligado à

especificidade de cada país.

O termo pan-africanismo foi utilizado pela primeira vez por

Sylvester Williams, advogado negro de Trinidad, durante uma

conferência promovida por intelectuais negros em Londres, em 1900.

Williams não enfatizava ainda a unificação da África, dividida pelas

potências européias. Ele clamava contra a expropriação das terras

dos sul-africanos negros pelos boêres e ingleses e reivindicava o

direito dos negros à sua própria personalidade. Embora centrada no

plano cultural, essa reivindicação ocasionará a organização do I

Congresso Pan-africano, realizado em Paris, em 1919, sob a liderança

de W. E. B. Du Bois.

Du Bois é considerado o pai do pan-africanismo. Opôs-se, nos

Estados Unidos, tanto ao reformismo de Booker T. Washington,

quanto ao "sionismo negro" retornista de Marcus Garvey. O primeiro

condicionava a possibilidade de igualdade racial à melhoria de

situação dos negros, de modo a poder competir com os brancos; o

segundo, favorável a um retorno dos negros à África, fundou para isso

uma companhia de navegação e, utilizando o seu grande poder

carismático, mobilizou dezenas de milhares de negros. Du Bois foi o

organizador dos cinco primeiros Congressos Pan-africanos: Paris,

60

A vitória do Japão sobre aRússia, em 1905, foi aprimeira guerra ganha porum povo de cor contra osbrancos, no século XX, edifundiu a convicção deque os europeus podiamser vencidos. A vitória domoderno Estado japonêsmostrou também que aluta não poderia mais serliderada pelas velhasclasses dirigentes visandoo retorno às antigasinstituições políticas.

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Page 60: Africa-um-novo-olhar.pdf

1919; Londres, 1921; Londres e Lisboa, 1923; Nova York, 1927; e

Manchester, 1945. Este se constituiu numa virada do pan-africanismo,

que, de movimento cultural de intelectuais negros, sobretudo das

Américas, passou a ser um instrumento de luta política pela

independência da África, particularmente das colônias inglesas da

África Ocidental.

O Congresso de Manchester propiciou o surgimento a nível

internacional de uma nova liderança africana anticolonialista onde se

destacavam: Kwame Nkrumah

(Gana), Jomo Kenyatta (Quênia), Peter

Abrahms (África do Sul) e George

Padmore (Trinidad), este co-

responsável com Nkrumah pelo

secretariado do Congresso. Mais

importante ainda é que a maioria dos

participantes era de sindicalistas e

estudantes africanos e não mais de

intelectuais afro-americanos. "O pan-

africanismo havia entrado numa nova

fase - a da ação positiva. A eficácia

dessa ação dependia do grau de

organização dos povos africanos. A

organização é a chave que abre o

caminho da liberdade. Sem o apoio

efetivo do povo, os intelectuais ficam

isolados e sem eficácia". Eis porque o V

Congresso na sua Declaração aos

Colonizados, sublinhou a importância

61

"Lweji-Ya-Kondi"Escultura Quioca.

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Page 61: Africa-um-novo-olhar.pdf

de formar uma frente unida entre os intelectuais, os operários e os

camponeses na luta contra o colonialismo. A declaração termina

afirmando o direito de todos os povos coloniais de dirigir o seu

próprio destino e a necessidade do fim da dominação imperialista,

política e econômica.

Tornado instrumento de luta anticolonialista e programa visando

a unidade africana – através da formação de federações regionais - o

pan-africanismo teve em Nkrumah o seu maior líder, tanto no plano

da formulação teórica quanto no da prática política. Neste sentido ele

promoveu a união do seu país, Gana – independente em 1957 -, com

Guiné e, depois, com o Mali. Apesar da falência dessas uniões, Acra,

capital ganesa, torna-se, até a derrubada de Nkrumah por um golpe

militar, em 1966, a Meca africana dos movimentos de libertação, tal

como Argel depois da independência da Argélia, em 1962.

A negritude. Formulada pela primeira vez pelo poeta e político

antilhano Aimé Césaire, a negritude teve em Léopold S. Senghor seu

principal teórico: "Objetivamente, a negritude é um fato: uma cultura.

É o conjunto dos valores - econômicos e políticos, intelectuais e

morais, artísticos e sociais - não somente dos povos da África Negra

mas também das minorias negras da América e, inclusive, da Ásia e

Oceania (...). É, em suma, a tarefa a que se propuseram os militantes

da negritude: assumir os valores da civilização do mundo negro,

atualiza-los e fecundá-los, quando necessário com as contribuições

estrangeiras, para vivê-los em si e para si, mas também para fazê-los

viver por e para os Outros, levando assim a contribuição de novos

Negros à Civilização do Universal.".

Tendo como principal foco de irradiação revista Présence Africaine

- criada em Paris, em 1947, por intelectuais negros preocupados

62

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Page 62: Africa-um-novo-olhar.pdf

em descolonizar o estudo

da história africana, deformada

pelo colonialismo – a negritude

constituiu, especialmente nas

colônias francesas, a expressão

cultural do pan-africanismo.

Noção polêmica, ela é rejeitada

atualmente por Césaire:

"Senghor e eu inventamos e

demos conteúdo ao conceito e ao movimento da negritude. Mas meu

amigo Senghor e eu não estamos mais de acordo sobre a sua noção e

sua prática. Ele parece ter feito dela uma metafísica". Tal afirmação

está ligada ao idealismo histórico que marca a negritude, quando esta

pressupõe culturas raciais ou continentais. Amílcar Cabral, líder da

luta pela independência da Guiné Bissau, observa: "Sem pretender

minimizar a importância de tais teorias e 'movimentos', que devem ser

entendidos como tentativas, bem ou mal sucedidas, de encontrar uma

identidade e como meios de contestação da dominação estrangeira,

63

Amilcar Cabral (1924-1973), nascido naGuiné-Bissau e filho de caboverdianos foio mais destacado líder e teórico da luta de

libertação das colônias africanas dePortugal. Fundou o PAIGC- Partido

Africano da Independência da Guiné e doCabo Verde, em 1956. Sua obra Unidade

e Luta tem dois volumes: A Arma da

Terória e a Crítica das Armas. Foiassassinado por dissidentes do PAIGC

com o apoio do regime colonial.

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Page 63: Africa-um-novo-olhar.pdf

podemos, em todo caso, afirmar que uma análise objetiva da realidade

cultural conduz à negação da existência de culturas raciais ou

continentais. As coordenadas da cultura, como as de todo o fenômeno

em desenvolvimento, variam no espaço e no tempo, tanto em seu

sentido material (espaço e tempo físicos) quanto humano (biológicos e

sociológicos)".

O afro-asiatismo. Tendo como objetivo a cooperação na solução

de problemas comuns e a luta conjunta contra o colonialismo e o

racismo, o movimento afro-asiático caracterizou-se também pelo

neutralismo em relação à política de formação de blocos militares

das duas grandes potências, Estados Unidos e União Soviética. O

afro-asiatismo passou a desenvolver a sua ação nas assembléias das

Nações Unidas e através de conferências, das quais a mais

importante foi a de Bandung, realizada na Indonésia, em abril de

1955, e que reuniu 29 países dos dois continentes. Essa conferência

marcou a entrada dos povos do Terceiro Mundo no cenário

internacional. O "espírito de Bandung" - paz e promoção social

dentro da igualdade de direitos -, presente também nas conferências

afro-asiáticas do Cairo (1957) e de Acra

(1958), contribuiu substancialmente para

acelerar o processo de descolonização.

64

Léopold Sédar Senhghor (1906 - 2001) foi o primeiropresidente do Senegal, de 1960 até aposentar-se em1980. Téorico da negritude desde a década de 1940 foiprisioneiro dos nazistas na segunda guerra mundial. Em 1983 foi eleito membro da Academia Francesa.

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AS SEIS MACRORREGIÕES DA ÁFRICA

Neste capítulo, o nosso olhar privilegiará não tanto os aspectos da

unidade da África quanto os da diversidade, para efeito didático e de

abrangência do continente. Por outras palavras, o capítulo abordará a

diversidade das suas seis macrorregiões e ao mesmo tempo enfatizará

o que há de homogêneo no seio de cada uma delas. Esta abordagem

será bastante sintética quase em forma de verbetes.

Antes de ser uma região, a África do Norte constitui, por si só,

uma parte do continente por distinção da outra parte, a África

Subsaariana. Devido à predominância árabe na região e às

conseqüentes afinidades histórico-culturais e lingüísticas ela é

separada, em alguns livros, do resto do continente e agrupada ao

estudo do Oriente Médio.

A África do Norte apresenta duas sub-regiões: a leste, o

Machrech, que inclui a Líbia e o Egito e se prolonga, fora do

continente, até a Península Arábica. A oeste, bem mais

individualizada, o Magrebe ("onde o sol de põe", em árabe), que

compreende a Tunísia, a Argélia e o Marrocos. O grande Magrebe é

um projeto político e econômico, de longa maturação, que pretende a

integração nele da Líbia, da Mauritânia e do Saara Ocidental. Este

território está em processo de plebiscito pela independência ou

incorporação definitiva ao Marrocos.

É a região que disputa a primazia geopolítica e econômica com a

65

África doNorte

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Page 65: Africa-um-novo-olhar.pdf

África Austral, contudo, no momento, ela apresenta vários

indicadores de desenvolvimento econômico-social e posição

estratégica (compartilhada com a Europa e o Oriente Próximo a bacia

do Mediterrâneo) que ainda a colocam no primeiro lugar do ranking

africano. Dos sete países africanos com maior PIB, grau de

industrialização e escolaridade, cinco pertencem à África do Norte:

Egito, Argélia, Marrocos, Líbia e Tunísia.

O seu lastro cultural indica ser a região mais homogênea do

continente: de modo geral, tem uma só religião, o Islão, uma só língua,

a árabe, e persegue a utopia de uma só nação, a árabe. No entanto, a

região tem uma forte comunidade autóctone, a berbere, especialmente

no Marrocos e na Argélia.

Como lastro histórico, a região possui grandes centros de

irradiação político-cultural. É o caso do Egito Antigo, com a influência

negro-sudanesa que recebeu. É também o caso de Cartago (na atual

Tunísia), e do reino do Marrocos, Estado com mais de mil anos, onde

a dinastia alauíta, reinante, tem perto de três séculos de poder.

Ponto de partida da invasão moura na Península Ibérica, o

Magrebe serviu, também, de tapete para várias invasões: fenícia,

romana, bizantina, vândala e árabe. Esta produziu uma virada

histórica na região, com sua islamização e a miscigenação com os

berberes. Após a implantação árabe veio o domínio otomano,

substituído, no final do século XIX, pela ocupação européia. Esta se

iniciou pela conquista da Argélia pela França, em 1830.

O perfil político da região é marcado pela presença de Estado

antigos, alguns milenares, que permanecem com estrutura

representativa durante a colonização, como foi o caso do Egito e do

Marrocos, que apresentam forte coesão nacional. Já a Argélia só

66

A negritude, por Senghor:(...) assumir os valores dacivilização do mundo negro,atualizá-los e fecundá-los,quando necessário comcontribuições estrangeiras,para vivê-los em si e para si,mas também para fazê-losviver por e para os Outros,levando assim acontribuição de novosNegros à CivilizaçãoUniversal.

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Page 66: Africa-um-novo-olhar.pdf

obteve essa coesão a partir da guerra de independência

(1954-1962).

Quanto à colonização, a França dominou no Magrebe.

Tunísia e Marrocos tiveram o estatuto de protetorados. A

Argélia era considerada um departamento da França, na

realidade era uma colônia de povoamento, tendo nela se

instalado um milhão de europeus. Houve colonização

inglesa no Egito e italiana na Líbia.

Do ponto de vista demográfico, há uma forte

densidade no vale do Nilo e na faixa costeira da região, que

apresenta a mais alta taxa de urbanização do continente e é

a mais industrializada. Três dos seus países (Argélia, Líbia

e Egito) são também exportadores de petróleo.

As suas classes dominantes ou são antigas, como a

mercantil e a fundiária, ou, embora de formação recente, como a

industrial, são apoiadas no Estado. A região apresenta - na escala do

continente - uma alta taxa escolar e um funcionalismo de bom nível.

Um fenômeno relativamente recente mas que constitui um obstáculo

ao desenvolvimento e à própria governabilidade é o fundamentalismo

islâmico, presente há mais tempo no Egito mas, atualmente,

muitíssimo mais intenso na Argélia.

Do ponto de vista das relações internacionais, todos os cinco

países da região estão entre os quinze mais influentes do continente.

Esses cinco países têm relação privilegiada com três áreas político-

culturais: a Europa mediterrânica, sobretudo o Magrebe com a França,

o Oriente Médio, como já foi referido, e também com a África

Subsaariana, sobre a qual ainda exercem (menos que nas décadas de

60 a 80), de forma diferenciada, uma sensível influência política.

67Chefe Haoussa (atuaisNíger e Nigéria) do século XIX.

A África do Norte, peloseu lastro cultural, seapresenta como a regiãomais homogênea docontinente: de modo geral,tem uma só religião, oIslão, uma só língua, aárabe, e persegue a utopiade uma só nação: a árabe.

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Page 67: Africa-um-novo-olhar.pdf

A região é formada por dezesseis países: Benin, Burkina-Faso,

Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau,

Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo.

Treze deles se situam na

costa Atlântica e três

(Burkina-Faso, Mali e Níger)

não têm saída para o mar.

Estes três, junto com a

Mauritânia e o Chade (da

África Central), compõem a

sub-região do Sael (Sahel),

marcada por uma forte

desertificação. É uma das

zonas mais problemáticas

da África e foi outrora uma

área de contato - comércio

do ouro - entre a África

mediterrânica e a tropical. O

Sael também representa

uma zona de ligação entre

as duas margens do Saara.

É uma região com

importantes focos históricos:

do século X ao século XVI, o

reino do Ghana e os impérios

68

O islanismo é a religião commaior número de fiéis na África.

ÁfricaOcidental

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Page 68: Africa-um-novo-olhar.pdf

do Mali e Songhai, produtores de ouro; um pouco depois, na atual

Nigéria, as cidades-Estados haussa, ao norte, e as cidades iorubas, no

sudoeste. Foi uma área pioneira de tráfico (área da Guiné) para as

Américas. Já no início do século XIX vieram escravos iorubas para

Salvador, predominantemente do atual Benim (antigo Daomé),

chamados de nagôs. Neste mesmo século, ex-escravos, africanos e

alguns já brasileiros, retornaram para a Nigéria, o Togo, o Benin e o

Gana - são geralmente designados atualmente como agudás.

A África Ocidental é a região com maior número de países e onde

se encontram os menores Estados, resultado da "balcanização"

colonial. Resulta disso, de certa forma, o predomínio étnico sobre a

nova identidade nacional forjada pelo Estado. Também permanecem

marcantes as estruturas político-sociais tradicionais.

A colonização foi feita através de uma competição secular entre a

França e a Inglaterra, embora em todo o processo de ocupação do

continente não tivesse havido nenhum conflito militar entre as

potências européias; predominou a negociação entre elas face aos

africanos. Foram colônias inglesas Serra Leoa, Gana, Gâmbia e

Nigéria. Ao contrário do que aconteceu com as colônias de

povoamento europeu na África Austral e Oriental, a Inglaterra

praticou na região uma colonização de exploração, sem a expulsão dos

camponeses de suas terras e com pequena mas decisiva presença do

poder metropolitano. A Nigéria e o Gana foram exemplos típicos de

administração indireta inglesa, o que facilitou a manutenção do peso

político das velhas classes dominantes fundiária e mercantil.

Há uma desigualdade entre as regiões tropicais e as do Sael. Os

países do interior continuam subsidiários dos litorâneos, para onde,

aliás, enviam emigrantes. Excetuando a Nigéria, maior produtor

69

A África Ocidental foi aregião de onde vieram osprimeiros escravos para o Brasil, provenientes da zona que engloba a Guiné-Bissau e o Senegal.Ela também foi uma dasúltimas, já no século XIX,quando chegaram osiorubas e seus vizinhos,habitantes dos atuais Togo, Gana e sobretudoBenin e Nigéria.

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africano de petróleo, a região conta com pouca produção mineral,

embora os diamantes de Serra Leoa tenham tido influência nos

recentes conflitos da região.

No aspecto sociocultural, nota-se ainda o peso político dos

herdeiros das velhas classes mercantis oriundas do tempo da

intermediação do tráfico de escravos. Sente-se ainda a presença

política das sociedades crioulas fortalecidas, sobretudo no século XIX,

como Cabo Verde, Serra Leoa, Senegal, Libéria e o litoral da Guiné-

Bissau. Há presença marcante do islamismo, majoritário em alguns

países. Elites cristãs são predominantes no litoral.

Esta classificação inclui dez países: Burundi, Camarões,

República Centro-Africana, Chade, Congo (Brazzaville), República

Democrática do Congo (ex-Zaire), Gabão, Guiné-Equatorial, Ruanda e

São Tomé e Príncipe (Burundi e Ruanda são, freqüentemente,

considerados como parte da África Oriental; prevalece para nós aqui o

caráter geopolítico e a integração regional).

Do ponto de vista histórico, o reino do Congo e seus vizinhos

vassalos constituíram a mais famosa entidade política pré-colonial

da região, tendo iniciado as suas relações com os portugueses em

1482. Esse reino abrangia o sul do atual Congo, o sudoeste do

Congo-Zaire e o noroeste de Angola. O reino sofreu, muitas décadas

após o contato com os portugueses, uma forte desestruturação com

o tráfico escravo.

A colonização envolveu cinco potências européias. O Congo-

Zaire - República Democrática do Congo - foi colonizado pela Bélgica,

depois de ter sido, por quase duas décadas, uma colônia pessoal do

70

ÁfricaCentral

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Page 70: Africa-um-novo-olhar.pdf

soberano belga Leopoldo I. A Guiné-Equatorial foi a única colônia

espanhola na África Subsaariana. Os quatro países restantes integram

a África Equatorial Francesa (A.E.F.), com capital em Brazzaville

(atual Congo). O Camarões foi colônia alemã até a Primeira Guerra

Mundial, sendo depois entregue à tutela da França e da Inglaterra pela

Liga das Nações. A colonização foi particularmente predatória,

sobretudo na sua primeira fase, marcada pela exploração do marfim e

da borracha. A província de Katanga (Shaba) teve um povoamento de

cerce de 100 mil europeus, devido à exploração do cobre, diamantes e

outros minerais.

A região, além dos minérios referidos, é rica em petróleo (Congo,

Gabão e Camarões), além de urânio e manganês. Situada na sua maior

parte na zona equatorial, apresenta fraca densidade demográfica.

No campo das relações internacionais, o Congo-Zaire, apesar da

fraca integração nacional - vive há décadas em situação de crise -, é o

país com maior importância geopolítica da região, além de ser o de

maior extensão e o mais populoso. O Camarões é o de maior PIB,

graças à exploração de petróleo a partir da década de 1980.

Voltada para o Oceano Índico, com duradouras relações com o

mundo árabe e o subcontinente indiano, esta região não apresenta no

seu todo a relativa homogeneidade das demais. Destacam-se nela

duas sub-regiões: a norte-oriental, conhecida como o Chifre da África,

e a centro-oriental.

O Chifre da África é formado por Etiópia, Eritréia (independente

da Etiópia em 1993), Djibuti (ex-colônia francesa) e Somália, que foi

colonizada, em partes separadas, pela Itália e pela Inglaterra. O Sudão,

71

ÁfricaOriental

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Page 71: Africa-um-novo-olhar.pdf

aqui incluído, poderia ser considerado

como pertencente à região da África do

Norte, como "retaguarda" do Egito, que o

administrou no tempo colonial

(condomínio anglo-egípcio) e com qual

forma uma sub-região, a nilótica. Contudo, uma forte comunidade

negra, cristã ou animista, no Sul, faz com que ele se diferencie bastante

da homogênea África do Norte.

Embora muito menor que no tempo da Guerra Fria, a região

ainda guarda uma apreciável importância estratégica, devido ao

petróleo e à sua proximidade como Oriente Médio.

A Etiópia é o país mais importante do Chifre, embora a sua

decadência econômica não mais o inclua entre os quinze maiores

PIB do continente. No século XIX o império etíope, antiga

Abissínia, expandiu-se às custas dos seus vizinhos, hoje

incorporados ao Estado. Nunca foi colônia de nenhuma potência,

embora sofresse uma ocupação militar italiana entre 1936 e 1941.

Sua população se divide praticamente entre cristãos ortodoxos e

muçulmanos.

A África centro-oriental é formada pelas ex-colônias inglesas de

Uganda, Quênia e Tanzânia (antiga Tanganica e ilha Zanzibar), que no

período colonial integravam a África Oriental Britânica.

Ela apresenta um lastro cultural marcado pelo cruzamento de

72

Patrice Lumumba (1925 - 1961). Principal líder daIndependência da República Democrática do Congo (ex-Zaire) foi seu primeiro ministro em 1960 eassassinado em 1961, tornando-se o mártir dasindependências africanas

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povos – árabes e asiáticos (sobretudo do subcontinente indiano). É a

área por excelência da cultura suaíli, cuja língua já foi referida. Ela foi

a língua franca de penetração dos árabes para o tráfico de escravos que

durou perto de dez séculos, voltado predominantemente para a África

do Norte e Oriente Médio. Este tráfico é pouco estudado e ainda

menos comentado pelos árabes - africanos ou não.

No campo das relações internacionais, foi a primeira região do

continente a promover a integração econômica ainda na década de 1960,

com a criação do Mercado Comum da África Oriental, formado por três

países: Quênia, Uganda e Tanzânia. A iniciativa foi frustrada, entre

outras razões, pela ditadura de Idi Amin no Uganda, na década de 1970.

Com o desenvolvimento político e econômico da região, a

Tanzânia "emigrou" para a África Austral, e o Quênia consolidou a sua

posição de mais importante pólo econômico de toda a região. Sem

recursos minerais expressivos, aliás como os restantes países da

região, o Quênia tem excelente agricultura, explora muito bem o

turismo ecológico e sua capital, Nairobi, é sede da Organização do

Meio Ambiente das Nações Unidas.

Tida como uma região-chave do continente, a África Austral é

bem mais do que uma simples expressão geográfica. Ela apresenta,

pela peculiaridade da sua precoce história colonial, uma alta taxa de

integração regional, em vários níveis, que não encontra paralelo em

qualquer outra região do continente.

Ela possui, também, um valor estratégico com a rota do Cabo,

apesar da perda que sofreu com o fim da Guerra Fria mas que ainda é

de se considerar no âmbito do Atlântico Sul. Por essa rota continuam

73

ÁfricaAustral

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Page 73: Africa-um-novo-olhar.pdf

a passar cerca de dois terços do petróleo que, proveniente do Oriente

Médio, abastece o Ocidente. Além do mais, a região contém um dos

maiores acervos minerais do mundo, alguns deles ainda estratégicos e

indispensáveis à Europa e aos Estados Unidos.

A região está situada entre os oceanos Atlântico e Índico. A

fachada atlântica lhe confere proximidade e boa potencialidade de

cooperação com o Cone Sul da América Latina. A fachada do Índico a

coloca em contato com o Oriente Médio e com importantes países

asiáticos, que têm uma longa história de comércio e influência mútua

com a região.

A África Austral é composta por onze países: África do Sul,

Angola, Botsuana, Lesoto, Malavi, Moçambique, Namíbia,

Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Desses países, seis não

têm saída para o mar (Botsuana, Lesoto, Malavi, Suazilândia, Zâmbia

e Zimbábue), o que é um fator a mais para ensejar a integração. A

configuração aqui expressa de África Austral não é normalmente

assim considerada na divisão geográfica tradicional do continente. Ela

vem se consolidando nas últimas décadas por razões geopolíticas e

geo-econômicas. Um exemplo: a Tanzânia é um país situado na África

Oriental; contudo, por razões políticas e econômicas, ela se

"australizou" e hoje faz parte de todos os organismos internacionais da

região. Quanto a Angola e, em certa medida, a Zâmbia, são países que,

histórica e culturalmente, também pertencem à África Central.

A África Austral é a região do continente com o mais antigo e o

maior processo de implantação de colonos europeus. Ele começou, em

1652, na área da Cidade do Cabo, a partir da instalação de um

pequeno entreposto pela Companhia Holandesa das Índias Orientais.

Foi também a única colônia de povoamento europeu criada antes da

74

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Page 74: Africa-um-novo-olhar.pdf

Revolução Industrial e da "corrida para a África", desenrolada a partir

da segunda metade do século XIX. Essa circunstância histórica marcou

definitivamente o caráter da região.

A integração da África Austral teve como primeiro protagonista a

Inglaterra. A região acabou se constituindo num subsistema

do imperialismo britânico. Embora o sonho de Cecil Rhodes, de uma

ligação britânica ininterrupta do Cabo ao Cairo, não tenha se

concretizado, a Inglaterra foi se assenhoreando gradualmente da região.

Primeiro, se apossou das colônias bôeres do Cabo e do Natal.

Em seguida, após a guerra anglo-boer (1889-1902), de toda a

União Sul Africana. Agregou à Coroa Britânica a Rodésia do

Sul, atual Zimbábue, inicialmente ocupada sobretudo pelos

bôeres; depois a Rodésia do Norte (hoje Zâmbia) e a

Niassalândia (atual Malavi). A Namíbia era uma colônia alemã

(Sudoeste Africano) que, após a derrota germânica na Primeira

Grande Guerra, foi entregue, como mandato, à África do Sul

que ilegalmente a incorporou. A outra colônia alemã, Tanganica,

foi entregue a Inglaterra também como mandato, e constitui

hoje a Tanzânia.

Angola e Moçambique estavam como a sua

metrópole, Portugal, sob dependência econômica

da Inglaterra. Os enclaves da Botsuana, Lesoto

e Suazilândia tornaram-se, nessa época de

guerras entre bôeres, zulus e ingleses,

protetorados britânicos.

75

Retrato de Nzinga M´Bandi (1582-1663), Rainha de Matamba,símbolo da resistência aos portugueses. A imagem mostra

Nzinga após uma conversão transitória ao cristianismo(retirado de um pergaminho de um convento de Coimbra).

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Page 75: Africa-um-novo-olhar.pdf

Numa linha de raciocínio simplificada, poderíamos dizer que,

desde o início, a África Austral teve um processo perverso de

integração, desenhado pela mão pesada de uma colonização de

ocupação (ou de povoamento). Esse processo foi economicamente

detonado, um pouco antes do final do século XIX, com a descoberta

das grandes jazidas de diamante e ouro. Poucas décadas depois,

enriqueceriam ainda mais a região a exploração de ouro, cromo e

cobre das duas Rodésias e a dos diamantes de Angola e Namíbia.

O esquema da integração pode ser resumido da seguinte forma:

as grandes fontes de minerais iam sendo descobertas no hinterland -

incluindo aí o cobre do Congo-Zaire - e se ligavam, principalmente,

aos portos de Lobito-Benguela (Angola), Maputo e Beira

(Moçambique), os terminais mais importantes (além da África do Sul)

de uma complexa rede ferroviária que ia do Atlântico ao Índico,

montada pelos britânicos. Esse era o esquema básico da integração

econômica nos seus primeiros tempos.

A integração se amplia após a Segunda Guerra Mundial e toma

novas formas política depois da vaga nacionalista africana dos anos 60

e 70. No campo político, começa a tomar forma o pacto de alianças do

chamado "poder branco", ou seja os governos da África do Sul, da

Rodésia sob domínio da minoria branca e o governo colonialista de

Portugal - formou-se o eixo Pretória-Salisbury-Lisboa.

Na esfera econômica, os principais atores são as multinacionais, a

maior parte de origem sul-africana e britânica, que atuam articuladas

em vários países da região, dominando cada uma setores específicos

da produção e da comercialização. O exemplo mais específico é o da

holding sul-africana Anglo-Americam Coop., que tem como principal

subsidiária a De Beers a maior distribuidora mundial de diamante.

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Page 76: Africa-um-novo-olhar.pdf

Esta holding atua em todos os países austrais

por intermédio de dezesseis minas de ouro,

dezessete de carvão, cinco de cobre, além de

31 companhias de financiamento.

Esta integração "perversa" aqui exposta

passou a ser questionada sobretudo a nível

político após a independência de Moçambique

e Angola em 1975. Estes países somaram os

seus esforços aos da Tanzânia, Zâmbia e

Botsuana para, no quadro da Organização de

Unidade Africana (OUA), intensificar a ajuda

aos movimentos de libertação do Zimbábue,

da Namíbia e da África do Sul. Esse grupo de

cinco países passou a ser chamado de Países

da Linha de Frente (FLS, sigla em inglês). A

independência do Zimbábue, em 1980,

reforçou o grupo na luta pela independência

da Namíbia, que viria a ocorrer em 1990.

No campo econômico os seis países da

Linha de Frente, juntamente com os vizinhos

Lesoto, Malavi e Suazilândia, criaram, em 1980

a Conferência para a Coordenação do

Desenvolvimento da África Austral (SADCC, sigla em inglês). O

principal objetivo era o de diminuir a dependência econômica da

África do Sul. Em 1993, a SADCC deu lugar a Comunidade para o

Desenvolvimento da África Austral (SADCC, sigla em inglês), com a

incorporação da África do Sul e outros países próximos.

Além da altíssima concentração de minerais nobres e da

77

Esculturas em madeira daregião yorubá.

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Page 77: Africa-um-novo-olhar.pdf

singularidade da sua integração, há muitos outros fatores que tornam

a África Austral notável dos pontos de vista econômico e geopolítico.

Um desses fatores é a posse, para padrões africanos, de um grau

razoável de identidade étnico-cultural e, ao mesmo tempo, apresentar

neste mesmo campo uma diversidade inédita no continente.

Privilegiando primeiro os indicadores de unidade e operando

frequentemente com estimativas, podemos dizer que, do ponto de

vista étnico-lingüístico, a região tem, na sua grande maioria, base

lingüística banto. Em quase todos os países, três ou quatro línguas

africanas costumam abranger cerce de 70% do total da população.

Dos onze países da África Austral, nove têm o inglês como a

única ou uma das línguas oficiais. Os outros dois são Angola e

Moçambique, de língua portuguesa. Esta é também falada por cerca

de 400 mil portugueses residentes na África do Sul.

A religião cristã é predominante na região. Na África do Sul, os

cristãos constituem cerca de 70% da população. Em Angola, mais da

metade da população é cristã, predominando o catolicismo.

Examinando agora o lado da diversidade étnica e o que ela tem

de potencialmente enriquecedora no pós-apartheid, notamos que a

África Austral possui um contingente de população de origem

européia (brancos africanos e estrangeiros residentes) que ultrapassa

os 5,5 milhões de pessoas - pouco mais de 5 milhões na África do Sul.

Esse número de brancos é largamente superior à soma dos existentes

em todas as demais regiões do continente e, por herança do

colonialismo, é provido de maior renda e melhor formação

profissional do que a média da população restante.

Os países da região, com elevado destaque para a África do Sul,

têm 2,4 % da sua população originária da Ásia (da antiga Índia, hoje

78

Escultura Vavié.

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Page 78: Africa-um-novo-olhar.pdf

União Indiana, Paquistão e Bangladesh). O percentual de mestiços -

presentes, de modo inexpressivo na maior parte de outros países -

corresponde a de 10% da população total.

Também conhecida por região indo-oceânica, é frequentemente

agregada à África Oriental. Ela é formada pelas ilhas de Madagascar

(a maior do continente), Maurício, Reunião (não independente,

integrada à França) e os arquipélagos de Comores e Seichelles.

O papel tradicional do Oceano Índico, espaço privilegiado de

passagem entre o Ocidente e o Extremo Oriente, foi acrescido de

fatores ideológicos e estratégicos peculiares do período da Guerra Fria.

Lugar de mistura de raças e civilizações, o Índico tornou-se nas últimas

décadas, um espaço de defrontamento entre as grandes potências,

sobretudo depois que as bases militares continentais foram preteriadas

pelas bases navais. Após a da retirada francesa de sua base de Diego

Soarez, em Madagascar, passou a imperar a grande base militar norte-

americana de Diego Garcia, ilha a meio caminho entre África e Ásia

que continua a ser reivindicada pela república Maurício. A importância

dessa base foi demonstrada na recente Guerra do Golfo.

Madagascar foi ocupada pelos franceses em 1896, quando a

monarquia merina, instalada nas terras altas, já iniciara o processo de

formação de um Estado nacional, englobando os povos do litoral e

expandindo inclusive com alfabetização na língua malgache, que

permanece hoje como língua nacional. Madagascar, ou República

Malgache, recebeu migrações do continente africano bem como da

Ásia tropical (a língua malgache e de origem malaia). Por essa razão

eles se consideram mais afro-asiáticos do que propriamente africanos.

79

África do OceanoÍndico

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As ilhas Comores, Maurício e Seichelles são habitadas por povos

de origem diversa - árabes, africanos, indianos e europeus - que deram

origem a culturas-sínteses, crioula, porém diferenciadas entre si. Ente

elas, a de maior êxito político e econômico e a República Maurícia,

grande produtora de açúcar e de confecções com alta tecnologia, a

ponto de ser considerada pela ONU um "novo país industrializado" da

África, que se distingue também pela estabilidade há mais de três

décadas, de seu sistema multipartidário e parlamentarista.

80

Mohandas K. Gandhi(1869 - 1942) iniciou a sualuta na África do Sulcontra o racismo aplicandoo SATRAGRAHA -resistência pacífica edesobediência civil nãoviolenta. Retornou àLUDIA e liderou a lutapela independência.Morreu como o Mahatma(Grande Alma).

METRÓPOLES AFRICANAS*

População em milhões

Cairo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .10,3

Lagos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9,3

Johanesburgo . . . . . . . . . . . . . . . .7,5

Kinshasa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .6,7

Cartum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .6

Alexandria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .5

Argel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .4,2

Luanda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .4

Abidian . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3,9

Casablanca . . . . . . . . . . . . . . . . . .3,7

Kano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3,1

Cidade do Cabo . . . . . . . . . . . . . .3,1

Adis Abeba . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3

EXPORTAÇÕES DE ESCRAVOSDA ÁFRICA**

COMÉRCIO EUROPEU

Período Número (mil) %de escravos

1450-1600 409 3,61601-1700 1.348 11,91701-1800 6.090 53,81801-1900 3.466 30,6

TOTAL 11.313.000 100

COMÉRCIO ÁRABE

Período Estimativa (em mil)

1500-1600 7501600-1700 9001700-1800 1.3001800-1900 2.134TOTAL 5.084

**Fonte: Elaboração a partir dos dados de P. Lovejoy. A Escravidão na África. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2002. Nota: Não conseguimos dados referentes aos séculos anteriores ao XVIpara o tráfico árabe.

*Fonte: Atlas Geográfico Mundial. São Paulo,2005 e outras publicações com estimativas.

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AS REGIÕES DA ÁFRICA

Segundo o anuário L'état du Monde 2005

MAGREBE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .ÁFRICA CENTRALArgélia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Camarões Líbia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Centro-Africana Rep.Marrocos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .CongoTunísia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Congo / Zaire . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Gabão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Guiné-Equatorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .São Tomé e Príncipe

ÁFRICA SAELIANA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .ÁFRICA ORIENTALBurkina-Faso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .BurundiChade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .QuêniaMali . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Ruanda Níger . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Uganda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Tanzânia

ÁFRICA EXTREMO-OCIDENTAL . . . . . . . .ÁFRICA NORDESTECabo Verde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .DjibutiGâmbia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Eritréia Guiné . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Etiópia Guiné-Bissau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .SomáliaLibéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Vale do NiloSenegal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Egito e Sudão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Serra Leoa

GOLFO DA GUINÉ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .ÁFRICA SUL-TROPICALBenin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .AngolaCosta do Marfim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Malavi Gana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Moçambique Nigéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .ZâmbiaTogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Zimbábue

ÁFRICA AUSTRAL África do Sul - Botsuana - Lesoto - Namíbia - Suazilândia

ÁFRICA DO OCEANO ÍNDICOComores - Madagascar - Maurício - Reunião (território francês) - Seychelles

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ESTADOS AFRICANOS - DADOS BÁSICOS

Superfície População Data da Ex- Língua PIB Export. Import. País Mil Km2 Milhões Capital Independ. metrópole Oficial 2002 2001 2001

2003 Principal Milhões $ Bilhões $ Bilhões $

África do Sul 1.221 44,8 Pretória 1910 Inglaterra Inglês 113,5 29,3 28,4

Angola 1.247 13,1 Luanda 1975 Portugal Português 9,2 6,7 3,3

Argélia 2.382 31,7 Argel 1962 França Árabe 53,8 20,1 9,7

Benin 113 7,0 Porto Novo 1960 França Francês 2,5 0,3 0,7

Botsuana 582 1,6 Gabarone 1966 Inglaterra Inglês 5,2 2,3 2,4

Burkina Faso 274 13,2 Uagadugu 1960 França Francês 2,6 0,2 0,7

Burundi 28 6,1 Bujumburra 1962 Bélgica Francês 0,7 — —

Cabo Verde 4 0,5 Praia 1975 Portugal Português 0,6 — —

Camarões 16 15,7 Iaundê 1960 França Francês 8,7 1,7 1,9

Chade 1.284 9,3 Ndjamena 1960 França Francês 1,8 0,2 0,6

Centro-Afr.Rp 623 3,7 Bangui 1960 França Francês 1 — —

Comores 2 0,6 Moroni 1975 França Francês 0,2 — —

Congo Rp Dm 2.345 57 Kinchasa 1960 Bélgica Francês 5,0 0,8 1,0

Congo 342 3,7 Brazzaville 1960 França Francês 2,2 2,1 0,9

Costa do Marfim 322 17 Yamoussokro 1960 França Francês 10,3 3,7 2,6

Djibuti 23 0,7 Djibuti 1977 França Francês 0,6 — —

Egito 1.101 72,1 Cairo 1922 Inglaterra Árabe 97,6 4,1 12,8

Eritréia 118 4,4 Asmara 1993 Etiópia Árabe 0,7 — —

Etiópia 1.104 70,7 Adis-Abeba Desde a antiguidade Amárico 6,4 0,4 1,0

Gabão 268 1,3 Libreville 1960 França Francês 4 2,6 1,0

Gâmbia 11 1,5 Banjul 1965 Inglaterra Inglês 0,4 — —

Gana 239 20,5 Acra 1957 Inglaterra Inglês 5,4 1,7 3

Guiné 246 9,0 Conacri 1958 França Francês 3,1 0,8 0,6

Guiné Bissau 36 1,3 Bissau 1974 Portugal Português 0,2 — —

Guiné Equatorial 28 0,5 Malabo 1968 Espanha Espanhol 0,3 2,0 0,7

Libéria 110 3,3 Moróvia 1847 — Inglês 0,5 0,7 0,3

Líbia 1.760 5,5 Trípoli 1951 Ingl. - Fran. Árabe 37,7 11,7 8,7

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83

ESTADOS AFRICANOS - DADOS BÁSICOS

Superfície População Data da Ex- Língua PIB Export. Import. País Mil Km2 Milhões Capital Independ. metrópole Oficial 2002 2001 2001

2003 Principal Milhões $ Bilhões $ Bilhões $

Madasgascar 587 17,0 Antananarivo 1960 França Francês 3,9 0,9 1,2

Malavi 118 11,7 Lilongüe 1964 Inglaterra Inglês 3,7 0,3 0,6

Mali 1.240 14,6 Bamaco 1960 França Francês 2,1 0,7 0,7

Marrocos 447 30,4 Rabat 1956 França Árabe 35,4 7,1 11,0

Maurício 2 1,2 Port Louis 1968 Inglterra Inglês 4,7 1,5 2,0

Mauritânia 1.026 2,9 Nuakchott 1960 França Árabe 1,0 — —

Moçambique 802 17,5 Maputo 1975 Portugal Português 3,9 0,7 1,1

Namíbia 824 1,9 Windhoeck 1990 A. do Sul Inglês 3,5 1,5 1,4

Nigér 1.267 12,1 Niamei 1960 França Francês 2,0 0,3 0,4

Negéria 924 133,9 Abuja 1960 Inglaterra Inglês 38,7 — —

Quênia 580 31,6 Nairobi 1963 Inglaterra Inglês 11,3 1,9 2,9

Ruanda 26 8,3 Kigali 1962 Bélgica Francês 1,9 0,1 0,3

Saara Ocidental 2,66 — El Auín Território sob ocupação marroquina, aguarda plebiscito pela ONU.

São Tomé e Príncipe 1 0,2 São Tomé 1975 Portugal Português 0,05 — —

Senegal 197 11,0 Dacar 1960 França Francês 4,7 1,0 1,5

Serra Leoa 72 5,7 Freetown 1961 Inglaterra Inglês 0,7 — —

Seuchelles 0,5 0,09 Vitória 1976 Inglaterra Inglês 0,5 — —

Somália 638 8,9 Mogadíscio 1960 Ing. - Itália Somali 1,3 0,1 0,2

Suazilândia 17 1,2 Mbabane 1968 Inglaterra Inglês 1,3 0,8 0,8

Sudão 2.506 38,0 Cartum 1956 Ing. - Egito Árabe 11,5 1,6 1,6

Tanzânia 945 35,4 Dodoma 1961 Inglaterra Suaíli 9,6 0,8 1,7

Togo 57 5,4 Lomé 1960 França Francês 1,3 — —

Tunísia 164 9,9 Tunis 1956 França Árabe 19,6 6,6 9,6

Uganda 241 25,0 Campala 1962 Inglaterra Inglês 5,9 0,5 1,6

Zâmbia 753 10,9 Lusaca 1984 Inglaterra Inglês 7,5 0,9 1,0

Zimbabue 391 12,6 Harare 1980 Inglaterra Inglês 5,8 1,8 1,5

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África um novo olhar é uma publicação do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas - CEAP

Rua da Lapa, 200 - gr.810 - Lapa - RJ - CEP: 20021-180 Tels: (021) 2242-0961/2232-7077 - e-mail: [email protected] - Site: www.portalceap.org.br

Edição e produção: Espalhafato Comunicação e Produção. Programação Visual: Luiz Guimarães.

Rio de Janeiro, 2006

O AUTOR

José Maria Nunes Pereira, doutor em Sociologia/EstudosAfricanos na USP. É professor titular de História eRelações Internacionais da África do Instituto deHumanidades (IH) da Universidade Cândido Mendes doRio de Janeiro (UCAM), onde foi co-fundador do Centrode Estudos Afro-Asiáticos em 1973. É professor de pós-graduação do I.H. nos cursos de História da África e deCultura Afro-Brasileira, História do Século XX,Estratégias Internacionais e Relações Internacionais. Nagraduação ministrou: História da África II, História daÁsia II, Movimentos de Libertação e de DireitosHumanos na segunda metade do século XX e Raça ePensamento Social Brasileiro. Seus trabalhos acadêmicosforam editados em livros e revistas do Brasil, Argentina,França e África do Sul.

Da esquerda para direita, o decano doshistoriadores africanos, Josenh Ki-Zerbo,na sua primeira visita ao Centro deEstudos Afro-Asiáticos, em setembro de1978, e José Maria Nunes Pereira. Emcima, as imagens de Samory Touré, orestaurador do império de Mali e amesquita de Djenné, no Mali.

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