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1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – PARANÁ. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seus agentes adiante assinados, no uso de suas atribuições legais junto à 1ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR, vêm, perante Vossa Excelência, embasado nos documentos que instruem esta petição inicial , bem como, também, na Resolução sob nº 4027/2015, da d. Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Paraná, com fundamento nos artigos 1º, inciso III, 127 e 129, todos da Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 25, inciso IV, alíneas a e b, da Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), no artigo 68, da Lei Complementar Estadual nº 85/1999, e nos artigos 1º e 5º, da Lei n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), propor o presente pedido de provimento jurisdicional de AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER, com pedido liminar em desfavor de: ESTADO DO PARANÁ , sob CNPJ nº 76.416.940/0001- 28, pessoa jurídica de direito público interno, tendo sua sede administrativa 1

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1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA

DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA

REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – PARANÁ.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO

PARANÁ, por seus agentes adiante assinados, no uso de suas atribuições legais

junto à 1ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Comarca da

Região Metropolitana de Curitiba/PR, vêm, perante Vossa Excelência,

embasado nos documentos que instruem esta petição inicial, bem como,

também, na Resolução sob nº 4027/2015, da d. Procuradoria-Geral de

Justiça do Estado do Paraná, com fundamento nos artigos 1º, inciso III, 127 e

129, todos da Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 25,

inciso IV, alíneas a e b, da Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério

Público), no artigo 68, da Lei Complementar Estadual nº 85/1999, e nos artigos

1º e 5º, da Lei n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), propor o presente pedido

de provimento jurisdicional de

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÕES DE FAZER

E NÃO FAZER, com pedido liminar

em desfavor de:

ESTADO DO PARANÁ, sob CNPJ nº 76.416.940/0001-

28, pessoa jurídica de direito público interno, tendo sua sede administrativa

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situada na Praça Nossa Senhora de Salete s/nº, CEP 80530-909, Bairro Centro

Cívico, município e Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de

Curitiba, representado por sua Excelência o Governador Estadual CARLOS

ALBERTO RICHA, e, em juízo, pela Procuradoria-Geral do Estado, a quem

incumbe receber citações e intimações por meio eletrônico;

pelos fatos e fundamentos adiante explicitados:

1. COMPETÊNCIA

Cumpre aventar, inicialmente, que o Ministério Público

através de seus promotores de justiça com atuação na 1ª Promotoria de Justiça

Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em

um primeiro momento, buscou pelas vias administrativas a vistoria que resultou

(já havia resultado) na interdição das carceragens do 3º e 12º Distritos Policiais

junto às Secretarias Municipal e Estadual de Saúde e Vigilância Sanitária, bem

como expediu a Recomendação Administrativa n. 02/15 ao Sr. Julio Cezar dos

Reis, Delegado Geral da Polícia Civil do Paraná, à Sra. Maritza Maira Haisi,

Delegada de Polícia responsável pela Divisão Policial da Capital e ao Sr. Danilo

Zarlenga Crispim, Delegado de Polícia responsável pelo 3º Distrito Policial de

Curitiba, para que determinassem a suspensão imediata de recebimento de

presos e a remoção dos que se encontravam nas carceragens desta última

unidade policial.

Em resposta à referida Recomendação Administrativa, esta

Promotoria de Justiça recebeu através do ofício n. 49/2015 do Gabinete do

Delegado Geral Adjunto, informação assinada pela Sra. Martiza Maira Haisi.

dando conta que a carceragem do 3º Distrito Policial não mais abrigava presos

desde o dia 13 de agosto de 2015.

Entretanto, nas visitas de inspeção carcerárias realizadas

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posteriormente a esta data, verificou-se que a Recomendação Administrativa

02/15 foi descumprida, e a custódia de presos em situação degradante

permanece ocorrendo de forma cada vez pior (relatório de presos expedido pela

Polícia Civil em anexo – vista na data de 23/10/2015).

Não houve solução administrativa e a questão se arrasta até

esta data, a despeito de inúmeras tentativas do Ministério Público e de outros

atores desta específica política pública do Estado do Paraná quanto à busca de

uma solução pela via administrativa do problema, de modo que não restou outra

alternativa neste momento que não o ajuizamento de ação civil pública para, via

relação jurídica processual conferindo à parte requerida o exercício pleno das

garantias elencadas no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República,

impor obrigação de fazer ao ESTADO DO PARANÁ com vistas à interdição

liminar e definitiva das carceragens provisórias do 3º e 12º Distritos Policiais da

Capital, somada à imposição à parte requerida de obrigação de fazer no sentido

de encaminhar os presos das carceragens destas duas unidades policiais para

alguma(s) (das) unidades do Sistema Penitenciário do Paraná.

A pretensão aqui deduzida visa a imposição de obrigações

de fazer e não fazer ao ESTADO DO PARANÁ com vistas à solução definitiva

da problemática, implicando em estratégias de remoção de pessoas, alocação de

recursos e outras despesas que devem ser suportadas justamente pelo erário, o

que, aliado ao já exposto, conduz ao reconhecimento da competência de uma das

Varas da Fazenda Pública de Curitiba para processar e julgar a pretensão em

mesa.

2. PREVENÇÃO – DISTRIBUIÇÃO POR

DEPENDÊNCIA

Na data de 28 de setembro de 2015, os Promotores de

Justiça atuantes na 3ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da

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Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, propuseram ação civil pública,

distribuída perante essa 4a Vara da Fazenda Pública, com a pretensão de

interdição do 8o Distrito Policial (8o DP) e Delegacia de Furtos e Roubos de

Veículos de Curitiba (DFRV), registrada eletronicamente sob no 0005802-

24.2015.8.16.0004.

Em decisão liminar, o Juízo da 4ª Vara da Fazenda Pública

deferiu a interdição do 8º DP e da DFRV ante a inadequação dos

estabelecimentos prisionais, com flagrante violação à dignidade da pessoa

humana, exatamente a mesma situação verificada nos 3º e 12º Distritos Policiais.

Entende o Ministério Público que há prevenção do Juízo

da 4ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca da Região

Metropolitana de Curitiba-PR, em razão dos elementos identificadores da

ação: partes, causa de pedir(próxima) e pedido.

A conexão entre processos pode se dar tanto pela

identidade da causa de pedir quanto pelo pedido.

Impende destacar que a presente ação civil pública possui as

mesmas partes, ou seja, existe demanda entre Ministério Público do Estado do

Paraná contra o Estado do Paraná.

A causa de pedir próxima1, que consiste na fundamentação

jurídica que levaram o Ministério Público a demandar contra o Estado também é

1 “A causa de pedir (causa petendi) ou razão do pedido significa, resumidamente, o conjunto defundamentos levados pelo autor a juízo, constituído pelos fatos e pelo fundamento jurídico a elesaplicável. (…) a causa de pedir é o motivo em virtude do qual a parte autora dirige determinadopedido ao Poder Judiciário. O CPC adotou a teoria da substanciação, pela qual são necessárias, muitomais do que a fundamentação jurídica, a alegação e descrição dos fatos sobre os quais incide odireito alegado como findamento do pedido. A fundamentação jurídica é, via de regra, a causa depedir próxima, enquanto o fato gerador do alegado direito se constitui, também na generalidade doscasos, na causa de pedir remota.” (WAMBIER, Luiz Rodrigues et. al.. Curso avançado de processo civil:teoria geral do processo e processo de conhecimento, volume 1. - 15 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2015. p. 177).

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idêntica, fazendo com que, juridicamente, a similitude das ações – neste ponto -

também seja a mesma.

As ações divergem – apenas – na causa pedir remota, que se

relaciona aos fatos, haja vista que a primeira ação intentada pelo Ministério

Público através da 3a Promotoria de Justiça se relaciona ao 8º DP e à DFRV e a

presente ação civil pública relaciona-se aos 3o e 12o Distritos Policiais.

Por outro lado, a ação civil pública proposta pelos

Promotores de Justiça da 3ª Promotoria de Justiça Criminal (no 0005802-

24.2015.8.16.0004) e a presente possuem o mesmo pedido (objeto da ação)2,

consistente na pretensão de obrigação de FAZER do Estado do Paraná, sendo

que neste caso, consistente na interdição das carceragens do 3º e 12º DPs, e na

obrigação de NÃO FAZER, consistente na definitiva impossibilidade de utilizar

as carceragens do 3º e 12º DPs para a colocação de presos, mantendo-as fechadas

para que as unidades policiais do 3º e 12º DPs tenham apenas o mister de

desenvolver funções de polícia investigativa.

Importante ainda destacar que, no mesmo sentido “Segundo

dispõe o parágrafo único do art. 2º da LACP e o § 5º do art. 17 da Lei n. 8.429/92,

introduzidos pela Med. Prov. n. 2.180-35/01, a propositura da ação civil pública

prevenirá a jurisdição para todas as ações posteriormente intentadas, se tiverem a

mesma causa de pedir ou o mesmo objeto” (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos

interesses difusos em juízo. - 24a ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 275).

Havendo, portanto, identidade de partes, causa de pedir

próxima e pedido, pode-se afirmar que a ação civil pública proposta no 0005802-

2 “Pedido é o objeto da ação. Cabe ao autor identificar na petição inicial o “provimentojurisdicional” (pedido imediato) que pretende obter e o “bem da vida” (pedido mediato) almejado. Ouseja, o autor deve explicitar tanto o pedido imediato, que é a exigência formulada contra o juiz (denatureza processual: cognitiva, executiva ou cautelar), quanto o pedido mediato, que é a exigênciaformulada contra o réu, e vinculada ao direito material subjacente (subentendido) na pretensão.”(VERAS, Ney Alves, et. al. Manual de Direito Processual Civil. Campo Grande; Contemplar, 2013. p. 141).

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24.2015.8.16.0004 e a presente ação são conexas, fato que torna de rigor a

reunião dos processos perante o mesmo Juízo, nos termos do art. 103 e

seguintes do Código de Processo Civil3, com prevenção do Juízo da 4ª Vara da

Fazenda Pública do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de

Curitiba-PR.

Deste modo, o Ministério Público, através de seus agentes

signatários, requerem a distribuição por dependência ao Juízo da 4ª Vara da

Fazenda Pública de Curitiba-PR, nos termos do art. 2534 do Código de

Processo Civil, pela prevenção do Juízo.

3. LEGITIMIDADE ATIVA

Nestes termos, a presente ação civil pública visa assegurar e

defender direitos difusos de todos aqueles que, direta ou indiretamente, têm

contato com o Sistema de Justiça Criminal e com uma de suas faces não

civilizadas: as prisões brasileiras.

A Constituição da República, no seu artigo 129, incisos II e

III, confere legitimidade ao MINISTÉRIO PÚBLICO para:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério

Público:

(...);

3 Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando Ihes for comum o objeto ou a causa de pedir.(grifo nosso).Art. 105. Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode

ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente.

Art. 106. Correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma competência territorial,

considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar.

4 Art. 253. Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza:I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;

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II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e

dos serviços de relevância pública aos direitos

assegurados nesta Constituição, promovendo as

medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública,

para proteção do patrimônio público e social, do meio

ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

(...).

Na esteira desse dispositivo constitucional, o artigo 68, da

Lei Complementar Estadual nº 85/1999 (Lei Orgânica do Ministério Público do

Estado do Paraná), assim dispõe:

Art. 68:

São atribuições do Promotor de Justiça: (...)

I - em matéria de Direitos Constitucionais: 1. instaurar

inquérito civil e promover ação civil pública, assim

como qualquer outra medida judicial que se apresentar

mais adequada para garantir o respeito, por parte dos

poderes públicos estaduais e municipais e dos serviços

de relevância pública, aos direitos assegurados nas

Constituições Federal e Estadual; (...).

(...).

Também a Lei Orgânica do Ministério Público em plano

nacional (Lei nº 8.625/93) estabelece, em seu artigo 25, inciso IV, alínea a:

Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições

Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis,

incumbe, ainda, ao Ministério Público:

(...);

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IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública,

na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos

causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e

direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico,

paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e

individuais indisponíveis e homogêneos;

(...).

Ademais, a Lei nº 7.347/85 atribui legitimidade expressa ao

MINISTÉRIO PÚBLICO para propositura de ação civil pública para prevenção

ou reparação dos danos causados a comunidade usuária dos serviços públicos,

em decorrência de violação de interesses difusos, coletivos ou individuais

homogêneos (arts. 1º, 3º, 5º e 21).

Inegável, portanto, a atribuição institucional e

constitucional do Ministério Público do Estado do Paraná para a formulação e o

ajuizamento da presente ação civil pública com vistas à imposição de obrigações

de fazer e não fazer ao ESTADO DO PARANÁ, visando a remoção dos detidos e

interdição das carceragens provisórias do 3º e 12º Distritos Policiais da Capital,

bem como a proibição definitiva de sua utilização, como ultima ratio, papel que

cabe ao Poder Judiciário em um ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO em

tempos de Pós-Positivismo Jurídico.

Do mesmo modo, é atribuição constitucional do Ministério

Público velar pela preservação dos direitos humanos daqueles que se encontram

sob responsabilidade direta do Estado, com ênfase especial, novamente, aos

artigos 127 e 129, da Constituição da República.

Inquestionável, portanto, a legitimidade do Ministério

Público para o ajuizamento da pretensão, inclusive, em razão de os fatos adiante

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articulados constituírem grave violação à personalidade e à dignidade dos

seres humanos presos nas carceragens do 3º e 12º Distritos Policiais desta

Capital. Não se está a discutir aqui o comportamento por eles praticado, a

reprovabilidade de suas condutas ou as consequências de seus atos no que tange

às vítimas e ofendidos. Tudo isso tem ou terá seu espaço respeitado dentro da

relação processual respectiva em atenção à regra do devido processo legal. A

despeito disso, é de se reconhecer que apenas um Estado que resguarde a

condição de ser humano de todo aquele que se encontra diretamente sob sua

tutela e responsabilidade (no caso, os detentos das carceragens

supramencionadas) pode, realmente, ser reconhecido como um “Estado de

Direito” qualificado como “civilizado”.

4. DOS FUNDAMENTOS FÁTICOS

Um detalhamento fático que se pretende exauriente em sua

finalidade é a prova máxima de compromisso da parte autora (sobretudo em uma

ACP) com a solução do problema que, por inviabilidade de solução em outras

vias, apresenta-se para análise de Vossa Excelência neste momento.

Com efeito, após realizar vistorias nas dependências do 3º e

12º Distritos Policiais de Curitiba/PR de Curitiba/PR regularmente desde a

data de 27.02.2015 até a última realizada em 23.10.2015 (ou seja, durante 8

meses, período no qual o quadro constatado nada se alterou), o

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por intermédio dos

Promotores de Justiça que compõem a 1ª Promotoria de Justiça Criminal de

Curitiba (que firmam esta petição) e em cumprimento às determinações

constantes no recente Ato Conjunto nº 01/2015-PGJ/CGMP (juntamente com

a Resolução sob nº 4027/2015), do Ministério Público do Estado do Paraná,

constatou que as carceragens das referidas unidades policiais encontram-se em

condições inacreditavelmente brutais, desumanas, manifestamente insalubres e

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incompatíveis em absoluto com o princípio da dignidade do ser humano, um dos

vetores fundamentais do Estado Democrático de Direito Brasileiro (CRFB, art.

1º, inciso III).

Durante a quase totalidade das inspeções mensais

realizadas junto à carceragem provisória do 3º Distrito Policial de

Curitiba/PR ao longo deste ano de 2015 (quando os Promotores de Justiça

Criminais passaram a ter também esta atribuição funcional), verificou-se que as

celas não possuem quaisquer divisórias, não existindo local apropriado para

banho ou para que os detentos possam fazer suas necessidades fisiológicas, o que

inclusive facilita a propagação das mais diversas doenças.

Notou-se que a latrina permanece no mesmo ambiente em

que se encontram os detentos, os quais acabam se obrigando a utilizar o vaso

sanitário uns diante dos outros. Não há chuveiro na carceragem do 3º Distrito

Policial, local onde os detentos se higienizam, caso queiram, sob a água fria de

uma mangueira ligada a uma torneira, esta que, aliás, se encontra fixada em uma

altura incompatível com a estatura mediana dos detentos ali recolhidos. Os

presos não recebem qualquer vestimenta ou material de higiene, dependendo da

boa vontade dos possíveis visitantes. No entanto, prezando pela segurança dos

agentes públicos, a autoridade policial do 3o Distrito Policial determinou a

proibição de fornecimento das populares “sacolas” por parte dos familiares dos

detentos, tendo em vista a recorrente entrada de materiais proibidos e que

podem botar em risco a segurança dos policiais, dos presos, bem como da

população residente nos arredores. Há inclusive a proibição de utilização e

fornecimento de chinelos aos detentos, que são mantidos descalços sobre um

piso úmido e frio, fato que cria condições para doenças e agrava as já existentes

como pneumonia, bronquites, etc.

Outrossim, a carceragem do 3º Distrito Policial desta

Capital não possui iluminação apropriada, muitas vezes permanecendo os presos

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no escuro, e mostra-se impossível a utilização de colchões para todos os

detentos, por absoluta falta de espaço físico. Verificou-se, também, que o Distrito

Policial não possui o respectivo alvará do Corpo de Bombeiros, situação que

pode resultar em risco à integridade física e à vida dos detentos e dos próprios

policiais civis que exercem suas atividades no local.

A alimentação é fornecida 02 (duas) vezes ao dia, sendo que

os detentos alimentam-se dentro da carceragem, no mesmo local onde

permanecem durante o dia, fazem suas necessidades fisiológicas, “dormem”

durante a noite (em colchões insuficientes e constantemente molhados), de modo

que dependiam, novamente, de possíveis “visitantes” para que tivessem sua

alimentação complementada, situação que não mais pode ocorrer.

Mas, ainda assim, por incrível que possa parecer, a situação

verificada na carceragem do 3º Distrito Policial de Curitiba não atingiu o ápice

do desrespeito à dignidade do ser humano, pois havia (E HÁ) coisa ainda pior

neste cenário.

De fato, a partir das INSPEÇÕES MENSAIS ao 3º Distrito

Policial e sua carceragem, é possível concluir que o retrato ali apurado consegue

ser ainda mais desolador.

Importante destacar que, conforme demonstram os

documentos que acompanham esta peça preambular, a capacidade de cada uma

das celas, de acordo com os parâmetros estipulados pela Lei de Execução Penal,

é de 02 (dois) presos, reiteradamente (ou sempre) extrapolada de forma absurda,

constantemente abrigando mais de 20 (vinte) presos, chegando a picos de até 37

(trinta e sete) detentos, fato que inclusive causa desmaios e vários problemas de

saúde aos detentos que ali se encontram.

As celas apresentam umidade excessiva, nenhuma

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ventilação, o chuveiro (se é que se pode denominar uma mangueira presa na

parede com água intermitente) e o banheiro turco no mesmo espaço em que os

colchões são colocados para os detentos dormirem (por absoluta falta de espaço

físico), com pouquíssima ou nenhuma iluminação (solar ou artificial), precário

escoamento de líquidos e dejetos, chegando a alcançar temperaturas

incompatíveis à saúde humana (elevadas e baixas em dias de muito calor e frio),

ressaltando-se que foram instaladas chapas de aço nas paredes, o que aumenta a

sensação de calor e frio com a variação de temperatura.

A situação é caótica, desumana, absurda, inaceitável,

intolerável, também quanto aos demais aspectos que envolvem a manutenção de

seres humanos privados de liberdade pela prática, em tese (lembre-se que aqui,

falamos de presos provisórios), de atos tidos como ilícitos penais.

Mas não é só isso. A situação absolutamente degradante

aqui narrada não constitui risco tão somente aos presos, que passam por

verdadeiro martírio, mas também aos policiais civis lotados no 3º Distrito

Policial e à população que reside nos arredores da delegacia.

As celas foram construídas originalmente para abrigar

presos civis, de modo que a segurança no local é extremamente precária. Fugas e

tentativas de fugas5 são recorrentes, inflamadas pela situação absolutamente

degradante no local. Na última oportunidade, 08 (oito) presos fugiram pelo

telhado das celas, após cerrarem as grades, passando pelas residências vizinhas

até conseguirem chegar a rua. Os muros que fazem divisa com as casas vizinhas

são baixos e sem qualquer proteção6. Destacamos um trecho da reportagem

noticiando a referida fuga, onde se chega a uma conclusão lógica: “Os 34 presos

que estavam em um espaço para apenas 8 na cela do 3º Distrito Policial, nas Mercês,

não poderiam pensar em outra coisa que não fosse fugir. Por volta das 22h deste

5 Reportagem 1: http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/01/dezesseis-presos-fogem-de-carceragem-do-3-distrito-em-curitiba.html6 Conforme fotos em anexo.

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domingo (24), eles conseguiram cumprir com o plano e oito deles ganharam às ruas.”7

Diante de tais situações, a administração pública ao invés de

tomar uma atitude para encerrar este ciclo absolutamente degradante e

inseguro, deixando de utilizar o local para custodiar presos, decidiu revestir as

paredes com chapas de aço, visando dificultar tentativas de fuga. Atitude que

agravou ainda mais as já precárias condições do local. As paredes, evidentemente

despreparadas para receberem chapas de aço, chegaram a entortar, havendo

receio que possam desabar.

No que tange à assistência material, há restrição de

alimentação, servida em apenas dois períodos do dia e com os mais diversos

tipos de reclamações quanto à sua qualidade, inclusive corroborada por parte

dos agentes policiais. O acesso à água potável é feito por meio de garrafas e

copos entregues pelos policiais em serviço e pelos sistemas que fornecem a água

para o banho dos detentos.

Quanto à higiene pessoal dos detentos, obviamente não

existe. As condições sanitárias são absolutamente horrorosas, posto que os

detidos urinam e defecam em uma “bacia turca” (por eles nomeado de “boi”)

instalado no próprio chão da cela, sem qualquer privacidade e sem qualquer

preservação da higiene. Ademais, não há fornecimento de nenhum material de

higiene pessoal.

No que se refere à assistência jurídica, excetuados os

detidos que constituam procuradores, as carceragens não contam com

atendimento contínuo por parte da Defensoria Pública do Estado do Paraná,

provavelmente por total impossibilidade diante do baixo número de membros,

quadro que aparentemente não se alterou no decorrer deste ano de 2015.

7 Disponível em http://www.parana-online.com.br/editoria/policia/news/880575/?noticia=OITO+PRESOS+FOGEM+DA+DELEGACIA+DAS+MERCES+DURANTE+A+NOITE.Acesso em 03 de novembro de 2015.

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Quanto à assistência de saúde, não há notícia de visitas médicas regulares à

carceragem do 3º Distrito Policial.

Por solicitação do Ministério Público, a vigilância sanitária

realizou inspeção no 3º Distrito Policial em 28 de maio de 2015, ocasião na

qual constatou 39 (trinta e nove) detentos no local onde caberiam no máximo 06

(seis), com condições absolutamente insalubres, razão pela qual expediram o

Termo de Intimação n. 74464, suspendendo a recepção e guarda de novos presos

e determinando a transferência dos que lá estavam (cf. ofício 2567/2015-SMS,

em anexo). Não é preciso dizer que a determinação da vigilância sanitária foi

descumprida pelo ESTADO DO PARANÁ.

Tal como verificado em relação ao 3º Distrito Policial,

constatou-se que o 12º Distrito Policial de Curitiba – que atualmente recebe

apenas presas mulheres - também não possui alvará do Corpo de Bombeiros,

situação que pode resultar em risco à integridade física e à vida das detentas,

especialmente em razão da superlotação carcerária, e dos próprios policiais civis

que exercem suas atividades no local.

O local costumava abrigar mais de uma centena de presos.

Devido à total falta de estrutura para a custódia de presos, ausência de condições

mínimas de higiene e salubridade, em 23 de abril de 2008 a Vigilância Sanitária

interditou o local, não constando desinterdição por parte deste órgão (cf. consta

do ofício n. 4532/2015-SMS, em anexo). Tal interdição, como de costume por

parte do ESTADO DO PARANÁ, foi descumprida.

O Decreto n. 11.016/2014 determinou o fechamento

definitivo da carceragem do 12º Distrito Policial. Por um curto período de

tempo, o local ficou sem receber presos. As grades das celas foram todas

retiradas. Em 14 de maio deste ano, através da Portaria n. 03/2015 da Vara da

Corregedoria dos Presídios (em anexo), sem qualquer fundamentação específica

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e sem efetuar qualquer melhoria no local, a carceragem do 12º Distrito Policial

foi desinterditada, passando a receber novamente presos, dessa vez detentas do

sexo feminino.

Veja-se que não havia (e não há) qualquer condição de a

carceragem ser utilizada para a custódia de pessoas. Quando da desinterdição, a

situação era ainda pior do que quando foi interditada. As grades tiveram que ser

recolocadas utilizado correntes e cadeados, pois não estavam sequer fixadas na

parede (cf. se verifica das fotos em anexo).

O local apresenta pisos e paredes cheios de buracos,

ambiente extremamente úmido e mal iluminado, forte cheiro de bolor e

instalações elétricas e hidráulicas precárias. Excelência, a visão da carceragem

do 12º Distrito Policial de Curitiba nos remete a uma masmorra medieval.

Por conta da precariedade da estrutura, as temperaturas são

intensificadas, seja frio ou calor. Existem muitas infiltrações que ocasionam o

acúmulo de água e a criação de poças, seja na galeria seja nas próprias celas,

deixando os poucos colchões disponíveis molhados e sem condições de uso.

A comida é fornecida apenas duas vezes ao dia, e existem

muitas reclamações quanto a sua qualidade. As detentas dependem da boa

vontade de eventuais visitantes, para que complementem sua alimentação

através de “sacolas”. Da mesma forma quanto a vestimentas e materiais de

higiene, que não são fornecidos pelo Estado.

Destaca-se que não houve inspeção por parte desta

Promotoria de Justiça na qual a lotação da carceragem não estivesse pelo menos

no dobro de sua capacidade.

Como no 3º Distrito, as detentas do 12º Distrito Policial

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são obrigadas a dormir, comer e fazer suas necessidades fisiológicas no mesmo

ambiente. Existem ligações hidráulicas e elétricas aparentes, de modo que a

insalubridade do local é gritante.

Não bastasse, na última inspeção realizada no mês de

outubro foi constatada infestação de piolhos no local (não sendo possível a

dedetização por conta da carceragem sempre cheia), bem como reiteradamente

encontram-se detentas gestantes segregadas nas condições desumanas acima

relatadas. Também, já houve oportunidades em que se verificou que detentas

soropositivas permanecem nas mesmas condições.

No 12º Distrito Policial, entretanto, em relação à assistência

de saúde, por força da insistência do Ministério Público, estabeleceu-se um

cronograma de visitas de profissionais da área médica a cada 15 (quinze) dias,

para exame e atendimento às detentas (cf. ofício n. 4695/2015-ASS.SMS, em

anexo).

Excelência, a situação desumana é tão gritante que chamou

a atenção até mesmo da comunidade da região de Santa Felicidade, que através

do Conseg São Brás, teve a iniciativa de apresentar um projeto de restauração da

Delegacia, o qual foi, ao que consta, injustificadamente arquivado pelo

Departamento Financeiro da Secretaria Estadual da Fazenda. Através da

Promotoria de Justiça das Comunidades, o Sr. Pedro Vidal Filho, presidente da

Conseg São Brás, solicitou auxílio do Ministério Público quanto à situação de

insegurança da comunidade e precariedade do ambiente carcerário do 12º

Distrito Policial. Referida Promotoria de Justiça realizou visita no 12º Distrito

Policial em 08 de outubro de 2015, ocasião na qual constatou, de igual forma, a

situação absolutamente insegura e degradante a qual a comunidade e as detentas

são submetidas (cf. ofício 2015OF/0353, termo de declarações e relatório de

visita em anexo).

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Ademais, não é muito salientar que a custódia de presos em

Delegacias de Polícia desnatura completamente e praticamente inviabiliza o

exercício da atividade fim da polícia judiciária. Policiais que poderiam – e mais

do que isso, deveriam – estar investigando crimes e mantendo o bom

funcionamento da Delegacia e atendimento ao cidadão, fazem as vezes de

agentes penitenciários, em situação de grande insegurança.

Nas inspeções realizadas durante este ano, a

SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA tanto no 3º quanto no 12º Distritos Policiais

fez-nos presenciar situação absolutamente desoladora, eis que os detentos se

encontravam quase que “empilhados” nas celas. Uma sociedade que se quer

civilizada simplesmente não pode aceitar um estado de coisas dessa ordem.

É absolutamente inconcebível que o Estado, detendo o

monopólio do poder punitivo e tendo como finalidade promover sempre a

dignidade da pessoa humana - garantia básica que deve vincular não só o Poder

Judiciário, mas todas as esferas - promova tal atrocidade.

A situação pode ser facilmente vislumbrada com a leitura

dos formulários de inspeções realizadas pelos agentes ministeriais da 1ª

Promotoria Criminal de Curitiba (signatários da presente), bem como das

informações advindas da Vigilância Sanitária, Corpo de Bombeiros e fotografias.

É inegável, portanto, que as condições das carceragens

visitadas – 3º e 12º Distritos Policiais – foram, são e estão absurdas, desumanas,

inaceitáveis, insalubres e totalmente incompatíveis com o sagrado princípio da

dignidade do ser humano, um dos fundamentos basilares do Estado Democrático

de Direito (artigo 1º, inciso III da CF), o que força o Ministério Público a,

esgotadas todas as outras vias de resolução da quaestio, ajuizar esta AÇÃO

CIVIL PÚBLICA para imposição de obrigações de fazer e não fazer, visando a

imediata e completa interdição das carceragens do 3º e 12º DPs de Curitiba, com

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a consequente e também imediata retirada de todos os presos das celas das

respectivas carceragens, além da imposição no sentido de encaminhar os presos

das carceragens destas duas unidades policiais para alguma(s) (das) unidade(s)

do Sistema Penitenciário do Paraná.

Na data do ajuizamento desta demanda (18.11.2015), a

carceragem do 3º Distrito Policial de Curitiba conta com 21 (vinte e um)

detentos – em celas que deveriam comportar no máximo 06 (seis) pessoas; já a

carceragem da 12º Distrito Policial conta com 08 (oito) detentas – em celas que

comportam no máximo 08 (oito) pessoas.

5. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

5.a. RONALD DWORKIN E A QUESTÃO DA

INTEGRIDADE

O ponto interpretativo fundamental, que informa o cerne

desta Ação Civil Pública, é o conceito de integridade, construído por Ronald

Dworkin, em específico em sua obra Law's Empire (O Império do Direito).

Assevera DWORKIN o seguinte:

“O princípio judiciário de integridade instrui os juízes a

identificar direitos e deveres legais, até onde for

possível, a partir do pressuposto de que foram todos

criados por um único autor – a comunidade

personificada –, expressando uma concepção coerente

de justiça e equidade. Elaboramos nossa terceira

concepção do direito, nossa terceira perspectiva sobre

quais são os direitos e deveres que decorrem de

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decisões políticas anteriores, ao reafirmarmos essa

orientação como uma tese sobre os fundamentos do

direito. Segundo o direito como integridade, as

proposições jurídicas são verdadeiras se constam, ou se

derivam, dos princípios de justiça, equidade e devido

processo legal que oferecem a melhor interpretação

construtiva da prática jurídica da comunidade. (…).

O direito como integridade é, portanto, mais

inflexivelmente interpretativo do que o

convencionalismo ou o pragmatismo. Essas últimas

teorias se oferecem como interpretações. São

concepções de direito que pretendem mostrar nossas

práticas jurídicas sob sua melhor luz, e recomendam,

em suas conclusões pós-interpretativas, estilos ou

programas diferentes de deliberação judicial. Mas os

programas que recomendam não são, em si, programas

de interpretação; não pedem aos juízes encarregados da

decisão de casos difíceis que façam novos exames,

essencialmente interpretativos, da doutrina jurídica. O

convencionalismo exige que os juízes estudem os

repertórios jurídicos e os registros parlamentares para

descobrir que decisões foram tomadas pelas

instituições às quais convencionalmente se atribui

poder legislativo. É evidente que vão surgir problemas

interpretativos ao longo desse processo: por exemplo,

pode ser necessário interpretar um texto para decidir

que lei nossas convenções jurídicas constroem a partir

dele. Uma vez, porém, que um juiz tenha aceito o

convencionalismo como guia, não terá novas ocasiões

de interpretar o registro legislativo como um todo, ao

tomar decisões sobre casos específicos. O pragmatismo

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exige que os juízes pensem de modo instrumental sobre

as melhores regras para o futuro. Esse exercício pode

pedir a interpretação de alguma coisa que extrapola a

matéria jurídica: um pragmatismo utilitarista talvez

precise preocupar-se com a melhor maneira de

entender a ideia de bem-estar comunitário, por

exemplo. Uma vez mais, porém, um juiz que aceite o

pragmatismo não mais poderá interpretar a prática

jurídica em sua totalidade.

O direito como integridade é diferente: é tanto o

produto da interpretação abrangente da prática jurídica

quanto sua fonte de inspiração. O programa que se

apresenta aos juízes que decidem casos difíceis é

essencialmente, não apenas contingencialmente,

interpretativo; o direito como integridade pede-lhes

que continuem interpretando o mesmo material que ele

próprio afirma ter interpretado com sucesso. Oferece-

se como a continuidade – e como origem – das

interpretações mais detalhadas que recomenda. (...).”8.

A integridade de Ronald Dworkin, aqui, está envolta a partir

do referencial último e concreto do princípio fundamental da dignidade do ser

humano, insculpido no artigo 1º, inciso III, da CRFB. É este princípio que deve

moldar e é a partir dele que se deve construir a interpretação das normas que

conduzirá a melhor solução possível para o caso em questão, alicerçada na

imediata e, posteriormente, na definitiva interdição das carceragens das unidades

policiais do 8º DP e da DRFV.

5.b. DA IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO DA

CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL –

8DWORKIN, Ronald. O Império da Lei. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 271/273.

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INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL

Como se observa da leitura dos documentos que instruem

esta inicial de Ação Civil Pública, o ESTADO DO PARANÁ está ciente das

inaceitáveis condições em que pessoas são colocadas nas carceragens provisórias

do 3º e 12º Distritos Policiais da Capital, porém permanece inerte e não adota

qualquer providência efetiva para solucionar o problema de forma imediata.

Com efeito, o Ministério Público encaminhou ofícios,

realizou inspeções organizou reuniões e expediu recomendação administrativa

ao longo desses últimos 08 (oito) meses, como forma de propiciar ao

requerido a concretização de medidas no sentido de melhorar as condições

carcerárias das mencionadas unidades policiais ou encerrá-las definitivamente

diante da constatação de que não podem ser minimamente adequadas ao

princípio constitucional da dignidade do ser humano.

Ora, referida situação carcerária não pode mais aguardar

que o ESTADO DO PARANÁ postergue sua solução em detrimento da

condição humana de cidadãos, ainda que, em tese, à margem da lei. É necessária

a adoção de medidas imediatas, e a via judicial é a única restante.

Nesta perspectiva, contudo, não é aceitável que a invocação

da cláusula da reserva do possível continue se impondo diante da necessidade de

implementação de políticas públicas tendentes a efetivar direitos fundamentais,

notadamente aqueles relativos à garantia do mínimo existencial. Por meio desta

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, o Ministério Público pretende a tutela imediata do

princípio da dignidade da pessoa humana, que proíbe o tratamento degradante e

desumano a que estão submetidos os presos segregados junto às carceragens

provisórias do 03º e 12º Distritos Policiais desta Capital.

A Constituição da República enuncia no artigo 1º os

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princípios fundamentais e no artigo 5º os direitos e deveres individuais e

coletivos, cuja aplicação imediata é ora pretendida: Confira-se:

Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada

pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático

de Direito e tem como fundamentos:

(...).

III – a dignidade da pessoa humana;

(...).

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do

direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade,

nos termos seguintes:

(...).

III – ninguém será submetido a tortura nem a

tratamento desumano ou degradante;

(...).

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à

integridade física e moral; [...].

Demonstrada a natureza constitucional do direito invocado,

percebe-se que a omissão estatal amparada na ausência de recursos

orçamentários não se justifica, visto que o Estado não pode se furtar a efetivar

direitos garantidos pela própria Constituição, como já decidido pelo Supremo

Tribunal Federal:

“(...).

A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À “RESERVA DO

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POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO

EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS

TRÁGICAS”. - A destinação de recursos públicos, sempre

tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de

conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas

no texto constitucional, quer, também, com a própria

implementação de direitos sociais assegurados pela

Constituição da República, daí resultando contextos de

antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-

los mediante opções por determinados valores, em

detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o

Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada

pela insuficiência de disponibilidade financeira e

orçamentária, a proceder a verdadeiras “escolhas trágicas”,

em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na

dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a

intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir

real efetividade às normas programáticas positivadas na

própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. - A

cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada,

pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar

e de inviabilizar a implementação de políticas públicas

definidas na própria Constituição - encontra insuperável

limitação na garantia constitucional do mínimo existencial,

que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo,

emanação direta do postulado da essencial dignidade da

pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de

“mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de

determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e

art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja

concretização revela-se capaz de garantir condições

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adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à

pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e,

também, a prestações positivas originárias do Estado,

viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos,

tais como o direito à educação, o direito à proteção integral

da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à

assistência social, o direito à moradia, o direito à

alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal

dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV).

(...).” (STF. ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE

MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-

177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT

VOL-02587-01 PP-00125).

A situação retratada demonstra a necessidade de pronta

intervenção do Poder Judiciário, a fim de preservar direitos humanos que são

inerentes à própria salvaguarda da civilidade de um Estado que se diz de

DIREITO, dos servidores lotados naquelas unidades policiais e da própria

segurança da população local, corrigindo-se a injustificada omissão estatal e

determinando o fechamento das mencionadas carceragens, com o

encaminhamento dos presos para o Sistema Penitenciário do Estado do Paraná,

que deverá recebê-los justamente em local com condições materiais e humanas

mínimas.

5.c. DAS NORMAS JURÍDICAS QUE REGULAM E

REGEM O TEMA

A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução

Penal), foi editada com o intuito específico de regular a execução das penas e das

medidas de segurança, sendo que a execução penal teria por objetivo a correta

efetivação das disposições de sentença penal condenatória, destinadas a reprimir

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e prevenir as infrações, com mínima possibilidade de sua reinserção social após o

cumprimento das condenações criminais a eles impostas.

Ainda que estejam segregados e tenham supostamente

praticado infrações graves, os presos provisórios e definitivos em nenhum

momento perderam os mencionados direitos, o que pode ser verificado pela

leitura dos artigos 40 a 43, da Lei nº 7210/1984, verbis:

Art. 40. Impõe-se a todas as autoridades o respeito à

integridade física e moral dos condenados e dos presos

provisórios.

Art. 41. Constituem direitos do preso:

I – alimentação suficiente e vestuário;

II – atribuição de trabalho e sua remuneração;

III – previdência social;

IV – constituição de pecúlio;

V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o

trabalho, o descanso e a recreação;

VI – exercício das atividades profissionais, intelectuais,

artísticas e desportivas anteriores, desde que

compatíveis com a execução da pena;

VII – assistência material, à saúde, jurídica,

educacional, social e religiosa;

VIII – proteção contra qualquer forma de

sensacionalismo;

IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e

amigos em dias determinados;

XI – chamamento nominal;

XII – igualdade de tratamento salvo quanto às

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exigências da individualização da pena;

XIII – audiência especial com o diretor do

estabelecimento;

XIV – representação e petição a qualquer autoridade,

em defesa de direito;

XV – contato com o mundo exterior por meio de

correspondência escrita, da leitura e de outros meios de

informação que não comprometam a moral e os bons

costumes.

Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X

e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante

ato motivado do diretor do estabelecimento.

Art. 42. Aplica-se ao preso provisório e ao submetido à

medida de segurança, no que couber, o disposto nesta

Seção.

Art. 43. É garantida a liberdade de contratar médico de

confiança pessoal do internado ou do submetido a

tratamento ambulatorial, por seus familiares ou

dependentes, a fim de orientar e acompanhar o

tratamento.

Parágrafo único. As divergências entre o médico oficial

e o particular serão resolvidas pelo juiz de execução.

Por seu turno, os estabelecimentos prisionais devem

observar as disposições dos artigos 83 a 85, também da Lei de Execução Penal,

assim como as Cadeias Públicas e carceragens de Delegacias de Polícia devem

atender ainda ao disposto nos artigos 88 e 102, da legislação referida 9.

9 Art. 83 – O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependênciascom áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e práticaesportiva.Art. 84 – O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em

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Os aludidos prédios devem, ainda, submeter-se às normas

postas pela Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, baixada pelo Conselho

Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), com o escopo de firmar

regras mínimas de incidência nacional para o tratamento do preso no Brasil e

que, dentre outras disposições, determina o seguinte:

Art. 9°. Os locais destinados aos presos deverão

satisfazer as exigências de higiene, de acordo com o

clima, particularmente no que se refere à superfície

mínima, volume de ar, calefação e ventilação.

Art. 10. O local onde os presos desenvolvam suas

atividades deverá apresentar:

I – janelas amplas, dispostas de maneira a possibilitar

circulação de ar fresco, haja ou não ventilação artificial,

para que o preso possa ler e trabalhar com luz natural;

II – quando necessário, luz artificial suficiente, para

que o preso possa ler e trabalhar sem prejuízo de sua

julgado.Parágrafo primeiro – O preso primário cumprirá pena em Seção distinta daquela reservadapara os reincidentes.Art. 85 – O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a suaestrutura e finalidade.Art. 88 – O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário elavatório.Parágrafo único – São requisitos básicos da unidade celular:a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamentotérmico adequado à existência humana;b) área mínima de seis metros quadrados.Art. 102 – A Cadeia Pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios.

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visão;

III – instalações sanitárias adequadas para que o preso

possa satisfazer suas necessidades naturais de forma

higiênica e decente, preservada sua intimidade;

IV – instalações condizentes para que o preso possa

tomar banho à temperatura adequada ao clima e com a

frequência que exigem os princípios básicos de higiene.

Acrescente-se que é princípio constitucional o respeito à

integridade física e moral do preso (artigo 5°, inciso XLIX, da Constituição da

República), sendo certo que não se privará o condenado de qualquer outro

direito que não aquele atingido pela sentença ou pela legislação em vigor, o que é

dever das autoridades públicas garantir (artigos 3° e 40, da Lei de Execuções

Penais).

De igual modo, os artigos 13 e 21, das Regras Mínimas

para Tratamento de Reclusos da ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES

UNIDAS, dispõe o seguinte, verbis:

Art. 13. As instalações de banho e ducha devem ser

suficientes para que todos os reclusos possam, quando

desejem ou lhes seja exigido, tomar banho ou ducha a

uma temperatura adequada ao clima

(...).

Art. 21.

1. O preso que não trabalhar ao ar livre deverá ter, se o

tempo permitir, pelo menos uma hora por dia para fazer

exercícios apropriados ao ar livre.

2. Todo preso deverá ter a possibilidade de dispor de

água potável quando deles necessitar.

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O Estado brasileiro, tomado em sua acepção global, ou seja,

a partir de todas as unidades da Federação e das instituições oficiais que as

representam, atuando de forma irresponsável em relação àqueles que estão sob

sua responsabilidade direta em restrição de sua liberdade, afastados de seu meio

social, expõe a risco esta própria sociedade, por tornarem os presos cada vez

mais agressivos e dissociáveis, construindo um círculo vicioso cruel e que, em

última análise, faz apenas com que o próprio meio social se torne mais violento,

mais pernicioso, menos seguro, ou seja, “menos social”. Por seu turno, as

autoridades públicas encarregadas da execução penal e da manutenção de

pessoas em restrição de liberdade não podem (ou não poderiam...) deixar de agir

contra a administração pública omissa no cumprimento de seus deveres para

com a pessoa privada de liberdade.

Assim, o que a inércia do requerido ESTADO DO

PARANÁ tem feito é conduzir à deterioração de todo um sistema prisional,

deterioração esta pautada, sobretudo, no aviltamento da condição humana do

encarcerado, no completo desrespeito às normas de execução penal e na absoluta

falta de percepção da proteção da dignidade do ser humano – a ponto de tornar

insuportável a própria segurança pública e expor a risco todo o tecido social

brasileiro, a partir da óbvia e evidente brutalização deste mesmo sistema –

destarte, outra solução não resta senão a inadiável interdição das carceragens e o

fechamento/esvaziamento das celas destinadas aos “presos comuns”, uma vez

que as carceragens dos 3º e 12º Distritos Policiais de Curitiba transformaram-se

em um desumano depósito de pessoas que, em um esforço comparativo,

assemelham-se às vítimas dos regimes totalitários mais cruéis e desumanos, algo

absolutamente inaceitável mesmo em um (pretenso) Estado de Direito que se

autodenomina civilizado.

A falta de ação estatal e de vontade política de seus gestores

ofende direitos humanos fundamentais e inalienáveis dos presos, elencados em

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normas infraconstitucionais, normas constitucionais e, ainda, em tratados e

convenções internacionais de que o Brasil é signatário, e não proporciona ao

encarcerado as condições de adequado retorno ao convívio social, mesmo que

estejamos a tratar somente de presos provisórios, que ainda aguardam

julgamento definitivo pelo Sistema de Justiça Criminal.

Ressalte-se, ademais, que a questão do descumprimento

das normas que regulam especificamente o tema no Estado do Paraná

ganha contornos ainda mais importantes em face do Decreto nº

11.016/2014, expedido pelo Governo do Estado do Paraná em 13 de maio

de 2014 e ainda vigente.

Com efeito, de acordo com referido Decreto governamental,

em especial pelo seu artigo 2º, restou determinado o fechamento definitivo de

diversas carceragens existentes em várias unidades prisionais (em verdade, de

Delegacias de Polícia), incluídas aí as carceragens do 3º e 12º Distritos Policiais

de Curitiba (objetos imediatos desta AÇÃO CIVIL PÚBLICA).

O quadro se torna ainda mais grave quando se depara com

a existência de uma normativa específica do ESTADO DO PARANÁ, ora

requerido (ato firmado, além do próprio Governador estadual, pelas

Secretarias de Estado de Segurança Pública e de Justiça) que justamente

determina (entre outros) o fechamento definitivo das carceragens dos 3º e 12º

Distritos Policiais de Curitiba, e que, embora com mais de 01 (um) ano de

vigência, ainda não se conseguiu dar efetividade a seu cumprimento, em um

exemplo absurdo de uma regra descumprida exatamente pelo responsável pela

sua inserção no ordenamento jurídico. Note-se que não se trata aqui sequer de

discutir a impossibilidade de se assegurar a ressocialização do preso nestas

condições. Não se quer aqui travar essa discussão, que, embora fundamental, está

para além do que se pretende com a presente10.

10“La resocialización supone un processo de interacción y comunicación entre el individuo y lasociedade que no puede ser determinado unilateralmente, ni por el individuo ni por la sociedade. El

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A pretensão aqui se traduz e se legitima, antes, no completo

desprezo com que são os SERES HUMANOS que, independentemente do

motivo, têm o infortúnio de passar pelas carceragens do 3º e 12º Distritos

Policiais de Curitiba que, mesmo proibidas (por ato do Excelentíssimo

Governador do Estado do Paraná) de continuar a receber detentos, continuam a

recebê-los em condições tão degradantes, extremas e humilhantes, que se perde

por completo, ali naqueles espaços, a ideia de dignidade do ser humano, estando

o Estado a tratá-los como “seres não humanos”, o que não se pode mais admitir.

Esta é, ao fim e ao cabo, a motivação que leva o autor

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, no exercício regular de

suas funções, a buscar a tutela jurisdicional por meio de Vossa Excelência como

última alternativa para a solução do problema, a fim de que este quadro caótico,

ao menos quanto às carceragens do 3º e 12º Distritos Policiais de Curitiba, cesse

definitivamente, senão por outros fatores, ao menos para que seja dado

regular cumprimento às normas constantes do Decreto governamental nº

11.016/2014, do Estado do Paraná.

Acredita o Ministério Público que o PODER JUDICIÁRIO

DO ESTADO DO PARANÁ, ciente de sua importantíssima missão na

preservação de direitos fundamentais e da observância e cumprimento de regras

dentro do Estado Democrático de Direito, em face de todo o acima exposto e no

âmbito desta AÇÃO CIVIL PÚBLICA, por uma questão de humanidade, não

deixará de atender ao disposto na nossa Carta Magna e na legislação

individuo no puede, en efecto, determinar unilateralmente um processo de interacción social, porquela propia naturaliza de sus condicionamentos sociales está obligado al intercambio y a lacomunicación com sus semejantes, es decir, a la convivencia. Pero tampoco las normas socialespueden determinar unilateralmente el processo interactivo sin contar com la voluntad del individuoafectado por ese processo, porque las normas sociales no son algo inmutable y permanente, sino elresultado de uma correlación de fuerzas sometidas a influencias mutables. Em otras palavras:resocializar al delincuente sin cuestionar al mismo tiempo el conjunto social normativo al que sepretende incorporarlo, significa pura y simplesmente aceptar como perfecto el ordem social vigentesin cuestionar ninguna de sus estructuras, ni siquiera aquellas más diretamente relacionadas con eldelito cometido”. MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho penal y control social. 2ª ed. Bogotá: Temis,2004, p. 93.

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internacional que trata do tema (Regras para tratamento de presos da Comissão

Internacional Penitenciária, 1929, com alterações em 1933 e aprovação pela Liga

das Nações em 1934; Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU,

1948; Regras Mínimas para tratamento de reclusos, aprovadas em Genebra pela

ONU, em 1955; Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966;

Recomendação do IV Congresso das Nações Unidas em Kioto, para aplicação

das regras mínimas, 1970; convenção contra a tortura e outros tratamentos ou

penas cruéis desumanos ou degradantes, 1984; Regras mínimas para tratamento

de reclusos, publicação do Centro de Direitos do Homem das Nações Unidas –

GE. 94-15440) em especial o comando do artigo 5º, item 2, da Convenção

Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica)11, e dará a

efetividade definitiva às regras já existentes em nosso ordenamento jurídico,

determinando o fechamento definitivo das carceragens das unidades policiais do

3º e 12º Distritos Policiais de Curitiba.

Conclui-se, portanto, que outra medida não resta, senão

decretar a interdição das carceragens do 3º e 12º Distritos Policiais de

Curitiba/PR.

Portanto, como corolário lógico do objetivo final visado

nesta demanda, cumpre ao Poder Judiciário, prefacialmente à emissão da norma

jurídica concreta e individual com vistas à condenação do ora requerido em

obrigação de FAZER e NÃO FAZER, que exare preceito declaratório no sentido

de reconhecer o vexatório e inadmissível estado de coisas inconstitucional relativo

às carceragens provisórias do 03º e 12º Distritos Policiais de Curitiba/PR, com o

reconhecimento da crassa violação à preservação da dignidade do ser humano e

do próprio contexto de segurança pública, que se compromete na medida em que

se opera verdadeiro “círculo vicioso” de violência e humilhação, que, obviamente,

só trará mais violência e comprometerá mais essa sensação de segurança que

decorre (ou deveria decorrer) em todo e qualquer ESTADO CIVILIZADO.

11“Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.

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5.d. DO “ESTADO DE COISAS

INCONSTITUCIONAL”

Encontra-se em julgamento, neste momento, a Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347/DF, em que se busca seja

“reconhecida a figura do ‘estado de coisas inconstitucional’ com relação a todo o

sistema penitenciário e prisional brasileiro e onde se busca, ainda, a adoção de

providências estruturantes e estruturais em virtude de lesões a preceitos

fundamentais de todo e qualquer pessoa presa em razão de ações e omissões

emanadas dos Poderes Públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal.

Em julgamento em sede de liminar, e ao conceder,

parcialmente, medida cautelar na referida ADPF, o Plenário do Supremo

Tribunal Federal reconheceu, na data de 09 de setembro do corrente ano (vale

dizer, há pouco mais de um mês), a violação a preceitos fundamentais no sistema

penitenciário prisional brasileiro, e determinou, por consequência, a proibição do

Poder Executivo de contingenciar os valores disponíveis no Fundo Penitenciário

Nacional (FUNPEN), bem como determinou que juízes e tribunais passem a

realizar audiências de custódia de modo a viabilizar o comparecimento do preso

perante uma autoridade judiciária no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas do

momento da prisão12.

O Excelentíssimo Senhor Ministro relator, Min. Marco

Aurélio, em seu voto no julgamento da MC em ADPF, assinalou o seguinte

diagnóstico, que em tudo e por tudo se aplica ao caso presente:

“Segundo investigações realizadas, a população

carcerária brasileira, maioria de pobres e negros,

alcançava, em maio de 2014, 711.463 presos, incluídos

12Vide link: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=299385&caixaBusca=N, acessado em 09 de setembro de 2015.

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147.397 em regime domiciliar, para 357.219 vagas

disponíveis. Sem levar em conta o número de presos em

domicílio, o déficit é de 206.307, subindo para 354.244,

se computado. A deficiência de vagas poderia ser muito

pior se não fossem os 373.991 mandados de prisão sem

cumprimento. Considerando o número total, até mesmo

com as prisões domiciliares, o Brasil possui a terceira

maior população carcerária do mundo, depois dos

Estados Unidos e da China. Tendo presentes apenas

presos em presídios e delegacias, o Brasil fica em

quarto lugar, após a Rússia.

A maior parte desses detentos está sujeita às seguintes

condições: superlotação dos presídios, torturas,

homicídios, violência sexual, celas imundas e

insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas,

comida imprestável, falta de água potável, de produtos

higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à

educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo

domínio dos cárceres por organizações criminosas,

insuficiência do controle quanto ao cumprimento das

penas, discriminação social, racial, de gênero e de

orientação sexual.

(...).

Consta, na representação da Clínica UERJ Direitos,

que, nos presídios e delegacias, por todo o país, as celas

são abarrotadas de presos, que convivem espremidos,

dormem sem camas ou colchões, em redes suspensas no

teto, ‘dentro’ das paredes, em pé, em banheiros,

corredores, pátios, barracos ou contêineres. Muitas

vezes, precisam se revezar para dormir. Os presídios e

delegacias não oferecem, além de espaço, condições

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salubres mínimas. Segundo relatórios do Conselho

Nacional de Justiça – CNJ, os presídios não possuem

instalações adequadas à existência humana. Estruturas

hidráulicas, sanitárias e elétricas precárias e celas

imundas, sem iluminação e ventilação representam

perigo constante e risco à saúde, ante a exposição a

agentes causadores de infecções diversas. As áreas de

banho de sol dividem espaço com esgotos abertos, nos

quais escorrem urina e fezes. Os presos não têm acesso

a água, para banho e hidratação, ou a alimentação de

mínima qualidade, que, muitas vezes, chega a eles

azeda ou estragada. Em alguns casos, comem com as

mãos ou em sacos plásticos. Também não recebem

material de higiene básica, como papel higiênico,

escova de dentes ou, para mulheres, absorvente íntimo.

A Clínica UERJ Direitos informa que, em cadeia

pública feminina em São Paulo, as detentas utilizam

miolos de pão para a contenção do fluxo menstrual.

(...).

Diante de tais relatos, a conclusão deve ser única: no

sistema prisional brasileiro, ocorre violação

generalizada de direitos fundamentais dos presos no

tocante à dignidade, higidez física e integridade

psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade

das instalações das delegacias e presídios, mais do que

inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica

correspondente, configuram tratamento degradante,

ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob

custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em

nossos presídios convertem-se em penas cruéis e

desumanas. Os presos tornam-se ‘lixo digno no pior

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tratamento possível’, sendo-lhes negado todo e

qualquer direito à existência minimamente segura e

salubre.

(...).

Nesse contexto, diversos dispositivos, contendo normas

nucleares do programa objetivo de direitos

fundamentais da Constituição Federal, são ofendidos: o

princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º,

inciso III); a proibição de tortura e tratamento

desumano ou degradante de seres humanos (artigo 5º,

inciso XLVII, alínea e); o dever estatal de viabilizar o

cumprimento da pena em estabelecimentos distintos,

de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do

apenado (artigo 5º, inciso XLVIII); a segurança dos

presos à integridade física e moral (artigo 5º, inciso

XLIX); e os direitos à saúde, educação, alimentação,

trabalho, previdência e assistência social (artigo 6º) e à

assistência judiciária (artigo 5º, inciso LXXIV).

Outras normas são afrontadas, igualmente

reconhecedoras dos direitos dos presos: o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a

Convenção contra Tortura e outros Tratamentos e

Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção

Americana de Direitos Humanos.

(…).

A responsabilidade do Poder Público é sistêmica,

revelado amplo espectro de deficiência nas ações

estatais. Tem-se a denominada 'falha estatal

estrutural'. As leis existentes, porque não observadas,

deixam de conduzir à proteção aos direitos

fundamentais dos presos. Executivo e Legislativo,

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titulares do condomínio legislativo sobre as matérias

relacionadas, não se comunicam. As políticas públicas

em vigor mostram-se incapazes de reverter o quadro de

inconstitucionalidades. O Judiciário, ao implementar

número excessivo de prisões provisórias, coloca em

prática a 'cultura do encarceramento', que, repita-se,

agravou a superlotação carcerária e não diminuiu a

insegurança social nas cidades e zonas rurais.

Em síntese, assiste-se ao mau funcionamento estrutural

e histórico do Estado – União, estados e Distrito

Federal, considerados Poderes – como fator da violação

de direitos fundamentais dos presos e da própria

insegurança da sociedade. Ante tal quadro, a solução,

ou conjunto de soluções, para ganhar efetividade, deve

possuir alcance orgânico de mesma extensão, ou seja,

deve envolver a atuação coordenada e mutuamente

complementar do Legislativo, do Executivo e do

Judiciário, dos diferentes níveis federativos, e não

apenas de um único órgão ou entidade”.

Vale destacar, na mesma ação, o voto proferido em sede de

Medida Cautelar pelo Ministro Luiz Edson Fachin, verbis:

“Tais dados [sobre a população carcerária, seu público-

alvo, e outros] revelam uma realidade assombrosa de um

Estado que pretende efetivar direitos fundamentais. Os

estabelecimentos prisionais funcionam como

instituições segregacionistas de grupos em situação de

vulnerabilidade social. Encontram-se separados da

sociedade os negros, as pessoas com deficiência, os

analfabetos. E não há mostrar de que essa segregação

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objetive – um dia – reintegrá-los à sociedade, mas sim,

mantê-los indefinidamente apartados, a partir da

contribuição que a precariedade dos estabelecimentos

oferece à reincidência.

(…).

Quando o Estado atrai para si a persecução penal e, por

conseguinte, a aplicação da pena visando à

ressocialização do condenado, atrai, conjuntamente, a

responsabilidade de efetivamente resguardar a

plenitude da dignidade daquele condenado sob sua

tutela. A pena não pode se revelar como gravame a

extirpar a condição humana daquela que a cumpre.

Deve funcionar sim como fator de reinserção do

transgressor da ordem jurídica, para que reassuma seu

papel de cidadão integrado à sociedade que lhe cerca.

(…).

Avista-se um estado em que os direitos fundamentais

dos presos, definitivos ou provisórios, padecem de

proteção efetiva por parte do Estado”.

Não há muito mais a dizer, a partir dos votos dos Ministros

Marco Aurélio e Luiz Edson Fachin, bem como a partir do parecer anexado à

ADPF e da lavra do Prof. Dr. Juarez Tavares. O reconhecimento do “estado de

coisas inconstitucional” é patente. A oportunidade para que algo seja feito no

sentido de minorar ou afastar esse estado de coisas é urgente, e é agora.

6. REQUERIMENTO DE CONCESSÃO DE MEDIDA

LIMINAR E TUTELA INIBITÓRIA

Na hipótese, demonstrada a verossimilhança das alegações

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contidas nesta petição através dos documentos anexados e da correta

interpretação das normas invocadas, formula-se a esse Juízo de Direito

requerimento de concessão de medida liminar para antecipação da tutela final

pretendida, com fundamento no artigo 461, caput, §§ 3º, 4º e 5º13, e no artigo

273, caput14, ambos do Código de Processo Civil, e no artigo 12, caput, da Lei nº

7.347/8515, determinando-se (A) A IMEDIATA INTERDIÇÃO DAS

CARCERAGENS PROVISÓRIAS DOS 3º E 12º DISTRITOS POLICIAIS

DESTA CAPITAL, também (B) A RETIRADA E REMOÇÃO DE TODOS

OS ATUAIS DETENTOS SEGREGADOS NAS CARCERAGENS DO 03º

E 12º DISTRITOS POLICIAIS DE CURITIBA/PR, COM SUA

INSERÇÃO JUNTO À UNIDADE OU ÀS UNIDADES DO SISTEMA

PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ, CONCEDENDO-SE O

PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS PARA A CONCRETIZAÇÃO DA

ORDEM JUDICIAL PELO ORA REQUERIDO, devendo, ainda, em outra

frente, (C) ser determinada liminarmente, desde agora até o completo

esvaziamento das mencionadas carceragens, A PROIBIÇÃO DO INGRESSO

DE QUALQUER PESSOA DETIDA, PRESA EM FLAGRANTE OU

PROVISORIAMENTE, NAS CARCERAGENS DO 03º E 12º DISTRITOS

13Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juizconcederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências queassegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.(…).§ 3º. Sendo relevante ofundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito aojuiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificativa prévia, citado o réu. A medida liminarpoderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.§ 4º. O juiz poderá,na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente depedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para ocumprimento do preceito.§ 5º. Para efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado práticoequivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais comoa imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas,desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de forçapolicial.

14Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos datutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença daverosimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;ou,II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

15Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

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POLICIAIS DE CURITIBA/PR, QUE DEVERÃO PERMANECER

VAZIAS E LACRADAS ATÉ O TÉRMINO DA RELAÇÃO PROCESSUAL

E/OU ENQUANTO VÁLIDA A LIMINAR CONCEDIDA, tudo de forma a

preservar/garantir a validade e a efetividade das normas jurídicas acima

mencionadas (Tópico 4.c, supra).

Justifica-se a concessão da medida liminar, posto que, diante

da causa de pedir já exposta à exaustão ao longo da exordial, presentes estão os

pressupostos legais necessários ao deferimento da tutela de urgência pleiteada,

no caso a relevância da fundamentação da demanda (identificado aqui como

fumus boni iuris) e o receio de dano irreparável ou de difícil reparação

(identificado aqui como periculum in mora).

Com efeito, a relevância da fundamentação resta exposta

e configurada pelo evidente “estado de coisas inconstitucional” que transpassa e

caracteriza as carceragens dos 3º e 12º DPs, como indicado ao longo desta peça.

No que tange à questão da reparação do dano, é necessário

asseverar que tanto a melhor doutrina, como, inclusive, o Novo Código de

Processo Civil (Lei nº 13.105/15 – ainda não em vigência), em seu artigo 497,

parágrafo único, assinalam que para a concessão de tutela inibitória específica, o

que se busca é efetivamente inibir a prática, a reiteração ou a continuação de

um ilícito, sendo irrelevante, portanto, a demonstração da ocorrência de dano,

se é de difícil reparação, ou não, ou se existe culpa ou dolo.

Todavia, AD ARGUMENTANDUM, caso haja necessidade

em se tratar neste ponto sobre o periculum in mora, é possível verificar e deduzir

que este fundamento reside na necessidade de se obstar, imediatamente, a

continuidade das violações diárias e constantes ao princípio da dignidade do ser

humano (CRFB, art. 1º, inciso III) relativamente aos detentos que têm a má

sorte de serem colocados nas carceragens do 03º e 12º DPs, concretamente

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quanto à sua própria segurança e integridade física e corporal, como, também,

em um contexto mais amplo, quanto à segurança da localidade e à segurança

pública da Capital, expostas a esse verdadeiro espiral de violência que só agrava o

estado de coisas.

Aqui, um registro é importante.

Os agentes do Ministério Público do Estado do Paraná,

conforme demonstra a documentação que encarta a petição inicial, buscaram

todas as alternativas possíveis para sanar o problema aqui retratado, desde

fevereiro de 2015. Foram pedidos oficiais formalizados, envio de ofícios, reunião,

recomendações administrativas, orientações, solicitações por escrito e orais,

enfim, todo o tipo de providência possível foi intentada. Todavia, sem sucesso,

muito embora o quadro sempre tenha sido terrível e a interdição das carceragens

(com a imediata retirada de todos os seus presos) fosse sempre providência

preliminar “da ordem do dia”, desde o início dos trabalhos de fiscalização e de

inspeções pelo parquet.

Com efeito, a urgência não diminuiu. A emergência em se

sustar imediatamente a contínua lesão a diversos bens tutelados e normas

jurídicas das mais diversas permanece.

Destaque-se, nesta quadra, que, em situação muito

semelhante à ora examinada, no âmbito da Ação Civil Pública nº 2489-

55.2015.8.16.0004, o douto Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública desta

Capital, Dr. Marcos Vinicius Christo, ao determinar liminarmente a interdição

da carceragem do 11º Distrito Policial de Curitiba, fez consignar o seguinte em

sua fundamentação, verbis:

“Denota-se que com a superlotação carcerária, os

presos, sejam provisórios ou definitivos que deveriam

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estar implantados no Sistema Penitenciário, são

obrigados a permanecer em estados reduzidos, e nestes

espaços, ficam em local insalubre e sem iluminação ou

ventilação adequados, inclusive com risco de

contraírem e/ou agravarem doenças

infectocontagiosas.

A unidade prisional não tem garantido, neste juízo

sumário, assistência material e condições mínimas de

assegurar vida digna aos 163 (cento e sessenta e três)

presos, com tratamento degradante e humilhante aos

custodiados.

O Estado do Paraná, por outro lado, apesar de por

certo acompanhar o sucateamento da carceragem do

11º Distrito de Polícia de Curitiba durante anos, com

tempo suficiente para executar projeto, inclusive com

prévia dotação orçamentária, não tem adotado medidas

suficientes, concretas e efetivas para reforma e/ou

retirada dos presos daquele local, fazendo outras

escolhas políticas com recursos públicos, como

propaganda, alimentação de cerimonial, aluguel de

carros e outras despesas não essenciais de agentes

políticos, (...), sem considerar a violação de direitos e

garantias fundamentais daquelas pessoas que se

encontram encarceradas.

(...).

O risco à ordem pública não apenas decorre da

interdição e de medidas urgentes de remoção dos

presos, mas, sim, do tratamento desumano dos presos,

os quais, filhos da violência, continuam a receber do

Estado do Paraná tratamento violento e,

possivelmente, continuarão a reproduzir violência

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quando forem colocados em liberdade, ou seja, irão

reproduzir a forma violenta e desumana com que foram

tratados pelo Estado do Paraná.

(...)”.

Ademais, há dois fatores importantes a aclarar. O primeiro

deles é que não resta nada mais a se tentar que não o ajuizamento desta

demanda. Tudo o mais que era factível foi buscado, sem sucesso. O segundo

deles é que, apenas na data de 14 de setembro de 2015, estes signatários

RECEBERAM ATRIBUIÇÃO ESPECÍFICA para o ajuizamento desta Ação

Civil Pública, por meio da Resolução sob nº 4027/2015, da d. Procuradoria-

Geral de Justiça do Estado do Paraná (anexa), o que possibilitou, destarte, a

presente providência jurisdicional.

Consigne-se que não se encontram presentes os óbices

legais estabelecidos no artigo 1º, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.437/92, visto que se trata

aqui de ação civil pública e a liminar pleiteada, caso concedida, de maneira

alguma esgotará o objeto da ação. Contudo, é de se aplicar a regra do artigo 2º,

da mesma lei, a fim de que a liminar pleiteada seja concedida, nos termos aqui

solicitados, APÓS audiência do representante judicial da pessoa jurídica de

direito público (Procuradoria-Geral do Estado do Paraná), em um prazo de 72

(setenta e duas) horas.

Giro outro, concedida a medida cautelar requerida em sede

de liminar de Ação Civil Pública neste tópico, pugna-se pela estipulação de

multa diária, para o caso de descumprimento, no valor equivalente a R$

5.000,00 (cinco mil reais) diários para a parte requerida por cada dia de

manutenção de presos nas carceragens ou por cada dia que houver novo

encarceramento em qualquer uma delas, COM RENOVAÇÃO DA MULTA

DIARIAMENTE em caso de verificação de descumprimento da ordem, a

recair sobre a pessoa física de seu representante legal acima indicado – vale

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dizer, o GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ, gestor pública

diretamente responsável pela política pública de segurança e pelo cumprimento

do comando judicial16.

Nesse diapasão leciona Celso Antônio Pacheco Fiorillo17:

“É por via da liminar, assecutória ou satisfativa, que se

alcançará, ainda que provisoriamente, a certeza de que

o processo não será um mal maior do que já se

constitui, na medida em que a demora da entrega da

tutela jurisdicional não se constituirá um mal maior ou

mais nefasta que a própria caracterização do dano ao

meio ambiente. Por isso, urge como regra necessária e

política a utilização cada vez maior da tutela liminar

em sede de proteção efetiva de direito difusos como um

todo”.

Em caso semelhante, assim decidiu o Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná, recentemente:

APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO

CONHECIDO DE OFÍCIO. PACIENTE ACOMETIDA

16A possibilidade de imposição da multa diária diretamente à pessoa do administrador público ou privado,ainda que o mesmo não faça parte da demanda, é admitida pela doutrina e pela jurisprudência. A propósito:“Desta especial peculiaridade decorrente da natureza jurídica da multa do art. 461 é que deriva oentendimento de que não há óbice para que as pessoas físicas, que tenham, por força de lei ou de estatutos oucontratos sociais, representação (material e processual) de pessoas jurídicas (de direito privado ou de direitopúblico, isto é indiferente), possam vir a ser responsabilizadas pessoalmente pelo pagamento da multa semprejuízo, evidentemente, de eventual apenação das próprias pessoas jurídicas. E a razão, não obstante suapolêmica em sede doutrinária e jurisprudencial, é a seguinte: as pessoas jurídicas só têm vontade na exatamedida em que as pessoas físicas que as representam a manifestem. Se a multa é dispositivo que visa ainfluenciar nesta vontade, não há como afastar sua incidência direta e pessoas dos representantes das pessoasjurídicas.” Cf. CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, Código de Processo Civil Interpretado, coordenaçãoAntônio Carlos Marcato, 2ª ed., São Paulo: Ed. Atlas, 2005, p. 1458.17FIORILLO, Celso Antônio Pacheco et alli. Aspectos Polêmicos da Antecipação da Tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

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DE ASMA BRÔNQUICA (CID J 45-0). PLEITO DE

FORNECIMENTO DOS MEDICAMENTOS VANNAIR

6/200 AEROSOL BUCAL E SINGULAIR 5MG.

PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO

MINISTÉRIO PÚBLICO, INADEQUAÇÃO DA VIA

ELEITA, NECESSIDADE DE CHAMAMENTO DA

UNIÃO FEDERAL E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA

FEDERAL AFASTADAS. MEDICAÇÃO NÃO

CONSTANTE DO PROTOCOLO CLÍNICO DE

DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA

SAÚDE. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE

PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. FATO QUE NÃO

JUSTIFICA A RECUSA AO FORNECIMENTO DO

FÁRMACO POSTULADO.INOCORRÊNCIA DE

VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS

PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL. DIREITO

DA PACIENTE DEVIDAMENTE

COMPROVADO.POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE

MULTA DIÁRIA POR DESCUMPRIMENTO EM FACE

DO GESTOR PÚBLICO. MULTA MINORADA EM

FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E

RAZOABILIDADE.CONDENAÇÃO ÀS CUSTAS

PROCESSUAIS MANTIDAS. PREVALÊNCIA DO

DIREITO À SAÚDE E À VIDA. CONDENAÇÃO DO

ESTADO DO PARANÁ AO PAGAMENTO DE

HONORÁRIOS AO PARQUET AFASTADA.RECURSO

CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO,

SOMENTE PARA EXCLUIR A CONDENAÇÃO EM

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E ADEQUAR O

QUANTUM DA MULTA DIÁRIA FIXADA.

SENTENÇA MANTIDA EM GRAU DE REEXAME

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NECESSÁRIO, CONHECIDO DE OFÍCIO.Há que se

conhecer de ofício do reexame necessário, tendo em vista o

disposto no Enunciado nº 18 das 4ª e 5ª Câmaras Cíveis

desta Corte que assim reza: "As sentenças ilíquidas

proferidas contra os Estados, Municípios e suas respectivas

autarquias e fundações de direito público, estão sujeitas ao

reexame necessário, não incidindo sobre elas a exceção

prevista no § 2º do art. 475 do CPC." O Ministério Público

possui legitimidade para defesa dos direitos individuais

indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa

individualmente considerada (art. 127 da Constituição

Federal).A ação civil pública proposta pelo Ministério

Público é meio hábil para o pleito de fornecimento de

medicamentos a menor hipossuficiente, por se tratar de

ação que visa resguardar direito individual

indisponível.Tendo em vista que o Sistema Único de Saúde

(S.U.S.) é financiado por recursos do orçamento da

Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, cada um destes entes, como

unidades federativas, tem o dever de prestar assistência à

saúde de forma integral.O art. 196 da Carta Magna

consagra o direito à saúde como dever do Estado, que

deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar

aos necessitados o tratamento mais adequado e eficaz, capaz

de ofertar ao enfermo maior dignidade, menor sofrimento e

melhor qualidade de vida. O fato da medicação postulada

não constar da lista de medicamentos editada pelo

Ministério da Saúde ou não constar no Protocolo Clínico de

Diretrizes Terapêuticas da referida entidade, não deve

implicar em restrição ao seu fornecimento, pois tais

protocolos clínicos, sendo normas de inferior hierarquia,

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não podem prevalecer em relação ao direito constitucional à

saúde e à vida.A ausência de previsão orçamentária não

justifica a recusa ao fornecimento dos remédios, posto que

uma vez que existe o dever do Estado, impõe-se a superação

deste obstáculo através dos mecanismos próprios

disponíveis em nosso ordenamento jurídico.A concessão dos

medicamentos não implica em violação ao Princípio da

Separação dos Poderes, pois, como resulta evidenciado, a

vida é direito subjetivo indisponível (indispensável),

devendo prevalecer em qualquer situação. Não há que se

falar em violação ao Princípio da Reserva do Possível,

vez que não se deve discutir matéria orçamentária

quando a própria Constituição Federal prevê o

orçamento de seguridade social, com recursos

originários das três fontes que integram o sistema

unificado de saúde. É perfeitamente possível a

aplicação de multa diária contra a Fazenda Pública,

como meio coercitivo para impor o cumprimento de

medida antecipatória ou de sentença definitiva de

obrigação de fazer ou entregar coisa. É possível a multa

recair sobre agente público uma vez que este é o

responsável direito pelo cumprimento da decisão

judicial e, tendo em vista que a multa arbitrada possui

caráter de motivar o rápido cumprimento de decisão

pelo ente público, impõe-se que as astreintes sejam

também suportadas, no presente feito, pelo gestor da

Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, notadamente

como uma forma de garantir a efetividade da medida,

devendo, no entanto, ser reduzida, a fim de se mostrar

mais proporcional e razoável. Deve ser mantida a

condenação quanto às custas processuais, em respeito ao

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Princípio da Causalidade. Além do que, tais custas

destinam-se à remuneração da prestação da atividade

jurisdicional.Não deve o Estado ser condenado ao

pagamento de honorários advocatícios em favor do

Ministério Público.

(TJPR - 5ª C.Cível - AC - 1140337-7 - União da Vitória -

Rel.: Luiz Mateus de Lima - Unânime - - J. 26.11.2013)

7. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS FINAIS:

Em assim sendo e face aos fatos e fundamentos retro

esposados, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seus

agentes signatários, requer:

A) a autuação da presente petição inicial e da documentação

anexa, bem como o seu recebimento e processamento segundo o rito

estabelecido na Lei nº 7.347/85, como Ação Civil Pública de Obrigação de

Fazer, com pedido liminar, a tramitar via Sistema Virtual PROJUDI, com

prevenção desse Juízo;

B) a isenção de custas e emolumentos e a concessão dos

benefícios da Justiça Gratuita, nos termos do artigo 18, da Lei n.º 7.347/85;

C) a concessão de medida liminar nos moldes declinados no

ITEM DE Nº 5, desta petição inicial, nos termos do artigo 461, caput , §§ 3º, 4º e

5º, e do artigo 273, caput , ambos do Código de Processo Civil, e do artigo 12,

caput , da Lei nº 7.347/85, determinando-se A IMEDIATA INTERDIÇÃO

DAS CARCERAGENS DO 3º E 12º DISTRITOS POLICIAIS DESTA

CAPITAL, também A RETIRADA E REMOÇÃO DE TODOS OS ATUAIS

DETENTOS SEGREGADOS NAS CARCERAGENS DO 03º E 12º

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DISTRITOS POLICIAIS DE CURITIBA/PR, COM SUA INSERÇÃO

JUNTO À UNIDADE OU ÀS UNIDADES DO SISTEMA

PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ, CONCEDENDO-SE O

PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS PARA A CONCRETIZAÇÃO DA

ORDEM JUDICIAL PELO ORA REQUERIDO, devendo ainda por fim, em

outra frente, ser determinada liminarmente, desde agora até o completo

esvaziamento das mencionadas carceragens, A PROIBIÇÃO DO INGRESSO

DE QUALQUER PESSOA DETIDA, PRESA EM FLAGRANTE OU

PROVISORIAMENTE, NAS CARCERAGENS DO 03º E 12º DISTRITOS

POLICIAIS DE CURITIBA/PR, QUE DEVERÃO PERMANECER

VAZIAS E LACRADAS ATÉ O TÉRMINO DA RELAÇÃO PROCESSUAL

E/OU ENQUANTO VÁLIDA A LIMINAR CONCEDIDA, tudo de forma a

preservar/garantir a validade e a efetividade das normas jurídicas aqui

invocadas, após a oitiva do representante judicial do requerido ESTADO DO

PARANÁ, na forma do artigo 2º, da Lei nº 8.437/92;

D) Considerando-se a necessidade de dar efetividade à

medida liminar, requer-se a estipulação de MULTA DIÁRIA, para o caso de

descumprimento da ordem judicial, no valor equivalente a R$ 5.000,00 (cinco

mil reais) diários para a parte requerida por cada dia de manutenção de

presos nas carceragens ou por cada dia que houver novo encarceramento

em qualquer uma delas, COM RENOVAÇÃO DA MULTA

DIARIAMENTE em caso de verificação de descumprimento da ordem, a

recair sobre a pessoa física de seu representante legal acima indicado – vale

dizer, o GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ, gestor público

diretamente responsável pela política pública de segurança e pelo cumprimento

do comando judicial, a ser recolhida para o Fundo Estadual de Defesa dos

Direitos Difusos;

E) a regular CITAÇÃO do requerido ESTADO DO

PARANÁ para, querendo, contestar a presente pretensão;

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F) seja conferida PRIORIDADE NA TRAMITAÇÃO da

presente Ação Civil Pública tendo em conta o “interesse público” envolvido na

lide;

G) seja julgada INTEGRALMENTE PROCEDENTE a

presente Ação Civil Pública, para o fim de que:

G.1) seja DECLARADO o “estado de coisas

inconstitucional”, reconhecendo o completo e absoluto

quadro de calamidade das carceragens provisórias do 3º e

12º Distritos Policiais de Curitiba/PR, bem como a

absoluta e rigorosa impossibilidade destas carceragens

continuarem a receber e nelas manter pessoas presas, ante o

flagrante desrespeito, a partir da teoria da integridade, do

princípio vetor da dignidade do ser humano, insculpido no

artigo 1º, inciso III, da Constituição da República

Federativa do Brasil;

G.2) sejam confirmadas as liminares concedidas, tornando-

as definitivas, e, NO MÉRITO, em julgamento definitivo,

seja o requerido CONDENADO na obrigação de FAZER,

consistente na interdição das carceragens do 03º e 12º DPs,

com as consequências lógicas derivadas dessa medida

judicial, e na obrigação de NÃO FAZER, consistente na

definitiva impossibilidade de utilizar as carceragens do 3º e

12º DPs para a colocação de presos, mantendo-as fechadas e

inutilizadas sem qualquer possibilidade de sua utilização

futura, fazendo, portanto, que as unidades policiais do 3º e

12º DPs tenham doravante apenas o mister de desenvolver

funções de polícia investigativa, sendo totalmente

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impossibilitada a utilização de suas respectivas carceragens,

peremptoriamente.

H) a condenação do requerido ESTADO DO PARANÁ

nas custas processuais e demais verbas de sucumbência, a serem revertidos em

favor do Fundo Especial do Ministério Público, conforme disposição de lei (Lei

Estadual n. 12.241/98);

I) produção de todos os meios de prova em direito

admitidos, em específico, prova documental (que segue anexa), e prova pericial,

consistente na elaboração de laudos técnicos oficiais e inspeção judicial,

protestando, desde logo, pela posterior juntada outros documentos, inclusive

laudo formulado por engenheiros do Ministério Público do Paraná sobre a

situação das carceragens.

Dá-se à causa, apenas para efeitos de alçada, o valor de R$

100.000,00 (cem mil reais).

Nesses termos,

Pede deferimento.

Curitiba-PR, 18 de novembro de 2015.

Raquel Juliana Fülle

Promotora de Justiça Designada

Jacson Zilio

Promotor de Justiça Designado

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