afetividade em processos comunicacionais de tutoria no ensino

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1 AFETIVIDADE EM PROCESSOS COMUNICACIONAIS DE TUTORIA NO ENSINO SUPERIOR A DISTÂNCIA Josias Ricardo HACK 1 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil RESUMO O artigo expõe o resultado de uma pesquisa empírica sobre a afetividade na prática tutorial na educação superior a distância, realizada entre os anos de 2009 e 2010. O estudo estava fundamentado na metodologia qualitativa, com ancoragem em autores das áreas da Comunicação e Educação. O objetivo era identificar algumas bases afetivas necessárias para se instituir a dialogicidade na comunicação educativa em processos de ensino e aprendizagem a distância. Para tanto, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com tutores do Curso de Licenciatura em Letras Português, na modalidade a distância, da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. Pelas respostas obtidas foi possível entender que há clareza, por parte dos entrevistados, sobre o que caracteriza uma relação afetiva entre os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem na EaD. Também ficou evidente que o processo comunicacional dialógico no ensino e aprendizagem na educação superior a distância precisa se balizar em atitudes afetivas equilibradas, que valorizem o respeito às múltiplas possibilidades de construção do conhecimento por movimentos de interação social individuais e coletivos. PALAVRAS-CHAVE: comunicação educativa; afetividade; educação a distância; tutoria. 1 Mestre e Doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Especialista em Formação de Professores na Modalidade de Educação a Distância pela Universidade Federal do Paraná. Professor da Graduação e Pós-Graduação na Universidade Federal de Santa Catarina. Membro da INTERCOM – Sociedade Interdisciplinar de Estudos da Comunicação e da ABRALIN – Associação Brasileira de Linguística. Pesquisa assuntos relacionados ao processo comunicacional na Educação a Distância e às múltiplas linguagens utilizadas para a confecção de materiais didáticos. Email: [email protected]

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AFETIVIDADE EM PROCESSOS COMUNICACIONAIS DE TUTORIA NO ENSINO

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    AFETIVIDADE EM PROCESSOS COMUNICACIONAIS DE TUTORIA NO ENSINO

    SUPERIOR A DISTNCIA

    Josias Ricardo HACK1

    Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, SC, Brasil

    RESUMO

    O artigo expe o resultado de uma pesquisa emprica sobre a afetividade na prtica tutorial

    na educao superior a distncia, realizada entre os anos de 2009 e 2010. O estudo estava

    fundamentado na metodologia qualitativa, com ancoragem em autores das reas da

    Comunicao e Educao. O objetivo era identificar algumas bases afetivas necessrias

    para se instituir a dialogicidade na comunicao educativa em processos de ensino e

    aprendizagem a distncia. Para tanto, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com

    tutores do Curso de Licenciatura em Letras Portugus, na modalidade a distncia, da

    Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, Brasil. Pelas respostas obtidas foi

    possvel entender que h clareza, por parte dos entrevistados, sobre o que caracteriza uma

    relao afetiva entre os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem na EaD.

    Tambm ficou evidente que o processo comunicacional dialgico no ensino e aprendizagem

    na educao superior a distncia precisa se balizar em atitudes afetivas equilibradas, que

    valorizem o respeito s mltiplas possibilidades de construo do conhecimento por

    movimentos de interao social individuais e coletivos.

    PALAVRAS-CHAVE: comunicao educativa; afetividade; educao a distncia; tutoria.

    1 Mestre e Doutor em Comunicao Social pela Universidade Metodista de So Paulo. Especialista em Formao de Professores na Modalidade de Educao a Distncia pela Universidade Federal do Paran. Professor da Graduao e Ps-Graduao na Universidade Federal de Santa Catarina. Membro da INTERCOM Sociedade Interdisciplinar de Estudos da Comunicao e da ABRALIN Associao Brasileira de Lingustica. Pesquisa assuntos relacionados ao processo comunicacional na Educao a Distncia e s mltiplas linguagens utilizadas para a confeco de materiais didticos. Email: [email protected]

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    1. INTRODUO

    A presente comunicao acadmica traz tona os resultados de uma pesquisa

    emprica sobre a afetividade na prtica tutorial na educao superior a distncia, realizada

    no ano de 2009 e incio de 2010. O estudo foi realizado com os tutores dos polos de

    atendimento presencial do Curso de Licenciatura em Letras Portugus, na modalidade a

    distncia, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianpolis, Brasil. A

    proposta de pesquisa teve seu ponto de partida em reflexes anteriores (HACK, 2010), onde

    se apontou a importncia de entender que a comunicao educativa em cursos superiores a

    distncia no pode ser encarada apenas como um repassar de contedos pelas mdias,

    afinal o processo de construo do conhecimento se d em uma relao dialgica, baseada

    em pressupostos que envolvem a trade: criticidade, criatividade e contextualizao.

    A partir dos resultados do estudo mencionado acima, resolvemos aprofundar a

    interlocuo com os tutores dos polos sobre algumas bases afetivas necessrias para se

    instituir uma dinmica de comunicao dialgica na Educao a Distncia (EaD), onde o

    estudante se sinta envolvido no sistema educacional e crie laos que o auxiliem no

    complexo processo de construo do conhecimento em parceria com o professor, o tutor e

    os colegas, mesmo longe fisicamente. Na sequncia, pontuaremos os resultados das

    reflexes advindas da interlocuo com os tutores, que ocorreu segundo a tcnica de

    entrevista semi-estruturada e versou sobre a afetividade na atuao do tutor presencial,

    aquele que acompanha os alunos nos polos de apoio do Curso de Licenciatura em Letras

    Portugus a distncia da UFSC.

    2. A LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUS A DISTNCIA DA UFSC

    No ano de 2006, a UFSC ingressou em uma experincia consorciada de EaD,

    denominada Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), que reuniu instituies pblicas

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    para o oferecimento de cursos de nvel superior. O Sistema UAB foi criado pelo Ministrio da

    Educao (MEC) do Brasil em 2005 e se orienta por 05 eixos fundamentais: (1) expanso

    pblica da educao superior, considerando os processos de democratizao e acesso s

    camadas da populao com dificuldade de acesso universidade; (2) aperfeioamento dos

    processos de gesto das instituies de ensino superior, possibilitando sua expanso em

    consonncia com as propostas educacionais dos estados e municpios; (3) avaliao da

    educao superior a distncia tendo por base os processos de flexibilizao e regulao em

    implementao pelo MEC; (4) contribuies para a investigao em educao superior a

    distncia no pas; (5) financiamento dos processos de implantao, execuo e formao de

    recursos humanos em educao superior a distncia. (UAB, 2010).

    A UFSC atua com a formao de bacharis e licenciados em Letras Portugus na

    modalidade presencial desde a dcada de 1950. Pela UAB, os professores do curso

    presencial foram estimulados a se engajarem no projeto piloto de EaD. Para o planejamento

    e efetivao do curso a distncia, a equipe docente recebeu o suporte de especialistas da

    rea do design instrucional, do audiovisual, bem como apoio pedaggico. Cada professor,

    acompanhado de seus tutores, tem a possibilidade de fazer videoconferncias em sua

    disciplina, bem como pode gravar vdeo-aulas ou arquivos de udio sobre determinados

    contedos, para disponibiliz-los aos alunos via DVD ou pela web. Os cursos possuem o

    suporte de um ambiente virtual de ensino e aprendizagem (AVEA) com ferramentas que

    auxiliam na comunicao entre as partes.

    Os polos de apoio presencial ao curso foram montados em prdios que pertencem

    ao poder pblico e as prefeituras municipais precisaram equip-los com: computadores com

    acesso internet, equipamento de videoconferncia, projetores multimdia para encontros

    presenciais e biblioteca. Alguns polos ficam a mais de mil quilmetros de distncia do

    campus da Universidade, em Florianpolis. O curso piloto de Licenciatura em Letras

    Portugus na modalidade a distncia oferecido pela UFSC em cinco cidades brasileiras:

    1. no estado de Santa Catarina, as cidades de Videira e Treze

    Tlias;

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    2. no estado do Paran, as cidades de Pato Branco, Cruzeiro do

    Oeste e Cidade Gacha;

    3. no estado de Minas Gerais, a cidade de Divinolndia de Minas.

    Ao final do primeiro ano, a desistncia no curso foi de aproximadamente 45% dos

    alunos. O curso iniciou em fevereiro de 2008 com 220 alunos e, em maro de 2009, contava

    com 120 alunos matriculados. Atualmente, em maro de 2010, h 99 estudantes cursando a

    Licenciatura em Letras Portugus. Por tratar-se de um curso piloto, desde 2008 houve

    apenas um vestibular para a entrada de alunos.

    3. QUEM O TUTOR NO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUS

    No curso piloto de Licenciatura em Letras Portugus da UFSC h dois tipos de

    tutores: 1) o tutor presencial que fica no polo de apoio localizado nas cidades citadas

    anteriormente; 2) o tutor a distncia que atua junto aos professores de cada disciplina, no

    campus universitrio da UFSC. O tutor presencial mantm contato com o aluno por

    ferramentas disponveis no AVEA, por telefone, softwares de comunicao instantnea e

    presencialmente, ao realizar encontros obrigatrios no ambiente fsico do polo de apoio. O

    tutor a distncia o orientador de contedo de uma disciplina especfica e se comunica com

    a comunidade que compe o curso pelos mesmos meios que o tutor de polo, com exceo

    da comunicao presencial.

    Os tutores que se encontram no campus universitrio da UFSC, tambm chamados

    de tutores a distncia, so selecionados por edital. Cada disciplina do Curso abre vaga para

    quatro tutores UFSC e a seleo se d pela anlise de currculo e prova. Os selecionados

    so capacitados e atuam na funo por um tempo determinado: enquanto a disciplina

    estiver em curso, aproximadamente quatro meses, se levarmos em conta as recuperaes e

    dependncias. No projeto do Curso de Licenciatura em Letras Portugus, as atribuies

    delegadas ao tutor a distncia so: a) orientar os alunos em seus trabalhos; b) esclarecer

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    dvidas de contedo; c) auxiliar na compreenso de procedimentos administrativos do

    curso; d) proporcionar feedback dos trabalhos e avaliaes realizadas em at dez dias teis

    aps o trmino do prazo final de entrega da tarefa; e) manter o contato virtual constante com

    os alunos, pelo uso das ferramentas disponibilizadas no AVEA, obedecendo o prazo

    mximo de 48 horas para responder uma mensagem eletrnica no AVEA; f) participar do

    processo de avaliao institucional do curso e das formaes que buscam potencializar seu

    trabalho.

    Para atender os alunos nos polos presenciais existem dois tutores em cada centro de

    apoio. A seleo de tais tutores tambm feita por edital pblico e compe-se da anlise de

    currculo e prova. Aps a seleo, os tutores presenciais so chamados para uma

    capacitao e passam a exercer a funo por tempo indeterminado, ou seja, at que as

    atividades do projeto se encerrem na cidade onde exercer a funo ou devido a alguma

    incompatibilidade com a proposta. O projeto do Curso prev as seguintes aes de um tutor

    de polo: a) organizar grupos de estudo com os alunos; b) realizar as atividades de

    aprendizagem presenciais (trabalhos em equipe, aplicao de provas, etc.) indicadas pelos

    professores; c) acompanhar e gerenciar, juntamente com o coordenador do polo, as

    videoconferncias; d) esclarecer os alunos sobre regulamentos e procedimentos do curso;

    e) representar os alunos junto aos responsveis pelo curso; f) manter o contato constante

    com o aluno; g) dirimir possveis dvidas sobre o envolvimento do aluno no cotidiano

    acadmico; h) participar do processo de avaliao institucional do curso e das formaes

    que buscam potencializar seu trabalho.

    Para equalizar a relao entre os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem

    a distncia existe a figura do coordenador de tutoria. As atividades desenvolvidas por esse

    coordenador, que um professor efetivo da Universidade, envolvem visitas aos polos

    regionais para acompanhar o trabalho do tutor presencial, realizao de reunies virtuais

    com o grupo de tutores do curso, proposio de processos de formao para os tutores

    sempre que considerar necessrio, coordenao das equipes de tutores a distncia e

    acompanhamento qualitativo e quantitativo do desempenho dos tutores presenciais. A

  • 6

    coordenadoria de tutoria realiza algumas aes que visam fortalecer a comunicao

    dialgica entre os envolvidos, quais sejam: a) promover as primeiras reunies entre os

    professores das disciplinas e os tutores UFSC para as orientaes gerais; b) acompanhar os

    professores e tutores na UFSC durante todo o perodo letivo; c) visitar os polos de apoio

    presencial para tratar de questes gerais com os alunos e tutores, promovendo a integrao

    entre a administrao do Curso, os discentes e tutores do plo; d) manter uma comunicao

    estratgica constante com os tutores dos plos, resolvendo os problemas com a maior

    brevidade possvel; e) buscar, junto aos setores competentes, a resoluo de problemas

    tcnicos.

    Transcorridos trs anos do incio da experincia piloto do curso de Licenciatura em

    Letras Portugus a distncia da UFSC, um estudo (HACK, 2010) apontou algumas

    caractersticas essenciais ao tutor que se prope a promover a mediao multimiditica do

    conhecimento a distncia, quais sejam:

    1. assumir o papel de orientador do processo de ensino e

    aprendizagem e cooperador na construo do conhecimento;

    2. explorar ao mximo a comunicao educativa com os alunos

    atravs da produo, em equipe, de vdeos, programas de udio,

    bem como pelo aumento e melhoria da interatividade e

    comunicao com o estudante pelo uso de e-mails, fruns

    virtuais, salas de bate-papo, etc.;

    3. administrar o tempo e saber organizar suas atividades para que

    as respostas aos estudantes sejam imediatas, com o intuito de

    promover constantemente o processo comunicacional dialgico;

    4. desenvolver o esprito de equipe e ampliar as habilidades de

    comunicao interpessoal, pois alm dos alunos tambm estar

    em constante articulao com o professor e a equipe

    multidisciplinar que auxilia na preparao dos materiais

    didticos;

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    5. buscar a capacitao continuada em EaD;

    6. trabalhar para que o ambiente onde o aluno se encontra seja

    motivador e acolhedor.

    Em sntese, essas so as atribuies e caractersticas esperadas daqueles que

    atuam com a tutoria, presencial e a distncia, no curso de Licenciatura em Letras Portugus

    EaD da UFSC, um trabalho intenso e constitudo por mltiplas facetas. Por isso, a prtica

    tutorial precisa se ancorar na cooperao e colaborao, afinal tais atitudes geram

    ambientes onde o processo de construo do conhecimento a distncia, via comunicao

    educativa com mltiplas tecnologias, passvel de ser realizado.

    4. A AFETIVIDADE NA COMUNICAO EDUCATIVA NA EAD

    Segundo Vygotsky (1993), a interao social imprescindvel para a aprendizagem e

    o desenvolvimento do ser humano, pois as pessoas adquirem novos saberes a partir de

    suas vrias relaes com o meio. Na concepo scio-histrica (VYGOSTSKY et al., 1988),

    a mediao, que tambm chamamos de comunicao educativa em nosso texto,

    primordial na construo do conhecimento e ocorre, dentre outras formas, pela linguagem.

    Assim, a singularidade do indivduo enquanto sujeito scio-histrico se constitui em suas

    relaes na sociedade e o modo de pensar ou agir das pessoas depende de interaes

    sociais e culturais com o ambiente.

    Como observado nas sees anteriores, os tutores do Curso de Licenciatura em

    Letras Portugus na modalidade a distncia da UFSC precisam estabelecer uma

    interlocuo constante com o aprendiz atravs de TIC que permitam uma comunicao de

    mo dupla entre as partes, pois se faltar o dilogo no processo educacional, se reduzir

    sensivelmente a estrutura do estudo acadmico (PETERS, 2001). Ento, a idia de

    comunicao educativa na EaD defendida no presente texto constri-se a partir da noo de

    feedback (BERLO, 1999; BORDENAVE, 1998) e o processo comunicacional entre os

  • 8

    envolvidos se caracteriza pela perspectiva de construo participativa do conhecimento,

    onde o estudante contribui como um co-autor ativo.

    Na EaD, o tutor tem papel imprescindvel na comunicao educativa que se

    estabelece no processo de ensino e aprendizagem a distncia, pois ele coopera com o

    aluno ao formular problemas, provocar interrogaes ou incentivar a formao de equipes

    de estudo. Em outras palavras, o tutor se torna memria viva de uma educao que valoriza

    e possibilita o dilogo entre culturas e geraes (MARTIN-BARBERO, 1997). Ao mediar a

    construo do conhecimento, com o uso de mltiplas tecnologias sem muitas vezes poder

    visualizar, ouvir as palavras nem perceber as reaes imediatas do interlocutor, o tutor

    precisa potencializar os processos comunicacionais para que haja dialogicidade,

    cumplicidade e afetividade entre os envolvidos. Tais formas de lidar com a construo do

    conhecimento e seus desdobramentos exigem metodologias e aes diferenciadas que so

    inditas para alguns docentes. Por isso, apesar de muitos tutores compreenderem a

    importncia dos meios de comunicao e das TIC na histria social contempornea, ainda

    necessrio otimizar determinadas mediaes que acontecem com o uso de diferentes

    tecnologias no contexto educativo a distncia (THOMPSON, 1998).

    No que tange dicotomia entre o cognitivo e o afetivo, Vygotsky (1993) aponta que a

    cognio possui estreita relao com a afetividade, ou seja, se separarmos o pensamento

    do afeto, fecharemos a possibilidade de explicar as causas do pensamento. Para o autor,

    quem separa o pensamento do afeto, nega a possibilidade de estudar a influncia inversa

    do pensamento no plano afetivo, bem como impossibilita a anlise que permitiria descobrir

    os motivos, as necessidades, os interesses, os impulsos e as tendncias que regem o

    movimento do pensamento.

    Aps essa breve contextualizao sobre os autores e alguns conceitos que

    referenciam nosso estudo, resta responder o questionamento que motivou a presente

    comunicao acadmica, ou seja, falta identificar as bases afetivas necessrias para se

    instituir uma dinmica de comunicao dialgica na EaD, onde o estudante se sinta

    envolvido no sistema educacional. Para encontrar resposta a tal questionamento, algumas

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    perguntas foram norteadoras: (1) o que se considera uma relao baseada na afetividade

    entre docente/aluno, aluno/aluno? (2) qual a importncia de relaes educativas baseadas

    na afetividade? (3) o que importante fazer para garantir um bom ambiente nos momentos

    presenciais que ocorrem durante o perodo letivo de cada distncia? (4) que manifestaes

    de afetividade tm boa e m repercusso no processo de ensino e aprendizagem?

    A metodologia do estudo qualitativa (BAUER; GASKELL, 2007) e a tcnica de

    pesquisa utilizada na coleta de dados foi a entrevista semi-estruturada, realizada por e-mail.

    A amostra foi composta pelos tutores presenciais, aqueles localizados nos polos de apoio do

    Curso de Licenciatura em Letras Portugus na modalidade a distncia, da UFSC. No total,

    foram entrevistados 10 tutores, que sero identificados adiante por T1 (tutor 1), T2 (tutor 2) e

    assim sucessivamente. Um dos tutores iniciou suas atividades na EaD h 07 meses, mas a

    maioria (70%) est na funo h mais de dois anos. A anlise dos resultados foi ancorada

    no vis que se encontra entre as Cincias da Comunicao e Educao. Na sequncia so

    destacadas as perguntas norteadoras, algumas respostas apresentadas pelos entrevistados

    e nossas reflexes sobre a temtica.

    Quando os tutores foram questionados sobre o que eles consideram uma relao

    baseada na afetividade entre docente/aluno, aluno/aluno, foram feitos os seguintes

    comentrios:

    T1: Considero aquela em que o educador no tem o aluno

    apenas como clientela, mas o reconhece como um ser que

    sofre, chora, erra, possui limitaes e dificuldades em certos

    contedos que precisam ser superadas. O educador deve dar

    apoio constante, porm jamais deixar a afetividade superar a

    tica educacional.

    T4: Uma relao baseada no respeito mutuo, onde cada um,

    docente ou aluno tem conscincia de sua funo e

    respectivas responsabilidades prprias ou para o bem

    comum.

    T6: Aquela que se constri atravs do respeito, compreenso,

    responsabilidade e dilogo.

  • 10

    T8: Esta efetividade entre docente/aluno comea nas

    participaes de todos nos plos, cada um respondendo por

    suas obrigaes e respeitando suas funes. E entre

    aluno/aluno na partilha e no companheirismo nas atividades

    obrigatrias em grupos.

    Como se observa, h clareza sobre o que caracteriza uma relao afetiva entre os

    envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Palavras como apoio, respeito,

    conscincia, responsabilidade, compreenso, dilogo e companheirismo foram chaves na

    construo do discurso dos entrevistados.

    Ao serem questionados sobre a importncia de relaes educativas baseadas na

    afetividade, os tutores dos polos de apoio do curso de Licenciatura em Letras Portugus a

    distncia responderam:

    T2: Considero importante sim, no entanto, claro que o conceito

    de afetividade muda um pouco quando se trata da EaD, j

    que o prprio nome explicita a distncia. Mas a que entram

    os polos, responsveis por estreitar um pouco mais os

    vnculos entre as pessoas que fazem parte do processo.

    T3: Acho importante e motivador, pois j que se trata de uma

    relao distante fisicamente, o professor deve mostrar

    interesse pelo aluno, acompanh-lo mais de perto, question-

    lo, interessar-se em saber como est este aluno, quais so

    suas dificuldades.

    T5: Considero fundamental as relaes educativas baseadas na

    afetividade na EaD, pois assim o processo no parece to

    distante e aproxima mais o educando, motivando a continuar

    o curso.

    T7: A afetividade importante, porm na EaD fica um pouco mais

    complicado devido a distncia. O que podemos fazer sempre

    motivar os alunos, dando abertura para sua expresso

    sempre que necessrio.

    As reflexes feitas pelos respondentes da entrevista ratificaram a importncia da

    relao afetiva entre os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem a distncia.

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    Segundo os entrevistados, com uma comunicao educativa baseada na afetividade, o

    aluno se sentir aceito e pertencente a um grupo, mesmo que a distncia fsica o separe de

    colegas e docentes. Assim, ele inclusive se sentir a vontade para cometer equvocos de

    aprendizagem, pois entender que o erro no intencional faz parte do processo de

    construo do conhecimento.

    Na sequncia, a entrevista buscava identificar o que era importante fazer para

    garantir um bom ambiente nos encontros presenciais que ocorrem durante o perodo letivo

    de cada disciplina. Algumas respostas dadas pelos entrevistados foram:

    T1: Tenho a mesma disponibilidade e ateno com todos, procuro

    conscientiz-los da importncia das videoconferncias e aulas

    por serem os nicos momentos em contato direto com o

    professor da disciplina. No dispenso a conversa

    descontrada e o cafezinho, mesmo muitas vezes estando

    sozinha para faz-lo.

    T2: Procuro mostrar alegria em estar no polo, mostrar disposio

    em auxiliar. Ao voltarmos, no incio do ano, eu e a minha

    colega de tutoria fizemos um bilhetinho para cada aluno, com

    uma mensagem de incentivo e tambm com um bombom,

    tudo muito simblico, mas com o intuito de renovar o nimo

    dos alunos!

    T5: Depende do que vamos fazer: se um filme, ns

    combinamos para trazer pipoca, caf, refrigerante; se um

    mural, apresentao, procuramos sempre conversar com os

    alunos e anim-los.

    T9: Tratando-os de igual para igual.

    Aqui, ficou patente a importncia de atitudes afetivas como a preparao adequada

    do espao onde os acadmicos estudaro no plo, bem como ficou saliente a necessidade

    de se estar aberto conversa informal, como aquela que ocorre no momento do cafezinho.

    Para os entrevistados, tais prticas auxiliam na busca de uma comunicao fluida, constante

    e bidirecional, que pode incentivar aquele discente que relapso no dilogo do ensino e

    aprendizagem.

  • 12

    Os ltimos questionamentos apresentados aos entrevistados tinham o intuito de

    identificar manifestaes de afetividade com boa e m repercusso no processo de ensino e

    aprendizagem. Algumas respostas que apontaram manifestaes com boa receptividade

    dos alunos foram:

    T1: Incentivar o estudo em grupo, mostrar interesse nas

    dificuldades encontradas, auxiliar na assimilao de

    contedos e desenvolvimento de atividades, estar sempre

    atento para evitar o afastamento e o desnimo nos

    estudos, atend-los diariamente via Moodle.

    T3: Proporcionar momentos de recreao no polo, atividades

    extracurriculares, o interesse em saber como est o meu

    aluno, conhecer o aluno, saber de seus problemas e tornar

    mais prazerosos e de fato significativos os momentos em que

    ocorrem os encontros presenciais.

    T4: Conversas coletivas, que envolvam todos, sem exceo.

    Interagir com eles procurando colaborar com as mais diversas

    situaes: dificuldade em compreender ou realizar alguma

    atividade; sanar dvidas referentes ao andamento do curso,

    das disciplinas; e muitas vezes tentando contribuir de forma

    saudvel com aqueles que tambm trazem problemas

    pessoais e de relacionamento entre colegas do curso.

    T7: Acredito que no ambiente escolar, ter afetividade aproximar-

    se do aluno, saber ouvi-lo, valoriz-lo e acreditar nele, dando

    abertura para a sua expresso.

    As respostas apresentadas pelos tutores sobre manifestaes de afetividade com

    boa receptividade entre os alunos fortalecem o resultado de outro estudo (HACK, 2010), ao

    destacar a imprescindibilidade, por parte do tutor, da administrao do tempo e do

    gerenciamento das atividades acadmicas, para que os estudantes recebam os feedbacks

    com a maior brevidade possvel, sempre em busca de um processo comunicacional

    dialgico, mesmo que distante fisicamente. Alm disso, ficou saliente que os momentos de

    recreao, de atividades extras, de conversas coletivas e de colaborao ajudam a

  • 13

    desenvolver o esprito de equipe, bem como ampliam as habilidades de comunicao

    interpessoal.

    Algumas respostas que apontaram manifestaes de afetividade com m

    receptividade dos alunos no processo de ensino e aprendizagem foram:

    T2: Acredito que as manifestaes de afetividade que possam ter

    m repercusso so aquelas em que o aluno confunde a tua

    disponibilidade em ajudar, com a tua funo de tutor em si.

    Muitos pensam que o fato de voc ser tutor pode aliviar o

    lado deles, que voc vai permitir coisas que a UFSC no

    permite, essas coisas. Mas nessas horas preciso deixar

    bem clara qual a sua verdadeira funo no processo, porque

    o teu profissionalismo que est em jogo. A partir da tudo

    transcorre muito bem.

    T5: Se distanciar do aluno, no respondendo suas questes, no

    ouvindo. No conhecendo sua realidade, e tambm no

    deixando que nos conhea.

    T6: Proximidade excessiva, pois torna o aluno dependente.

    T10: Falta de unio entre diferentes grupos de alunos.

    Competitividade de notas. Divergncia de opinio e atitudes

    entre tutores presenciais. Falha na comunicao entre

    tutor/aluno (demora ou ausncia de respostas dos e-mails

    enviados, gerando duvidas quanto ao

    recebimento/conhecimento de determinadas situaes.).

    Os comentrios acima fortalecem a importncia de algumas manifestaes de

    afetividade na construo das relaes sociais em processos de ensino e aprendizagem a

    distncia, bem como expem a necessidade dos alunos entenderem o papel do tutor em um

    polo, j que em certos momentos sua ao se assemelha do professor em sala de aula.

    As respostas aos dois ltimos questionamentos da entrevista apontam para resultados j

    identificados em outros estudos (BELLONI, 2001; MOORE; KEARSLEY, 2007; LITTO;

    FORMIGA, 2008; HACK, 2010): que a EaD uma modalidade de educao que exige

    maturidade do pblico-alvo e o desenvolvimento de algumas caractersticas como o

    autodidatismo, o comportamento autnomo e o trabalho colaborativo. No entanto,

  • 14

    geralmente tais caractersticas no so devidamente estimuladas durante a formao do

    discente na educao fundamental e mdia no Brasil.

    Como se observou, a experincia piloto do curso de Licenciatura em Letras

    Portugus EaD da UFSC indicia o quanto primordial a dialogicidade no processo de

    ensino e aprendizagem na educao superior a distncia e traz ao tutor a premncia de

    repensar nuances afetivas de sua comunicao educativa. Em nossa interpretao, tal

    premncia poder impulsionar a criao de ambientes motivadores e acolhedores, onde o

    equilbrio afetivo ajude o aluno a vencer o medo de se comunicar ou apresentar suas idias,

    expondo-as interpretao e ao questionamento dos demais participantes do curso. No

    entanto, h de se ressaltar que o equilbrio nas relaes afetivas que envolvem a

    comunicao educativa imperativo. Cada envolvido no processo de ensinar e aprender a

    distncia precisa entender sua responsabilidade no sistema, para ento, encontrar a devida

    equanimidade entre seus direitos e deveres.

    5. CONSIDERAES FINAIS

    Conforme destacado na introduo, o presente artigo se originou de uma pesquisa

    emprica sobre a afetividade na prtica tutorial na educao superior a distncia, realizada

    com os tutores que atuam nos polos presenciais do Curso de Licenciatura em Letras

    Portugus EaD da UFSC. O objetivo era identificar algumas bases afetivas necessrias para

    se instituir a dialogicidade na comunicao educativa em processos de ensino e

    aprendizagem a distncia. Aqui, foi possvel refletir sobre a importncia da interao social

    na aprendizagem e no desenvolvimento do ser humano, que adquire novos saberes a partir

    de suas vrias relaes com o meio, bem como se estudou a estreita relao entre

    afetividade, pensamento, comunicao e construo do conhecimento (BERLO, 1999;

    FREIRE, 1975, 1997; PETERS, 2001; THOMPSON, 1998; VYGOTSKY 1993).

  • 15

    Pelas respostas dos entrevistados que formaram a amostra do estudo foi possvel

    entender que h clareza sobre o que caracteriza uma relao afetiva entre os envolvidos no

    processo de ensino e aprendizagem na EaD. Partindo dos depoimentos colhidos, foram

    identificadas as seguintes bases para se instituir uma comunicao educativa dialgica com

    um grau equilibrado de afetividade:

    1. Primeira base para uma comunicao dialgica afetiva a

    habilidade de conviver com as diferenas. A pesquisa apontou a

    importncia de se criar ambientes onde o aluno se sinta

    pertencente a uma comunidade, bem como aprenda a se expor,

    ouvir os outros e respeitar os pensamentos divergentes;

    2. Segunda base para uma comunicao dialgica afetiva a

    assiduidade na comunicao no presencial. Ficou saliente que

    os tutores precisam administrar bem o seu tempo e as atividades

    acadmicas, para que os estudantes recebam os feedbacks em

    tempo hbil. O aluno precisa perceber com clareza que h

    algum do outro lado da tecnologia e que essa pessoa seu

    interlocutor no processo de construo do conhecimento;

    3. Terceira base para uma comunicao dialgica afetiva a

    proximidade e a identidade entre as partes envolvidas. Os

    respondentes destacaram a necessidade da conversa e do

    contato informal com o discente (por exemplo, aquele bate-papo

    acompanhado de um caf, sobre assuntos corriqueiros e

    cotidianos), para o estabelecimento de uma comunicao que

    aproxime as pessoas pelo dilogo aberto entre pares, sempre de

    forma respeitosa;

    4. Quarta base para uma comunicao dialgica afetiva a

    descontrao eventual. Os momentos recreativos e as atividades

    extra-curriculares, espaos que referendam a existncia de uma

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    comunidade, foram identificados como estratgias que auxiliam

    todos os envolvidos a desenvolverem o esprito de equipe. Tais

    prticas tambm ampliam as habilidades de comunicao

    interpessoal;

    5. Quinta base para uma comunicao dialgica afetiva a

    maturidade e a responsabilidade individual. O estudo identificou

    o quanto imprescindvel que cada pessoa entenda sua

    responsabilidade e encontre o equilbrio entre seus direitos e

    deveres no sistema de EaD do qual faz parte. Docentes e

    discentes precisam colaborador no desenvolvimento da

    autonomia.

    Em suma, a pesquisa identificou que o processo comunicacional dialgico na

    educao superior a distncia, quando balizado por atitudes afetivas equilibradas como as

    descritas acima, incrementa a interao social, at mesmo aquela que ocorre via tecnologia.

    Para tanto, importante que o tutor fomente de forma contnua a comunicao educativa,

    utilizando-se de estratgias variadas para promover o dilogo construtivo e afetivo com os

    alunos. Assim, se valorizar o respeito s mltiplas interaes sociais e culturais, por

    movimentos individuais e coletivos, to salutar no processo de construo do conhecimento

    em qualquer nvel ou modalidade.

    6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. 6. ed. Petrpolis: Vozes; 2007.

    BELLONI, M. L. Educao a distncia. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2001.

    BERLO, D. K. O Processo da Comunicao: Introduo Teoria e Prtica. So Paulo: Martins Fontes, 1999.

    BORDENAVE, J. D. Alm dos meios e mensagens: introduo comunicao como processo, tecnologia, sistema e cincia. 8. ed. Petrpolis: Vozes, 1998.

  • 17

    FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessrios prtica educativa. So Paulo: Paz e Terra, 1997.

    FREIRE, P. Educao como prtica da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

    HACK, Josias Ricardo. Comunicao dialgica na educao superior a distncia: a importncia do papel do tutor. Revista Signo y Pensamiento. Colmbia, Bogot: Editorial Pontificia Universidad Javeriana. n. 56, 2010.

    LITTO, F. M.; FORMIGA, M. Educao a Distncia. So Paulo: Prentice Hall, 2008.

    MARTIN-BARBERO, J. Dos meios s mediaes: comunicao, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.

    MOORE, M.; KEARSLEY, G. Educao a Distncia. So Paulo: Thomson Pioneira, 2007.

    PETERS, O. Didtica do ensino a distncia. So Leopoldo: UNISINOS, 2001.

    THOMPSON, J. A mdia e a modernidade. Petrpolis: Vozes, 1998.

    UAB. Universidade Aberta do Brasil. Disponvel em: . Acesso em 01/2010.

    VYGOTSKY, L.S. et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. So Paulo: cone, 1988.

    VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. So Paulo: Martins Fontes, 1993.